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"PERGUNTE E RESPONDEREMQs: Ano XXXI -- N° 338 — Julho de 1999 -Pergunta Jesus: “Quem Dizeis Que eu Sou?” (Mt 16,15) Em sintese: O presente artigo analisa os Evangelhos, nos quais se vai revelando aos poucos a figura de Jesus Cristo: era a de um judeu, em mui. tos pontos identificado com a sua gente, mas portador de uma mensagem singular, que Ele corroborava com as seus sinais, com a sua firmeza de caréter, seus predicados morais e seu profundo espitito religioso. Os Apés- tolos, ao segui-lo, foram paulatinamente percebendo o mistério desse ho- mem, reconhecendo-o tinalmente como o Filho do Deus vivo (cf. Mt 16, 16) ou como o préprio Deus feito homem para elevar os homens ao con- s6rcio da vida divina, — Apés o desaparecimento de Jesus, proclamaram esta Boa-Nova, associando-a indissoluvelmente 4 noticia da ressurreicao de Jesus. Este anincio, por mais rebarbativo e incrivel que parecesse, foi atra- vessando os tempos e as perseguic6es. Tais fatos levam os homens retos a re- fletir e a pesquisar de mais perto 0 estranho fendmeno “Jesus Cristo e 0 EK A figura de Jesus, no tempo mesmo dos Apéstolos, suscitava interro- gacGes: alguns o aceitavam, outros nao (cf. Jo 9, 29-34: 10, 39-42; 11, 45: 54). Daf a pergunta do Senhor: “Quem, dizem os homens que eu sou?... Quem dizeis que eu sou?” (Mt 16, 13-15). Ora 6 oportuno, mesmo aos cristaos de hoje, recolocar tais perguntas, abstraindo de sua 6; procurem ponderar ‘ prés e os contras referentes a Jesus. Disto s6 poderao resultar beneffcios ra a profissdo crista dos que jé créem, e luzes para os que nao créem. — E | que vamos fazer, considerando Jesus como mero homem, que viveu 0! e deixou marcas na hist6ria. Que tem a sua vida de significativo e ¢é tico? A resposta seré valiosa. 290 Sim ou Nao a As Teorias de Sigmund Freud? . Em sintese: Sigmund Freud 6 arauto de uma teoria materialista, que reduz todas as expressées da pessoa humana a libido ov ao impulso sex ual, A propria religiéo e a Moral sio explicadas em funcéo do eros ou da sexua. lidade, Tal concepeao & preconcebida e errbnea, pois na verdade o ser hu- mano é vivificado por uma alma espiritual, que tem express6es transcenden- tais dirigidas para a verdade, a justica, a bondade, o amor altru/sta... Além | do qué, verificase que 0 impulso mais fundamental do ser humano é 0 da autoconservacdo e a sua necessidade mais imperiosa é a de conhecer o senti- do da vide. Estas duas caracteristicas da pessoa so mais profundas e tipi- cas do que 0 impulso sexual. Sigmund Freud (+ 1939), médico de Viena (Austria), é o pai da Psica- nélise. Teve o grande mérito de mostrar que muitas atitudes da pessoa tém Sua causa Gltima em traumas, complexos ou impressdes colhidas na infancia; daf propor Freud a anélise da psyché e do psiquismo para se detectarem essas causas. Todavia a técnica anal/tica de Freud 6 acompanhada por uma filosofia materialista, que nega os valores transcendentais e se tornou, em grande parte, responsével pela onda de erotismo e pela superexcitagdo sexual da sociedade contempordnea e dos seus impressos, espetdculos, escolas... E precisamente isto que tentaremos evidenciar propondo, a seguir, as grandes linhas do pensamento de Freud, que penetrou na educacdo, na medicina, na | arte, na Moral, etc. 1. Como Freud concebe o homem? 