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Antonio Sergio Guimarães - Formação e Crise Da Hegemonia Burguesa Na BA (Tese)
Antonio Sergio Guimarães - Formação e Crise Da Hegemonia Burguesa Na BA (Tese)
AGRADECIMENTOS
A versão original desse trabalho foi apresentada como tese ao Mestrado de Ciências
Sociais da Universidade Federal da Bahia em janeiro de 1982. A versão atual, reescrita em 1989,
modifica a exposição, clarificando alguns argumentos, e elimina algumas incoerências mas, pri-
ncipalmente, altera a ordem da narrativa. Para essas modificaçõees foram valiosíssimas as críticas e
sugestões de Francisco de Oliveira, Ubiratan Araujo e Nadya Araujo Guimarães, que participaram
da banca examinadora.
Finalmente, não é preciso dizer que nenhuma das pessoas citadas é responsável por
qualquer dos muitos defeitos desse texto. Entretanto, eu seria injusto se não acrescentasse que muitas
das suas virtudes são direta ou indiretamente devidas a elas.
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PARTE I
OS ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA
FORMAÇÃO CAPITALISTA
NA BAHIA
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Introdução
Seria normal iniciar uma exposição demarcando a localização do objeto de estudo e
dando a perspectiva de conjunto a um quadro que, forçosamente, destaca e detalha aspectos
temporais particulares. É como se o investigador procurasse explicitar o contexto em que seu
trabalho tem sentido. Não foi, porém, apenas ou principalmente essa a razão que determinou
essa incursão histórica. É que a historiografia baiana esteve profundamente marcada pela
visão dos intelectuais que, após a Segunda Guerra Mundial, forjaram e assumiraam o sistema
de idéias e os projetos econômico e político que possibilitariam o desenvolvimento industrial
da Bahia.
Assim, ao estudar o processo de formação da burguesia baiana, esbarrávamos
sempre com um conjunto de justificativas consensuais a respeito dos mais variados aspectos
históricos do desenvolvimento econômico e social do Estado, que colocava um sério
obstáculo à reapreciação dos fatos.
Porque a burguesia apresentava-se frente à história como a herdeira do passado
heróico e glorioso da Bahia, tornou-se impossível compreender aquele presente que estava
sendo construído nos anos 40 e 50 do século XX sem, ao mesmo tempo, desvendar a
compreensão do passado. Passado e presente estavam tão intrinsecamente entrelaçados no
discurso que desfazer os arremates de um implicava em reordenar todo o tecido.
A história oficial "leva[va]-nos à visão de que a Bahia decaí[ra] de um paraíso
original de riqueza, de importância política, de proeminência cultural etc." para um vale de
estagnação e pobreza, como observaram Araújo e Sá Barreto (1978). Essa concepção era
responsável por uma periodização da história da Bahia em três grandes fases: uma de
prosperidade, recobrindo os períodos colonial e imperial e dividida segundo os anos de maior
ou menor prosperidade do comércio internacional do açúcar, do fumo, do algodão e de outros
produtos menores; outra de transição, marcada pela abolição da escravatura, pela decadência
da cultura da cana de açúcar e pelo surgimento da cacauicultura; e finalmente, a última, de
decadência, marcada pela perda da autonomia federativa da Bahia e pela sangria sistemática e
coordenada de suas riquezas pelo governo da União, que essa geração toma em mãos, como
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destino seu, redimir e corrigir num concentrado esforço de bravura política, inteligência
técnica e lide produtiva.
Por mais que variassem as nuanças ideológicas ou a complexidade teórica, repetia-se
sempre o esquema interpretativo em que a submissão e a pobreza do presente eram
contrastados à dominação e opulência do passado, e a grande pergunta que se fazia à história
era porque, ou como, ou quando, a Bahia deixou de ser o mais rico e mais importante dos
Estados brasileiros e passara a ser um membro subalterno de uma federação que se julgava,
de fato, inexistente. Por trás dessa pergunta, que podia aliás caber em outro contexto,
escondia-se um princípio metodológico que concebia a história como um conjunto de
totalidades contrapostas, de modo que a história da Bahia, a história do Brasil e a história
mundial eram concebidas como desenvolvendo-se paralelamente, ainda que de modo
complementar. Essa perspectiva que, procurando explicar o presente da Bahia pelo passado
da Bahia, acabava por perder a possibilidade de uma análise dialética, ou, no melhor dos
casos, via-se forçada a integrar a posteriori análises de diferentes totalidades.
Para nós, entretanto, a recusa da problemática e das análises da história oficial não
devia conduzir, apenas, à crítica teórica e à incorporação de novas fontes documentais. Mais
que isto, fundamentalmente, deveria interpretar essa historiografia como peça fundamental de
um projeto hegemônico. Os intelectuais burgueses baianos projetaram na história não
somente sua visão ideológica, que se expressava no uso de teorias científicas hoje
ultrapassadas, mas, principalmente, a experiência histórica de classe que refletiu as
vicissitudes da vida empresarial e comercial, sua e de seus antepassados, em explicações
genéricas.
Mas, havia outro perigo. A chance de produzir uma história materialista estava em
não contrapor a essa concepção uma outra igualmente deficiente, que, ao derivar do todo a
explicação das partes, acaba por guardar apenas as explicações gerais e relegar ao singular o
papel de mera exemplificação do geral. Dois movimentos precisam, pois ser perservados: de
um lado, é preciso, já que se trata de uma evolução, que o presente ilumine o passado e não o
contrário (Marx, 1974). Isto é, para explicar a formação do presente, sem perder a
compreensão de sua novidade, é necessário que se parta da articulação atual, pois a história é
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uma totalidade articulada, cujas partes encontram-se ordenadas por uma produção particular,
que deve ser realçada. Mas, por outro lado, trata-se de uma história singular, cujo
desenvolvimento não estava dado por nenhuma estruturação rígida, que prescindisse de
sujeitos ou apenas os selecionasse para papéis pré-definidos.
Por isso é preciso não ser rígido na definição das regras, pois elas não poderão ter
validade em todos os meandros. Alguns traços escondem nitidamente no passado o seu
segredo, enquanto outros não o têm senão no presente, mas, apesar disso, sobre todos é
preciso lançar a luz da novidade que os embebe.
Em se tratando da Bahia, dir-se-ia que por algum tempo a historiografia deixou
de compreender a razão de seu presente por procurá-lo demasiadamente no passado. Mas,
por outro lado, isso teve a virtude de evidenciar uma prática de classe imprescindível para a
compreensão de sua história. Uma vez que se conte com os marcos conceituais que permitam
entender a articulação da Bahia ao desenvolvimento da formação social brasileira e a sua
novidade histórica atual, e uma vez que se conte com uma periodização que decorra do
entendimento dessa novidade, essa história oficial, suas análises e sua base factual são
fundamentais para que se entendam alguns traços atuais dessa região naquilo que ela tem de
mais específico. Isso é tão mais fundamental quando se quer compreender a formação de suas
classes dominantes - a sua burguesia mercantil-financeira, a sua oligarquia fundiária, a sua
burguesia agrícola.
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No início dos anos 70, uma importante tese viria mudar os rumos dos estudos regionais no
Brasil. Os dois principais argumentos dessa tese eram, em primeiro lugar, que as mudanças na divisão
interregional do trabalho, principalmente o crescimento industrial do Nordeste a partir da segunda
metade da década dos 60, deviam ser compreendidas a partir da lógica do crescimento industrial do
Sudeste, o pólo dinâmico da economia brasileira; em segundo lugar, que a política de desenvolvimento
regional posta em prática pela Sudene a partir de 1959 representava a necessidade de homogeneização
do espaço econômico brasileiro, correspondente ao estágio monopolista atingido pela economia do
Sudeste (Oliveira, 1972; Oliveira & Reichstul, 1973).
Por homogeneização espacial Oliveir a e Reichstul compreendiam a criação de condições
privilegiadas para a reprodução e a acumulação de capitais em todas as regiões brasileiras, processo
que fôra iniciado pela política de industrialização da Sudene, através da criação de mecanismos fiscais
do tipo 34/181.
Ora, a criação de mecanismos do tipo 34/18, criando uma vinculação institucional entre os
agentes que fazem a oferta e a demanda de créditos, possibilitaria "a transferência de classes
dominantes de uma para outra região", podendo "ser entendida como resposta a uma necessidade
estrutural da expansão capitalista no Brasil" (Oliveira & Reichstul, 1973:151).
Nota: A mudança do passo (10) e fonte (2) deve ser convertido manualmente. Essas
idéias abriram toda uma gama de novas questões e de novas perspectivas para compreender o qu e se
passou na economia do Nordeste desde a revolução de 30, principalmente nos anos 50, e que fôra, até
então, tratado como um alargamento das disparidades regionais. Esse mesmo tratamento respaldara
ideologicamente a arregimentação das classes burguesas nordestinas no movimento regionalista mais
pujante de que se tem notícia no país.
A tese do aprofundamento das desigualdades regionais estava eq uivocada, segundo a nova
interpretação, porque "tomava como alargamento das disparidades o que era uma redefinição das
relações regionais..." (Oliveira e Reichstul, 1973:134). Desestruturavam-se assim os fundamentos de
uma outra concepção, então corrente, de que a criação da Sudene e a própria política de industrialização
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nordestina teriam sido uma vitória das forças nacionalistas, respaldadas pelas camadas populares,
contra a resistência de uma oligarquia reacionária e semi-feudal.
Na verdade, tanto a tese de aumento das disparidades regionais quanto a sua variante
nacionalista, adotada por significativas parcelas da esquerda anti-imperialista, falhavam justamente por
não compreenderem as contradições que passaram a pressionar a estrutura da economia brasileira. De
fato, ainda segundo a nova corrente interpretativa, as relações de produção do capital monopolista
começaram a se internalizar já nos anos 50, substituindo as antigas relações imperialistas (Palloix,
1979).
As contradições que tomaram de assalto a economia brasileira seriam explicadas pelas
tendências opostas à equalização e à diferenciação das condições de produção e de troca, necessárias
para a valorização do capital no bojo do processo de acumulação monopolista.
Por um lado, seria necessário que se desfizesse a antiga coerência interna das economias regionais,
historicamente voltadas para o comércio exterior e fundamentadas na subsunção formal da produção ao
capital comercial. Em seu lugar deveria erigir-se uma coerência interregional que atendesse aos
imperativos do crescimento do capital industrial (latu sensu), centrado no sudeste do país. Essa
tendência implicaria numa industrialização sem vínculos regionais coerentes e na equalização das
condições objetivas de reprodução ampliada do capital ou, para ficarmos com a conceituação de
Oliveira e Reichstul, na homogeneização do espaço econômico nacional.
Por outro lado, essa nov a coerência interregional significava também uma renovada tendência
à diferenciação das condições de compra e de reprodução da força de trabalho, isto é, uma
diferenciação nas condições subjetivas de reprodução ampliada do capital, que teria forçosameente de
se cristalizar na manutenção do que fôra até então tratado como desníveis regionais.
A tese das desigualdades regionais e sua variante nacionalista, apesar de contestadas já nos
anos 60 por alguns setores do pensamento marxista, foram-se mostrando-se empiricamente
insuficientes e insatisfatórias no decorrer dos anos 70, à medida que a expansão industrial e o
crescimento econômico nordestino, sob o sistema ditatorial, apoiado no conjunto das classes
dominantes, inclusive as camadas oligárquicas remanescentes, encarregavam-se de desmistif icá-las. A
história incumbia-se assim de demonstrar o equívoco e a fragilidade do regionalismo e do
desenvolvimentismo nacionalista enquanto ideologias políticas ou teorias científicas.
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Nos anos 70, a conjuntura política que se expressava no crescimento da oposição política à
ditadura estava a exigir novos passos também na gestação da teoria e da ideologia do enfrentamento
político das classes sociais brasileiras. Como não podia deixar de ser, essa exigência passava
obrigatoriamente por uma releitura da questão regional, ou seja, pela compreensão dos espaços mais
concretos do cap ital enquanto relação social. Resgatar a questão regional pela compreeensão da
dinâmica das lutas das classes e reler o período histórico que antecedeu à derrota de 1964 passa então a
ser tarefa da maior importância.
Se, num primeiro momento, a tarefa primordial fôra demonstrar o erro da análise econômica
que fundamentara a estratégia das lutas populares nos anos 60, tratava-se agora de privilegiar a
explicação e a compreensão das conjunturas políticas concretas que deram um sentido e uma lógica
próprios à atitude das burguesias regionais no pré-64. Cabia desvendar, portanto, a relação entre a
ideologia regionalista e o movimento econômico real.
De fato, ainda que se interprete o desenvolvimento nordestino no pós-guerra como a
efetivação da tendência à homogeneização do espaço econômico naci onal, é incontestável que,
primeiro, foram as forças políticas e sociais nordestinas que lutaram por aquele resultado e, segundo,
que esse desfecho confluiu com os interesses mais caros às burguesias nordestinas.
Se isso é verdade, surgem então perguntas do seguinte teor: se a industrialização do Nordeste
deve ser explicada a partir da dinâmica da industrialização do Sudeste, como entender que ten ham sido
as elites políticas, econômicas e intelectuais nordestinas que comandaram e conduziram todas as lutas e
reivindicações nesse sentido? Como e porquê confluiram os interesses das burguesias do Nordeste
com os interesses da burguesia do Sudeste? Como e porquê pôde a burguesia nordestina liderar e
unificar os interesses das demais classes regionais?
Enveredava-se assim, pela primeira vez no tr ato dos problemas regionais, rumo a uma teoria
histórica que desse conta da relação entre as diversas esferas da formação social e de suas relações com
a base econômica. Essa linha de investigação foi inaugurada por Oliveira (1977) com um excelente
ensaio sobre a formação das classes sociais no Nordeste.
A abertura desse espaço teórico, o espaço da história política e ideológica das lutas de classe
no âmbito de uma região, impõe-nos a resolução de questões genéricas fundamentais à concepção da
política como objeto científico.
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Se não tivermos uma concepção da história recuperada nos planos da teoria da política e da
ideologia corremos o risco de balançarmos entre dois equívocos teóricos que, com respeito à tese da
homogeneização, conduziria a contrapor, em termos de antinomia, a homogeneização do espaço
econômico à concreta participação das burguesias nordestinas no processo de industrialização regional.
Poder-se-ia ass im desacreditar a tese de Oliveira. O processo político real e as mudanças ocorridas na
divisão interregional do trabalho e na estrutura da propriedade do capital no Nordeste seria uma
resultante não desejada e não visada das condições em que se desenvolveram as lutas de classe na
região. A forma concreta das lutas regionais não passaria de mera aparência do movimento econômico,
este sim considerado essencial, e o regionalismo dos anos 50 e 60 apareceria como simples
mistificação ideológica a encobrir o avanço do grande capital sulista e imperialista no Nordeste.
Nessa perspectiva, fatos decisivos como a criação da Companhia Hidroelétrica de São
Francisco (CHESF) e da refinaria de Mataripe, a construção da BR-116 - a Rio-Bahia - e outras
iniciativas que possibilitaram o crescimento capitalista nordestino no pós-guerra poderiam ser lidos
como parte de uma bem planejada estratégia de expansão do capital imperialista. Desse modo,
estariamos subtraindo o espaço teórico para a análise das lutas políticas que envolveram e
possibilitaram esses fatos.
Ao contrário, é justamente no terreno da história e da política que se situa o objeto deste livro.
A região - espaço geográfico de exploração e da luta política como reprodução das relações sociais -
serve de cenário para desvendarmos a gestação e a transformação dos discursos ideológicos das
classes sociais que pretenderam a hegemonia econômica e política. Esses discursos são analisados pari
passu à análise do desenrolar da luta das classes e do desenvolvimento da economia capitalista
nacional.
Mas para que o desenvolvimento do capitalismo no Brasil pudesse ser compreendido através
da leitura das diferentes formações políticas e sociais geradas em suas regiões, era necessário, em
primeiro lugar, apreender a lógica geral do seu desenvolvimento, posto que sem ela continuar-se-ia a
fazer da análise regional uma reprodução em miniatura da análise econômica global. Isto é, ficar-se-ia
preso à construção ideológica gerada pela prática política das burguesias regionais que primam por
incorporar os apelos regionalistas em seus discursos.
Trazer, portanto, a compreensão da lógica unitária daquele desenvolvimento e das suas
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contradições regionais foi o alicerce de uma análise científica das lutas de classe no Nordeste do pós-
guerra e, de um modo geral, para o nascimento de uma teoria histórica das formas políticas e das
formas ideológicas da sociedade brasileira moderna. Nisso reside, sem dúvida, o grande mérito da
produção sociológica brasileira dos anos 70.
Ainda restava, contudo, colocar a problemática que nos interessava, e através da qual
pretendíamos especificar e concretizar a compreensão do processo de mudança histórica na Bahia, em
seu próprio terreno teórico. Tratava-se de reconhecer a identidade da esfera política que consiste em
gerar, pela via do embate e da resolução negociada das contradições e da formação de um concenso
ideológico, as formas concretas que viabilizam os interesses econômicos das classes.
Esse livro pretendeu dar um passo nessa direção, enfrentando a tarefa de explicar as formas
concretas - geradas pela luta das classes, tanto nacional, quanto regionalmente - através das quais a
burguesia baiana participou da formação de um novo patamar de acumulação capitalista no Brasil,
moldando novas formas sociais políticas e ideológicas.
A chave para pensar a prática política das bur guesias nordestinas, num quadro de
reordenamento e re-hierarquização dos interesses específicos das burguesias regionais brasileiras,
reside no conceito de hegemonia. Gramsci desenvolvera esse conceito como um esforço de reflexão
teórica sobre a vitória do proletariado na Rússia. Segundo ele, ao contrário do que rezava a cartilha da
IIb Internacional, Lenin conseguira "mostrar a articulação dialética mediante a qual, numa determinada
situação histórica, o proletariado pode ser hegemônico mesmo numa revolução democrática
burguesa..." (apud GRUPPI, 1978).
A recusa em derivar mecanicamente da estrutura econômica da sociedade o conhecimento das
formas sociais e as tendências de seu desenvolvimento levara Lenin a privilegiar as análises concretas
de situações concretas. A mesma recusa levará Gr amsci a teorizar a prática política das classes como o
exercício da "capacidade de direção, de conquistar alianças, capacidade de fornecer uma base social ao
Estado..." (Gruppi, 1978:5). A hegemonia, para Gramsci, não se restringe ao político e ao econômico,
mas abrange com particular vigor as formas ideológicas - a religião, a moral, as artes, a ciência e a
filosofia.
A teoria da hegemonia foi cen tral para o desenvolvimento, no século XX, de uma ciência
política marxista (Poulantzas, 1972; Milliband, 1969; Offe, 1985; Przeworski, 1985). A teoria refletia,
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assim, o desenvolvimento da luta das classes nas formações sociais capitalistas avançadas, sendo, a um
só tempo, o resultado e a premissa do avanço do marxismo enquanto ciência e ideologia do
proletariado. Ela foi imprescindível para uma avaliação científica dos pontos de ruptura histórica já que
é nesse terreno onde se resolvem os conflitos estruturais.
Se o que disse Engels em relação ao Estado2 é aplicável, com maior razão, à prática política
em geral, então, uma vez verificadas as condições estruturais básicas que fazem "do regime político ...
o elemento secundário e [da] sociedade civil, o reino das relações econômicas, o elemento
decisivo" (apud Gruppi, 1978:97), é justamente sobre o primeiro, o regime político, que deve
concentrar-se, não apenas o esforço ativo das classes, como o esforço interpretativo do movimento
histórico.
Deste modo, o conceito de hegemonia, em Gramsci, além de referir-se à formação de alianças
e à capacidade de direção, dará especial ênfase aos instrumentos que permitem a realização tanto da
dominação quanto do consenso, que são os elementos constituintes do poder de Estado. Neste campo,
a principal colocação gramsciana é de que uma hegemonia só pode s er construída por intelectuais, cujo
conceito é alargado para incluir não apenas os trabalhadores especializados na criação e difusão das
formas artísticas, científicas e filosóficas, mas todos aqueles que perfazem ininterruptamente o trabalho
de mediação entre a estrutura e a super-estrutura, seja expressando formas ideológicas, seja
transformando-as em ações concretas. Enquanto aqueles podem ser referidos sob a denominação de
grandes intelectuais, os últimos são denominados intelectuais orgânicos para enfatizar sua condição de
verdadeiros instrumentos de hegemonia de uma classe.
Aos intelectuais orgânicos cabe a definição do projeto onde a classe toma consciência de seus
interesses históricos e da relação desses com os interesses das demais classes da sociedade. Cabe-lhes,
ademais, organizar a classe, tanto no plano da ação econômica, através da organização de sindicatos e
associações, quanto no plano da ação política, através da formação de partidos. Cabe-lhes, sobretudo,
ocupar os postos da sociedade civil e do Estado, de onde se irradiam e se conformam as interpretações
consensuais sobre o mundo físico e social.
Nesse livro, o conceito de hegemonia é utilizado para referir-se ao processo de estruturação
de um pensamento consensual, que busca transpor os limites dos interesses de classe para atingir, no
plano da ação política, uma hierarquização do conjunto dos interesses sociais. O processo tem como
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pressuposto a possibilidade objetiva dos interesses econômicos de uma classe ou facção serem capazes
de articular os interesses de outras classes ou facções, o que restringe a possibilidade de construção e
exercício da hegemonia às classes fundamentais do modo de produção.
Efetivamente, o processo inicia-se com a explicitação de um projeto de classe que unifique os
interesses estruturalmente solidários, através de uma proposta política referida ao conjunto da
sociedade civil e externa às estreitas relações de classe, isto é, gerada pelos intelectuais no contexto da
articulação dos diversos segmentos sociais.
Assim, o conceito de hegmonia pode ser usado para conformar tanto a análise da ação
política de uma classe em relação às outras, em torno de uma matriz de interesses econômicos
definidos na esfera da produção, como pode fundamentar a análise das relações entre as diversas
facções de uma mesma classe, em torno de um projeto que expresse unitariamente as tendências
contraditórias da classe.
No nosso caso, pode-se dizer que, no pós-guerra, a classe que desponta na Bahia com
capacidade de propor um projeto político hegemônico sobre o espaço regional é a burguesia, através de
sua facção financeira e comercial. Do ponto de vista econômico, essa facção controlava as parcelas do
capital (capital dinheiro e capital mercadoria) que eram o núcleo da estruturação do ciclo do capital em
seu processo de valorização e de reprodução internos; do ponto de vista político-ideológico, era a
facção que monopolizava os contatos com as culturas estrangeiras e, através delas, com o arsenal
técnico, filosófico, pedagógico, artístico, jurídico e religioso produzido nas formações sociais
capitalistas mais adiantadas. Além disso, era incontestável a tradição de sua influência sobre a vida
política e cultural brasileira, ajudando a forjar os fundamentos da cultura nacional em aspectos
decisivos para a dominação burguesa - a identidade nacional, a identidade étnica, a identidade
linguística, a identidade moral e religiosa.
É portanto por sobre essas condições historicamente objetivas que se coloca a possibilidade
de hegemonia nesse espaço regional. Para acompanhá-la a compreendê-la em seus desdobramentos
históricos, a investigação terá que pautar-se (embora sem ceder à tentação de limitar-se a elas) tanto
sobre uma lógica de desenvolvimento econômico, dada pelo curso tendencial das leis de
desenvolvimento do modo de produção capitalista, quanto sobre uma lógica de desenvolvimento
político que enfeixe a coerência e a previsibilidade da ação social das classes nas formações sociais
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capitalistas.
No entanto, a lógica concreta, isto é, a que dá coerência à história real dessa sociedade, não
pode jamais ser reduzida a uma ou a outra das lógicas que fundamentam a investigação, ou mesmo a
uma espécie de dialética apriorística entre elas. Trata-se, antes de mais nada, de estudar a confluência de
fatores que teceram as condições específicas de constituição das classes, camadas e gru pos sociais
nesse espaço econômico e político concreto, assim como de esclarecer as especificidades de cada
situação conjuntural em que se exerce a ação política dos grupos. Assim, para usar uma linguagem
althusseriana, poder-se-ia dizer que à medida em que o movimento conjuntural é sublinhado,
compreender as sobredeterminações passa a ser mais decisivo que compreender as determinações.
No nosso caso, dois movimentos são importantes para costurar a compreensão do
desenvolvimento histórico no que ele pode ser explicado pela confluência dialética do desenvolvimento
econômico e do desenvolvimento político-ideológico.
Em primeiro lugar, importa estudar a formação e a interação das classes sociais na Bahia e
daquelas facções que terão, ou poderiam ter a função hegemônica, tanto na estruturação in terna de cada
classe, quanto na estruturação da sociedade regional. Nesse aspecto é importantíssimo estudar as
facções mercantil-financeira, agrícola-fundiária e industrial da burguesia, assim como o proletariado
industrial, o campesinato e a oligarquia. Em segundo lugar é necessário acompanhar a gestação da
sociedade burguesa nacional através das relações que se estabelecem nos espaços regional e nacional
entre as facções decisivas para o seu desenvolvimento: a burguesia e o proletariado industrial.
