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De re aedificatoria 2. Unwn Hooria da Haifieayio see 5. Allwiti-o Vidnivis: Finpréstimos Superestruturais 1. Albert ¢ Vinivio: Relato 6 Histrias no De re aed- fleatorta 5G Angquiteto Leroi }. UTOPIA OU A TRAVESSIA DO ESPELHO ... 1. IipayoModclo, Modelo de Espago: Abordagem Fe omenoldigiea 1.1. Espago-Reivato & Espago-Modelo 1.2. Um Dispositivo Universalizavel 153. Modelo e Eternidade 1A! © Pharmakan Eig do Rspelio © Estigio da Uiopia A Construgao Mitica Morus © Plato Morus e a3 Problemiéticas do Renascimento POSTERIDADE DOS DOIS PARADIGMAS . } 0 esting dos Tratadas de Arquitetura Ll. A Primeira Geragio «4... . 12. A Regressdo Vitruvizante 5, Duns Exceg6es: Os ‘Tratados de Perrault e de => w da Figura Utopica 2.1. A Utopia Reduzida de Morelly ..... 22. A Utopia Canénica: Sinapia & a’ Superespaci lizagio gies . UMA NOVA PIOURA IM PREPARAGAO: DERIVAS E DESCONSTRUCAO ... 1. A Cincia e a Utopia Contra 0 ratado’ de Arguite- tura: 0 Tratado em Fstilhagos de Patte 2. O PréUrbanismo . ©. A TEORIA DO URBANISMO 1. A Teoria como Paradigma 1.1, © Discurso Cientificista © Cientlico 12. Medicalizagao e Utopia ...... 133, Dinamica da Figura de Morus: Os Falsos ‘Tracos Albertianos 1.1. O Trabalho do Ew Tratadista 2, Outeas Teorias: de Sitte a Alexander .....- 2.1, O Discurso Cientifico: Simulagdes © Realidades Prodominancia das Mareas da Utopia 2.5, De Tiulios ‘Tragos Abertianos 241. Vaviantos do Eu Tratadista ABERTURA: DAS PALAVRAS AS COISAS BIMLIOGRARIA n 118 7 136 146 151 152 153 156 161 165 165 170 179 186 at 191 191 202 216 229 29 231 Para Jean Choay {A Rogra e © Modelo tem como porto de partda minha tse de doutoramenta defendida em margo de 1978. Devo especial reconftecinento a André Chastel, professor do Collége de Fran- ce, presidente da banca examinadora, que me convenceu @ apro- lanl 0 trabalho tnieial e dewme os consethos da ciéncia e da ‘nudigio. Também me forane preciosas as observagées as cr! tieas lox demuis membros da. banca, Jear-Toussaint Desanti Mikel Dufrenne, Pierre Kaufmann e Pierre Merlin. A todos dradego agit, bem como a Jean Choay, altar constante, @ a Prangois Wall, que leu 0 lioro na qualidade de editor e de ‘anno. Fe O Preconceito das Palavras ste fivro 6 eonsagrado av espago construido © & cidade. ‘Mas nito se refere ao mundo conereta do urbano. Deixa de lado (6s edificios efetivamente construidos e trata apenas do espago fe da cidade como coisa escrita, Seu objeto pertence, pois, 2 oordem do texto. Paradoxo, sem dtivida, se evocarmos a urgéncia dos pro- blemas atualmente suscitados por uma usbanizag’o som proce. dentes do planeta, Necessidade, se nos lembrarmos do volume dda Titeratura que contribui dirctamente para essa urbanizagdo, pretendendo fundamenté-la na razio. ‘Trataremos, portanto, de textos, chamados teoria, que, no quadro de um campo discipliner pr6prio, bi ‘maodalidades para a concepsio de edificios ou Digam respelto A arquiteura dos edilfcios ou as relagoes ‘que eles mantém entre si e com seu ambiente, (ais escrilos esto hhoje submetides & hegemonia da disciplina denominada urba- nismo. Aparentemente, tomaram-se banais © transkicidos. Inte- gram esses discursos cientificos, ou pouco cientificos, que as disciplinas constituidas produzem. Considerados. inofensivos ¢ dependentes da competéncia dos especialistas, nfo tém quase interesse ¢ inquietam menos ainda, Sua eficécia esté escondida. Paradoxalmente, seus efeitos apenas causam alarme © provocam lum questionamento em nome da higiene mental, das tradicdes coltutais, da estética. Apenas sio discutidos os conjuntos habita- clonais ¢ a5 cidades, pudicamente designados pelo mesmo adje- tivo “novo”, que eles contribuem para multiplicer pelo mundo. 2 A REGRA HO MODELO Na realidad, como seria de pressentir por seu formidével poder de impacto’ e de erro, tais escritos no so banais. Este livro pretende mostrar, pela’ primeira vez, a estranheza de seu projeto © a singularidade de stias démarches. A crise da arquite- ture ¢ do urbanismo ganharé com isso uma dimensfo insus- peitada, Em trabalho anterior!, vinte anos atrés, j& me propusera assinalar ma enotalia dos textos produzidds pelo urbsnismo, Mostrava eu, entdo, que eles ge dtribuem um estatuto cientifico ‘2 que nfo t2m direito, que stias proposigées so ditedas, na verdade, por ideologias inconfessas e nao-assumidas. O lance de minha demonstrasio, era, na época, polémico: denunciar a impostura de uma disciplina que, num. periodo de constrigao febril, impunba sua autoridade incondicional. Depois, essa pre- vengdo trouxe alguns frutos, pelo menos no plano da reflexdo Datemos aqui por pacifico que, a despeito de suas pretensces, © discruso do urbanismo continua normative ¢ s6 em cariter mediato compete a uma prética cientifica qualquer:, seu recurso Ucito e justifieado as ciéncias da natureza e do “homem” se subotdina a escolhas éticas ¢ politicas, a finalidades que nfo Periencem somente & orcem do saber? ‘Neste momento, so outros os meus objetivos, JA no é © caso de indagar 0 que ndo sfo os escritos do urbanismo, deter. ‘minando seus desvios e tas derivas com relacio a um tipo discur- sivo conbiecido, o discurso cientifico. Cabe descobrir 0 que eles slo, as intengdes secretas quo camuflam tanto suas pretensées explicitas quanto suas idcologias técitas, e definir seu verdadeiro estatuto, Hste novo trabalho nfo naseeu, como o anterior, de uma indignagao, mas de um. espanto refietido. Para poder captar a estranheza dos escrites do urbanismo, ¢ preciso desde logo querer e saber reconliecer o earéter insélito ¢ improvéyel do seu projeto perantc os procedimentos que, no conjunto das diversas culturas e a0 longo da hist6ria, permiticam fos homens orgenizar e consttuir seu estabelecimento, Atribuit ’ edificagdo do espago uma discfplina especifica c auténoma 6 wma empresa cuja singularidade © audécia nos sio mascaredas pela difusto planetéria © benalidade atuai Esquecemos que o sagrado e a religifo foram, tradicional- mente, os grandes ordenadores do espago humano, através do jogo da palavra ou da escrita que, nos tempos arcaicos, expunha sobe os monumentos as prescrigdes dos deuses. Esquecemos que, has eociedades sem escrita, a organizagio do espago construtdo ‘ra competéneia a0 mesmo tempo do eonjunto das préticas © das | representagdes sociais, som que ao menos uma palavra designe 1. L-Urbontsmr, atoples ot réalités, Pris, Seull, 165. (Trad. bras. 0 Uroanisino, Utopia’ © Modlidedes, Sho Paulo, BAltora Perspective, 157, Bstudos 7.) dem, p. 1 (© PRECONGEITO DAS PALAVRAS. a 3 reflexio a idéia de arranjo espacial. Esquecsmos sinds que a cultura érabe nunea dispOs de um tinico texto espectalizado pare cestruturar seus espagos urbanos, cuja complexidade ainda hoje ‘isa maravithedos arquitetos ¢ urbenistas ocidentais. Em outras ‘alaras, iguoramos ou conhecemos mal o fato de que a consti- Uuigio e' a autorizaciio de um discurso fundador de espaco & dle origem recente € ocidental, Sua disseminagio era inevitével viede que, meso da revoluglo industrial, © pedro eultural do twidente se impunha, de bom ou mau grado. Pois, somente 4 purtir da segunda’ metade do século XIX que ¢ discurso twndador de espago enunciou suas pretensbes clentificas e deslg- Ho seu campo de aplicacio com 0 termo urbanismo; este termo, fiw vendade, foi eriado, e definida a yocacéo da “nova ciencia Awhanizadora”, om 1867, por I. Cerda, No entanio, nfo $0’ tata de tim verdadeiro comeso. Para sta w Fong de (ransgresslo e de ruptura que anima os escitos “vicon do urbanism, € precio tentar aproender seu projeto fwnfalor antes das datas convencionadas, em soa aparecimento nici e. iynorad, no-ulvowser dt primeira Renaseenga Iulia. Nese case, como em muitos cules, uma formagéo heinaivn ema priticn euje patetnidade se stribui ao sécalo XIX, © que wo localiza num eonfiguragio epistémica que teria comeyade a difiniese a viral dos xeulos XWEIL e XIX, hiponn-coningran rapluras ji operas © organiza dominios 54 dlofinidon no Onatirocent, Toi enlio, com elvito, que os tratades de arguitetura itlla- hop estabeleceram com o espago edificado uma relagio inaugu- ful A cottidho de muselmento dessa nova relugo € datada preci- innvonte pel primeti © mais magistral deles, o De re aedificatoria, quo Leon Battista Alberti apresentou ao Papa Nicolau Vem 14152! e cujo munuserito, publicado pela primeira vez por Poli ‘loo cn 1485, em Florenga, ele nfo cessou de refazer até sua morte (1472), Esta obra tem como objetivo exelusivamente 2 voncepeio, cam © auxilio de um conjunto de prineipios e regras, do dominio construide em sua totalidade, da ensa a cidade & abolecimentos curls. Ao mesmo tempo que um género heusivo original, o tratado de arquitetura qu fypathard por toda a Europa para encontrar sivulos XV XVIIL, sua term de elvigio © de perdiglo, © De ve aedificaorla xia vow proprio campo te6rico e prétien. Tinpo ‘no miqulleto uinw larefa que vai muxlar seu estatute 4, tm. sue Meorla General do tu Urbanisaoidn. Cf, Anta, Cap. 6 p28 6 He roe fin date quo Mors aeolhe ama sua monograia, Zeon ue ao and alan) dan queso atbertianas ‘Tara an avers etghin « Lradupbes susessivas do De re aed fwlorta, cf Inte, pa, 0, OF w Dibopreia, p32 4 ‘A REGRA BO MODELO social: implica a formago de uma nova categoria profissional® Invedutivel i dos. antigos. construtores. © tratado de Alberti utiliza as conguistas da matemética, a perspectiva e da “fisica” contempordiness. Leva em considerugio © tem como referéncia 0 conjunto das atividades vondutas sociais. Entretanto, nao se deixa teduzir ou subordi har a nenhum saber exterior, a nenhuma prética politica, econd- ie, juridea ou tales. Pata finmar sua autordade, nfo recor cy apresentagSes ¢ acs ito religleos, as, valores tanscen- ots did. Frm um meted aca pee cane perc retlizaeedificis e eidades, ele se dé por trea, e ch a enabelecet comm © mundo consra mea Flagha qe a Avi fiuidade ea Idade Média iguoram e somente a cultura européla {ext dovavante a temetidade- de promover. O 'acontecimento. merece tanto mals ser salientado quanto foi ocultado pelos bisoradores, em provelto de outras rupturas © outras emerptncias da. mesma epoca. O papel ctlador dos Thun, Pogo, Guatine, Ghibert, Valla, & reconhecido: j6 smatisado como a nova relagio. doe documentos e mosumentos {iy pasado, com a8 obras e Insttulgées do presonte, Telos Conair os campos da flologia, da argueclopia, da histxia e «in osotiapeltieas, bem como da histéra da are. Semelhan- tcmeate, 0 De picture do mesmo Alberti € considerado, como {6 cra ta época, a exetmos no testemunho de Filareto ou de Ghibert, o portidor de uma inovagSo radical e consteuiva da primeira’ teorin do’ espago Tebnico. Mat, a despelto da convic: se aor De godietra gus ined, ep to do espteo Iridimenstona, uma Inovago anélogs, de aleancs vem prevent, Tuner fol Teconheci eomo ale conan aser visto como dina versio melhorada do liv. de. Viravi uso deste erro nfo debea de ter relagho com 0 hibito te tale nexstamente 0 tuo da obra de Alberti por Da Ar letra. Com efeito, se 0 excelente Tatissta que ere Alberti 6. albert especitieathe os. priviéglos j6 no Prélogo co De re sodifiatoria: “isto porque. 