You are on page 1of 40

20

- ciQAcoôG^G.

T í t u l o d o original inglês 8 c UVJ. . V..CJQCO,.... 4 3 - o 9 tfi.


Cities ofTomorrow

C o p y r i g h t © by Peter Hall, 1988 Forrei


I a e d i ç ã o , 1988, Basil Blackwcll Ltd.
a o 6 9 Í6/.3cofj Hs.Gi
Erripenh Preto
T o d o s os direitos reservados. E x c e t o para c i t a ç õ e s de p e q u e n a s p a s s a g e n s c o m a finalidade critica
ou r e s e n h a , n e n h u m a parte desta p u b l i c a ç ã o p o d e ser r e p r o d u z i d a , a r m a z e n a d a e m sistema d e recu-
p e r a ç ã o , ou transmitida cm q u a l q u e r f o r m a t o ou m e i o e l e t r ô n i c o , f o t o c ó p i a m e c â n i c o , g r a v a ç ã o ou
outro, s e m a p e r m i s s ã o prévia d o autor.

E x c e t o para os Estados U n i d o s da A m é r i c a , este livro só p o d e s e r v e n d i d o para o c o m é r c i o ou o u t r o


m e i o na f o r m a c m q u e foi publicado. N ã o p o d e r á ser e m p r e s t a d o , r e v e n d i d o , a l u g a d o ou circular
c m u m f o r m a t o do e n c a d e r n a ç ã o ou capa d i f e r e n t e d o original editado, s e m o p r é v i o c o n s e n t i m e n t o
d o editor.

D a d o s Internacionais d e C a t a l o g a ç ã o na P u b l i c a ç ã o ( C I P )
( C â m a r a Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Hall, Peter
Cidades do a m a n h ã : uma história intelecaial do
planejamento e do projeto urbanos no século X X / Peter Hall ;
[tradução Pérola de Carvalho], — São P a u l o : Perspectiva,
2009. — (Estudos ; 123 / dirigida por J. G u i n s b u r g )

Título original: Cities of t o m o r r o w .


3 a reimpr. da 1. ed. de 1995.
Bibliografia.
ISBN 978-85-273-0276-0

1. Planejamento urbano - História - Século 20 2. Urbanismo


- História I. Guinsburg, J.. II. Título. III. Título: U m a história
intelectual do p l a n e j a m e n t o e do projeto u r b a n o s no scculo X X .
IV. Série.

05-3812 CDD-711.40904

índices para catálogo sistemático:


1. Planejamento urbano : História : Século 20 : U r b a n i s m o 711.40904
2. Projeto u r b a n o : História : S é c u l o 2 0 : U r b a n i s m o 7 1 1 . 4 0 9 0 4

Direitos reservados em língua p o r t u g u e s a à


E D I T O R A P E R S P E C T I V A S. A.

Av. Brigadeiro Luís A n t ô n i o , 3025


0 1 4 0 1 - 0 0 0 São P a u l o S P Brasil
Telefax: ( 0 1 1 ) 3 8 8 5 - 8 3 8 8
www.editoraperspectiva.com.br
< i

L-eJ.

Para Berkeley

UFRN

SISTEMA OE BIBLIOTECAS INTEGRADAS

2010066266

J
[...] as grandes cidades da terra... tornaram-se... centros asquerosos de fornicação
e cobiça — a fumaça que se exala de seus pecados penetra na face dos céus como
a fornalha de Sodoma; e sua poluição putrefaz e pulveriza os ossos e as almas da
gente do campo que vive ao redor delas, como se cada uma fosse um vulcão cujas
cinzas arrebentassem em pústulas sobre homens e animais.

J o h n R u s k i n

Letters to lhe Clergy on the Lord's Prayer and the Church (1880)

"A que gente você se refere?". Hyacinth permitiu-se indagar.


"Ora, à gente da alta roda, que teve tudo na vida."
"Nós não os chamamos de gente", observou Hyacinth, achando em seguida
que sua observação fora um tanto primária.
"Suponho que vocês os chamem de patifes, de canalhas!", sugeriu Rose Mu-
niment, rindo, divertida...
"De tudo, menos de cérebros", disse o irmão.
"Quanto a isso não há dúvida, como são imbecis!", exclamou a fidalga. "En-
tretanto não acredito que todos saíssem do país.''
"Saíssem do país?"
"Quero dizer, como aqueles nobres franceses que emigravam tanto. Teriam
ficado em suas casas e lutado; fariam mais do que lutar. Acho que brigariam com
garra.''
H e n r y James

The Princess Casamassima (1886)


2. A Cidade da Noite
Apavorante
Reações à Cidade Encortiçada do
Século XIX: Londres, Paris, Berlim,
Nova York (1880-1900)

E m 1880, J a m e s T h o m s o n , p o e t a c u j a i n d u s t r i o s i d a d e v i t o r i a n a
j a m a i s f o i r e c o m p e n s a d a g r a ç a s à s u a m o n u m e n t a l falta d e talento,
p u b l i c a v a u m a v e r s a l h a d a insípida s o b u m título i n s p i r a d o na o f e -
r e n d a inicial: i n t e r m i n á v e l e s u b d a n t e s c a e x c u r s ã o p e l o s u b m u n d o .
O s v e r s o s f o r a m l o g o e s q u e c i d o s , m a s o título, The City of Dreadful
Night, n ã o . I s s o t a l v e z p o r q u e o horror da c i d a d e vitoriana, d e noite
o u d e dia, l o g o s e t o r n o u u m d o s m a i o r e s t e m a s da d é c a d a . A s linhas
de abertura do poema de Thomson

The City is o f Night, perchance of Death,


But certainly of Night, for never there
Can c o m e the lucid morning's fragant breath
After the dewy morning's cold grey air 1 *

podiam muito bem estar descrevendo â Londres, a Liverpool ou a


Manchester daquele tempo. Talvez W . T. Stead, f a m o s o pelas de-
n ú n c i a s s e n s a c i o n a l i s t a s q u e p u b l i c a v a n o v e s p e r t i n o Pall Mall Ga-
zette, d o q u a l e r a r e d a t o r - c h e f e , estivesse, c o n s c i e n t e o u i n c o n s c i e n -
t e m e n t e , r e l e m b r a n d o e s s e s v e r s o s q u a n d o , n u m editorial d e o u t u b r o
d e 1883, c o m e n t a v a q u e " o a u s t e r o f l o r e n t i n o p o d e r i a ter a c r e s c e n -
tado vários outros horrores à sua visão d o inferno c o m u m a breve
permanência num cortiço londrino".

* " A Cidade pertence à Noite, quiçá à Morte, / Mas à Noite é certo, que o hálito
fragrante jamais / Ali, da lúcida manhã entra por sorte / Depois que da manhã o ar,
plúmbeo e frio, encharca-lhe os umbrais." (N. da T.)
18 CIDADES DO A M A N H Ã

O editorial d e Stead v i n h a e n c a b e ç a d o p o r u m " N Ã O E S T Á


N A H O R A ? " N o s tons estentóreos q u e j á o c e l e b r i z a v a m , a s s i m
a r e n g a v a e l e p a r a o seu p ú b l i c o classe m é d i a radical: " O s h o r r o r e s
dos c o r t i ç o s " , escreveu, representavam " o grande problema domés-
tico q u e a religião, o h u m a n i t a r i s m o e as instituições políticas d a
Inglaterra têm o imperativo dever de resolver". C o m o agudo senso
d e r i t m o , típico d o jornalista, e u m talento especial para d e t e c t a r a
c a u s a d o m o m e n t o , p ô s ele as m ã o s n u m p a n f l e t o r e c é m - p u b l i c a d o
por u m pastor congregacionalista, A n d r e w Mearns. Inteligentemente
p r o m o v i d o p o r Stead, The Bitter Cry of Outcast London (O Grito
Amargo do Lado Oculto de Londres) fez sensação. Teve efeito
" i m e d i a t o e cataclísmico"2: provocou apelos imediatos para que se
i n s t a u r a s s e u m i n q u é r i t o oficial, a p e l o s q u e p r o v i n h a m n ã o a p e n a s
d a Pall Mall Gazette m a s até m e s m o d e j o r n a i s m u i t o m a i s c o n s e r -
v a d o r e s c o m o o The Times e o Punch, e e v e n t u a l m e n t e d a p r ó p r i a
R a i n h a Vitória, l e v a n d o d i r e t a m e n t e à n o m e a ç ã o d a C o m i s s ã o R e a l
p a r a a M o r a d i a d a s C l a s s e s T r a b a l h a d o r a s , e m 1884 3 . D e m o n s t r o u ,
a s s i m , ser u m d o s m a i s i n f l u e n t e s escritos e m t o d a a história d a
r e f o r m a social britânica; m a i s tarde, Stead p r o c l a m a r i a q u e s ó p e l o
f a t o d e ter c o n s e g u i d o d e t o n a r a n o m e a ç ã o d a C o m i s s ã o R e a l , e s s e
t e x t o j á p o d i a ser c o n s i d e r a d o c o m o r e s p o n s á v e l p e l o n a s c i m e n t o d a
l e g i s l a ç ã o social m o d e r n a 4 .

O GRITO AMARGO

N ã o foi e s s a a p r i m e i r a tentativa e n v i d a d a n o sentido d e s a c u d i r


a p e d a n t e a u t o c o n f i a n ç a d a s o c i e d a d e vitoriana tardia; m a s foi o
a l f i n e t e q u e f u r o u a bolha. Isso g r a ç a s à sinistra h a b i l i d a d e d e
M e a r n s e m levar os leitores para d e n t r o d o c o r t i ç o . J á c e m a n o s s ã o
p a s s a d o s , e as d e s c r i ç õ e s a i n d a n o s a r r e p i a m de p a v o r e e n c h e m d e
n á u s e a ; s e u t e o r é q u a s e televisual. S o m e n t e e x t e n s a s citações trans-
mitiriam o impacto que causaram:

Poucos dos que lêem estas páginas sequer concebem o que são estes pestilentos
viveiros humanos, onde dezenas de milhares de pessoas se amontoam e m meio a
horrores que nos trazem à mente o que ouvimos sobre a travessia do Atlântico por
um navio negreiro. Para chegarmos até elas é preciso entrar por pátios que exalam
gases venenosos e fétidos, vindos das poças de esgoto e dejetos espalhadas por toda
a parte e que amiúde escorrem sob os nossos pés; pátios, müitos deles, onde o sol
jamais penetra, alguns sequer visitados por um sopro de ar fresco, e que raramente
conhecem as virtudes de uma gota d'água puríficante. É preciso subir por escadas
apodrecidas, que ameaçam ceder a cada degrau e, e m alguns casos, j á rufram de
todo, c o m buracos que põem em risco os membros e a vida do incauto. Acha-se o
caminho às apalpadelas, ao longo de passagens escuras e imundas, fervilhantes de
vermes. E então, se não forem rechaçados pelo fedor intolerável, poderão os senhores
2.1 A pequenina Rua Collingwood, Bethnel Green. c. 1900
Os "pobres respeitáveis" da é p o c a vitoriana, provavelmente pertencentes à classe
C de Booth, e m suas aviltantes moradias.
20 CIDADES DO A M A N H Ã

penetrar nos pardieiros onde esses milhares de seres, que pertencem, como todos nós,
à raça pela qual Cristo morreu, vivem amontoados como reses 5 .

A g o r a , M e a r n s leva seu visitante b u r g u ê s p a r a d e n t r o d o hor-


r e n d o interior d o cortiço:

Paredes e teto estão negros com as acreções da imundície que sobre eles se foi
acumulando ao longo dos anos de abandono. Imundície que transpira pelas fendas
do forro de tábuas, escorre pelas paredes, está em toda a parte. O que atende pelo
nome de janela é apenas metade disso, entuchada de farrapos ou tapada com tábuas
que impedem a entrada da chuva e do vento; o resto é tão encardido e escuro que
s ó a muito custo deixa a luz entrar e permite a quem está de fora enxergar alguma
coisa 6 .

O m o b i l i á r i o p o d e c o m p o r t a r " u m a c a d e i r a q u e b r a d a , os restos
vacilantes d e u m a a r m a ç ã o d e c a m a , ou u m s i m p l e s f r a g m e n t o d e
m e s a ; m a s será m a i s c o m u m e n c o n t r a r m o s r u d e s substitutos para
e s s a s coisas, tais c o m o t á b u a s d u r a s e m c i m a de tijolos, u m c e s t ã o
o u u m a caixa e m b o r c a d o s n o c h ã o , ou m a i s f r e q ü e n t e m e n t e a i n d a ,
nada além de cacos e farrapos"7.
E s t á m o n t a d o o c e n á r i o para os h o r r o r e s h u m a n o s q u e d e n t r o
d e l e se d e s e n c a d e i a m .

Cada quarto, nessas podres e fétidas moradias coletivas, aloja uma família,
muitas vezes duas. U m fiscal sanitário registra e m seu relatório haver encontrado,
num porão, o pai, a mãe, três crianças e quatro porcos! Noutro, um missionário
encontrou um homem com varíola, a mulher na convalescença de seu oitavo parto,
e as crianças zanzando de um lado para o outro, seminuas e cobertas de imundície.
Aqui estão sete pessoas morando numa cozinha no subsolo, e ali mesmo, morta, jaz
uma criancinha. Em outro local estão uma pobre viúva, seus três filhos e o cadáver
de uma criança morta há treze dias. Pouco antes, o marido, um cocheiro, se havia
suicidado".

N o u t r o q u a r t o v i v i a m u m a v i ú v a e s e u s seis filhos, e n t r e os
q u a i s u m a m o ç a d e 2 9 a n o s , outra de 2 1 , e u m r a p a z d e 2 7 . O u t r o
a l o j a v a pai, m ã e e seis f i l h o s , d o i s d e l e s c o m escarlatina. N o u t r o ,
n o v e i r m ã o s e irmãs, d e 2 9 a n o s para b a i x o , v i v i a m , c o m i a m e d o r -
m i a m j u n t o s . A i n d a noutro, h a v i a " u m a m ã e q u e m a n d a o s f i l h o s
p a r a a r u a a s s i m q u e c h e g a a noite, p o r q u e a l u g a o q u a r t o p a r a fins
i m o r a i s até m u i t o d e p o i s d a meia-noite, q u a n d o o s p o b r e c o i t a d i n h o s
v o l t a m e n g a t i n h a n d o , se n ã o e n c o n t r a r a m a l g u m a b r i g o m i s e r á v e l
e m qualquer parte".
O r e s u l t a d o inevitável foi o q u e c h o c o u o p ú b l i c o d e M e a r n s ,
t a n t o q u a n t o o h o r r o r físico:

Perguntem se os homens e mulheres, que vivem juntos nesses antros, são ca-
sados, e a simploriedade da pergunta provocará um sorriso. Ninguém sabe. Ninguém
A CIDADE DA NOITE APAVORANTE 21

s e importa. N i n g u é m espera que o sejam. S ó excepcionalmente poderiam ter u m a


resposta afirmativa. O incesto é comum; e não há forma de vício ou de sensualidade
q u e cause surpresa ou chame a atenção... O único obstáculo a o c o m u n i s m o , no c a s o ,
e s t á na inveja e não na virtude.
A s práticas mais vis são observadas c o m a mais trivial das indiferenças... N u m a
rua há 3 5 casas, das quais 3 2 são, sabidamente, bordéis. E m outro distrito, há 4 3
dessas casas, e 4 2 8 mulheres e meninas perdidas, muitas das quais não têm mais d e
12 anos".

