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Questão de utilidade

The Economist

08 Agosto 2015 | 08h 24

Governos oferecem proteção às patentes porque, reza a lenda, elas


estimulam a inovação. Mas parece não ser bem assim

Organizada em Londres, em 1851, a Grande Exibição foi uma oportunidade para


mostrar ao mundo o gênio inventivo da Grã-Bretanha vitoriana. Em razão disso, o
evento acabou fomentando intenso debate sobre a propriedade intelectual. De um lado,
estavam figuras públicas que se horrorizaram com a ideia de exibir aos estrangeiros os
melhores inventos do país, só para ver a maioria deles voltar correndo para casa e se pôr
a copiá-los. Sua proposta era que o sistema de patentes fosse reformulado, a fim de
reduzir o custo e simplificar os procedimentos necessários à obtenção de novas patentes,
estabelecendo também mecanismos para garantir que os direitos por elas conferidos
fossem efetivamente observados. A reação a essas reivindicações não tardou a se
manifestar. Partidários do liberalismo econômico, que alguns anos antes haviam
conseguido vencer os protecionistas e derrubar as Corn Laws (que impunham restrições
e tarifas à importação de grãos), argumentaram que o livre comércio e a concorrência
faziam bem à economia; que as patentes restringiam ambas as coisas; e que, em vista
disso, elas não deveriam reformuladas, e sim abolidas.

A revista The Economist, criada com o intuito de, entre outras coisas, defender os
princípios do livre comércio e contribuir para a revogação das Corn Laws, não tardou a
emprestar seu apoio entusiasmado ao movimento pela abolição da lei de patentes.
Editorial da edição de 26 de julho daquele ano afirmava que a concessão de patentes
“estimula fraudes, incita a elaboração de estratagemas que possibilitem impor taxas à
sociedade, gera conflitos e disputas entre inventores, dá margem a infindáveis processos
judiciais, além de premiar as pessoas erradas”. Naquela que talvez tenha sido a primeira
referência da publicação aos hoje chamados “trolls de patentes” (indivíduos ou
empresas que registram patentes não com a intenção de transformar ideias em bens ou
serviços, mas para lucrar com seu licenciamento ou com ações judiciais por violações
do direito de propriedade), dava-se vazão ao receio de que “patentes de escopo
abrangente sejam obtidas com o propósito único de obstruir invenções ou fruir dos
benefícios gerados por invenções de outrem”.

Argumentando que as patentes “raramente oferecem segurança a invenções boas de


fato” e que não concretizam o objetivo de encorajar a inovação recompensando os
inventores por seus esforços, The Economist apoiou os que defendiam o fim das
patentes em debates travados no Parlamento britânico. O raciocínio, irrespondível, era: a
maior parte das maravilhas da era moderna, da spinning mule (máquina de fiar
inventada em 1779 que revolucionou a indústria têxtil) às ferrovias, dos navios a vapor
às lâmpadas a gás, parece ter sido criada sem o auxílio de patentes. Se a Revolução
Industrial não precisou delas, qual sua serventia?

Dos inventores aos trolls. O debate se estendeu por vários anos e sobreviveu a diversas
mudanças de governo. Em 1883, porém, os parlamentares britânicos decidiram que, em
vez de abolir as patentes, iriam aprimorá-las. Depois disso, a polêmica ressurgiu em
vários outros momentos e lugares. Na primeira metade do século 20, por exemplo,
muitos americanos temiam que as patentes estivessem ajudando corporações como a
AT&T a monopolizar setores inteiros da economia. Em 1938, a Federal
Communications Commission (agência reguladora das telecomunicações nos Estados
Unidos) solicitou ao então presidente Franklin Roosevelt que substituísse as patentes
por licenças compulsórias. Mas sempre que a questão volta à baila, os legisladores
acabam chegando à conclusão de que o sistema de patentes pode ser aperfeiçoado e que
tudo pode ser solucionado com mais uma rodada de reformas.