1.1. O inconsciente (Es), 0 Consciente (Ego) e o Censor (Superego) Segundo Freud, existem no ser humano dois instintos Fundamentais: 0 da morte (Thénatos) ou autodestrui¢do e 0 sexual (Eros). O primeiro 6 ne- gativo; por isto nao pode ser fundamento da construgao de uma personalida 310 ~ Vin. AS TEORIAS DE SIGMUND FREUD te de. 0 segundo, também chamado libido, vem a ser a raiz de todas as expres- ses da pessoa. Sao palavras de Freud: “(Definimos) a sexualidade como uma fungao somética mais vasta que tende, antes do mais, ao prazer e $6 secundariamente est a servico da repro- duzéo... Incluimos entre os impulsos sexuais todos os impulsos meramente afetivos OU amigos, mediante os quais realizamos o que se chama amor na linguagem corrente” (Mia Vita ¢ Opera. Roma 1948, p. 70). Sendo assim, Para Freud, todas as manifestagdes da pessoa, por diver- sas que parecam, vém a ser expressGes do impulso sexual. Donde o nome de pan-sexualismo dado ao sistema. Quando alguém contempla a veeméncia de uma tempestade ou a imensidade do mar, pode julgar que isso nada tem a ver com 0 Instinto sexual; todavia engana-se, diria Freud; na verdade, trata- se de instintos sexuais travestidos, camuflados ou “sublimados’”. Quem gosta do estudo, do esporte, da politica ou da arte, poderia também pensar estar versando em reas diversas da sexual; Freud diria que ainda esta sendo movi- do pelo Unico instinto basico sexual “travestido”. Os Santos que se retiraram ID deserto em oracao e peniténcia, renunciando aos sentidos para levar mais intensa vida espiritual, nao se iludam, exclamaria Freud; 0 seu amor a Deus nao é sendo atracdo sexual camuflada. Esta teoria freudiana tem por fundamento a seguinte concep¢do antro- polégica: A psiqué (alma) humana é semelhante a dois compartimentos con- tiguos: um amplo e luminoso, chamado consciéncia ou Ego (eu), o outro subterraneo e escuro, denominado o inconsciente (Es ou Id). Estes dois compartimentos se comunicam entre si mediante uma porta, guardada por um severo vigia, chamado Censura (Superego). O compartimento inferior € escuro e habitado por um exército de im- pulsos ambiguos e lascivos, que néo querem ficar presos, mas desejam ver a luz. Tentam passar pela porta guardada pelo censor. Este, porém, desde que vé a face “debochada’’ de um desses impulsos, o recalca para as trevas. De vez em quando, porém, um desses impulsos se disfarca e burla a vigilancia do censor: ciente de que os homens admiram a justia, reveste-se da toga de um juize, enganando o guarda (que imagina tratar-se de um venerdvel magis- trado), consegue atravessar a porta e manifestar-se: ea libido dissimulada em arauto da justica. Outro desses impulsos se reveste de artista, de cientista, de sacerdote, e assim fantasiado passa para o compartimento superior ou o consciente; este vai-se povoando de seres “nobres e elevados’, que na verdade nao sdo mais do que o impulso sexual. Mas como 6 que Freud sabe que, debaixo das aparéncias de persona- gens dignos e respeitaveis, se esconde o “‘demdnio” da libido ou do sexo? — 311 a »PERGUNTE E RESPONDEREMOS” 338/1999 porque, diz Freud, ele os desmascarou ouvindo as confidéncias de a copatas e sexomaniacos, confidéncias que ele exagerou, estendend dos os homens — doentes e sadios, adultos e criancas. Sim, até as Para Freud, estas néo sdo isentas de atrativos sexuais, mas praticam em «. coragio 0 incesto e 0 parricidio. Freud ilustra esta afirmacéo contandg ¢ mito de Edipo, que ele julga reproduzir-se em cada crianca sob forma yo complexo de Edipo. Suns psi. 88 ato. Criangag! 1.2. 0 complexo de Edipo Eis 0 mito paradigmético de Edipo: O rei Laio, de Tebas, teve um filho, Edipo, da rainha Jocasta. Um org. culo predisse que o filho um dia mataria seu pai. Entdo este deu ordem parg que 0 filho fosse abandonado na crista de uma montanha. Todavia o seryj. dor, encarregado de executar o preceito, teve pena do menino e confiou a. um amigo seu, da cidade de Corinto. Nesta 0 menino foi adotado pelo rei e a rainha. Todavia outro oréculo anunciou que o menino haveria de contrair incesto com sua mae e matar sey pai (parricfdio). Ciente disto, Edipo, que julgava serem os reis de Corinto os seus verdadeiros genitores, fugiu da cidade