P a r a a c l a s s e m é d i a vitoriana, talvez t e n h a s i d o e s s e o r e t r a t o
mais chocante de todos.
A v e r d a d e era que, a r g u m e n t o u M e a r n s , para g e n t e t ã o literal-
mente carente, o crime compensava. Rondando Leicester Square,
havia ' 'vários membros conhecidíssimos do famoso bando dos 'qua-
renta ladrões' que, freqüentemente mancomunados c o m mulheres d e
r u a , s a e m d e p o i s d o e s c u r e c e r para assaltar o s t r a n s e u n t e s e m O x f o r d
S t r e e t , R e g e n t Street e o u t r o s l o g r a d o u r o s " . A aritmética d o c r i m e
e r a i n e x o r á v e l : " U m a c r i a n ç a d e sete anos, c o m o é fácil v e r i f i c a r ,
f a z 10 x e l i n s e 6 pence p o r s e m a n a r o u b a n d o , m a s o q u e p o d e r i a
e l a g a n h a r f a z e n d o c a i x a s d e f ó s f o r o s p a g a s a 2 pence e 1/4 a g r o -
s a „ . ? P a r a g a n h a r t a n t o q u a n t o o l a d r ã o z i n h o , teria q u e f a z e r 5 6
g r o s a s d e c a i x a s d e f ó s f o r o s p o r s e m a n a , ou 1 2 9 6 c a i x a s p o r d i a .
Inútil d i z e r q u e isso é i m p o s s í v e l . . . " 1 0
N a raiz d o p r o b l e m a e s t a v a o f a t o d e q u e a g e n t e d o c o r t i ç o
e r a i n e l u t á v e l e o p r e s s i v a m e n t e p o b r e . R e m a t a d e i r a s de c a l ç a s tra-
b a l h a v a m d e z e s s e t e h o r a s , d a s 5 : 0 0 d a m a n h ã às 1 0 : 0 0 da noite, p o r
u m x e l i m ; s e r e m a t a s s e m c a m i s a s , o p a g a m e n t o caía para a m e t a d e
disso. D o e n ç a e bebida c o m p u n h a m sua condição:

Q u e m é capaz de imaginar o sofrimento que existe por trás de um c a s o c o m o


este? U m a pobre mulher c o m tuberculose e m fase avançada, quase um esqueleto,
v i v e num único quarto c o m o marido bêbado e cinco filhos. Quando a visitamos, e l a
estava c o m e n d o umas poucas ervilhas. A s crianças haviam ido apanhar alguns gra-
v e t o s para o f o g o c o m que iriam cozinhar quatro batatas que estavam sobre a m e s a
e seriam o jantar da família naquele dia... N u m quarto, e m W y c h Street, no terceiro
andar, e m cima da loja de um negociante de artigos náuticos, fez-se recentemente
u m a investigação sobre a morte de um garotinho. Naquele quarto viviam u m h o m e m ,
sua mulher e três filhos. O garoto era o segundo filho e morrera envenenado pela
atmosfera miasmática; e e s s e garotinho morto teve seu corpo aberto no ú n i c o quarto
onde o s pais e o s irmãos viviam, c o m i a m e dormiam, porque a paróquia não tinha
necrotério nem lugar para fazer autópsias! N ã é de admirar que o s jurados que foram
examinar o corpo ficassem nauseados c o m as exalações m e f í t i c a s " .

Para Mearns,

O espetáculo da miséria infantil é o mais pungente e pavoroso elemento n o


quadro dessas descobertas; e menor não é a miséria herdada do vício de pais beberrões
22 CIDADES DO AMANHÃ

e dissolutos, que se patenteia nos raquíticos, disformes e amiúde asquerosos objetos


com que deparamos constantemente nesses locais...
Aqui está um de três anos catando pedaços de pão sujo e comendo. Entramos
por um vão e encontramos uma garotinha de doze anos. "Onde está sua mãe?" " N o
hospício." "Há quanto tempo ela está lá?" "Quinze meses." "Quem cuida de
v o c ê ? " A menina, que está sentada a uma velha mesa, fazendo caixas de fósforos,
replica: "Eu cuido de meus irmãos e irmãs menores o melhor que posso" 1 2 .

A o c h e g a r a o seu " o q u e p r o p o m o s f a z e r " , M e a r n s n ã o teve


d ú v i d a s : " T e r e m o s q u e atentar para o f a t o d e q u e s e m a interferência
d o E s t a d o n a d a d e e f e t i v o se p o d e realizar e m q u a l q u e r escala m a i s
a m p l a . E isso é u m f a t o " 1 3 . A raiz d o p r o b l e m a era s i m p l e s m e n t e
e c o n ô m i c a . A s p e s s o a s viviam a m o n t o a d a s p o r q u e e r a m p o b r e s e,
p o r q u e e r a m pobres, n ã o t i n h a m r e c u r s o s para p r o v i d e n c i a r o r e m é -
d i o ó b v i o : m u d a r para u m lugar o n d e o aluguel f o s s e m a i s barato:

Esses coitados precisam viver em algum lugar. Não podem dar-se ao luxo de
ir de trem ou de bonde para os subúrbios, c como, com seus pobres e famintos corpos
emaciados, podemos deles esperar — além de trabalharem doze horas ou mais, por
um xelim ou menos — que caminhem três ou quatro milhas na ida e depois outras
tantas na volta? 1 4

A C O M I S S Ã O R E A L B R I T Â N I C A D E 1885

A s p a l a v r a s d e M e a r n s t o c a r a m e m c o r d a sensível. E m b o r a al-
g u n s c o m e n t a r i s t a s , c o m o o M a r q u ê s d e Salisbury, p e n s a s s e m e m
t e r m o s d e e n c a r g o s caritativos, e o u t r o s , c o m o J o s e p h C h a m b e r l a i n ,
e m t e r m o s d e a ç ã o d a a u t o r i d a d e local, v e r i f i c o u - s e u m a d i s p o s i ç ã o
geral p a r a c h e g a r e m todos a u m a i n t e r v e n ç ã o conjunta 1 5 . A t é o Ti-
mes, a o e x t e r n a r s u a d e s a p r o v a ç ã o , o b s e r v a v a q u e " n ã o há d ú v i d a
p o s s í v e l , pois, s e e x a m i n a r m o s as t e n d ê n c i a s d a é p o c a , v e r e m o s q u e
o laissez-faire está p r a t i c a m e n t e p o s t o d e l a d o e q u e a g o r a c a d a p e ç a
d a i n t e r f e r ê n c i a estatal irá abrir c a m i n h o p a r a outra, e a s s i m s u c e s -
s i v a m e n t e " ' 6 . E foi o p r ó p r i o Salisbury q u e m , n u m d i s c u r s o crucial-
m e n t e i m p o r t a n t e d e n o v e m b r o d e 1884, l e v a n t o u a q u e s t ã o d a in-
t e r v e n ç ã o estatal 1 7 . L o g o a p ó s , a c o n t e c i a a n o m e a ç ã o d e u m a C o -
m i s s ã o Real d e peso, presidida p o r Sir C h a r l e s W e n t w o r t h D i l k e , e
q u e incluía entre s e u s m e m b r o s o P r í n c i p e d e Gales, L o r d e Salisbury
e o c a r d e a l M a n n i n g . M a s e m b o r a o relatório d a C o m i s s ã o d e 1885
confirmasse, à saciedade, a natureza d o problema, não obteve una-
n i m i d a d e p a r a o r e m é d i o . C o n c l u í a ele, e x p l i c i t a m e n t e :

Primeiro: ainda que tivesse havido muitos progressos... na condição das mora-
dias para o pobre, em comparação com o que ocorrera trinta anos atrás, os males da
superlotação, especialmente e m Londres, continuavam sendo um escândalo público
s ã
, - "o
I .s
-§ K
I I

§ -8
O s
- l SD
« S
Ü Sá
<1 o O
o C3
C Ê
« g fe
gí C 00
-s & 0
I« I» £I
£ co o
g. K E
(V d3 rtn
-s 3 «
-a ^
£ C/3 âi-
C5 3 |
H £
c- '-3 o
-'3
§
s> gc -s
a
S O
Z «n
24 CIDADES DO AMANHÃ

e estavam-se tornando, e m certas localidades, mais sérios do que nunca; segundo:


existia, sim, uma farta legislação para fazer frente a esses males, porém as leis exis-
tentes não eram aplicadas e algumas permaneciam letra morta desde a época de sua
inclusão no c ó d i g o civil 1 8 .

F i c o u p l e n a m e n t e e v i d e n c i a d o q u e o n o r m a l , e m L o n d r e s , era
u m a f a m í l i a o c u p a r u m quarto, e q u e e s s a f a m í l i a p o d i a ser até m e s -
m o d e oito p e s s o a s . O p r o b l e m a fazia-se mais a g u d o visto q u e o
c o s t u m e , na capital, era d i v i d i r e m - s e as casas e m c ô m o d o s a l u g a d o s
d e u m s ó quarto, t e n d o t o d o s q u e partilhar u m a ú n i c a b i c a d ' á g u a
e u m a ú n i c a latrina. E c o m o a porta da f r e n t e r a r a m e n t e era f e c h a d a ,
à noite as e s c a d a s e os c o r r e d o r e s p o v o a v a m - s e d o q u e a gíria bri-
tânica c h a m a v a i r o n i c a m e n t e de appy dossers*: o u sem-teto 1 9 . D e n -
tro d o s q u a r t o s , a prática a b e r t a m e n t e d i f u n d i d a d a indústria caseira
— f r e q ü e n t e m e n t e insalubre, c o m o coleta d e trapos, f a b r i c o d e s a c o s
o u d e c a i x a s d e f ó s f o r o s , e s c o r c h a m e n t o d e c o e l h o s — t o r n a v a piores
a s c o n d i ç õ e s j á ruins 2 0 . N a s c i d a d e s d o interior, g u a r d a d a s as d i f e -
r e n ç a s , p o r t o d a a parte s e repetia o p r o b l e m a d a s u p e r l o t a ç ã o , s ó
q u e n ã o tão g r a v e q u a n t o e m Londres 2 1 .
P a r a a l g u n s , c o m o o v e t e r a n o r e f o r m a d o r social L o r d e S h a f t e s -
bury, o sistema de quarto único estava "física e moralmente além
d e q u a l q u e r descrição:

Estava eu dizendo que nós não ousamos contar tudo o que sabemos e, de minha
parte, ficaria muito constrangido s e tivesse que entrar e m pormenores sobre coisas
que desconheço; mas darei um e x e m p l o das péssimas conseqüências do sistema de
quarto único, e e x e m p l o que não é dos piores. Este caso aconteceu no ano passado,
mas casos desses acontecem c o m freqüência. U m amigo meu, diretor de um grande
estabelecimento escolar, descendo a um dos pátios do fundo, viu, no corredor, duas
crianças de tenra idade, d e z ou o n z e anos, e m pleno ato sexual. Ele correu, agarrou
o menino e o arrastou para fora, e a única observação do garoto foi esta: "Por que
é a m i m que o senhor está pegando? Lá embaixo há uns d o z e fazendo o m e s m o " .
Está claro que isso não provém de tendências sexuais e deve ter sido provocado por
imitação do que viram 2 2 .

M a s houve q u e m discordasse; e a C o m i s s ã o Real concluiu


q u e o " p a d r ã o d e m o r a l i d a d e . . . é m a i s e l e v a d o d o q u e seria d e e s -
perar"23.
O q u e talvez c o n s o l a s s e u m p o u c o . F a t o d i g n o d e n o t a é q u e a
m é d i a d o s i n q u i l i n o s d e u m a casa d e c ô m o d o s d i s p u n h a d e m u i t o
m e n o s e s p a ç o d o q u e o prescrito p e l o E s t a d o v i t o r i a n o p a r a o s e n -
c a r c e r a d o s e m p r i s õ e s ou e m r e f o r m a t ó r i o s . C o m o era d e p r e v e r , o s

* Corruptela de happy dossers, ou seja, literalmente: " f e l i z e s albergados". Feli-


z e s porque, no caso, a dormida era de graça, o que não ocorria nos albergues noturnos
da época. (N. da T.)
A CIDADE DA NOITE APAVORANTE 25

í n d i c e s d e m o r t a l i d a d e — s o b r e t u d o d e c r i a n ç a s — p e r m a n e c i a m alar-
m a n t e m e n t e altos. A s que sobreviviam, segundo cálculos d a C o m i s -
s ã o , p e r d i a m e m m é d i a vinte d i a s d e t r a b a l h o n o a n o , ' 'por d e p r e s s ã o
e f a d i g a " . A g r e g u e - s e a t u d o isso o f a t o d e q u e " o m a i s f e r v o r o s o
a p o l o g i s t a d a s c l a s s e s m a i s p o b r e s n ã o a f i r m a r i a q u e nesse m e i o , d e
m o d o geral, p r e v a l e c e s s e m h á b i t o s d e l i m p e z a " 2 4 .
A s c a u s a s básicas, e x a t a m e n t e c o m o m o s t r a r a M e a r n s , e s t a v a m
n a p o b r e z a total e c o n s e q ü e n t e i n c a p a c i d a d e d e m u d a n ç a p a r a o u t r o
local. T r a b a l h a d o r e s l o n d r i n o s n ã o - q u a l i f í c a d o s , c o m o os a m b u l a n t e s
e o s m a s c a t e s , g a n h a v a m q u a n d o m u i t o d e 10 a 12 xelins p o r se-
m a n a ; d o q u e i r o s c o n s e g u i a m e m m é d i a a p e n a s de 8 a 9 xelins. Q u a s e
a metade das famílias londrinas, 4 6 % , precisavam dispender mais
d e u m q u a r t o d e s s e s m a g r o s p r o v e n t o s e m aluguel; e e n q u a n t o o s
aluguéis subiam, os ordenados continuavam os mesmos25. E à po-
b r e z a a g r e g a v a - s e a n a t u r e z a o c a s i o n a l d e s s e t r a b a l h o tão m a l p a g o ,
c o m o m a l p a g o e o c a s i o n a l e r a o trabalho q u e s u a s m u l h e r e s e x e -
c u t a v a m p o r e n c o m e n d a d e n t r o de c a s a ; d a í p o r q u e " u m a p r o p o r ç ã o
e n o r m e d o s m o r a d o r e s d e q u a r t e i r õ e s s u p e r p o v o a d o s era a i s s o c o m -
p e l i d a p a r a v i v e r p e r t o d o local d e trabalho, n ã o i m p o r t a n d o o p r e ç o
q u e tivesse q u e pagar pelo alojamento que ocupava nem quais fos-
s e m as c o n d i ç õ e s d e s s e a l o j a m e n t o " 2 6 . I n t e r m e d i á r i o s p r a t i c a v a m
u m a l o c a ç ã o e x t o r s i v a , a d m i n i s t r a v a m casas n u m s i s t e m a d e c o n t r a -
tos d e c u r t o p r a z o e e x p l o r a v a m e s c a n d a l o s a m e n t e a e s c a s s e z d e
m o r a d i a , s e m levar e m c o n t a s e u valor real. E as d e m o l i ç õ e s — p a r a
a a b e r t u r a d e n o v a s ruas, c o m o a C n a r i n g C r o s s R o a d ou a S h a f -
t e s b u r y A v e n u e , visto q u e L o n d r e s , p o r volta d e 1880, p a s s a v a p o r
u m a m i n i - h a u s s m a n n i z a ç ã o , o u para a c o n s t r u ç ã o d e n o v o s interna-
tos, e m d e c o r r ê n c i a d a L e i s o b r e E d u c a ç ã o d e 1870 — h a v i a m p i o r a d o
o problema27.
P o r b a i x o d i s s o t u d o , u m s i s t e m a d e g o v e r n o local i n c o m p e t e n t e
e a m i ú d e c o r r u p t o , i n e p t o n o m a n e j o d o s p o d e r e s d e que d i s p u n h a
ou simplesmente recusando-se a exercê-los. N o s arrabaldes de Lon-
d r e s , a histórica L e i d a S a ú d e P ú b l i c a , d e 1875, h a v i a f o r n e c i d o a
b a s e p a r a u m s i s t e m a d e g o v e r n o local m a i s efetivo 2 8 ; m a s n a capital
a i n d a v i g o r a v a u m m o d e l o a r c a i c o e caótico. A p e n a s dois c o n s e l h o s
p a r o q u i a i s ou j u n t a s distritais, d e n t r e o s 3 8 e x i s t e n t e s e m t o d a L o n -
d r e s , h a v i a m t o m a d o u m a o u outra p r o v i d ê n c i a m a i s e n é r g i c a . E r a m
p o u q u í s s i m o s o s inspetores: M i l e E n d , u m a á r e a p o b r e , p o s s u í a u m
p a r a 105 0 0 0 p e s s o a s . E o s q u e h a v i a e r a m d e p o u q u í s s i m a c o m p e -
tência: n u m a p a r ó q u i a l o n d r i n a , o auxiliar d o i n s p e t o r f o r a ' ' o u t r o r a
a l g u m a c o i s a n o c o m é r c i o d e j ó i a s " , d i s s e o sacristão, e a c r e s c e n t o u :
" N ã o c r e i o q u e s e j a n e c e s s á r i o q u a l q u e r t r e i n a m e n t o especial. S e
u m h o m e m f o r d o t a d o d e b o m s e n s o , a c h o q u e isso seria, p a r a ele,
o melhor treinamento que poderia ter"29.
26 CIDADES DO AMANHÃ

