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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO
DES0126 - Teoria Geral do Estado I

DANNIEL PRATA RIBEIRO NOGUEIRA - Nº USP: 12729993

A Guerra na Ucrânia: Soberania sob múltiplos aspectos

SÃO PAULO
2022

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A revisão bibliográfica a seguir constitui
elemento avaliativo para a disciplina Teoria
Geral do Estado I, ministrada pela Professora
Doutora Nina Beatriz Stocco Ranieri, do
Departamento do Direito de Estado da
Faculdade de Direito da USP.

SÃO PAULO
2022

1
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................................3
PROBLEMA DE PESQUISA E METODOLOGIA……….......................................................7
OBJETIVOS PRINCIPAIS E RESULTADOS...........................................................................9
CONSIDERAÇÕES FINAIS…................................................................................................13
BIBLIOGRAFIA ANALISADA……......................................................................................15
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR.....................................................................................16

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INTRODUÇÃO

A guerra na Ucrânia foi tratada por muito tempo como mera especulação.
Neste século, conflitos entre países com motivações territoriais, mas perpassando
diretamente a tentativa de se reconhecer a soberania de uma nação sobre a outra e
com potencial para destravar um conflito de abrangência global por suas variáveis,
aos moldes dos confrontos verificados ao longo da história até a Guerra Fria,
pareceu mera discussão de internet. Não que as guerras e conflitos locais tenham
se extinguindo, porém, o temor de um processo de dominação de um país pelo outro
se verificou tão somente nas ameaças perpetradas pela Coréia do Norte à vizinha
do sul - esta chegou a realizar desfiles militares, testes de armamento bélico de
longo alcance e até declarou ‘estado de guerra’.
Também recentemente, em janeiro de 2020, um ataque de míssil dos Estados
Unidos (EUA) assassinou o comandante da Guarda Revolucionária do Irã Qassem
Soleimani. Imediatamente, os canais de mídia por todo o mundo e as redes sociais
temeram por uma escalada nos conflitos, o que causou uma grande comoção pelos
dias que se sucederam. A reação veio antes mesmo do funeral do general-maior
com um ataque a duas bases iraquianas que, em tese, abrigava militares
americanos, mas não houveram mortes. Após lançar 20 mísseis, o Irã ameaçou
executar uma ofensiva dentro do território americano caso os EUA revidassem.
Todavia, os ânimos se apaziguaram e uma escalada não ocorreu.
O conflito iniciado pelas forças russas - chamado pelo Kremlin de “operação
militar especial” -, no início do ano, tem sido inédito e pôs em xeque a segurança
mundial. Sem perspectivas, no momento, de uma saída de paz, a guerra, que no
início se concentrava apenas na região da bacia de Donbass, onde desde 2014
prevalecem tensões separatistas, se espalhou por todo território ucraniano,
chegando até mesmo à capital Kiev. Entre os vários argumentos da Rússia está um
processo de “nazificação” da região - o que se sabe, é que parte da resistência aos
separatistas de Dobans tem vindo de grupos armados de extrema-direita, a exemplo
do Batalhão Azov - e um suposto genocídio de ucranianos de origem étnica russa.