horrorizado. Aconteceu, porém, que na estrada de fuga se encontrou com um homem altivo e prepotente com o qual entrou em briga. Edipo acabou por maté-lo. Era 0 seu proprio pai! Chegando em Tebas, 0 jovem conseguiu libertar a cidade acabrunhada por uma esfinge maléfica. Em conseqiiéncia, foi proclamado rei, e tomou por consorte a mulher do rei Laio, que ele amava. S6 mais tarde veio a saber que o homem assassinado por ele na estrada era seu verdadeiro pai e quea rainha de Tebas era sua mae. Edipo, desesperado com estas noticias, cegou- se asi mesmo. Ora, diz Freud, o duplo crime de Edipo, por mais horroroso que sej & praticado por todas as criancas inconscientemente (como Edipo o praticou inconscientemente). Com efeito, afirma Freud: a crianca, jd antes de nascer, 6 libido ou procura de prazer sexual. Nos seus primeiros tempos apés nascer, procura satisfazer-se de todos os modos. Quando, porém, o menino comeca a reconhecer as pessoas, os seus interesses se voltam para a sua mae. Mas 0 amor sexual é ciumento e ndo admite rivais; ora a mae 6 também termo do amor do pai; por isto o menino passa a odiar o pai ¢ deseja maté-lo. Essa du: pla tragédia de Edipo é consumada nao de maneira fisica e vis(vel, mas NO coragdo de todo menino. Por conseguinte, os meninos nao sao inocentes, mas incestuosos e assassinos em seu coracdo. 312 —_ AS TEORIAS DE SIGMUND FREUD 2 Para as meninas, Freud propde o mesmo jogo de atrativos, dessa vez voltados para o incesto com o pai e 0 matricfdio, Para tanto, serve-se de um mito paralelo, dito de Electra 1.3. Origem das doengas psiquicas Para conter os (mpetos de assassinio e incesto latentes dentro da crian- ¢a, Freud admite 0 que ele chama o Superego ou a censura. Esta faz que a cobica sexual se dirija nao para o pai ou a mae do individuo, mas, sim, para pessoa de outro sexo existente fora do lar. Caso, porém, o sujeito ndo en- contre sua plena realizacdo sexual e carnal, torna-se psicopata ou neurético. Sao palavras do doutor vienense: _Considero as neuroses em geral como perturbacdes das fungdes se- xuais” (Mia Vita @ Opera, p, 2), Responsavel por essas perturbagdes 6 a educacdo e, de modo geral, a censura exercida pela sociedade sobre o individuo. A pessoa que conseguisse satisfazer a todos os seus impulsos sexuais, ignoraria as neuroses. Freud ilus- tra esta sua posicdo citando o caso de uma jovem de quatorze anos chamada Dora: certo dia é levada para um lugar solitario, onde a querem forcar a pra- ticar a copula; a jovem se solta das mios do homem sedutor e-foge horrori- zada. Comenta Freud: “Eis um caso tipico de comportamento totalmente histérico. Todo indiv/duo no qual um estimulo a excitacdo sexual provoca tao intensos e veementes sentimentos de repulsa, eu o tenho, sem hesitacao, na conta de histérico”. 1.4, Arte, Religiao e Moral As descobertas de Freud vo mais além; penetram nos setores da arte, da Religido e da Moral. a) No tocante aos poetas, escreve o mestre vienense: ‘‘As minhas pes- quisas me forneceram a prova absoluta de que nao existe diferenca entre o neuropata e o poeta” (Ludwig, La fine d'un mito. Sansoni, p, 59). A tragédia 6 a expressao da culpa do filho em relagdo ao pai, A comédia é a re- mogao da culpa do filho. Toda a arte g6tica é expresso sexual. Em suma, escreve Freud: “A estética mergulha as suas rafzes no erotismo contido ou inibido” (Lud- wig, obra citada, pp. 188s). b) No concernente a Religido ¢ & Moral, o pai da psicandlise assim con- cebe a sua origem: 313 “PERGUNTE E RESPONDEREMOS” 338/1999 26 Freud, movido pela doutrina de Darwin, admitia que, no deco, evolucdo dos animais, exist primitivamente uma horda de gorilas do da por um Macaco Velho. Este monopolizava todas as fémeas do gq,n"@ por isto, perseguia e expulsava os filhos, visando assim a manter