Concretamente, isso significa estudar a inserção da burguesia mercantil-financeira baiana no bloco de
poder nacional e a relação do proletariado industrial baiano com o proletariado nacional, na formação
de uma proposta hegemônica alternativa.
O referencial teórico que empregamos para buscar ex plicitar tal lógica pode ser sumarizado
pela formulação de quatro principais campos explicativos que funcionaram na formação de hipóteses e
que procuraram sintetizar as contradições entre os interesses das classes sociais ou das suas facções.
Em primeiro lugar, o projeto de hegemonia da burguesia baiana jamais poderia ser
compreendido fora do contexto da reestruturação do bloco de poder nacional qu e ocorre a partir de
1930. De modo que tratou-se, primeiramente, de compreender a estruturação do discurso burguês na
Bahia na perspectiva geral da inserção de sua facção mercantil-financeira no bloco nacional, ou seja, o
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seu projeto de hegemonia teria necessariamente que garantir, ao mesmo tempo, inserções regional e
nacional proeminentes. Esse campo explicativo se expande na direção da compreensão de como a
burguesia mercantil financeira se posiciona diante das demais classes e camadas regionais,
construindo, por assim dizer, uma aliança tácita entre elas.
Em segundo lugar, como desdobramento do primeiro campo, tinha-se que introduzir e
absorver teoricamente a independência que marca a ação de algumas camadas sociais, à medida que as
contradições se tornam indefinidas num determinado plano. No caso baiano, era importante
compreender como algumas camadas médias acabam por propor, às vezes com maior pertinência
histórica, a proposta hegemônica da burguesia mercantil-financeira e, ao mesmo tempo, as mesmas
camadas conseguem representar as aspirações do emergente proletariado urbano, fazendo-o confluir
para o plano político.
Em terceiro lugar, cumpre realçar as divergências conjunturais e estruturais entre a oligarquia
fundiária e a burguesia baianas, divergências que poderiam ou não se aprofundar à medida que as
contradições entre o campesinato e a oligarquia se ampliassem. Havia, primeiramente, a necessidade da
burguesia deslocar da cena política o discurso e a representação oligárquicos e, secundariamente, a
necessidade de garantir o surgimento, em seu lugar, de uma burguesia fundiária e agrícola que, na
prática, entrava também em conflito com os interesses do campesinato e do proletariado rural.
Por fim, o último campo explicativo deve ser demarcado pela constituição do proletariado
enquanto classe, seja no espaço nacional, seja no regional. À medida que a consciência de classe vai-se
cristalizando, vão-se, ao mesmo tempo, aprofundando algumas alianças em detrimento de outras,
notadamente a sua aliança com o campesinato. É nesse campo que se coloca a contradição principal de
qualquer formação capitalista em geral, a luta entre a burguesia e o proletariado.
No entanto seria utópico pens ar que poderíamos trabalhar operacionalmente com igual rigor
os quatro campos explicativos. A riqueza e a quantidade de material empírico disponível para a
operacionalização de alguns campos eram contrabalançadas por significativas lacunas localizadas em
pontos específicos. Fomos assim obrigados a optar por trabalhar preferencialmente com o discurso
burguês e com as contradições intra-burguesas, cingindo-nos às fontes dos dois primeiros campos
explicativos e introduzindo, dos outros campos, apenas o material que era imprescindível para colocar
os problemas surgidos no imbricamento que torna possível a sua análise.
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Empiricamente, os dois primeiros campos explicativos puderam ser tratados com uma base
documental muito rica e diversificada. Utilizou-se, primeiramente, e com exaustão, os relatórios do
Banco da Bahia entre 1946 e 1972; um material analítico e documental de riqueza até então
inexplorada, que reflete, com clareza e precisão invulgares, as diversas conjunturas econômicas
nacionais e regionais, tal como percebidas pela burguesia financeira baiana e de onde emergem, com
surpreendente vitalidade, os anseios, as frustações, as aspirações, enfim todo o universo político-
ideológico em que se movia aquela facção burguesa. A importância dessa fonte doi tão grande que
mais de uma vez, no texto, rendemos homenagem a seu autor, Clemente Mariani, cujo pensamento e
vida personificaram, exponencialmente, o conjunto de práticas e de idéias da burguesia baiana no
período. Ao lado dos relatórios, foram ainda utilizados alguns artigos e estudos históricos do próprio
Mariani, e de outros autores burgueses, de modo a compor detalhadamente o pensamento e o projeto
político da facção mercantil e financeira entre 1930 e 1964.
Como existe uma distância grande entre o discurso proferido pelos intelectuais e o discurso
prevalescente na prática de um grupo social, procurou-se analisar as transformações do discurso
através do estudo de duas outras fontes.
Em primeiro lugar, como naquele período a unidade da classe, em termos de representação
econômica, era costurada preferencialmente pela Associação Comercial da Bahia, acompanhamos a
evolução do seu discurso através da análise de seus boletins mensais.
Em segundo lugar, para retraçar a eficiência política do discurso burguês, ou seja, as
modificações que sofria quando dirigido para o conjunto da sociedade civil, com o objetivo político de
representá-la como um todo, empreendemos a análise de duas outras fontes: os discursos dos
governadores do Estado, através de suas mensagens à Assembléia Legislativa, e os jornais diários.
Enquanto a primeira refletia a eficiênciia do projeto burguês para o efetivo exercício da
liderança e do controle do estado, a segunda permitia acompanhar o trabalho cotidiano de construção
da ascendência ideológica da classe. Aqui, outra vez, a riqueza e a quantidade de informações nos
obrigou a limitar, às vezes a contragosto, o levantamento às estritas necessidades do nosso objeto.
Tivemos que escolher entre os diversos jornais e depois definir os intervalos de tempo que seriam
pesquisados. Não poderíamos arriscar ao acaso uma sistematização que não estivesse amarrada às
nossas hipóteses. Optamos, então, por centrar o levantamento do material jornalístico sobre o jornal "A
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Nogueira. Temos perfeita consciência que o tratamento desigual dado à operacionalização dos campos
deixaram algumas questões implícitas e outras sem serem colocadas claramente no texto. Esse foi,
todavia, o preço que pagamos para manter a integridade de nossa proposta de investigação diante das
limitações de tempo e de recursos.
Quanto à estrutura do texto podemos apresentá-la assim: no primeiro capítulo tratamos do
quadro histórico dentro do qual emerge a nossa problemática. Retraçamos aí os antecedeentes da
formação da burguesia mercantil e financeira baiana e tratamos com especial ênfase a ruptura do bloco
histórico, representada pela Revolução de 1930. No segundo capítulo tentamos mostrar a reação dessa
facção burguesa a seu alijamento do poder nacional, acompanhando o nascimento e a so lidificação de
um discurso liberal-burguês e a reorganização de sua representação de classe. Em seguida, estudamos
o surgimento de um discurso alternativo ao projeto burguês inicial que será absorvido, gradativamente,
pelos políticos e governadores. Esse discurso reformista esteve ligado ao aparecimento do
planejamento econômico como técnica de administração pública e como ideologia política. Foi ele que
intermediou e unificou os interesses regionais e nacionais da burguesia. No terceiro capítulo,
mostramos como, diante das circunstâncias históricas concretas, acaba por prevalecer uma ideologia
burguesa dominante, a que chamamos de regionalismo, um discurso que incorporava tanto as bases
liberais da grande burguesia quanto o reformismo desenvolvimentista das camadas médias. No
capítulo quarto e quinto analisamos a representação política burguesa e sua atuação à frente do governo
do Estado da Bahia e traçamos o quadro político dentro do qual soçobram as tentativas da burguesia
baiana de forjar seu domínio ideológico e político sobre uma sociedade democraticamente organizada.
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PARTE II
O DESENVOLVIMENTO DO DISCURSO
BURGUÊS: do Liberalismo ao Regionalismo
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Introdução
temporalidades históricas distintas, apesar de se sobreporem por alguns anos. O primeiro pode
ser corretamente situado entre 1946 e 1954, isto é, no período que vai da redemocratização do
país ao suicídio de Vargas que, em termos regionais, corresponde, grosso modo, aos períodos
governamentais de Otávio Mangabeira e Régis Pacheco. O segundo surge na cena política em
1955, com a criação da Comissão de Planejamento Econômico do governo do Estado e parece
vigorar até 1960, quando a rejeição do Plano de Desenvolvimento Econômico - Plandeb - pela
Assembléia Legislativa, desfaz a possibilidade do planejamento como instrumento de governo, o
que, também grosso modo, corresponde, em termos nacionais, aos períodos JK e Jânio
Quadros.
O pensamento do grande capital baiano, entretanto, nunca coincidiu completamente
com o pensamento reformista. O Banco da Bahia, por exemplo, continuou a expressar as
diferenças de opinião que correspondiam aos seus interesses mais específicos. Do mesmo
modo, quando, na conjuntura dos anos 60, ficou clara a incapacidade do projeto reformista
soldar os interesses burgueses e oligárquicos, esse projeto tenderá a expressar cada vez mais
uma constelação de forças for temente marcada pela presença popular e sindical.
É como resultado dessas contradições sociais, e das fissuras que a luta das classes
impinge aos dois projetos anteriores, que aparece, mais nitidamente a partir dos 60, o discurso
regionalista. Um discurso econômico pragmático, enunciando apenas princípios gerais de
unidade ideológica, deixando as grandes diretrizes econômicas para, de novo, serem traçadas nos
salões das casas burguesas, ao invés de serem objeto da luta política e do debate público, como
tentou fazer o planejamento. Esse período, que chamo de regionalista, será expresso
principalmente pelas páginas de um jornal diário de grande circulação, A Tarde.
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1. Clemente Mariani (1977:62) usa-as para explicar o declínio da atividade açucareira na Bahia, o que,
evidentemente, diz apenas uma parte da verdade, pois, como se verá adiante, estiveram presentes aqui outras
circunstâncias mais especificamente decisivas.
"... além da queda progressiva dos preços, a zona apropriada à produção do açúcar já fora por assim dizer
ultrapassada nos seus limits naturais, decaindo rapidamente os engenhos fundados fora do massapê do recôncavo,
uma vez esgotado o humus vegetal das terras virgens".
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rigidez, como uma causa de acentuamento da decadência e não de demarragem das forças
produtivas?2
A resposta parece estar na estrutura do sistema mercantilista. Para chegarmos a ele
convém, inicialmente, retraçar a quebra do monopólio colonial português. Quando, em 1808, as
côrtes de Lisboa aportam na Bahia, abrevia-se o fim do império colonial português na América.
Àquela altura, em plena revolução industrial, o império português torna-se algo de anacrônico
diante do poderio bélico e do desenvolvimento econômico e financeiro da Inglaterra e da França,
que forjam no free trade e no laissez faire seus modos de expansão.
A abertura dos portos brasileiros "às nações amigas" é, assim, menos um ato de
sabedoria política que de submissão às novas circunstâncias internacionais que se traduziam na
ocupação militar da metrópole. De qualquer modo, o exclusivo colonial, alicerce do colonialismo
mercantilista português estava rompido. Não se pode deixar de reconhecer as vantagens que tal
fato trouxe à Bahia. Pois se
"em todas as capitais de província, foram gerais por esse tempo, no Brasil, o aumento
da edificação e o desenvolvimento das artes, mais [o foi] porventura na Bahia do que
em qualquer outra, pelo notável crescimento de sua riqueza, denunciado pela anual
subida do movimento comercial" (Oliveira, apud Mariani,1977:60).
2. É ainda MARIANI (1977:62) quem diz: "O processo de decadência se aceleraria dentro em pouco com a
transformação do regime de trabalho, de escravo em livre, ou pseudo-livre, sem nenhum programa da parte do
Governo para facilitar a transição, nem a correção espontânea, embora penosa, que as condições climáticas não
propiciavam, ao contrário do que sucedia no Sul, do afluxo migratório".
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3."Ingleses inicialmente, alemães e suiços, posteriormente, dedicam-se à exportação mas mantêm para os nacionais
uma faixa de atuação, ou seja, possibilitaram a que agentes locais se dedicassem ao financiamento da cultura e
fossem efetivamente os intermediários entre os produtores e os exportadores".(ARAÚJO e SÁ BARRETO, 1978:76)
4."Na década de 30 as casas de negócio não detinham grandes capitais e a formação de grandes cabedais estava
ligada ao tráfico de escravos, ao suprimeiro (gêneros e crédito) aos senhores de engenho e ao comércio de cabo-
tagem" (ARAùJO E Så BARRETO, opus cit., p. 76.)
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distância, tenham um grande peso na viabilidade comercial das culturas de exportação que
propiciam aquele desenvolvimento, principalmente quando cultivadas sob o modo de produção
escravista.
Não se pode esquecer, contudo, que houve áreas, como Pernambuco, onde os mesmos
fatores estiveram presentes e, no entanto, deu-se uma outra conformação histórica. Nesse caso, no
que pesem fatores naturais e fatores estruturais, foi decisiva a correlação de forças dos principais
grupos dominantes - a burguesia mercantil e a aristocracia agrária - na determinação dos
caminhos que tomou a acumulação de riquezas. Na Bahia, talvez por estar assentada no antigo
circuito mercantilista português, a burguesia mercantil sobrepuja de muito as classes agrárias, e
por isso imprime uma feição mais propriamente comercial à economia.
De meados do século XIX em diante é espetacular o crescimento das importações
baianas, que não apenas compensam a queda das exportações como aumentam o valor do
comércio exterior. Em 1851/ 52, para um valor médio de exportação de 1.150.345 libras ester-
linas tinha-se 1.616.384 em importações, ou seja uma relação de 1,4 enquanto em 1886/87, para
exportações no valor de 696.353 libras as importações alcançaram 2.515.758 libras, o que sig-
nifica uma relação de 3,6 (BAHIA-CPE, 1978:54-60).
Parece legítimo especular, com base nesses números, que a praça comercial de Salvador,
se não se expandiu, o que parece provável, pelo menos conservou sua importância colonial sobre
grande parte do território brasileiro. Importância não apenas comercial mas também política, que
só será diminuída depois da abolição da escravatura como se deduz dessa observação de Mariani
(1977:62):
"O que restava da poupança acumulada [depois de 1888] foi sendo utilizado no
custeio dos encargos da ascendência política dos estadistas baianos, o que naquele
tempo apenas acarretava ônus, sem vantagens de ordem pessoal ou regional".
Porque a mudança nas relações de trabalho teve influência tão negativa sobre uma
economia então baseada, principalmente, no comércio? As explicações dos intelectuais
burgueses, atendo-se à desorganização do sistema produtivo da zona açucareira baiana5, não
5.Dirá Mariani (1977: 63):"Abstraiam-se os aspectos morais e humanos do problema e imagine-se uma economia
baseada sobretudo na produção de 500 engenhos de açúcar, e a destes no trabalho escravo, solapada nas suas raízes
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convencem muito pois sabe-se que as exportações de açúcar já não sustentavam a importância da
praça comercial.
A explicação mais provável parece estar na coincidência entre a abolição da escravatura,
a reacomodação do bloco mercantil no poder e a reestruturação do sistema de comercialização já
agora sob a égide de uma burguesia mercantil com fortes ramificações agrárias, na área cafeeira
do Rio e São Paulo e na área açucareira de Pernambuco, que desloca, pela via da concorrência, a
burguesia mercantil baiana de sua posição de destaque, limitando-a, progressivamente, ao
Recôncavo da Bahia.
Esse fenômeno de concorrência entre as praças comerciais é, aliás, anterior a 1888 como
pode ser evidenciada pelo declínio da atividade produtiva que mais intrinsecamente esteve ligada
à última fase da proeminência comercial da Bahia - a indústria têxtil.
De fato, em 1886, do total de 10 fábricas de tecidos existentes no Império, 6 estão
loalizadas na Bahia; em 1875, do total de 29, nada menos que 10 fábricas, enquanto em 1885,
perde a Bahia a posição de maior centro têxtil do país, embora ainda detenha 10 das 46 fábricas
então existentes (POMPONET et al., 1978:203).
Pomponet et al. consideram três fatores responsáveis pelo desenvolvimento da indústria
têxtil na Bahia:
a) A existência de um mercado, representado pelos engenhos de açúcar, principalmente;
b) as osilações do câmbio, que prejudicavam sobremaneira os negócios de importação, e
faziam da produção interna de alguns manufaturados um ótimo negócio e, finalmente,
c) a proteção governamental, que sobretaxava os produtos exportados com sacaria
estrangeira e os tecidos grossos importados.
Por outro lado, os mesmos autores ressaltam a ligação das fábricas de tecidos com o
capital comercial, inclusive no que diz respeito às suas origens. Depois de citar Versiani e
Versiani (197) sobre a lógica do deslocamento de capitais do comércio importador para a
produção interna, de modo a driblar as oscilações de câmbio, principalmente a baixa cambial,
esses autores falam que
pela dispersão e indisciplina dos trabalhadores e a perda de capital que eles representavam, no momento em que o
produto já se encontrava em crise".
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Os dados que esses autores apresentam aportam alguns elementos a mais para a
compreensão do século XIX na Bahia. Por um lado, fica evidente que a indústria têxtil baiana,
como produtora de tecidos grossos para ensacamento de mercadorias para exportação e
vestimenta de escravos, vincula-se, estreitamente, à economia agro-exportadora. Por outro lado,
pelo caráter interprovincial de seu mercado de insumos e produtos, evidencia-se sua dependência
do grande comércio da Bahia e do grande raio de influência de sua praça. Caráter que transparece
quando os autores estudam o mercado da indústria têxtil: não apenas a principal matéria-prima, o
algodão, usada nas fábricas baianas, vem de outras províncias, preferencialmente Sergipe,
Pernambuco e Alagoas, e até mesmo do exterior, no caso de fios de cores para uns poucos tecidos
finos, assim como o mercado consumidor localizava-se, num volume variável entre um terço a
dois terços, também em outras províncias, principalmente no que diz respeito aos tecidos e aos
fios.6
O declínio da indústria têxtil na Bahia deveu-se a dois fatores: ao perfil da sua linha de
produção, tão dependente do dinamismo do comércio exportador, e à relativamente baixa com-
posição do capital requerida nesta indústria, que a faz proliferar nos diversos pontos de
concentração dos mercados consumidores: Pernambuco, Minas, Rio, São Paulo e Rio Grande do
Sul. Ao fortalecimento dessas economias regionais e de suas praças comerciais, vinha-se juntar o
6.Compare-se a respeito essas tres citações de POMPONET et al.: "A comparação da produção baiana de algodão
com as exportações, de 1850 a 1857, mostra que as exportações são maiores que a produção, induzindo à conclusão
de que a Bahia, além de importar o algodão de outras províncias para o atendimento da demanda interna, importava
também para atendimento da demanda externa. Tais importações realizavam-se com Alagoas, Sergipe, Pernambuco
e também Minas Gerais"(p. 190.)
"Desde a década de 1860/70, encontram-se referências, nas Falas, sobre exportações de tecidos da Bahia para outras
províncias do Brasil. Citava-se, nessa década, a fábrica Todos os Santos que, trabalhando com capacidade ociosa,
exportava para outras províncias 2/3 de sua produção"(p. 212.)
"Pelas inúmeras referências às exportações de cada fábrica para outras províncias não será exagerado, antes ao
contrário, estimar-se que, em 1875, um terço da produção baiana de tecidos destinava-se a outras províncias..." (p.
214.)
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declínio das atividades produtivas na Bahia, que forçava a indústria têxtil local a uma
concorrência desvantajosa, devido ao custo de transporte, nos outros mercados regionais.
Embora não se disponham de dados a respeito, é provável que depois da Abolição
tenha-se arrefecido ainda mais o ritmo das atividades produtivas baianas e que elas não tenham
sido compensadas por um maior dinamismo das importações, pois a Bahia chegará a terceira
década do século XX com uma praça comercial exclusivamente exportadora.
A Abolição da Escravatura, tanto pelos efeitos positivos que teve sobre o fortalecimento
das burguesias mercantis e agrárias de outras regiões do país, como as de Pernambuco e as do
Rio e de São Paulo, como pela descapitalização que representou para a praça comercial da Bahia,
significou realmente o início de uma nova inserção baiana na formação social brasileira. O fim do
modo de produção escravista marca uma nova articulação da economia nacional com o sistema
internacional e fornece as condições essenciais para o desenvolvimento no país de um capita-
lismo propriamente industrial.
Tentativas foram feitas para corrigir os fatores de atraso da indústria açucareira, mas não
foram suficientes para reverter o processo de decadência em que estava submersa, pois a sua
mola propulsora, o mercado externo, estava irremediavelmente perdido. O crescimento do
poderio comercial de outras praças, centradas já no novo sistema de comércio internacional,
como centros redistribuidores de manufaturados e de produção e distribuição de insumos
industriais e produtos alimentares, como o café, o açúcar e o algodão, desloca a praça de Salvador
da posição provilegiada que a reforma bancária de 1860 já começara a minar (Granziera, 1976).
A economia do Estado vê-se, portanto, cada vez mais, circunscrita à exportação de
pequenas quantidades dos produtos altamente valorizados como café, açúcar e algodão, ou à
exportação de produtos de pouco valor, como o fumo, a piaçava, os coquilhos etc. e somente na
primeira década do século XX, com a valorização do cacau, reencontra um filão de riqueza
compensador. Mas, ainda assim, não voltará a ser jamais uma praça comercial com a pujança
antiga pois lhe faltava o mercado consumidor necessário a um grande centro importador.
Já é outra, portanto, a Bahia que assiste, contrita, ao nascimento da República, e a
entrada de um novo século - não é mais a Bahia cosmopolita, mas a Bahia provinciana. Uma
Bahia que luta por manter-se como um Estado federado autônomo, com suas leis, seus impostos,
sua elite, sua agricultura. E ainda aqui ninguém melhor do que Mariani exprime esse projeto:
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"Não era impossível, entretanto, reconstituir-se um Norte próspero sobre a base da agricultura e
pecuária paralelamente com um maior desenvolvimento industrial do Sul..."
(MARIANI,1977:63).
A atitude tacanha e provinciana da burguesia mercantil baiana, apegando-se cegamente
às sobras que o tempo ainda não destruíra, é compensada apenas, no plano ideológico, pela
universalidade cosmopolita da cultura de seus representantes políticos e pelo orgulho
aristocrático com que é ornado o seu passado, mas, desgraçadamente, lhe sacrifica a percepção
correta da história e a inteligência dos grandes movimentos de seu tempo.
Mariani, o mais orgânico dos intelectuais burgueses baianos, além de não ter
compreendido a ruptura que representou a Abolição para a economia do país, posto que insiste
em situar-se às suas costas, tomará a revolução de 1930, que justamente consolida aquela ruptura,
com a causa da decadência baiana, isto é, coloca-se, e à sua classe, em sentido contrário ao
progresso.
"Mesmo assim até a revolução de 30, a economia baiana, modesta mas equilibrada,
se perdia para o maior desenvolvimento, sobretudo industrial, dos Estados do Sul,
ainda conseguia, graças sobretudo à nova lavoura do cacau, acumular margens de
poupança que lhe permitiam... realizar às suas próprias custas, investimentos
relativamente importantes..." (MARIANI,1977:64).
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mesmos, e mesmas as suas idéias, o seu destino se altera quando passa a depender de uma
produção delimitada pelo desenvolvimento de novas formas, em outro espaço. Porque a
historiografia burguesa não entende uma ruptura tão decisiva?
Há duas linhas a explorar na reconstituição histórica desse período na Bahia: a de
continuidade, ressaltada em toda a literatura, e a de descontinuidade. Nenhuma das duas deve ser
esquecida, pois se a primeira empresta as cores, a segundo deve marcar a perspectiva onde os
motivos do quadro se ordenam. Para a burguesia mercantil baiana não há descontinuidade. A
riqueza, desde que rompido o exclusivo colonial, e restabelecido um mercantilismo onde os
nacionais tinham assegurado um almejado espaço de negócios, sempre tivera no intercâmbio
comercial sua principal fonte, traço que acentuara-se com a já citada regressão secular do açúcar,
a única produção com importância internacional capaz de gerar uma acumulação de riquezas
razoável.
Essa linha de continuidade é sobretudo visível se nos limitarmos aos primeiros vinte
anos que se seguiram à Abolição. A figura do comerciante como a principal camada na estrutura
de classes da província, no século XIX, tão bem apreendida por Matoso (1978), pôde continuar
válida no período republicano, apesar de ter um sentido diverso, como se verá em continuação.
Na economia do Estado não se desenvolveram relações de trabalho que potenciassem a
acumulação de riquezas e a formação de capital e, portanto, as figuras do empresário rural e do
proprietário fundiário não adquirem a mesma importância do comerciante. No entanto, é nesse
período republicano que emergirá tanto uma burguesia agrária, ainda que restrita à zona do cacau,
quanto ganhará peso político a oligarquia fundiária dos sertões.
Para acompanhar a transformação porque passa, na República Velha, tanto a burguesia
mercantil quanto a economia agroexportadora baiana, nada melhor que seguir a evolução das
duas principais culturas do período, o fumo e o cacau.
