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Ao começar
Proponho-me observar como é que os jovens acreditam.
A questão pode parecer ser mais própria da pastoral juvenil do que da pastoral vocacional.
Mas a verdade é que no trabalho das vocações (e mesmo da formação inicial) as questões da
fé são fundamentais
Parto dos dados recolhidos na minha tese de doutoramento onde estudei a experiência de fé
dos adolescentes/jovens (entre os 16 e os 21 anos) que tinham frequentado os 10 anos de
catequese.
Mais do que partir de uma teoria pastoral ou sociológica (como a secularização) quis perceber
como é que os jovens de facto acreditam
Uso a teoria da representação social. Esta teoria permite perceber como é que os não
especialistas se apropriam de conhecimentos novos. Vê o sujeito como activo na construção
dos conhecimentos e representações ao mesmo tempo que reconhece o papel das interacções
e dos grupos na construção das representações que, por isso, são sempre sociais.
Sobre Deus
Encontrei quatro representações de Deus
“Crença e dúvida” apresenta a tensão entre fé e dúvida, quer como fides qua quer como fides
quae. A dúvida não é só uma dificuldade cognitiva; está sempre ligada à acção. E esta dupla
dimensão da dúvida está muito presente nesta representação. Não temos uma teologia sólida
para lidar com a dúvida. Sabemos como deve ser a fé. Mas para aqueles que estão numa fase
de vida marcada pela transição, pelo provisório, o simples enunciar de um “dever ser” não
ajuda muito. Um limite desta representação é a falta de referencias ao papel normativo de
Jesus de Nazaré.
Uma segunda representação é “Confiança & Qualidade relacional”. Está em linha com a
tradição bíblica que sublinha o papel da confiança em Deus e da fé como salvação. Estes jovens
confiam em Deus, gostam dessa experiência porque ela tem um impacto positivo na sua vida.
A qualidade relacional é a categoria que estes jovens usam para tematizar a salvação orieunda
de Deus. Pode ser uma categoria demasiado redutiva. Mas se aceitarmos uma postura
pedagógica, o uso da qualidade relacional pode ser visto como um passo na direcção correcta.
Esta representação está fortemente ancorada na ideologia da psicologia positiva. É uma
ancoragem ambígua. Há riscos de individualismo e pelagianismo.
A representação “Relações & Ritual” partilha com a anterior (“Confiança & Qualidade
relacional”) a atenção à qualidade de relação mas enriquece-a com as práticas rituais. Esta
ligação entre fé e ritual é comum na nossa sociedade. Mesmo fora da Igreja, De algum modo,
recupera o adágio lex orandi, lex credendi, a ligação circular entre a fé acreditada e a fé
rezada-celebrada. Ao mesmo tempo, esta celebração permite uma melhor articulação entre as
dimensões pessoal e comunitárias da fé, entre o credo e o credimus.
A quarta representação de Deus, “A alteridade de Deus”, partilha com a segunda “Confiança &
Qualidade relacional” o interesse por uma boa relação com Deus. Mas reconhece uma
assimetria fundamental entre Deus e o crente. Isto permite superar um certo narcisismo
espiritual. Nesta representação, mais do que em todas as outras, o papel normativo da
revelação bíblica é reconhecido.
Sabemos que só se pode falar adequadamente de Deus, a partir de Jesus. Da sua pessoa, das
suas palavras, da sua acção libertadora, da sua morte e ressurreição. Mas nestas quatro
representações as referências a Jesus são escassas. É possível que estas representações de
Deus tenham subjacente uma coloração cristológica. É possível. Mas não garantido.
Sobre Jesus
A fé em Jesus exprime-se em três diferentes representações sociais.
A primeira, “títulos cristológicos”, recupera uma longa tradição eclesial que descreve Jesus
com uma série de títulos. Os títulos escolhidos pelos jovens têm uma forte conotação teológica
e não permitem reduzir Jesus a um qualquer ídolo da cultura pop. Alguns deles não nascem da
tradição bíblica mas exprimem em categorias relacionais contemporâneas o estilo da acção de
Jesus, tal como descritos nos evangelhos.
