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errr a PIES ESVESUETESESEIITTEre ey) Arlindo Machado--24-- PRE-CINEMAS & POS-CINEMAS = —__ se FAPIRUS EDITORA 4 |Hs muito vinhaalimentando 0 desjo de reunir em livro materials produzidos em pocas diversas © que eram fruios de pesquins desenvolvidas em duas diregSes sametralmente opostase apareniementa contndsras. De um lado, eu me ocupava dos ancestras mais célebres do cinema lantern magica, o teatro dpsico de Reyna, 05 espeticulos de fanasmagoris de Roberson, as experiéacas com 2 decomposigio. ‘do movimento por Marey e Muybyidge, ou com a sintese do movimento por Plateau, bbem como o trabalho insite dos plonelos da cinematografla.Fsses ever'ns todos ‘Pareciam demonsuar que hava uma demanda Imagindra em cuso, de que o cinema avila que chamamos hoje de cinema ~era apenas uma manifestaga0 passive. AD ‘mesrio tempo e paralelamen a essxs pesquisa, eu me entrego, a partir do final das ‘anos 70, 20 exame ds experigncia do video, em primero Ivgar,e logo depois a0 extudo das possiblidades e dos problemas das imagens © dos sons digits, que © mcrocont= ‘putidor generalizou por toda parc. Aisorme, enido, de cabesa, no torvelinho das Tormas eleudnicas do espeticulo contemporineo, tentando vsulizar of mos que O audiovisual dever tomar num futuro préximo. ‘Logo me dov conta de que, na verdade, 20 ensaar um movimento em directo simuttineamente 30 passado 26 foro, a referéacia baskca de minhas indagacbes Ga ‘9 cinema. Mas, no mesmo momento em que me dividia nessas duas diegoes. 0 al: POCO boo e eds EKSEEHSEEO OA MO i a ll wveovdveuve Deveeeen ‘bbe PRELIMINARES 1 cabeca, de modo a abarcar tanto as Toumas tecnolégicas contemporineas. eri mais de uma vez que muias das conceito de cinema ia se expandindo em oink suas formas magicas anteriores quanto as suas E, de fato, nos textos que se seguer, 0 lekor isso que chamamos de cinoma podem ser, na ‘experiéncias anteriores ou posteriores 8 Sedade, muito mais cinematogrifieas (no sentido etimolégico do termo) cw que 2 Festlca regular da ane que leva esse nome. Ov sep, pode haver uma representa¢0 Pais elogdente do movimento, da duracio, do tabatho modelador do tempo ¢ do Tiacrontsmo audiovisual nas formas pre © pés-cineuatogréficas do que nos exemplos ‘oficais" da performance cinematogritica Havia ainda mais um motivo que me impulsionava nas cuas diregBes a0 "eso tempos quanto mais fundo eu merguliava no inreado de formas e procedimentos das serene alse cletrénieas ¢ digas, mais clramente podia vericar one grande parte enats recursos retomara, recuperava ov fazis ecoat atiudes rxéricas ¢ teenolégicas antes expenimentad:s nas formas pré-cinematogrifcas © no cinema dos primelros ‘empos, ou sca, ao cinema anterior 4 hegemonia do modelo narrauvo que s® impés that de Grif, de fto, logo pude ver este ponto de vsiadefendido por outros “yeaa (199D, Miriam Hansen (1993, pp. 197-210) e Flivia Cesarino rmisém wagos de continuidade ou de coincidéncia, autores — Bart (1995) —, que vislumbraram ti smalgrado a diversidade dos contextoshisricos, entre as formas pré « pécinemalo- » Brileas. O caso mais grate ¢,evidentemente, a obra de Georges hits, que antecipa fem quase 100 anos o uso de insergbes de imagens no quadro, 3 permanente metamorfose das figuras e toda a iconagraa Nbr e milla que hoje celebramos nos filmes e videos de autores absoluamente contemporinens como Nam June Paik, ‘Zbigniew Rybezynskie Peter Greenaway. Mas nto estava ainda muto clio na mint cabera como esse9 materiasdiverios Poderiom se anicular. As vezes, ev me pergunava seo resulado desse agregado nao osetia ser heterogéneo demais para sugeira kdéin de um dislogo no tempo. A luz ‘me surgiu quando Amir Labaki e css Bambori espectivamente direior ¢responsi- Vel pelo setor de video do Museu da Imagem e do Som de Sto raulo, contaram-me a idea que tinham part comemerat 0 primelro centenstio do cinema em 1995: uma _wande exposiqlo que se chamaria Pré-cinemas G