A economia fumageira
Já foi dito que o fumo passa a ocupar, a partir de 1872, o primeiro lugar na pauta de
exportação baiana, lugar em que permanece até 1903, quando é substituído pelo cacau
(FREITAS, 1979). A crise da lavoura fumageira baiana, provocada pela perda dos mercados de
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7.Como diz Borba (1975:5): "Como toda cultura controlada e influenciada pelo mercado externo, as suas crises e
ascensões eram motivadas em grande parte por esse mercado. A guerra civil americana afastando a concorrência dos
Estados Unidos do mercado, as lutas travadas em Cuba no final do século XIX e o crescente aumento do consumo
mundial foram fatores que possibilitaram a revitalização da cultura".
8. "Dividindo seu tempo entre o plantio do fumo para exportação e a cultura de subsistência, as alterações e
oscilações de preços do produto no mercado internacional são especulações distantes e fora do alcance do seu
entendimento. Compreende, entretanto, tratar-se de um produto de venda fácil, porque procurado..."
9."Frutos da iniciativa privada e individual, (as fábricas) tinham nos seus proprietários grandes expoentes da expor-
tação de fumo, não assumindo os fabricantes uma identidade própria de empresários industriais e sim de
exportadores que exerciam também o papel de fabricantes" (Borba, 1975:49).
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10. Diz Borba: "A Alemanha passou a negociar diretamente com fumo, no Brasil, depois de 1882. Sua penetração foi
em parte possível, porque a Inglaterra, que controlava o comércio brasileiro da época, dispunha de outros mercados
fornecedores de fumo e os Estados Unidos eram grandes produtores desse artigo"...
"Quando no início do século XX, os Estados Unidos começaram a utilizar manufaturas, Bremen, que tinha adquirido
a maior quantidade de sua importação naquele país, procurou substituir as espécies americanas por outros tipos de
fumo. O fumo brasileiro foi beneficiado com essa medida, ocupando o lugar de destaque antes dividido com os
Estados Unidos".
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secundária da Alemanha nesse mercado fez com que, enquanto Inglaterra e Estados Unidos
dividissem entre si o controle das áreas produtoras mais próximas, a Alemanha fosse obrigada a
se voltar para a produção brasileira.
Os alemães organizaram na Bahia empresas individuais e familiares conectadas com as
casas comerciais de Bremen e Hamburgo. Seus negócios centravam-se na exportação de fumo
em folhas para aquelas praças e na fabricação de cigarros e charutos que eram exportados ou
consumidos internamente. Entre 1898 e 1907, por exemplo, 55% da exportação baiana foi
destinada ao porto de Bremen, enquanto 36% do fumo importado por aquela praça, no ano de
1906, era brasileiro (BORBA, 1975:83-84). No dizer de Borba, 1975:40): "as manufaturas de
fumo na Bahia eram, em sua grande maioria, pequenas, de caráter caseiro, artesanal...muitas
vezes a confecção do produto era realizada em pequenas casas, com instalações primitivas, sem
que se possa atribuir-lhes o nome de fábricas". Mesmo nas maiores, a falta de qualificação
requerida pela trabalho fazia com que se recrutasse preferencialmente mulheres e crianças.
Quanto às conexões alemães, sabemos que "os importadores de Bremen,
desempenhando ao mesmo tempo a função de armadores, adquiriam por consignação ou conta
própria, conforme o melhor aproveitamento dos seus navios, as mais variadas mercadorias"
(BORBA, 1975:40) e que "uma característica do comércio e manufatura do fumo em Bremen é
que sempre ficaram entregues a pessoas isoladas, não tendo sido explorados pelo governo na
forma de monopólios estatais" (BORBA, 1975:76).
O caráter manufatureiro das fábricas alemães de cigarros e charutos na Bahia, assim
como o caráter concorrencial de seus negócios e da comercialização e industrialização alemã do
fumo, em geral, deixam suas marcas no episódio de penetração do truste anglo-americano do
fumo no Brasil, na segunda década desse século. O truste que se forma nos Estados Unidos com o
nome de American Tabaco Co. e que aos poucos domina o negócio do fumo nos E.U.A., em
Cuba e na Argentina, se espalha mundialmente quando se funde com o truste britânico Imperial
Tabaco Co., formando a British American Tabaco Co. que, em 1912, adquire as fábricas de José
Francisco Correa e a Souza Cruz Cia. no Rio de Janeiro e, em 1914, fundam a Cia de Cigarros
Souza Cruz S.A. no Rio, e em 1924, abre sua filial na Bahia (BORBA, 1975:73).
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11. "A pressão concorrencial, levando à extinção as empresas fumageiras na Bahia, pelo que indicam os documentos
encontrados na Câmara de Comércio de Bremen e no arquivo do Estado daquela cidade, foi feita com a introdução
do trust anglo-americano do fumo, que encampando inicialmente fábricas no Rio de Janeiro, estendeu seu domínio
aos outros Estados do Brasil, provocando a sucessiva eliminação das concorrentes". (Ibidem, p. 8.)
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ou de outro, forçou uma capitalização da lavoura. É notável, a esse respeito, a queixa constante
dos historiadores quanto à falta de plantios de subsistência na própria região, ocupada in-
teiramente pela monocultura, o que, elevando os preços desses gêneros, tornava a vida bastante
difícil para os empregados e trabalhadores.
Em quarto lugar, estreitamente ligado ao que se disse anteriormente, há que se
considerar as relações de trabalho dominantes na região. Não tendo conhecido a escravidão, nem
sendo possível recriar formas arcaicas de relações de produção, o trabalho livre encontrou
cruamente, na região, as condições para o seu desenvolvimento - o trabalhador separado dos
meios de produção e dos meios de reprodução de sua força de trabalho. O barracão foi a forma
encontrada de dobrar o desespero e a desilusão de milhares de ex-camponeses submetidos à
exploração mais brutal e contê-los nos limites da fazenda. Do mesmo modo que o fomento de
uma imigração incessante de camponeses nordestinos, principalmente sergipanos e sertanejos
baianos, foi a maneira de prover a região de um fluxo constante de força de trabalho que suprisse
às variações da sua demanda, principalmente quando, já totalmente ocupada a região, a
sazonalidade da cultura esbarrava numa oferta insuficiente de braços.
Por último, a presença de uma acumulação prévia em outras partes do Estado
concentrada em mãos da burguesia comercial e a presença relativamente farta de capital
estrangeiro no Brasil, por esta época, forneceram a base creditícia indispensável para o
desenvolvimento da lavoura em bavses capitalistas. O elenco de atividades das filiais das casas
comerciais na região é uma prova disso. Eram elas, ao mesmo tempo, casas comerciais, agentes
financeiros, representantes de bancos estrangeiros e nacionais, escritórios de companhias de
navegação e representantes diplomáticos (FREITAS, 1979).
Nos primeiros anos do século XX, entretanto, esse processo de desenvolvimento está
ainda nos seus primórdios. A estrutura fundiária é bastante desconcentrada e predominam
massivamente as pequenas propriedades. É esse fato o maior responsável pelo destaque que os
comerciantes tem então na vida econômica e social da região e pelo papel subalterno dos roceiros
no quadro político baiano, em que pese a já constituída liderança do cacau na economia agro-
exportadora estadual. Controlando a intermediação comercial e financeira, os comerciantes
detinham assim a parte do leão na partilha da mais valia e relegavam o pequeno produtor a um
papel social também secundário. Foi lento o processo de formação da hegemonia dos
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cacauicultores, o qual se desdobra pelos 30 primeiros anos do nosso século: "Entre 1900 e 1930,
em que pese sua hegemonia econômica, a burguesia cacaueira não consegue expandir o seu poder
além das fronteiras da região produtoras" (FREITAS, 1979:32).
O primeiro passo foi, sem dúvida, a formação de uma burguesia cacaueira respaldada na
grande propriedade fundiária. Os caxixes, por um lado, e o crédito hipotecário, pelo outro, for-
jaram essa realidade viva. De um lado, o proprietário que expande suas terras pela violência e
pelo terror, do outro, o comerciante que inicia o jogo econômico cedendo parte de seu capital ao
roceiro, contra a garantia de suas terras, para, no fim, mais venturoso e mais robusto, transformar-
se ele próprio num produtor.
Essas duas formas de concentrar a propriedade fundiária estão na origem do que Freitas
chamou de "unidade consolidada entre produtor e comerciante", mas não deve significar, como
pode sugerir a frase anterior, que eram formas próprias a um e a outro agente exclusivamente.
São antes formas históricas que prevaleceram de modo sucessivo no tempo, embora estivessem
presentes desde o início, pois não só apareceram cedo as grandes propriedades como seus
coronéis foram tão bons comerciantes quanto estes. Freitas (1979:30) diz que
"regionalmente...os comerciantes, inicialmente, e, logo após, os grandes produtores
apareceram como fornecedores de crédito para custeio das saíras. Enquanto, os
primeiros colocavam em giro não só capital de propriedade das firmas comerciais, mas
também das casas bancárias que representavam, os grandes produtores se utilizavam
do excedente retido originalmente com as primeiras roças e fazendas".
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12."Enquanto os coronéis continuaram assumindo as lutas no interior da região cacaueira os seus aliados davam an-
damento às disputas travadas nas cidades regionais e em Salvador. Ficaria a cargo de advogados, por exemplo, o
encaminhamento das lutas político-partidárias, da qual souberam tirar o proveito para projetarem-se estadualmente
como líderes da sociedade cacaueira" (Freitas, 1979:100).
"A colocação correta seria afirmar-se que a classe dominante regional, passados os primeiros trinta anos de expansão
da cacauicultura, abandonou a região. Inicialmente através dos descendentes mais jovens e, posteriormente, se
constituindo como atitude própria à burguesia cacaueira. Afinal de contas, se a fração ligada ao comércio quase
sempre esteve distante do espaço cacaueiro e admitindo-se, como é o caso, a estreita relação entre essa fração e a
minoria dos grandes produtores, nada mais natural que esta identificação se reproduza em atitudes" (Freitas,
1979:86).
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Pode-se concluir dessa contradição que nem os interesses dos comerciantes eram os
únicos representados no poder nem faziam-se valer independentemente dos interesses de outras
frações de classe. No plano estritamente político, a fração burguesa comercial ocupava um papel
destacado no bloco de poder sem entretanto estar a exercê-lo diretamente. Tem alguma razão
Freitas quando, ao analisar a posição dos senhores de engenho e dos comerciantes no bloco de
poder, diz que
"no relacionamento entre as duas frações de classe dominante restou à fração
derrotada economicamente a ocupação do espaço político, dentro da máquina
burocrática-administrativa do Estado, garantindo uma posição provilegiada, a qual,
pode-se dizer hoje, secular, histórica" (FREITAS, 1979:17).
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de atender aos interesses das diversas frações da classe dominante estadual, através de
um governo que tanto submetesse as aspirações divergentes das frações principais
como as demais classes que formavam a sociedade estadual" (FREITAS, 1979:83).
A Revolução de 30 e a Bahia
A Revolução de 30 desfaz, no Brasil, um pacto que, sob a égide da burguesia mercantil
e financeira nacional, integrava a oligarquia fundiária, a burguesia agrária e a burguesia industrial
emergente com os interesses imperialistas, que operavam sobretudo no comércio e nas finanças,
mas também, secundariamente, em ramos produtivos de maior densidade de capital, como as
estradas de ferro, o transporte de cabotagem, as companhias de telefone, de eletricidade etc.
A burguesia mercantil financeira não era, entretanto, um bloco monolítico. Ela se
compunha de facções regionais que, no seio de diferentes economias, exportadoras ou de
mercado interno, articulavam-se com outras facções oligárquicas ou burguesas.
A cooperação e a convivência entre elas eram garantidas pela partilha do poder federal:
a facção cafeeira do Rio e São Paulo e a facção pecuarista de Minas Gerais alternavam-se,
geralmente, na Presidência da República, enquanto às restantes cabia ocupar postos nos aparelhos
de estado e ter assegurada uma autonomia estadual relativamente ampla de modo a fazer, em
cada região, as acomodações necessárias.
Esse pacto hegemônico vinha perdendo consistência ideológica e política desde o início
dos anos 20, com o descontentamento crescente dos setores médios urbanos, com a ação rei-
vindicativa do movimento operário anarquista e com revoltas militares periódicas. Mas só em
1929 o pacto é definitivamente desestabilizado em função da grande crise capitalista, que
desorganizou a economia exportadora brasileira e acirrou os antagonismos regionais entre as
facções mercantis, dificultando a cooperação entre elas.
A campanha eleitoral para a sucessão presidencial, em 1929, rompe com o exclusivismo
político dos grupos burgueses. A Aliança Liberal, sustentada pelas oligarquias do Rio Grande e
de Minas Gerais, permite que o descontentamento popular e militar fosse carreado para arena
política. A agitação eleitoral transforma-se, então, numa crise sem precedentes que, somada às
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dúvidas que sempre pairavam sobre a lisura dos pleitos, ao clima emocional causado pelo
assassinato do concorrente derrotado à vice-presidência e aos efeitos da grande depressão,
desemboca, como se sabe, na deposição armada do presidente Washington Luis e na formação de
um governo revolucionário, congregando tenentes, as oligarquias e burguesias gaúchas e
mineiras.
Na Bahia, a revolução significará uma mudança completa no sistema de dominação,
tanto da expressão das classes nos aparelhos do estado, quanto de sua representação política - os
partidos, os organismos de classes, as lideranças políticas e ideológicas. O pacto que se encerra
em 30 alinhava os interesses de três classes: a burguesia mercantil, a burguesia cacaueira e a
oligarquia fundiária.
A burguesia mercantil, agente das grandes casas importadoras estrangeiras e dos
banqueiros europeus e norte-americanos, era o elo de ligação entre o sistema capitalista inter-
nacional e a produção de alimentos e matérias primas agrícolas, principalmente o cacau e o fumo,
mas também, secundariamente, o açúcar, os metais e pedras preciosas, o algodão, os couros e as
peles e produtos extrativos diversos. A burguesia cacaueira situava-se, nos 30, em relação extre-
mamente desvantajosa frente ao capital mercantil devido à estreiteza do sistema de crédito e fi-
nanciamento da produção e ao baixo nível tecnológico da lavoura, que ameaçavam, inclusive, a
perspectiva de desenvolvimento da economia cacaueira como um todo, ante a concorrência da
produção dos países africanos da Commonwealth que já então começa a despontar.
A oligarquia fundiária dos sertões comandava um enorme bolsão de reserva de mão-de-
obra e terra, sobrevivendo numa economia de subsistência e de produtos de exportação de pouco
valor, baseada em relações de produção arcaicas. Essas classes se exprimiam no Governo do
Estado, sob a hegemonia da aristocracia do açúcar e do bacharelato da zona cacaueira onde, às
vezes, insinuava-se algum coronel do sertão.
A incapacidade da economia burguesa em disseminar as suas relações de produção fora
da zona do cacau e da esfera do comércio, assim como o não surgimento de outra cultura agrícola
de exportação internacional, acabou por restringir a efetividade do governo estadual a uma
estreita faixa do território baiano que avançava de Salvador para o sul, pelo litoral. Nos sertões, o
poder era, de algum modo, exercido pelos grandes oligarcas que, estando a favor ou contra o
governo estadual, contavam com meios suficientes para governar de modo independente os seus
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13. Diz PANG (1979:220): "Para um estado politicamente dividido como a Bahia, Amaral não se mostrou num um
saneador competente, nem um administrador adequado. Sua decisão de soltar os coronéis do interior enfureceu os
zelosos revolucionários".
15. Isso custará a Juraci Magalhães a oposição ferrenha do jornal A Tarde, cujo proprietário, Ernesto Simões Filho,
deixa a Bahia para escapar ao clima violento da província. Só em 1959 esse jornal volta a mencionar com respeito o
nome de Juraci Magalhães.
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Juraci procura também, do mesmo modo, acercar-se dos principais grupos mercantis,
como a Casa Magalhães, e dos novos intelectuais, como do então advogado Clemente Mariani16.
No entanto, a crise econômica que estremecia a praça comercial e a nova política econômica do
governo federal deprimiam rapidamente a burguesia mercantil e só lhe deixavam o caminho da
oposição. Sua reação à revolução de 30 é o melhor índice de sua fraqueza econômica e de seu
despreparo político17. De 1930 a 1945 ela estará empenhada na luta contra a forma política e
jurídica que toma o estado brasileiro no empreendimento das profundas mudanças da estrutura da
economia nacional mas será incapaz de perceber a lógica própria a essas mudanças de modo a
situar-se no seu curso. Ao contrário, acabará por tomar, na prática, as diferenças alarmantes de
desenvolvimento entre os Estados, que começam a emergir no pós-30, sempre em prejuízo da
Bahia, como uma decorrência de seu afastamento do poder político nacional. Essa interpretação
acaba sendo assimilada por alguns intelectuais18.
Culpar a constituição de uma vontade discricionária decorrente da tomada violenta do
poder representa eludir as condições concretas em que ela se formou. A Revolução significou,
historicamente, uma resposta às condições desfavoráveis à continuidade do processo de
acumulação capitalista no Brasil. A impressão de que se beneficiavam os interesses que
gravitaram em torno do poder revolucionário é certamente correta, mas se circunscreve aos limi-
tes imediatos da ação. Se eles forem transpostos, descobrir-se-á uma lógica econômica para os
16. Ver CARONE (1975:236): "Depois Juraci aproxima-se dos elementos civis: Clemente Mariani, advogado; Me-
deiros Neto, representante do comércio baiano... Liga-se, depois, com a Casa Magalhães, casa exportadora de açúcar
e que financiava os produtos de açúcar". Ver também SAMPAIO (1960:16): "(Juraci) Conquistou, com facilidade,
um amplo círculo de amigos e correligionários, entre "coronéis" do interior e "doutores" da capital. O
"autonomismo" não monopolizou, pois, a intelligentzia da Província. Boa parcela ficou do lado do novo governante,
como se pode verificar desta lista incompleta: Medeiros Neto, Alfredo Amorim, Edgard Sanches, Prisco Paraíso,
Marques dos Reis, Magalhães Neto, Gileno Amado, Clemente Mariani, Aliomar Baleeiro, Albérico Fraga, os três úl-
timos bem jovens então".
17.A idéia de que os intelectuais baianos foram preparados para apreciar apenas as letras e as coisas do espírito, mas
não entendem das coisas do comércio é uma idéia bastante espalhada nos anos 30, 40 e 50 do nosso século.
18. Ver MARIANI (1977:64): "A revolução de 30 trouxe, entretanto, no seu bojo, duas consequências da maior
gravidade para os interesses econômicos da Bahia. A primeira foi o soçobro do prestígio político do Estado, sem
nenhuma afinidade com o movimento vitorioso tanto pelas caractarísticas do espírito conservador e jurídico de suas
elites, como em consequência da união de todos os seus partidos em apoio à chamada presidencial liquidada pela Re-
volução. A segunda foi a instalação como fonte legislativa, inclusive em matéria tributária e nas correlatas, como o
comércio exterior, da vontade discricionária do Chefe do Governo, sujeito apenas às influências dos que lhe giravam
em torno, por idreito de conquista conjunta do poder, ou levados pela mão de algum deles, de qualquer modo
excluída qualquer participação da Bahia na elaboração daquela vontade legislativa discricionária".
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privilégios. Uma lógica perversa para a Bahia: o poder anterior privilegiava interesses regionais,
como o café e a pecuária mineira, mas não excluia a burguesia mercantil baiana dos benefícios da
política econômica, pelo contrário, havia mesmo uma perfeita identidade entre os interesses
regionais fundamentais.
Entretanto, a política econômica a partir de 30 privilegiava certos ramos de atividades e
certas áreas de investimento que estavam fora do universo econômico da burguesia baiana. A
conjuntura dos anos 30 enfraquece a burguesia mercantil-financeira baiana em detrimento não
apenas das facções burguesas sulistas mas, também, da burguesia agrária baiana, particularmente
a cacaueira, que até então, precisara se fazer representar no poder pelos políticos ligados aos
interesses mercantis. O golpe de misericórdia é dado, entretanto, em 1943, quando a portaria nº
63 da SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito) coloca toda a comercialização de
cacau sob a competência do Instituto de Cacau da Bahia, e interrompe assim o comércio
exportador baiano. A burguesia mercantil e financeira conhece então um processo de intensa
concentração de capitais e de reorientação de suas aplicações para atividades produtivas19. É
desse processo que emergirão as grandes forças da burguesia baiana no pós-guerra: os bancos
comerciais - o Banco Econômico e o Banco da Bahia - e os exportadores que se tornam
industriais do cacau, grandes plantadores e pecuaristas.
Enquanto a burguesia mercantil baiana se aninhava no bloco de poder nacional, os
conflitos de interesses na economia cacaueira não se expressavam em posições políticas claras. A
revolução de 30 contribuiu, através da crescente intervenção do estado na regulamentação e no
incentivo às atividades produtivas e do afastamento da classe dirigente, para trazer ao proscênio
da vida política a representação dos interesses do cacau.
Do mesmo modo, a eliminação dos grandes senhores oligarcas faz emergir, nos sertões,
em plano de igualdade, um número maior de pequenos latifundiários numa economia cada vez
mais tributária da economia capitalista. O novo sistema de poder terá, doravante, para conformar
19. O estudo do período 30-45 na Bahia tem sido realizado apenas do ponto de vista do mapeamento dos fatos
políticos não existindo, por enquanto, nenhum trabalho que analise o processo econômico que subjaz à dinâmica da
representação política. A hipótese de um processo de concentração dos capitais mercantis surge assim de modo
bastante genérico apoiando-se principalmente em documentos como o depoimento de Clemente Mariani, citado na
nota 2 do segundo capítulo desse trabalho, necessitando pois de um estudo e de uma investigação histórica mais
precisa para poder ser utilizada em toda a sua extensão.
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a hegemonia de qualquer facção, que levar em consideração essa diversificação dos interesses
oligárquicos e a ausência de uma rígida hierarquia entre eles, em suma, sua horizontalidade.
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Ainda que não apareça de modo totalmente articulado, o projeto liberal já se insinua no
relatório do Banco da Bahia de 1946. Estão aí presentes os principais elementos, a partir dos quais se
aglutinarão as críticas e as propostas políticas da burguesia baiana: a) a política cambial do governo
federal; b) o comércio triangular; c) o desequilíbrio federativo e a distribuição dos recursos federais;
d) a política de suporte à agricultura; e) a política de industrialização; f) a política de retenção,
treinamento e barateamento da força de trabalho.
O eixo do projeto é, indubitavelmente, a política cambial, sobre a qual a posição do Banco
da Bahia deverá variar da pura reivindicação do câmbio livre - que significava a reintegração da
burguesia mercantil, em detrimento do Estado, no papel de interligação com os interesses
imperialistas - até a defesa de um confisco que em grande parte se reverta para uma política de
incentivo da produção e de controle da comercialização dos produtos agrícolas. Essa variação
representa, obviamente, um posicionamento no tempo que, por sua vez, obedece a uma modificação
da correlação das forças políticas em jogo. O importante, no entanto, é realçar dois fatos: o modo
como se constrói todo um diagnóstico da economia baiana em torno do objetivo de modificar a po-
lítica cambial e o modo como são costurados pelo discurso liberal os interesses do conjunto das
classes sociais.
Para a burguesia mercantil-financeira, o fundamental a modificar na política cambial era a
diferença existente entre o dólar de exportação, regulamentado institucionalmente, e o dólar de
importação, sujeito às flutuações do valor interno da moeda. Essa diferença criava uma situação de
constante contração na sua taxa de lucro ou, no melhor dos casos, fosse o dólar de exportação
corrigido no mesmo ritmo da inflação, de imposição de uma taxa de lucro menor que a auferida por
outros setores de atividade. Essa discriminação desdobrava-se no controle das importações pelo go-
verno federal, através de concessão de licenças prévias e dos leilões de divisas, que redundava no
fortalecimento dos importadores do Rio e de São Paulo, controladores de um mercado privilegiado
de matérias primas e de bens de consumo. Tal situação era agravada pelo processo fraudulento e
corrupto de obtenção de licenças. No dizer de Mariani (BANCO DA BAHIA:1950):
"Desde o momento, porém, que o cruzeiro adquiria um valor oficial para as
transações do comércio exterior acentuadamente divergente do seu valor interno, e
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O projeto, como sugerem as últimas linhas da citação acima, não se esgota na reivindicação
da correção do confisco cambial , mas, ao contrário, encontra desdobramentos importantes em
reivindicações sobre o funcionamento do comércio interno, para onde se voltara a expansão do
capitalismo nacional.