60 sonvocarel um carplnteifo para com: Yartto aos metores mestres ces outras aistpinas: maid do. apersrio| rio passa uma ferramenta” (pT). Taso no aie concert oo state fiat do arguiteto quanto a0 estatnto cureivo da consenuido, nko to povlerla negar o que sus elsboraqio pelo Renascimento deve Ant. lito. © guadro desse trabalho nfo permite abordar a ‘isle. com pilown ds conceites de arquiteture e arquiteto, muito menos a desea ro(orento provisional. Todavia, podergeé medir o aleance inovador do Do re uevifieatoria eracas & comparasio que 0 contraporé adiante (Cap, 2: pp, Ist o-44) ao siete tatado de Vitrovio onde. Albert buscou + "Tox a9 noms claus vemeleas & elisa cxftion mals recente to De re aeifleorta, Lavehiiettera Ce re aediicatoral (exto latino trnlugho ftllana uit’ paralclo, estabeleldos por G. Orland, iatroduste f potas do D. Poruoghud, Kili, 1 PoLfLo, 1088, A versio francesa 6 1 a traduglo de Trini, ar testions i Saul (0 PRECONCEITO DAS PALAVRAS 5 cesoolheu dar a seu tratado o titulo de Da Edificagao" foi real- mente para se afastar do Vitrivio e sublinhar a extensio de seu dominio do qual a arquitetura enquanto arte é apenas ume parte. ‘Se € 0 caso, portanto, de restituir ao De re aedificatoria seu valor pioneiro, este valor s6 assume significado no émbito da configuragio epist&mice a que pertence o tratado de Alberti, Em que pese a sun especificidade, esse livro nso constitui um fen6- meno isolado, Somente podemos avalié-lo se o recolocarmos, desde logo, entre as pesquisas sobre 0 espaco conduzidas pelos ‘arquitetos, pintores ¢ escultores da época, reinserindoo em se- fuida, com os trabelhos de Brunelleschi, Donatello, Piero della Franceeca, na ‘‘revolugao cultural” no fim da qual se impés ‘um novo ideal de ascendéncia sobre o mundo e se transformaram ‘6 relagdes que o homem curopeu mantinha com suas produedes. "A medida que se enfraquece o teocentrismo medieval, os ‘comportamentos soviais, diseursivos ou nfo, assumem aos olhos dos cientistas wma dignidade ¢ um interesse novos. Serio dora- vvante conotados pelo conceito de criacdo, que se pode apontar com justiga como a palavra-chave da Renascence®. Contudo, ces- sam também de ser vividos na imediaticidade, adquirindo @ di- mensio da alteridade © do enigma, sendo colccados & distancia, triticados e feitos objeto de saber por formacbes discursivas que prefiguram uma parte das chamadas cigncias “humanas” € Formam constelagio, Para empregar uma terminologia em vigor, ditemos que, com respeito aos textos anteriores, essas formagbes {introduzem um corte. ‘Qualquer que seja seu débito para com a tradigfo de saber herdada de Vitrévio ou a tradigio edilitiria definida pelas co- munas italfanas durante os séculos XILI © XIV, foi desse mesmo ‘deslocamento de atengfo"! e desse corte que provieram os primeiros tretados de arquitetura italianos. O Alberti tebrico de onstriigao compartilha o mesmo processo reflexive que o Alberti tedtico da vida civil e politica no Momuslt ou no De iviarchia!®, 4, A titima (e a melhor) traducto sation publids até note Cf. nota, . conesrea o ttilo Der Arquietvra. Ao ae aaibames, Quatre. Thre ds quincy'4'o nico autor (e milo @ por aciso) ave reronheee a Srigialicnte titulo de Avert e, tanto em seu Dictionntire como em Sin Blogrophie des pits céldbres archilectes, 0 tradi por Tretado da frte do Constr. Terme devido 8 B. Garin : 8, BeGARIN, Afoyen geet Fenalsance, Pers, Caliard, 1969, 9.1. 1, ‘idem, p Tt, Telia dapois de 460, Cf. Momus 6 Del Prince, efto cftes com text, trocago Hallana © nolns de. atin, Bolonhe, 192, Pare Gin parallsmo enize 0 De re wediiostoria e o Sons, ef. GARIN, "lL en. sriamnert nota ctitura Gel Rinaenmenin, tm Conoaono, Tatersesionale indetio ret V Centenario di Leon Baltsta Albert, Rome ‘octdeiia Nasonale del Tne, 101 2 1868 i. Oper volgarl disso crliea por C, Grayson, t, 1, Bar raters, 1965. ‘ ‘A RBGRA E O MODELO O projeto do De re cedificatoria & 0 homélogo daquele que leva 668 grandes. humanistas do século XV a perspectivar e sistema- liza os rabalhos e os atos dos homens. y Assim como os eseritos destes abriram 0 campo de disci- ciplinas que comegaram a elaborar seus fundamentos teéricos no fim do século XVIII, 0 livro de Alberti abre © campo da disci- plina que os teéricos'do séeulo XIX ehamaram urbanismo e da ‘qual quiseram ¢ acreditaram fazer uma ciéncia, Do século XV dos salads ao século XX dos escritos urbanisticos, novos problemas foram sendo eolocados em diferentes termos. Eles permanecem, eniretanto, eircunscrites © definides no quadro de uma mesma ida no Quulirocenw, sem eyuivalente uuerive ultura', e que consiste em etribuir & organk ‘aio do espago edificado uma formagio discursiva auténoma, issu autonomizagio, a idéia de que 2 estrutura de uma cons- ‘ou de uma cidade possa depender de um conjunto de jeragdes racionais dotadas de logica propria, matca o corte iveisivo que impGe ao estudo dos escritos do urbanismo con- -mporineo a passegem pelos tratados de arquitetura, e a const lerugi dessas duas categorias de textos como parte de’um mesmo onjunto com uma denominagéo comum, Proponho chamar de instauradores esses escritos que t&m ‘2 constituigo de um aparelho conceptual mo, que permit cocaber ¢ realizar a novos € nio- uproveitados. Essa designacdo, enjzptanto, nao, devye dar margem a confusio com 0 uso que faz a itohalby ngia do conceito de lauragio. Nilo # trata, no easo, de determinar a fundagio de lum campo cientifico. Recorrendo 8 etimologia e ao valor concreto ‘original do termo (Stauros, em grego, significa primeiremente @ estaea de fundagio e 0 alicerce), pretendi, de um lado, que ele sublinhasse, por metifora, a posigao dos textos instauradores que se propGem. escorar e firmar como teoria os espagos construidos © a construir, que se constituisse como seu fundamento ou seu aliceree, € de outro Tado evocesse, por metonimia, a relagdo centre esses textos € os ritos de fundacio de cidades, Consideraremos, entio, que o conjunto dos textos instaura- llores do. espago é formado exclusivamente pelos tratados de favguitetura e Pelas teorias do urbanismo? Parece necessévio incluir af uma outra categoria de escritos, as utopias. A primeira Visia, tol deciso soa chocante e contestével. A uiopia pertence a0 lunivero da fiegio, parece aquartelada no imagindrio, longe de todo uleance pritico ¢, com maior razao ainda, de todo contexto profissional, Podese argiir que nem por isso € priveda de cfledcia: a multiplieagio de Tefrias na América do sSculo XIX ppovico A saciedade, Como quer que sefa, a edificago do mando construide nie ¢ a vocugao da utopia, que se propde, por meio 13. cl Cup, 0 PRECONCEITO DAS PALAVRAS fe sobre a sociedade, a elaboragdo imagi- wwiria de uma contrasociedade. Contudo, se considero que. twopia, como género Titeréio, 6 um texto inteiramente instaura- dor, € que ela constitui parte integrante das teorias de urbanis- mo que ela antecede e cuja forma marcou com um selo indeléve. ‘Tal afirmasao {4 esté implicita em meu trabalhols sobre as relagées do urbanismo com as utopias, desde que se observem as Gtimas sob uma perspectiva diversa da que era entéo a mi- ha. Limitandome as utopias do séeulo XIX, eu as classifi ‘cava, com base em seus sistemas de valores, em dois grupos, que chamava de progressista (Fourier, Owen) e de culturalista (Mor tis) ealinhava sob a denominasio comum de pré-urbanismo: com sous valores e seus modelos, elas prefiguravam os dois grupos hhoméloges descobertos nos escritos do urbenismo. Desst modo € que Tui levada a defini 0 urbanismo progressisa,ilustrado por Le Corbusier, © 0 urbanismo culturalsta, cujo representante mais destacado € Sitte, Minha demonstragéo bascave-se, entio, numa anilise de conteddo, Tratava-se de precisar a especificidade dos valores e das figuras de espagos que cada uma das duas correntes tagonistas propunha. A démarche ui6pice, enquanto suporte ¢ vefsulo de valores bem datados (aqui, progresso © racionalidade; ‘organicidade cultural) promovidos no quadro de um processo hist6rico, dizia respeito & revolucio industrial. Em vez do nos limitarmos @ influéncia das vtopias perticula- res, podemos nos interessar pelo impacto eventual da utopia em eral sobre os escritos ubanistices. Podemos consideréla no mais do ponto de vista de seu contetido, mas de sua forma, deslocar a questo do plano da histéria prima para o da l ‘Jura, Pereebese enlfo que utopia, enguanto categoria Tite rinia eriada por Tomés Morus, inclu dois tragos comuns a todos os excrtes do urbanismo: a abordagem critica de uma reaidade presente e a modelizasdo espacial de uma realidade futura. Ela ‘labora, numa perspective nfo-pratica, em termos quase Ifdics, ‘um instrument que poderia cervir ofetivamente para a concep. «io de espagos rea Quando os escrites urbanistios deixam de sor interogados de im ponto de vista epistemoldgico que questiona sua validade, «quando no mais se trata de avaliar @ lgitimidade de suas pre: tenses cientiieas, mas de analisar sun organizagio enguanto textos instauradores de espagost®, chama a slengée sua relagdo com a forma literaria da wlopia. Fm outras palavra, se, ao invés de nos interessarmes plas opgdes asilSgieas opostas e néo-rez0 necidas, subjacentes aos livros de Le Corbusier ¢ Howard, nos debrusarmos sobre os provedimentos comuns que fundamentam M4. @p, cit, Ct, Também City Planning in the XIXth Century, New York, Brasilor, 19M 18, Propdito 16 Tormmulado, mee desenvolvido de mancira esquemé- Hea, a "Figures dun dlecours méconmu”, Crivigue, abril de. 107 . A REGRA © © MODELO nam a enunelagio de seus respectivos projetos, @ lulopia surge como «ima forma inerente a seu processo, que ela csirulara ¢ programa, independentemente de qualquer contetido hist6rico, Tm tais condigées, a utopia nfo pode ser alijada do conjunto dos textos instauradores. Deve ser incorporada a ele, j& ‘que preexiste as teorlas do urbanismo, isto é na totalidade de suas manifestagées, a partir da inaugural Utopia de Tomés Morus, homéloga ao De re aédificatoria, meio século posterior. Admitivemos, pois, que © conjunto dos textos instauradores 6 formado pelas trés caweyorias Uus uatados de arquitetura, dao iwopias e dos escritos do urbanismo, solidarizados por seu projeto Fandador de espago. Para ir além dessa declaragio de singulari- dade, para abrir caminho na densidade de suas ittengées néo- formuladas e dar um sentido & sua estranheze, meu trabalho guiado por vérins hipdteses ‘A primeira, metodaldpica, dew prioridade nfo somente 80 cestudo dos textos mas também a0 de, sua forma, ‘A segunda centralizou o trabalho no tratado & na-utopl cestariam em aso dois procedimentos tipicos de criagio do espago edificado desde a emergéncia do projeto instaurador. Um, claborado pelos tratados de arquiteture, consiste na aplicacdo dos prinefpios © das regras. O outro, fruto da utopia, consiste nna reprodugio de modelos. Esses dois: procedimentos, regra e (© modelo, corresponderiam a duas atitudes fundamentalmente diferentes’ em face do projeto construtor ¢ do mundo edificado. Conforme a taréeina hipslese, og textos instauradoyes nfo ‘eonsituitiam apenas um conjunto Iégico, construtivel com 0 auxilio de um denominador teleol6gico comum. Ao longo do tempo, eles apresentariam, em sua enunciacgo € na relagso de sous componentes seméinticas, regularidades formais e uma estabi- Jidade que.os transformariam numa categoria discursiva espect- fica. Em Gutras palavras, sob a cambiante diversidade que 0 ceurso dos séculos thes imp0e, utopias e tiatados seriam orgai alos por figuras ou configuragGes textuais invaridveis, depen- lentes de um estetuto original que seus autores nfo assumiram, nem seus leitores decifraram. Nem por isso resulta daf que essas duas organizagSes estra- turais permanegam intactas ¢ bem legiveis, de ponta a ponta de dws eadeins textuais independentes. Admito, a0 contririo — e € ‘minha quarta hipétese —, que elas possam interferir: os escritos uurbaniaticos dariam a prova disso, Mas, através de derivagées, nsformagdee e sincretismos, tas figuras manifestariam ume re- sis(Gncin InsObit A anulagho, ‘Triunfantes ou envergonhadas, fnve- ‘pins ou muliladas, quois constragbes de pedra que.a ruina nfo