pit-cinemas e que, em vez de Se oncentrr, como faziam todas as quia celebragdes, aos cer anos ofciais do cinema, cenimtia todo o seu poder de fogo nas formas anteriores a Lumiere (eugerindo, PPortano, que o cinema era uma arte muito mais amiga) © nas formas arise Futures ‘que cle esté tomando. infelizmente, por rates polis que nlo importm aqui, 0 ‘Museu mudou de dirego e sepuliou defintivamente aquea Kéia beilhanve, Tomo 3 Iiberdade, endo, de me apropriar do tivlo concebido por Labaki ¢ Bamborzi € \uonsfomio na esruura mesma de meu lv, via vez que ele exprime com toda {elicidade a ila que eu vinha tenando formulat sem sucesso de outas maneiras. ‘Uma vex que se trata de um hibrido,olvro que o letor tem nas mos reine wis diferentes coleges de materials. "As organs do cinema’ abareao material mals antigo, pate inédito e pare ft publicado em forma de anigos, em que a idéia do cinema & perseguida2o longo da historia do pensamentoe das formas de expressto do omen. 5 cinema dae erigens”redne um material mae recente, todo ele inédio, em que S30 abordados os primelos anes dahistria “oficial de cinema, o periodo are pouco tempo hatwide pejoravamente de “primiivo". Finalmente, “Entice sobre a contemporane dade’, colegio de escrios sobre o didlogo do cinema com of novos meios elaronicos € digials, ja havi sido publicadoanteronnene (pela PUC de S80 Po) numa edigs0 ‘experimental em CD-ROM, com uma tagem de apenas 100 exemplaes, nio comer. Cializados e a que povcottveram scerso. Poavenss modieagSes foram Frias nos {extos originals para favorecer uma mar unidsde do conjuntoe para evita repeticdes Intes. $6 me resta agora expersr que o volume faa sentido que © elon poss rat algum proveito dele. aM. 10 PRE-CINEMAS: AS ORIGENS DO CINEMA 1J4 observou Comal (975, p. 45) que nto hi texto de hiséra do cinema que ‘no se desacere todo na hora de estabeecer uma data de nascimento, um limite que ppossa servir de marco para dizer: aqui comers o cinema. Sadoul (1946), Deslandes (1966) e Mannoni (29%5), autores dos volumes male respetados sobre a invengto ‘erica do cinema, asinalam cori signifcaivs a invengo dos tatros de luz por Giovanni della Porta (seul XVD). das projegdescripiokigicas por Athanasius Kircher Gécvlo XVID, da lantema indgiea por Christan Huygens, Robedt Hooke, Johanne: Zahn, Samvel Rhanaeus, Petrus van Musscherbroek «Ede Gilles Guyot (séculos “Vit ‘¢ XVIID, do Panorams por Reben Barker (séeulo XVII), da foograia por Nicéphiors [Nigpce © Louis Daguente (stculo X50, os experimenios coma persiséncia reiniana ppor Joseph Plateau (eéculo XDO, os exercicios de decomposio do movimento pot Euienne jules Morey ¢ Eadweard Muybridge (séeulo X00, a8 a reunlto mis sstematica de todas essas descobenas © invengdes um Gnico apatelio por briceleurs como ‘Thomas Edison, Louis e Auguste Lumize, Max Sklacsnowslky, Robert W. Paul, Louis ‘Augustin Le Prince ¢ Jean Acme LeRoy, no final do século pasado, Mas, assim azendo, les extdo privilegiando algumas das téenias eonstutine do cinema, justamente 2 Prrrrrrrrrrryy ry ~ 1 O CINEMA ANTES DO CINEMA ‘aquelis que se pode datar cronclogicamente. Outras técnicas, entretanto, como € 0 caso da camera obscura e de seu mecanismo de produto de nerspeciva, bem como 2 sniese do muvime=to, perdem-se na noite do tempo. }8 no século X, pelo menos, o matemitica ¢ astronomo Srabe Al-Hazen havia estudido varios procedimentos que hoje chamsriamos de cinematogrificos. E, na Antiguidade, Platlo desereveu minucio- sanente © mecanismo imagindrio da sala escura de projecio, enquanto Lucrécio ji se teleria 30 disposit:-0 de andlise do movimento em instantes (otogramas) separados. Por que o homem préhistérico se aventurava nos fundos mais inéspitos © perigosos de cavernas escuras quando pretendia pintar? Por que seus desenlios apresentam caracteristcas de superjaigdo de formas, que os tornam (do estranhos ‘¢ confusos? Hoje, o$ cientistas que se dedicam a0 estudo da cultura do periodo magdalenense