Ao longo de todo esse tempo, ampliou-se a jurisdição conceitual e geográfica dos


órgãos responsáveis pelo registro de patentes. O direito a uma patente não se restringe
mais a dispositivos físicos, tendo se estendido para softwares e trechos de DNA, e até -
sobretudo nos Estados Unidos - a processos empresariais e produtos financeiros. O
receio com a concorrência internacional, que ganhou destaque por ocasião da Grande
Exibição, fez com que o sistema se espalhasse pelo mundo - principalmente sob a forma
do preço que países menores ou mais pobres pagam para ter acesso aos mercados das
nações mais ricas, que têm mais condições de se proteger juridicamente.

Foi esse tipo de pressão internacional que pôs fim ao experimento, empreendido pela
Holanda no século 19, de abolir o sistema de patentes. E foram as vantagens em
participar da Organização Mundial do Comércio que levaram à adoção do direito de
patentes por países emergentes, como a China. Um dos motivos que levaram ao fracasso
das negociações em torno da Parceria Trans-Pacífico - um acordo comercial envolvendo
países responsáveis por 40% do PIB mundial -, no mês passado, foram as exigências
apresentadas pelos países ocidentais no tocante a uma forte proteção de patentes para os
medicamentos biotecnológicos.

Um dos argumentos que os defensores das patentes gostam de usar é o de que elas
contribuem para o bem público. Não era esse o seu objetivo original. Como observou
certa vez no Parlamento britânico um de seus opositores no século 19, John Lewis
Ricardo, empresário do setor de telégrafos e sobrinho do célebre economista David
Ricardo, quando os soberanos instituíram as patentes, a intenção era, antes de mais
nada, criar um instrumento de arrecadação para os cofres reais; no início do século 17, o
rei James I coletava 200 mil libras por ano com a concessão de patentes. Com o passar
do tempo, porém, elas começaram a ser vistas como algo que beneficiava não só o
monarca, mas também o conjunto da sociedade - um mecanismo para “promover o
progresso da ciência e das artes úteis”, como sustenta a Constituição dos Estados
Unidos. A lógica do argumento é bastante simples: em troca da iniciativa de registrar e
publicar uma ideia, que precisa ser nova e útil e não pode ter nada de óbvia, concede-se
o direito a um monopólio temporário - de cerca de 20 anos, atualmente - em sua
utilização. Assim, as patentes incentivam as inovações, uma vez que proporcionam
ganhos materiais quando estas últimas “caem no gosto do povo”. O sistema também
estimula outras pessoas a inovar: a publicação de boas ideias aumenta o ritmo do avanço
tecnológico, já que as inovações se impulsionam umas às outras.

O raciocínio é plausível. Mas será verdadeiro? Há muita margem para dúvidas. Faltam
comprovações de que o sistema atual incentiva as empresas a investir em pesquisas
capazes de gerar inovações e contribuir para o aumento da produtividade e da
prosperidade geral. Pelo contrário, nos últimos anos, quantidade crescente de pesquisas,
incluindo um estudo realizado em 2004 pela Academia Nacional de Ciências dos
Estados Unidos, mostra que, com exceção do que acontece em alguns segmentos, como
o de medicamentos, a sociedade como um todo talvez estivesse até melhor sem as
patentes do que com elas.

Falácia argumentativa. Os economistas Michele Boldrin e David Levine reuniram os


resultados de todas essas pesquisas num livro de 2008, e também no artigo “The Case
Against Patents” (“O argumento contra as patentes”), publicado em 2012 pelo Federal
Reserve Bank de St. Louis. Em ambos os trabalhos a tese é a de que, ao contrário do
que alegam seus defensores, as patentes não servem nem para recompensar a inovação,
nem para promovê-la.