Impede de testomunar e que-sobrevivem as instituigbes e formas de saber dle que forum contemporfneas, as duas. arquiteturas , © PRECONCEITO DAS PALAVRAS 8 dliscursivas imporiam uma presence irrevogével, que, atravessan- do os tempos, continua a manifestar-se: figuras cuja pregndncia reslstirin io desgaste dos acontecimentos, & sedimentagio das mentalidades, iy reestruturagées do saber, e cuja significdncia transeenderia a de seus contetidos, Provar estas hipdteses exige que se estabelegam genealogias, se localizem rupturas, se indiquem e se definam constantes estru- turais, Semelhante tarefa pressupCe a utilizagdo de uma estratégia metodolGgica que permita fugir ao engodo dos contetidos de superficie para penetrar com seguranca na profundidade qo, texto. De inicio, procurando elucidar a natureza de um conjunto de eseritos e descobrir fatos que pertengam & ordem da escrita, fa exploracéo deverd ser conduzida entre quatro paredes. Encer- rar nos-emos unicamente no espaco dos textos instauradores, fa- vendo abstragio do contexto em que foram elaborados. Em outros termos, qualquer que seja, por outro lado, sew interesse, cevitaremos inferpretar tratados de arquitetura, utopias e escritos do wrbanismo através das condigdes culturais, econémicas € poltticas de sua producao. A fortiori, nfo nos interessaremos nem polas pessoas que os escreveram, nem pelos edificios concretos ‘gue estas construfram. Que Alberti tenha sido uma das persor lidades mais sedutoras da Renascenga, 6 coisa que no nos diré respeito aqui. © individuo que, no De re aedificatoria, fala eu refaz sta aventura intelectual serd considerado apenas enquan- to loctitor abstrato, na medida em que impée ao texto uma forma de enunciago e utiliza para construflo as seqiiéncias de sua bivgrafia, couforme © mesmo procedimento ceguido mais tarde por todos os tratadistas até o século XIX, a despeito da diversi- dade dos tempos, dos Iugares e das pessoes. Do mesmo modo, 20 contrério dos historiadores da arqui- totura e do urbanismo, ndo nos preocuparemos com as relagdes suscetiveis de Tigar os escritos instauradores a espacos de fato realizados. Qualquer que seja 6 impacto efetivo do texto sobre ‘6 mundo construfdo, {880 foge ao nosso propdsito. Nao nos eabe determinar a influéneia eventual do De re aedificatoria sobre 0 Palnzzo Rugellai, ou sobre os edificios religiosos (Santa Maria Novella, 0 Templo dos Malatesta, Sant’Andrea de Mintua. ..) feformados ou construidos sob a diregiio de Alberti, nem a nfluéneia dos eseritos to6ricos dle Cerdii ou de Le Corbusier sobre seus projetos respectivos para Barcelona ou para Pessac € Chandignth, Tomei especial cuidado em excluir esse tipo de refe- reneias e explicagGes, sabedora dos perigos aos quais elas expéem (8 historindores nos easos em que seu uso € legitimo. Uma aten- sgl demasiadamente centrada sobre a obra construida de Alberti Tevou um dos melhores especialistas da arquitetura renascentista, w ‘A REGRA K © MODELO 4 fazer uma leitura limitadora do De re cedificatorial®. Ex mesma evidencici a dissociayio existente entre a obra construida e a ‘obra eserita de Le Corbusier", Uma ver feita a escolha de permanecer no espago dos trata- dos instauradores ¢ fazer sua leitura em diferentes niveis, cumpre ainda buscar os nueios para aleangar tal objetivo. Meu método se inspira muito livremente em procedimentas definidos por ocasifio de questionamentos semethantes. Tem um débito particular para ‘com os trabalhios de V. Propp e de C. Lévi-Strauss sobre 0 conto © 0 mito, a semiologia textual de R. Barthes © as pesquisas pre- parat6rias para uma semiolingiistca, iniciadas por E. Benvéniste ¢ continusdas por seus discipulos. De um lado, esforceisme por descobrir as unidades que permitem uma découpage semistica dos textos. Procurei desmontar 0 funcionamento dos tratados; das lwopias e dos esctilos utbanisticos, definindo o jogo das unidades semfnticas fixas e limitadas que servem respectivamente para produzir suas regras generativas ¢ seus modelos. De outro lado, fentei descobrir os modelos de enunciagao singulares, inventariar- thes as mareas lingifsticas © ressaltarlhes a coeréncia. Limitado a operacdes elementares de segmentagio © de discriminagdo, este trabalho néo pretende se situar no mesmo plano metodolégico que as obras nas quais se inspirou, Nao procutéi transpor globalmente os procedimentos destas para um material ao qual nfo esto adaptadas: os textos instauradores nao peertencem a0 universo oral ¢ andnimo do mito ¢ do conto fan- ‘istico, neti integra as categorias literérias do romance ou da narrativa. De fato, sem procurar elaborar ume verdadeira semid- tice dos textos instauradores, fui buscar junto aos autores citados ‘os meios de uma abordagem semioldgica, que nfo permitiu. de- finir a identidade dessas formas textuais!8, provar a estabilidade de sua organizagio, confcrit-hes uma dimensao semantice ausen- te numa leitura convencional. © De re aedificatoria e a Utopia, os dois textos inaugurais, ceuja emergénea define 0 quadro desse trabalho, foram utilizados somente para estabelecer as figuras do tratado de arquitetura ¢ lla utopia de que sfo os paradigmas!9 e para determinar o con juno de tages sobre cuja base fixar © corpo dos textos insteu 0. WITTKOWER, Architectural Principles tn the Age of Huma: ‘om, Nonvirs, Thrant, 262. Aludlmos, ema particular, & Sua interpreta. ‘oo Tela’ Sinanaree Aes. 11) Gro orbete ie Conte” Rreyelopaedia Britannica 1 tnt, Cap. 1 pp. 18-6 97, @ aabratido Cap. 2, Dp. 197 © 1h, “Pruchihta A lormivologia Que ulsaremes dacs jor esente: © teatato do nrgulttura oa utopia serto considerados cateporias dlseur- ivan, ujk-eatTita. por ihunmda ftw, caganiaagen om arquleetare lexis. Kola Tir, (al voino poems eanetruir @ partir do De re (© PRECONOUITO BAS PALAVRAS 8 ‘Mas sbese que a constituigso de um corpus se fax no Iinorior do um cireulo Wgico. No caso, para poder definir os idols tipov de textos instauradores, 6 preciso comegar postulando- Ties a esisténein ¢ dando-thes duas definigdes iniciais, pragmé- ficaw © proviorius, Num primeiro eapitulo, comparativo, essas Ulefinigoes servirdo para provar que 0 De re aedificatoria ¢ a Utopia odo de Jato Inaigurais, Além disso, permitirao, sem que tw trate disso a esse nivel, desctever o funcionamento do tratado sla utopia, delinear sua especificidade com relagio acs textos ‘com 08 qiunis se poderia confundi-los. Kssas duas formas discur- vas serio, pois, earacterizadas por um conjunto de tragos pro- visdrios que todo texto pertencente a seu, corpus devers apre- sentar, Inversamente, a ausencia de um «nico desses tragos serd no um indicador de diferenca, um critétio, necessario ic permitité eliminar todo texto ambiguo da cate wlora , porlanto, somente depois do primeito capitulo que teré inicky i Feira semidtien do De re acdificatoria ¢ da Utopia. A impurtineia que atribuo a esses dois textos seré medida pelo topago que thes dedico, quaye metade do tivro. Depois, nfo woria 0 cavo de testar a validade dos paradigmas através de ume finalise exatttiva de vada uma das obras integrantes do corpus. Tivemios ysie nos contentar com sondagens, em um miimero Lmi- lula de exeritos, A eseolhy deles, que conserva uma margem dle arbitratiedacle, foi ditada pelo duplo euidado em utilizar um ‘material eandnieo © sign ‘numa justa proporeao ‘bras eélebres, desconhecidas ou mal conhecidas. Assim se ex- plica que tenham sido escolhidas a Idea dell'architettura univer- ule Ue Seauveci, atado ac mesmo tempo superectimado ¢ mal tonhecido pela era cléssica, bem como erroneamente negligen: tiado pelos historiadores de nossa época, e Sinapia, utopia inédi tu do séewlo XVIII, recentements publicada na Espanha. Por vesias razbes pude deixar de lado @ Cidade do Sol, que faria pender a balanga em favor das obras famosas, e um texto atfpico Como Larehitecture considérée sous le rapport de l'art des Inocurs et de la législation, de Ledoux, que nio poderia ser deci- Trado segundo © método proposto "sem novas pesquisas de arquivo. Ditmas observagdes metodoldyicos: ascética de nos limitarmos 20 espago dos textos instaradores no foi seguida com rigor absoluio, Decerto, ele al ¢ simboliza a impor tincia concedida & organizagio prOpria dos textos do corpus. iteairia e Aa topl, so cinema entin paraatoma. Este vermo no Shnit edtaedo no sentido gun Ine de RUHL in La Saruerare en Sentutlons ‘sclentfiques, Paris, Wlammarion, 1072. (Trad, bras. A iauruure das Revotupoes Centifees, Seo Paulo, BAitora Perspective, tt, ‘Debates 1183 1” ‘A emGRA HO MODELO Mas somente assume sou sentido se for transgredido, particular- mente wo sabor de escapadas esporddicas para espacos escritu- tivion tmais yastos. Assim, como acabo de dizé-o, 0 primeiro capilalo 6 amplamente dedicado a outros tipos de texto, na ‘medida em que seu objeto é situar tratados de arquitetura ‘wopias na densa © complexa rede dos escritos sobre a cidade, Mais: visundo eselarever os liames que ag unem a tais escritos ¢ uusinalar o corte que autoriza a constituir os textos instaura~ lores em categoria discursiva auténoma, no hesitei em apelar para a historia das idéias © das mentalidades, bem como para 11 de seu suporte cultural © social A mesma referéncia aos contexts, discursivos e nfo-discur- sivos, também serviu para confirmar e esclarecer, embora de tanita esporddica v somente sob 0 aspecto das andlises formais, ‘as interpretagdes a que conduzia uma leiuura semidtica dos textos instauradores de espaco. Dessa forma, as referéncias as grandes deseobertas, & teoria da perspectiva e a0 pensamento politico do séeulo XVI’ vém afiangar minha decifracio da Utopia. ~"~ Enfim, em certos casos excepcionais, pode suceder que a leitura faga apelo & anélise de contedido, Esta sempre esté subor- nacla & andlise funcional do texto. Prestase apenas para deter- minar a identidade ow 0 funcionsmento de operadores ou de tunidacdles semanticas, © nfo suas origens ou significagio. Destarte, no que concerne ainda uma vez ao De re aedificatoria, em ne- num momento foi preciso questionar a signilicacao, embora discutida pelos historiadores, de termos como proportio, medio- critas, collocatio, finitio...’Também no cuidamos do sentido cexato da oposigiio entre os dominios do pablico e do privado, do sagrado © do profane, Essas nogdes funclonam sem dificuldade no tratydo de Alberti. Em contrapartida, a unidade que deno- minci “axioma do edifieiocorpo”, assim como 0 conceito de ‘concinnitas, pareciam cumprir funcOes ambiguas e ndo_raro riltiplas, cujo jogo pode ser esclarecido gragas a referéncias exteriores, Sua significacgo prépria, entretanto, 36 fot abordada dentro dessa perspectiva funcional ¢ formal. Nao me interraguei nem sobre o aristoteismo de Alberti, posto em causa pela noco de concinnitas, nem sobre a perenidade, desde a mais longinqua Antiguidade até hoje, da comparagio dos edificios com 08 seres vivos e scus corpos. Tais quesides néo tinham para mim qualquer uiilidade, Pertencem a uma histéria, local ow geral, das idéias Aut wo me dizem rerpeito male que as Ievantades, também. clas owenclnis, pelas relagSes da Utopia com a Reforma ou pelos Togon do tratode ve JoP, Blondel coon o carteieniama, W, Ado ona nt 10 PRECONGEITO DAS PALAVRAS ry Fssas consideragdes metodoégieas deveriam bastar para to. Delas resulta, em primero lugar, que sic livro engojado na histGria nfo é entretanto, um livro de histvia, Sua problemitiea 6, seguramente, determinada pel colocagio em perspectiva histGriea que, para comesar, permitiu dlatar e assinalar um corte © atibuir seu valor inaugural. aos textos instauradores. Ademais, quando se tratow de controler 0 valor paradigmatico das figuras estabelecidas