o none e lio das mulheres. m6 Frer da Todavia em dada fase da evolugdo, os filhos se transtormara mens; reuniram-se entéo num ato de rebeliéo contra o Velh mataram este seu pai e 0 comeram num festim canibalesco, — g; que, desaparecido 0 Velho, instaurou-se a anarquia no grupo; cada quai ria comandar, assumnindo a melhor fatia; desta maneira 0 clé tevea sua ive sisténcia ameacada pela desordem interna, Antes da morte do Pai con todos eram dominados, mas o cla era forte; 0 pai era um tirano, ila, capaz! Ao considerarem tal situacdo, os jovens comecaram a se arrepende de ter assassinado o Velho e sentiram a necessidade de venerar a sua mon, ria; para tanto fizeram de um animal o simbolo e o substituto do Pai desapa. recido, mas divinizado. Este animal é chamado Totem. ~ Aj estaria a origem de toda religido; a sua primeira expressdo seria 0 totemismo, ou seja, a vene racdo de um animal (ou de uma planta) simboio de um ancestral, do qual os seus cultores descendem. Além disto, os homens do clé resolveram nao espo, sar as mulheres do seu grupo ou condenaram o casamento. endogamico, esti- pulando um tabu’ em torno deste. mem ho. © Gorita: 8, Porém, ™as tirano Totem e tabu seriam, portanto, as formas originrias e primitivas da Religido e da Moral, Referindo-se @ religio judaica e a crista, Freud completa o seu pensa- mento: afirma que o sentimento de culpa pelo assass{nio do primeiro Pai (Gorila) aflorou aos poucos na consciéncia do povo hebreu. Séo Paulo se fez herdeiro desse sentimento de culpa; tera formulado para os seus ouvintes e leitores a teoria do pecado original, mediante o qual a morte entrou no mun- do (cf, Rm 5, 12-17); esta seria a versio paulina do mito que concebia o pe- cado inicial como sendo 0 assass(nio do primeiro pai (Gorila). Conclui Freud que ‘‘a religido 6 uma neurose generalizada entre os ho- mens, semelhante a das criancas; tem origem no complexo de Edipo, ou seja, no relacionamento do indivfduo humano com seu pai" (cf. Totem e Tabu). " A palavra tabu vem do polingsio tabu = sagrado, invulnerdvel, através do inglés taboo. E a proibicdo, feita aos profanos nas sociedades primitivas, de se relacionarem com pessoas, objetos ou lugares determinados, sob pena de sofrerem castigo dos deuses por estarem violando algo de sagrado e intocdiel. 314 AS TEORIAS DE SIGMUND FREUD a | ft Eis, em grandes linhas, 0 pensamento de Sigmund Freud referente ao psiquismo humano e as suas expressdes, — Pergunta-se agora: 2. Que dizer? _ ___£m todo erro hé sempre um nécleo de verdade, afirmam os fildsofos. E também 0 que se dé na teoria de Freud. Por isto sejam indicados em pri- meiro lugar Os pontos positivos de tal sistema de Pensamento, 2.1, O poderoso inconsciente E preciso -reconhecer a existéncia do inconsciente. Ndo foi Freud quem o descobriu, pois jé antes de Freud fora reconhecido por pesquisado- res diversos. Freud explorou, sim, as suas riquezas. J4 em 1884, por exem- plo, observava Ribot, psicdlogo francés: “0 consciente representa apenas uma tenufssima parte do nosso psi- quismo, pois ele é sempre sustentado e, por assim dizer, movido pelo incons- ciente... o que chega até o estado consciente, é pouca coisa em comparacao com aquilo que fica sepultado, embora atuante, no inconsciente... A unida- de do Eu, do ponto de vista psicolégico, é a coeséo temporiria de alguns es- tados conscientes e claros que emergem de uma multidao de estados fisiologi- cos inconscientes... 