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REVISTA THE ECONOMIST - Questão de Utilidade
REVISTA THE ECONOMIST - Questão de Utilidade
The Economist
A revista The Economist, criada com o intuito de, entre outras coisas, defender os
princípios do livre comércio e contribuir para a revogação das Corn Laws, não tardou a
emprestar seu apoio entusiasmado ao movimento pela abolição da lei de patentes.
Editorial da edição de 26 de julho daquele ano afirmava que a concessão de patentes
“estimula fraudes, incita a elaboração de estratagemas que possibilitem impor taxas à
sociedade, gera conflitos e disputas entre inventores, dá margem a infindáveis processos
judiciais, além de premiar as pessoas erradas”. Naquela que talvez tenha sido a primeira
referência da publicação aos hoje chamados “trolls de patentes” (indivíduos ou
empresas que registram patentes não com a intenção de transformar ideias em bens ou
serviços, mas para lucrar com seu licenciamento ou com ações judiciais por violações
do direito de propriedade), dava-se vazão ao receio de que “patentes de escopo
abrangente sejam obtidas com o propósito único de obstruir invenções ou fruir dos
benefícios gerados por invenções de outrem”.
Dos inventores aos trolls. O debate se estendeu por vários anos e sobreviveu a diversas
mudanças de governo. Em 1883, porém, os parlamentares britânicos decidiram que, em
vez de abolir as patentes, iriam aprimorá-las. Depois disso, a polêmica ressurgiu em
vários outros momentos e lugares. Na primeira metade do século 20, por exemplo,
muitos americanos temiam que as patentes estivessem ajudando corporações como a
AT&T a monopolizar setores inteiros da economia. Em 1938, a Federal
Communications Commission (agência reguladora das telecomunicações nos Estados
Unidos) solicitou ao então presidente Franklin Roosevelt que substituísse as patentes
por licenças compulsórias. Mas sempre que a questão volta à baila, os legisladores
acabam chegando à conclusão de que o sistema de patentes pode ser aperfeiçoado e que
tudo pode ser solucionado com mais uma rodada de reformas.
Foi esse tipo de pressão internacional que pôs fim ao experimento, empreendido pela
Holanda no século 19, de abolir o sistema de patentes. E foram as vantagens em
participar da Organização Mundial do Comércio que levaram à adoção do direito de
patentes por países emergentes, como a China. Um dos motivos que levaram ao fracasso
das negociações em torno da Parceria Trans-Pacífico - um acordo comercial envolvendo
países responsáveis por 40% do PIB mundial -, no mês passado, foram as exigências
apresentadas pelos países ocidentais no tocante a uma forte proteção de patentes para os
medicamentos biotecnológicos.
Um dos argumentos que os defensores das patentes gostam de usar é o de que elas
contribuem para o bem público. Não era esse o seu objetivo original. Como observou
certa vez no Parlamento britânico um de seus opositores no século 19, John Lewis
Ricardo, empresário do setor de telégrafos e sobrinho do célebre economista David
Ricardo, quando os soberanos instituíram as patentes, a intenção era, antes de mais
nada, criar um instrumento de arrecadação para os cofres reais; no início do século 17, o
rei James I coletava 200 mil libras por ano com a concessão de patentes. Com o passar
do tempo, porém, elas começaram a ser vistas como algo que beneficiava não só o
monarca, mas também o conjunto da sociedade - um mecanismo para “promover o
progresso da ciência e das artes úteis”, como sustenta a Constituição dos Estados
Unidos. A lógica do argumento é bastante simples: em troca da iniciativa de registrar e
publicar uma ideia, que precisa ser nova e útil e não pode ter nada de óbvia, concede-se
o direito a um monopólio temporário - de cerca de 20 anos, atualmente - em sua
utilização. Assim, as patentes incentivam as inovações, uma vez que proporcionam
ganhos materiais quando estas últimas “caem no gosto do povo”. O sistema também
estimula outras pessoas a inovar: a publicação de boas ideias aumenta o ritmo do avanço
tecnológico, já que as inovações se impulsionam umas às outras.