pela leitura do De re acdificaoria © da Utopia, abordei 0 corpus. dos textos jnstauradores segundo a ordem cronolégica de sua, sucess Aconiseeume ainda confirmar sua interpretapio pela histri (lao idSiae @ das instituigSes sincrdnicas. Q-ohjefo de minha pes- aitisa ndo era, apesar disso, nem essa sucesso enquanto tal, nem as relagGes discrénicas suscetiveis de unir os diferentes textos, tas sim as regularidades que eles sempre apresentaram ao longo dos séculos. Nao proponho aqui uma hisistia das teories da arqui- tetura ou do urbanismo, cujas relagdes também nfo me preocupel cm chicidar, Descubro, descrevo e tento compreender figuras srsivas cujo valor semfntico reside precisamente na sua re- isténcia 8 agg do tempo. (0 vestabslecimento dessas figuras nfo deve ser tomado por ‘uma tipologia, Sé 0 primeiro capitulo apresenta alguns elementos tipoldgicos. A’ medida que seus tragos se delineiam e se efirmam 20 correr dos eapitulos, 0 tratado de arquitetura e a utopia re- Tnontam a wma arqueologie® da teoria da edificasio. Escavando Sob 08 estratos dos vocdbulos © dos tempos, pretendi trazer 3 luz as grandes formas discursivas que desafiam uns © outros e que, ondo:nos em confronto com uma nova importincia e uma outra presenga do mundo edificado, ttazem matetia para uma reflexto fobre 2 identidade cultural do Ocidente e podem contribuir para 8 constituigio de uma entropologia gers. a1, Adoto esta terme a partir do Michel Foucault a quero devo também, entre outras, a nogio do formacdo aiscursiva 1, Os Textos sobre a Arquitetura e sobre a Cidade Pari nos orientanios por ene w imensidade e a diversidade dow cwcrlion que fala payee di cidade, podemos, muito sioyplesinonte, comogar por dviditos em duas éategorias: es que Yoon Ho vslabelecimient humane um projeto a realizar e os que bo eontentam em cransformé-lo cm tema de especulagdo. Os pr jon para pinalizie «mundo constentdo, para ed flcwe novos espagos: chamslosei realizadores, Os segundos, quer Drivilegicny a imnginagto, quer a paixdo ou a reflexo, nfo inten- ‘in exeapar ao universo do escrito; por isso, chamé-los-ei comen. Auxlore f cla q em integrar primeira categoria, Ons, entre todos os exertos, mandamentos divinos,edtos dos prfocipes, regias ediiivis, manaais de eons- tng, que, desde origem da cidades. — elas mesmas ‘rigom di coerita —, werviram para organizar o espago. dos homens, oF Hatalos de nrquliotura © as teorias do urbanismo conutliioi apenas um poqueno subvonjanto, enquanto as Auopins, mired do sui relay como inaginéeio, representam # htoroqinea, Fate capitulo comparativo, destinado © caralor Hnmgutal do De re aedificatora eda Utopia pecifluldinde do corpus dos tratados e das Awopins, devord entdo lovilizilos e deteruiuuclies « difereuge 1 topopratia) «os textos reaizadones, passiveis de (6 tvatudon de arquitetura © cuja eacolha, neces inltads, mova, todavia, tanto © papel do saprado iso furlamente 6 ‘A REGRA BO MODELO quanto o trabalho de racionatizago que aos poucos Ihe dew inicio. (primeira parte do capitulo), e a dos eseritos de ficgo suscetivers de passur por utopias (segunda parte). ‘Mas 0s lextos comentadores néo deixam de trazer sua ajuda fa claoragiio do mundo edificado, Nao apenas tém o poder de molar a pereepedo do espago e de the deslocar ou oculter 0 sentido, mas exercem uma aco incitadora e, mais ainda, alimen- tam com stta substdncia os textos instauradores..E por isso que, reduzidos a alguns exemplos ocidentais, eles nao foram excluidos este panorama esquemético, cuja terceira parte irdo ocupar. |. OS TEXTOS REALIZADORES © tratado de arquitetura, do género criado por Alberti, seré definido provisotiamente por cinco tracos!. (1] E um livro, apre sentado como uma totalidade organizada. [2] Este livro é assina- do por um autor que Ihe reivindica a patemidade e escreve na primeira pesto. [5] Seu desenvolvimento € auténomo. Nao pre fende subordinar-se a nenhuma disciplina ou tradigao. [4] Tem por objeto um método de concepezo, a claboragdo de principios luniversais © de regras generativas que permitam a criacio, no fa transmissdo de preceitos ou de receitas. [5] Bsses principios fe essas regras se destinam a engendrar e a cobrir © campo total ido construir, desde a casa b cidade, da construggo & arquitetura Ll. © De re sedificatoria, Texto Inaugural Que 0 empreendimento de Alberti tenha sido inaugural pa rece A primeira vista inverossimil. De imediato oferecese 20 tspitito © contra-exemplo: a antiguidade greco-latina, que os hhumanistas do Renascimento tomavam por modelo em geral, ¢ fem perticudar no que toca a arquitetura e a organizagio urbana. Os préprios historiadores do século XX nao hesitem em falar de “rbenismo” gtego® e romanot, quando querem designar ordens- mentos urbanos cuja racionalidade testemunba claramente uma reflexdo especifica, 1. Para a cua fustificagio, ef. Cap. 2. Nas piiginas seguintes, esses lnngu sh dvsignads pelo seu mimero de ordam eolocado entre coichetes Tn no do aubstantive "#eago". Os sinais~ ol + indies sence des tages. aos duals sio posto. 1h vinnie, 36 antnciada no primeiro parderafo do De re uit por ui alteo.possessio (op. cit, p. 2), s0 impte id tii fatuyrato ho sjuak em segveen, AMharel exten ebnese Pia alignwisiute Go post prejeto dem, p30) MANN Loramie dans tz Greee ontique, Paris, Picard, 0, 4 J. HOM, Home tnpertte Avi Ml 10h 1 VUrbanteme dans Tantiquit, Paris, sept (0 TEXTOS SOBRE A ARQUITETURA E SOBRE A CIDADE 1 Esses ordenamentos trazem, com feito, a marca das espe: culagiee do legisladores, flésofos e médieos; dependem igual- ‘uate de tna iégicaedilitria bastante elaborada ¢ de um coo junto de procedimentos téenicos baseados em conhecimentos de feometria'e de Fisica "A epigrafia nos legou as disposigdes complexas que, sobre tudo a parr dg séoulo IV a.C., regulayam, nes cidades gregas, 2 parti do solo entte os dominios pablico © privado graras a verdadeitos planos de zoning, permitiam organizar os ‘tracados Vidtios e a eanolizagdo das gias potéves, asseguravem a manu- Tenglo das consirupbes, vias e fonts, resoiviam os problemas de (fauucagdor Todvi, qualquer que soja a preciso das insctgBes [— 1] [— 2] de Colofao ou de Pérgamo®, por exemplo, elas se baseiam numa legislapao de caréter prético e particular, nfo em principios abstratos e universais [— 4]. Do mesmo modo, 08 es- Memes as plantas utlizados na criagdo de Alexandria pelos UMfuiteos de Alexandre, antes que @ dominagio de Roma Thes generalizasse 0 uso, no refletem qualquer teoris do espago cons- feiido, om que. pese a sua naturoza abstrata; sfo inatrumentes prices ‘Quanto acs manuais de agrimensura, dos agrimensores ro manos [+ 1], se acatam a geometria de Euclides (que, alids, transmitiram 2 Idade Média®), € uma vez mais para fins exclusi- amente tEznieos, © nfo, como mas tarde 0s tratados de arqui qetura ecidentis, para coloctla na base de uma discipline espe- Sila e autOnome, Outro exemplo: o saber dos engenheiros Fldrdulices de Roma, cuja uma Frontin nos conservou em forms Getivral L411, [+ 21, permanece um savoirfaire storia e uth Hitério. Os politicos responsévels pela organizagio coerente do espago urbano na Grecia no se preocuparem em elaborar ums teoria sobre o assunto. Somente nos historiadores do século V Equo encontramos um eco das preoeupagdes neste perticula, {se tranos como Pisistrato e Polirates, Clstenes ngo delxou ‘Tualquer testemunho da transformasio das estroturas espacais Sepals que scompanhou sua reforma das insivigbesatenfenses; OF fistoadores atuais.estao reduzidos 2 hipieses no que com cerne & sua eventual abordagem tedrica do espago construfdo’. Gx milésios, que inventaram a planta em reticulado, nada exere foram a respeito. O proprio Hipsdamo, que, segundo Arsté 5. Of. R. MARTIN, op. cit, Cap. TIL pp. a8 ¢ 88, & Seetcat Baventton et Culture dang POecident barbare, VeVIITe siecten Parla, Beall 200, poh 1, 118, 4 sur Wes agueducs' deta ville de Rome, P. Grimal (ed), Pars tes ‘Beles Lettres, 14. 1 oe LEVEQUE ¢ P. VIDALNAQUET, Clisthéne l'athénien, Paris, es Bolles Lettres, 164 » A RRGRA # © MODIELO teles, “inventou o tragado yeométrice das eidades e cortou o Pirew em reticuladkis”®, deixou apenas escrives politicos [— 3], rele entes a um projelo de constituigo! ¢ g rexpeito dos quais se salientou, com tuzio, “0 divéreio que fos] separa de [sual obra de construtor e urbanista”!, A literatura que os gregos dedicaram.a uma reflexio sobre 1 produce do espago, edificado 6 Timitada, ccasional © sempre ‘subordinada s um campo especulstivo estranho ao do construido. Hssa subordinagio e essa dispersfio se devem, por certo,’ ao fato do que, trodicionalmente, a polis é primeiromente wma coman'- dade de individuos antes de ser um espaco!?. O testemunho de HerGdoto, Tuctdides, Pauedinins, & vonvincente a ecte respeite. E se, por outro lado, esses historiadares, como 08 “geégrafos”! a partir do século TV, nos Teyaram deserigoes maravithadas das nes obras urbanas empreendidas pelas Cidsdes-Estado da Grécia, nfo nos fomeceram mais que um comentiio, (© esbogo dem discurso instaurador deve ser buscads alhures, Em primeira lugar, junto ros médicos. Entre os tratados hhipooritieas, Do Ar, da Agua e dos Lugares'# clabora uma ver- dadeira teoria da escotha dos sitios que racionaliza um eonjunto de observag6es sobre o regime das Sguas e dos ventos, a natureza los solos, a exposigio ao sol. Mas nBo pussa de uma parte preli- minar da edificaedo [— 5]. E esta é tratada no quedro de uma disciplina — a Medicina — & qual esta subordinado o tratamen- to do espago [— 3]. Uma geragfo depois, Aristételes parece enfrentar problema da organizacéo urbana de mancira mais global e indenendente, Mas as regras que propde sio parte inte- srante da yeflexao sobre as constituieses, tema de suas Poltticas. io podemos considerar como um tratudo de edificacao © breve Cap. VIIE do Livro TI, que representa a vigésima-quinta parte dlossa obra consagrada & uma teoria do Estado'® [— 3]. Nela o Esingisita patenteia seu génio da sintese ¢ do concreto, em con- sidetagSes sucessivas sobre a dimensio 6tima da polis, 2 escolha dos sitios (retomando os trabalhos de HipScrates), a utilidade ®, Polite, texto estsbtocido @ tradusio por J. Aubonnet, Paris, Les tiles Lettre, 18), 2f¢r0 Tk Can. Vii, p. TA Na esttra ae Arietolee; «papel de HipSdamo me concepedo ena @itusto. de planta milesins Iwrove ter sido tuto exagerado, OC. R. MARTIN, op. ef, Dp. 108 © se In Gu Anitaes resume @ ete, Pol, Lio TE, Cap, VEE 11, Of, Ti MENVENTSTE, Vooubutoire des institutions indocuropé ‘non, Paria, 8d. do Mina, 1908. 