Considere-se, primeiramente, a ideia de que a adoção de um regime de patentes garante


um ritmo de inovação mais acelerado. Não é isso que se observa no século 19, por
exemplo, quando o número de invenções apresentadas em feiras internacionais mostra
que os países onde esse regime estava ausente eram tão inovadores quanto aqueles que
adotavam algum sistema de patentes, ainda que as áreas de concentração da inovação
não fossem exatamente as mesmas.

Além disso, ao revisar 23 estudos realizados durante o século 20, Boldrin e Levine
verificam que “os indícios de que o fortalecimento dos regimes de patentes impulsiona a
inovação são pouco consistentes, quando não completamente inexistentes” - tudo que o
reforço desses regimes consegue fazer é gerar um número mais elevado de pedidos de
registro de patente, o que não é a mesma coisa que estimular a inovação. Diversos dos
estudos compilados mostram que, em sua maioria, as “reformas” implementadas com o
intuito de fortalecer os regimes de patentes, como a realizada no Japão em 1988, não
impulsionam nem a inovação nem seus supostos propulsores, os gastos com pesquisa e
desenvolvimento (P&D).

Uma exceção a essa constatação de ordem geral revela outro aspecto interessante. Uma
análise das reformas implementadas em 1986 em Taiwan revela que elas de fato
resultaram em aumento nos gastos com P&D, assim como na obtenção de maior número
de patentes americanas por parte de cidadãos e empresas taiwaneses. Isso indica que o
fortalecimento do regime de patentes em países onde antes as garantias eram frágeis
pode canalizar investimentos e gastos com P&D para seus territórios. Mas não aumenta,
necessariamente, o valor desses gastos ou a inovação em termos mundiais.

Se as patentes estimulassem inovações significativas, seria de esperar que a


disseminação dos sistema de patentes produzisse mais inovação. Estudos enfocando a
área de melhoramento de plantas sugerem que isso não ocorre. Em 1970, os Estados
Unidos estenderam a proteção de patentes a plantas com reprodução sexual; análises
subsequentes sobre o trigo, que se inclui nessa definição, não registram aumentos nos
gastos com pesquisas sobre essa cultura ou no ritmo de crescimento de produtividade.
Nos anos 80, os americanos ampliaram ainda mais a proteção de patentes, que passou a
incluir todos os tipos de produtos de biotecnologia; mas, como aconteceu com a
mudança introduzida em 1970, a produtividade da agricultura americana continuou
aumentando mais ou menos à mesma taxa.

Quando de fato se observam mudanças no ritmo de inovação, elas parecem ter pouco a
ver com a presença ou não de um regime de patentes. Boldrin e Levine dizem que, na
história de setores que vão da indústria química à automobilística e ao segmento de
informática, as ondas de inovação tiveram início com surtos de inventividade, em que se
observava a atuação de grande número de participantes. As patentes só passaram a ser
solicitadas anos depois, quando o ritmo de inovação já era menor e as empresas que
haviam dominado o mercado tentavam, por um lado, impedir o ingresso de novos atores
no segmento e, por outro, proteger-se de ações judiciais movidas por concorrentes. As
patentes foram o resultado de inovações bem-sucedidas; sua causa foi a competição.

Isso não quer dizer que as patentes não ofereçam benefícios genuínos, em especial para
empreendedores que têm pouco acesso a capital, mas algumas boas ideias. No entanto,
em setores industriais maduros e complexos - como o aeroespacial e o automobilístico,
por exemplo - o controle da propriedade intelectual é só uma pequena parcela das
condições necessárias à criação e comercialização de produtos inovadores de alta
qualidade, capazes de concorrer no mercado mundial. Se não fosse assim, as empresas
chinesas que, graças à condescendência ? e até a colaboração, segundo alguns
concorrentes - do governo de seu país, surripiaram tecnologia ocidental e passaram a
produzir automóveis e aviões estariam disputando mercado com rivais de países
desenvolvidos, como BMW e Boeing. E não estão.