Assim é que as principais recomendações da Comissão Real, ao


invés d e a c r e s c e n t a r e m n o v o s poderes, d e r a m ê n f a s e à m a n e i r a c o m o
a s s e g u r a r às a u t o r i d a d e s locais o e x e r c í c i o d o s p o d e r e s j á existentes.
A b r a n g i a m estes a c h a m a d a Lei T o r r e n s (Lei p a r a M o r a d i a s d e A r -
tesãos e O p e r á r i o s , d e 1868), q u e p e r m i t i a às a u t o r i d a d e s locais c o n s -
truírem n o v a s m o r a d i a s p a r a as classes trabalhadoras, e a Lei C r o s s
(Lei p a r a a M e l h o r i a d a s M o r a d i a s d e A r t e s ã o s e O p e r á r i o s , d e
1875), q u e lhes p e r m i t i a d e m o l i r vastas áreas o c u p a d a s p o r habita-
ç õ e s i n a d e q u a d a s e realojar s e u s m o r a d o r e s , t e n d o a m b a s p e r m a n e -
c i d o p o r largo t e m p o letra m o r t a . O i m p o r t a n t e , n o entanto, é q u e ,
s e g u n d o r e z a v a m , d e v e r i a m as autoridades locais estar a u t o r i z a d a s
a pedir dinheiro e m p r e s t a d o ao Tesouro pela taxa de j u r o s mais b a i x a
p o s s í v e l , d e s d e q u e isso n ã o acarretasse u m a p e r d a e f e t i v a a o e r á r i o
n a c i o n a l . E q u e e m L o n d r e s , os c o n s e l h o s p a r o q u i a i s e as j u n t a s
a n e x a s s u b o r d i n a s s e m s e u s poderes, a u t o r i z a d o s pelas leis h a b i t a c i o -
nais, à J u n t a M e t r o p o l i t a n a de C o m é r c i o 3 0 . A Lei para a M o r a d i a
d a s C l a s s e s T r a b a l h a d o r a s d e 1885, q u e v e i o i m e d i a t a m e n t e a seguir,
i m p l e m e n t o u tais r e c o m e n d a ç õ e s . T a m b é m a m p l i o u a antiga L e i
p a r a C a s a s d e C ô m o d o s , d e 1851, d e autoria d e L o r d e S h a f t e s b u r y ,
r e d e f i n i n d o o t e r m o , a f i m d e f a z ê - l o a b r a n g e r c a s a s isoladas e so-
b r a d o s p a r a as c l a s s e s trabalhadoras, d a n d o a nítida i m p r e s s ã o d e
q u e , f i n a l m e n t e , o p a r l a m e n t o v i t o r i a n o iria t o l e r a r o s o c i a l i s m o
m u n i c i p a l n o s e t o r d a habitação 3 1 . O p r o b l e m a , todavia, f o i q u e as
autoridades locais não m o v e r a m palha; diante disso, só restou à
C o m i s s ã o R e a l s u g e r i r q u e j á era t e m p o d e as aviltadas classes tra-
balhadoras urbanas começarem a mostrar interesse pela própria
situação 3 2 .

DEPRESSÃO, VIOLÊNCIA E AMEAÇA DE INSURREIÇÃO

E até q u e m s a b e o tivessem feito. A f i n a l , a L e i R e v i s i o n a l d e


1884 e s t e n d e r a o d i r e i t o d e v o t o a u m a g r a n d e p a r t e d a classe tra-
b a l h a d o r a m a s c u l i n a u r b a n a . E _ e s s a classe e s t a v a , e x a t a m e n t e na-
quele^ m o m e n t o , s o f r e n d o o s e f e i t o s d e u m a e n o r m e d e p r e s s ã o q u e
atingira o c o m é r c i o e a indústria, c o m p a r á v e l , e m seu i m p a c t o , às
d e p r e s s õ e s q u e v i e r a m d e p o i s , e m 1930 e 1980. H a v i a , n a v e r d a d e ,
u m a a n t e c i p a ç ã o a g o u r e n t a d o q u e e s t a v a p o r vir: o p r o b l e m a , se-
g u n d o c o n c l u i u a C o m i s s ã o Real e m 1886, d e v i a - s e e m parte n ã o
a o c i c l o c o m e r c i a l , m a s à d e b i l i d a d e estrutural d e m o n s t r a d a p e l a
indústria britânica e m s e u c o n f r o n t o c o m os p r i n c i p a i s c o n c o r r e n t e s
internacionais, sobretudo c o m a Alemanha. O s alemães eram quase
t ã o b o n s na p r o d u ç ã o q u a n t o os ingleses e, na arte d e c o n q u i s t a r e
c o n s e r v a r m e r c a d o s , g a n h a v a m m a i s e m a i s terreno 3 3 . O s m e m b r o s
A CIDADE DA NOITE APAVORANTE 27

da Comissão advertiram que a Grã-Bretanha se preocupa va^cadavez


m e n o s c o m " d e s c o b r i r n o v o s m e r c a d o s p a r a o s n o s s o s artigos e
manter sua influência sobre aqueles que j á possuímos... Há t a m b é m
e v i d ê n c i a s d e q u e , c o m r e s p e i t o a certa c l a s s e d e p r o d u t o s , n o s s a
m ã o - d e - o b r a j á n ã o t e m o m e s m o nível d e a n t e s " 3 4 . R e j e i t a r a m s u -
g e s t õ e s q u e a t r i b u í a m a c a u s a a " r e s t r i ç õ e s legislativas n o e m p r e g o
d a m ã o - d e - o b r a e à a ç ã o d a s p r ó p r i a s classes t r a b a l h a d o r a s a t r a v é s
d e g r e v e s ou d e m o v i m e n t o s s i m i l a r e s " o u " à a ç ã o de s i n d i c a t o s
ou de agrupamentos similares"35.
Q u a i s q u e r q u e f o s s e m as c a u s a s , n ã o h a v i a d ú v i d a q u a n t o a o s
e f e i t o s . N o s é c u l o X I X , e m m e a d o s d a d é c a d a d e 80, p a i r a v a s o b r e
t o d a s as c i d a d e s , e s o b r e L o n d r e s e m especial, u m espírito d e m u -
d a n ç a c a t a c l í s m i c a e m e s m o violenta. A s q u e s t õ e s d o m o m e n t o , e s -
c r e v e u m a i s t a r d e B e a t r i c e W e b b , e r a m " d e u m lado, o s i g n i f i c a d o
d a p o b r e z a d a s m a s s a s h u m a n a s ; e, d o outro, a p r a t i c a b i l i d a d e e a
d e s e j a b i l i d a d e d e u m a d e m o c r a c i a política e industrial q u e s u r g i s s e
c o m o u m a c o m p e n s a ç ã o , talvez c o m o u m a f o r m a d e r e p a r a ç ã o , p a r a
as q u e i x a s d a m a i o r i a d o p o v o " 3 6 . M a s e s s a s d i s c u s s õ e s e r a m p a r a
a intelligentsia: " N a v e r d a d e , n e n h u m setor d a s c l a s s e s t r a b a l h a d o r a s
destilava... ' o v e n e n o d o s o c i a l i s m o ' . . . N a s c i d o s e c r i a d o s d e n t r o d a
carência crônica e da enfermidade debilitadora, os alienígenas dos
cortiços haviam afundado numa embrutecida apatia..." O fermento,
c o n f o r m e l e m b r a v a ela q u a r e n t a a n o s d e p o i s , estava, isso s i m , d e n t r o
d e u m setor d a classe g o v e r n a n t e vitoriana: era " u m a n o v a c o n s -
c i ê n c i a d o p e c a d o " , q u e , p o r seu turno, " f a z i a - s e c o n s c i ê n c i a c o l e -
tiva o u d e classe; u m m a l - e s t a r c r e s c e n t e e, f r u t o d e l e , a c o n v i c ç ã o
d e q u e o o r g a n i s m o industrial, q u e p r o d u z i r a o a l u g u e l , o j u r o e o
lucro e m e s c a l a a s s o m b r o s a , falhara n a o b t e n ç ã o d e u m a e x i s t ê n c i a
d e c e n t e e d e c o n d i ç õ e s toleráveis para a m a i o r i a d o s habitantes d a
G r ã - B r e t a n h a " 3 7 . H i s t o r i a d o r e s posteriores p o r i a m e m d ú v i d a tal a s -
s e r ç ã o ; s e g u n d o u m deles, a e m o ç ã o d o m i n a n t e n ã o e r a a c u l p a m a s
o m e d o . O s p o b r e s " e r a m g e r a l m e n t e retratados c o m o g r o s s e i r o s ,
animalescos, bêbados e imorais; a negligência e a complacência d e
a n o s e a n o s h a v i a m f e i t o c o m q u e eles se t o r n a s s e m u m a a m e a ç a
o m i n o s a para a c i v i l i z a ç ã o " 3 8 .
A s reações assumiam, com freqüência, forma temerária. Os fa-
bianos, apóstolos d o gradualismo, aos quais Beatrice W e b b aderiu
p r o n t a m e n t e , p r o d u z i r a m u m m a n i f e s t o d e p r i m e i r a hora, o n d e s e
percebia claramente a marca inconfundível de George Bernard Shaw,
e q u e t e r m i n a v a c o m estas d u r a s p a l a v r a s :

Que o governo estabelecido não tenha o direito de denominar-se Estado, tanto


quanto a fumaça de Londres não tem o direito de denominar-se ar.
28 CIDADES DO AMANHÃ

Que é preferível enfrentarmos uma guerra civil do que um novo século de


sofrimentos como foi o presente 39 .

H . M . H y n d m a n , líder d a Social D e m o c r a t i c F o u n d a t i o n , e s c r e -
via, n o m e s m o ano, q u e " m e s m o entre h o m e n s e m u l h e r e s inúteis,
q u e a si p r ó p r i o s se a p e l i d a m d e ' s o c i e d a d e ' , c o r r e n t e s internas d e
m a l - e s t a r p o d e m ser detectadas. ' R e v o l u ç ã o ' , a p a l a v r a temível, é
às v e z e s dita e m v o z alta p o r brincadeira, e m a i s a m i ú d e c o c h i c h a d a
c o m t o d a a s e r i e d a d e " 4 " . Para H y n d m a n , o f e r m e n t o n ã o se restringia
à classe m é d i a , p o i s

[...] livros, panfletos e volantes metem-se por oficinas e sótãos, que discutem o proble-
ma e m toda a sua extensão e profundidade. Teorias extraídas da grande obra sobre o
Capital, do Dr. Karl Marx, ou do programa dos socialdemocratas da Alemanha e dos
coletivistas da França, estão sendo difundidas de forma barata e legível 4 '.

M a s Hyndman também chamou a atenção para um fenômeno


q u e p o u c o s teriam p o d i d o d e i x a r d e o b s e r v a r : " E n t r e as m a i s f e i a s
e x c r e s c ê n c i a s d a s o c i e d a d e m o d e r n a a c h a m - s e as n u m e r o s a s g a n g u e s
d e r u f i õ e s organizados... q u e se p a v o n e i a m p o r n o s s a s g r a n d e s ci-
d a d e s e, m u i t a s vezes, n ã o c o n t e n t e s de e s p a n c a r e m - s e m u t u a m e n t e ,
m o l e s t a m o p a c í f i c o t r a n s e u n t e " 4 2 . S ó e m L o n d r e s , c l a m a v a ele,
e x i s t e m , s e g u n d o a polícia, 3 0 0 0 0 0 m e m b r o s d a s " c l a s s e s p e r i g o -
. sas"43. Ninguém, argumentava Hyndman, se tem preocupado e m
analisar a m a n e i r a c o m o e s s a g e n t e foi c r i a d a d e n t r o d e s u a p r e s e n t e
brutalidade"44.
A l g u n s até achavam que n e m valia a pena. Durante os anos d e
1 8 8 6 e 1887, c i d a d ã o s respeitáveis d e L i v e r p o o l c o m e ç a r a m a q u e i -
x a r - s e d e e s t a r e m s e n d o s i s t e m a t i c a m e n t e aterrorizados p o r g a n g u e s :
" O distrito q u e fica entre a s ruas Athol e L u t o n " e s t a v a " i n f e s t a d o
p o r e s s e s v a g a b u n d o s " , e s c r e v i a u m missivista a o j o r n a l local, e m
f e v e r e i r o d e 1887. N o m e s m o m ê s , a m a i s f a m o s a delas, a " H i g h
R i p G a n g " * , a r m o u u m a t r e m e n d a d e s o r d e m nas r u a s d e L i v e r p o o l ,
a t a c a n d o i n d i s c r i m i n a d a m e n t e h o m e n s , m u l h e r e s e crianças, c o m f a -
c a s e e s t i l i n g u e s , e a s s a l t a n d o c a s a s d e p e n h o r . N o dia 2 0 d e m a i o ,
a g a n g u e — descrita c o m o " q u a t r o r a p a z e s d e a p a r ê n c i a rude... o p e -
rários, e n t r a r a m , d a n d o m o s t r a s d e t e r e m s i d o i m p e r f e i t a m e n t e e d u -
c a d o s " — c o m p a r e c e u ao T r i b u n a l d e L i v e r p o o l , citada e m oito a c u -
s a ç õ e s d e f e r i m e n t o d o l o s o c o m i n t e n ç ã o de lesão corporal grave e
latrocínio. O j u i z d o processo, o M e r e t í s s i m o Juiz J o h n C h a r l e s F r e -
d e r i c k S i g i s m u n d D a y , e r a u m s e x a g e n á r i o de b a r b a s e suíças, p r o -
f u n d a m e n t e d e s c o n f i a d o e m relação às m o d e r n a s teorias p e n o l ó g i c a s

* Numa tradução aproximada, "Gangue dos Trombadões". (N. da T.)


A CIDADE DA NOITE APAVORANTE 29

e d o m i n a d o pela firme convicção de que criminosos violentos ne-


cessitavam de u m choque particularmente breve e intenso; ou,
c o m o dizia e s t r a n h a m e n t e seu filho, " q u e a única maneira de cha-
má-los à razão é pela epiderme"45.
A p ó s declarar que " c o m toda a sua experiência jamais ouvira
f a l a r d e c o n d u t a tão u l t r a j a n t e c o m o a q u e lhe h a v i a s i d o r e l a t a d a
nesse d i a * s e n t e n c i o u os réus a penas draconianas, c o m o nunca até
e n t ã o o c o r r e r a n o s t r i b u n a i s d a Inglaterra vitoriana: a l é m de t r a b a l h o s
f o r ç a d o s , c a d a u m d o s q u a t r o f o i c o n d e n a d o a ser a ç o i t a d o e m três
s e s s õ e s d e vinte c h i b a t a d a s c a d a . F o r t a l e c i d o p o r s u a solitária inves-
tida c o n t r a a c r i m i n a l i d a d e u r b a n a , o Sr. D a y voltou ao a t a q u e n o s
j u l g a m e n t o s d e n o v e m b r o , n o s q u a i s — e m m e i o a sete f l a g e l a ç õ e s
o r d e n a d a s n u m ú n i c o d i a — s e n t e n c i o u d o i s h o m e n s a vinte c h i b a -
t a d a s c a d a p o r h a v e r e m r o u b a d o m e i o pêni e u m p e d a ç o d e t a b a c o .
O s c i d a d ã o s r e s p e i t á v e i s , c l a m a v a m a i s t a r d e seu filho, t ê m u m a
d i v i d a e t e r n a p a r a c o m o Sr. D a y , e m b o r a " m e m b r o s d e s o c i e d a d e s
f i l a n t r ó p i c a s , e outras, d e n u n c i a s s e m o ' j u i z f l a g e l a d o r ' c o m o u m a
r e m a t a d a b e s t a - f e r a , c o n s i d e r a n d o seu m é t o d o d e lidar c o m c r i m i -
n o s o s m e d i e v a l e e q u i v o c a d o " 4 6 . EunL_todo caso, n ã o h á q u a l q u e r
e v i d ê n c i a d e q u e o r e i n a d o d e terror d e D a y t e n h a t i d o glgum. e f e i t o
.eficaz sobre o crime violento emJLiverpopl. O curioso é que, a des-
peito dos temores dos cidadãos, parece claro que a criminalidade,
n o s ú l t i m o s t e m p o s d a I n g l a t e r r a vitoriana, s e g u i a u m a c o n t i n u a e
s e c u l a r l i n h a d e c r e s c e n t e , a i n d a q u e p o n t u a d a p o r p e r i ó d i c a s irrup-
ç õ e s d e v i o l ê n c i a c o m o as o c o r r i d a s e m m e a d o s d e 1880 4 7 .
O v e r d a d e i r o terror q u e d o m i n a v a a c l a s s e m é d i a , a p e s a r d o
c e t i c i s m o d e B e a t r i c e W e b b , e r a d e q u e a classe t r a b a l h a d o r a s e
sublevasse. E e m parte alguma esse m e d o era maior do q u e nos
m e i o s g o v e r n a m e n t a i s . E m f e v e r e i r o d e 1886, o q u e m a i s s e t e m i a
tornou-se realidade. Durante semanas, trabalhadores desempregados
e intelectuais socialistas p r o m o v e r a m c o m í c i o s n a T r a f a l g a r S q u a r e .
N a s e g u n d a - f e i r a , 8 d e f e v e r e i r o , u m e n o r m e c o m í c i o , d o q u a l par-
ticipava " p o r ç ã o c o n s i d e r á v e l , m a i o r q u e d e c o s t u m e , d o e l e m e n t o
d e s o r d e i r o " 4 8 , v i u - s e d i a n t e d e u m d e s t a c a m e n t o d e m a i s d e seis-
c e n t o s policiais. T e m e n d o u m a t a q u e a o P a l á c i o d e B u c k i n g h a m ,
estes d e s l o c a r a m - s e p a r a o M a l l ; o p o v a r é u , entre 3 0 0 0 e 5 0 0 0
p e s s o a s , a o c o n t r á r i o , d i r i g i u - s e e m e s t a d o d e e x c i t a ç a o total para
a l é m d o s c l u b e s d e Pall M a l l , e e n t r o u p e l a s r u a s S a i n t - J a m e s e
M a y f a i r , q u e b r a n d o v i d r a ç a s e s a q u e a n d o lojas. U m i n q u é r i t o oficial
condenou a polícia metropolitana por controle inadequado da mul-
tidão, e o c o m i s s á r i o f o i f o r ç a d o a renunciar 4 9 .
O n o v o c o m i s s á r i o , Sir C h a r l e s W a r r e n , e r a d e e s t o f o m a i s rijo.
D u r a n t e o o u t o n o d e 1887, o c l i m a t o r n a - s e t e n s o n o v a m e n t e , q u a n -
d o enormes multidões se reúnem diariamente e m Hyde Park e Tra-
30 CIDADES DO AMANHÃ