14, 'OF Dictiattoo, Das’ Cldadee da Grécla, ctado por R, MARTIN, on ibs BM IN diiron committer eitmocrate, traduction aeve teste gree én agar on Talia, Pav, NEM, vel T Rose texto, verossintmente 4 nrdon. Mneonton ‘nia dos anes 49) a, Cf. HEINE MANN, Nomos ni! hyst, Masia, F- Retabacdt, 1945, p. 20. The No" nano wilgo "tort. OS TEXTOS SOBRE A ARQUITETURA F SOBRE A CIDADE 19 das murathas (contra Plato) € a localizagio desejével dos diver- 308 edificios pablices ligados so funcionamento da cidade grega. Contudo, as regras que enuncia sfo subordinadas uma filosol politica, referemse apenas a um campo limitado da edificagao . [= 5] ¢ apresentam, pelo menos algumas, somente um alcance particular {— 41, restrito a0 mundo helénico, ‘Nutzido pelas obras de. Hipdcrates e Aristételes, informado ‘das pesquisas estéticas dos arquitetos gregos, no entanto tinico em toda a Antiguidade, sem antecedente formal direto nem poste- ridade, 0 De architectura de Vitrdvio & 0 tinico liveo que parece participar da mesma yocagao-funedo instauradora do De re aed- Fieatoria © pode, pois, pretender tumn snferinridade sabre este ‘Além disso, Alberto let e nele se inspirou. Mas impésJhe uma ‘mutagéo que lhe altzrou a forma ¢ 0 sighificado, Para evitar repetigses, remetemos 0 leitor 20 Cap. 2%8, onde, mostraremos aque 0 De architectura s6 pode passar por um tratado instaurador se nos flarmos nas reiteradas afirmagdes do autor quanto 4 natureza de seu empreendimento. Com efeito, os dez livros do “tratado” de Vitrivio nio cons- tituem uma totalidade, pois cada um dos quatro iltimos pode ser dlissociado dos demais, de um lado, ¢ dos seis pritmeiros, de outro [— 11, Vitrivio se orgulha legtimamente de uma empresa que 6, de fato, a prinieira no mundo grecolatino e ne qual, entre- tanto, ele no desempenha © papel soberano do criador ~ 2), ras 0 de coligidor e transmissor de saber. Sua iniciativa visa orgenizagio e a classficacdo de um tesouro preexistente, Adem, ‘a especificidade © a auionomia de sua trajetéria [+ 5} estao comprometidas néo 26 por incessantes digressoes, mas sobretudo pela suforidade sem reserva atribuida a uma rradieto parcial- mente fundada numa prética religiosa. O projeto teérico [4], proclamado com a desesperada obstinagio da insatisfagdo, limi: fase a enumerat conceitos que ele nio chega a constituir em sistema, nem fezer funcionar como algo mais que um quadro taxionémico; eede o passo & preocupacgo pritica e técnica que se exprime especialmente nos Livros VII aX, sobre os reves fimentos, a dgua, @ gnomOnica e a mecdnica. Enfim, se 0 De architectura trata o campo da construcio em sua totalidade, da ‘casa 2 cidade, dos edificios privados aos puiblicos © as vias de cireulagio [5], todavie o equilfbrio do conjunto 6 rompido em proveito dos edificios sagrados, dos templos, tal como a tradigac 08 elaboros, © eujo tratamento goza de prioridade absoluta. © De architectura no & um manual técnico, apesar d estrutura dos Livres VIII a X, nem um tratado ligedo a ritwas religiosos, a despeito da composicio dos Livros III ¢ TV, nem tim tratado instaurador, apesar cn vontade expressa por Vitrivio de autonomizar @ construgio como disciplina unitéria, A obra 38. Pp. Ime * A REGRA E © MODELO clo arquitelo romano deve ser situada fora dessas categories. Bum iva premonitéria, mes prematura, que nfo logrou sous fins nem © podcria, numa époea nao-motivada pare a sbor- day do espago em perspectiva © do expago construido com 0 nalismo & 0 desprendimerto que, quinze séoulos mais tarde, am o aparecimento do tratado de Albert ‘Sem lograr autonomizar a organizagtio do espago construido de constituilo objeto de uma disciplina independente, @ Antiguidade havia aos poucos rompido as relagdes de depen dencia que ligavam essa organizagio A religio. Esse desergajamento, iniciado jé no século Y a, C. por poli ticos como Pétices, foi seguido, gragas a um didlogo apaixonado ‘com seus arquitetos, primeiro por Alexandre ¢, dopois, « partir de César, pelos imperadores romanos empenhados na transformacio de sua Cidade, Mas esses ndo teorizaram sua obra construfda, sobre a qual continuaram a apor inscrigdes que demonstram a fidelidade de Roma aos deuses. F, enquanto Augusto prosseguia nna obra de corstrutor de César, a’ marca de pertenga ao sagrado ‘continuava inscrita em filigrana no De architectura de seu con- temporaneo, Vitrévio, ‘A aparente laicizaglo da atividade construtora da Roma im- perial no deve ocultar esses sinais nem fazer esquecer aquilo cuja meméria a Roma republicana conservava situalmerte: « ‘origem religiosa das cidades das quais se pode afirmar, para fraseando S. Giedion, que "no podem ser estudadas sendo em Fungo do plano de’ fundo religioso que thes det origem. Chamaici preseiitives vs tats realizadores nascides ime: diatamente dessa relagio original com © sagrado: eles enunciam, ara a organizacao do espago edificado, regras in dependentes de uma ordem transcenclen ~Se 0s documentos epigrificos deixados pelas mais remotas cculturas urbanas geralmente fornecem apenas fragmentos pres: critives, em alguns casos, raros € verdadle, como os da China da India arcaicas, corservamos contudo a meméria, o vestigio ou mesmo 2 reproduce de verdadeiros livros prescritivos. Arqueé- logos © historiadores costumam designé-los pelo nome de “trata dos de arguitetura” ou de “urbanismo™®, Impde-se dissipar 1M. Para 8. GIEDION, tratase da arquiteura, Nalssance de Porché ‘Le Conheissance, 168. ‘Chinese Treatise of Architecture”, Bulletin vol TV, 8 parte, Londres, 02H; OW ainda B. ACHARYA, The Architecture oj Ménasara, sishabad, 10, Os “tatse dos" chineses ot indians dovem ser distinnios so mesmo teribo, @ hos dois casos, dos manuals praticos da epoca do ume ebtndantseing lteratura de comontrios © ‘descriodes dt cidade, Para s.Chin, ct J. NEEDHAM, n, i, fro: para a India védie, P. ACHARYA, Indian ‘Arohitecture, Allahabad, 10. (0) THXTOS SOBRE A ARQUITETURA E SOBRE A CIDADE 21 confusio que semethante terminologia pode gerar, bem como inalar a diferenga que separa, sem qualquer ambigitidade possivel, dos tratados de arquitetura renascentistas, essas obras que apresentam ou parecem de fato apresentar tragos deles (+ 1, C+ 2), C+ 4 em parte), (+ 5). Nao querendo evocar os dois principais “tratados” hindus, © Arthasastra!® © 0 Manasard®, contentar-me-ei aqui em tomar como exemplo de texio prescritivo um livro chinés, © Khao Kung Chi, que data somente da segunda metade do século I a.C. To- dlayia, essa obra constitui ne realidade o derradeizo mareo de uma tradigao antiga. Substitui 0 Chu Li! de Liu Hsiang, ele préprio numa réplica Chu de um original Shang, que contém co mais aaniigas prescrigbes chinesas relatives ao espago constraido ¢ constitul 9 “locus classicus do ordenamento usbano das capitais chinesas"®2, De fato, tais prescrigdes visam & transcrigéo para 0 solo, em trés dimensdes, de uma cosmologia que, como 0s trae balhos dos sinélogos demonstraram, impée sua estrutura a0 con junto das préticas sociais, do religioso 20 politico, e eujo poder cla teme®, As regras dos “tratados” chineses assoguram, pois, & reprodupio de uma ordem transcendente, preestabelecida [— 3]. Longe de permitir uma invengdo permanente da cidade [— 4], elas estio a servigo de um processo de duplicagio, imune as tentatives de perturbagdo dos individuos. Certamente, M. Granet ¢ J. Needham insistiram, tanto um ‘como © outro, sobre 0 fato de no sex preciso tomar ao pé da 19, Coletanea de preceitos zeletivos & organtzasio expacial da cidade. ‘mode, contempordnes © homéloga do Khao Kung Ct, texto Chines 80 ‘Tiel to decentan as gine segulaten 20. ‘Comparado por P. ACHARYA so De architecira, data sprox- ‘madamente da mesma épocs, bebe nis mosmas fontes helenieas, ifere dele por sua insergdo na tradiogo tudlea, max no’ pode ter pretenstes A qualidade de texto nstaurador. "21, Bm Science and Ciilsation in China, Cambridge, 171, vol. TV, cap. SxxViIr, “Building Scienco in Chinoso Titoraturo™ J. NEEDHAM prople a segiinte cassticado dos darentes textos da iteraturs chin Sa que tratam de edileseao: 1) um dlciondeio (iyi Yo); 2) fraementoe Hats do Sam Lé Tha 3) manuaistéenicos profssionas entre es quais © Ying Togo Pa Shik do L1 CHIEE, Impress om 1105 ©.8 Dropéao. eo qual 9 autor evora, no sem pertinénen, 1 ‘mes de Villard de FoR. Fecourt «© Mathurin Jousse; 4) odes rapaédicas sobre as diforentes ea. Dlals antgas, consticuindo im genero lterario qu ae peers camparar ‘aos elogios de cidades mediovas, ermhori ele itram eoncideravel imente; 8) lives dediendos acs Ultles woven vow funclonéros, entre (5 quals 0 Cha Zi 2. P. WHRATLY, The Ploot of the Pour Quarters, Baimiburgh Unie versity Press, 1971, p. 4 2, CLM. GRANET, La Pensie ohinoee, Paris, Albin Michel, 109: fem anpeeiat aeaptana she tnt sage, min Aer oe ne ‘enleas da Givisto e ondenamonta iy espago tagrimensire, urbanism, fsraultetara, eogratin pollca) ns spectlagdes geomrioes. Que eas Dreesupoem 0 einculam aprtemente as prdseas do culto pubtico” (pai). Of também P. WHEATLY, op. ei, COD. V: 2 ‘A REGRA B 0 MODELO letra 0 testemunho dos textos literérios, ¢ que in concreto as cidades chinesas elissicas foram organizadas com maior liber dade e imprevisibilidade do que eles deixam supor. Mes ma- neira como 08 usuérios do espago © seus arguiteios souberam Timitar © modular 0 impacto dos escritos prescritivos chineses sobre a onganizagio de suas construgoes nfo pode nos interessat ‘aqui, j que tal iniviativa permaneceu emptica, sem se traduair em texto. Quanto a tratigéo literéria chinesa, € forgoso constatar que cla no perfaz, um empreendimento comparivel a0 dos tratedos instauradores. O trabalho especifico dos redatores de “tratados” chingaee nfo conaiste numa rellexio pesooal ¢/ou original, mas hhuma pesquisa de arquivistas. Se o autor assina seu livro, é por ‘orgulho de erudito, O que ele reivindica nfo é a paternidade de uuma conquista intelectual, mas 0 ztlo e a fidelidade com que soube volver as fontes e reconstituir as regras simbélicas de tum ritual, A cidade construfda ou a construir, a arquitetura, os prinefpios de sua organizagio no tém, para’o crudito chinés, ‘qualquer interesse em sie merecem consideracao apenas na ‘medida em que remetem a uma ordem transcendente, onde funcic nam como suporte de rites e de liturgiasé, A idéia de Alberti, segundo 2 qual ‘a’ construso foi in- ventada para o servigo da humanidade ¢ deve obedecer & conve- nigncia € ao prazer tanto quanto & necessidade”,/0s conceitos de nevessidade, de satisfagio, consubstancisis ‘20s tratados instauradores ovidentals, no tém curso nos textos ol Estes ordenam incondicionalmente, em nome de uma religiosa dominante™. Embora diretamente realizadores, o Chu Li 0 Khao Kung Chi nfo introduzem a uma disciplina auténoma, Tstio subordinados a representagées, crengas ¢ ritos ¢ fazem re- feréneia a uma literatura mais vasta, que, pelo caminho obliquo da religifo, podemos considerar como participe, embora indire tamente, da realizagio do mundo edificado. Nos pafses islimicos, do século X de Ibn Hawgal, Muhallabi e de Mugaddasi ao século XIV de Yaqut ¢ Abul-Fida, uma escola de ge6grafos, ento Gnica no mundo, dedicou ao espa 21. J. NREDHAM, op. et 18, Op. ely Lavro VE, Cap. 1, p. 486. WP Whwatly wu em eae aspecto. Em sua obra consagrada 8 Chinn-mvaten, eonteatiamente’ 2 magorin dos. stores, ele pesaiea 280 1 pripnio 6 0 rrudutivel da civieacao chines, mas 0. que pode Tepre ‘oui ela nse comum com as outrae grandes eras atcleas. TNeaun ‘aon ae anata eon: neatertalmana religion Ae Drinois ciao chines nt doen Shang e as eprexima dae cidades flo Plt, dh Mosopolninin." estabeetmentos para os quals “indeed ‘to pat "was normillyo nnd. conformaty with its preGepts required 20 justiication” (op. "eit, p. M44), 1 grH0 @ noseo.1 0s THXTOS SOBRE A ARQUITRTURA E SOBRE A CIDADE 23 oe a cidade uma rica literatura de comentirios, 4 qual cumpre wreseentar as obras de historiadores como Ibn Khaldun?, Porém a cultura urbana do Isla, nao produziu qualquer texto realizador de espago. Mais precisamente, a despeito da coloraglo roligiosa que tinge 0 conjunto de suas priticas, dé-lho unidade pennite falar de uma cultura islimics, esla néo elaborou nesse ‘campo qualquer texto preseritivo. Esse duplo paradoxo merece Jexdo e convida a interrogar sobre 0 processo de produgio das cidades islimicas e sobre a maneira oblique como a teligiao con- ‘segue imporJhes sua marca. Nossas observages serio necessa- riamente limitadas e esqueméticas, dada a caréncia quase com- pleta de trabalhos cientifiens 9 raspeitn de tais questoes™, Essa caréncia deve-se, em parte, as proprias razdes que podem explicar a auséncia de textos realizadores na cultura isla- ‘mica: tal como entre 0s antigos gregos, e de conforiidade com uma tradigdo fundada pelo Cordo, nessa