Num dos segmentos mais importantes da economia mundial, o de softwares, o controle


excessivo sobre a propriedade intelectual mostrou-se, em certa medida,
contraproducente. Os softwares proprietários normalmente não permitem que o usuário
tenha acesso a seu código fonte. Por sua vez, os softwares de código aberto garantem
acesso total, desde que todas modificações introduzidas permaneçam igualmente
acessíveis. Com isso, amplia-se de maneira astronômica a escala de inovação, como
mostra o Android, o sistema operacional para smartphones mais bem-sucedido do
mundo.

Armadilhas e pirataria. Deixando de lado o estímulo à inovação, o que se pode dizer do


papel que as patentes supostamente teriam em sua disseminação? Aqui também as
evidências são escassas. Boldrin e Levine argumentam que os pedidos de patente
tendem a ser redigidos com grande cautela, de maneira a impedir que mesmo os
especialistas da área compreendam o funcionamento da ideia patenteada. Em sua
história da propriedade intelectual, Piracy: The Intellectual Property Wars from
Gutenberg to Gates (“Pirataria: as guerras de propriedade intelectual, de Gutenberg a
Gates”), Adrian Johns, da Universidade de Chicago, observa que esse tipo de
estratagema já era empregado no século 18, quando os inventores deixavam de fora de
suas solicitações de patente o máximo possível de detalhes. Uma alternativa a tal
estratégia defensiva é apresentação de “patentes-submarino”: solicitações contendo
descrições vagas e especulativas, feitas por indivíduos que então tentam, por meio de
vários ardis, impedir que a patente seja concedida, até que outras pessoas pareçam estar
fazendo progressos na tecnologia em questão. Nesse momento, o submarino vem à tona,
com o intuito de exigir o pagamento de taxas de licença.

Se os sistemas de patentes não oferecem tantas vantagens assim, como explicar sua
persistência e, inclusive, multiplicação? Em alguns setores e países, elas se
transformaram em simples medida de progresso - um símbolo, em vez de um estímulo à
inovação. Nos últimos anos, tendo recebido ordens para que fossem mais inventivos, os
pesquisadores chineses deram entrada em enorme quantidade de pedidos de patente.
Mas quase todos esse pedidos foram encaminhados apenas ao escritório de patentes da
China. Se as ideias tivessem verdadeiro potencial comercial, certamente também teriam
sido registradas em outros países.

Outra razão que pode levar à solicitação de patentes desnecessárias - explicando o fato
de que entre 40% e 90% de todas as patentes concedidas jamais sejam utilizadas ou
licenciadas por seus proprietários - é a autodefesa. Em grande parte do setor de
tecnologia, as empresas registram enorme quantidade de patentes, mas o principal
objetivo disso é restringir a ação dos concorrentes: se você me processar por infringir
uma de suas milhares de patentes, recorrerei ao meu estoque de patentes para processar
você também. Esse tipo de estratégia pode dificultar a vida das empresas recém-
chegadas ao mercado: estudo realizado em 2001 mostra que os novos fabricantes de
microchips eram obrigados a gastar até US$ 200 milhões em licenças de propriedade
intelectual que talvez não tivessem muita utilidade, apenas para se proteger de ações
judiciais. É uma situação que, embora não favoreça a competição nem contribua para o
interesse público, pode ser vantajosa para as empresas que dominam o mercado. Mas é
grande a chance de que nem para elas os benefícios sejam reais. Alguns estudos
identificaram a existência de áreas em que o acúmulo de patentes dificulta o lançamento
novos produtos.