Se em 1945, por exemplo, a industrialização é colocada quase que em termos de oposição
aos interesses da burguesia baiana, em 1951 isso já não acontece, pois a categoria de comércio trian-
gular abre, em termos analíticos e políticos, a possibilidade de pleitear-se a industrialização local. O
importante, portanto, não é garantir apenas uma taxa de câmbio justa mas, complementarmente, um
maior desenvolvimento das atividades internas da Bahia. Em 1945, diz Mariani (1945:6):
"Não ignoremos que as nossas populações rurais e as nossas massas
consumidoras, desprovidas de tudo, submetidas, durante a guerra, às maiores
privações e sacrifícios, ... tem os olhos fitos na esperança... de abastecerem-se
agora, a preços razoáveis, nos mercados estrangeiros... e que não seria justo fazê-
las esperar o equipamento da indústria nacional capaz de prover as suas
necessidades, nem muito menos condená-las a custear o estabelecimento dessa
indústria, através de pagamento de preços exagerados pelos seus produtos".
No entanto, entre a identidade desses dois argumentos há que se inserir, para entender-se a
maleabilidade política do diagnóstico, essas frases (BANCO DA BAHIA, 1951:23):
"Se quiser guardar a sua posição econômica e melhorá-la, a Bahia terá de reivindicar
um tratamento equitativo na distribuição dos recursos da União e dos favores cuja
distribuição compete a órgãos do Governo Federal, sobretudo no que se refere ao
aproveitamento de suas divisas, à participação no imposto sobre combustíveis e à
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regularização dos seus meios de transporte. Mas o que lhe importa, sobretudo, é
preparar-se para a expansão industrial, que enfim se torna possível".
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"Os números indicam onde se situa o ponto vital das reivindicações baianas (a
política cambial), difíceis de serem atendidas com meros investimentos compen-
satórios, cujo vulto, para serem justos, nao deixaria de fomentar resistências, por
incompreensão ou má fé" (BANCO DA BAHIA, 1959).
Dentro do mesmo espírito são avaliadas todas as medidas do governo federal, entre elas o
crescimento da burocracia civil e militar e sua concentração no Rio de Janeiro; os aumentos salariais
concedidos a esse funcionalismo; as despesas públicas decorrentes da concentração urbana; o
controle dos preços dos gêneros alimentícios e, até mesmo, a regulamentação da situação ocupacio-
nal do trabalhador urbano1.
1
Compare-se, por exemplo, esses três trechos de relatório (BANCO DA BAHIA,
1951:6):
" Premida pelo mal estar das classes proletárias e da imensa burocracia
concentrada no Distrito Federal, enveredou o Governo... pelo caminho das
medidas de emergência, consistentes na votação de leis draconianas de proteção
à economia popular e no abastecimento direto da população carioca por órgãos
governamentais, vendendo com prejuízo, ou sem lucros, apesar de isentos de
impostos e custeados pelos poderes públicos, numa concorrência que,
evidentemente, o comércio normal não poderia suportar".
54
Mas, obviamente, atenção especial é dada à inflação de preços, vista como importante
mecanismo, junto com a política cambial, de concentração regional da riqueza:
"... a parte ainda necessária à realização do programa de metas vem sendo obtida
através de processos inflacionários que, em última análise, representam uma
transferência de recursos de setores preexistentes da economia nacional para outros
setores atualmente criados ou em acelerado desenvolvimento"(BANCO DA
BAHIA, 1958:10).
Quando, ao contrário, essa intervenção é necessária para o crescimento burguês ou está além
da capacidade técnica do capital privado, os novos liberais sabem receitá-la. Assim, entre as medidas
que têm como objetivo reverter a tendência deficitária do comércio interestadual da Bahia, o que
podia ser conseguido tanto pelo desenvolvimento da produção industrial como pelo desenvol-
vimento das culturas agrícolas, Mariani acha que
"As considerações até aqui desenvolvidas estão a indicar que a consolidação da fase
de prosperidade aberta para a Bahia depende de um conjunto de medidas que vão
desde a manutenção pelo Governo Federal de sua política de restabelecimento
federativo, com a continuação do amparo aos estados subdesenvolvidos e a
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"a obtenção pela Bahia, como então ocorrerá, de um grande saldo na sua balança de
contas, coicindindo com a chegada da energia de Paulo Afonso, poderá ensejar, a
exemplo do que sucedeu em São Paulo, há muitos anos, com os saldos de café, o
início de um poderoso surto industrial que incumbe aos governantes e aos órgãos
financeiros prever e preparar-se para orientar" (BANCO DA BAHIA, 1953).
A perspectiva de uma feliz confluência desses fatores aparece, pelo menos, desde 1948
embora esteja melhor expresso em conjunturas posteriores. Diz, em 1951, o relatório do mesmo
Banco:
"a Bahia tem no momento, ou terá dentro em pouco, todos os elementos para um
amplo desenvolvimento industrial; energia elétrica em Paulo Afonso e térmica em
Aratu; matérias primas minerais e agrícolas e possibilidades de expansão das que se
tornarem necessárias; imensa mão de obra, não especializada é verdade, mas capaz
de trabalhar sob a direção de técnicos e adquirir o grau de eficiência média do
operariado brasileiro; mercado consumidor capaz de absorver a produção de um
grande número de indústrias" (BANCO DA BAHIA, 1951:23).
Isso posto, cabe ainda enumerar algumas medidas complementares que são partes
integrantes do projeto. Num primeiro bloco, poder-se-ia listar uma política de valorização dos
recursos humanos através, principalmente, de investimentos em educação e em saúde públicas; uma
política de ampliação das redes de transporte ferroviário, rodoviário e marítimo; uma política de
assistência às atividades produtivas, etc., todas, em parte, dependentes de recursos federais, sendo,
por isso, especificações da política de equilíbrio federativo. Num segundo bloco, uma política de
planificação racional da economia que orientasse o desenvolvimento das atividades agrícolas, novas
e antigas, e incentivasse a industrialização, para o que se realçava, desde 1950, a necessidade de
construção de uma cidade industrial entre Aratu e Camaçari. Finalmente, acentue-se que se creditava
a viabilização desse plano de recuperação a uma firme e decisiva ação do executivo baiano, assim
como de sua bancada na Câmara e no Senado:
"... tenho insistido na demonstração da danosa influência dessa orientação sobre o
retardamento material e cultural da Bahia e na necessidade de um entendimento das
forças políticas do Estado em torno da reivindicação de pontos básicos do seu
interesse econômico, sancionada por um procedimento consequente dessas forças,
conforme tais reivindicações sejam ou não atendidas" (BANCO DA BAHIA, 1959).
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A ação do Banco da Bahia, ainda que importante, tinha que limitar-se ao plano da concepção
e da divulgação de idéias, jamais podendo transpor esses limites. No entanto, a Associação
Comercial da Bahia também passara, entre a revolução de 30 e o fim da Segunda Guerra, pela
mesma renovação experimentada pelo tradicional comércio baiano, com a ascensão da mentalidade
trazida pelos novos inteletuais2. A renovação foi de modo a recolocar a burguesia mercantil-
financeira de posse de um órgão representativo e técnico com bastante agilidade para fazer face às
novas circunstâncias que se instalarão com a redemocratização do país.
A ACB torna-se, então, a principal instituição civil na defesa dos interesses burgueses. Sua
atuação conhece três esferas: a reivindicativa e de pressão, que atua em forma de lobby junto à
Assembléia Legislativa, ao Governo do Estado, e às bancadas baianas na Câmara Federal e no
Senado; a esfera ideológica, que envolve a formação de quadros, a geração de conhecimentos
técnicos que orientam a ação e a divulgação do pensamento da classe junto às demais instituições da
2
Veja-se, por exemplo a opinião de Mariani (1977:119):
"Ressalvados alguns poucos casos decorrentes da continuidade de interesses de
família, em determinadas empresas, pela primeira vez o comércio baiano havia
adotado, como elemento seu, entregando-lhe a direção de empresas importantes,
um homem de formação universitária completa, bacharel, advogado, professor e
ainda mais político. Rompido o tabu, outros exemplos semelhantes se seguiram e
já se contam, entre os elementos de destaque do comércio e da indústria,
figuras de esmerada formação universitária, o que vem sendo ultimamente
facilitado pelo desenvolvimento dos cursos de ciências econômicas".
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58
sociedade; e, por fim, a esfera de assessoramento, que gera propostas e contrapropostas, avalia e
reformula projetos de interesse da classe.
No plano ideológico, deve-se ressaltar o papel da ACB na criação da Comissão de
Planejamento Econômico, que foi inclusive presidida por figuras do seu meio, como Miguel
Calmon3. Também sua influência na formação de novos intelectuais, embora não tenha sido direta,
não é desprezível. Na divulgação do pensamento da classe, pelas próprias características de órgão de
pressão e combate, sua contribuição é mais lenta que, por exemplo, a do Banco da Bahia. Enquanto
esse podia dedicar-se a interpretação das conjunturas e conformar um projeto de longo prazo, aquela
teria que atuar sob a pressão dos diversos interesses com direito à representação naquela casa. Toma
tempo, portanto, não apenas a formação de um discurso homogêneo entre as diversas facções do
capital mas, principalmente, a aceitação de uma linha de ação unificada.
Foi, entretanto, o capital mercantil e financeiro que instruiu, desde a primeira hora, a lógica
da ação da ACB. A lógica era simples: preservar todo o espaço econômico para a iniciativa privada.
Como isso só interessava naquele momento, ao capital mercantil, qualquer ação que se pautasse por
essa lógica acabaria por conformar os interesses das outras facções à sua proposta de hegemonia.
Isso é verdade apesar do fato do tópico de maior importância para a burguesia mercantil, a política
cambial, não merecer nenhum destaque entre as demandas da ACB. A política cambial recebe um
tratamento menos enfâtico que, por exemplo, ítens genéricos, como o sistema de transporte ou a
produção de energia; recebendo a mesma ênfase de outros tópicos específicos, como a assistência
técnica e creditícia, o combate às secas, a legislação tributária, etc. É que o conjunto das forças que
se agregam em torno da ACB só adquirem uma maior organicidade durante os anos 50.
3
Miguel Calmon, Presidente do Banco Econômico da Bahia, presidiu a ACB, entre
1949 e 1953, diz Guimarães (1966:60): "Transformou-se (a CPE) num ponto de
reunião e conferências que influenciou vários empreendedores privados e
animou as novas empresas nascentes. Não se pode, aqui, esquecer o apoio que
lhe deram a Universidade - cujos institutos o decreto criador da CPE nomeava
expressamente, como fornecedores de estudos e pesquisas básicas - e os bancos
do Estado, principalmente Miguel Calmon e seu grupo, que continuaram
participando ativa e proficuamente da nova instituição".
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59
classes “conservadoras” baianas desdobram a seguinte lista de reivindicações, que elude justamente
a questão cambial:
A ACB, todavia, tem um papel importante na luta pela modificação da política cambial.
Aliás, a história de como a defesa desse tópico tão específico acaba por envolver os outros segmen-
tos de classe representados na ACB evidencia como o projeto liberal burguês acaba por sedimentar a
organização da classe burguesa. Ainda em 1946, quando a ACB em telegrama ao Presidente da
República pede "o reexame da situação do comércio de cacau" que cerceia "a liberdade das
atividades mercantis" (ACB, 1947:1), as cooperativas de produtores da região cacaueira manifes-
tam-se radicalmente contrárias ao mercado livre do cacau, sinônimo, para elas, de especulação e es-
camoteação do cooperativismo4.
4
A TARDE (16-01-1946:7) reproduz um artigo aparecido no Diário da Tarde de
Ilhéus que tem o seguinte trecho:
"Não é possível semelhante convívio. Debaixo do mesmo telheiro não vivem o
lobo e a ovelha. Comércio livre e cooperativas têm funções, por assim dizer,
antagônicas. Um, o primeiro, existe para ganhar o pão com o suor alheio. O
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O apoio da ACB é tão completo que, antes de anunciada a adoção do plano, ela já está
articulada com os produtores da região cacaueira para a deflagração de um lock-out, que
reivindicava, basicamente, a adoção de preços mínimos aos produtores5. Esses fatos parecem
demonstrar que a ACB, em mãos do capital mercantil e financeiro baiano, consegue de fato conduzir
e harmonizar os interesses em jogo na cacauicultura, já nesse período.
61
O segundo é aquele onde já há um consenso formado que precisa ser alterado. Mesmo antes
de serem descobertas, em 1939, jazidas petrolíferas passíveis de exploração comercial, a opinião
pública nacional via-se dividida em torno da existência ou não do petróleo no Brasil6. A crença na
existência do petróleo estava geralmente associada a um amplo projeto de transformações econô-
micas e sociais, do qual as classes dominantes desconfiavam. Essa crença se associara, no decorrer
da campanha, entre outras coisas pelo desinteresse real da burguesia, a uma proposta nacionalista
estatizante7.
O apelo nacionalista era, em verdade, o único com força bastante para dar à campanha uma
extensão realmente geral e nacional. A acusação de que os trustes internacionais não queriam ver o
progresso e a independência econômica do Brasil tinha uma vigência que extrapolava os casos
concretos, inclusive o episódio do petróleo.
Não há dúvida de que estavam em jogo valores referentes a estágios diferentes da formação
social capitalista brasileira. Apesar das fronteiras de classe não coincidirem integralmente com as
fronteiras das crenças em disputa, não há como negar que as camadas dominantes e hegemônicas da
burguesia baiana estavam de um lado só5. Descoberto o petróleo, no entanto, cabia agora regular sua
6
Como bem coloca o editorial de A Tarde de 27-01-1939.
"a questão ultimamente extramara-se como os artigos de crença e os grupos se
dividiam - uns acreditavam por palpite, outros discordavam por inspiração".
7
Como expressa esse trecho de um manifesto estudantil de apoio à Campanha
Nacional do Petróleo, de 1937:
"Sem explorar as riquezas de seu subsolo, o Brasil não terá nunca uma indústria
pesada, não conseguirá nunca construir um fabrico em série, construir
automóveis, ter companhias nacionais e transoceânicas de transporte, ter um
Exército e uma Armada aparelhadas, ter uma frota aérea" (A TARDE, 09-03-1937:2).
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62
63
Essa posição não lhe é restrita, mas comum a todas as associações comerciais do Brasil, sob
a liderança da paulista e da carioca8. O particular à ACB é, como já foi dito, que tendo o petróleo
jorrado na Bahia, é sobre ele que se erige a parte substancial do projeto de recuperação econômica
da Bahia, ao lado do aproveitamento do potencial energético do São Francisco e da autonomia dos
Estados.
Assim, mesmo depois da lei 2.004, de 31 de outubro de 1953, que cria o monopólio estatal
do petróleo, a ACB continuará a pressionar o governo e a modelar a opinião pública no sentido de se
promover, com rapidez, um surto de desenvolvimento industrial no Estado, lastreado na exploração
do petróleo.
Alguns pontos preocupam-na sobremaneira: os preços dos derivados, mais elevados na
Bahia devido aos fretes e às tarifas portuárias; a pequena capacidade de refino de Mataripe, que
inviabiliza o surgimento aqui, de uma indústria petroquímica, que já começa a instalar-se em São
Paulo e Rio de Janeiro; o não aproveitamento industrial do gás natural; a isenção de imposto de que
goza a Petrobrás e a sua pequena contribuição para a economia baiana, seja em forma de pagamento
de royalties, seja em forma de participação acionária, seja em forma de investimentos de infra-es-
trutura; os direitos dos superficiários do Recôncavo nem sempre respeitados e a conseqüente
desorganização do abastecimento alimentar da capital; e, finalmente, a opacidade da direção da
Petrobrás às pressões dos grupos econômicos baianos.
Como se verá adiante, a maior parte das reivindicações da ACB será atendida
posteriormente, entre 1959 e 1964. Por ora, convém ressaltar que o maior triunfo da burguesia
baiana é imbutir no pensamento das demais classes do Estado a idéia de que a política nacional de
petróleo deve ser avaliada também por seus efeitos regionais.
Além desses temas - a política cambial, os meios de transportes e o petróleo - que
centralizaram os debates nos anos 40 e 50, houve outros, como a energia elétrica, que ganharam
8
Assim, quando da sua descoberta em Lobato, o editorial de A Tarde descreve
os dois lados em confronto usando a palavra capitalista para significar o
empresário visionário que se volta para o futuro e de homem de negócio para
significar o capitalista real, o comerciante e o agricultor principalmente,
mas também o empresário industrial bem estabelecido.
"Capitalistas idôneos juravam: existe. Tinham a convicção, algo visionária, de
Galileu, dizendo que a terra se move. E homens de negócio, igualmente sérios,
replicavam com uma fatal energia que lembra a junta de Salamanca a repelir os
sonhos de Colombo: não, não há petróleo" (A TARDE, 27-01-1939:3).
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enorme importância como veículo da ideologia liberal-burguesa, sendo também apresentados como
soluções para o subdesenvolvimento da Bahia e para a pobreza de sua gente. Ainda outros houve,
mais específicos, sem a função catalizadora daqueles, como a regulamentação do imposto de venda
e consignações; do imposto de exportação; a discussão esmiuçada das portarias da SUMOC e seus
efeitos sobre o pequeno comércio, o grande comércio e as finanças; o disciplinamento da oferta de
insumos industriais; a política creditícia do governo; as medidas de planificação econômica do
estado; a sistemática do imposto territorial; a localização industrial, etc. Esses últimos fizeram o dia
a dia do trabalho da ACB junto aos poderes públicos e aos senadores e deputados baianos, através de
memoriais, memorandos, telegramas, cartas, visitas, sessões de discussão, seminários e conferências.
Cabe também realçar as duas outras instituições que estiveram estritamente ligadas a esse
padrão de comportamento, embora sem a força e a influência política da ACB - a Federação do
Comércio da Bahia e a Federação das Indústrias do Estado da Bahia - ambas dirigidas pelo mesmo
grupo de intelectuais orgânicos, Pedro Mariani, Orlando Moscozo Barreto de Araújo, Alberto
Martins Catarino, etc. que emergiram no pós-30.
Finalizando, pode-se dizer que o projeto liberal burguês, por trazer uma marca de origem
muito destacada (a política cambial) foi a expressão imediata e um guia para a ação da burguesia
mercantil baiana desde a segunda metade dos anos 40. Só mais lentamente, contudo, conseguiu
instalar-se hegemonicamente no seio dos organismos da burguesia, isto é, conseguiu refletir não
apenas o pensamento de suas diretorias, mas do conjunto da classe.
A maleabilidade do pensamento liberal eestava no fato de não ter um projeto tão
empedernido e retógrado quanto, à primeira vista, sua reivindicação principal indicava. A outra porta
de entrada do projeto, a expansão das atividades industriais e agrícolas no Estado, atingia com
facilidade os interesses do restante dos segmentos burgueses baianos e abria o necessário espaço
para o consenso. O capital mercantil terá então, como tarefa, para resguardar sua posição
hegemônica, que fazer com que sua política cambial adeque-se àquele espaço e, para isso, tem que
absorver reivindicações agrárias, como os preços mínimos ao produtor, e a regularização do
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mercado de comercialização pelos órgãos públicos, por exemplo, e abrir mão de pretensões
inconvenientes como, por exemplo, a total liberdade do comércio de moedas e de mercadorias.
No entanto, apesar de no seio dos órgãos de representação burguesa essas adaptações terem
sido feitas sem abdicar-se do espírito acentuadamente liberal do discurso, na sociedade civil, em
contato com as outras classes e os outros segmentos sociais, esse mesmo discurso mostrar-se-á
inadequado às diversas conjunturas da correlação das forças políticas até 1964.
Por sua vez, o processo relativamente lento de organização da classe é sintoma das raízes
pouco profundas da burguesia baiana ainda, em grande parte, em formação. Nesse aspecto, a fração
mercantil terá que esperar que os organismos de classe ganhem efetivamente um cunho burguês para
conseguir delinear uma ação de classe organicamente unificada. Quanto à inadequação do discurso,
ele é índice não apenas da gestação da burguesia enquanto classe, mas, principalmente, da
emergência da representação dos interesses de outros segmentos, entre os quais os da pequena
burguesia e os dos setores populares.
A ideologia do planejamento
O planejamento na Bahia foi fruto, como vimos, do esforço das classes burguesas para
aprofundar o conhecimento da realidade econômica baiana. Surge, todavia, como instituição
pública, em 1955, no governo Antonio Balbino, que cria a Comissão de Planejamento
Econômico, pela mão de Rômulo de Almeida, então secretário da Fazenda do Estado, mas já
àquela altura um economista de renome nacional tendo chefiado a Assessoria Econômica da
Presidência da República, durante a gestão Getúlio Vargas e, mais recentemente, o grupo de
trabalho que criara o Banco do Nordeste do Brasil.
A idéia de criar uma comissão, ligada ao governo do Estado, que congregasse as
instituições da sociedade civil interessadas na pesquisa e na implementação de políticas
econômicas para o desenvolvimento da Bahia data de, pelo menos, 1946, quando Rômulo de
Almeida, então técnico do Departamento Nacional de Indústria e Comércio, contactava com
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66
sucesso a Associação Comercial da Bahia nesse sentido9. Sua visão dos problemas e sua posição
diante do desenvolvimento da economia brasileira, entretanto, diferem daquelas esposadas pela
grande burguesia baiana, como expostas por Clemente Mariani, o que já ficara claro na sua atua-
ção como deputado federal pelo PTB.
Os entraves ao desenvolvimento capitalista na Bahia e os efeitos subseqüentes sobre o
sistema político de dominação levaram, todavia, em 1955, a burguesia mercantil baiana a falar
pela voz do projeto reformista. Esse projeto fora elaborado pelos setores industrialistas e
nacionalistas baianos e consolidava uma aliança que tivera início em 1954, no plano partidário,
com a união da UDN e do PTB em torno do governador Antônio Balbino. Se o pensamento de
Mariani expressou uma tentativa da burguesia baiana de voltar a comandar um estágio de
acumulação capitalista que lhe tinha escapado historicamente, o pensamento de Rômulo
representava o esforço de integrar a Bahia naquele estágio sem ferir os princípios do pacto social
que o viabilizava.
O objetivo de Rômulo de Almeida era desenvolver a economia baiana, o que, para ele,
significava "alcançar a elevação da renda real per capita e sua manutenção de forma mais estável,
compatível com a natureza dos recursos e os interesses da economia nacional" (CPE, 1958:11).
Esse objetivo abstrato, no sentido de que abstrai os interesses reais dos sujeitos reais, quando
confrontado com as condições para a sua realização, conduz rapidamente à conclusão de que,
para a Bahia, a instabilidade econômica é o principal obstáculo a consecução daquela meta: "o
problema econômico da Bahia é, em primeiro lugar, o da instabilidade". Seguem-se então a
identificação das causas da instabilidade: a) "a flutuação das safras agrícolas, agravadas pelas
secas"; b) "flutuação de mercados e preços no exterior"; e c) "inadequação regional da política
monetária federal". Essas causas são agrupadas em três fatores gerais de retardamento:
9
Diz A TARDE (3.1.46:2):
"Pelo Sr. Miguel Calmon Sobrinho foi longamente exposto o ponto de vista de
que a Associação Comercial da Bahia deveria se dirigir ao Governo do Estado,
reforçando as sugestões que lhe apresentou o Sr. Rômulo de Almeida, alto
funcionário do Departamento Nacional de Indústria e Comércio, no sentido de
serem destinados as verbas previstas para o extinto Departamento Estadual de
Informações à criação de uma comissão, integrada por elementos técnicos, com
poderes para estudar e levantar um planejamento econômico do Estado, em vista
da evidência de não ser mais possível, nesta altura da civilização, economia
nem planejamento da produção".
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"Entre os principais fatores de retardamento da economia baiana podem ser apontados, pela
maior interferência na conjuntura, a exportação para fora do país, os termos de intercâmbio e
desgaste e, possivelmente, a baixa produtividade marginal do capital da Bahia" (CPE, 1958:15).
A agricultura de exportação é pois colocada como um fator de instabilidade e de
retardamento da economia baiana, para a qual só a diversificação da produção e a ampliação dos
mercados internos representam uma via segura de desenvolvimento:
"A Bahia, nas condições atuais, não tem interesse próprio em expandir suas exportações
para o exterior, a não ser em caso especial de produção, obtida com excepcional
produtividade, mediante uso de recursos que não possam ser utilizados, em condições
aproximadas, para produzir safras destinadas ao mercado interno" (CPE, 1958:15).
10
"A diversificação da produção no Estado é considerada essencial para
melhor equilibrar a economia geral, sem prejuízo e até como uma condição de
maior produtividade e expansão das exportações para o exterior" (CPE,
1958:13).
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de obra desqualificada e, ao mesmo tempo, incentive a imigração dos fatores escassos - capital,
técnica e experiência empresarial.
O segundo fator de retardamento, o desgaste dos termos de intercâmbio, é considerado
como um resultado das "exportações para o exterior [que] dependem mais de condições
peculiares, em regra oligopsônicas, dos mercados exteriores, que de nossos esforços" (CPE,
1958:17). A sua influência negativa para a economia decorre da importância que assumiram esses
mercados em detrimento do mercado interno, "devido provavelmente a dois fatores: o fracasso
das indústrias locais, motivado pela instabilidade interna, e o desenvolvimento de indústrias
competitivas nos mercados do sul e de Pernambuco" (CPE, 1958:18).