0s quais trabalham simultaneamente e mais do que os estados conscientes” (Ribot, Le malattie della personalita, 1884). Aliés, Freud teve como um de seus mestres 0 Professor austr‘aco Josef Breuer (1842-1925), que foi o verdadeiro precursor da psicandlise. Breuer se viu, certa vez, diante de uma menina que, em pleno verdao e sentindo muita sede, nao conseguia beber coisa alguma: trazia 0 copo até os labios, mas logo a seguir 0 repelia, como se tivesse medo de dgua. Havia seis semanas que se achava em tais condi¢Ges quando foi submetida 4 hipnose; assim inconscien- te falou de sua ama, que Ihe era antipatica: contou, com sinais de viva repug- ndncia, que um dia entrou no quarto dessa senhora e viu ali o horrendo céo- zinho da ama a lamber um copo. Para nao parecer mal educada, calou-se... Apés contar isto a0 médico, a jovem manifestou grande irritagao e, logo de- pois, pediu 4gua para beber. Tomou grande quantidade de I/quido sem a mi- nima dificuldade, A seguir, despertou da hipnose, tendo ainda o copo encos- tado aos ldbios, — Desta maneira desapareceu a hidrofobia da jovem. Vé-se, pois, que’ um comportamento anormal (a recusa de beber, ape- sar de grande sede) era perfeitamente explicdvel por um trauma guardado no inconsciente e atuante sem que a jovem o soubesse. Bastou trazer 4 tona esse trauma motivador da desgreaga, para que a paciente se libertasse de sua car- ga emotiva e pudesse beber. 315 28 “PERGUNTE E RESPONDEREMOS” 338/1999 Por conseguinte, foi comprovado que muitas atitudes anorm, ficientes do ser humano tém suas rafzes no respectivo inconscient, no foi Freud quem descobriu isto, Pode também acontecer que, casos, 0s impulsos sexuais, como quaisquer outros impulsos, mal o, sejam causa de perturbacdes ps(quicas. Vista a importancia da ten xual, ¢ admiss(vel que ela seja, mais frequientmente do que outras, vel por distirbios ps/quicos. aS OU de. ©; todavia &M alguns Tientados dEncia se Fesponsg, E também verdade que uma educacao deficiente ea a tos desregrados na infancia podem fazer-se sentir por todo alguém. Auisicao de hab. © resto da vida de Estas verdades, formuladas por Freud em suas obras, sio acompanne, das de pontos vulnerdveis, que passamos a enunciar. s 2.2. Os itens negativos 2.2.1. 0 complexo de Edipo A hip6tese do complexo de Edipo, como algo de universal em todos os seres humanos, é arbitréria e fantasiosa. O amor da crianca poy sua mae é amor limpido e sereno que nada tem a ver com o atrativo sexual, Paralelamente o amor pelo pai é geralmente acompanhado de admiragdo ¢ confianga, de tal modo que ndo pode ser confundido com inveja, citime ¢ menos ainda, com um inconsciente desejo de matar o pai. : © constante E, pois, incorreto dizer que as criancas, desde os primeiros dias de sua existéncia, sd0 impelidas pelo instinto sexual ou pela libide. Admita-se que so movidas pelo prazer, sim, mas nada prova que sejam dirigidas pela ten. déncia ou pelo prazer sexual. As criancas manifestam Ansias de alimentar-se, de dormir, de brincar, de aprender novidades, de satisfazer a curiosidade,. 4nsias que seria arbitrdrio identificar com o apetite sexual. Nem mesmo nos adultos o impulso sexual tem o vigor e a Pujanca que Freud Ihe atribui. E instinto forte, sem duvida, porque naturalmente encar- regado da conservacao da espécie, mas ndo é 0 Unico nem o mais poderoso. Viktor Frankl, outro psicélogo judeu, contradizia a Freud, afirmando com razéo que a necessidade mais fundamental e Pujante que o homem experi- menta, é a de conhecer o sentido da vida ou os porqués do existir, do traba- thar, do sofrer, do pacientar e do morrer; quem tem resposta para estas questes, é capaz de aturar tudo, até mesmo as privagGes sexuais, como acontecia nos campos de concentracdo; mas quem ndo sabe qual o sentido de sua vida e de sua luta, capitula fragorosamente e deixa-se invadir pela morte. Ver PR 281/1985, pp. 329-340; 310/1988, pp. 132-138. 