no tém dividas: nossos antepassados iam 2s cavernas para fazer sess6es de “cinema” e autistic a elas. Muitas das imagens encontradas nas paredes de Altamica, Lascaux ou Font-de-Gaume foram gravadss em relevo nt racha © 0 seus svleos pintados com cores variadas. A medida que o observador se locomove thas trevas da cavema, a luz de sua t2nve lanterna llumina © obscurece parte dos 13 desenhos:algumas inas te sobrestaem, suas cores sto realgadas pela luz, 20 paso (que outas desaparecem nae sombrae, Eno, ¢ possivel perceber que, em determl- fdas poskcbes, vé-e uma determinads eonfiguracto do animal representado (por xemplo, un foex com a cabegs digida para frente), 20 pasto que, em ovtras posigdes, vé-se configuragto diferente do mesmo anal (pér exemplo,o fbex com 5 cabegs vokada pars ts). E assim, 1 medida que 0 observador caminha perante 43s figuras parieiais, elas parecem se mooimeutar em 1Jacto a ele (o Ibex em (Questdo vira a eabega par tr, 20 perceber a aproximago do homem) e tods & caverns parece ge agiar em imagens animadss, “© que estou tentando demonstrar 4 qr2 os artistas do Paleoliico Unham os instrumentos do pinior, mas os olhos ¢ a ‘mente do cincasts, Nas entranhas da tera, eles construiam imagens que parecem se mover, imagens que ‘cortavam” para oulras imagens ou dissolviamse em outras imagens, ou ainds podiam desaparecer ereaparecer. Numa palavra, eles A faziam ‘cinema tonderground™ (Wace! 1993, p. 140). ‘Quanto mais of historiadores se afundam ma histria do enema, na tentativa de esenterrar o primeiro ancestral, mais eles sto remetdos para ts, até os mitos €rtos dos primbrdios. Qualquer marco cronolégico que possam eleger como inaugural serd sempre arbiter, pols © desejo e 2 procura do cinema sto to velhos quanto a ciuizagio de que somos filhos. O ime de Wemer Nekes, Was geschab wirkilch _zuisclon den Bildern?(O filme antes do ma/i985), 6 multoinsruive nesse seiido, pois, 20 lado das miquinas e dos procestos que eshte, digamos assim, a hstéria oficial do cinema, ele arola também uma colegio intermindvel de brieabraques € feringongas caselras, destinadas 2 projetar anesanalmente imagens em movimento © que se vém acuniviando sécul. apés steulos, sabe Deus desde quando. “Nao € somente um seiho sonho da humanidade que cinema realiza, mas também ums série de velhas realidides ewpirics ¢ de vellas téenieas de representagio que ele pperpetua” (Comal 1975, p. 45). ‘A historia da invengao técnica do cinema mo abrange apenas pesquisas cientifieas de Iaboraiério ou investimentos na Sea industrial, mas também um tuniverso mais exduico, onde se incluem ainda o mediunismo, 2 fantasiagoria (as projecdes de fantasmae de um Robertson, por exemplo), vislas modalidades de espeticulos de massa (os prestdigitadores de feiras e quermesses,o teatro Gptica ‘de Reynaud), os fabricantes de bringuedos © adornos de mesa © até mesmo “ om reeananengaseereeest do movimento, cegus entretanto 3 {oda uma acumulagio subterrines, uma vontade milenar de inter no imaginsrio, ‘A leitura que faz Andvé Bazin do live de Sadoul sobre as origens do cinema, apesat dc seu indisargaveliealismo, ¢ uma excegto sols. Diz Bain (1981, p.25):*Os fanducos, os maniacos, os pioneiros desineressados, capazes, como werard Palsy, de Botar fogo em sua cas por alguns segundos de imagens wemeluzentes, ++ no sto cienustas ou industinis, mat indivfévor porsuidor pela intginagio: Portanto, 0 que fica repimido na grande maloria dos discuses hisiricos sobre cinema ¢ © que a socledede reprimiu na préprishistéra do cinema: 0 devir do ‘mundo dos sonhes, 0 afloramento do fantasma, a emergéncia do imaginiria © © ‘que ele tem de gratuito, exeéntico e desejane, wdo ito, enfim, que consul © ‘olor mesmo do movimento invsivel que condvz 20 cinema [A histéra réenica do cinema, ou Se, 2 histéria de sua produuvidade industal, ‘pouco tema oferecera uma corpreensio ampla do rascimento do desenvolvimen- tao cinema. As pessoas que congbuiran de agama forma