O comércio triangular, que tantos danos causa à economia baiana, é, por assim dizer,
desvinculado da questão cambial, considerada apenas um agravante de seus efeitos:
"Mesmo nos períodos em que a taxa de câmbio era justa ou de paridade para compra de
letras de exportação, essas compras eram feitas a preços afetados por tarifas aduaneiras,
pela escassez de câmbio e o sobrecusto dos transportes internos. O papel da Bahia, e há
muitos decênios, tem sido o de financiar o desenvolvimento do sul. O multiplicador de
suas exportações opera em benefício do resto do Brasil" (CPE, 1958:18).
"A transferência de recursos das regiões mais atrasadas para as mais desenvolvidas"
embora não seja causada pela política cambial, como vocifera a burguesia mercantil baiana,
provoca um acúmulo dessa transferência que "é um efeito não desejado daquela política".
Já as soluções dadas ao desgaste dos termos de intercâmbio dirigem-se para um
"programa de organização comercial das exportações, principalmente do cacau, tendo em vista,
não só credenciar melhor nossos produtos pela qualidade, como reduzir os fatores de
instabilidade no mercado mundial" a ser executado com a interferência do governo federal. Não
cabe, portanto, "reivindicar a Bahia, em lei, uma quota correspondente às divisas que produz"
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pois "tal contingente regional ou estadual colodiria frontalmente com a unidade cambial,
aduaneira e econômica do país", até porque "a discriminação ambial a favor dos bens de
produção é justificável, sob o ponto de vista nacional" (CPE, 1958:27). A Bahia tem direito,
portanto, a uma política compensatória de crédito e de inversões do governo federal, assim como
a um tratamento prioritário para as importações essenciais ao seu desenvolvimento industrial.
O último fator de retardamento, a baixa produtividade marginal do capital na Bahia, além
de ter sua solução encaminhada em decorrência das providências anteriores, comporta uma ação
do Governo do Estado no planejamento econômico que, entre outras medidas, (a) dote o Estado
de uma legislação fiscal que incentive as inversões produtivas; (b) discipline os investimentos
federais e estaduais, compatibilizando-os, concentrando-os em áreas e setores prioritários ao
invés de deixá-los pulverizar-se ao sabor dos interesses distritais; (c) desenvolva um programa de
formação e qualificação de mão-de-obra condizente com as necessidades econômicas; (d) elabore
a execute um programa de abastecimento que preserve os baixos salários nominais da região ao
tempo em que promove uma elevação dos salários reais; e, principalmente, (e) dote o Estado de
uma infra-estrutura básica e de outras economias externas. Finalmente, ressalte-se que, nesse
plano liderado por Rômulo de Almeida, os problemas sociais e o bem-estar da população são
encarados como uma consequência das medidas anteriores, promotoras do desenvolvimento, não
sendo objeto de programas especiais11.
Como pode ser observado, Rômulo de Almeida toma as grandes linhas da política
econômica nacional como um dado de realidade sem buscar jamais alterá-las mas, pelo contrário,
procurando somar esforços no sentido de acentuar-lhes os efeitos. Note-se também que Almeida
procura apresentar os três setores produtivos - a agricultura de exportação, a agricultura de
mercado interno e a indústria -, de modo integrado e equilibrado, fazendo com que a última
atividade apareça como uma complementação necessária dos interesses das duas primeiras, uma
espécie de estabilizador das variações cíclicas do comércio e da produção de bens agrícolas.
11
"O progresso social resulta, essencialmente, do aumento dos investimentos
para criar empregos produtivos, produzir mais e elevar os salários reais, ou
seja, o poder de compra das populações. O socialismo, no estágio do nosso
desenvolvimento, é promocional, pois o distributivismo assistencial tem
eficiência reduzida, face ao pouco que distribuir e que, assim, se torna pri-
vilégios de alguns" (CPE, 1959:44).
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70
Justamente por não construir seu discurso a partir de nenhum setor particular, mas a partir
do conjunto de setores da economia, Almeida privilegiava de modo implícito aquele setor que,
segundo o diagnóstico, assegurava um ritmo de crescimento mais regular. Do mesmo modo, o
projeto opera sobre uma lógica de inserção da economia baiana na economia nacional que guarda
os pressupostos da primeira. São esses dois traços que nos autorizam a pensá-lo, quaisquer que
fossem os propósitos de Almeida em sua exposição, como um projeto que representa os in-
teresses industriais privilegiados pelo processo de acumulação capitalista.
A que classe ou facção de classe baiana serviria esse projeto? À burguesia mercantil, de
quem não respeitava a vontade de comando? Às classes populares, de quem retirava a identidade
política, reprimindo suas reivindicações concretas, em nome de um socialismo promocional?
Julgado por esses parâmetros, o projeto não era um projeto de uma classe regional, pelo menos de
uma classe real que existisse naquela conjuntura e que pudesse assumi-lo, tanto na luta política
quanto na prática econômica. Era antes um projeto por cima das classes, o projeto de um estado
que fosse o sujeito político e o sujeito econômico por excelência. Seria, no máximo, o projeto de
constituição de uma burguesia industrial e de uma burguesia agrária, classes ainda sem suficiente
expressão, naquela conjuntura, na esfera política. Como só uma inteligentzia pode imaginar-se
suficientemente desvinculada das disputas de classe para apresentar metas sociais que pairem por
cima dos interesses reais que animam a cooperação e o antagonismo social, esse era, nesse
sentido, o projeto de uma inteligentzia.
No entanto o projeto reformista foi também, em outro sentido, um projeto do grande
capital baiano, à medida que essa era a única classe burguesa local, ou melhor o único grupo
burguês baiano que já tinha àquela altura uma estatura nacional, isso é, que se reproduzia
nacionalmente, e estava interessado na industrialização da Bahia. Não foi por acaso que foram os
seus intelectuais e as suas instituições que, em grande parte, viabilizaram a Comissão de
Planejamento Econômico e deram sustentação às idéias de Almeida. O que anuvia essa
vinculação, tornando-a opaca, parece ser a relação contraditória entre os níveis regional e
nacional da luta política: o grande capital mercentil-financeiro baiano para se reproduzir
nacionalmente precisava de uma política econômica liberal, mas para garantir seus interesses
regionais não hesitava, enquanto permitiram as condições políticas, em adotar um pensamento
"desenvolvimentista".
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71
72
74
Circulando desde 1912, o jornal "A Tarde" é um típico jornal “da ordem”. Antes
da guerra, expressara o bloco hegemônico desfeito em 1930, fundado sobre o entrela-
çamento dos interesses da burguesia mercantil e da oligarquia fundiária. No pós-guerra,
sua linha editorial continuará a desenvolver-se nos limites da mesma matriz
conservadora, demarcados, a rigor, por duas noções gerais: a defesa da ordem e a do sis-
tema federativo. Democracia, para "A Tarde", significa uma ordem capitalista onde se
respeitem o direito à propriedade privada e as liberdades individuais do “cidadão” (ou
seja, dos que têm direitos). Assim, por exemplo, até abril de 1964, ATarde defenderá a
ordem constitucional e jurídica sem deixar que o seu anti-comunismo ostensivo entre em
contradição com a defesa da normalidade da vida democrática.
Por outro lado, os valores federalistas são o que "A Tarde" define como interesses
dos Estados, interesses das regiões e o interesse geral da nação. Entre eles deve haver
uma perfeita correspondência. A nação é uma união de Estados, devendo ser respeitados
os interesses e a conformação espiritual e material de cada um deles. A regra de ouro é
que não pode haver nação forte com regiões e Estados fracos. Assim, os interesses da
Bahia, que "A Tarde" patrocina e os do Nordeste, que encampa, são encarados como
legítimos problemas nacionais. O conceito de legitimidade, por seu turno, fundamenta-se
na não contrariedade entre esses três níveis. Contrariar as pretensões da Bahia ou do
Nordeste, deixando-os em desvantagem frente aos Estados do sul é favorecer a desordem.
Para evitá-la é necessário que a Bahia esteja bem representada nas esferas decisórias do
União para que se evite o risco de tratamentos descriminatórios.
Posto que os "interesses baianos" não têm um conteúdo preciso, essa ideologia é
suficientemente geral para acomodar um grande número de interesses variantes. Por tra-
tar-se, todavia, do discurso de uma hegemonia desfeita, essa estrutura ideológica achava-
se impregnada de um conteúdo pequeno-burguês bastante preciso. A hegemonia, por
definição, só se efetiva quando o mais específico e particular do discurso contamina o
mais genérico e o mais abstrato. No caso de "A Tarde", a particularidade pequeno-bur-
76
75
76
77
1
. Assim diz A Tarde (10.7.61:5):
"Há, apenas, um equívoco na tese sustentada pelo govenador da Bahia. Falar em assistência técnica
financeira e outras, quando se pensa em modificar o estatuto da terra, é quase dar o dito por não dito. Se em
outros Estados ou regiões isso pode ser certo, na Bahia não o é. Por duas razões: em primeiro lugar não
haveria meios para dar essa assistência a mais de 70 por cento da população e nem por isso a anunciada
reforma deixa de ser necessária. Em segundo lugar, a ambição da produtividade deve ficar em seguida,
diante da precisão de garantir o trabalho e a produção... A tese (da reforma agrária) tinha sido durante
muito tempo, terreno particular dos comunistas e agitadores. Foi a igreja quem primeiro decidiu arrebatar a
bandeira, incluindo-a na sua agenda de ação pública..."
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2. Veja-se, no exemplo seguinte, como ela opera a separação entre aqueles interesses da burguesia do sul e
os da do norte:
"Nossa conjuntura é ainda mais difícil porque somos um Estado voltado para fora... uma região que produz
para o exterior, e, como estamos numa federação, e num país pobre, sedento de divisas, essas divisas que
contribuem para a riqueza do país são levadas e não nos aproveitam..." (A TARDE 9.9.63:5).
80
79
Esta claro, portanto, os interesses que "A TARDE" especificamente promove: são
aqueles das "classes médias", dos médios empresários e fazendeiros, daqueles
interessados em investir na Bahia, porque só aqui podem investir. É o regionalismo, a
referência territorial, quem ditará as alianças3.
Ou seja, é como se a justificativa ideológica que A Tarde elaborou não tivesse
forças suficientes para organizar, nas condições reais, o conjunto dos interesses
burgueses. Daí aqueles para os quais a sua linguagem não é talhada serem apresentados
na sua linguagem própria. Esse tática pode evoluir até o ponto de se prescindir da
linguagem originária, muito descritiva, e substitui-la por apelos regionalistas mais vagos -
"capitais baianos", "empreendimentos baianos", etc., - que têm a vantagem de servir a um
maior número de interesses específicos, inclusive os seus, sem levá-la obrigatoriamente a
alianças indesejáveis ainda que tácitas. Isso é particularmente verdadeiro com referência
ao bloco de classes que respaldava a proposta desenvolvimentista, que, tirante sue
discurso político, acomodava perfeitamente os interesses da burguesia agrária.
Um outro dado importante para compreender a posição de "A Tarde", a esse
respeito, é seu comportamento em relação à intervenção do estado na economia.
Diferente dos setores do grande capital baiano, ela é capaz de perceber, antecipadamente,
a conformação necessária que a nova sociedade capitalista toma no pós-guerra e na qual é
o poder político das classes, expresso no Estado, e não mais o mercado, quem regula os
preços e o uso dos fatores. Essa percepção lhe permite, por exemplo, o exagero de
defender a absorção, pelos órgãos públicos, dos excedentes da classe média que não
encontram colocação no mercado de trabalho, sob a justificativa de que o papel social e
econômico do Estado deve sua racionalidade ao estágio do desenvolvimento e não a cri-
térios abstratos de eficiência4. Mas lhe permite, também, defender o direito "dos
3. "Falta, entretanto, principalmente, a constituição de uma campanha investidora que recolha capitais
baianos para aplicar em iniciativas baianas. Falta uma organização de mercado, faltam empreendimentos
que apliquem a formação de capitais que aqui temos, e é vultosa, e que sai, dia a dia, para o sul..." (A
TARDE, 9.9.63:5).
80
exportadores de dar livre curso aos seus negócios" contra uma política cambial "que, sem
estar informada por uma orientação segura e adequada, estabeleceu um clima de confusão
e insegurança, responsável, em parte, pelas crises que estamos vivendo" (A TARDE,
19.5.53:3).
Torna-se claro, portanto, que ela pode defender interesses específicos sem tornar-
se presa do esquema ideológico que normalmente os veicula. Assim, a campanha contra o
dirigismo econômico do Estado, liderada pela burguesia mercantil e financeira brasileira
no início dos anos 50 é reduzida às suas reais dimensões - a justa reclamação dos direitos
dos exportadores ao exercício de seus negócios - sem significar qualquer crítica a
intervenção do Estado na economia em geral nem, muito menos, a sua intervenção na
produção, através de autarquias ou empresas públicas. Aqui, os critérios que balizam a
avaliação da ação estatal são outros e, entre eles, não está nenhum interesse direto de
propriedade mas apenas indiretos, na medida que a ação daquelas empresas influem nos
custos da produção privada. Há, assim, empresas que são redundantemente criticadas,
como as que exploram o transporte, e outras sob a mira de uma defesa e fiscalização
constantes, como a CHESF, a Petrobrás, Volta Redonda, etc.
As indústrias pesadas ou de insumos básicos ou aquelas de importância
estratégica no desenvolvimento sempre deveriam estar, segundo o ponto de vista de "A
Tarde", nas mãos do Estado. Já em 1939, por exemplo, ela defende a nacionalização das
jazidas petrolíferas, e continuará, depois de formada a Petrobrás, na defesa do monopólio
estatal, inclusive propondo sua extensão à refinação e à distribuição. Essa mesma atitude
é mantida a respeito da ELETROBRÁS e da exploração da areia monazítica no sul da
Bahia, para ficar nesses dois exemplos5.
são limitados... E o comércio tem disponibilidades de emprego inelásticos... Não se pode pedir a um desses
empresários que arruine a sua firma, para restabelecer a saúde demográfica. A pressão sobre os setores ter-
ciários, especialmente a administração pública é, assim, muito grande nos regimes democráticos, especial-
mente quando predomina, como entre nós, a política da clientela. Mas essa pressão - embora reconheçamos
que exagerada pelo empenho político - é legítima quando reflete um estágio econômico, exatamente o que
estamos vivendo. Se o Estado não os socorre... seja em empregos de carteira... seja pela utilização de obras
públicas, esses homens... pesarão sobre a coletividade e, principalmente, sobre sua parte menos favorecida
da fortuna...".
5. A TARDE (18.9.63) diz: "Embora essa riqueza, tão importante que não é pouca a vigilância que sobre
ela se exerça, daqui saia em exportação, nosso Estado não vê um centavo em decorrência de sua
exploração. É a denúncia que agora se faz. Não se trata somente de reeconhecimento, por parte da União,
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do direito que o Estado goza de "royalty" devido pela exploração das ocorrências de jazidas minerais. Um
absurdo ainda maior se efetiva: uma empresa particular, de capitais estrangeiros, realiza tranquilamente a
exploração e exportação do precioso minério sem pagar sequer imposto de exportação ou de indústrias e
profissões".
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Não se imagine, todavia, que não haja diferenças entre essa posição e aquela
exibida pelos "desenvolvimentistas" da SUDENE, quando defendem uma união dos
grupos e das forças políticas regionais na luta pelo desenvolvimento. Esses não
distinguem entre os interesses dos Estados nordestinos. Já "A Tarde", demonstrando o
bloco em que se insere, aproveitará os momentos de desacordo a respeito de programas
ou políticas, para usar os argumentos da burguesia mercantil na especificação dos
interesses da Bahia6.
No caso do Banco do Nordeste do Brasil, desde a primeira hora, "A Tarde"
entende a importância estratégica do banco para o desenvolvimento regional7. Nestes,
como em outros casos de órgãos públicos controlados pela tecnocracia
desenvolvimentista, a crítica se exerce no sentido de coibir o excesso de importância dos
critérios técnicos em detrimento de "critérios humanos e sociais". Assim os créditos dos
bancos públicos acabam por beneficiar apenas os grandes empresários: a assistência
técnica dos institutos agrícolas, pelo excesso de burocracia, marginaliza os pequenos e
médios agriocultores; os poços artesianos são abertos pela SUDENE em regiões menos
necessitadas mas geologicamente melhor conhecidas, etc8. Esse afastamento entre os
6. A TARDE (21.7.61:5) diz: "A própria correção, sonhada com a SUDENE, não é isenta do mesmo
defeito (o confisco). A cláusula segundo a qual cada Estado teria de contribuir para o conjunto das
necessidades do Nordeste com 50 por cento da receita cambial de suas exportações é danosa à Bahia, por
ser este Estado que exporta para o estrangeiro tanto quanto os demais nordestinos reunidos. Sem a extinção
do sistema de ágios significaria uma curiosa mudança: daríamos metade do nosso suor para o país
considerado em conjunto, a outra metade para o Nordeste. Desta é que nos caberia uma parcela, mas não
popriamente segundo as nossas necessidades: é a SUDENE o juiz inapelável da aplicação desses recursos"
A primeira parte do argumento repete integralmente as idéias de Clemente Mariani expressas no
Relatório do Banco da Bahia de 1958 como se verá adiante.
7."O BNE poderá assinalar, em amplo setor regional da economia brasileira, uma fase de prosperidade. Sua
criação - que se inspirou no desejo e na necessidade de amparar regiões tradicionalmente esquecidas pelo
poder público e cujos amplos recursos nem sempre puderam ser aproveitados em virtude das adversas
condições de desenvolvimento que neles vigoram - significa do ponto de vista da política administrativa,
uma vitória daquela orientação descentralizadora, que vem do século passado, porém que foi vencida pelos
azares da nossa vida política... Além da tarefa específica de levar avante um programa de desenvolvimento
dos amplos recursos do Nordeste brasileiro, terá ele a missão de provar, de ainda uma vez provar, que um
país como o Brasil só poderá efetivamente progredir quando às suas diversas regiões geográficas e
econômicas for concedido um mínimo de direito e de recursos para a solução de seus próprios
problemas".(A TARDE, 2.9.53:3).
8.São exemplos dessas críticas:
"A culpa possivelmente não cabia a ANCAR. Salvo se a rigidez de sua organização se devesse a
impossibilidade de adaptação às realidades regionais inflexíveis. Diante de fatores institucionais, que são a
realidade tangível, os regulamentos criados "in vitro" dificilmente podem levar a resultados apreciáveis.
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Daí a contradição em certos casos observados, de serem ajudados os que podiam obter cooperação por
outra forma, enquanto os mais precisados não encontram o amparo indispensável à melhoria das técnicas
adotadas".(A TARDE, 22.4.60:5).
"Essas instituições governamentais (Banco do Brasil, Caixa Econômica) devem ter cuidado para não
repetirem, sobretudo no Nordeste, a função de meras casas de crédito, emprestando dinheiro sem pensar no
problema social. Atender às pequenas empresas industriais, comerciais ou agrícolas deve ser o seu objetivo
principal. Fortalecer somente aos grandes significa fazê-los muito grandes; e o que é pior, impedir que os
pequenos também cresçam". (A TARDE, 2.6.61:5)
"... Em que pesem todas essas razões, a SUDENE não se resolveu a voltar suas vistas para a zona mais
necessitada. Procurou empregar suas verbas da maneira que melhor interessasse ao seu orçamento,
prevalecendo-se de facilidades existentes. É esse, aliás, um dos erros fundamentais em que a SUDENE -
mas não somente ela - incorre frequentemente: o de encarar sua função apenas pelo lado das condições
mais convidativas, raramente tomando em consideração o lado humano dos seus empreendimentos. Seria
como que uma distorção da mentalidade tecnológica, doença identificada por sábios, que teria atingido a
SUDENE e que agora se revelou contra o interior mais agonizado da Bahia". (A TARDE, 25.10.63:5)
9."Se bem que planos nesse sentido já existam (o sistema FUNDAGRO é bem o exemplo disto) a falta de
recursos, de início, logo condenou essa tentativa ao fracasso. E nesse setor vivemos, por exemplo, uma
MAFRISA incapaz de controlar o abastecimento de carne da cidade por falta de recursos, e que até pouco
tempo atuava apenas como uma empresa privada, concorrendo com as outras , em todas as maquinações
aumentistas e manobras sonegadoras. Como é igualmente a falta de recursos e de apoio decidido que tem
levado a Comissão de Planejamento Econômico a altos e baixos, caindo, no fim do último governo, numa
espécie de pré-agonia que agora sai". (A TARDE 4.12.63:5).
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10."Há seis anos fala-se em planejamento, preparando-se programas e consome-se dinheiro na organização
de sistemas capazes de assegurar o desenvolvimento do nosso Estado. No que diz respeito a execução de
tais planos, porém, até hoje, pouco de concreto se viu. Um outro projeto que nem pelo menos se sabe se é
obra isolada ou parcela de um conjunto de providências ainda não bem definidas. Ao que se presume agora,
vai dar o governo caráter oficial e conteúdo legal ao planejamento econômico. Que as aspirações políticas e
as reivindicações partidárias se reservem para o momento oportuno. Mesmo porque a Bahia está se
cansando de planos que jamais chegam ao fim".
86
85
11. "A economia do sisal, em franco desenvolvimento, só agora começa a organizar-se, realizando-se as
exportações quase da mão para a boca, ou do campo para o navio. As suas entradas são, em consequência,
descontínuas e, de qualquer maneira, ainda não assumem uma grande importância na constituição de
poupanças" (Banco da Bahia, 1958:19).
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12. Em exposição ao Governador Juraci Magalhães, Tosta Filho diz: "(sou) por um decidido estímulo à
atividade privada, quando esta se desenvolve dentro dos princípios da boa ética e do pleno senso de
responsabilidade para com os interesses gerais do país"... "em verdade, para ser franco e se fosse orientar-se
apenas por onvicções de ordem pessoal, opinaria tout court por um organismo vendedor único e
permanente, à guiza dos Boards africanos" (citado in Banco da Bahia, 1958:xiii).
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cobertura à política da CACEX, desenhada por Tosta Filho, que por ser a melhor
possível, nas circunstâncias, tem o apoio de toda a burguesia14. No entanto, con-
comitantemente, "A Tarde" oferece suas páginas para ecoar as reivindicações
complementares do comércio exportador dirigidas ao governo.
A diferença entre esses interesses se manifesta quando da nomeação de Mariani
para a pasta da Fazenda e a exoneração de Tosta Filho da CACEX15. A mudança da
política cambial e da sistemática de comercialização do cacau provoca nervosismo e
resistências entre as facções de classe que podem ser prejudicadas e "A Tarde" faz-se
porta-voz dessa "ansiedade"16. Contudo a feliz solução dada por Mariani ao problema,
renegociando convenientemente o preço externo do cacau, permite a manutenção de um
preço interno garantido, dentro das expectativas dos produtores. Isso desvanece ra-
"A manutenção de nossas indústrias de cacau embora por meio de medidas estranhas a uma perfeita
normalidade comercial, impunha-se, como continua a se impor, em função de seu papel estratégico no
cômputo de nossa economia cacaueira".
"[A] manutenção [das indústrias de cacau], a partir de 49, só se tornou possível pela inclusão de seus
produtos na lista dos produtos vendidos através de operações vinculadas. Se é incontestável que essas
operações se reevestiram, muitas vezes, de aspecto condenáveis, de um modo geral elas trouxeram grandes
benefícios para a manutenção da indústria dos produtos do cacau, e a sua suspensão teve a significação de
um golpe de morte no parque industrial, golpe que se iniciou com a destruição da próspera indústria
nacional de teobromina" (A TARDE 13.2.53:3).
14. "Ante o dilema de assumir a sua responsabilidade ou abandonar as suas funções, submeteu-se o Dr.
Tosta Filho à primeira alternativa, com a perfeita compreensão e solidariedade de todos os que avaliavam a
importância de sua permanência no cargo, para a excução do esquema que lhe fora imposto" (Banco da
Bahia, 1958:x)
15. "A saída do Sr. Tosta Filho da Carteira de Comércio Exterior vem preocupando os cacauicultores
baianos. É que a política de comercialização do cacau, política que vem tendo os melhores efeitos, foi uma
criação e execução sua, pessoal. A fixação de preços mínimos do teobromina trouxe para a lavoura
cacaueira novos horizontes de estabilidade que inclusive era o suficiente para lhe assegurar dias de
prosperidade... As diretrizes da CACEX são vitais para a lavoura baiana. Infelizmente até hoje o cacau
espera um órgão que se encarregue do seu mercado...". (A TARDE 16.3.61).
16. "O Sr. Clemente Mariani deixou entendido que não pretende seguir a política comercializadora até
aqui vigente que, segundo ele, criou distorções econômicas à produção cacaueira. Parece pelo que foi dito
que o titular da Fazenda defende uma política diametralmente oposta à que sustenta a lavoura cacaueira
nesses últimos anos quando a CACEX tomou a seu cargo comercializar o teobrama... A política que agora
vai se abandonar tem dado bons frutos. Inegavelmente o cacau conheceu bons anos, durante a tutela da
CACEX, impondo-se perante o comércio internacional. A União empenhava parte dos seus ágios para
manter o jogo...". (A TARDE 16.3.61:5).