316 eS t—(‘i—sSE AS TEORIAS DE SIGMUND FREUD Z Mesmo permanecendo No ambito da vida sensitiva, observam-se no ser humano outros impulsos positivos além do sexual, mais fortes do que este; tal é, por exemplo, 0 instinto de conservacao do individuo, Isto foi compro: yado mediante a seguinte experiéncia: Profiramos diante de alguém Palavras diversas, avulsas ou desconexas entre si... Tem-se a impressdo de que a pessoa nao é afetada por tais sinais fingaisticos. Na verdade, Porém, essas palavras produzem reacées, ainda que débeis, no individuo que as capta. Isto tem sido averiguado através de repeti- dos testes realizados em grande numero de individuos; destes testes resulta que as palavras provocadoras do instinto de conservacdo tém mais influéncia no estado afetivo do que as que excitam os impulsos sexuais. Por conseguin te, as tendéncias que visam a conservacéo do individuo so mais fortes do que as que visam a conservacdo da espécie. Nem se poderia conceber que nao fosse assim, pois, segundo a natureza, é preciso primeiramente existir para depois atuar ou agir; ora a reproducdo é uma funcdo ou operacao do organismo. De resto, além da tendéncia 4 autoconservacdo, hé no ser humano tendéncias intelectivas ou espirituais: todo homem tem sede de verdade, de bondade, de amor, de justica...; sente 0 fascinio do ideal, o entusiasmo por coisas nobres e dignas. Isto nada tem que ver com o instinto sexual, ainda que sublimado. Com efeito; a tendéncia sexual é cega, predeliberada, ao pas- 50 que 0 amor a verdade, a justica, & bondade... 6 consciente ¢ intelectivo. — Verdade ¢ que muitas vezes 0 homem nao ama apenas com os sentimentos nem apenas com a inteligéncia e a vontade, mas, sim, com todo o seu ser; por isto o amor intelectivo, quando é forte, faz sentir os seus efeitos tam: bém no plano afetivo e sensitivo; e, vice-versa, a atracdo sexual, quando é or- denada e razodvel, inclui o amor intelectivo. Por conseguinte, 0 amor, no ser humano, é algo de complexo: sentimentos e aspiracdes espirituais se pe- netram mutuamente. Mas nao se pode dizer que os sentimentos se tornam anseios espirituais, como no caso da ‘“‘sublimagdo” freudiana. A sublimacdo assim entendida seria a destruicado da realidade espiritual do ser humano ou reduziria a espiritualidade a corporeidade ou a materialidade. 2.2.2. Moral e Religio O mito do Velho Gorila mediante o qual Freud quer explicar a origem ido, 6 produto de fantasia fecunda destitu/da de todo fundamento. Antes do mais, notemos que, segundo as pesquisas etnoldgicas mais fi- dedignas, nao se pode sustentar que a humanidade primitiva vivia como uma horda de gorilas ou de animais selvagens; nem nos vest/gios da pré-historia nem nas populagses primitivas ainda hoje existentes, hd provas disto. 317 30 “PERGUNTE E RESPONDEREMOS” 338/1999 $$ ——arX———r—rerevv Além do mais, sabe-se com certeza que 0 totemismo néo é a forma ginéria do Religido. A escola Anthropos de Viena averigiiou, em viagon. meticulosa exploracdo, que 0s povos primitivos eram monotelstas.! Orc mismo apareceu mais tarde, assim como of tabusreligiosos. Com efei™ medida que 0 homem foi desenvolvendo a sua civilizacéo, sentiu mais 4," dependéncia em relacio ao sol, 8 chuva, & terra, 20 foo... este sentime sc” de dependéncia suscitou 0 culto a tais elementos e a ruptura do monoterem inicial em favor do politefsmo; assim a religiGo, pura e simples como era, re se diversificando nao s6 no polite(smo e na idolatria, mas também na magia, no fetichismo, no totemismo, etc. a, Estas conclusdes das pesquisas de etnologia e historia das religige solapam o fundamento da tese de Freud sobre a origem da religifo ¢ as Moral. Tal teoria nao 6 sendo uma construcdo altamente fantasistae Subjetiva, 2.2.3. A psiqué humana A antropologia de Freud quase nao deixa espaco para as tendénciag mais elevadas e nobres do psiquismo humano. As expresses da pessoa, para (© mestre vienense, sd0 manifestagdes de cobica sensual, inversdo e perversio — 0 que desfigura