Mesmo que muitos setores no fundo não precisem de patentes - e alguns deles talvez
estivesse melhor sem elas - ainda é bastante enraizada a crença de que, em alguns
segmentos, elas são vitais. O exemplo a que sempre recorrem os defensores das patentes
é o do setor farmacêutico. Os medicamentos têm de passar por testes excepcionalmente
dispendiosos e demorados para que fique comprovada sua segurança e eficácia. E, se
não fosse pela proteção garantida pela patente do medicamento, a empresa que se dá ao
trabalho de demonstrar que determinada molécula faz seu serviço com efeitos colaterais
mínimos ou administráveis não teria como evitar que suas concorrentes se
aproveitassem de seus esforços para produzir cópias muito mais baratas da mesma
molécula. É por isso que os partidários das patentes acham razoável que a Bristol-Myers
Squibb usufrua de um monopólio temporário sobre o Opdivo, sua nova droga contra
melanomas, e cobre US$ 120 mil por ciclo de tratamento nos Estados Unidos. Se não
pudesse fazer isso, prossegue o argumento, a companhia não teria gasto uma fortuna
para aprovar o medicamento e seu complexo processo de fabricação.

Mudando o paradigma. Acontece que a história do setor farmacêutico põe em questão


esse tipo de argumento. Até 1967, as empresas farmacêuticas alemãs podiam patentear
apenas o método de fabricação de seus medicamentos, não a fórmula em si. Qualquer
pessoa que descobrisse outra maneira de fabricá-los, estava autorizada a vender cópias
deles. Apesar disso, dizem Boldrin e Levine, as companhias farmacêuticas alemãs
produziam mais inovações do que as britânicas (é só lembrar de quando a aspirina foi
inventada). A Itália é outro caso interessante. Até 1978, o país não oferecia proteção de
patentes a medicamentos, e um estudo mostra que antes dessa data os italianos
inventavam proporção maior de novos medicamentos do que depois dela. Antes da
“reforma”, proliferavam no país as farmacêuticas “piratas”, mas, entre elas, as de maior
porte também pesquisavam suas próprias drogas. Depois que passaram a ter de pagar
royalties pelos medicamentos copiados, porém, a maioria fechou as portas.

É verdade que, encorajadas pela perspectiva de registrar suas patentes, as companhias


farmacêuticas investem muito mais em pesquisa hoje do que nos anos 60 e 70. Mas
também é verdade que elas não estão sozinhas nessas empreitada. O apoio da sociedade
às pesquisas biomédicas aumentou muito nas últimas décadas. Nos Estados Unidos, o
orçamento dos Institutos Nacionais de Saúde atualmente é cinco vezes maior do que em
1970. Boldrin e Levine calculam que, uma vez computados os subsídios e as isenções
fiscais, o setor privado americano financia em torno de um terço apenas das pesquisas
biomédicas realizadas no país. Em contrapartida, o sistema de patentes garante boa parte
de suas receitas.

A indústria farmacêutica sustenta que se trata de um bom negócio. Os ganhos de curto


prazo que a enxurrada de medicamentos baratos proporcionaria logo depois de uma
eventual eliminação do sistema de patentes seriam ofuscados por perdas de longo prazo,
em decorrência da consequente escassez de novas drogas. É o que sustenta um estudo
financiado pelas próprias empresas do setor; mas a conclusão, segundo Boldrin e
Levine, é bastante afetada pela taxa de desconto aplicada aos benefícios futuros. Em
2005, Dean Baker, do Centre for Economic and Policy Research, de Washington,
examinou a questão por um ângulo muito mais simples, mas nem por isso menos
interessante: o economista comparou os custos impostos pelo sistema de patentes com a
inovação que ele gera.

O sistema de saúde americano, observa Baker, gastou naquele ano US$ 210 bilhões com
medicamentos. Com base na diferença de preço entre as drogas patenteadas e as
genéricas, sua estimativa é que, num mercado competitivo, onde não houvesse patentes,
os mesmos medicamentos poderiam ser adquiridos por não mais que US$ 50 bilhões.
Em outras palavras, a abolição das patentes proporcionaria uma economia de US$ 160
bilhões.

À época, pelos cálculos da indústria farmacêutica, os investimentos do setor em P&D


chegavam a US$ 25 bilhões. Por sua vez, os gastos do governo americano com
pesquisas médicas básicas somavam US$ 30 bilhões. A economia com a aquisição de
medicamentos num mundo livre de patentes teria possibilitado dobrar esses gastos,
substituindo, com folga, os investimentos do setor privado, e ainda engordariam os
cofres públicos em US$ 130 bilhões.