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17. "De uma maneira geral, teve a Bahia a satisfação de reclamos seus que vinham desprezados nos
últimos quinquênios. Para se ter em mira quanto a Bahia ganhará tendo seus produtos postos no câmbio
livre, basta nos lembrarmos do confisco cambial, agora findo, que tem sido o grande culpado por nosso
empobrecimento".
"Entretanto, por seu mecanismo simples de proteção às exportações e dificultoso para as importações, a
instrução 204 criou um problema para nossa industrialização ... Esse efeito será afastado se foram
cumpridas as instruções presidenciais, subvencionando os empreendimentos para desenvolvimento dessa
esquecida região. Então o Sr. Jânio Quadros poderá ser olhado, sem favor, como o presidente que restaurou
a justiça no tratamento para com o Nordeste" (A TARDE, 10.4.61:5).
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18. "A sua economia está insulada e restrita a sua capital e ao seu recôncavo. De um lado, no nordeste, está
compreendida a área de influência comercial de Pernambuco. Pois o tráfego de mercadorias entre esse
Estado e a cidade de Feira de Santana se faz com maior facilidade do que entre esta e a nossa capital, o pior
trecho rodoviário, cuja pavimentação asfáltica se arrasta... Do outro lado, no sul e sudoeste, temos as zonas
de influência comercial de Minas e São Paulo" (A TARDE 28.2.53:3).
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19. "Faltam-nos comunicação que contribua para a arrecadação dos impostos de venda e consignações e o
de exportação pois já parte de nossa reduzida produção se escoa para o exterior por portos de outros
Estados" (A TARDE 28.2.53:3).
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exemplo na argumentação, encontrava-se nos limites do seu. Isso faz com que "A Tarde"
concentre a campanha na reivindicação de construção de duas estações abaixadoras, uma
em Senhor do Bonfim, na região sisaleira, e outra em Alagoinhas, na zona de exploração
petrolífera, proposta apresentada pela Associação Baiana dos Municípios. A proposta
encontra boa receptividade no governo federal e a CHESF aceita construir uma
abaixadora na região petrolífera baiana, precisamente em Catu, no menor prazo possível.
"A Tarde" atribui esse re-planejamento a uma vitória da união das forças baianas mas, na
realidade, a CHESF fez apenas o que era técnicamente possível sem afetar o programa do
orgão.
Pouco tempo depois, chega a notícia de que os empresários pernambucanos,
articulados em torno do governo estadual, no Conselho de Desenvolvimento de
Pernambuco, conseguiram da CHESF a diminuição do preço da tarifa de energia elétrica
no estado. "A Tarde" volta a articular nova campanha contra o "atentado que preparam
contra o futuro da Bahia" (A TARDE, 27.1.53:3) caso vigore aqui uma tarifa maior que a
conseguida por Pernambuco. Como no caso anterior, a campanha visa, sobretudo,
mobilizar e sensibilizar a opinião pública baiana. O episódio se desdobra em críticas à
inoperância da ação do setor público estadual, na insuficiência da representação política
dos interesses baianos e na falta de coragem e de visão dos empresários estaduais20. Ele
revela também a fragilidade desses interesses, quando comparados nacionalmente, e a
necessidade que tem a burguesia baiana de, à falta de uma representação política
adequada e eficiente, apelar para a mobilização política das massas.
É sobretudo em torno da questão do petróleo que se evidencia a força
mobilizadora de "A Tarde" e que o movimento regionalista baiano encontra sua melhor
expressão. Como é sabido, a burguesia baiana contava, no pós-guerra, com apenas duas
fontes de produção de riqueza capazes de promover sua expansão: o cacau e o petróleo.
Isso é percebido com muita clareza ainda em 1946. No entanto, o pensamento liberal com
que a burguesia baiana tenta forjar sua hegemonia, insistindo num regime privado de
20. "Bem analisados os fatos, observa-se que a par de determinadas circunstâncias e lado a lado com o
desinteresse do setor público, falta também, mais do que capitais, a coragem de se levar à frente certos
empreendimentos. O dinheiro que existe, pouco embora, prefere-se empregar em imóveis, nos bancos ou
em apólices" (A TARDE, 7.8.53:3).
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PARTE III
A REPRESENTAÇÃO POLíTICA
E O ESTADO
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Introdução
Como se viu, as intervenções federais nos Estados, nos anos 30, tiveram dois
objetivos: desmontar o que se costuma chamar o "estado oligárquico" e construir um novo
estado. Realizar o primeiro objetivo significou alijar da vida política os representantes da
oligarquia rural e da burguesia mercantil-financeira e deslocar ideologicamente o discurso
liberal agrarista que expressava a antiga ordem. A crise brasileira, porque faltavam as condições
sociais para o rompimento da ordem capitalista, teria que se resolver no terreno do próprio
capitalismo. Construir um novo estado significava fundá-lo sobre forças sociais ainda não
maduras àquela época.
Por um lado, as facções burguesas que poderiam emprestar substância a um estado
que comandasse um novo estágio de acumulação capitalista, estavam politicamente ligadas ao
grande capital mercantil, quer nacional quer internacional, não existindo como força social
independente. Por outro, prevaleceu no campo ideológico, não sem contratempos, a constelação
ideológica liberal-democrática subjacente à oposição civil à República oligárquica.
Como o poder do novo estado deria ser expresso nas urnas, as inventorias federais
tiveram como primeira tarefa reorganizar politicamente, via de regra, os mesmos grupos sociais
- a oligarquia e as burguesias agrária e industrial - cortando apenas, provisoriamente, o elo
hegemônico da burguesia mercantil-financeira, ao qual se substituia agora o estado. Do mesmo
modo, o estado procurará se substituir às organizações trabalhistas que existiam nas cidades,
deixando entretanto intocada a forma de dominação política que ligava, nos campos, oligarquia
e compesinato, burguesia e trabalhadores.
Na Bahia, as interventorias conseguiram afastar os políticos tradicionais,
representantes do antigo bloco histórico, da cena política. Ademais procederam a reformas
administrativas que criaram uma nova base de poder municipal, criando aparelhos estatais
ligados diretamente aos interesses da burguesia agrária, disciplinando e, em alguns casos,
afastando, a intermediação da burguesia mercantil-financeira. Finalmente, desarmaram os
sertões.
99
poder. Faltam-me, entretanto, elementos factuais para melhor explorar analiticamente o período
do Estado Novo na Bahia.
A redemoratização de 1945 significa que a dominação burguesa deverá se dar de novo
sobre a organização das mesmas forças sociais. O Estado Novo encarnou um pensamento
político marcado principalmente pelo papel de ponta que o estado deveria desempenhar na
economia e na sociedade, não como árbitro mas como sujeito econômico, participando da
produção nos setores estratégicos, e como sujeito político, institucionalizando e mediando as
relações capital-trabalho.
O apoio político para tal projeto foi construído através de dois partidos. O PSD
organizava regionalmente os setores agrários, burgueses e oligárquicos, neutralizando, portanto,
a base da hegemonia passada da burguesia mercantil-financeira, e dando a esses setores acesso
aos aparelhos de estado, revitalizando, mais uma vez, a política de clientela. A viabilidade do
PSD como partido estava na fato de que o crescimento industrial patrocinado pelo estado não
gravava os setores de produção agrícola mas, apenas, os setores de intermediação com o capital
imperialista.
O Partido Trabalhista Brasileiro, PTB, a outra base de sustentação do projeto, foi
construído de modo sobreposto aos aparelhos estatais que intermediavam a relação capital-
trabalho, isto é, os sindicatos operários. O PTB deveria carrear e de fato carreou para o estado
burguês o apoio da classe trabalhadora urbana, principalmente da indústria e dos serviços
estatais. O PTB era viável à medida em que os interesses dos trabalhadores convergiam com os
interesses do estado (industrialização e ampliação dos serviços públicos) na expansão de uma
base econômica, que significava a criação de novos empregos.
Em oposição a esse projeto, excetuando-se aqueles que se opunham mais à forma
totalitária e anti-democrática que ele tomou no Estado Novo, cujo melhor exemplo é a Esquerda
Democrática, depois Partido Socialista Brasileiro, estava a União Democrática Nacional -
UDN, que congregava a velha e a nova intelectualidade burguesas, herdeiras do liberalismo
econômico e político, que representavam, grosso modo, as burguesias mercantis e financeiras
regionais e o grande capital imperialista. Além dessas forças sociais estavam representadas na
UDN outros setores da burguesia agrária e da oligarquia rural, alguns deles, aliás, organizados
101
desde 1933 pelas interventorias federais nos Estados, como é o caso dos juracisistas na Bahia.
A outra grande força política que se projeta a partir de 1945 são os trabalhadores
fabris e profissionais organizados ou gravitando ideologicamente em torno do Partido
Comunista Brasileiro. O PCB, apesar da constante repressão do estado e da concorrência do
PTB, aumenta gradativa e constantemente, durante o período 45-64, sua presença no
movimento sindical brasileiro, embora sua maior importância resida, talvez, na luta ideológica,
onde o pensamento marxista se amplifica através da atuação das organizações estudantis e se
espalha aos setores profissionais e de classe média urbana.
Os demais partidos políticos brasileiros de expressão nacional representavam forças
sociais regionais. São o Partido Social Progressista - PSP que, em São Paulo, costurava
burguesia e setores operários através da liderança de Adhemar de Barros; o Partido
Republicano - PR, que organizando setores burgueses e oligárquicos em Minas e em outros
estados, inclusive a Bahia; e o Partido Libertador, PL, centrado no Rio Grande do Sul mas
também com ramificações fortes na Bahia. Esses partidos, entretanto, por se basearem em
forças sociais melhor representadas nacionalmente pelo PSD, pela UDN e pelo PTB são
importantes apenas para o desenrolar do jogo político, na formação das coligações e alianças
partidárias.
Na Bahia, pelo que se pode depreender do estudo de Sampaio (1960c:17), o PSD foi
formado pela interventoria do Estado Novo nos mesmos moldes descritos por Carvalho (1946)
para Minas Gerais, e sai das eleições de 1947 como a segunda maior força política do Estado,
atrás apenas da UDN, com 38% dos votos para a Câmara Federal e 33% para a Assembléia
Legislativa (SAMPAIO, 1964:42-43). A partir de 1950, entretanto, com a cisão da UDN, o
PSD se transforma no maior partido da Bahia, posição que só será de novo ameaçada em 1962.
Seu quadro é composto predominantemente por "coronéis" ou políticos carreiristas do tipo
clientelista, ligados aos interesses agrários e oligárquicos e à burguesia comercial e industrial. A
presença em seus quadros de intelectuais tradicionais como Pedro Calmon é apenas secundária
1.
Antonio Balbino, aliando-se à UDN juracissista (a "ala nobre" desse partido apoia Calmon)
restaura o predomínio do estilo carreirista-clientelista. Em 1958, ao contrário, é o pensamento
progressista e populista, representado por Vieira de Mello, que tenta controlar o partido. Como
se sabe, Balbino testa a sua própria força aliando-se ao PR e aos setores fiéis à direção do PTB,
lançando Pedreira de Freitas candidato do PSD, e abrindo assim caminho à vitória de Juraci
pela UDN.
A UDN baiana se forma como uma coligação das duas forças políticas rivais na
política pré-37 - os autonomistas, tradicionais representantes da burguesia mercantil-financeira,
e os juracisistas, compostos pelos "coronéis" organizados por Juraci em 1933 e pelos novos
intelectuais burgueses, alguns tradicionais, outros orgânicos, como Clemente Mariani, que
chefiava a "ala nobre" do partido. A indicação de Juraci para candidato a governador pela
UDN, em 1950, estabiliza a sua liderança sobre o partido mas provoca a defecção dos
autonomistas, que se organizam no PL baiano e passam a apoiar o candidato do PSD, Lauro de
Freitas e depois Régis Pacheco. Na arena política, o PL só voltará a se encontrar com a UDN
nas mesmas hostes a partir de 1958, quando a liderança de Juraci se amplia pelo afastamento de
Mangabeira da política local, o que enfraquece sobremodo a penetração do PL (SAMPAIO,
1960a:20).
Em resumo, na Bahia, tanto o PL quanto a UDN derivaram sua força política da
representação dos interesses da burguesia mercantil-financeira e de setores da oligarquia e
burguesia agrária. O PL era, portanto, a agremiação através da qual os intelectuais tradicionais
disputavam a representação dos "interesses baianos", contra os intelectuais udenistas,
geralmente aliando-se ao PSD.
O terceiro partido em força eleitoral, o PR, nasceu também de uma defecção da UDN,
após a derrota de Juraci em 1950. A defecção parece ter sido apenas um meio encontrado por
Manuel Novais e seus seguidores para evitar o seu alijamento dos aparelhos de estado que
adviria de uma oposição tanto ao governo estadual quanto ao federal. Partido clientelístico de
base rural, a caracterização do seu líder por Sampaio (1960a:60) parece definitiva:
"Num segundo plano, [de liderança] bastante recuado, estaria o chefe do PR, cuja
concepção política, de fundo eminentemente clientelístico ("política é favor"), e
ausência de 'carisma' bem como de conteúdo ideológico fazem dele um líder rural
103
base mais urbana que rural2. Nacionalmente aliado ao PSD, a principal característica do PTB,
enquanto organização política dos trabalhadores, sempre foi aliar-se aos setores burgueses
rurais para chegar ao poder e aos setores burgueses progressistas e industrialistas para
viabilizar seu projeto econômico de cooperação de classes. A peculiaridade da política baiana
ditará as principais alianças do partido: em 1950, alia-se ao PSD e participa do governo Régis
Pacheco; na crise do PSD baiano, em 1954, é o primeiro partido a romper com o governador e,
junto com a UDN e os dissidentes pessedistas, organizar-se em torno da candidatura Balbino.
A participação petebista nesse governo é marcante, sobretudo pela presença de seu principal
burguesia como Vieira de Melo ou Waldir Pires. A política de clientela, característica da cena
política, não poderia conduzir, na Bahia, a outro resultado.
105
105
Antes de mais nada, é preciso deixar claro que a burguesia mercantil-financeira baiana
tinha um projeto de âmbito nacional e que seu regionalismo não foi senão a forma histórica,
concreta, de insinuar-se no bloco de poder. Seria, entretanto, um erro minimizar o alcance do
projeto regionalista. Enquanto existiu a possibilidade de reverter a política econômica iniciada com
a Revolução de 30, a burguesia baiana trabalhou nesse sentido, cerrando fileiras com os interesses
dos grupos estrangeiros e dos demais grupos comerciais e financeiros do país. O regionalismo
expressou, desde sua primeira versão, liberal-burguesa, essa vontade de poder.
Mas para fazer das suas idéias filosofia de governo e transformar os aparelhos de estado
em instrumentos da vontade da classe era preciso conquistar, pelo consenso, o Governo da Bahia e
se fazer representar no governo do país. Firmar, porém, o projeto liberal-burguês através da
representação política, como unificação dos interesses de classe, era uma tarefa, no mínimo, difícil.
Isso, no que pese a correção técnica do diagnóstico econômico, a coerência da argumentação, e o
fato do plano de recuperação econômica contemplar os pontos essenciais para o crescimento da
burguesia em geral. A dificuldade não provinha, apenas, do fato do desenvolvimento capitalista
estar a trilhar caminhos diferentes dos seus interesses; provinha também da grande variedade de
interesses econômicos que prevaleciam, na Bahia, sem que houvesse, entre eles, uma organicidade
regional.
Os representantes políticos da facção mercantil da burguesia baiana encontraram no pós-
guerra o meio social num processo de rápidas alterações, principalmente no sentido de uma maior
diversificação dos interesses dos grupos. Exemplos da diversidade de interesses e de ideologias são
os pequenos produtores de cacau, que preferiam a sombra estatal do ceiling price à liberdade do
comércio; é um jornal conservador, como "A Tarde", que pregava uma pitada de intervencionismo
ao liberalismo burguês1; enfim, era o fato de no próprio círculo restrito da Associação Comercial da
Bahia insinuar-se a tendência trabalhista, o que, do ponto de vista liberal, constitua-se numa aber-
1
. "Os norte-americanos amam e cultivam a liberdade de comprar e vender, como
um dogma de seu direito invunerável. Pregamos a convivência dessa liberdade
com um aditivo essencial: é o equipamento dos organismos estatais ou para-
estatais no sentido de assistência prática, educativa e bancária à produção,
106
106
ração, pois pretendia substituir o intervencionismo estatal ao "livre embate" entre capital e traba-
lho2.
No entanto, apesar das dificuldades históricas que rondavam o futuro político do projeto
liberal, o seu début não deixou de ser auspicioso, o que se pode creditar a duas razões. No plano
nacional, o governo do general Dutra, empenhado na reconstrução da democracia brasileira, fazia
representar no poder as diversas correntes do pensamento burguês da nação, entre as quais estava a
burguesia mercantil baiana, na pessoa de Clemente Mariani3. No plano estadual, a decadência a
que tinha chegado a economia do Estado, aliada à prepotência política que reinara no Estado Novo,
fez com que a candidatura vitoriosa de Otávio Mangabeira ao Governo da Bahia fosse apoiada pela
unanimidade das forças políticas locais, que se unificam em torno de um programa básico de re-
construção econômica e democrática4.
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contrário, era um discurso emotivo, embora elegante, de quem se assusta com uma situação
indesejada. O "enigma baiano" foi na verdade a ponte entre os intelectuais do passado e os do
presente, ou, o que vem dar no mesmo, a versão política, e por isso mais eficiente, de uma ideologia
arcaica e, portanto, sem grande possibilidade política. Mangabeira assim definiu-o:
"Intrigava-me, desde muito, o que chamei o enigma baiano: porque razão a Bahia,
cujas qualidades e riquezas eram, em geral, tão celebradas, se mantinha, todavia, em
condições de progresso indiscutivelmente inferior ao que resultaria, em boa lógica, de
semelhante conceito, assim tivesse ele a procedência que se lhe atribuia?" (A TARDE,
30.1.1951).
Esse vazio era o sinal de que faltava à sociedade uma liderança política, econômica e
moral. Era mister começar do princípio, começar por situar a riqueza e a pobreza, a região e a
nação, o indivíduo e o coletivo, a partir da experiência real de suas existências materiais. Por isso
Mangabeira decorre com minúncias sobre o estado lastimável da saúde, do saneamento e da higiene
públicos; sobre a insuficiência dos meios de transportes e das vias públicas; sobre a precariedade da
habitação popular, da educação e da qualificação técnica dos trabalhadores; sobre as injustiças de
que era vítima o Estado da Bahia; sobre a distância econômica e social que se ampliava entre o
norte e o sul do país. Todo o seu discurso é um enumerar de apelos à unificação das classes e dos
grupos sociais em torno de um projeto comum, não explicitado, de soerguimento regional que
109
109
Era, enfim, o reconhecimento do fosso que se abrira entre o povo e os políticos, entre a
dominação econômica e a dominação política dessa facção burguesa, entre seu interesse regional
particular e a tendência da acumulação capitalista nacional. Mas era, ao mesmo tempo, uma ponte
sobre o fosso. A afirmação da disposição da burguesia baiana em encontrar aquela tendência nacio-
nal sem descartar-se de seus interesses atuais e imediatos, ou seja, de conseguir ampliar os seus
interesses, de modernizar-se e guiar a Bahia rumo aos modernos tempos industriais.
Mangabeira consegue transformar, portanto, a forte reivindicação autonomista, federalista
e liberal dos anos 30, que contrapunha ao desenvolvimento industrial a legitimidade econômica e
moral da vocação agrícola da Bahia, em um discurso que, no mesmo estilo e retórica, baseando-se
nos conquistados direitos de uma constituição federalista, defendia as garantias para que também a
burguesia baiana conseguisse atingir o estágio industrial. Essa diferença, que pode parecer tênue, é
a pedra de toque da vida política baiana no pós-guerra. Significa a grande novidade da
intelectualidade burguesa baiana. E essa novidade se encontrava no projeto da facção mercantil
que, ao tempo em que resguardava seus interesses atuais e imediatos, procurava guarnecer as trilhas
de seu futuro, ressaltando o seu lugar na acumulação capitalista nacional e fortalecendo a
solidariedade de seus interesses com os interesses burgueses no país.
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Não é outro o sentido da seguinte observação de Juraci Magalhães:
"Dizia o saudoso Otávio Mangabeira que o baiano paga duzentos cruzeiros
para evitar que outro baiano tenha o lucro de cem: é o temor de que a ascensão
do vizinho acachape o próximo. E sua observação é até certo ponto, perfeita.
Esquecemo-nos que a fortuna individual, bem construída e bem movimentada,
torna-se, em parte, fortuna dos demais, na riqueza coletiva que integra. Pouco
importa quem seja o instrumento da terra: o que interessa é que quem for tenha
a capacidade de se fazer aquele instrumento honesto ou se tornar aquele punho
forte de que carecemos" (Juraci Magalhães, Mensagem a Assembléia Legislativa em
7 de abril de 1963, Salvador, Imprensa Oficial).
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política começa com Regis Pacheco e continua até 1964, possibilitando o golpe de estado militar.
Sendo um processo nacional, ele tem, todavia, suas particularidades locais.
Na Bahia, como vimos, o peso da oligarquia e dos interesses agrários, por ser maior que
no conjunto do país, tornou o conteúdo dos partidos nacionais um pouco diferente. Todos eles, para
sobreviver eleitoralmente, tiveram de cooptar as forças rurais, de modo que a UDN e o PTB
baianos, por exemplo, foram partidos que, ao contrário de seus diretórios nacionais, expressaram
compromissos importantes com a oligarquia agrária. Isso fez com que esses partidos contrariassem,
às vezes, os interesses de suas forças sociais de sustentação, respectivamente o capital mercantil e a
pequena burguesia reformista, constituindo-se, portanto, em mais um fator de desarticulação da
representação política.
A política baiana refletia, assim, por um lado, a ausência de uma classe ou facção de
classe que soldasse os interesses dominantes em torno de um fulcro de crescimento econômico e,
por outro, a dependência financeira do Estado em relação ao governo da União. Esses são os
motivos que levaram os políticos, representantes das classes dominantes baianas, a fragmentarem-
se pelos partidos, de modo a revesarem-se entre o poder federal e o poder estadual, ambos in-
capazes de dar conta, com seus próprios recursos, das necessidades dos interesses que
representavam. Esses interesses acabavam por se transformar em solicitações municipais ou distri-
tais, reforçando o sistema de poder local, mas com pouca ou nenhuma organicidade com os
interesses globais da burguesia. O "esvaziamento" do poder político do governador Regis Pacheco
junto ao Governo Federal, por outro lado, decorria de sua frágil liderança estadual. O presidente da
República, ao contrário, procurava agir diretamente nos Estados, atendendo a pequenos interesses
de grupos particulares, organizando a representação dos interesses da burguesia regional como um
todo7.
7
Foi Juraci Magalhães quem disse, revoltado:
"Mas a verdade é que os Estados valem, ou são atendidos, em função das ligações
de seus governos com o Governante Central. Não há igualdade de tratamento, nem
de direitos. Não há Federação. Mesmo os Fundos Nacionais - com exceção do
Rodoviário e do de Pavimentação - não se aplicam ou se distribuem com justiça.
São instrumentos de favor político, não constituindo direito a serem
reclamados. É que mais pesa o valor pessoal do político na liberação de verbas,
na realização de obras, na execução dos serviços que o interesse público; ao
chefe da nação, de um modo geral, mais convém conhecer, sentir a docilidade do
chefe de Estado membro à sua liderança, que a obra feita pelo mesmo a serviço
112
112
O Governo Regis Pacheco teve que enfrentar, além da política econômica nacional
adversa e da ação solapadora do presidente da República, uma grave seca que perdurou durante três
anos, de 1951 a 1953, debilitando ainda mais as finanças estaduais e agravando o quadro político e
ideológico do Estado. A administração Regis Pacheco termina sendo um grande fracasso político-
administrativo8.
Ao tempo em que a seca agravava o quadro social do Estado, as reivindicações da
oligarquia fundiária cresciam de intensidade sem encontrar nem no Governo do Estado, depaupera-
do, nem no Governo da União a receptividade necessária. Na consciência regional, todavia, o
problema agrário passou a merecer soluções mais definitivas que as habituais ajudas aos flagelados.
O próprio governador começou a chamar a atenção para o absurdo de uma economia viver a mercê
das forças da natureza:
"A seca, tal como vem ocorrendo, já entrando no seu terceiro ano, vem destruindo a
base econômica da vida do nordestino brasileiro, dando margem a migrações... Outras
unidades da Federação, especialmente São Paulo, libertaram-se de tais riscos. A
industrialização promovida após a crise do café de 1929, estimulada pela dificuldade de
importação de bens de consumo, ante a carência de divisas do país, ensejou a
emancipação da incoveniência de um comércio externo demasiadamente preponderante,
que aos poucos, foi sendo relegado ao segundo plano..."9.