f a l g a r S q u a r e para o u v i r o s d i s c u r s o s . R e p e t e m - s e o s c h o q u e s c o m
a polícia. The Times, e m s u a s c o s t u m e i r a s r e f e r ê n c i a s a o s " c h a m a -
dos d e s e m p r e g a d o s " , clamava por u m a ação enérgica:

Temos confiança de que se esses homens, ou quaisquer outros de sua classe,


tentarem levar a cabo suas ameaças como fizeram no ano passado, terão o que me-
recem, na forma não de um cômodo mandado de prisão por alguns meses, mas de
duros trabalhos forçados... A única pergunta a fazer é qual das duas partes é a mais
forte — a dos prováveis quebradores de vidraças e demolidores de lojas ou a dos
guardiães da paz pública 5 ".

O p a l c o estava, p o r t a n t o , m o n t a d o . N o d o m i n g o , 2 3 d e o u t u b r o ,
u m a e n o r m e m u l t i d ã o reuniu-se n a praça, b a n d e i r a v e r m e l h a e r g u i d a ,
p a r a o u v i r d i s c u r s o s q u e p e d i a m a e x o n e r a ç ã o d e Sir C h a r l e s . P o u c o
a n t e s d a s 3 : 0 0 da tarde, e n c a b e ç a d o p e l a b a n d e i r a v e r m e l h a , o p o -
v a r é u r e p e n t i n a m e n t e d e s c e u para W h i t e h a l l e invadiu a A b a d i a d e
W e s t m i n s t e r d u r a n t e o o f í c i o religioso. A s c e n a s q u e se s e g u i r a m
a s s e m e l h a m - s e ao ato Final d a Dreigroschenoper (A Ópera dos Três
Vinténs) d e Brecht, a q u e m p o s s i v e l m e n t e i n s p i r a r a m . S e g u n d o The
Times, ' ' g r a n d e n ú m e r o d e m e n i n o s , r a p a z e s e h o m e n s , m u i t o s d e l e s
d e a p a r ê n c i a m u i t o s u j a " , entrou q u a n d o o ó r g ã o e x e c u t a v a u m solo.
M i s t u r a r a m - s e à c o n g r e g a ç ã o " c u j o s m e m b r o s m a i s v a l o r o s o s silen-
c i o s a m e n t e f a z i a m v a l e r s u a i n f l u ê n c i a n o s e n t i d o d e coibir o s m a i s
impudentes... Os brutamontes berravam palavras pesadas contra os
'capitalistas*, s u p o n d o , ao q u e parece, q u e t o d o s o s q u e e s t a v a m n a
A b a d i a , d u r a n t e o culto, f o s s e m ' c a p i t a l i s t a s ' . O c ô n e g o R o s w e l l
t e n t o u a r g u m e n t a r c o m eles. O p o p u l a c h o e s c u t o u , m u i t o q u i e t o " .
J á f o r a , H y n d m a n t o m o u a palavra: " A n t e v i a o t e m p o e m q u e a
b a n d e i r a e o l e m a socialista d e ' u m p o r t o d o s e todos p o r u m ' s e r i a m
c o l o c a d o s n o t o p o d a A b a d i a , e eles e s t a r i a m lá dentro, p r e g a n d o a
doutrina da r e v o l u ç ã o " " .
E m s e g u i d a , o s m a n i f e s t a n t e s voltaram à praça, o n d e " e m t o r n o
d a c o l u n a d e N e l s o n , m u l t i p l i c a v a m - s e os c o m í c i o s " , c o m u m a e n o r -
m e m u l t i d ã o a e s p a r r a m a r - s e pela p r a ç a , i n v a d i n d o r u a s vizinhas. A
p o l í c i a e n t r o u e m p â n i c o e teve q u e r e c o r r e r a o e x é r c i t o p a r a c o n -
trolar a m u l t i d ã o ; na mêlée, m a i s d e c e m p e s s o a s f o r a m feridas; m a i s
tarde, d u a s m o r r e r a m . S e g u i r a m - s e r e c r i m i n a ç õ e s m a c i ç a s e m ú t u a s .
U m missivista i n d i g n a d o e s c r e v e u ao Times q u e o s c o m í c i o s e r a m
" u m a v i s o para q u e t o d o s o s anarquistas, d a q u i e d e toda a parte,
a c o r r e s s e m e m m a s s a p a r a a ú n i c a g r a n d e capital d o m u n d o o n d e
iriam ser t o l e r a d o s " 3 2 . J á H y n d m a n e s c r e v i a d e n t r o d e o u t r a p e r s -
pectiva: " H o m e n s e mulheres não mais passarão fome. Disso estou
certo. A a g i t a ç ã o d o s d i a s d e h o j e é t o t a l m e n t e e s p o n t â n e a e n ã o
o r g a n i z a d a " . O e n f o q u e editorial era previsível: " E s t a m e s m a c a -
pital v e m s e n d o a m e a ç a d a p e l a p l e b e a m o t i n a d a q u e s e d e c l a r a aber-
A CIDADE DA NOITE APAVORANTE 31

tamente decidida a seguir o exemplo do partido d a desordem n a


I r l a n d a e a r r a n c a r a s a t i s f a ç ã o d e s u a s e x i g ê n c i a s p o r m e i o d o ter-
r o r i s m o " 5 3 . E m c o n t r a s t e , a Pall Mall Gazette, d e Stead, a c u s a v a
W a r r e n d e tentar instalar o " g o v e r n o p o l i c i a r * : n a A b a d i a , os tu-
multos ocorridos durante o culto haviam sido provocados pela su-
p e r l o t a ç ã o d o local e o s d e s e m p r e g a d o s h a v i a m a b a n d o n a d o o r e -
c i n t o d e f o r m a p e r f e i t a m e n t e ordeira. E m B o w Street, várias p e s s o a s
f o r a m f e r i d a s a bala; a l g u m a s f o r a m p r e s a s , o u t r a s m u l t a d a s ou in-
d i c i a d a s e m i n q u é r i t o . M a i s tarde, R . C u n n i n g h a m e G r a e m e , m e m -
b r o d o P a r l a m e n t o , e o líder socialista J o h n B u r n s f o r a m c o n d e n a d o s
e m O l d Bailey e p e g a r a m seis s e m a n a s d e c a d e i a ; v i r a r a m h e r ó i s
do povo54.

O LEVANTAMENTO BOOTH: O PROBLEMA


QUANTIFICADO

A violência mutiladora praticada nesses meses teve pelo m e n o s


a v i r t u d e d e g e r a r u m a r e s p o s t a , d e certa f o r m a , r a c i o n a l . C h a r l e s
B o o t h , p r o p r i e t á r i o d e n a v i o s e m L i v e r p o o l , i n s p i r a d o e m The Bitter
Cry, m e t e u - s e p e l o E a s t E n d d e L o n d r e s a f i m d e e m b a r c a r n a q u e l e
q u e seria o p r i m e i r o l e v a n t a m e n t o social m o d e r n o . A u x i l i a d o p o r
u m e x é r c i t o d e assistentes j o v e n s e c a p a z e s , entre o s q u a i s e s t a v a
B e a t r i c e Potter, m a i s tarde W e b b — q u e aqui p r a z e r o s a m e n t e se ini-
c i a v a n a p e s q u i s a universitária —, a p r e s e n t o u ele s e u s p r i m e i r o s re-
s u l t a d o s d i a n t e d a R o y a l Statistical S o c i e t y e m m a i o de 1887, s e -
guidos, u m ano mais tarde, de novo documento. S e g u n d o Booth,
os pobres do East End londrino s o m a v a m perto de 314 000, ou seja,
m a i s d e 3 5 % d a p o p u l a ç ã o d a c i d a d e ; a m p l i a n d o - s e pro raia e s s a
p o r c e n t a g e m , isso q u e r i a d i z e r 1 0 0 0 0 0 0 d e l o n d r i n o s na p o b r e z a ,
o s q u a i s , s e g u n d o ele, p o d i a m ser d i v i d i d o s e m q u a t r o s u b g r u p o s .
O p r i m e i r o , C l a s s e A , a b r a n g i a n ã o m a i s q ú e 11 0 0 0 n o E a s t
E n d , e t a l v e z 5 0 0 0 0 e m toda L o n d r e s : 1 , 2 5 % d a p o p u l a ç ã o . " C o n -
siste d e a l g u n s ( c h a m a d o s ) operários, vadios, s e m i d e l i n q ü e n t e s , p a r t e
d o s a m b u l a n t e s , artistas d e r u a e o u t r o s . " I n c l u í a m u i t a g e n t e m o ç a :
" r a p a z e s q u e c a e m n a t u r a l m e n t e na v a d i a g e m ; m e n i n a s q u e , q u a s e
t ã o n a t u r a l m e n t e q u a n t o eles, v i v e m nas r u a s " ; l e v a v a m " u m a v i d a
s e l v a g e m , s u j e i t a a vicissitudes d e e x t r e m a d u r e z a e e x c e s s o o c a s i o -
nal. O q u e c o m e m está a b a i x o d e q u a l q u e r d e s c r i ç ã o , e s e u ú n i c o
luxo é a bebida"55. O otimismo de Booth baseava-se no fato de esse
g r u p o s e r tão p e q u e n o : " A s h o r d a s d e b á r b a r o s d e q u e o u v i m o s
falar, e q u e , s a i n d o d e s e u s cortiços, irão u m dia d e r r u b a r a civili-
zação moderna, não existem. Os bárbaros constituem uma porcen-
tagem minúscula e decrescente"56. M a s m e s m o assim, repre-
32 CIDADES D O AMANHÃ

sentavam u m problema insolúvel: " N ã o prestam qualquer serviço


útil e n ã o p r o d u z e m b e n s . P e l o contrário, f r e q ü e n t e m e n t e o s d e s -
troem. Degradam tudo o que tocam. E c o m o indivíduos, não têm
c o n d i ç õ e s d e progredir... O q u e d e m e l h o r se p o d e e s p e r a r é q u e
e s s a c l a s s e t e n h a s u a s características hereditárias p r o g r e s s i v a m e n t e
reduzidas"57.
E s s e s , p o r t a n t o , e r a m o s clássicos P o b r e s I n d i g n o s V i t o r i a n o s :
o material g r o s s e i r o d a p l e b e , o p e r p é t u o p e s a d e l o d a s classes res-
peitáveis, a i n d a q u e e m n ú m e r o m u i t o m e n o r d o q u e o q u e H y n d m a n
e o u t r o s h a v i a m a p r e g o a d o . O s e g u n d o g r u p o , C l a s s e B , era, p o r é m ,
m u i t o mais que u m problema. E p o r u m a única razão: constituía in-
dubitavelmente o g r u p o maior — 100 0 0 0 no East End, talvez 3 0 0 0 0 0
e m toda L o n d r e s ; a c i m a d e 11% d a p o p u l a ç ã o d a c i d a d e . B o o t h
descreveu seus componentes c o m o " e m carência c r ô n i c a " : " E s s a
g e n t e , como classe", — s ã o d e l e as p a l a v r a s — " é inepta, gastadeira,
a m a n t e d o prazer e s e m p r e p o b r e ; seu ideal é t r a b a l h a r e divertir-se
q u a n d o b e m lhe a p r o u v e r " 5 8 . O p r o b l e m a d e s s e g r u p o residia n a
n a t u r e z a o c a s i o n a l d o s s e u s salários. C o m p r e e n d i a u m n ú m e r o rela-
t i v a m e n t e alto d e v i ú v a s , m u l h e r e s n ã o c a s a d a s , j o v e n s e c r i a n ç a s .
B o o t h sentia q u e a s o l u ç ã o para o p r o b l e m a d a p o b r e z a era " a total
e x c l u s ã o d e s s a c l a s s e d a luta diária p e l a e x i s t ê n c i a " , v i s t o " c o n s t i -
tuir u m p e s o c o n s t a n t e p a r a o E s t a d o . . . S u a p r e s e n ç a n a s n o s s a s
c i d a d e s gera u m a luta d i s p e n d i o s a e m u i t a s v e z e s inútil e m prol d a
e l e v a ç ã o d o seu p a d r ã o d e vida e d e s a ú d e " 5 9 .
Imediatamente acima, situava-se a Classe C, contando perto d e
74 000 indivíduos no East End, ou 2 5 0 000 em toda Londres: mais
d e 8 % n o total. F o r m a v a m " u m a classe d i g n a d e lástima, c o n s t i t u í d a
por gente batalhadora, sofredora, desesperançada... as vítimas da
competição, e sobre as quais recai c o m especial dureza o peso das
depressões recorrentes d o m e r c a d o " 6 0 . O .problema básico_dessas
p e s s o a s e s t a v a n a n a t u r e z a i r r e g u l a r d e s e u s salários. E p o r fim a C l a s -
se D, composta por indivíduos sujeitos a salários regulares porém
p e q u e n o s , c o m u m total d e 129 0 0 0 habitantes n o East E n d , o u s e j a ,
14,5% d a p o p u l a ç ã o d a c i d a d e ; d i g a m o s , 4 0 0 0 0 0 e m t o d a L o n d r e s .
" V i v e m d u r a s vidas c o m m u i t a p a c i ê n c i a " , e a e s p e r a n ç a d e m e l h o r a
s ó lhes p o d e r i a vir através d o s f i l h o s , v i s t o q u e ' 'para a c l a s s e c o m o
u m todo, a p r o b a b i l i d a d e d e m e l h o r a é r e m o t a " 6 1 .
U m g r u p o q u e leu c o m particular interesse e s s e s r e s u l t a d o s ini-
ciais a p r e s e n t a d o s p o r B o o t h f o i a F a b i a n S o c i e t y , o n d e o t r a b a l h o
paciente de desencavar fatos, desenvolvido por Sidney W e b b , casa-
va-se agora c o m a pena ácida d e Bernard Shaw. A obra fabiana,
clássica e d e f i n i t i v a , Facts for Socialists, cuja primeira edição data
d e 1887, f o i r e p e t i d a m e n t e r e i m p r e s s a , t e n d o v e n d i d o 7 0 0 0 0 e x e m -
plares e m o i t o a n o s ; d o i s a n o s d e p o i s , s u r g i a , e m c o n t i n u a ç ã o ,
A CIDADE DA NOITE APAVORANTE 33

Facts for Londoners. " E m L o n d r e s " , concluíam os pesquisadores,


" u m a e m c a d a c i n c o p e s s o a s m o r r e r á n u m asilo, n u m hospital o u
num hospício"62.