Com as despesas que o governo americano tem com medicamentos atualmente


atingindo US$ 374 bilhões, a ideia de abolir as patentes parece ainda mais atraente,
mesmo que as companhias farmacêuticas afirmem gastar hoje US$ 51 bilhões por ano
em P&D. Imaginar que um governo seja capaz de fazer investimentos em P&D com a
mesma eficiência que o setor privado pode parecer excesso de otimismo. Mas, se o
objetivo fosse apenas oferecer fórmulas farmacêuticas para fabricantes que atuassem
num mercado competitivo, as autoridades certamente encontrariam diversas maneiras de
obter resultados inovadores terceirizando a atividade de P&D para empresas de
pesquisa. Joseph Stiglitz, economista da Universidade de Columbia, e outros estudiosos
sugerem oferecer prêmios polpudos para incentivar o desenvolvimento de drogas
inovadoras por equipes de cientistas autônomos.

Quando um medicamento promissor fosse descoberto, a etapa final, e mais dispendiosa,


dos testes clínicos, que é o momento em que se avalia a eficácia de uma droga que já
teve sua segurança comprovada, poderia ser financiada com recursos públicos -
provenientes de outra parcela do enorme potencial de economia gerado pela utilização
de medicamentos mais baratos - e realizada por laboratórios independentes. Uma vez
aprovada, a droga poderia ser fabricada qualquer companhia farmacêutica. Outra
possibilidade seria a realização de testes clínicos menores, sob a responsabilidade de
empresas que, para conquistar o direito de fabricar determinado medicamento que tenha
se mostrado seguro, se encarregasse de coletar e publicar escrupulosamente os dados
referentes aos resultados obtidos pela droga na comparação com outros tratamentos.

Isso não é tão estranho quanto parece. A estratégia de muitas startups farmacêuticas
envolve a venda do empreendimento, por alguma soma bilionária, a uma grande
empresa do segmento, tão logo seus projetos comecem a parecer promissores. Prêmios
bilionários ofereceriam incentivos similares. E essa nem chega a ser uma ideia tão nova
assim: Robert MacFie, uma das principais lideranças vitorianas a combater o sistema de
patentes, também era favorável à adoção de premiações.

Na atual legislatura, os congressistas americanos apresentaram seis projetos que em


alguma pretendiam reformar o regime de patentes (entre os quais havia um cujo
objetivo era revogar uma reforma anterior). Nenhum deles buscava sua abolição.
Qualquer congressista que tivesse a coragem de propor o fim das patentes, ou que
levantasse questões semelhantes sobre os monopólios muito mais duradouros
concedidos aos detentores de direitos autorais, seria massacrado pelos lobistas da
propriedade intelectual.

De qualquer forma, determinar até que ponto as patentes e outras formas de proteção à
propriedade intelectual realmente cumprem o seu papel, e até mesmo se merecem
existir, é uma tarefa para ontem. A eliminação pura e simples dos sistemas de patentes
envolve questões relacionadas à ética dos direitos de propriedade.

Mas é perfeitamente viável encurtar a duração dos direitos de exclusividade e


estabelecer diferenciações entre os direitos concedidos a diferentes tipos de inovação.
As mudanças poderiam introduzidas de forma gradual, durante certo número de anos, a
fim de que eventuais efeitos prejudiciais fossem percebidos a tempo. Além disso,
mesmo com o sistema de patentes em vigor, seria possível testar outros mecanismos de
financiamento à inovação. Se os defensores das patentes realmente desejam estimular a
inovação, deveriam estar dispostos a fazer isso em seu próprio quintal.

© 2015 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS.


TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER E TEREZINHA MARTINO,
PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM
WWW.ECONOMIST.COM.

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