O raciocínio é plausível. Mas será verdadeiro? Há muita margem para dúvidas. Faltam
comprovações de que o sistema atual incentiva as empresas a investir em pesquisas
capazes de gerar inovações e contribuir para o aumento da produtividade e da
prosperidade geral. Pelo contrário, nos últimos anos, quantidade crescente de pesquisas,
incluindo um estudo realizado em 2004 pela Academia Nacional de Ciências dos
Estados Unidos, mostra que, com exceção do que acontece em alguns segmentos, como
o de medicamentos, a sociedade como um todo talvez estivesse até melhor sem as
patentes do que com elas.
Além disso, ao revisar 23 estudos realizados durante o século 20, Boldrin e Levine
verificam que “os indícios de que o fortalecimento dos regimes de patentes impulsiona a
inovação são pouco consistentes, quando não completamente inexistentes” - tudo que o
reforço desses regimes consegue fazer é gerar um número mais elevado de pedidos de
registro de patente, o que não é a mesma coisa que estimular a inovação. Diversos dos
estudos compilados mostram que, em sua maioria, as “reformas” implementadas com o
intuito de fortalecer os regimes de patentes, como a realizada no Japão em 1988, não
impulsionam nem a inovação nem seus supostos propulsores, os gastos com pesquisa e
desenvolvimento (P&D).
Uma exceção a essa constatação de ordem geral revela outro aspecto interessante. Uma
análise das reformas implementadas em 1986 em Taiwan revela que elas de fato
resultaram em aumento nos gastos com P&D, assim como na obtenção de maior número
de patentes americanas por parte de cidadãos e empresas taiwaneses. Isso indica que o
fortalecimento do regime de patentes em países onde antes as garantias eram frágeis
pode canalizar investimentos e gastos com P&D para seus territórios. Mas não aumenta,
necessariamente, o valor desses gastos ou a inovação em termos mundiais.
Quando de fato se observam mudanças no ritmo de inovação, elas parecem ter pouco a
ver com a presença ou não de um regime de patentes. Boldrin e Levine dizem que, na
história de setores que vão da indústria química à automobilística e ao segmento de
informática, as ondas de inovação tiveram início com surtos de inventividade, em que se
observava a atuação de grande número de participantes. As patentes só passaram a ser
solicitadas anos depois, quando o ritmo de inovação já era menor e as empresas que
haviam dominado o mercado tentavam, por um lado, impedir o ingresso de novos atores
no segmento e, por outro, proteger-se de ações judiciais movidas por concorrentes. As
patentes foram o resultado de inovações bem-sucedidas; sua causa foi a competição.
Isso não quer dizer que as patentes não ofereçam benefícios genuínos, em especial para
empreendedores que têm pouco acesso a capital, mas algumas boas ideias. No entanto,
em setores industriais maduros e complexos - como o aeroespacial e o automobilístico,
por exemplo - o controle da propriedade intelectual é só uma pequena parcela das
condições necessárias à criação e comercialização de produtos inovadores de alta
qualidade, capazes de concorrer no mercado mundial. Se não fosse assim, as empresas
chinesas que, graças à condescendência ? e até a colaboração, segundo alguns
concorrentes - do governo de seu país, surripiaram tecnologia ocidental e passaram a
produzir automóveis e aviões estariam disputando mercado com rivais de países
desenvolvidos, como BMW e Boeing. E não estão.
Se os sistemas de patentes não oferecem tantas vantagens assim, como explicar sua
persistência e, inclusive, multiplicação? Em alguns setores e países, elas se
transformaram em simples medida de progresso - um símbolo, em vez de um estímulo à
inovação. Nos últimos anos, tendo recebido ordens para que fossem mais inventivos, os
pesquisadores chineses deram entrada em enorme quantidade de pedidos de patente.