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Tais grupos paramilitares são importantes na análise da soberania na guerra
da Ucrânia uma vez que remontam o início dessa história, ainda no começo da
última década. Pouco antes da destituição do presidente ucraniano Viktor
Yanukovych, que havia recusado um acordo econômico com a União Européia em
detrimento de Moscou, impedindo uma aproximação do país com o Ocidente, sendo
pressionado por protestos e conflitos entre civis, grupos paramilitares ocuparam
prédios como os correios, o Comitê de Estado para Rádio e Televisão e o Conselho
Supremo da Ucrânia (Verkhovna Rada). A outra parte da população, no sudeste do
país (cuja maioria das pessoas falam russo), reagiu ao que este lado da narrativa
considerou como golpe de estado. Com apoio russo, logo em seguida na Criméia, o
parlamento aprovou um referendo que questionou o interesse da população da
península de voltar a compor a Federação Russa. A votação contabilizou a adesão
de 80% dos aptos a votar, dos quais 96,8% foram favoráveis à anexação. Com o
resultado, considerado ilegítimo pela maior parte da comunidade internacional, além
do governo interino da Ucrânia, a Rússia realizou uma operação militar para
anexação - vale ressaltar que militares russos já estavam na Criméia antes mesmo
do referendo. A Resolução 68/262, da Organização das Nações Unidas (ONU),
considerou o referendo ilegítimo e alterou o status da Criméia para “território
ucraniano sob ocupação russa”.
Passados os fatos, os conflitos permaneceram no leste ucraniano entre civis
pró-russos e nacionalistas apoiados pelo governo, sobretudo através dos já citados
grupos paramilitares de extrema-direita, como o Batalhão Azov - o principal deles,
que mais tarde viria a ser incorporado ao Exército Nacional. As tensões se
concentraram nas províncias de Donetsk e Lugansk, ambas na região de Donbass,
estando atualmente sob domínio russo. Ocorre que a aproximação com Ocidente
desejada pelas lideranças ucranianas desde 2014 envolve algo muito maior que um
mero acordo comercial: o ingresso na OTAN. Esse anseio, porém, não é unilateral e
tem influência da própria organização que também possui interesse estratégico na
empreitada. Desde 1997, após a queda da União Soviética, a OTAN tem se
expandido ao Leste Europeu e se estabelecido mesmo em países fronteiriços à
Rússia - ferindo um pacto não oficial firmado com a dissolução da antiga URSS. Foi
o avanço nas tratativas para a entrada da Ucrânia, no início deste ano, que

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desencadeou a atitude do Kremlin sobre o país presidido por Volodymyr Zelensky e
que é a última fronteira sem influência de Moscou fora da OTAN na Europa. Com a
adesão ucraniana, a Rússia perderia sua influência na região, ficando
impossibilitada de agir militarmente, se não tivesse interesse em conflitar com as
demais nações do bloco.
Desse modo, é possível verificar que o tema da soberania perpassa diversos
aspectos da guerra entre esses dois países: (1) a soberania da Ucrânia sobre seu
território, as tensões verificadas na última década e a legitimidade dos grupos
separatistas, (2) a pretensa soberania da Rússia sobre o território ucraniano e (3)
sobre seu próprio território tendo em vista o comportamento da OTAN; além disso,
cabe a tentativa de compreender (4) o papel dos atores internacionais no embate e o
grau de interferência destes em ambas as nações. A síntese destes pontos de vista
permite dois blocos analíticos: primeiro, a soberania sob olhar daquele cujo risco de
violação ou a violação de fato estão postos e, segundo, sob a perspectiva dos
agentes que se utilizam de argumentos, quaisquer que sejam, para legitimar suas
ações contra determinada soberania, ainda que apenas por meio de intimidações.
Atentando-se à metodologia de trabalho proposta, para esta revisão
bibliográfica foram selecionados 2 artigos de periódicos, 3 teses de doutorado e 5
dissertações de mestrado que estudaram a soberania transversalmente nos
aspectos acima apontados. Os artigos foram buscados na plataforma Scientific
Eletronic Library Online (SCIELO), já os trabalhos de doutorado e mestrado foram
pesquisados no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). A utilização destes canais
de busca para a pesquisa da literatura científica foi feita através de descritores,
sendo estes achados sejam nas palavras-chave, no título ou no desenvolvimento do
texto, dos quais: (“Soberania” AND "Ucrânia"); (“Soberania” AND "Criméia");
(“Soberania” AND “Tribunal Penal Internacional”); (“Guerra Fria” AND “OTAN” AND
”Soberania”); e (“Rússia” AND “OTAN” AND “Soberania”).
Entre 10 trabalhos selecionados, um artigo data de 2010 e outro de 2013, os
demais foram publicados nos anos subsequentes, mais precisamente, depois de
2014, isto é, após o clímax da crise política enfrentada pela Ucrânia, responsável
pelos desdobramentos da atualidade. Entretanto, a presente revisão foi incapaz de