“Eu gosto de Jesus” é a segunda representação. Ela sublinha a relação pessoal do crente com
Jesus. É parecida com a representação de Deus “Confiança & Qualidade relacional”. Ambas
sublinham a forte relação pessoal entre o crente e a pessoa divina. A dimensão de conteúdo
parece ausente. Jesus não tem um rosto claro. A centralidade da acção parece estar do lado do
crente. Uma fé sem objecto (ou com um objecto de contornos muito difusos) pode tornar-se
facilmente uma mera experiência psicológica. Uma interpretação mais benigna, baseada na
ligação necessária entre fidez qua e fides quae, é possível. Mesmo na cultura subjectivista de
hoje, esta ligação está activa. Como se houvesse sempre um conjunto de dados latentes sobre
o Cristo em quem se acredita.
As respostas foram menos consistentes. Também os jovens estão afectados pelo tal deficit
pneumatológico de que fala os teólogos.
A primeira representação mostra o Espírito como “Paz & amor”. Ele está associado a uma série
de sentimentos positivos, muito ancorados na psicologia positiva. Mais uma vez, podemos
fazer duas interpretações diferentes. Podemos dizer que os jovens estão a instrumentalizar o
Espírito Santo e a reduzi-lo a um símbolo de bem-estar pessoal. Ou podemos ver aqui uma
abertura ao Espirito como fonte de amor e abertura. Não há uma consciência explícita do
Espírito como fonte de auto-transcendência; mas é possível que estes jovens estejam a intuir
que o Espírito é autor das atitudes típicas da vida nova no Espírito.
A segunda representação (“O Espírito e a trindade”) mostra o Espírito em relação com o Pai e
com o Filho. Mas não é que esta representação pegue a sério no tema da Trindade. Estes
jovens limitam-se a repetir fórmulas de recorte trinitário, com paralelismo formal entre as três
pessoas. Não há ligação entre o crente e a Trindade.
Outro problema é a debilidade da teologia da fé. Eles não são muito capazes de pensar sobre o
próprio processo da fé. Os temas clássicos da fé como dom e como tarefa não aparecem. Não
aparece o tema da progressão na fé.
Os jogadores em campo
Estudar a fé dos jovens não é só identificar os conteúdos e as experiências. É também
identificar as pessoas e os processos que levam a essas representações.
Quais as experiências que eles consideram relevantes para a sua experiência de fé?
Aparece uma rica e interessante combinação onde as habituais propostas da Igreja (catequese
EMRC, pastoral juvenil…) estão articuladas com uma forte rede social.
Também presentes estão as fontes da fé, a qualidade percebida da vida que a fé traz, os
momentos espiritualmente intensos…
Com poucas referências aparecem os media. Esta ausência dos media pode parecer estranha.
Então os media não são omnipotentes e omnipresentes ao moldarem as atitudes das pessoas?
Se Deus está condenado a ser invisível na esfera pública, como é que estes jovens conseguem
ainda assim, acreditar em Deus? E como é que eles “ignoram” os media? Estes jovens estão a
escolher outras formas de legimitizar a sua fé em Deus e as representações que d’Ele fazem.
Uma outra questão importante são os parceiros da fé. Quais as pessoas vistas como
importantes para a identidade de fé? Os dados são claros. Há uma densa rede de relações: a
família, os diferentes ministérios eclesiais (catequistas, padres, animadores…) são os mais
mencionados.
Um terceiro tópico são as consequências da fé. É um tema complicado. Uma boa parte não
responde ou não diz nada. Os restantes falam da conduta moral inspirada pela fé, do partilhar
a fé com outros, dos ritos religiosos (missa ao domingo, confissão muito irregular oração diária
pessoal…)
As trajectórias de fé
A ausência de consequências
Cristocentrismo trinitário
Sem esquecer o Espírito Santo
Fora do rebanho