injusta e erroneamente a personalidade humana.? Nao hg davida de que na alma humana se encontram tendéncias desregradas e bai- xas, mas também € certo que, independentemente de qualquer censura, emergem do fundo do psiquismo humano expressdes de bondade e amor al. trufsta. Quem nao experimenta dentro de si a admiracao por atitudes mag- nanimas e 0 desejo de cultiva-las? * A propésito ver Willhelm Schmidt, Der Ursprung der Gottesidee, 6 vols, Paul Schebesta, Das Problem des Urmonotheismus. Kritik einer Kritik. An- thropos B. 49, 1954; Idem, Ursprung der Religion, Morus Verlag, Berlin 49, 1954-1961. lids, Freud se gloriava de haver despojado 0 homem de suas mais rec6ndi- tas ilusdes. Com efeito; Galileu Ihe teria tirado a presuncao de habitar 0 cen- tro do universo (propés o heliocentrismo em lugar do geocentrismo), Dar- win teria dissipado a idéia de que o homem é mais do que um macaco aper- feicoado; Freud teré mostrado ao homem que ele ndo 6 sendo instintos co- bicosos, egoistas e pervertidos. Apesar do que haja de verdade, nas trés teorias apontadas, nenhuma desfez 0 cerne da grandeza do homem, que é a sua alma espiritual, dotada de inteligéncia e vontade, é por sua espiritualidade que 0 homem vem a ser ima gem e semethanca de Deus. 318 AS TEORIAS DE SIGMUND FREUD 2 A pessoa humana pode, contradizendo os impulsos sexuais, levar uma vida casta em celibato ou virgindade, numa profunda expressdo de amor a Deus; quem opta pela vida Celibataria, nao deixa de amar, mas ama — @ muito — 0 Sumo Bem e, através deste, todas as criaturas com amor puro e altru(sta. A vida una ou indivisa nao transtorna o psiquismo humano, mas, ao contrario, harmoniza-o, permitindo-the viver segundo a auténtica escala de valores; acima de tudo, o Primeiro Amor, para o qual convergem todos os demais impulsos da pessoa, _A tentativa de reduzir o amor a Deus e a rendncia a vida sexual a0 pré- prio instinto sexual camuflado ou Sublimado, vem a ser grave sofisma, que ignora desastrosamente a realidade mais profunda do ser humano. Infeliz- mente Freud nao reconheceu a existéncia de uma alma espiritual transcen- dente em relacao a matéria; dai a imagem falsa que do ser humano ele apre- senta. Esta falsa concepeao decorre do fato de que o médico vienense esten- deu a todos os homens o que ele pode observar em indiv(duos psiquicamen- te tarados. A alma (psiqué) humana espiritual preenche as funcGes da vida vegeta- tiva, da vida sensitiva e da vida intelectiva. Na medida em que é sensitiva, a alma humana € rica de tendéncias, emogdes e paixdes, entre as quais a ten- déncia sexual, que se afirma especialmente na puberdade e na juventude, En- quanto intelectiva, a alma humana também tem suas tendéncias e seus dese- jos, mas de outra ordem: dirigem-se a verdade, 4 bondade, a justica, ao amor, 4 beleza..., tais como a inteligéncia humana é capaz de as compreender, O amor autenticamente humano, antes de unir dois corpos entre si, une duas pessoas; ele nasce da fusdo dos sentimentos sensitivos e intelectivos do ser humano. O homem tem em comum com os animais irracionais a vida sensitiva Mas ele se eleva acima destes pela sua realidade espiritual, que é intelectiva e que © torna imagem e semelhanga de Deus. (continua na p. 302) " A sabedoria cristé distingue no ser humano dois componentes: 0 corpo material, que é vivificado por uma alma espiritual. Esta exerce todas as fun- g6es vitais (vegetativas, sensitivas e intelectives) da pessoa. A alma humana, sendo espiritual, nao é produzida pela matéria, mas 6, vez por vez, criada por Deus; sendo espiritual, ela ndo perece quando o corpo se desgasta, mas 6 por si mesma imortal, Isto confere a alma humana uma certa transcendéncia em relagdo ao corpo. 319

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