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reunir produções que tratassem da mais recente invasão russa, justamente pela
proximidade dos fatos. Para tanto, a bibliografia complementar (vide sumário), com
artigos jornalísticos, foi trazida com fins de contextualização. Sendo as raízes do
conflito agora em curso muito profundas, a análise dos trabalhos selecionados, que
abordam a discussão da soberania nas regiões, já será suficiente para dar cabo ao
objetivo da pesquisa: identificar a compreensão acadêmica do tema e seu alcance
nos variados aspectos possíveis. A tabela a seguir apresenta as obras em ordem
cronológica:
Quadro 01 - Obras selecionadas.

Nº Ano Título Autoria Nível

1 2010 Atuação da OTAN no pós-Guerra Fria: Juliana Bertazzo Artigo


implicações para a segurança
internacional e para a ONU

2 2013 Por uma política criminal universal: Rui Carlo Dissenha Tese
um crítica aos Tribunais Penais
internacionais

3 2014 O Eurasianismo: sua influência na Hermes Leôneo Dissertação


política externa russa pós-soviética e Menna Barreto
reflexos na Política de Defesa do Laranja Gonçalves
Brasil

4 2015 As Relações da Rússia com a Ucrânia Renata Corrêa Dissertação


e a Moldávia: Uma perspectiva Ribeiro
comparada da política externa russa
para a Criméia e a Transnístria

5 2017 A Federação Russa e a crise Denis Matoszko Dissertação


ucraniana de 2013-2014: entre o jogo Fortes
das potências e as disputas históricas
no “exterior próximo”

6 2017 O Tribunal Penal Internacional no Michel Wencland Tese


Contexto da Mundialização do Direito Reiss

7 2018 Uma análise histórica e geopolítica da Ítalo Barreto Poty Dissertação


Ucrânia no pós-Guerra Fria sob o
prisma da longa duração

8 2018 A aplicação dos Direitos Humanos Camila Dabrowski de Tese


internacionalmente reconhecidos pelo Araújo Mendonça
TPI no caso Lubanga

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9 2018 Todas as Rússias: o ideário motivador Laryssa Cristinne Dissertação
das invasões militares da Ucrânia e Ferreira de Almeida
da Geórgia

10 2019 Sobre a história da política externa da Alexander Zhebit Artigo


Rússia: o “paradigma” de Primakov

PROBLEMA DE PESQUISA E METODOLOGIA


Os trabalhos escolhidos para compor esta revisão bibliográfica trazem como
problema de pesquisa a soberania, ainda que, visualizada de longe do prisma da
guerra, mas sempre no contexto das relações entre os diversos atores
internacionais. Os conflitos hoje correntes entre Rússia e Ucrânia encontram origem
no fim da Guerra Fria, com a desintegração das Repúblicas que formavam a União
Soviética e são a síntese das tensões no Oriente Médio ao longo das últimas
décadas, por exemplo, uma vez que também serviram de palco para disputa entre
Ocidente e a nova Rússia de Putin. Isto é, ao pensar em soberania no contexto
internacional sempre será possível ver a Rússia e os Estados Unidos como
personagens, ainda que transversalmente. A Coreia do Norte é outro exemplo
histórico.
A expansão da OTAN para o Leste Europeu foi intencionada e iniciada já
nesta época. Então, Bertazzo (2010) ao problematizar a segurança internacional e a
ONU na perspectiva da atuação da OTAN, vai tratar do caso russo - sendo obrigado
a tal - e Zhebit (2019), ao concentrar o problema da sua pesquisa na política externa
do premiê Primakov, que sucedeu Putin, discutirá os mesmos eventos, mas a partir
da realidade doméstica da Rússia. Zhebit (2019), nesse contexto, por meio do
método da análise textual, vai refletir, entre outras coisas, quanto ao bombardeio da
OTAN de 75 dias que vitimou 190 mil pessoas e destruiu o território iugoslavo
pressionando pela separação da província de Kosovo, introduzindo que desde então
a organização passou a ser vista “como ameaça às soberanias” (Iraque e
Afeganistão também são citados); após o evento, a Rússia se posicionou contra o
ataque e as tensões até então apaziguadas se reiniciaram.
Centralmente, Dissenha (2013) trabalhará na tentativa de construir uma
crítica aos tribunais penais internacionais e definirá a realização deste tipo de