D o s 1 0 0 0 0 0 0 de londrinos que o Sr. Booth considera c o m o pobres... prati-


c a m e n t e nenhum mora em alojamento tão bom quanto o que qualquer homem par-
cimonioso destina a seu cavalo. Essas 200 000 famílias, que não ganham mais de um
guinéu por semana... e muitas vezes irregularmente, pagam de 3 a 7 xelins por semana
por imundos quartos de cortiço, grande parte dos quais absolutamente "impróprios para
habitação", até mesmo pelos frouxos padrões dos funcionários da Saúde Pública.
Londres precisa reconstruir pelo menos 4 0 0 0 0 0 quartos para abrigar os seus cidadãos
mais pobres 6 3 .

O s r e s u l t a d o s e r a m previsíveis: e n q u a n t o a m é d i a de i d a d e p a r a
m o r r e r e r a d e 5 5 a n o s entre o s nobres, os a b o n a d o s e o s p r o f i s s i o n a i s
d a I n g l a t e r r a e d e G a l e s , e n t r e o s artesãos d o L a m b e t h b a i x a v a p a r a
2 9 ; a m o r t a l i d a d e infantil, e m B e t h n a l G r e e n , era o d o b r o d a r e g i s -
trada e m B e l g r a v i a 6 4 .
N a v i s ã o d o s c o n t e m p o r â n e o s , era a m o r a d i a o CÊme_dja_prex=--
b l e m â i ^ A q u e s t ã o habitacional era o p r o b l e m a central de L o n d r e s
n o s a n o s 8 0 d o s é c u l o X I X " ; " d e 1 8 8 3 e m diante, os j o r n a i s tri-
m e s t r a i s e a i m p r e n s a e m geral e n c h e r a m - s e d e a d v e r t ê n c i a s s o b r e
a n e c e s s i d a d e d e r e f o r m a i m e d i a t a p a r a a f a s t a r - s e a a m e a ç a de r e -
v o l u ç ã o " 6 5 . S e g u n d o o s f a b i a n o s , s ó h a v i a u m a saída: " O r e a l o j a -
m e n t o d o s p o b r e s d e L o n d r e s s ó p o d e ser a d e q u a d a m e n t e t r a t a d o
pelo poder público de Londres"66. Entre a primeira e a segunda
e d i ç ã o d o p a n f l e t o Facts, e s s a assertiva tornara-se m u i t o m a i s r e a -
lista e p r a t i c á v e l , visto que, o b e d e c e n d o à r e c o m e n d a ç ã o d a C o m i s -
s ã o R e a l para a M o r a d i a , a lei d o g o v e r n o local d e 1888 t r a n s f e r i r a
as r e s p o n s a b i l i d a d e s d a J u n t a M e t r o p o l i t a n a d e T r a b a l h o p a r a u m
n o v o g r u p o d e m o c r a t i c a m e n t e eleito, o L o n d o n C o u n t y C o u n c i l
( C o n s e l h o d o C o n d a d o d e L o n d r e s ) . E , e m 1890, outra L e i para a
M o r a d i a d a s C l a s s e s T r a b a l h a d o r a s f e z o q u e a L e i de 1885 n ã o
c o n s e g u i r a realizar: dispôs, na Parte III, q u e se r e u r b a n i z a s s e m g r a n -
d e s áreas, c o m a q u i s i ç ã o c o m p u l s ó r i a se necessário, para a c o n s t r u -
ção de casas de c ô m o d o s para a classe trabalhadora, abrangendo
e s s a d e f i n i ç ã o " c a s a s isoladas o u c h a l é s p a r a as c l a s s e s t r a b a l h a d o -
ras, q u e r c o n t i v e s s e m u m ou vários c ô m o d o s a l u g a d o s " 6 7 . E m b o r a
a Lei f o s s e na v e r d a d e c o n t r a d i t ó r i a e m s u a atitude p a r a c o m a a u -
t o r i d a d e local n o tocante à p r o p r i e d a d e e a d m i n i s t r a ç ã o da h a b i t a ç ã o
p o p u l a r — q u e a Parte I d e s e n c o r a j a v a , e a P a r t e III, s e n ã o e n c o r a -
j a v a , p e r m i t i a — o n o v o L C C a p r o v e i t o u a o p o r t u n i d a d e q u e ela l h e
oferecia, estabelecendo de imediato u m Comitê para a Habitação
d a s C l a s s e s T r a b a l h a d o r a s 6 8 . E m 1894, p o d e r e s p a r a obter e m p r é s -
t i m o s f o r a m e s t e n d i d o s a e s s e i m p o r t a n t e p a r á g r a f o d a Lei; e m 1900,
34 CIDADES DO AMANHÃ

as a u t o r i d a d e s locais, q u e incluíam o L C C e o s n o v o s b u r g o s lon-


d r i n o s s u r g i d o s e m substituição às p a r ó q u i a s p o r d e t e r m i n a ç ã o d e
u m a lei d o g o v e r n o d e L o n d r e s d o a n o anterior, tiveram a p e r m i s s ã o
d e c o m p r a r terra e m s u a s respectivas periferias a fim d e i m p l e m e n -
t a r e m e s s e p a r á g r a f o d a Lei de 1890 6 9 .

A CIDADE DO CORTIÇO NA EUROPA

L o n d r e s , m a i s d o q u e q u a l q u e r o u t r a c i d a d e britânica d a p r o -
víncia, f o i o p a l c o o n d e s e r e p r e s e n t o u a m a i o r parte d e s s e d r a m a
até a e x a u s t ã o . M a s isso p o r q u e — c o n f o r m e r e c o n h e c i a a C o m i s s ã o
R e a l e m 1885 — ali o p r o b l e m a habitacional e r a m u i t o pior; o q u e ,
por extensão, dava bem a medida do tamanho de Londres. C o m seus
5 , 6 m i l h õ e s d e habitantes n o início d e 1890, n ã o h a v i a outra área
u r b a n a britânica q u e lhe fizesse f r e n t e ; d e n s i d a d e s habitacionais, ar-
r e n d a m e n t o s d e solo, p r o b l e m a s de transporte, c o m p e t i ç ã o p e l o es-
p a ç o , c o m c e r t e z a h a v e r i a m d e ser, ali, m u i t o m a i s a g u d o s .
M e s m o e m escala internacional, c o n t r a os 4 , 1 m i l h õ e s da r e g i ã o
d e Paris e o 1,6 m i l h ã o d a G r a n d e B e r l i m , L o n d r e s era i n c o n -
t e s t a v e l m e n t e a m a i o r c i d a d e d a E u r o p a , e até m e s m o d o m u n d o 7 0 .
M a s justamente por serem relativamente menores e mais densas,
e s s a s outras c i d a d e s c o m p e t i a m c o m s u a s p r ó p r i a s histórias d e terror.
E m Paris, 2 , 4 5 m i l h õ e s d e p e s s o a s que h a b i t a v a m a c i d a d e h i s t ó r i c a ,
e m 1891, m o r a v a m n u m a á r e a d u a s v e z e s m a i s d e n s a q u e a d o L C C .
N e s s a d a t a , Bertillon c o n c l u í a q u e 14% da Paris pobre, ou seja, 3 3 0
0 0 0 pessoas, viviam e m moradias superlotadas; os pobres estavam
a l o j a d o s até p i o r d o q u e e m L o n d r e s . Sellier calculava, e m 1911,
q u e o total a i n d a era d e 2 1 6 0 0 0 , m a i s o u t r o s 85 0 0 0 n o s s u b ú r b i o s ,
m o r a n d o d u a s o u m a i s p e s s o a s e m c a d a quarto 7 1 . L á t a m b é m a le-
g i s l a ç ã o — e m 1894, 1906 e 1912 — permitira a c o n s t r u ç ã o d e h a b i -
tações d e b a i x o c u s t o p a r a as classes t r a b a l h a d o r a s , t e n d o a m a i s
r e c e n t e c o n s e g u i d o q u e as autoridades locais instalassem escritórios
i n c u m b i d o s d e construir e administrar tais h a b i t a ç õ e s c o m s u b v e n ç ã o
estatal. N o entanto, d a í até 1914, a p e n a s 10 0 0 0 d e s s a s m o r a d i a s
h a v i a m s i d o c o n s t r u í d a s e m toda a r e g i ã o d e Paris, total i n e x p r e s s i v o
se comparado ao resultado atingido pelo LCC72. A dura verdade era
que nem a cidade nem o Estado tinham o dinheiro necessário para
d e r r u b a r o cortiço: d e u - s e e n t ã o p r i o r i d a d e a outras o b r a s p ú b l i c a s
d e g r a n d e porte — c o n s t r u í r a m - s e e s c o l a s e a S o r b o n n e e m 1 8 8 0 e
1890, c o n s t r u i u - s e o m e t r ô , e n t r e 1 9 0 0 e 1910 7 3 .
Berlim, onde a população estava crescendo a u m a velocidade
q u a s e igual à n o r t e - a m e r i c a n a — q u a s e d o b r a n d o e m vinte a n o s , d e
1,9 m i l h ã o e m 1 8 9 0 p a r a 3,7 m i l h õ e s e m 1 9 1 0 —, era, c o m o Paris,
2 . 3 Charles Booth
O amador-que-virou-sociólogo
p r o v a v e l m e n t e o u v e , atento, o s
resultados de sua pesquisa;
t a l v e z a relatora f o s s e a j o v e m
B e a t r i c e Potter.

2.4 As Mietskaseme de Berlim


E m B e r l i m , um p r o j e t o - m o d e l o d e h a b i t a ç ã o p r o v o c a s u p e r p o p u l a ç ã o e
miséria.
36 CIDADES DO AMANHÃ

u m a c i d a d e e x t r a o r d i n a r i a m e n t e c o m p a c t a e, portanto, p o p u l a c i o n a l -
m e n t e saturada; s e u c r e s c i m e n t o foi a c o m o d a d o e m " c a s e r n a s d e
a l u g u e l " d e c i n c o p a v i m e n t o s , a b a r r o t a d a s de gente, e d i s p o s t a s e m
t o r n o d e quintais d e q u a n d o m u i t o 15 p é s d e largura, ou seja, o
m í n i m o n e c e s s á r i o para permitir a e n t r a d a d e u m e q u i p a m e n t o c o n t r a
i n c ê n d i o . E s s e tipo de u r b a n i z a ç ã o , iniciado, ao q u e parece, p o r F r e -
d e r i c o , o G r a n d e , para alojar f a m í l i a s d e s o l d a d o s , g e n e r a l i z o u - s e
e m decorrência d o plano urbano d o burgomestre Jakob Hobrecht,
e m 1858; a p a r e n t e m e n t e p r o j e t a d o p a r a p r o m o v e r a integração s o -
cial, c o m ricos e p o b r e s instalados n o m e s m o b l o c o d e e d i f í c i o s , ele
s i m p l e s m e n t e p r o d u z i u u m a s a t u r a ç ã o p o p u l a c i o n a l lastimável, e o
m o d e l o e s t e n d e u - s e até m e s m o a o n o v o d e s e n v o l v i m e n t o s u b u r b a n o ,
d e p o i s q u e este teve m u d a d o s o s s e u s r e g u l a m e n t o s , e m 1890 7 4 ; a
especulação, guiada pelo plano e alimentada por um sistema hipo-
tecário q u e lhe era e x t r e m a m e n t e f a v o r á v e l , f e z o resto 7 3 .
O resultado, c o n f o r m e c á l c u l o s d o p i o n e i r o d o p l a n e j a m e n t o bri-
t â n i c o T . C . Horsfall e m 1903, foi que, e n q u a n t o e m L o n d r e s a
m é d i a d e habitantes p o r e d i f í c i o era d e 7 , 6 , e m B e r l i m c h e g a v a a
52,6 7 6 ; e e m b o r a j á e s t i v é s s e m o s e m 1916, nada m e n o s q u e 7 9 % d e
t o d a s a s m o r a d i a s s ó d i s p u n h a m d e u m ou dois quartos aquecíveis 7 7 .
E os aluffuéis^e_jipartarngntos em Berlim eram m u i t o mais caros
q u e o s d e H a m b u r g o ou M u n i q u e — s e n d o , j r o n i c a m e n t e , j o s j n q u i -
linos p o b r e s os q u c t i n h a m a p a r t e m a i o r d e s e u s s a l á r i o s c o m p r o -
m e t i d a c o m o p a g a m e n t o d o aluguel 7 8 . M a i s : e m b o r a a A l e m a n h a
realizasse m a i s r a p i d a m e n t e d o q u e a Inglaterra a eletrificação d e
s u a s linhas d e b o n d e , e m B e r l i m , as c o m p a n h i a s d e b o n d e p a r t i c u -
lares, à s e m e l h a n ç a d o q u e a c o n t e c e r a c o m o L C C , n ã o s a t i s f i z e r a m
p l e n a m e n t e c o m o m e i o d e l o c o m o ç ã o externa, e as linhas d e trens
s u b t e r r â n e o s t i v e r a m s u a i m p l a n t a ç ã o r e t a r d a d a p o r disputas legais 7 9 .
P a t r i c k A b e r c r o m b i e , o p l a n e j a d o r britânico, ao visitar B e r l i m p o u c o
a n t e s "tia P r i m e i r a G r a n d e G u e r r a , f i c o u intrigado c o m o c o n t r a s t e
que essa cidade oferecia e m relação a Londres: " B e r l i m é a mais
compacta cidade da Europa; ao crescer, não avança a esmo, c o m
e s t r a d a s p e q u e n a s e casas s u b u r b a n a s insignificantes, m a s vai, len-
t a m e n t e , e m p u r r a n d o suas a m p l a s ruas citadinas e seus colossais b l o -
c o s d e a p a r t a m e n t o s r u m o ao c a m p o , t r a n s f o r m a n d o - o , d e c h o f r e ,
e m cidade florescente"80.
V e r i f i c o u - s e , p o r é m , n a s capitais e u r o p é i a s , u m a interessante
reação ao crescimento e à superlotação: tanto e m Londres c o m o e m
Berlim, aumentava o temor de que a população urbana fosse, de
c e r t o m o d o , b i o l o g i c a m e n t e i n c a p a z . P o r volta d e 1900, o r e c r u t a -
mento para a guerra sul-africana tornou patente o fato de que dos
11 0 0 0 j o v e n s c o n v o c a d o s e m M a n c h e s t e r , 8 0 0 0 h a v i a m s i d o rejei-
t a d o s e a p e n a s 1 0 0 0 e s t a v a m a p t o s p a r a o s e r v i ç o militar. M a i s
A CIDADE DA NOITE APAVORANTE 37

tarde, na P r i m e i r a G r a n d e G u e r r a , a C o m i s s ã o V e r n e y r e a f i r m a v a
q u e a c o m p l e i ç ã o física d o s e g m e n t o u r b a n o d a G r ã - B r e t a n h a t e n d i a
a deteriorar-se, m a n t e n d o - s e u n i c a m e n t e g r a ç a s ao r e c r u t a m e n t o f e i t o
n o interior® 1 . A s s i m t a m b é m e m B e r l i m , s ó 4 2 % d o s b e r l i n e n s e s
f o r a m c o n s i d e r a d o s a p t o s para o exército e m 1913, c o n t r a 6 6 % d o s
a l e m ã e s p r o v e n i e n t e s d e á r e a s rurais 8 2 .
D a í logo se deduziu que a população urbana — e eventualmente
a p o p u l a ç ã o c o m o u m t o d o — iria f a l h a r e m s u a a u t o - r e p r o d u ç ã o ,
a r g u m e n t o u t i l i z a d o p r i m e i r a m e n t e p o r G e o r g H a n s e n e m seu l i v r o
Die drei Bevõlkerungsstufen (Aí Três Etapas do Crescimento Popu-
lacional), d e 1890, e d e s e n v o l v i d o p o r O s w a l d S p e n g l e r n o c l á s s i c o
The Decline of the West (A Decadência do Ocidente), d e 1918:
"Agora___a c i d a d e g r a n d e s u g a o c a m p o até o osso, insaciável e in-
c e s s a n t e m e n t e r e c l a m a n d o e d e v o r a n d o n o v o s f l u x o s h u m a n o s , até
e x a u r i r - s e e m o r r e r e m m e i o a u m d e s p e r d í c i o d e território q u a s e
i n a b i t a d o " 8 3 . M a s e m a m b o s o s países, t e m o r e s m a i o r e s f a z i a m - s e
p r e s e n t e s . C h a r l e s M a s t e r m a n , p a r l a m e n t a r liberal, m o s t r o u e m s e u
livro, The Heart of the Empire ( 1 9 0 1 ) , q u e o l o n d r i n o era u m t i p o
instável:

A Inglaterra d o passado foi uma Inglaterra de homens reservados, silenciosos,


espalhados e m pequenas cidades, povoados e casas de campo... O problema que s e
planteia para o s anos vindouros é exatamente o problema de... um tipo físico carac-
terístico d o habitante citadino: raquítico, tronco estreito, facilmente dominável pelo
cansaço: mas volúvel, excitávcl, c o m pequeno lastro de resistência — procurando
estímulo na bebida, nas apostas, e m quaisquer conflitos insólitos que venham a ocorrer
no lar ou adjacências 8 4 .