113
Os anos seguintes demonstrarão que a burguesia mercantil terá que alterar a ênfase de seu
discurso, no sentido indicado por Regis Pacheco, de modo a fazer frente às sucessivas arrancadas
da oligarquia fundiária junto ao poder federal, que comprometem a sua liderança política,
ideológica e econômica na região. Foi, em parte, a confluência dos problemas que as secas traziam
para a economia e as finanças do Estado, com a proeminência que elas ensejaram aos grupos
oligárquicos, que permitiu a emergência de um discurso reformista, o qual se firmou como uma
continuidade do discurso liberal-burguês10.
É sintomático que a burguesia mercantil nunca tenha visto com reservas ou com receios o
planejamento econômico. Para ela a ênfase no mercado interno não significava seu alijamento
econômico mas, muito ao contrário, significava a possibilidade de diversificação dos seus
interesses e o reforço do seu nível de acumulação, inteiramente dependentes, até então, do
comércio exterior. Assim os órgãos de classe da burguesia, como a ACB, e ideólogos do porte de
Mariani, através dos relatórios do Banco da Bahia, reforçaram a pressão sobre o governo do Estado
no sentido de adotar o planejamento econômico como método de governo, o que só será possível
no quadriênio seguinte.
O governo Regis Pacheco, em acelerada desagregação, com a defecção, inclusive, do PTB
da coligação situacionista, não teve forças políticas ou recursos suficientes para levar a bom termo
o seu programa. Este programa tinha como pontos chaves a criação de infra-estrutura econômica,
114
11
"Dentre as iniciativas que tem tomado o Dr. Regis Pacheco para a
administração do Estado, destacam-se a fundação do Banco do Estado, para o que
está cogitando do competente lastro, tendo entregue a técnicos na matéria o
estudo desse projeto. De igual modo, tem merecido a sua atenção os meios de
obter novos capitais para a Bahia; a imigração estrangeira... e o problema da
indústria, para o que visitou, demoradamente, São Paulo, onde... teve
oportunidade de estabelecer contatos com elementos da alta indústria e finanças
daquele Estado, sendo fundadas as esperanças de que, também, nesse setor, se
fará algo de apreciável para a Bahia". (A TARDE, 10.1.51:2).
"Considero, por exemplo, que a coletividade que não dispõe hoje em dia de força
elétrica bastante para o desenvolvimento de suas atividades produtivas não pode
progredir. Reputo a energia elétrica uma das bases do progresso no momento que
vivemos. O meu governo tudo fará para que o potencial elétrico da Bahia se
multiplique o mais possível, proporcionando a instalação aqui de novas
indústrias e uma série de fatores outros que contribuirão, acredito, de maneira
decisiva, para o nosso progresso. Paulo Afonso nos dará dentro em breve força
bastante para impulsionar o desenvolvimento do Nordeste. Mister se faz porém
que exploremos a cachoeira do Funil e a do Salto, afim de facultarmos ao sul e
sudoeste, as mais ricas regiões do Estado, o mesmo fator de desenvolvimento e
progresso".(Entrevista de Regis Pacheco, A TARDE, 18.1.51, p.2.)
12
"44 convites foram endereçados e um avião (SIC) de 44 lugares foi posto à
disposição dos convidados. O mesmo fez aquela companhia em Pernambuco. No
avião da Bahia sobraram 14 cadeiras e muitas estavam ocupadas por re-
presentantes das autoridades convidadas. No de Pernambuco não sobrou um só
lugar e todos achavam-se preenchidos diretamente pelas autoridades. Há porém
um outro (motivo) muito mais importante (para a simpatia de que gozam os
pernambucanos junto à CHESF). Recife está habilitada a consumir toda a energia
que lhe é destinada por Paulo Afonso nessa primeira etapa das obras de a-
proveitamento do potencial da grande cachoeira. Salvador não. Faltou à Bahia o
115
115
O sistema de representação chega a tal ponto de anomia que, nas eleições majoritárias de
1954, é difícil a aglutinação de forças em torno de candidatos, sendo frequentes as dissidências
internas nos partidos. Antonio Balbino rompe com o PSD e candidata-se a governador apoiado pela
UDN e pelo PTB, o que provoca, no primeiro, a dissidência de "ala nobre" comandada por Cle-
mente Mariani, que apoia a candidatura de Pedro Calmon, pelo PSD, e, no PTB, a dissidência dos
comandados de Landulfo Alves. A maior prova, porém, de que as agremiações políticas sofrem de
crise de representatividade é que a candidatura de Pedro Calmon, apoiada pelo maior número de
partidos - o PSD, o maior do Estado, o PL, o PDC, o PR, o PRP, e mais as dissidências udenista e
trabalhista - é, surpreendentemente, derrotada. Ficava claro, naquelas circunstâncias, que a
burguesia precisava, para implementar seu projeto de classe, não tanto de partidos, mas de líderes
que reorganizassem as forças políticas a partir das bases municipais. A eleição de Antonio Balbino
serviu para que Juraci Magalhães, o principal articulador de sua campanha, testasse, mais uma vez,
a eficácia dessa velha estratégia que já lhe rendera bons frutos em 1933.
Antonio Balbino (1955-1959) tentou, sem sucesso, governar para toda a burguesia.
Adotou integralmente as idéias de Rômulo de Almeida, o principal criador do projeto reformista,
com o apoio integral da facção mercantil-financeira e do conjunto das "classes produtoras"13. Esse
projeto viu-se ainda mais fortalecido pela derrota política que representou o monopólio estatal do
116
petróleo para as aspirações da burguesia, fazendo-a ainda mais dependente da ação do governo
estadual e do governo federal para que o parque petrolífero baiano tivesse as consequências deseja-
das por seus interesses de classe. Se aliarmos-se a esse fato a correlação adversa de forças que mais
uma vez, depois de um curto período de sete meses em 1954, a afastara do poder nacional, ter-se-á
uma idéia da premência com que ela necessitava da organização do poder estadual em torno de seus
interesses básicos.
O plano de Rômulo de Almeida significou o primeiro passo para a modernização e
adaptação dos aparelhos do Estado àquelas exigências. Foi criado o Fundo de Desenvolvimento
Agro-Industrial -FUNDAGRO, com a finalidade de "permitir e ampliar a colaboração do Estado
com pessoas físicas e jurídicas de direito privado e de direito público, para a realização de projetos
que interessem à economia agrícola e ao equilíbrio do abastecimento das diversas áreas do Estado"
(CPE, 1958:80).
A partir do FUNDAGRO são criadas a Companhia de Armazéns Gerais e Silos da Bahia,
CASEB; a Companhia Matadouros Frigoríficos S.A., MAFRISA; a Companhia de Adubos e
Materiais Agrícolas da Bahia, CAMAB; além de projetados o Entreposto de Leite, a Companhia
Industrial de Pesca, a Empresa de Conservação de Solos, Água e Mecanização Agrícola, a Empresa
de Assistênia Mecânica e Beneficiamento do Sisal e a Companhia de Energia Elétrica da Bahia,
COELBA.
No plano energético, o governo Balbino implanta um plano de eletrificação, que engloba a
ação do governo anterior e expande-a, no sentido de dotar o sul e o sudoeste do Estado de energia
elétrica. O plano de transporte dá prioridade ao reaparelhamento da Navegação Baiana e da Estrada
de Ferro Nazaré e à construção e reaparelhamento dos portos do litoral sul - São Roque, Maraú, I-
lhéus, Coroa Vermelha e Caravelas -, tentando recuperar o transporte de cabotagem e o transporte
ferroviário nas zonas mais ricas do Estado. O plano rodoviário, seguindo a mesma orientação, "con-
centra-se nas zonas Sul e Recôncavo, pelas maiores possibilidades imediatas de produção, ligando
os centros produtores de leite, cereais, cacau e outras riquezas fora das zonas referidas" (CPE,
1958:117).
No plano industrial, o governo preparou o bairro de Itapagipe, na sua parte alagadiça,
próxima a desembocadura do Joanes, para servir de localização industrial preferencial e implantou
um sistema de incentivos à instalação de indústrias, ao tempo em que pressionava o governo federal
117
117
para a instalação de indústrias petroquímicas no Recôncavo. No nível federal, Balbino procurou de-
senvolver uma representação coerente e unificada dos interesses das classes burguesas, enviando,
inclusive, a 15 de agosto de 1957, uma carta ao Presidente da República que sintetiza o seu plano
de governo, mostrando sua compatibilidade e complementariedade com o programa de metas; e
não perdeu ocasião, em todas as oportunidades, de fazer-se o porta-voz das "classes produtoras"14.
As intenções de Balbino, entretanto, não vingaram. E três razões, intrinsecamente
conectadas, parecem explicar aquele fracasso. Em primeiro lugar, o novo governo sofria de um mal
de origem. Nascido da desorganização das maiores forças partidárias do Estado será sempre
encarado como fruto do logro e da fraude o que o obrigava, de fato, a usar essas armas para
neutralizar uma oposição ferrenha e inconciliável. Essa oposição significará, antes de tudo, uma
campanha contínua de desestabilização das forças governamentais. "A Tarde", por exemplo, o
jornal de maior circulação no Estado, fez uma campanha sistemática de desmoralização do gover-
nador, a quem acusou de corrupção e de favorecimento ilícito de empresas, algumas, na verdade,
extremamente importantes dentro da estratégia burguesa de industrialização do Estado15. Do
mesmo teor foram as investidas contra Juraci Magalhães, que, ocupando postos vitais para os
interesses da burguesia baiana, inclusive a presidência da Petrobrás, em 1953, e mostrando ser o
político baiano de maior penetração nos círculos federais e no cenário político nacional, foi,
invariavelmente, durante todo esse período, apresentado ao público como um arrivista sem caráter e
sem escrúpulos morais, um político sem ideais outros que a satisfação de seus interesses pessoais16.
Antonio Balbino, diante do isolamento a que foi relegado por facções importantes das
forças sociais, impotente diante de um poder federal que se fortalece com as dissenções no seio das
classes dominantes baianas, viu-se obrigado, para governar, a deixar-se envolver, cada vez mais, no
círculo estreito dos interesses o cercavam, gerando um círculo vicioso difícil de ser rompido.
14
O que ocorre tanto no que se refere a política cambial, quanto à Instrução
135, da SUMOC, que mandava recolher, à ordem da SUMOC, no Banco do Brasil, 40%
dos depósitos bancários, no caso dos Estados do Sul e da Bahia.
15
18. Foi o caso da isenção fiscal ao Moinho Salvador, de propriedade do
governador, que merece a reiterada condenação d'A TARDE, sob a alegação de
favorecimento ilícito.
16
Foi o caso da isenção fiscal ao Moinho Salvador, de propriedade do
governador, que merece a reiterada condenação d'A TARDE, sob a alegação de
favorecimento ilícito.
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118
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Mensagem do Governador Antonio Balbino à Assembléia Legislativa em 7 de
abril de 1957, pp. 5 e 6.
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119
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106
Foi, entretanto, a partir de 1956 que o Banco passou a crescer mais externa que
internamente, como se pode ver na tabela acima.
Quanto às inversões de capitais estrangeiros e sulistas na Bahia, essa era uma velha
aspiração da burguesia mercantil e financeira baiana que começa a frutificar em 1952 com a insta-
lação de uma fábrica de cimento portland pelo consórcio internacional Leone Star Co. e a instalação
de um moinho de trigo com a participação de capitais suiços, mineiros e baianos, empreendimentos
que contam com o apoio dos dois bancos locais seja "através de nossas carteiras de câmbio e de
crédito geral", seja através "da colocação na nossa praça de 20% das ações postas à venda" (BANCO
DA BAHIA, 1952:26).
Mas foi no final da década que a inversão capitalista na Bahia tornou-se mais agudamente
necessária à burguesia mercantil-financeira baiana, já que o processo de crescimento iniciado no
princípio da década desdobrava-se sem atingir o seu veio mais rico - a petroquímica.
Por outro lado, as secas que flagelavam o Nordeste, nessa década, levaram a velha
oligarquia e as burguesias nordestinas em geral, a assediar o Governo Federal, pressionando-o por
uma melhor distribuição dos recursos nacionais. A forte reação que provocou o quadro de fome e de
miséria do povo nordestino na sociedade brasileira em geral e, em particular, nos seus setores mais
organizados, acabaram por demonstrar à burguesia sulista e ao Governo da União a urgência de uma
solução para o Nordeste, coerente com os rumos do desenvolvimento capitalista nacional. Solução
que não podia ser outra senão aquela avançada pela burguesia mercantil baiana em 1946, e que
Rômulo Almeida tinha, em 1955, adaptado à conjuntura econômica de então, "desliberalizando-a".
Essa solução era agora, revista e ampliada por Celso Furtado, num momento crítico da vida
nacional, quando a associação da burguesia à grupos estrangeiros caminhava em sentido contrário à
correlação das forças políticas.
Apesar desses fatos, a decisão do Governo Federal de lançar em 1958 a Operação Nordeste
(Openo), o embrião da futura SUDENE, não foi bem recebida pela burguesia baiana. Isso deveu-se
principalmente à desconfiança de que a operação fosse apenas um instrumento de propaganda
política e um organismo técnico facilmente cooptável pelos tradicionais interesses oligárquicos da
região.
122
107
Não era apenas o jornal "A Tarde" que desconfiava das reuniões técnicas e dos discursos
presidenciais, também a Associação Comercial da Bahia via com preocupação a criação de uma
Superintendência diretamente subordinada à Presidência da República, com uma dotação alentada
de três bilhões de cruzeiros e muitos cargos bem remunerados e tentadores para a barganha política,
justamente quando o país começa a preocupar-se com o problema da sucessão presidencial (ACB,
janeiro,1959:1). A desconfiança provinha também do fato de que, diante da forte tendência con-
centracionista dos investimentos federais, dificilmente a Openo teria condições de reverter tal
quadro1.
Em pouco tempo, entretanto, essa desconfiança é superada e a burguesia mercantil baiana
acaba por apoiar a iniciativa de modo a protegê-la das investidas das oligarquias fundiárias, sem
nenhuma afinidade com a proposta da Operação Nordeste2.
As razões para a postura inicial tinham, porém, raízes mais profundas. A verdade parece
ser que, naquele final da década, os interesses da burguesia baiana já se achavam bastante bem deli-
neados em torno de dois pontos específicos - o comércio exportador e a indústria petroquímica - sem
maior afinidade, a princípio, com os interesses das demais facções burguesas nordestinas. De fato, a
Bahia sempre fora uma região particular que, apesar da prolongada decadência que conhecera entre
1850 e 1930, guardara na agricultura e no comércio exterior a fonte de uma tradicional classe
dominante.
1."A concentração dos recursos do fundo rodoviário nas ligações Rio-São Paulo-
Belo Horizonte entre si e com Brasília; dos recursos destinados à rede
ferroviária na mesma região; dos fundos de energia e do Vale do São Francisco
nas barragens de Três Marias e Furnas; dos recursos orçamentários do Banco do
Brasil, da Caixa Econômica e dos Institutos na construção de Brasília, por
empresas do Centro-Sul, para onde se canalizam os lucros respectivos; tudo
isso se juntando à sustentação dos preços internos do café pela compra de 10
milhões de sacas e as transferências e subsídios cambiais constituiram um
reforço àquelas razões naturais de preferência para ainda mais agravar o
desequilíbrio, ao qual o programa da Openo não proporcionará, se realizando,
senão um ligeiro paliativo" (Banco da Bahia, 1959:14).
108
3. A partir dos meados dos 50, como vimos, a ACB movimenta toda a sua força de
pressão e influência em torno da melhoria do sistema de transporte rodoviário
e da correção da política cambial mas, sobretudo, redobra a pressão junto ao
Governo Federal no sentido de adequar a política do petróleo aos interesses da
burguesia baiana.
124
109
orientação geral das soluções preconizadas para o Nordeste vinha ao encontro de seus interesses,
tanto locais quanto nacionais; o terceiro é que ela não poderia prescindir de sua especificidade
baiana4, fundada no comércio exportador e no petróleo, e que necessitava, portanto, de uma política
cambial mais justa e do desenvolvimento de uma indústria petroquímica na Bahia, itens que não
estavam suficientemente realçados no projeto de Celso Furtado.
Quanto à política cambial, como se sabe, Celso Furtado incorpora a tese de que o confisco
cambial é um meio de transferir recursos nordestinos para o financiamento da industrialização do
sudeste e é com base nesse argumento, inclusive, que parte dos recursos da futura Sudene serão
provenientes dos fundos dos ágios5.
110
A posição de Clemente Mariani, como de resto de toda a burguesia baiana, será a de tentar
impor uma solução própria para o problema cambial:
"a ser tratado com justiça, portanto, o problema do Nordeste, sobretudo se nele se
incluir também a Bahia, deve ser encarado distintamente, por partes: primeiro,
uma remuneração justa das exportações para o exterior, reaproximando os valores
externo e interno da moeda, como se propõe realizar o programa de estabilização,
de modo que a economia de cada Estado toque o que ele produz e para ele sobre,
sem erosão, o saldo apurado no seu balanço de comércio..." (BANCO DA
BAHIA, 1958:20).
Defendendo essa posição não está apenas o Banco da Bahia. A CPE, em 1959, avança uma
fórmula conciliatória, na sugestão de um ante-projeto de decreto que institui o Fundo de
Recuperação do Nordeste, onde, no seu artigo segundo, se diz que "a metade desse fundo
será, preferencialmente, aplicado no Estado produtor de saldo em programas que visem, direta ou
indiretamente, desenvolver as exportações ou a produção de substitutos à importação" (DIARIO DE
NOTÍCIAS, 08.03.1959:3).
De igual teor é a tentativa da bancada parlamentar, que, através de um projeto-lei da autoria
do deputado Lafayete Coutinho, pleiteia 50% dos ágios para distribuição entre as unidades da
federação que os produziram6.
O outro ponto para o qual se voltaram as energias da burguesia baiana foi a questão do
petróleo. Em 1958 tornara-se evidente para todos, a posição estratégica que essa indústria tem para
os interesses capitalistas na Bahia. No dizer de Mariani:
111
Naquela conjuntura difícil, portanto, era de se prever que a burguesia redobraria a sua
investida neste flanco que, não sendo considerado prioritário pela Sudene, embora fosse consensual
a importância para o Nordeste do parque petroquímico da Bahia, ficaria entregue à combatividade
dos baianos.
O programa de ação a ser adotado, no caso do petróleo, é aquele sugerido pela Carta do
Petróleo na defesa da qual se comprometeram a totalidade das forças políticas baianas. A exemplo
da SUDENE, a "frente" do petróleo seria guarnecida através de alianças parlamentares interpar-
tidárias de modo a viabilizar os encaminhamentos das soluções sugeridas. No que diz respeito à
Sudene, entretanto, os representantes do capital mercantil baiano são obrigados, para não atrapalhar
o encaminhamento normal da Operação Nordeste, a recuar de suas pretensões iniciais e formar com
os representantes de outros Estados a união parlamentar do Norte e Nordeste. No caso do petróleo,
essa aliança transforma-se em expressão de um consenso mais profundo: o de um compromisso de
classes.
É necessário ressaltar que essas alianças respaldavam-se na mobilização real das classes
sociais, inclusive do proletariado, pois a arregimentação dos sindicatos dos operários e das outras
categorias de trabalhadores em torno das grandes questões nacionais já os havia transformado em
atores políticos. Na Bahia, pelas razões que se veio a expor, o proletariado surge, naquela
conjuntura, enquanto classe, atrelado à defesa da Petrobrás e da expansão de suas atividades
industriais.
Foi nesse clima de mobilização regional que assumiu o Governo do Estado da Bahia, Jur-
aci Magalhães (1959-1963), a essa altura um político de grande experiência e muita projeção, tendo
127
112
Seu programa de governo será o Plano de Desenvolvimento da Bahia, Plandeb, uma versão
atualizada do Programa de Recuperação Econômica, também elaborado pela CPE, que é enviado à
Assembléia Legislativa para ser transformado em lei e comprometer, assim, o conjunto das classes
representadas naquela casa com a sua administração. Em termos ideológicos, o Plandeb representa
uma simplificação do pensamento inicial de Rômulo de Almeida e uma maior convergência com a
posição de Clemente Mariani e do capital mercantil e financeiro baiano. A região sul do Estado
continua a grande prioridade espacial do plano,8 mas as exportações, a política cambial e a infra-
estrutura básica passam a ter uma importância e um valor explicativos maiores:
"quem quer que examine as possibilidades naturais da Bahia não tem dúvidas na
sua variedade e riqueza. Só uma causa explica o retardamento da economia baiana
- a míngua de facilidades básicas de capital social para a exploração dos seus
recursos: portos desaparelhados, ferrovia Leste Brasileiro uma das menos
cuidadas pela União, programa rodoviário federal na Bahia postergado, falta de
recursos do Estado e dos municípios para resolver problemas de eletrificação,
água, etc. Não houve falta de esforços da parte do Estado; pelo contrário, o Estado
investiu em estradas de ferro, em companhias de navegação e antecipou a
7. Juraci define a "pacificação" pregada por ele como "o respeito entre homens
públicos para que o regime democrático não apareça aos olhos do povo na
caricatura grotesca que se pretende, às vezes, pintar"(A Tarde, 07.04.1961:9).
8."Nessas condições, enquanto houver margem para ampliar as exportações,
dificilmente qualquer outra aplicação de capital na economia brasileira poderá
apresentar o mesmo rendimento. Acredita o Governo da Bahia que o programa de
organização econômica da região cacaueira, tendo como ponto principal a rede
de transportes, será possivelmente o mais produtivo dos investimentos nacio-
nais no momento presente, pelo que pode responder em termos de aumento das
exportações" (Plano de Desenvolvimento da Bahia, 1960-1963. v.1. s.d. p.7).
128
113
Esse trecho mostra como, àquela altura, já é possível falar de uma ideologia regionalista,
que se sobrepõe aos projetos liberal-burguês e reformista, tal a confluência entre os interesses das
principais camadas burguesas e o discurso de seus intelectuais mais eminentes.
Juraci, trazendo para o governo esta ideologia, visava construir a unidade política que
faltava à unidade de ação que os orgãos representativos da burguesia já tinham conseguido. A esse
respeito, dirá um boletim da ACB:
"O primeiro passo foi dado. Coube a iniciativa às classes produtoras que
souberam dar o exemplo da unidade, colocando acima dos próprios interesses os da
terra comum. A bancada federal secunda-las-á, pondo o problema em termos que
muito concorrerão para resolvê-lo se a unidade atual for mantida. É de esperar que
outras forças representativas do Estado venham-se juntar a este movimento, a fim de
que se torne possível acioná-lo em outra direção, caso o esforço ora desenvolvido se
torne improfícuo devido à incompreensão dos governantes federais" (ACB, maio
1959:4).
114
meses de Jânio Quadros na presidência, fazia, com o mesmo PTB, todos os Presidentes da República
desde 1952. Isso significava que, bem ou mal, em todos os municípios baianos, situação e oposição
estavam no poder.
Quanto à representação política na Assembléia Legislativa, é fácil entender-se que essa teia
de compromissos locais e partidários lhe prendia muito mais. Para romper esse cerco invisível, o
governador eleito chama para formar o seu secretariado não apenas membros da coligação que o
elegera, mas também o candidato derrotado pelo PSD, e outros políticos de força eleitoral e
expressiva representatividade.
E não apenas a burguesia cacaueira e pecuarista é contemplada pelo seu governo. Embora
em proporções menores, também a cultura da mamona e do sisal no sertão baiano, e o cultivo de
cereais no chapadão de Irecê, onde surge uma nova burguesia, são estimulados9. Para desarmar os
espíritos e dar respeitabilidade à hierarquia de interesses contida no seu programa, Juraci promete
desfazer-se de velhas e sujas armas já rotinizadas na prática cotidiana de governo:
1. a perseguição política
"no setor educacional, começamos retirando o professorado da interferência da
política: e nem uma remoção foi feita para o atendimento de solicitações partidá-
rias ..."
2. a perseguição policial
115
3. a corrupção administrativa
"em dia também, estão os pedidos de gratificação de risco de vida e por trabalho
noturno, sem que, para o seu andamento, precisasse o servidor apelar para a in-
terferência de quem quer que fosse ..."(Juraci Magalhães, Mensagem à
Assembléia Legislativa em 07.04.60:16,19,20).
Mas Magalhães não terá êxito em sua peroração. A maioria governista na Assembléia
garantirá ao governador os instrumentos corriqueiros de governo e seguirá a sua liderança mas
jamais permitirá que ele transforme o Governo do Estado, o executivo, no centro irradiador do todo
o poder, enfeixando toda a articulação das classes sociais entre si, e entre elas e o Governo da União,
transformando o governador no líder unitário de todas as classes sociais baianas. Para as forças
políticas, a pacificação proposta por Magalhães ia além do requerido para forjar a unidade de ação
indispensável à defesa dos interesses burgueses, ela ameaçava a sobrevivência da própria pluralidade
necessária para a representação burguesa. E não são apenas os políticos que pensam assim, dirá, a
respeito, o jornal "A Tarde":
"que motivos levariam o governador a pretender pacificar nossa pacífica política?
Sob a alegação ostensiva de que a situação baiana precisa de apreesentar-se for-
talecida no plano federal, outras razões se escondem a desafiar a argúcia dos
observadores".