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operação internacional como uma relativização “nunca vista da soberania”, tendo em
vista a adequação necessária aos sistemas penais nacionais que submetam-se à
jurisdição do tribunal permanente por meio de tratado. Kosovo é apontado por
Dissenha como um precedente à possibilidade de se tomar medidas tidas como
necessárias - argumento da OTAN - ainda que formalmente ilegais, no âmbito
internacional, já que a Resolução do Conselho de Segurança para repudiar a ação
foi “largamente rejeitada". A problemática, neste caso, é o risco de os tribunais
penais repetirem esse comportamento e seus impactos ao Direito Penal
Internacional. O brasileiro Miguel Reale e o diplomata e advogado Martti
Koskenniemi são alguns dos autores renomados utilizados para reflexão da
soberania e sua conceituação atual.
Mendonça (2018) apresenta o estudo mais distante das tensões no
hemisfério norte, pois concentra sua análise no inédito caso de Lubanga - o primeiro,
respectivamente, a ser processado e condenado por um TPI. A importância está no
detalhamento de toda jurisdição dessa espécie de tribunal e as particularidades
necessárias à não violação das soberanias por meio de um enfoque analítico em
documentos do próprio TPI, além da coerência das decisões. Reiss (2017) continua
o raciocínio acerca dos tribunais discutindo o que ele chama de mundialização do
Direito para superação do Estado de Exceção Permanente, optando
metodologicamente pela pesquisa documental de tratados internacionais,
especialmente o Estatuto de Roma. Caso Kosovo é novamente perpassado.
A história continua e Almeida (2018) vai atravessar as ações do Kremlin
contra a Geórgia, em 2008, e a Criméia - findando em sua anexação, em 2014. O
problema da pesquisa aqui é a questão da identidade e estatismo como ideário
motivador das invasões, além de analisar 166 declarações oficiais para comparar as
políticas externas dos governos Medvedev e Putin. Ribeiro (2015) segue o mesmo
sentido, mas problematizando a diferença no tratamento dado à Moldávia em
relação à Transnístria e à Ucrânia no caso da Criméia; a pesquisa utilizou a Teoria
dos Complexos Regionais de Segurança, da Escola de Copenhague, para
interpretar a conjuntura das trocas de ameaças às soberanias e novamente aparece
a questão da identidade como fator determinante, embora não gerador principal, da
escalada de choques.