cultura a cidade &, prix moira e fundamentalmente, uma comunidade, antes de ser um.es- pago localizado, cireunscrito e construido®. Segundo e secundério petante as relagées humanas que enquadra, o espago edificado Fequer uma elaborasio cuidadosa na prética, mas no merece ser teorizado, Como em todas as civilizagées urbanas, algumas cidades do Isla sdo criagdes deliberadas, nascidas da vontade do principe. ‘A planta circular de Bagdé, com sous foss0s, muralhas e mutos coneéntrices, seu tecido urbano anular, dividido ¢ isolével em (quatro segées, e © imenso espago vazio que o separa do nticleo iservado ao califa ¢ sua corte, oferece uma das imagens mais impressionantes do totalitarismo politico ¢ religioso. Isento de (oda investidura toérica, essa planta revela as motivagGes do califa abéssida Al Mansur e opGe sua propria particularidade & das criagdes de outros califas construtores. ‘Com essas peculiaridades da organizacdo espacial concertada, contrasta a identidade dos tecidos urbanos “espontineos”, pro: uzidos sem regulamentagio especifica, no seio da_mesma cule tura, das margens do Atlantico as do Indico. Tais formagbes consistem na agregagio de verdadeiras unidades de vizinhanga Sua orgenizagio parece segregada, ao mesmo tempo, direta- mente pelo jogo de priticas instifucionais nao-eseritas, econd- micas, juridicas culturais ligadas ’ estrutura familial ampliada, 21. Ct, suas tomadas do posigtes nn Muaddimah, tradugho €e 8, ‘ogenihal, Londres, Routledge and Tey 858 ‘ah Esta alluacio ost mudando, Cl. Lepace sodiat de ta ville frape,_stae' do eoloquio’ do ivembro do IT. sabre "Espagos Séeto banana Monae Arai” ieadas 20% @ Larose, 197 SB. Gt, intra, p, 34. Ct, Gimbém os teabsthos empreendides sob a Aivogao dos Profesores 8. ANDERSON, O. GRABAR ¢ J. HABRACKEN ‘ho gundro do Age fran Program for Tsiamte Architecture, MIT-Harverd, Py ‘A REGRA E © MODELO « indiretamente pela eplicagio de textos juridicos®. 0 imenso por der excreido por taiscrritos, tanto sobre eriagdo quanto sobre onservagao do tecido wrbano, autoriza a classificilos como inditetamente realizadores Mas o direito mugulmano € essencialmente sagrado. “O- Cordo deu leis & comunidade islimica, mesmo em matéria de guerra @ em quest6es gers", Essa comunidade nfo conhece Valores “puramente politicos aU juridicos (fal come 0 entende- io Ocldente modemno”, mas t@osomente valores “politccsre Higiosos [1 que corporficam, a seus alhos, a prépria doutring revelada” © esto literalmente “inviscerados nos textos alcoréni- foun fe mocna cb pests", Avi on artigay 6 On anal ‘ea gistrados do Figh (direito mugulmano) remetem, em tiltima instincia, a um Tivo, cle também indirtamente realizador de espag0, 0 Gordo. NNesse livto deparamos com juizos de valor (comentétios) sobre a cidade ¢ apenas algumas prescrigdes subrepticias que influenciaram a organizagdo urbana, fixendo a crientagio.obr- gatéria dos locais de orago ¢ exigindo que seja criado um bait cstinto para "as pessoas do livre”. Finalmente, nele se descobriré a disposicio espiritual que contribui para o funcio- namento untuoso,replicativo © no entanto variado, das diversas préticas sociais, e cujo papel preponderante pode explicar que © tratado instaurador nfo tenha seu lugar no espaco literdrio de- dicado pelo Isla & cidade ¢ a0 mundo ‘edificado. A Idade Média também oferece texto suscetivel de com- alo de aryuivetura do Renascimento. Os se. limitaram_a_retamar, sob ddos textos realizadores da_Antiguidade. De ‘a Hugo de Sio Vitor, ¢ depois Vicente de Beauvais € Tomés-de Aquino, cles-nfo-apenas colheram-uma informacic . Drilica junto aos préticos, aos pedagogos ou aos compiladores 8, R. BRUNSCHVIOG, “Urbanisme médiérsl ef droit musulmen", Revue des études islamiquee, 1087, p. 221 31. RACHID BIDS, cltado por 1. GADET, Za Cité reusuimane, vie sociale et politique, Paris, Vzin, 1086, p. 100. 2, T. GARDET, op. eit, p 8. O imecmo autor indica que “ao Cordo somone pertence 0’ magiseie lgislativo propriamente dito, © toga et (anit toda Toguamentseio pertioular eempre tende a. ser apenas line xpliellagio das. eis corEnieas™ dem, p. 100). Romezemos igual ono, rt ain Hiseuss8o, Ss andes de BR. BRUNSCHVICG, op. cif, na ial byort us tealas ¢procedimentos que Intorvém nn auséreis. do cto positivns do. Corag. (dem, p. 24), Cf. gualmente, L- MAS INON, Lar Pussion abttandy, Parle, Geuthnes, 18a. i, Gi, TIBAUJOUAN, “Teinterdépendence entre la science scolstiqus tes techniques wiles Cstre, Xe, XIV stele)", Conferences du Dalais de te Dévourerte, n> 4, Janeiro de 285 Os HOS SOBRE A ARQUITETURA E SOBRE A CIDADE 25 (Minis © Varro, em particular), da_antiguidade-grega_¢ roma tin, No quadzo @ sob o aval de uma pesquisa dominada pela Iivia tcoldgien L— 3], 0s doutores do século XIII também es- vitnam um arremedo te6rico dos prineipios do construir (ar- riiura) que Tesponde, aliés, sobretudo a uma vortade de clas- ‘Nieucio das atividades ligadas & edificagdo%, Suas “sumas”” Incavann assim diretamente, e sem discutilos {— 4], elementos hhurciuiy nos autores da Antiguidade. Avisoteles era sproveitado, obretudo Vitrévio, cuja redescoberta e edigdo critica por ‘onge mo Renascimento no devem fazer esquecer que ele 1s vonhecido, reeopiado € utilizado desde a Alta Idade Média®. Gra, na medida em que nos recusamos a considerar 0 De ar- ‘hitcetira como um texto instaurador de esapeo, com maior tus» faremos com fragmentos ¢ citagdes tirados de marus- ‘ios incompletos de dificil interpretaggo, tanto por cause de vw formagdo quanto devido & perda das referéncias que os ‘eriam tomado inteligiveis © & auséncis de distanciamenio dos vwwlores medievais com relagéo cultura antiga. Vora dessa literatura apologética, apenas 0 célebre Album ‘le Villard de Honnesourt? poderia aspirar ao titulo de texto ‘rotiurador, Nele © autor exprime, com efeito, na primeira soa [++ 2], 0 orgulho de eriador, notivel por suas invengbes ns, $48 Cultura matemética®, sua maturidade critica™®, Mas tw procura dar unidade e coeréncia a uma matéria e a obser- wivies dispatatadas, emprestadas de campos o fontes heterogé- twos. Se sua preoeupagio dominante é de ordem prética e técnica, 31. Ct. 8 definieso do armatura © sua diviabo em archltectura, coe: novttvia, nemnatesnin no Phtecclion Se. MUGO DE SKOVIEOR (eo in no Specutum do. VICENTE DE. BEAUVAIS), B. DE BRUYNS, sthetique médiévale, Bruges, “De tompel", 10, t. IL, p. 3% Cy por exomplo, © influtnis da obra ee Vitrivio sobre’ Bek considerado na época como smu intérprete mais competante (2. JUNE, op. if, tT, pp. M0240, Si, Sobne esses problemas, cf, entre uma teratura muito numerosa 4 lilo simplesmente de sugestao. F. PEETERS, "Le Coder brazetensis fay 1h) do Vitrwve et ta tradition manuserito du De. architecture", Milouges Peis Grat, t. 1, Paris, 108) pp. 110% O. H_KRINSKY, "Hoventy aight Vitruvius, Manuscripts”, Jahrbuch itr Wirtschoftsgesch- hte, Davi, 1997, introdusto, pp. 3679. Acontecn Hpuatmente ser eitado Vitrivio om mengto do nome. W. A. Eden assinala w presanga, 20 De Fogle princpuam (Livro MI, Caps. I 8 TV) de io ‘Toms, de tes cta- (anni Hadas de Vitriio © oriundas de um autor descomeotdo Sn 'laine Thomas Aquinas and VWs", Medacvel and Renaissance Wiudies, Warning inetitto, Univesity of London, val 1, 180. ‘Mt Algum do Vilard do Honnscourt, arritete du Xit1e stele, ma- nuorit pubis en facsimile, enotado t.-] por JB. Lassus, Paris, Eaget, Op, oit, pi. a8 @ 30. A coometria de Euclides (traduzida, por ia panto da formaao dos araultetos jana alta Tdade Médta Uc i, DI DRUYNE, studes Cesthetique medicoate, op. oft, t. 1 P. 26. "Vor sas andes das catedrais de Laon ¢ de Reims (op. cit, pi TT 6 0 a. 2» ‘A OGRA © MODEL ‘como o festemunham as psiginas sobre a construcdo do madeira- mento, parece bastante exagerado qualificar de “enciclopédia pritica’™ essas notas [— 11 ilustradas, que abrem geande espago ‘to comentirio de construgses existentes ¢ terminam com uma lillima teccita para a cura de ferimentos sofridos nos eanteiros de obras! 1.2. Os Bditos Comunais eo Destino de sua Argumentagto Na Europa medieval, paralelamente 0 diteito consuctudi- initio que anegurava n porpetuagdo de uta tdci tbat tri diciona, os textos elaborados no seio das comunas contribuiram, io contro, para uma edificagio racional do quadzo urbano € Para'a produsio de solugdes arquitetinicas inéditas. Parece que cesses editos ¢ deliberayses, de vocacio eviadora, devem ser clas- sificados entre os eseritos instauradores. Determinaremos seu «statuio com 0 auxilio de alguns exemplos tomados aos conse- ‘nos comunais. da Italia, que foram os primeirs, jé no século XII, a produzir este tipo de textos, ¢ ndo cessaram de ampliae sua ‘diversidade e riqueza até o séeulo XV. Mesmo que no sejam tio compleios como os do Consiglio ‘generale de Siena, do qual-possuimos os livros de 3 de dezembro ide 1248 a 1 de margo de 1801, conservemos ainda grande rnimero'dos tegistros onde eram consignadas as decisoes edilité rias dos conselhos comunsis e seus considerandos!®, Emanem de Flovenga, Pisa, Parma ou Brescia, tais decis6es argumentadas se destacam pel partiipaeo nessa! nominal + 27 daguses ane im e pela preocupayio de eficdcia que os orienta e os wentar respostas novas (444 para os problemas usba- nos que les sdo submetidos. A érea de competéneia dos tes. M0, SBA LASSUS, op. cil, Introdugto, p. 82, 41, “Op. et, Bl 6h S2 Ct, Rerim itatiearum scriptores, MiMi, LA. Murators, 17281761, &, XV, 6+ parte, Para a biblogratia Carquls, texios editaon erties) ios couselhos sienenses, cf. D. BALESTRACCI e G, PICCINI, Siena ne? Trecenlo, axsetio urbano e sirattura edi, Siena, OLUSE, 1877, que dé, ‘lim iso, uma deserigao sugestva a extensko eda nates a) ‘ompetincia. dos merabres do: Conzelho ‘Geral de Siena. 4, CL, entre outros, N. OTTOKAR, verbete “Comins” in. Bneyelo- Deis tating, vo. XI, 6 sobretude 0 Rerum Hfatioarum seriptores, eta =o supra, culo material riquissimo perece nto ter sido explorado iste ‘malleamento, talvo por autores como D. WALEY in Studt communal ¢ Hlorentin, Worn, 198; Mediaeval “Orvieto, cambridge, Camorcge Univoriiy Pros, Ii. Cr. também Les Républowes médicales alles, Parla, Haeholio, on. 4H No cao0 existe colneidncia com a segunda paste do trago {4 ‘mas no com a yrimeira, que diz resplto & elaboregio de umn metodo lunwersal, 108 SOURE A ARQUITETURA H SOBRE A CIDADE 21 w eslende do mais triviel ao mais sublime [++ 51, da da delesa & eringao artistica® Consultando os registros sienenses, constatamos que os swemros do Conselho s© debrugam sobre © conjunto dos orde- hhamenios que respondem as necessidades dos habitantes, favo- recom 1 realizagio ¢ desenvolvimento das atividades urbanas, ‘cnttibuem para'o embelezamento da cidade, Vemo-los concebe- rem redes de adusio e distribuigéo de gua, lutarem por me- thores condigdessanitérias go alargar os ruas exstentes, prosbindo a allura exagerada das casas © a aplomeracéo de suas fachadas por construgses geminadas™®, criando um jardim pablo, hes Ini elaborarem um conjunio especiico de edificion pare ab suv as diversas instincias do. poder municipal" organizarem 0 ‘speticulo urbano pela normalizaréo e regularizaglo do tecido lade e pela edificagéo de monumentos. Face ao desenvol- nento demogréfico ¢ econdmico, quer se irate da criagio de ‘novos bairros habitacionais! ox da‘ melhoria da rede vista, suas dlecsBes sf0 prospectivas, inscrevem-se num programa de inter- vengao® a longo prezo, fesismunham uma yontade de raciona- Tizagdo © uma estratégia de otimizacdo que visam A excolha dos ‘equipamentos © dos locais de implantagfo. Os eis nfo deba- tem apenas a melhor localizagio dos edilfcios de prestigi, como o Palécio Comunal (1288). Estudam também