para osucesea disso que acabou send balzado de “cnemst6grafo" erm, em sua lori, curios, bricolours, lMusionstas profissionais¢ oponunisas em busca de un bom negéao. Paradoxalmen 1, 0 poucos homens de ciéncia que por ai se aventurram cuminhavam na dite to ‘opesta de sua materializagio, ulenneJules Marey, por exemple, fislologsts francés cas pesquiss sobre o ‘movimento animal o scabaram condusindo de form inesperida 20 einen, nunca ‘entendeu exatamente para que poder Serve 3 siete do movimento por meiordo aparelho projetor.O inventor do cronofocgrto edo ual fotvgrifeo, dois anceatais da cimera cinematogrificn, estava inerestado apenas na ands dos mavimentos dos seres vivos e para iso necessiava decompllos, congellot numa seqdncia de repisos. Una ver decamporoe os movimentos dos animals, er possvel esudi-os fem deuahe, mas recompo-loc novamente numa tela, para fozer a tmagern do animal “te mover, er para ele uma tol kSiotice. Nao era mais Fal olhar dveamente para © préprio animal? Como nota Jacques Deslandes (1966, p. 141), © aparelho de registro ‘cronofougiicoe a cimera cinematogfica esto separados por um abismo, pois 25 suas prdpias ialidades so diferentes: enquanto esta Sima visa produglo de uma Jong: fis de imagens sucessvas que, desensolando-se depois num projeor, ciara ttusa0 de movimento, 0 cronofaxSrafa eo ful fotogrfico de Marey wm por Fungo siuca anaitar © movimento, decompo, reduztlo a um diagrams esruural. Se als tarde Marey incorpora também um dispostivo de projegto 20 seu fun fotogifico, cle 0 far para poder comparar melhor 0 movimento continue com sa analise congelada. A pelicula que ce tia & eieular,fechada Sobre si mesma, como os loops {que se fazem agora nos estos de dublagem cinematogréfica, para permitir obsenvar ‘um mesmo movimento varias veaes segldas “A ftografss srimadas — escreveu 0 Misiologisa — fixam para cemore movimentot que #80 etsencialmente fugszes... Mas ‘0 que eas mosiram, oolho pode veo dirctamente. Elas nada acreseentam a0 poder ‘de nosea visto, nada desvendam de suas iusdes. Ora, o verdadeir cardter de um imétodo cientfico € superar 2 insuficlncia de nossos sentidos ou conighe os seus eros" Capua Deslandes 1966, p. 14). Para Marey, 2 reconsieugto“fawralisa do movimento era sentida como “defeito", dat por que ele se sentla Incomodado pelo “realismo” da imagem ‘inematogrica. Para combater esta “uso, ele Inventava expedientes destinados 8 desnaturalizar a cena: colocava os seus “lores” conia um funde negro, vestia-o8 Inueiramente de preto para que eles se confundissem com o funds e, como Gnico lemento de dstingBo, cosurwa {tas brancas refletoras em seus bragos © pernas, bem como pontes metilicos nas aniculcbes dos ostor. Quando o modelo se locomovia dlamte do eronofetégrfo, 1 miquina regisava apenas 0 Waco desenha. do yor estas sxase pontos, oque signilicava, em ternios de resultados, uma especie de grifico em que o movimento era disgramado como numa escrita cifrada, Dessa forma, 0 fisiologisia podia no apenas reduziro intervalo entre os regis, sem se reocupar com as superposies dos compos, como tembém lograva superar o “realism” CindesejiveD da fotografi, resgatando, em contrapanida, uin diagrams ‘que poderia ser submetido posieriormente a uma anise cienifiea, O metodo de Marey para asa © movimento do seu suport material €converé1o numa pura {tama de relagbes revelase hoje absolutamente moderno © largamente ulizado fem computagto gefica para permits, por exemplo, anallsar of movimentos mais Finos de um bailarino e revelar qualquer desvio, por menor que sei, da coreografia dos gestos. Como explies 0 proprio Marey, “2s imagens arruinadss imobilizam-se_ fem figuras geomésicas; 2 lusto dos senidos desaparece, dando lugar 8 satsfac20 4 espirto™ (apud Desiandes 1956, p. 144). ; ‘Um pouco mais tarde, outro pioniro, Albert Londe (que vita a wabalhar com ‘Charcot no hospital da Ssipéuite de Paid), decarou tamb

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