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Gonçalves (2014) se debruça sobre a influência do eurasianismo na política
externa russa, sua evolução até contemporaneidade e no modo como utiliza-se do
pensamento para justificar, de dentro pra fora, suas ações militares contra
soberanias. Para os russos que seguem essa corrente, a soberania é estabelecida a
partir de uma posição necessária de influência, sem dependências, muito parecido
com o conceito ‘Derzhavnost’ apresentado por Almeida (2018). Pensamentos do
influente cientista político Alexander Dugin são investigados.
Poty (2018) retoma o debate acerca da crise envolvendo a Ucrânia como um
evento que precisa ser observado a partir do “prisma da longa-duração”, focando na
análise dos movimentos geopolíticos após inserção do país no novo sistema
internacional. A hipótese levantada é de que a OTAN cumpriu o papel geopolítico de
estimular ressentimentos do século passado ao pretender-se expandir e que a
invasões russas são claras reações, coincidindo com as propostas também
apresentadas por Ribeiro (2015), Almeida (2018) e Bertazzo (2010). Entre as leituras
que se destacam estão obras do cientista político e historiador brasileiro Luiz Alberto
Moniz Ribeiro e do historiador ucraniano Serhii Plokhy. Também são estudados
documentos, como o National Security Strategy (EUA), e o documentário de Oliver
Stone, The Putin Interviews - entrevistando o presidente russo.
Por fim, Fortes (2017), também trazendo como problema da pesquisa a crise
que culminou com a anexação da Criméia, dará um enfoque maior aos ocorridos do
Euromaidan - pontuando que a interferência americana ao financiar oposicionistas,
mesmo de extrema-direita, foi a primeira afronta à soberania ucraniana, como
também argumentam Almeida (2018) e Poty (2018). Serão trazidos à baila
bibliográfica, professores a exemplo do argentino Héctor Luis Saint Pierre, PhD e
docente titular da Universidade Estadual Paulista (UNIP), e John J. Mearsheimer, da
Universidade de Chicago.

OBJETIVOS PRINCIPAIS E RESULTADOS


Para uma melhor organização também dos objetivos principais e resultados,
torna-se mais uma vez útil a separação em blocos convergentes. Reiss (2017),
Dissenha (2013) e Mendonça (2018) terão como centralidade a análise de
antecedentes históricos do Tribunal Penal Internacional, como as composições de

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Tóquio e Nuremberg, além da Lubanga. Todos com enfoque na definição da defesa
dos Direitos Humanos apresentada pelo Estatuto de Roma - visto como uma fusão
da Common Law com a Civil Law, em busca da universalização - e documentos
ainda mais antigos, como os Tratados de Paz da Westfália, e se estes conflitam em
alguma medida com a soberania dos agentes envolvidos. Ambos os estudos
apontam no sentido de definir o TPI como uma instância voltada exclusivamente, por
meio do princípio da complementaridade, à aplicação da ultima ratio de um processo
mal-sucedido na origem, com base em direitos universais.
Como resultado, Reiss vai trazer que o Direito Internacional Penal (DIP) deve
ter a pretensão de restaurar a relação entre Direito Penal e Soberania. Ao mesmo
tempo, percebe que a Globalização também possui aspectos jurídicos e que estes
não podem ser inviabilizados pela soberania. Coloca-se então o indivíduo como
“beneficiário do direito internacional”. Nessa mesma linha, Dissenha vai concluir pela
existência de uma cidadania cosmopolita, que romperia com os totalitarismos,
mesmo os apenas pretendidos. A justiça internacional funcionaria mais
precisamente como um força pressionando sistemas locais a agirem efetivamente
contra crimes aos direitos humanos; para ele, tais direitos devem servir de limitantes
à soberania, no tocante à garantia de que excessos não podem ser resguardos por
esta. Encaixando-se a este raciocínio, Miguel Reale vai aparecer redefinindo a
soberania como um poder necessariamente “para o bem comum”, ao passo em que
Koskenniemi a definirá como “espaço de liberdade privada que o direito internacional
deixou ao Estado”.
Mendonça concluirá que o modus operandi do TPI, ao menos no caso
Lubanga, é o procedimento, que suas decisões se baseiam na jurisprudência
internacional, mas fazendo crítica semelhante à Dissenha acerca das influências
externas - muito mais da dita comunidade internacional - nas decisões, abrindo
margem a uma ‘justiça dos vencedores’. A legitimidade dessa espécie de tribunal,
avaliada nos pressupostos do Estatuto de Roma, e que foram testados à exaustão
no julgamento de Lubanga, quanto à interferência na soberania de uma nação,
mostrou-se provada. Para tal, antecipadamente faz-se a análise da jurisdição - se os
crimes denunciados compõem o rol do artigo 5º, se foram cometidos após 2002
(competência temporal) e se trata-se do território ou indivíduo de um Estado-parte -