A s s i m t a m b é m n a A l e m a n h a d e 1920, die Angst vor der Stadt


( o m e d o à c i d a d e ) era m e d o d a d e c o m p o s i ç ã o social, s u g e r i d a p e l a
e v i d ê n c i a d o suicídio, d o a l c o o l i s m o e d a d o e n ç a v e n é r e a , p e l a " r a -
c i o n a l i d a d e e x c e s s i v a " e a falta de estabilidade política 8 5 .

NOVA YORK: O TUMOR NAS HABITAÇÕES COLETIVAS

Acima de tudo, concluía A n d r e w Lees e m seu monumental es-


tudo sobre comportamentos urbanos do século XIX, medo e aversão
à cidade eram um fenômeno tipicamente anglo-germânico: " P o u c o s
n o r t e - a m e r i c a n o s d e m o n s t r a r a m sentir e s s a c á u s t i c a a v e r s ã o à v i d a
u r b a n a q u e n o s é d a d o o b s e r v a r e m g r a n d e parte d a literatura ale-
m ã " ; porém " m u i t o s homens e mulheres articulavam u m discurso
agudamente consciente das mazelas morais que desfiguravam a face
d a s c i d a d e s , f o s s e m estas n o r t e - a m e r i c a n a s o u e u r o p é i a s " 8 6 . E s s e s
m e d o s c o n c r e t i z a r a m - s e aberta e até m e s m o o b s e s s i v a m e n t e n a N o v a
38 CIDADES DO AMANHÃ

Y o r k d e 1890. Ali, a tradicional p r e o c u p a ç ã o j e f f e r s o n i a n a d e q u e


a c i d a d e era " n o c i v a à m o r a l , à s a ú d e e à liberdade d o s h o m e n s " ,
u m c â n c e r ou u m t u m o r instalado no c o r p o social e n o c o r p o político,
foi e s t i m u l a d a p e l a industrialização e pela i m i g r a ç ã o : N o v a Y o r k
tornou-se a maior cidade de imigrantes do mundo, c o m " a metade
d o s italianos existentes e m N á p o l e s , c o m tantos a l e m ã e s q u a n t o
H a m b u r g o , c o m d u a s v e z e s m a i s irlandeses q u e D u b l i n e d u a s v e z e s
e meia mais judeus do que Varsóvia"87.
O s intelectuais f o r a m u n â n i m e s q u a n t o a o s resultados. H e n r y
J a m e s e s c r e v i a q u e " N o v a Y o r k e r a a u m t e m p o esquálida e d o u -
rada, e m a i s valia evitá-la q u e d e s f r u t á - l a " 8 8 . M u i t o s c h e g a r a m a
aceitar a o p i n i ã o de J o s i a h S t r o n g , q u e e m 1885 a f i r m a v a ser p o s -
sível rastrear na c i d a d e c a d a u m d o s p e r i g o s q u e a m e a ç a v a a d e m o -
cracia a m e r i c a n a : p o b r e z a e crime, s o c i a l i s m o e c o r r u p ç ã o , i m i g r a ç ã o
e catolicismo 8 9 . A l a n F o r m a n , n o American Magazine de 1885, es-
crevia s o b r e " u m a m a s s a f e r v i l h a n t e d e seres h u m a n o s tão i g n o r a n -
tes, tão viciosos, tão d e p r a v a d o s q u e n e m p a r e c e m p e r t e n c e r à n o s s a
e s p é c i e " , a p o n t o d e ser " q u a s e m o t i v o para c o n g r a t u l a ç õ e s estar
o índice d e m o r t a l i d a d e , entre o s habitantes d e s s e s c ô m o d o s , e m
t o r n o d o s 5 7 % " 9 0 . E m 1892, n a d a m e n o s q u e u m j o r n a l d o s m a i s
a u t o r i z a d o s c o m o o New York Times q u e i x a v a - s e da i n v a s ã o d o s
" i n d i g e n t e s físicos, m o r a i s e m e n t a i s " d a E u r o p a , " d e u m tipo s e m
o qual e s t a r í a m o s b e m m e l h o r " 9 1 . A t é o American Journal of So-
ciology, e m 1897, foi f o r ç a d o a r e c o n h e c e r o p o d e r d a ' ' c r e n ç a p o -
p u l a r " de que " g r a n d e s cidades são grandes centros de corrupção
social e... d e g e n e r a ç ã o " 9 2 . F. J. K i n g s b u r y , e m 1895, era l e v a d o a
c o m e n t a r q u e " d e p o i s d e l e r m o s tudo o q u e se disse s o b r e o s m a l e s
d a s c i d a d e s d e s d e o s t e m p o s de C a i m até a ú l t i m a eleição e m N o v a
Y o r k , ser-nos-ia lícito p e n s a r q u e nada, a n ã o ser a l g o s e m e l h a n t e
a o t r a t a m e n t o a p l i c a d o a S o d o m a e G o m o r r a , satisfará as necessi-
dades do caso"93.
O h o m e m que, m a i s q u e todos, deu f o r m a a tais s e n t i m e n t o s
foi J a c o b Riis: u m d i n a m a r q u ê s d e o r i g e m rural que e m i g r o u p a r a
N o v a Y o r k e m 1870, c o m 2 1 a n o s d e idade, t o r n a n d o - s e j o r n a l i s t a
sete a n o s d e p o i s . O seu How the Other Half Lives (Como Vive a
Outra Metade), p u b l i c a d o e m 1890, d e s p e r t o u u m a s e n s a ç ã o sinis-
t r a m e n t e s e m e l h a n t e ao i m p a c t o p r o v o c a d o e m L o n d r e s p o r The Bi-
tter Cry, sete a n o s antes 9 4 . C o m o este, aquele foi t a m b é m u m bri-
lhante trabalho jornalístico. S u a s d e s c r i ç õ e s d a vida n u m c o r t i ç o
c o m b i n a v a m c o m arte d o i s t e m o r e s c o n t e m p o r â n e o s : a c i d a d e vista
c o m o u m a e s p é c i e d e parasita instalado n o c o r p o da nação, e o i m i -
g r a n t e visto c o m o u m c o r r u p t o r d a p u r e z a racial e d a h a r m o n i a social
n o r t e - a m e r i c a n a s . Estes n o v o s imigrantes, " h o m e n s d e r r o t a d o s d e
raças derrotadas; r e p r e s e n t a n d o o q u e h a v i a d e pior e m m a t é r i a d e
A CIDADE DA NOITE APAVORANTE 39

f r a c a s s o na luta p e l a e x i s t ê n c i a " 9 5 , t o r n a v a m - s e u m a a m e a ç a para a


o r d e m e p a r a o p r ó p r i o f u t u r o d a R e p ú b l i c a , c h a m a n d o d e volta a s
a g i t a ç õ e s d a v e l h a N o v a Y o r k d e 1863:

U m imenso mar de gente, mantida sob cortantes grilhões, move-se com difi-
culdade nos prédios de habitação coletiva. Já e m outros tempos, nossa cidade, obri-
gada a enfrentar os deveres e responsabilidades de sua dimensão de metrópole antes
que lhe fosse possível avaliar com justeza a própria tarefa, sentiu o crescendo daquela
maré inexorável. Se esta, uma vez mais, se levantar, não haverá poder humano capaz
de reprimi-la 96 .

M a s agora os prédios de habitação coletiva espalhavam-se p o r


t o d a a parte,

entupindo todos os bairros mais baixos, onde quer que o comércio deixe alguns
centímetros de terreno sem dono; amarrados em fileira ao longo dos dois rios, qual
bola e corrente presas ao pé de cada rua, e abarrotando o Harlem com SUEIS multidões
inquietas, reprimidas, eles mantinham e m suas garras a riqueza e o mundo dos ne-
gócios nova-iorquinos, inantinham-nos à sua mercê nos dias de linchamento e de
fúria. Os abrigos à prova de bala, as pilhas de granadas de mão e os canhões Gatling
do Tesouro municipal são admissões tácitas do fato e da qualidade de clemência
esperada. Hoje, as habitações coletivas são Nova York, abrigando três quintos de sua
população 9 7 .

U m a C o m i s s ã o p a r a P r é d i o s d e H a b i t a ç ã o Coletiva, d e 1894, e s -
t i m a v a q u e p e r t o d e três e m c i n c o d o s h a b i t a n t e s d a c i d a d e m o r a v a m
n e s s e s c o n j u n t o s , c o n s t r u í d o s e m tão brutal d e n s i d a d e , que, e m m é d i a ,
q u a t r o q u i n t o s d o s o l o e s t a v a m c o b e r t o s d e edifícios 9 8 . N o s distritos
p o r eles d o m i n a d o s , d o i s fatores se a l i a v a m p a r a criar u m a c e r b o p r o -
b l e m a h u m a n o . E m p r i m e i r o lugar, as p e s s o a s q u e ali c h e g a v a m e r a m
d e s e s p e r a d o r a m e n t e p o b r e s e — e m virtude d a s barreiras d e língua e
cultura — inapelavelmente votadas à imobilidade. O planejador norte-
a m e r i c a n o , perito e m h a b i t a ç ã o , C h a r l e s A b r a m s , a u t o r i d a d e no a s -
s u n t o v i s t o q u e c r e s c e r a n u m d e s s e s c o n j u n t o s , e x p l i c a v a m a i s tarde:
" A c u l p a n ã o é d o proprietário; a c u l p a n ã o é d o construtor. E l e s c o n s -
t r o e m p a r a s a t i s f a z e r a u m m e r c a d o . O m e r c a d o era r e g i d o p e l a s p o s -
s i b i l i d a d e s d e p a g a m e n t o d o inquilino. A s p o s s i b i l i d a d e s d e p a g a m e n -
to d o i n q u i l i n o e r a m d e t e r m i n a d a s p e l o s salários q u e ele r e c e b i a " 9 9 .
S e o c o i t a d o d o i m i g r a n t e n ã o tivesse a c e s s o a u m d e s s e s a p a r -
t a m e n t o s , n ã o teria a c e s s o a n a d a . E f a m í l i a s p o b r e s a m o n t o a v a m - s e
d e n t r o d e l e s p o r q u e , ali f i c a n d o , p o d e r i a m ir a p é p a r a o e m p r e g o .
Q u a s e 7 5 % d o s j u d e u s r u s s o s a c h a v a m - s e a r r e b a n h a d o s e m três d i s -
tritos d a c i d a d e e s o b r e t u d o n u m deles, o 10°, o n d e a m a i o r i a p r o -
v i n h a ( o u s e u s p a i s ) d a R ú s s i a e d a P o l ô n i a r u s s a . P o r volta d e 1893,
c o m m a i s d e s e t e c e n t a s p e s s o a s p o r acre, e s s e distrito tinha u m a
população quase 3 0 % maior que a da mais superpovoada região de
2.5 e 2.6 Os Dumbbells de Nova York (conjuntos de habitação coletiva construídos
segundo a antiga legislação)
C o m o e m Berlim, também e m N o v a York, outro " a v a n ç a d o " projeto habitacio-

Í nal, perversamente carente de luz e de ar, transforma-se, e m compensação, num


monumental formigueiro humano.
42 CIDADES DO AMANHÃ

q u a l q u e r c i d a d e e u r o p é i a ; parte d o 11° Distrito, q u e lhe era v i z i n h o ,


c o m q u a s e 1 0 0 0 habitantes p o r acre, e x c e d i a , e m c o n c e n t r a ç ã o po-
p u l a c i o n a l , até m e s m o o p i o r distrito d e B o m b a i m , constituindo, d e s -
s e m o d o , m u i t o p r o v a v e l m e n t e , o m a i s p o p u l o s o bairro u r b a n o d o
m u n d o — e m b o r a , i r o n i c a m e n t e , e m m e a d o s d o s anos 80, a l g u m a s
partes d e H o n g K o n g lhe t e n h a m a r r e b a t a d o o título 1 0 0 .
E m s e g u n d o lugar, e s s a g e n t e se a m o n t o a v a e m c o n j u n t o s d e
p r é d i o s d e h a b i t a ç ã o coletiva que, c o m o o s d e B e r l i m , r e s u l t a v a m
p e r v e r s a m e n t e d e u m p r o j e t o de m o r a d i a p r e t e n s a m e n t e a p e r f e i ç o a -
do: d e s e n v o l v i d o n u m c o n c u r s o p ú b l i c o d e 1879, o f a m i g e r a d o c o n -
j u n t o e m f o r m a d e haltere, o dumb-bell, p e r m i t i a q u e 2 4 f a m í l i a s se
a m o n t o a s s e m n u m a á r e a d e 2 5 p é s d e largura p o r 100 d e f u n d o , e m
q u a t o r z e q u a r t o s p o r andar, d o s quais a p e n a s d e z t i n h a m a c e s s o a
u m p o ç o d e luz q u a s e s e m luz (e s e m ar) 1 0 1 . N ã o era raro a m o n t o a -
r e m - s e d u a s f a m í l i a s n u m desses a p a r t a m e n t o s p a v o r o s o s ; e m 1908,
u m r e c e n s e a m e n t o f e i t o c o m as f a m í l i a s d o E a s t Side m o s t r o u q u e
m e t a d e d e l a s tinha d e três a q u a t r o p e s s o a s d o r m i n d o n u m q u a r t o ,
e para a q u a r t a parte delas, e s s e n ú m e r o s u b i a d e c i n c o para m a i s ;
t o d a s d e p e n d i a m d e u m a s p o u c a s torneiras d e u s o c o l e t i v o e n ã o
e x i s t i a m b a n h e i r a s fixas 1 0 2 . U m quarteirão n o r m a l poderia, p o r t a n t o ,
a b r i g a r 4 0 0 0 p e s s o a s , e e m 1900, p e r t o d e 4 2 7 0 0 p r é d i o s d e h a b i -
t a ç ã o c o l e t i v a d e M a n h a t t a n a l o j a v a m m a i s de 1,5 m i l h ã o de p e s s o a s ,
u m a m é d i a d e q u a s e 34 p o r prédio"' 3 .
A r e a ç ã o d a s o c i e d a d e dos respeitáveis — a saber, d o s q u e t i n h a m
m a i s t e m p o d e terra, a S o c i e d a d e A n g l o - P r o t e s t a n t e B r a n c a — foi
p r a t i c a m e n t e idêntica à q u e o c o r r e r a e m L o n d r e s . D u a s s u c e s s i v a s
C o m i s s õ e s para P r é d i o s d e H a b i t a ç ã o C o l e t i v a , e m 1894 e 1900,
c o n f i r m a r a m as p é s s i m a s c o n d i ç õ e s d e vida o f e r e c i d a s p o r e s s e s alo-
j a m e n t o s ; a p r i m e i r a p o u c o c o n s e g u i u , m a s a s e g u n d a foi s e g u i d a —
a p ó s á r d u a luta política — d e u m a legislação, e m 1901, " o m a i s
s i g n i f i c a t i v o ato r e g u l a m e n t a d o r j a m a i s o c o r r i d o na história d a m o -
radia na A m é r i c a " , q u e p u n h a f o r a d a lei a c o n s t r u ç ã o d e n o v o s
dumb-bells, e o b r i g a v a a q u e se m o d i f i c a s s e m o s existentes 1 0 4 . S e u
secretário, L a w r e n c e Veiller, era ainda u m j o v e m d e vinte a n o s , q u e
c o m b a t e r a interesses p a r a m e n t a d o s p a r a vê-la instituída 1 0 5 . D e n t r o
d e s u a v i s ã o pessoal d o p r o b l e m a , m u i t a s d a s q u e s t õ e s u r b a n a s d e -
r i v a v a m d o f a t o d e ter o c o r r i d o u m a transição e x c e s s i v a m e n t e r á p i d a
d o c a m p o n ê s e u r o p e u p a r a o urbanita n o r t e - a m e r i c a n o , o q u e ele s e
p r o p o r i a r e m e d i a r via u m m a c i ç o r e a s s e n t a m e n t o rural. N e s s e ínte-
r i m , p o r é m , fazia-se necessária, para o s q u e c o n t i n u a v a m e n g a i o l a -
d o s n a c i d a d e , u m a a ç ã o drástica q u e s a n a s s e o s m a l e s m a i s p u n -
g e n t e s d a v i d a n e s s e s c o n j u n t o s , e para tanto, f o r ç a era p r o v ê - l o s d e
m a i s luz, m a i s ar, n o v o s b a n h e i r o s e d e u m a p r o t e ç ã o m a i s e f i c i e n t e
c o n t r a incêndios 1 0 6 .
A CIDADE DA NOITE APAVORANTE 43