"Por sinal, que a anunciada pacifização baiana ameaça, entre outras coisas, de dar
cabo dos centros de oposição com que nossa política ainda contava" (A TARDE,
18.02.1961:5).
A grande burguesia baiana, no entanto, aquela que tinha forjado já a unidade de ação das
classes produtoras, não pensa do mesmo modo. Pelo contrário, verá em Juraci o paladino das liber-
dades democráticas:
131
116
"A qualquer homem de Estado que ao seu dever sobrepõe a popularidade fácil
não é difícil contentar as vistas curtas e as ambições estreitas dos imediatistas ..."
"Avulta o papel daqueles que não temem, não se acumpliciam, não colaboram,
antes enfrentam, condenam, combatem. Entre esses a sua posição é de vanguarda
pela confiança inabalável na superioridade de um sistema de vida que a ninguém
impõe a paz das necrópoles ..."(ACB, outubro 1962:1).
117
partidos e às lideranças políticas que encontrem uma fórmula uninominal para a sucessão do
Governo Estadual de modo a evitar "danosas consequências de ordem social, econômica e política
que certamente advirão, resultantes de uma agitação política-eleitoral na disputa do Governo do
Estado" (ACB, abril 1962:1).
À essa altura parece claro que a burguesia já desconfiava do parlamento e dos seus
representantes políticos, achando-os incapazes de conter as reivindicações populares nos limites dos
compromissos que não ameaçassem os seus interesses. Segundo a fraseado barroco da Associação
Comercial,
"esses ideais democráticos sofrem, pelo processo de decantação a que os
submetem as contradições do mundo moderno, uma depuração que liberta as
formas anacrônicas e caducas dos valores espirituais que consubstanciam. A nós,
classes produtoras que somos inculpados de defendê-las pela atribuição falsa de
um conservantismo superado e sepulto, a oportunidade é excelente para dizer que
estamos comprometidos com os valores e não com as formas" (ACB, outubro
1962:1).
Atrela-se assim ao regionalismo, naqueles anos de acirramento das lutas de classes uma
versão conservadora de reformismo que procura se apoderar das principais bandeiras que
simbolizam o assalto das forças populares ao Estado. Não são mais os populistas sozinhos, que
advogam a inevitabilidade das reformas de base sem as quais, segundo eles, é impossível manter o
ritmo de crescimento econômico que as forças burguesas da nação requerem. Também a burguesia,
presa agora numa séria crise econômica, necessita reformar as instituições, os diplomas que regem a
vida civil e a administração pública para retomar o crescimento econômico em outro patamar, o que,
nas circunstâncias, e, respeitando-se o jogo democrático, só era possível através da colocação, no
plano ideológico, de um contra-discurso reformista, que atacasse o conteúdo popular e às vezes
anti-capitalista, das reformas de base, que já conquistavam a unanimidade da opinião pública na-
cional.
Na Bahia, dada a relativa juventude dos conflitos de classes, era ainda mais inconcebível
para a burguesia que os seus políticos não conseguissem antecipar-se às contradições para onde os
jogavam os compromissos eleitorais, retendo ou ampliando demasiadamente as reformas.
118
Àquela altura, são os interesses mais caros à burguesia baiana que estão ameaçados:
"O nacionalismo aspeado está pondo em perigo a mais importante das empresas
nacionais, com as próprias instituições republicanas. O petróleo, porém, é nosso, e
nós baianos não podemos permitir que a Petrobrás resvale ladeira abaixo, POR
CONTA OU CULPA DE CERTOS INTERESSES PARTIDA'RIOS"
(MAGALHÃES, 1963:33).
Suas palavras são ameaçadoras: "Os partidos, porém, perderão sua razão de ser à hora em
que alheios ao instante vivido se tornarem elementos de repressão aos anseios coletivos"
(MAGALHÃES, 1963: 33).
11. "Os ricos insistem em se tornar mais poderosos enquanto os pobres, dia a
dia, se fazem miseráveis: esquecem-se aqueles de que não há poder capaz de
subsistir ao estado de miséria da grande maioria. Já não há lugar todavia para
os privilégios de uns poucos". "A terra não pode estar mais retida em mãos dos
que não a tornam produtiva ou apenas a fazem fator de exploração do trabalho".
Temos que sair do regime dos meeiros e que os posseiros possam orgulhar-se da
posse merecida".(Magalhães, 1962:7-8).
"Mas se a reforma agrária se impõe, impõe-se por outro lado, uma mais justa
tributação"(Magalhães, 1962:8).
"Entre as nossas reformas de base, contudo, há uma que precisa não ser
esquecida, a da sistematização administrativa"
"A serviço da democracia brasileira, todavia, há necessidade de uma reforma
ampla na lei eleitoral..." (Magalhães, 1962:10).
134
119
Não ter conseguido centralizar em si todas as decisões políticas não impediu, todavia, o
Governo do Estado de fortalecer-se o bastante para apresentar-se frente ao Governo da União como
o interlocutor privilegiado e o representante legítimo das classes dominantes baianas. Pela segunda
vez, no pós-guerra, depois de dois períodos governamentais, o Governo do Estado voltava a exercer
uma autêntica e reconhecida liderança12.
Logo ao assumir o governo, ainda no período Juscelino Kubitschek, sem contar com
qualquer representante baiano em cargo de importância na República e depois de ver derrotada sua
aspiração de empossar um baiano na vacante presidência da Petrobrás13, Magalhães procura articular
um espaço político adequado na esfera federal utilizando, para isso, tanto a força nacional do seu
partido, a UDN, e do seu aliado estadual, o PTB, quanto o seu trânsito junto às lideranças pessedistas
que a pacificação e a entrega de secretarias de Estado ao PSD ajudava a consolidar.
Com a finalidade explícita de cuidar da articulação com o Governo Federal, principalmente
da relação da Bahia com a recém criada Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, o
governador cria a Secretaria Sem Pasta para Assuntos do Nordeste, que passa a ser ocupada por
Rômulo de Almeida, seu parceiro de chapa, candidato derrotado a vice-governadoria nas eleições de
1958. Seu esquema de forças consegue estabelecer pontos de sustentação no Congresso e no Senado,
assim como nos principais Ministérios e órgãos federais, entre os quais se destacava a Petrobrás.
Será através do endividamento externo, com a tomada de empréstimos aos bancos privados e às
agências de desenvolvimento internacionais, e através dos investimentos federais da Bahia, com
especial destaque para a política de inversões da Petrobrás na construção e pavimentação da rede
viária e na formação de mão de obra, que Magalhães consegue a maior parte dos recursos com que
expande e melhora significativamente a rede rodoviária do Estado; que reequipa a Navegação
Baiana para o comércio com o sul da Bahia e a navegação de cabotagem; que acelera o plano de
eletrificação; que agiliza o sistema FUNDAGRO e põe em funcionamento as empreesas agrícolas e
120
de abastecimento projetadas pelo Plandeb; que cria a Tebasa (Cia. Telefônica da Bahia); que
constrói a adutora do Joanes, etc.
O Governo do Estado representa junto à SUDENE, junto à direção da Petrobrás e junto à
Presidência da República pelo aumento dos royalties do petróleo, pela instalação de indústrias petro-
químicas e pelo melhoramento das condições de transporte na Bahia. Nessas lutas o governo não
apenas foi respaldado pelas classes burguesas baianas e pela sua representação política como, na
verdade, viu sua ação secundada e consolidada pela ação dos órgãos de classe.
Essa política agressiva e decidida da burguesia baiana viu-se coroada com a eleição, em
1960, de Jânio Quadros para a presidência da República, que, depois de empossado, atendeu a todas
as reivindicações baianas tecnicamente possíveis de serem atendidas, quer na área do petróleo, quer
na área da política cambial, mesmo que não tivessem o necessário lastro político, como evidenciou-
se no episódio da frustada transferência da sede da Petrobrás para a Bahia.
Jânio Quadros nomeou Clemente Mariani para ocupar o Ministério da Fazenda; Josaphat
Marinho para a presidência do Conselho Nacional do Petróleo; Geonísio Barroso, ex-
superintendente da Região de Produção da Bahia, para a presidência da Petrobrás; e Pinto de Aguiar
para uma das diretorias da empresa, abrindo assim as portas desses aparelhos estatais às
reivindicações baianas.
O período Jânio, ainda que curto, significou, para a burguesia baiana a conquista de um
espaço político condizente com a envergadura de seus interesses. Mesmo depois da renúncia do pre-
sidente, as lideranças baianas mantêm ainda importantes posições no Governo Federal, seja através
do controle de Ministérios, como o de Minas e Energia e da Educação e Cultura, exercidos seguida-
mente por Oliveira Brito, ou o da Indústria e Comércio, exercido por Antonio Balbino; seja através
da presidência da Petrobrás, que passa a ser ocupada por Francisco Mangabeira, seja através da
conjugação do conjunto das forças burguesas nordestinas que a SUDENE representava.
O ano de 1962, todavia, marcará a impossibilidade da representação burguesa unificar-se
ideologicamente em torno de uma conduta política que preservasse os interesses da burguesia frente
ao avanço da organização das camadas populares. Nesse ano realizam-se as eleições para
governador num clima de grande mobilização popular, conforme os receios expressos da grande
burguesia baiana.
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Àquela altura, a luta de classes no Brasil chegara a um ponto de inflexão decisivo, quando os
interesses populares começam a se cristalizar em torno das questões da propriedade da terra e das
relações de trabalho na agricultura, particularmente explosivas no Nordeste.
Na Bahia, apesar dos conflitos de terra não adquirirem a pujança que tiveram em outros
Estados, um movimento de crescente organização da massa camponesa e trabalhadora rural,
localizado sobretudo nas regiões mais ricas do Estado - a cacaueira e a pecuarista de Conquista e
Itapetinga - passa a influir decisivamente na conjuntura política local, junto com o desenvolvimento,
a passos largos, da organização operária na capital, através da mobilização dos setores da produção
petrolífera e do transporte ferroviário.
Ora, do ponto de vista das classes burguesas baianas, a questão fundiária era uma questão
fundamental e decisiva, unificando todas as suas facções, como um eixo. Destaque-se aqui a facção
industrial que se desenvolvera a partir dos anos 50 e que tinha como ramo mais importante a
indústria de derivados do cacau e de beneficiamento e transformação da mamona e do sisal, culturas
baseadas numa estrutura fundiária que era inclusive, como no caso do cacau, junto com a
comercialização para o exterior, o esteio dos grandes grupos e das grandes fortunas pessoais. O
outro grande ramo industrial baiano, a construção civil, tinha também na especulação, concentração
e monopolização da propriedade fundiária sua principal mola propulsora. A campanha majoritária de
1962 foi, portanto, desaguadouro natural das contradições dos interesses das classes.
O velho PSD baiano, que vinha de duas derrotas na política local, em 1954 e 1958, era
aliado, no plano federal, do PTB, partido que cedia politicamente ao avanço da classe trabalhadora.
A renovação do PSD baiano fazia-se assim pelo avanço das posições liberais e progressistas,
representadas por jovens políticos como Waldir Pires e Vieira de Mello. As posições conservadoras
encontravam, na Bahia, suas melhores chances eleitorais na UDN ou mesmo no PTB, aliado local da
UDN. É significativo, por exemplo, que Fernando Santana, deputado comunista na Constituinte de
1946, tivesse negada a legenda do PTB para a sua candidatura em 1962 indo abrigar-se, justamente,
no PSD.
Foi precisamente em torno da candidatura de Waldir Pires ao Governo do Estado que se
aglutinou o conjunto das forças progressistas e populares, assim como o conjunto das organizações
sindicais e partidárias da classe trabalhadora. Lentamente, à medida que progride a campanha
eleitoral, foi ficando nítida a ambiguidade do apoio da máquina partidária pessedista, controlada
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pelos velhos caciques como Antonio Balbino e Oliveira Brito, à candidatura de Waldir. Até mesmo
um jornal tradicionalmente pessedista como "A Tarde" vai gradualmente definindo-se pela can-
didatura oponente. Pode-se dizer que o conjunto da burguesia baiana começa a cerrar fileiras em
torno da candidatura de Lomanto Júnior, apoiada pela UDN, pelo PTB, pelo PR e pelo PL.
Embora a candidatura Lomanto Junior não tivesse um caráter de radicalização, como aliás
também não tinha a de Waldir Pires, pois tratavam-se antes de posturas moderadas e progressistas,
na esfera discursiva, ela representava, todavia, compromissos de classe bem demarcados. Enquanto
Waldir buscava apoiar-se nas mesmas forças que sustentavam politicamente o Governo Goulart - a
organização sindical, camponesa e a pequena burguesia reformista - Lomanto Junior encontrava na
burguesia agrária e na oligarquia, apavoradas com as perspectivas de reformas de base, e nos demais
setores burgueses o sustentáculo para as suas aspirações políticas. Não descuidava-se, entretanto, de
procurar nas massas populares os votos de que precisava. O caráter populista de sua candidatura é
expresso por ele mesmo, nos seguintes termos:
"A minha eleição representa um fato novo na história política da Bahia e há de ser
interpretada sob a compreensão dos novos tempos, que tornaram superados os
velhos estilos, quando o povo acorria às urnas para sacramentar as escolhas
consumadas. À consciência municipalista e às massas trabalhadoras, até então
esquecidas, especialmente as das regiões sertanejas, que já começam a despertar e
participar efetivamente do processo democrático, devo a concretização de minha
candidatura, que não nasceu de conchavos nem de barganha. As forças políticas
do Estado já me encontraram proclamando e protestando contra esse estado de
coisas" (A TARDE, 08.04.1963:16).
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conteúdo popular inserindo-as num amplo movimento por maior autonomia dos Estados e muni-
cípios.
O segundo espaço tático consistia em construir em torno dessa posição uma ideologia pro-
gressista e cristã e apresentá-la como a única alternativa democrática real. Tentava assim esvaziar
tanto a postura direitista e conservadora que começava a desenhar-se cada vez mais vivamente nos
arraiais udenistas, em torno do Governador da Guanabara, Carlos Lacerda, quanto a postura con-
ciliadora tradicional, alimentada pelos pessedistas e que consistia em recuperar a aliança PSD-PTB
sob o comando moderado de Juscelino Kubitschek, àquela altura sensivelmente ameaçada pelo
espetacular crescimento do PTB durante a presidência de Jango.
O terceiro espaço tático consistia em apresentar o governador da Bahia como um candidato
natural dessa postura progressista cristã às eleições de 1964. Com essa finalidade Lomanto movia-se
entre os governadores de Estado buscando exercer uma liderança que se buscava construir com a
prudência, a conciliação e a moderação. Esse espaço foi disputado também pelo Governador de
Minas, Magalhães Pinto, que procurava neutralizar a ascendência de Lacerda na UDN e que
mantinha com Lomanto, até um mês antes do golpe de estado, um acordo tácito para consolidação
desse espaço progressista cristão que pudesse enfrentar não apenas as forças representadas por La-
cerda e Kubitschek mas principalmente, o conjunto das forças esquerdistas e populares que se
aglutinavam em torno dos governadores de Pernambuco e do Rio Grande do Sul, Miguel Arraes e
Leonel Brizola.
Diante desse quadro nacional, da eleição de 1962 até o golpe de 1964, a representação dos
interesses burgueses baianos acabou por trilhar diferentes caminhos políticos que acabarão por que-
brar a unidade representada pelo programa de desenvolvimento econômico amplamente aceito pelo
conjunto da classe.
Havia, em primeiro lugar, os elementos mais conservadores, tanto da UDN quanto dos
outros partidos, mas principalmente da UDN, cujos melhores exemplos são o ex-governador Juraci
Magalhães e o então presidente do diretório regional, Antonio Carlos Magalhães, que se dedicavam
a conspirar contra o regime democrático. Tentavam viabilizar uma solução ditatorial para a
promulgação de reformas econômicas, políticas e sociais que superassem a crise, desmantelando a
organização da classe trabalhadora e ampliando os pressupostos do crescimento capitalista. Havia,
em segundo lugar, os setores pessedistas e petebistas que participavam e se comprometiam cada vez
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mais com o pacto de forças populares que respaldavam as soluções reformistas gestadas no governo
Goulart. Havia, por fim, um terceiro grupo que, apoiando as reformas pregoadas pelo governo
federal e cerrando fileiras com aqueles que defendiam a ordem democrática, procuravam ao mesmo
tempo, distinguir-se e separar-se das organizações que expressavam a vontade do proletariado e do
campesianto brasileiros. Esses tentavam manter vivos os seus vínculos com a grande burguesia e
com a totalidade das suas fontes de expressão política.
É nesse último grupo que se deve situar o governo Lomanto Junior, entre sua posse a 7 de
abril de 1963 e o golpe de 19 de abril de 1964. Foi apostando na possibilidade de administração da
crise, enquanto se aguardavam as eleições de 1965 para formar um governo mais fiel aos interesses
burgueses, que Lomanto Junior procurou demarcar o espaço de sua atuação política14.
Lomanto coloca-se pois como um cristão progressista, de atitudes moderadas, uma espécie
de intermediário para a resolução dos conflitos de classes e de fiador do diálogo entre as diversas
facções burguesas, num momento em que a continuidade da democracia ia-se tornando cada vez
mais dificil. Essa postura de neutralidade e de moderação, construída entre os "reacionários em-
pedernidos e os comunistas sem pátria", complica-se, evidentemente, à medida em que o avanço da
luta de classes cinde a sociedade brasileira em dois campos, política e ideologicamente antagônicos,
que já atinge, em 1964, os governadores de Estado.
A moderação de Lomanto vai exigir, portanto, crescentemente, uma definição sua em torno
de algumas questões básicas. Em primeiro lugar sua fidelidade à ordem democrática e o seu respeito
à autoridade do presidente da República tem que ser continuamente reiterada de público à medida
que avança a conspiração direitista15.
14. Dizia, na época "A Tarde": "Por isso, foi com agrado que se ouviu o
pronunciamento de respeito à legalidade e à instituições vigentes que fez o
governador Lomanto Junior. Em si é uma posição de vanguarda, afirmativa que
lhe rende juros políticos, já agora em forma de uma aliança com o governador
de Minas, aspirante à presidência da República, portanto com reflexos práticos
e úteis à Bahia" (A TARDE, 02.09.1963:5).
15. "A Bahia é um altar para o culto da democracia. Mas também reafirmo: os
que querem perturbar a tranquilidade de nosso Estado, os reacionários empeder-
nidos, de um lado, os comunistas sem pátria e sem Deus, de outro, se me
levarem e me induzirem a tanto, eu transformarei a Bahia numa trincheira para
a defesa da democracia" (A TARDE, 06.03.1964:3).
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Em segundo lugar, o compromisso do governo estadual com as reformas de base deve ser
constantemente reafirmado para não prejudicar nem a sua imagem progressista nem a sua base de
sustentação nacional. O bom relacionamento com o conjunto das forças que apoiavam o governo
federal era imprescíndivel tanto para garantir o futuro político do próprio governador, quanto para
viabilizar financeiramente a sua administração16. Lomanto esforça-se, porém, para manter, ao
mesmo tempo, a confiança da burguesia no seu comportamento, delimitando com precisão o alcance
que deve ter reformas de cunho popular, como a reforma agrária17. Lomanto deixa claro em diversas
oportunidades que a reforma agrária deve restringir-se ao contexto de dois dos principais pontos de
seu programa de governo: a resolução do problema de abastecimento das cidades e a modernização
e o avanço da agricultura de mercado interno.
Como parte de sua estratégia de aproximação com os setores burgueses mais
conservadores, o governador procura enfatizar questões chaves para o desempedimento de alguns
pontos de estrangulamento das atividades econômicas, como a reforma tributária, a reforma da
administração pública e uma reforma constitucional que dê maior autonomia financeira aos Estados.
É sob a bandeira federalista e autonomista, que para a burguesia brasileira ganha um novo sig-
nificado e um revigorado encanto, oferecendo a oportunidade de diminuir a importância da crise de
representatividade do governo federal, que Lomanto patrocina em Salvador há menos de um mês do
golpe, uma reunião dos governadores de Estado para discutir essas questões.
126
De fato, para a burguesia, o aumento da autonomia dos Estados chegara a ser, durante os
anos que antecederam o golpe, uma alternativa também para a resolução pacífica de problemas mais
polêmicos, como a reforma agrária. Sobre essa questão, assim se expressa Magalhães Pinto em
março de 64:
"Mas não é possível que se deixe esse órgão restrito apenas à orientação federal.
A SUPRA que faça a reforma agrária, a reforma que todos nós desejamos e o
Brasil espera. Mas que essa reforma seja descentralizada porque é o poder local
que conhece de perto as necessidades que lhes são carentes. É o poder local que
pode dialogar, que pode fazer reformas sem o sistematismo que estamos sentindo
nesta hora. É o poder local que, enfim, evitará, sem dúvida nenhuma, o
derramamento de sangue de brasileiros inocentes..." (A TARDE, 02.03.1964:2).
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21. Assim, por exemplo, escreve "A Tarde", a respeito da atitude do ministro
da Fazenda em relação ao financiamento do cacau: "São conhecidas as posições
antagônicas entre os srs. João Goulart e Ademar de Barros. Se o governo
143
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Em resumo, pode-se dizer que o período 62/64 caracteriza-se pela impossibilidade política
da burguesia rearticular a sua representação em torno de um projeto de reforma ideológica e econo-
micamente coerentes com seus interesses. O fracasso político pode ser claramente sentido, na esfera
federal, quando o presidente Jânio Quadros não encontra o clima propício para a implantação de
uma política austera e realista, quer no plano monetário, através de uma maior vinculação do país ao
capital internacional, quer no plano da política externa, através da ampliação do mercado para
produtos brasileiros, quer no plano administrativo, através do combate à corrupção e a
implementação de uma política de descentralização dos aparelhos de Estado e de revigoração das
burguesias regionais.
A renúncia de Quadros e o fracasso de uma solução burguesa gestada politicamente teve
sua contrapartida estadual na frustada tentativa de Juraci Magalhães em forjar um forte comando
unitário de poder a partir das bases partidárias existentes.
Lomanto representou, assim, uma frágil e frustada tentativa, que nem mesmo chegou a
consolidar-se na vida nacional, da burguesia preservar a sua capacidade de liderança política sobre
as massas trabalhadoras e populares. O que chamamos de fracasso político da burguesia está no fato
de que, a partir de 1962, com a ascensão de Goulart à Presidência e a formação de um governo fe-
deral comprometido com plataformas populares, processa-se a descaracterização dos objetivos
burgueses das medidas e dos instrumentos necessários para a superação da crise de acumulação, e
evidencia-se o despreparo da burguesia para conviver, daí por diante, com a ascensão dos interesses
do proletariado e do campesinato, no plano político.
Na Bahia, dado as particularidades de sua vida política, serão em parte as mesmas forças
que articularam o apoio partidário à candidatura de Lomanto Junior (que acabou por se envolver
crescentemente com a política do governo federal) que conduzirão, à revelia do governo do Estado,
a conspiração golpista. Ao contrário, as forças progressistas que sustentaram a candidatura Waldir
Pires procurarão respaldar Lomanto e exigir-lhe coerência com os princípios democráticos e com o
projeto de reforma de base.
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O restante do mandato de Lomanto será marcado por uma ampla reforma da administração
pública e a construção do Centro Industrial de Aratu, que será inaugurado pelo seu sucessor, Luiz
Viana Filho. Neste último governo a burguesia baiana vê finalmente atendida sua reivindicação de
implantação de um pólo petroquímico na Bahia e assiste ao início de um surto industrial que per-
dura, com diferentes intensidades, até os 80.
O desenvolvimento econômico que sua intelectualidade almejara, projetara e pelo qual
lutara 18 anos, segue assim novos rumos políticos. O discurso regionalista, na economia e na
política, mostrar-se-á incongruente com os novos tempos ditatoriais e nacionalistas, embora
continuasse, durante mais alguns anos, a dividir com a ideologia militarista da segurança nacional os
esforços de legitimação do novo regime.
Mais que isto, o regionalismo econômico, durante os 25 anos de ditadura, perdeu a
utilidade política, passando a ser quase que apenas um discurso sobre a cultura e as especificidades
locais.
"A reiteração do apoio da UDN ao Sr. Lomanto Júnior, através da palavra do Sr.
Antonio Carlos Magalhães, falando num programa de televisão, eio dissipar os
boatos de que a posição do governador continuava ameaçada na área política,
mesmo depois de comprovada a sua boa situação no setor militar, como ficou
demonstrada com a visita do Gal. Justino Bastos e o claro pronunciamento do
comando da 6╕ Região Militar". "A verdade é que a manifestação do Sr. Antonio
Carlos Magalhães constitui uma surpresa para os círculos políticos em geral,
pois o que se esperava e temia, quando foi anunciada sua declaração pública,
era que abrisse as baterias contra o governo. A última visita do deputado
udenista a Salvador, quando ostensivamente deixara de procurar o Sr. Lomanto
Junior , deixara a impressão de que estava muito descontente com o chefe do
executivo" (A TARDE, 07.05.1964:3).
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