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e, somente depois, parte para admissibilidade - inatividade ou incapacidade do
Estado e a análise da gravidade -, ensejando o julgamento de mérito.
Poty (2018), Fortes (2017) e Bertazzo (2010) pretendem uma comparação de
base histórica de todos os fatos engendradores da crise permanente do pós-Guerra
Fria, colocando a Ucrânia como pano de fundo, ao passo em que compreendem
unanimemente os mesmos atores de sempre e seus respectivos interesses
geopolíticos: Ocidente - mais precisamente Estados Unidos e OTAN - e Rússia. O
primeiro analisa o quadro a partir da visão ucraniana, o segundo parte da
perspectiva russa, e o último verifica o contexto internacionalmente e como o
desenrolar dos fatos afetaram a Organização das Nações Unidas (ONU) na última
década do século XX e no período seguinte.
Poty vai concluir que o sistema internacional assumiu uma lógica competitiva
após a Guerra Fria ao passo em que se verificou uma “ausência de soberania” por
parte da Ucrânia desde os tempos imperiais, passando pela União Soviética - ainda
que esta tenha reconhecido a autonomia ucraniana - e chegando às ingerências das
grandes potências do século XXI. Ainda segundo ele, a Rússia retornou à apoteose
global após 2007, marcando território por meio de interesses geoeconômicos postos
- desde a recriação de blocos regionais que devolvessem ao Kremlin o status de
influente na Eurásia até iniciativas como o BRICS. O retorno da Rússia ao “grande
jogo” teria intensificado o ambiente competitivo pela adesão ucraniana, escalando as
tensões até a crise de 2013-2014.
Fortes vai concluir algo parecido: intersecção das considerações geopolíticas
definiram o tom dos conflitos. Diz ainda que a Ucrânia é o exemplo dos processos
duais para formação de uma nação, conforme pensamento hobbsbawmiano. Apesar
das considerações amplas, faz apontamentos específicos: ao citar Saint-Pierre, vai
concluir que as reflexões acerca das ameaças são primordiais para as decisões dos
sistemas de Defesa; complementando Mearsheimer quando diz que os EUA “são
sensíveis” a ameaças em suas fronteiras e que isso explicaria a reação russa, uma
vez que o inverso também seria possível. Assim, o Estado pode ser compreendido
como possuindo um sistema nervoso, que pode reagir soberanamente, ainda que de
maneira injustificável, a ameaças, antes mesmo de um ataque de fato a suas
fronteiras.

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Bertazzo não abandona a linha, mas faz as críticas mais incisivas à OTAN e
ao Conselho de Segurança (CS) da ONU. Levanta dados que demonstram uma
ascensão de operações realizadas pela organização militar na virada do século
cresceram de maneira indiretamente proporcional àquelas perpetradas pela própria
ONU, que caíram pela metade e chegaram a zero nos anos que sucederam o fim da
Guerra Fria. As ações seriam respaldadas pelo CS da ONU - que precisaria ser
reformado, considerando que 3 dos 5 membros permanentes são também
signatários da OTAN.
Por outro lado, Zhebit (2019), Gonçalves (2014), Almeida (2018) e Ribeiro
(2015) vão versar sobre a política externa, o ideário motivador, os discursos e
posições políticas com finalidades bélicas no contexto discutido. Zhebit, que teve
como centro a figura de Primakov, trouxe que ainda no final da década de 90 o
chanceler já alertava sobre o “fim da breve pax”, por conta das pretensas investidas
da OTAN e que nenhum líder russo do futuro aceitaria ver-se ameaçado pela
organização. Num relatório profundo, de 1993, Primakov classificou como
“contraproducente” os objetivos militares do Ocidente e elencou falas de
presidentes-membros da OTAN que negavam expansão ao Leste. Mesmo após
assinar a chamada Ata Fundamental, em 1997, os Estados Unidos continuaram
robustecendo arsenal bélico na Europa, contrariando o equilíbrio de poder que, na
conclusão de Zhebit, impede o caos global.
Para Gonçalves, a soberania na visão russa vincula-se à força que o Estado
demonstra seja na imposição de seus interesses geoeconômicos ou militares. Fatos
que demonstrariam essa percepção são a criação do BRICS, a estatização de
alguns serviços e a profunda reforma militar de 2008. Tais medidas seriam reflexo do
novo eurasianismo, que ressurgindo sob nova roupagem, remete aos russos a
autoimagem de potência natural, legitimando posições duras na política externa.
Por outro lado, Almeida conseguiu apurar que há recorrência do uso de ideais
na forma de argumentos pró-invasões russas. Antes da posse de Putin para o
primeiro mandato, o documento-símbolo de suas pretensões em política externa
traziam ideais das escolas ocidentalista, eslavofilia e eurasianista. A primeira ideia
pode ser notada em argumentos que lançam sobre o Ocidente a acusação de ferir a
soberania ucraniana a partir das interferências perpetradas; a segunda, de cunho