S e g u n d o d e s c r i ç ã o d e Veiller, esses m a l e s " i a m a l é m d o i m a -


ginável"107: num único bloco, de quando muito 2 0 0 por 400 pés,
atravancavam-se 39 prédios coletivos com 605 unidades separadas,
que alojavam 2 781 pessoas, com apenas 264 privadas e nenhuma
b a n h e i r a ; 4 4 1 q u a r t o s n ã o t i n h a m q u a l q u e r tipo de v e n t i l a ç ã o , o u t r o s
6 3 5 r e c e b i a m a r a p e n a s a t r a v é s d e estreitos respiradouros 1 0 8 . A s re-
c o m e n d a ç õ e s d a C o m i s s ã o d e 1894, q u e p r o c u r a r a evitar o e x c e s s o
d e e d i f i c a ç õ e s , h a v i a m s i d o t o t a l m e n t e i g n o r a d a s e Veiller e s c r e v i a :

A ganância desenfreada foi gradualmente encolhendo as dimensões dessas ha-


bitações, até torná-las tão estreitas que a vida familiar dissolveu-se, expulsando seus
membros e dispersando-os. O pai está no botequim; a criançada desfila em procissão
para cima e para baixo pelas ruas iluminadas, em frente às salas de concerto ou aos
antros da infâmia legalizada; os meninos perambulam em hordas pelas ruelas, as
meninas pelos pátios... A redenção das classes que moram nesses conjuntos depende,
e m parte, de que se devolva à família, a mais conservadora unidade da civilização,
o direito a seu próprio espaço, à luz e ao ar naturais, bem c o m o ao cultivo das
prendas domésticas, entre as quais se conta o asseio pessoal 1 " 9 .

Os membros da Comissão concluíram:

Os distritos de Nova York ocupados por prédios de habitação coletiva são lu-
gares onde milhares de pessoas estão vivendo no mais ínfimo dos espaços onde é
possível a seres humanos subsistirem — amontoados e m quartos escuros e mal ven-
tilados, e m muitos dos quais a luz do sol nunca entra, e que, na sua maioria, não
conhecem o ar fresco. São focos de doença, pobreza, vício e crime, onde o que
surpreende não é que algumas crianças cresçam para serem ladrões, bêbados ou pros-
titutas, mas que tantas consigam tornar-se adultos decentes e responsáveis 1 1 0 .

O p r o b l e m a , p o r t a n t o , e r a e n o r m e ; q u a n t o a isso, a C o m i s s ã o
e s t a v a d e p l e n o a c o r d o c o m a C o m i s s ã o R e a l Britânica d e 1885.
M§& n o t o c a n t e à s s o l u ç õ e s . Veiller..e..seus c o m p a n h e i r o s d i v e r g i r a m
v e e m e n t e m e n t e ^ d p s c a m i n h o s t o m a d o s p e l o s ingleses e, p o r c o n s e -
guinte, d o s e u r o p e u s . E x a m i n a r a m o m o d e l o l o n d r i n o da h a b i t a ç ã o
p o p u l a r e o r e j e i t a r a m c o m firmeza. " N ã o serviria p a r a n a d a d e
b o m " , f o i o q u e c o n c l u í r a m : q u a n d o j m u i t o , a s o l u ç ã o via m u n i c í p i o
iria " m e l h o r a r as c o n d i ç õ e s d e vida d e u n s p o u c o s f a v o r e c i d o s " e
" n ã o c o n s e g u i r i a realizar n a d a m e l h o r d o q u e a q u i l o q u e a b e n e -
m e r ê n c i a p a r t i c u l a r j á realizara n o p a s s a d o e, s e g u r a m e n t e , realizaria
n o futuro* ' ; n ã o h a v e r i a c õ m õ ~ d ê í e r m i n a r " o n d e traçar a linha s a -
larial q u e s e p a r a s s e o s q u e d e v e m d o s q u e n ã o d e v e m s e r b e n e f i -
c i a d o s " " 1 . A l é m d o rnais^ s e n t i a m eles q u e a m o r a d i a f o r n e c i d a p e l o
municípto^ po-
lítico, a o d e s e n c o r a j a m e n t o d o capital p r i v a d o . D a í a resistência: c o u -
be à regra física do empreendedor privado encontrar a resposta. A
L e i d e 1901, m e t i c u l o s a m e n t e d i v i d i d a e m m a i s d e c e m p o r m e n o -
A CIDADE DA NOITE APAVORANTE 45

rizados parágrafos, codificou padrões de espaço, proteção contra in-


c ê n d i o , s i s t e m a s d e e n c a n a m e n t o " 2 . T e n d o e m vista as c o n d i ç õ e s d e
t e m p o e lugar, e s s a t a l v e z t e n h a s i d o u m a d e c i s ã o realista; e m b o r a
l o g o a p ó s , o u t r o s r e f o r m i s t a s , partidários d a h a b i t a ç ã o p o p u l a r —
E d i t h E l m e r W o o d , F r e d e r i c k A c k e r m a n —, c o m e ç a s s e m a d i s c o r d a r
dela. D e q u a l q u e r m o d o , e m c o m p a r a ç ã o c o m a E u r o p a , a c a u s a d a
h a b i t a ç ã o c o m o d e v e r d o E s t a d o s o f r i a c o m isso u m r e t r o c e s s o d e
d é c a d a s , c o m o , aliás, iria lamentar, n o s a n o s 30, C a t h e r i n e B a u e r " 3 .
A s r a z õ e s i n t r i g a r a m os historiadores. Pois elas i m p l i c a v a m , n o s
E U A , u m d i v ó r c i o entre as artes nascentes d o p l a n e j a m e n t o habita-
cional e d o p l a n e j a m e n t o u r b a n o . O p l a n e j a m e n t o n o r t e - a m e r i c a n o ,
n o s s e u s p r i m ó r d i o s , c o m o virá à t o n a no C a p í t u l o 6, f o r a d o m i n a d o
p e l o M o v i m e n t o C i t y B e a u t i f u l , e issò s i g n i f i c a v a p l a n e j a r s e m p r o -
p ó s i t o s sociais — o u até c o m p r o p ó s i t o s r e t r ó g r a d o s : o m o v i m e n t o
zoneador, que influenciou profundamente o curso subseqüente d o
d e s e n v o l v i m e n t o s u b u r b a n o n o s E s t a d o s U n i d o s , era, no m í n i m o ,
s o c i a l m e n t e e x c l u i d o r , e m seu intuito e i m p a c t o . P l a n o s r e g i o n a i s ,
c o m o o c é l e b r e P l a n o R e g i o n a l d e N o v a Y o r k , d e 1931, e s t a v a m
grandemente preocupados c o m moradias melhores para os que pu-
dessem dispor de recursos para pagar. Assim, " p r o c l a m a d o c o m o
p r e o c u p a ç ã o prioritária n o início de c a d a u m d o s três m a r c o s esta-
belecidos para a evolução do planejamento nos Estados Unidos, o
p r o b l e m a d a h a b i t a ç ã o p a s s a , e m c a d a caso, a c o n e c t a r - s e c o m outras
q u e s t õ e s ; e e m c a d a c a s o , as s o l u ç õ e s o u e m e r g e m d e s l i g a d a s d e l e
ou, na v e r d a d e , a g r a v a m a q u e l a s m e s m a s c o n d i ç õ e s h a b i t a c i o n a i s
q u e p a r e c i a m ter g e r a d o o e s f o r ç o " " 4 .
S e g u n d o P e t e r M a r c u s e , d a s três r a z õ e s p e l a s q u a i s a política
habitacional e m e r g i u c o m o s o l u ç ã o — e x t e r n a l i d a d e s c o m o p e r i g o d e *
f o g o e d o e n ç a , p r e o c u p a ç ã o c o m a o r d e m social e p r o t e ç ã o d o v a l o r
d o s i m ó v e i s — as d u a s p r i m e i r a s d e s a p a r e c e r a m d e p o i s de 1 9 1 0 c o m
a m e l h o r i a d a s a ú d e pública, u m c o n t r o l e m a i o r d o s i n c ê n d i o s e a
a s s i m i l a ç ã o d o i m i g r a n t e ; a partir daí, o p l a n e j a m e n t o p a s s o u a d e -
p e n d e r u n i c a m e n t e d a " a l i a n ç a d o s interesses i m o b i l i á r i o s c o m o s
eleitores d e r e n d a m é d i a e c a s a p r ó p r i a " , q u e n ã o t i n h a m q u a l q u e r
interesse e m p r o g r a m a s p a r a r e a l o j a m e n t o d o p o b r e , n u m n í t i d o c o n -
traste c o m a E u r o p a , o n d e u m a f o r t e c o n s c i ê n c i a o p e r á r i a a l i o u - s e
a uma burocracia intervencionista"5.
O que surgiu, em contrapartida, foi algo singular e incpnfundi-
v e l m e n t e n o r t e - a m e r i c a n o : u m m o v i m e n t o v o l u n t á r i o d e d i c a d o a sal-
var o i m i g r a n t e (e e s p e c i a l m e n t e a i m i g r a n t e ) d e s e u s p r ó p r i o s e r r o s
e excessos, socializando-o dentro dos padrões de vida norte-ameri-
c a n o s , e a d a p t a n d o - o à v i d a u r b a n a . A s i n g u l a r i d a d e resjdç» ejm_parte,
n ^ f a t o d e q u e a idéia f o r a e m p r e s t da Europa, e especificamente
d p East E n d londrino, o n d e e s f o r ç o s sem conta se haviam desen-
46 CIDADES DO AMANHÃ

v o l v i d o d u r a n t e as d é c a d a s d e 1870 e 1880 a fim de levar m o r a l i d a d e


c r i s t ã e hábitos de asseio a o s habitantes d o s cortiços. J a n e A d d a m s ,
e m s u a p r i m e i r a visita à Inglaterra, q u a n d o a i n d a estava n o s s e u s 2 2
a n o s , ficara p r o f u n d a m e n t e i m p r e s s i o n a d a ao ler The Bitter Cry of
Outcast London, q u e s e p u b l i c a r a na é p o c a . N u m a s e g u n d a v i a g e m ,
e m j u n h o d e 1888, a c o n t e c e u - l h e ouvir, d e m a n e i r a i g u a l m e n t e p r o -
videncial, e m T o y n b e e Hall, o c ô n e g o S a m u e l Barnett p r e g a r a ins-
t a l a ç ã o d e u m c e n t r o d e assistência social cristã e m St. J u d e , n o
L e s t e londrino, " a p i o r p a r ó q u i a de L o n d r e s " . N o a n o s e g u i n t e ,
t o m a v a a si o e n c a r g o de e s t a b e l e c e r u m c e n t r o similar e m C h i c a g o .
L o c a l i z a d a n o m e i o d e q u a t r o c o m u n i d a d e s de imigrantes p o b r e s —
italianos, alemães, j u d e u s e c i g a n o s — Hull H o u s e c o n t a v a c o m u m a
e q u i p e d e j o v e n s universitários p r o f u n d a m e n t e religiosos, a m a i o r i a
d o s e x o f e m i n i n o . M o ç a s q u e até h á poiico s e f a z i a m m i s s i o n á r i a s
o u t e n t a v a m salvar o m a r i d o d a s garras da bebida, escrevia u m re-
p ó r t e r , o f e r e c e m a g o r a s e u s serviços a u m a instituição d e assistência
s o c i a l " 6 . R e s u l t a d o : a l g u n s o b s e r v a d o r e s a c h a r a m a a t m o s f e r a insu-
portável. Thorstein Veblen escreveu sobre "formalidades de etiqueta
d e alta c l a s s e " , Sinclair L e w i s s o b r e " a l b e r g u e cultural... q u e m a n -
t é m u m p a d r ã o d e b o a s m a n e i r a s fixamente s o r r i d e n t e " 1 1 7 . T a m b é m
a clientela era e m i n e n t e m e n t e f e m i n i n a ; m a i s tarde, u m i m i g r a n t e
l e m b r a r i a q u e " í a m o s até lá p a r a u m b a n h o d e c h u v e i r o o c a s i o n a l ,
n a d a m a i s " " 8 . Ali, as c r i a n ç a s q u e h a v i a m a b a n d o n a d o a e s c o l a
r e c e b i a m e d u c a ç ã o c o n t í n u a , a l é m de d i s p o r e m de a c a m p a m e n t o s
d e v e r ã o q u e as p u n h a m de n o v o e m c o n t a t o c o m a natureza, e d e
á r e a s d e recreio para as q u e ficavam na c i d a d e ; e havia t a m b é m u m
c l u b e p a r a idosos ( v i s a n d o a d e r r u b a r os p r e c o n c e i t o s destes c o n t r a
o s imigrantes), u m p e n s i o n a t o para garotas, u m p r o g r a m a para s a l v a r
" a s d e c a í d a s " , e u m b e r ç á r i o d i u r n o . T a m b é m se p r o m o v i a m pes-
q u i s a s sociais, s e g u i n d o c o n s c i e n c i o s a m e n t e c o m o m o d e l o o L e v a n -
t a m e n t o B o o t h todos l u t a n d o c o m e m p e n h o pela r e f o r m a d a s leis
trabalhistas 1 1 9 . Por fim, v e i o a c a m p a n h a c o n t r a os bares:

Esses ordinários e ilícitos lugares de prazer lembram as festividades desregradas


festividades da Londres da Restauração, de que são, sem sombra de dúvida, os de-
scendentes diretos, devidamente comercializados, ainda confundindo alegria com las-
cívia, divertimento c o m libertinagem 120 .