a. repartiggo ra ional das fontes peios diversos bairros, a distribaicéo dos albergues © dos hosptais pelos setores®, a’ preservasio dos jar- dins jnfremuros © de uma justa proporgdo de espagos verdes dentro do teeido urbane. “Termina ai a semelhanga entre ox tratados instaeadores « os edtos .comunais. “A demarcacio. de suas. diferengas send visivel com as relagbes diferentes que mantém respectivamente com 0 poder de concepsio e o poder politica. pomuivels Wy 45, Of G. MILANESI, Documenti per la Starla daltarte senese, 1, p, 100, Siena, 1054, cada por WALEY, Rep. lal, op. alt, p. 18 “48. Cl. D. BALESTRACCK # G. PIOGINT, op cit, pp. 4 ¢ ts5 onde so ciisdos 0g textos da Constitviodo da comma de Siena de 1203 6 do Consetto ‘Geral (deliberapdes de de. agosto ile 1960) regulamentando 9 avango as aberturas para as russ cm funglo das dimensdes desias Para medidas andlogas adotadas ein Parma om Byobeln, cf. WALES, 0, elt, p. 200 af. A construgio @ a tmplantagto portinenta do eliftelos exetusve- ‘monte conaagredos aca “servigos admiisiraliven™ cas ems fo ma ‘Gis reatizagbes da edlidade itainna. durante as péeulos XLT © XIV. Cl D.BALESTRACCT © G. PICCINI, op. cit, pI 48, Idem, pp. $648, 602 4B. Idem, pp. 30 ess 0. idem, p. i Bt dem, B18. Ha. Cfo debate de 27 do janoiro do 1857 sobre a tmplartagto do um hospital fora da Porta de Ovile, mum bairro que careaa complete, monte (idem, pp. 150156). ‘Sh Idem, p. 38 m ‘A REGRA EO MODELO ‘As devises rvalizadoras enunciadas e argumentadas nos editos comunais nio se estribam num pensemento tedriea [— 4], Nav sito aplicdveis fora do quadro espdciostemporal em que fo- ram formuladas, A despeito de seu aleance prospectivo, elas silo parciais e, de ano para ano, so completadas © modificadas retroativamente, tevando em conta a evolugéo dos dados™, Respondem s ‘situages particulares, encontradas hie et nunc por homens que nao slo especialistas, mas cuja condigo de cidadio qualifica-os, sem distingao de classe social ou profissio- nal, 0 lidar com todos os problemas da cidade. Para eles, ocupar- sse da edifieago da cidade & parte integrante de uma gestdo fonde entram em jogo determinantos religiocae, cociaic, eeonéimi cas © IGenicas que contribuem, técita ou explicitamente, para 1 produgio do espago urbano. Nao se trata, pois, de wma auto- rnomia dos editos e decretos comunais [— 3]. Ao contrério dos tratados de arquitetura, eles nao postulam uma disciplina specifica independente, Por isso, & conveniente renunciar & tentaggo de atribuir a cesses textos © qualificativo instaurador, Todavia, na medida em ‘que designam 0 edificado como seu campo préprio de aplicagio fe Ihes reservam um tratamento reflexivo, seré possivel marcar sua especificidade e seu parentesco com os tratados instaurado- es, chamando-os argumentadores. De maneira como no-los iransmitiram as exposicoes de ‘motives que acompanham os editos dos conselhos comunais ita- Tianos © as atas das sess6es onde eram preparados, os textos ‘argumentadores do apogeu do século XIV e inicio do XV nos Poem frente a um moda disearsiva de prndngia do espage urba hho excepeionalmente interessante. Estes escritos se situam num jo, entre o procedimento autoritério dos textos preseritivs ou consuetudinérios e 0 processc racional dos tratados instauradores. Aqueles que tomam as decisdes es: tio suficientemente distanciados da vida e do “espago urbano para poderem traduzir os problemas que colocam em termos dle razio e efiegcla, Mas, ao mesmo tempo, a rede institucional que 08 liga & cidade impede-os de consideréJa como objeto in- ndente, De um lado, seu discurso somente se enuncia em virias vozes, € tomado numa estrutura de didlogo, De outro livlo, sem estar subordinado a nenhuma, € ordenado por todas Ws priticas socials, Por exemplo, embora a instituicHo eristl mar- {que 0 espago urbane pelo nimero de igreja e conventos que seu poderio the permite implanter, todavia ela nfo Ihe dita sua tei. Sho om muyisirados leigos que dispdem das constragdes religio fins para hnleyré law 2 ordem eivil da cidade, enquanto edificios (08 TEXTOS SOBRE A ARQUITETURA © SOBRE A CIDADE 29 fa servigo do cidadfo e das exigéncias da sua vida religiosa®S. ‘Assim, entre o infcio do Trecento e a segunda metade do Quat- Irocento, 0 texto argumentador realiza um equilibrio, jamais re- encontrado depois®, entre a cidade como realidade material ¢ como conjunto de instituigSes, entre as forgas da tradicfo € © poder da inovagio, entre a iniciativa dos individuos e o consenso da coletividade. 'Nao foi por acaso que esse avatar discursivo encontrou sua realizagdo nas cidades medicvais da Itélia, no mesmo solo pre- eocemente urbano que foi depois © beroo do tratado instaurador. ‘A semelhanga das duas categorias de textos sofre uma relagdo de parentecco, A emergéncia da tratade instaurador. em meados do séctlo XV, foi preparada por uma préobjetivagdo do expago lurbano e uma racionalizagio a que os escritos argumentedores © submeteram num corpo-s-corpo quotidian, essa relagGo, temos uma confirmagio paradoxsi num €poca em que 0 texto argumentador desapareceu © em que 0 alcance te6rico do tratado instaurador parece opo-lo irremedia- vyelmente & casualidade dos editos reais que tomaram o lugar dos editos comunais, Com efcito, quando, pela primeira vez, em 1705, Lamare intenta reunir os decretos publicados desde Filipe, o Belo, em matétia de “policia urbana” em Paris, em fuger de ‘uma compilaglo, ele os apresenta sob a forma de um Tratado™, organizado como o de Alberti; ndo hesita em descobrir uma ordem e principios®® na sucessio desses textos fragmentirios e, com a sutoridade de sua propria assinatura, em revelar a légica da decisio que os engendrou. Contudo, tal 16gica € enganosa, Com o tempo, os conside- randos citados por Lamare perdom « dimensio dislética © a polissemia proprias dos editos argumentadores que aliés, numa Franga mais rural e precocemente ceutralizada, nunca foram to stores, esta situagto aria “entre cada igreje individual © a comin TaD. BALESTRACCE © G, PICCINE, tem, 1). 108, Segundo esses ume relagéo. de dependéneia na’ gual o elomento cull paren far com parte eo Teo". Ga. O exemplo e a anéise dos textos anuimentadores poderitin con teibuir pare eslarecer 0 probloma atualmenio mito evocado © quase fetipre taal colocado Gt partiepaoto no onteamento urbano. ‘Wr EAN, DU LAMARE, Trae’ de Te Police. Ele proprio termina apenas os txés prineiros volumes, publieatos respectivamente em 176, mo, 1718, ‘si. “Nosots rogulamentos que tive do peroorrer desoobrl_ tanta sbmtntn teu grande orcem e sma lgualo iGo perfelta entre taint ne parts de Policia, que screditel poder reduzir em arta ou em Pritioa Drostudo dessa ‘Cline, remontando uié sous prineplos” (op. ct Dprefdelo. verso), Alls ciberia pronitear esse prefécio, na totaldade, {do Prologo aot Gea ivros do De re aeificatoria, » a Re tA EO MODELO ‘numerosos ¢ iio apresentaram a mesma claboragio que na Ildlia, Permanecem os tragos comuns com 0 tratado instatsrador, ‘mas muda a relagio com © poder de decisto. Os textes empiricos, ‘que organizam 0 espayo urbano thie et mune, racionatizando-o, Cornamse 0 apanigio de grupos especializades, delegados pelo real e politico, sob 6 nome primeiramente de Policia® e, lande, de Administragdo. Decisoes arbitrérss, jutificativas ‘ooldgicas’ e propaganda podem, doravante, usar a méscara da ryumentagéo, Por mais rapidamente que 0 evoquemos, esse encaminha- mento, esse progressive desvio em relagdo aos.(extos argumen- tadores, permite compresnder a ambivaléucta®®us bra esti ‘de Haussmann, que, em sta expressio ¢ em seu furcionamento, constitui © arquétipo da administragio moderna, Em suas Memérias, que ve pode ler como um comentério de seus dscursos c decrees, tanto quanto nesses ‘iltimos, ele justifiea e raciona- liza todas’ as suas devisGes, Soré que essas dizem respeito a0 ordenamento particular de um lugar particular, a eidade de Pa vis, © que ndo foi por seus escritos, mas por seu resultado, a transformago de Peris, que Haussmann influenciou toda_a urbanizaglo do. final -do-século_XIX, e fomeccu um mod cstrutural que se impds até nos Estados Unidos e fascinou igu mente o Imperador Francisco José, © engenheiro Cerda c 0 arquiteio Burnham? Nao deixa de ser vordade que, sob sua coeréncia e sua Iégica superficial, nesses decretos podemos des- cobrir principio, uma atitude generalizavel, uma postura te6r 20, ‘Pica reservado & Pollein viglar a regularidade @ a forma. das onstruges; prescrever 0 alinhimento, a construgio e a allure das eases conservar a fargura e a thordade da'via pubis...” (N. DE LAMAR, Traité de ts Police, t. 1, Cap. 1, "Titulo 3", publicado por Lo Clar di Bullet em 173, p. 20). sse amiveléncia nfo caracterlaa, aliis, somante os escrito, mas também os ordenarentos urbanos realizados por Hausmann, cia bra, eontudo, sempre dex margem a iturae monosetmicas, Para tne flo mio passa’ do tnstrumento. do poder capitalist’ assim, as andiives lle TE. Lefebvre, 80 prototiicas qua ee poderia. ecreditar caricaturas, pretender mostrar que "0 Dario Haussmann, omem derss stado Sonpartista quo ce grige acima da scoledade para trata cinicamente ono espatio {...1 das Tutas polo poder J, substitu por longas ‘oni M8 Puss Sortuowas mas ‘vivenes (...6) fra tulerares, ordena por visio ..-no} para a belesa das” perspectivag (mis) par hentoar Piri com metralhadorss”. Le Droit & le ille, Pals, Anthropos, Tod Yor «itr, vomo Ze Corbusier, em La Vile radeuse, por axempio, tio sunioutints © prostrser mepirado. do trbanismo progressst, lfm 1. 1M), p. M6. Paris, Vinewnt Prat, 1063, ‘120. GIEDION ume, Aone valge, Mae, Hasvead Univers Pees Way san parteutar. yp. O46, Ch tronics de Wiens nos anos de 180; @ transtormacto fan Magoologn wa Tuorla Ceneral eld eupray a planta eo. Chioego de a. 08 THXTOS SOBRE A ARQUITETURA E SOBRE A CIDADE 31 Intonte®? que, em sua relagio direta com 0 espago consirutdo, assemelha-se aos tratados instauradores. Mas Haussmann & solidério de uma aventura hist6rica, a de Napolefo III. Sem questionar, ele coloca seu poder de ra- cionalizagdo a servigo do poder executivo cuja arbitrariedade ele std sempre disposto a justificar, pela adesio técita & l6gica das pritieas sociais dominantes. ‘A dupla pertingncia dos escritos de Haussmann a uma ra- cionalidade universal de superficie € @ uma ldgica ocults, que ¢ essencialmente a de uma economia, prefigura e esclarece a du plicidade dos textos administrativos atuais. Nesses textos, pode mos ler 20 mesmo tempo um discurso racional, cunhado nas teorias urbanisticas®, que a administragio néo teme citar, © a expresso, que esse diseurso mascara, seja de decisGes politicas, seja do livre jogo de instituigdes © processos soviais ndo-discur- sivos. Assim, posteridade ongingua ¢ desviada dos editos argu- mentadores, uma parte dos decretos urbanisticos atuals ignora tanto mais’ trangilamente 0 espiritlo desses primeiros textos quanto Ihes conservam a forma e fingem mesmo, no plano do conteido, referise & legislagéo de uma disciplina cientfica Nao ¢ possivel precisar aqui a posigdo desses textos no conjunto do direito urbanistico a que pertencem e em relagio 20 direito consuetudindrio do construido cujo estudo, na era cldssica, fazia parte da formagio do arquiteto®, J4 nos basta ter chamado a atengo para esses texivs juridicos, Bscritos nao-ins tauredores, porém, embora leigos, constituem, na moderna so- iedade ocidental, a mais importante massa escrita com vistas A produgio direta do quadro construfdo e pesam consideravel- mente na problemética atual da arquitetura ¢ do urbano, 2, Tentamos formar sua sintese sob o concelto de “rogularizacto” in Cay Planning tm the XIX Century, New