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civilizacionista, é ligada ao passado imperial, mas reconhece a restauração deste
muito caro, flexibilizando as sugestões no conhecido ‘exterior-próximo’ - um exemplo
é o discurso do ministro Lavrov sobre a invasão à Geórgia, que visava defender os
russos em outros países em nome de uma união quase que espiritual;a terceira e
última é estatista e entende a preservação da soberania como essencialmente
ligada à questão da identidade russa, que crê-se mantenedora natural do equilíbrio
geopolítico global, como ocorreu mais pretensamente no período socialista soviético.
A última a analisar a política externa na relação Ucrânia-Rússia é Ribeiro. Ao
comparar Criméia com a Transnístria, ela vai chegar à conclusão de que os conflitos
não se assemelham e que os interesses de Putin são distintos nos dois casos.
Elemento identitário, presente em regiões ucranianas, mostra-se fundamental à
política externa russa - que pauta suas decisões militares. Desse modo, Moldávia
não valeria o custo estratégico, enquanto que a Criméia sim. Ou seja, mesmo em se
tratando de soberania, sopesam-se os custos. Ribeiro vai concordar também com a
tese de que os ânimos foram acirrados pelo expansionismo na OTAN e que as
pressões americanas também atentaram contra a soberania da Ucrânia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com vislumbre do fim da crise pandêmica, observou-se o arrefecimento dos
nervos geopolíticos. Interesses aparentemente postos de lado em virtude de uma
crise maior voltaram a entrar em rota de colisão do final de 2021 até o presente
momento. A soberania sempre será um ponto de inflexão quando o assunto forem
relações internacionais tensionadas.
Os trabalhos elencados foram suficientes para analisar o histórico por detrás
da guerra iniciada este ano. A unanimidade é que os conflitos se escalaram por um
tempo prolongado, sobretudo se comparado a proximidade entre uma invasão ou
durante todo o século passado. Ameaças constantes à soberania russa por parte da
OTAN e o desestímulo a acordos comerciais que dessem ao país a chance de
retomar seu protagonismo internacional - visto internamente como essencial a sua
própria soberania -, aliado a interferências na realidade ucraniana para pressionar o
país em desfavor da Rússia, alimentaram correntes ideológicas afeitas ao uso de

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armas de fogo para resolver conflitos e que se aproveitam se discursos para
neutralizar seus erros contra a ordem internacional.
Pontuando ainda os estudos que versaram sobre os tribunais penais, que,
diga-se de passagem, não possuem legitimidade nem sobre a Rússia, nem sobre a
Ucrânia, nota-se que a soberania - para o direito penal internacional - é tida como
limitável e relativizável, em ambos os casos, desde que a finalidade seja a garantia
dos direitos humanos dos indivíduos e seguindo os procedimentos corretos.
Princípio da ponderação dos meios não foi verificado nem na atuação do Ocidente,
nem mesmo da Rússia ou dos órgãos internacionais - ao menos até a data dos
trabalhos produzidos.