Mas quase todos esse pedidos foram encaminhados apenas ao escritório de patentes da
China. Se as ideias tivessem verdadeiro potencial comercial, certamente também teriam
sido registradas em outros países.
Outra razão que pode levar à solicitação de patentes desnecessárias - explicando o fato
de que entre 40% e 90% de todas as patentes concedidas jamais sejam utilizadas ou
licenciadas por seus proprietários - é a autodefesa. Em grande parte do setor de
tecnologia, as empresas registram enorme quantidade de patentes, mas o principal
objetivo disso é restringir a ação dos concorrentes: se você me processar por infringir
uma de suas milhares de patentes, recorrerei ao meu estoque de patentes para processar
você também. Esse tipo de estratégia pode dificultar a vida das empresas recém-
chegadas ao mercado: estudo realizado em 2001 mostra que os novos fabricantes de
microchips eram obrigados a gastar até US$ 200 milhões em licenças de propriedade
intelectual que talvez não tivessem muita utilidade, apenas para se proteger de ações
judiciais. É uma situação que, embora não favoreça a competição nem contribua para o
interesse público, pode ser vantajosa para as empresas que dominam o mercado. Mas é
grande a chance de que nem para elas os benefícios sejam reais. Alguns estudos
identificaram a existência de áreas em que o acúmulo de patentes dificulta o lançamento
novos produtos.
Mesmo que muitos setores no fundo não precisem de patentes - e alguns deles talvez
estivesse melhor sem elas - ainda é bastante enraizada a crença de que, em alguns
segmentos, elas são vitais. O exemplo a que sempre recorrem os defensores das patentes
é o do setor farmacêutico. Os medicamentos têm de passar por testes excepcionalmente
dispendiosos e demorados para que fique comprovada sua segurança e eficácia. E, se
não fosse pela proteção garantida pela patente do medicamento, a empresa que se dá ao
trabalho de demonstrar que determinada molécula faz seu serviço com efeitos colaterais
mínimos ou administráveis não teria como evitar que suas concorrentes se
aproveitassem de seus esforços para produzir cópias muito mais baratas da mesma
molécula. É por isso que os partidários das patentes acham razoável que a Bristol-Myers
Squibb usufrua de um monopólio temporário sobre o Opdivo, sua nova droga contra
melanomas, e cobre US$ 120 mil por ciclo de tratamento nos Estados Unidos. Se não
pudesse fazer isso, prossegue o argumento, a companhia não teria gasto uma fortuna
para aprovar o medicamento e seu complexo processo de fabricação.
O sistema de saúde americano, observa Baker, gastou naquele ano US$ 210 bilhões com
medicamentos. Com base na diferença de preço entre as drogas patenteadas e as
genéricas, sua estimativa é que, num mercado competitivo, onde não houvesse patentes,
os mesmos medicamentos poderiam ser adquiridos por não mais que US$ 50 bilhões.
Em outras palavras, a abolição das patentes proporcionaria uma economia de US$ 160
bilhões.
Isso não é tão estranho quanto parece. A estratégia de muitas startups farmacêuticas
envolve a venda do empreendimento, por alguma soma bilionária, a uma grande
empresa do segmento, tão logo seus projetos comecem a parecer promissores. Prêmios
bilionários ofereceriam incentivos similares. E essa nem chega a ser uma ideia tão nova
assim: Robert MacFie, uma das principais lideranças vitorianas a combater o sistema de
patentes, também era favorável à adoção de premiações.
De qualquer forma, determinar até que ponto as patentes e outras formas de proteção à
propriedade intelectual realmente cumprem o seu papel, e até mesmo se merecem
existir, é uma tarefa para ontem. A eliminação pura e simples dos sistemas de patentes
envolve questões relacionadas à ética dos direitos de propriedade.