A n o s m a i s tarde, m e s m o d e p o i s q u e u m a d é c a d a d e lei seca


t r o u x e s s e a violência m u t i l a d o r a para as ruas d e C h i c a g o , J a n e A d -
d a m s a i n d a a d e f e n d i a c o m v e e m ê n c i a , s u g e r i n d o q u e a saída era
d e s a r m a r o s gângsteres 1 2 1 .
O q u e n ã o d e i x a d e p a r e c e r tocante. Visitantes v i n d o s d a G r ã -
B r e t a n h a — o m o r d o m o de T o y n b e e Hall, J o h n B u r n s — a d m i r a v a m -

I
A CIDADE DA NOITE APAVORANTE 47

s e a n t e a e v i d e n t e inexistência d e q u a l q u e r i n t e r v e n ç ã o m u n i c i p a l :
o e s t a d o d a s m o r a d i a s , o n d e o s i m i g r a n t e s s e g u i a m os p a d r õ e s d a
v i d a rural e m p l e n a u r b e — a b a t e n d o c a r n e i r o s e a s s a n d o p ã o n o s
p o r õ e s —, tê-las-ia t o r n a d o t o t a l m e n t e ilegais e m L o n d r e s , e x c l a m a -
v a m 1 2 2 . M a s o p r o g r a m a d e Hull H o u s e era a p e n a s u m a variante,
p a r t i c u l a r m e n t e idealista e e x c e p c i o n a l m e n t e b e m d i v u l g a d a , d o q u e
e s t a v a a c o n t e c e n d o e m c a d a c i d a d e n o r t e - a m e r i c a n a antes d a P r i -
m e i r a G r a n d e G u e r r a . H a v i a seis d e s s e s c e n t r o s n o s E s t a d o s U n i d o s
e m 1891, m a i s d e c e m p o r volta d e 1900, m a i s de q u a t r o c e n t o s p e r t o
d e 1910 1 2 3 . O o b j e t i v o era integrar o i m i g r a n t e na cidade, p r i m e i r o
a t r a v é s d o e x e m p l o m o r a l individual, e s e g u n d o — c a s o este f a l h a s s e
—, a t r a v é s d a c o e r ç ã o m o r a l , e até m e s m o , c o n f o r m e a c r e d i t a v a m
alguns d e seus defensores, da segregação e repatriação " d o vaga-
b u n d o , d o b e b e r r ã o , d o m e n d i g o , d o i m b e c i l " 1 2 4 . M a s , terceiro, e s s a s
medidas deveriam ser acompanhadas de u m a melhoria sistemática
d o a m b i e n t e u r b a n o , m e d i a n t e a i n s t a l a ç ã o d e p a r q u e s e áreas d e
r e c r e i o e, e v e n t u a l m e n t e , m e d i a n t e u m s i s t e m a m a i s a m p l o de p a r -
q u e s m u n i c i p a i s , q u e — n a o p i n i ã o d o pai d a arquitetura p a i s a g í s t i c a
norte-americana, Frederick L a w Olmsted — exerceria uma "influên-
cia h a r m o n i z a d o r a e r e f i n a d o r a . . . f a v o r á v e l à cortesia, a o a u t o c o n -
trole e à t e m p e r a n ç a " 1 2 5 . A l g u n s d e f e n s o r e s f o r a m a l é m , d e c l a r a n -
d o - s e p e l a r e v i t a l i z a ç ã o d o bairro c o m o u m m o d o de restaurar a
qualidade d a vida urbana, embora a própria Jane A d d a m s não de-
m o n s t r a s s e q u a l q u e r t e n d ê n c i a para e s s a " s a l v a ç ã o g e o g r á f i c a " 1 2 6 .
V e i o d a í a idéia d e q u e a p r ó p r i a c i d a d e p u d e s s e e n g e n d r a r l e a l d a d e
cívica, e a s s i m a s s e g u r a r u m a o r d e m m o r a l h a r m o n i o s a ; a a p a r ê n c i a
física d a c i d a d e s i m b o l i z a r i a s u a p u r e z a m o r a l . E s s e p a s s o u a ser o
d o g m a b á s i c o d o M o v i m e n t o C i t y Beautiful 1 2 7 . S e c o n s t i t u i u ou n ã o
u m substituto a d e q u a d o para a moradia popular planejada, isso, ao q u e
parece, n i n g u é m teve a idéia d e perguntar aos mais diretamente afeta-
dos. E m t e r m o s práticos, J a n e A d d a m s s e g u i u a receita L a w r e n c e
Veiller: d e s e m p e n h o u u m p a p e l - c h a v e na a b e r t u r a d o i n q u é r i t o d e
R o b e r t H u n t e r sobre o problema da moradia dentro d o s conjuntos d e
habitações coletivas de Chicago, o equivalente exato d o relatório d e
N o v a Y o r k , q u e r e v e l o u c o n d i ç õ e s i g u a l m e n t e horripilantes e resul-
tou n u m d e c r e t o m u n i c i p a l d e 1902 p a r a c o n j u n t o s d e h a b i t a ç õ e s
coletivas 1 2 8 .

UM PROBLEMA INTERNACIONAL

Os remédios foram, portanto, diferentes. M a s o problema e a per-


cepção d o problema eram similares e m ambos os lados do Atlântico.
O problema era a própria cidade-gigante. A percepção dele viu-a/
50 CIDADES DO AMANHÃ

c o m o f o n t e d e m ú l t i p l o s m a l e s sociais, possível d e c l í n i o b i o l ó g i c o e
i n s u r r e i ç ã o política e m potencial. D e 1 8 8 0 a 1900, talvez a 1914, a
s o c i e d a d e d e classe m é d i a — os q u e t o m a v a m as decisões, os editoria-
listas, o s panfletistas, o s ativistas — e s t a v a f u g i n d o , a p a v o r a d a . M u i t o
d e s s e m e d o foi g r o t e s c a m e n t e e x a g e r a d o , d e certa f o r m a até delibera-
d a m e n t e , p o r publicistas e x p e r i m e n t a d o s e m s e a u t o p r o m o v e r e m .
M a s a realidade subjacente era suficientemente horripilante e deri-
v a v a d a p o b r e z a . C o m a r e v o l u ç ã o , os ricos p o d e r i a m ter d a d o o q u e
t i n h a m a o s p o b r e s , o q u e n ã o teria f e i t o g r a n d e b e m a n i n g u é m , v i s t o
q u e p o u c o duraria. E s s a p o b r e z a f o r a e n d ê m i c a d e s d e o s p r i m ó r d i o s
d a s o c i e d a d e m a s , no c a m p o , p u d e r a p e r m a n e c e r m a i s ou m e n o s o c u l -
ta; u m a v e z , p o r é m , c o n c e n t r a d a na c i d a d e , r e v e l o u - s e p o r i n t e i r o .
O s p o b r e s q u e se a m o n t o a v a m e m L o n d r e s , v i n d o s d o W e s s e x o u d e
East A n g l i a , o u e m N o v a Y o r k , v i n d o s d a Itália e d a P o l ô n i a , e s t a -
v a m v e r d a d e i r a m e n t e m e l h o r f o r a de s u a s terras d o q u e nelas; ou p e l o
m e n o s e r a a s s i m q u e p e n s a v a m , e n i n g u é m m e l h o r d o q u e eles p a r a
sabê-lo.
A d i f e r e n ç a , portanto, reside n a c o n c e n t r a ç ã o , e m virtude d a
qual a l g u n s m i l h a r e s d e ricos e a l g u n s m i l h õ e s de i n d i v í d u o s d a
classe m é d i a f o r a m l e v a d o s a u m estreito c o n t a t o c o m m i l h õ e s d e
p o b r e s e i n d i g e n t e s . N e s s e sentido, a industrialização e a u r b a n i z a -
ç ã o * , c o m o s ó e m dizer os marxistas, c r i a r a m u m a n o v a série d e r e -
lações sociais e u m a n o v a série d e p e r c e p ç õ e s sociais. O q u e , aliás,
c o m o escrevi n o C a p í t u l o 1, a f i r m a a p e n a s o ó b v i o . A t é 1 8 8 3 - 1 8 8 5
e m L o n d r e s e L i v e r p o o l , e até 1 9 0 0 - 1 9 0 1 e m N o v a Y o r k e C h i c a g o ,
a burguesia urbana manteve-se deslumbradamente despercebida d o
terrível d e s t i n o d e s u a s contrapartes proletárias q u e m o r a v a m a o
lado. Q u a n t o a isso, n ã o p o d i a haver d ú v i d a . Veiller e H u n t e r d e s -
c r e v e r a m e s s e d e s t i n o d e m a n e i r a m u i t o p a l p á v e l . A q u i está Veiller,
e n t r e v i s t a n d o u m a d o n a d e c a s a v i n d a d o s c o n j u n t o s coletivos:

O Secretário-. — D e acordo c o m sua experiência, o que mais aborrece num prédio de


habitação coletiva?
Sra. Miller. — B e m , não há uma coisa que aborreça " m a i s " que outra. Parece que
tudo aborrece. E m primeiro lugar, a maneira c o m o é administrado. D e p o i s
a entrada de ar, e s s e é o problema pior.
O Secretário: — O que acontece c o m a entrada de ar?
Sra. Miller. — É um lugar por onde entra mais mau cheiro do que ar. E luz, a gente
s ó tem a luz que v e m do último andar, e só. E o barulho — não acho que
ele tenha boa influência sobre as pessoas.
O Secretário-, — E m que sentido?

* Aqui empregado no sentido sociológico, o termo significa "concentração de


populações e m cidades e a concomitante mudança sociocultural" que nelas se verifi-
ca. (N. da T.)
A CIDADE DA NOITE APAVORANTE 51

Sra. Miller: - B e m , não é muito bonito a gente ser acordada no m e i o da noite e


ouvir alguém berrar "É ali embaixo, no primeiro andar! Lá está e l e de n o v o
c o m delirium tremens". E ficaram duas casas acordadas por causa dos ber-
ros d e s s e h o m e m . O s meninos e as meninas o u v e m tudo e no dia seguinte
usam isso para arreliar as crianças 1 2 9 .

E a q u i H u n t e r , d e s c r e v e n d o a v i d a nos b a r r a c o s d e C h i c a g o :

Cozinhar e lavar roupa para sete, embalar um bebê chorão num calor de arre-
bentar, cuidar de u m marido delirante, arrumar um lugar onde sete possam dormir,
e fazer tudo i s s o e m dois quartos c o m saída para uma ruela cheirando azedo e en-
xameada de moscas vindas dos detritos e latrinas, era coisa para arrasar c o m a pa-
ciência e a força de um T i t ã 1 3 0 .

O p r o b l e m a , p o r t a n t o , era q u a s e universal. A q u e s t ã o para o s


historiadores e s t a v a e m s a b e r p o r q u e , d a d a a s i m i l a r i d a d e das e s -
truturas e c o n ô m i c a s s u b j a c e n t e s e c o n s i d e r a d a s as r e l a ç õ e s sociais
d e l a s resultantes, n o s p r i n c i p a i s países industriais p o r volta d e 1900,
o s s u b s e q ü e n t e s e f e i t o s u r b a n o s a p r e s e n t a v a m - s e tão d i v e r s o s . E s s a
é u m a q u e s t ã o a q u e v o l t a r e m o s n o s p r ó x i m o s capítulos.

NOTAS DO CAPÍTULO 2

1. Thomson, 1880, p. 3. 25. Idem, I. p. 17.


2. Wohl, 1977, p. 206. 26. Idem, I. p. 18.
3. Idem. 1970, pp. 3 1 - 3 3 ; idem, 1977, 27. Idem, I. pp. 19-21.
pp. 200, 206. 28. Ashworth, 1954, p. 73.
4. Idem, 1970, p. 33. 29. R. C. H o u s i n g , 1885, I. pp. 2 2 ,
5. Mearns, 1883, p. 4. 33.
6. Idem, ibidem. 30. Idem, I. pp. 4 0 - 4 1 .
7. Idem, ibidem. 31. Wohl, 1977, p. 248.
8. Idem, p. 5. 32. Gauldie, 1974, p. 289.
9. Idem, p. 7. 33. G. B. R. C. D e p r e s s i o n , 1886, p.
10. Idem, p. 9. XX.
11. Idem, pp. 11-12. 34. Idem, ibidem.
12. Idem, p. 13. 35. Idem, pp. X X , X X I .
13. Idem, p. 14. 36. Webb, 1926, p. 149.
14. Idem, p. 15. 37. Idem, pp. 154-155.
15. Tarn, 1973, pp. 111-112. 38. Stedman Jones, 1971, p. 2 8 5 .
16. Cit. Wohl, 1977, p. 2 3 4 . 39. Fabian Society, 1884b, p. 2.
17. Idem, p. 2 3 8 . 40. Hyndman, 1884, p. 3.
18. G. B . R. C. H o u s i n g , 1 8 8 5 , I. p. 4. 41. Idem, p. 28.
19. G. B. R. C. Housing. 1885, I. pp. 42. Idem, p. 25.
7-9. 43. Idem, p. 32.
20. Idem, I. p. 11. 44. Idem, p. 25.
21. Idem, I. p. 8. 45. Liverpool Echo, 2 0 de maio d e
22. Idem, II. p. 2. 1887; Day, 1916, p. 120.
23. Idem. I. p. 13. 46. Idem, p. 121; Liverpool Daily Post,
24. Idem, I. pp. 14-15. 25 de novembro de 1887.
52 CIDADES DO AMANHÃ

47. Jones, 1982, pp. 1 1 9 - 1 2 0 . 123, 82. Eberstadt, 1917, p. 214.


143. 83. Spengler, 1934, II. p. 102.
4 8 . G. B. Committee Disturbances, 84. Masterman, 1901, pp. 7-8.
1886, v. 85. Peltz-Dreckmann, 1978, pp. 62-
49. Idem, passim. 63; Lees, 1979. pp. 65-66.
5 0 . The Times, 15 d e o u t u b r o d e 86. Lees, 1985, p. 164.
1887. 87. Schlesinger, 1933, p. 73.
51. Idem, 2 4 de outubro de 1887. 88. White and White, 1962, pp. 17.
52. Idem, 27 de outubro de 1887. 7 5 , 218.
53. Idem, 2 4 de outubro de 1887. 89. Gelfand, 1975, p. 18.
54. Ensor, 1936, pp. 180-181. 90. Ford, 1936, p. 174.
55. Booth, 1887. pp. 3 3 4 - 3 3 5 . 91. Lubove, 1962b, pp. 53-54.
56. Idem, 1888. p. 305. 92. Boyer, 1978, p. 129.
57. Idem, 1887, pp. 3 3 4 - 3 3 5 . 93. Cit. Cook, 1973, p. 11.
58. Idem, p. 329. 94. Lubove, 1962b, pp. 55-57.
59. Idem, 1888, p. 299. 95. Idem, p. 54.
60. Idem, 1887. p. 332. 96. Riis, 1890, p. 296.
61. Idem, ibidem. 97. Idem, pp. 19-20.
62. Fabian Society, 1889, p. 7; cf. 9 8 . Ford, 1936, pp. 187-188.
Fabian Society, 1887, p. 15. 99. Abrams, 1939, pp. 72-73.
63. Idem, 1889, p. 25. 100. Idem, p. 187; Scott, 1969, p. 10.
64. Idem. 1887, p. 14. 101. DeForest e Veiller, 1900, I. p.
65. Stedman Jones. 1971, pp. 2 1 7 , 101; Lubove, 1962b, pp. 3 0 - 3 1 .
290. 102. H o w e , 1976, p. 2 7 .
66. Fabian Society, 1889. p. 28. 103. Glaab e Brown. 1976, p. 152.
67. Wohl, 1977, p. 2 5 2 . 104. Ford, 1936, p. 205.
68. Tarn, 1973, p. 122; Gauldie, 1974, 105. Lubove, 1962b, pp. 82-83, 9 0 - 9 3 ,
pp. 294-95. 125-127, 132-139.
69. Tarn, 1973, pp. 124, 127. 106. Idem, pp. 131-134.
70. Mitchell, 1975, pp. 7 6 - 7 8 . 107. DeForest e Veiller, 1900, I. p.
71. Sellier, 1927, pp. 1-2; Bastié, 1964, 112.
p. 190. 108. Idem, I. pp. 112-113.
7 2 . Bastié, 1964, p. 192; Sutcliffe, 109. Idem, I. p. 4 3 5 .
1970, p. 2 5 8 ; E v e n s o n , 1979, p. 110. Idem, I. p. 10.
218. 111. Idem, I. p. 44.
73. Morizet, 1932, p. 3 3 2 ; Bastié. 112. Friedman, 1968, pp. 33-35, 7 6 .
1964, p. 196; Sutcliffe, 1970, pp. 113. Lubove. 1962b, pp. 178-179, 182-
327-328. 183.
74. Voigt, 1901, pp. 126, 129; Hegemann, 114. Marcuse, 1980, p. 38.
1930, p. 170; Peltz-Dreckmann, 115. Idem, pp. 4 0 - 4 9 .
1978, p. 21; Niethammer, 1981, pp. 116. Davis, 1967, p. 37.
146-147. 117. Idem, p. 17.
7 5 . Hegemann, 1930, pp. 302, 3 1 7 ; 118. Idem, p. 88.
Grote, 1974, p. 14; Hecker, 1974, p. 1 1 9 . Addams, 1910, pp. 41-42, 69, 8 5 -
274. 89, 9 8 - 9 9 , 121, 1 0 5 - 1 0 8 , 129-
7 6 . Horsfall, 1904, pp. 2-3. i 3 1 , 136, 146, 169, 1 9 8 - 2 3 0 ; D a
7 7 . Eberstadt, 1917, p. 181. vis, 1967, pp. 4 5 , 5 8 - 5 9 , 6 1 - 6 2
7 8 . Idem. pp. 189, 197. 85.
7 9 . Idem, pp. 4 3 1 - 4 3 3 . 120. Idem, 1965. p. 87.
80. Abercrombie, 1914, p. 2 1 9 . 121. Idem, 1929, pp. 54-55.
81. Bauer, 1934, p. 21; Purdom, 1921, 122. Idem, 1910, pp. 295-5.
p. 111. 123. Davis, 1967, pp. 11-12.
A CIDADE DA NOITE APAVORANTE 53
124. Idem, p. 92; Boyer, 1978, p. 191. 128. Hunter, 1901, passim; Davis,
125. Boyer, 1978, p. 239. 1967, p. 67.
126. Davis, 1967, p. 76. 129. DeForest e Veiller, 1900, I. p. 4 0 4 .
127. Boyer, 1978, p. 252. 130. Hunter, 1901, p. 63.

You might also like