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BIBLIOGRAFIA ANALISADA

ZHEBIT, Alexander. Sobre a história da política externa da Rússia: o “paradigma” de


Primakov. SCIELO, 2019. Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/topoi/a/xjRymBBHLbmKdfVbjB7sSjg/?lang=pt>.

BERTAZZO, Juliana. Atuação da OTAN no pós-Guerra Fria: implicações para a


segurança internacional e para a ONU. SCIELO, 2010. Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/cint/a/LTqqMy7wXKhdVdcdHCJt7CS/?lang=pt>.

DISSENHA, Rui C.. Por uma política criminal universal: uma crítica aos Tribunais
Penais Internacionais. 2013. Tese - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.

GONÇALVES, Hermes. O Eurasianismo: sua influência na política externa russa


pós-soviética e reflexos na Política de Defesa do Brasil. 2014. Dissertação - Escola de
Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2014.

RIBEIRO, Renata C.. As Relações da Rússia com a Ucrânia e a Moldávia: Uma


perspectiva comparada da política externa russa para a Criméia e a Transnístria. 2015.
Dissertação - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.

POTY, Ítalo B.. Uma análise histórica e geopolítica da Ucrânia no pós-Guerra Fria sob o
prisma da longa duração. 2018. Dissertação - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2018.

MENDONÇA, Camila D.. A aplicação dos Direitos Humanos internacionalmente


reconhecidos pelo Tribunal Penal Internacional no caso Lubanga. 2018. Tese -
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2018.

ALMEIDA, Laryssa C.. Todas as Rússias: o ideário motivador das invasões militares da
Ucrânia e da Geórgia. 2018. Dissertação - Universidade de Brasília, Brasília, 2018.

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REISS, Michel W.. O Tribunal Penal Internacional no Contexto da Mundialização do
Direito. 2017. Tese - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2017.

FORTES, Denis M.. A Federação Russa e a crise ucraniana de 2013-2014: entre o jogo
das potências e as disputas históricas no “exterior próximo”. 2017. Dissertação -
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2017.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

QIBLAWI, Tamara. Por que Donbas está no centro da crise na Ucrânia. CNN Brasil,
2022. Disponível em:
<https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/por-que-donbas-esta-no-centro-da-crise-na-ucra
nia/>.

Irã ataca duas bases que abrigam tropas dos EUA no Iraque. G1 Mundo, 2020.
Disponível em: <https://g1.globo.com/google/amp/mundo/noticia/2020/01/07/base-iraquiana
-e-atingida.ghtml>.

Otan: entenda o que é e sua relação com a guerra na Ucrânia. R7 Internacional, 2022.
Disponível em: <https://noticias.r7.com/internacional/otan-entenda-o-que-e-e-sua-relacao
-com-a-guerra-na-ucrania-28062022?amp>.

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Resultado final aponta 96,8% dos crimeios a favor da união à Rússia. G1 Mundo, 2014.
Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/03/resultado-final-aponta-97-dos
-crimeios-favor-da-uniao-russia.html>.

Entenda o que é o Batalhão de Azov, grupo de extrema-direita que luta na Ucrânia.


CNN Espanhol, 2022. Disponível em:
<https://www.cnnbrasil.com.br/branded-content/internacional/entenda-o-que-e-o-batalhao-de-
azov-grupo-de-extrema-direita-que-luta-na-ucrania/>.

Quem é o regimento de extrema-direita Azov da Ucrânia?. Jornal GGN, 2022. Disponível


em: <https://jornalggn.com.br/entenda/perfil-quem-e-o-regimento-de-extrema-direita-azov-
da-ucrania/>.

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