York, Braziller, 1870. Cf famibém nosooe argos “Urbenieme, theories ol rélisations", Encylo. ‘paedia unoersats, Paris, 17 0 "Haussmann cto systtine des espaces ‘eres parisons”, Za Rebue de Url, n° 29, Yaris, Wa. du CNRS, 1975 (2. O catilar tedrico dos decretos ¢ “pianos” atuals de erdene- mento urbano £01 bem shalisado por 1 Stex.cm sus obra, Critique de a ddosion, Pais, Bibliotheque de instil den Sciences Poltigues, 173. Gr. igualmente 0, ALEXANDER, J. BOULUT, V. CHOAY, T. GRESSET, ogemont social eb Modslzation de te poliijue des modties @ fa part Gpution 18%, reatério de pesqulsa, publicado por ARDU, Université do Pans VII, Pars, 1978. ‘8, Cl, Lois an bitimente euieant la Coutume de ors (...) ens anton por Desgodeta. architerto ds ol dans (Ecole de j:teadémie Barendbecure, Pane, 1d, O prolaciador, Goupy, observa que um art: {eto nto pode cular com soguranca da condita de algumas construpbos fe nd for instruldo ans leis do costume". AS tas da Academia de ‘Arquitetira $6 tezem 620 dessa 2 ‘A REGRA EO MODELO 1.3. Os Falsos Tratados da Renascenga ¢ da Era Cléssica © De re aedificatoria fot 0 tinico tratado de arquitetura pu- blicado no século XV®®, Mas, a partir do séeulo XVI, 0 género se multiplicou e tornowse rapidamente o ornamento obrigatério da biblioteca do fhonnéie homme. A préptia denominagao tratado de arquitetura encobre, entéo, uma realidade textual bastante diferente, ‘A alragao formal do tratado tesrico se fez. sentir sobre cer- tos manuais tGenicos e préticos: transmitindo habifidades (savoir- Jaire), i constituidas ou inovadoras, mas nfo as condigées de im polerconeeber [— 4], sua eoeréncia 0 euidado comm que foram compostes, 0 papel ‘principal que ncle desempenha 0 in- dlividuo, falando na primeira pessoa [+ 21, bem como sua vonts- de de invengao e de progresso, podem facilmente iludir o leitor atwal, No entanto, na Franca élissca, 2 Maniére de batir pour toutes sories de personnes de Le Muet (1625), a Architecture pratique de P. Bullet (1691), a Architecture moderne de Briseux (1728) sio, para os préticos, instrumentos cujo prop6sito Ma- thurin Jousse, em seu Secret architecture (1642), que ele pré- prio chama de “Tratado de arguitetura’®, situa com muita propriedade, opondo-o a0 dos tratados tedricos que nio se dirt gem ao mesino piblico’e néo slo limitados por um nivel de saber demasiado trivial wos olhos de seus autores: Como {...1 0 vi todos os dias grandes @ ricos Hattioioe oasrem fm ruinas,.. devido ds mis jungles das partes, devido bs mis relacses fdas podras entre si (1. No caso do Arquiteture, @ necesstrio saber Unio e aus use sespeiio wo curly the petra ae am Use peu ‘cot qe The dio a ropra, pois queda gnorinese desseponto process {2 porda dos Balls. Ora (.-.1-nio so encontra nada sobre iss0 50S moltiores Autores de todos of ants Arqultatos". No campo da literatura cientifica © tedrica, as obras con- sagradas exclusivamente &s ordens de arquitetura®® acabaram’ por 65. 0 tratndo, ligeiramenta posterior, de Puareto como of de Fran wseo a Glorsio Artin, um pouoo mais tendos, permanecaramm ineeitns ls 0 séctlo XI. Cf. infra, Cap. 1, p. 0. © Cap. 4, DD. 18 © 5, "Op elt, Preto, Bs 5 17 ‘Depois'de haver exumerado ge obras dos melhores autores de Ivalndne code “Vito, inclusive, ele consial que, com excegao de Vilar do Osmo, "todos esses” grandes homens ‘ago not” diseram nn im de dolinesr os tragos geométrioor necesedios D carte ds pedtran” (item, Ba (i. Ol no cm da Tringa, entre outros, P. FREART DE CHAM: MAY, Pulte ue Tarckitocture anotenne et do fa moderne, Pars, 180, ©. PHhWAUIT, Ononnance dee oq eapéees da colonies, Paris’ 1603; SABASTHN TNICLEMG, “Traite architecture, Paris, 17; CHARLES DUPUIB, Nonovay Fralte architecture, Penis, 172, Para. uma interpre: tagto ci lena eas orn, ef tra, Cap 08 TEXTOS SOBRE A ARQUITETURA E SOBRE A CIDADE ropresentar, durante os séculos XVII e XVIII, a maior parte dos “‘tratados”. Porém, nem por isso sio instauradores. Ciosos somente do valor expressivo da coisa construida [— 5], limitam 20 dominio da estética arquitetGnica o campo da edificagio de- finido por Alberti®, Além disso, na maioria das vezes estfo sub- metidos & autoridade dos modelos antigos [— 4] e, embora os (ensivamente escritos na primeira pessoa do singula reduzem 0 papel e a inigiativa do individuo & de nicas de mensuragio, reconstituigéo, representagdo, e a0 aperfei- goamento de um sistema de proporgdes legado pela tradigao [— 51. A essas obras chamaret tratados das ordens e, na medida fem que sua legislagio abarca apenas um setor da edificacéo, eu as qualificarei de setoriais. ‘As Regole delle cinque ordini d’architetturd™®, de G. Bar- rozio da Vignola, oferecem a forma mais despojada do tratado das ordens, prot6tipo indefinidamente retomado, simplificado ou corrigido™ até o século XIX, paradigma e padrao da literatura arquitetSniea durante o perfodo clissico, quando o conceito de arguitetura se viu reduzido ao de estilo, por vezes mesmo 20 de esctita”?, Abramos “‘o Vignola”: depois de duas paginas de teoria, dirigidas como introducio “Ai lettori", 0 texto € subor- dinado e integrado & sucesso de pranchas que descrevem e ex- plicam com imagens os clementos respectivos das. diferentes ‘ordens, ¢ indicam como e quando utilizélas. Entre esse tipo candnico eo De re aedificatoria, encontra-se, embora em néimero pouco significativo, uma série de formas in termediérias cuja classificacdo as vezes € problemética. Enquanto (8, Rodugio que 5. Leclerc define bem quando, no prilogo “Ao Yor” de seu Frlie.,. (op elt), inca: “ew destenio no ¢ trata sat todas a Paves que pereencem & Arquseinm, agit no felo dane, ‘movlo da manelre mecdnies de construir un Baifcio como de prepara Theos allerces, de erigivinc as paredes_(...: esos conhcimentos {0'.°se enconteem suficlentemente ext Vitrivio, Palladio fy} ¢ varios tuizos tratados da srtetra” “Nao mo apego nesta obra sendo_ a0 que lange Abeer, 29 bom onto ¢ b eegdncla das Partes principals ge ntram na compocicto de {im pelo e nobre alii, Nele apresento ts Ordon das Calas C.J" 1. Veneaa, 156 Th, Ch LE MUET, Rages des cing ordres durchltectere de Vignote, revise, augmentdes et rédaites de orand on pel, Pars, 16%: WATIVEL- EB, Traite architecture contenant tes. cing rdres suivant les quatre Gateurs tes pins approves, Vignole,Pallaio, Philibert De LOrme et Scomoea!(..), Pars, Wao. Apesat do tio, exia lk bre fas © parte do edo em Vignola, cio tanto elo repr integralment, provendo- Ge tn commtna Yam comers, Cour reenter ent lop prves ta Vigne tore dax comma me Gar, 16d) representa una forma intermodiaria entie 0) “tratado” ss ‘dens @ 0 mnt prtico do consti. “No e6culo XVIIE 6 que 2 Metifort de escrta foi aplieada & uitisagéo anquitetinica das Orders, partcularmente por J2. Blondel. tira, Cap. 4 * ‘A REGRA E 0 MODELO que, a despeito de suas referéncias a Alberti e das "citagGes” que faz do De re acdijicatoria, « Reigle generalle d'architecture des cing manidves de colonnes [...1 de J. Bullant™ aparece clara- mente como um tratado das ordens, da mesma forma que 0 Livre @architecwures concernant les principes généraux de cet arf't de G, Bolirand, Le Génie et les grands secrets de archi tecture historique de Saint-Valéry Seheult se situa, por seu lado, num nivel te6rico a que raramente se alga a literatura das or- dens, © apresenta todos os tracos do tratado albertiano, exceto [5]; e, embora centralizado no problema das ordens, 0 Nouveatt Traité de toute VArchitecture™® de J-L. de Cordemoy, sem dt vide, dove integear-te 20 corpo dos tratados insteuradoras Siio igualmente setoriais os “tratados” de fortificagio cujo aparecimento se seguiu imediatamente 20 do De re aedificatoria fe que se multiplicaram até o século XVIII. Aqui também, exis- tom uma série de intermedifrios™® entre a obra na qual a cidade fortificada representa a totalidade do campo éa edificaco [— 51 ‘mas 6 objeto todavia de regras ¢ dedugGes tedricas semelhantes as dos tratados instauradores", ¢ formas que tendem para o ma- nual pritico [~ 477, Ao lado das obras-setorisis, um diltimo tipo — excepcional — de falso tratado de arquitetura merece citaglo. Jé vimos que, 1 despeito de seu teacentrisma ¢ apesar do fervor da f€ que 0 levou a erigir suas catedrais, 0 Ocidente medieval jamais pro- duziu qualquer iratado prescrito comparavel aos da China ar feaics. Ora, tardiamente, com a Contenreforma, aparece um spinor muito préximo, sob o aspecto de tratados nos quais a ido desempenha um papel, senfio anélopo, pelo menos do- minante, pois a arte de organizar o espago lhe & subordinada. Uma obra volumosa em trés tomos, o In Ezechielem ex. planationes et appartus urbis ac Templi Hierosolymitani, foi pur blicada em Roma entre 1596 © 1604, pélo jesuita espanhol J.B. "Paris, 1584, 1H. Ou De archltectura tber, Pars, IS. 7, Paris, Ts. . ‘iM. Por exempio, De Fettaque et dela défense des places do VACBAN, Hi, VER, ‘M Vor eximplo, F. DE GIORGIO MARTINE, Trattat! di arenttettura Ingegneria © miltare, editdos por ©, e 1. Maltese, Milo, 1! Fotiio, et, Go quit podemos aproximar, mats’ de dois séculos mals tarde, 0 Sonalro tun ‘ours Werehitactire railiate, esos, Auraulieve (3, arly lie. PORES Dat BEtTDOR, ‘th, Cts w itulo do sageaine, G. DB ZANCE, Del Modo dt Fortificar to llth, Vouya, Ih; Cs LANTERE, Due daloghi del modo a designare Te plane dette Porteress» seeondn uctide, Venezs, 1350. Pare a edlebre bre de A. DURIER, ef. suprm, p. 2. (0 TEXTOS SOBRE A ARQUITETURA E SOBRE A CIDADE 35 Villalpanda?®. Aprosentando tragos 20 mesmo tempo de_comen- iio biblico ede tratado de arguitetura, essa obra_propoe, trermos no autor, a primeira exegese correia da visio da Eze- ‘quilt © paralelamente A primeira reconstituicéo exata ¢ ilustr «la do Templo de Jerusalém. Villalpanda situa neste santuétio a brigem da arquitetura ¢ de ioda a teoria vitruviana das ordens, fondada nas relacdes © nas proporsées de seus elementos, Com wfeilo, para ele a tinica arquitetura racional e verdadeira é a de Vitrivio, mas esta 6 pode receber a sua consagragio dos textos ayradlos, ejo testemnimho ele proprio remete a desenhos tra- saulos pela prépria mao de Deus. Essa preocupagio em funda- Inentne nne Fecriturss, @ cam tal luxo de puecisées, uma disci nny que © trabalho de Alberti, depois dos. primeitos arquitetos- ‘cbricos, consistita em autonomizé-la, Ieicizé-la, Hbertla de toda lutela,ndo foi obra de um individuo isoledo. Fazendo eco as preo- cupacbes militantes da Iareja, o Jn Ezechielem encontrou nume- rosa audigncia®! © um prolongamento em outras obras como Irchiteetura civil de Juan Caramuel™, No entanto, esses obras permanecem marginais em relagio ‘4 conjunto dos. tratados instauradores. Com suas preoet- Ges exsencialmente gencalogistas, pendem mais para a pura ‘spoctlago do que para a yontade de moldar © mundo, unindo ‘ss eseritos diretamente realizadores ¢ justificando a abordagem {e6rica dos tratados de arquitetura. 2. VERDADEIRAS E FALSAS UTOPIAS Para claborar uma definicdo esquemética na utopia, util varomos 9 livro de Tomés Morus, da mesma forma que 108 valemos do De re aedificatoria para definir 0 tratado de arqui- felura, Atitude mais provocadora, porquanto redutora em relagio io uso que, 2 forga de desvios deliberados e derivas espontineas, «lg. esse termo uma denotaedo cada vaz mais vaga e termina por incluir, numa compreensio cada ver mais vasta®®, o exato ‘posto de seu significado original. Sabess que K. Mannheim preferia designar por ovia de livros e/ou 19, FM entaboragto com J. Prades, 4 regio in ob Ty Reegulel 40 0 x, Mobo 0 tyro. do Viltatp ish i 0 context no qual £0 deeerto isan te Paradis, Pars Arehifectura ofvit recta y obt- a covnier vant on of Topi dorate f. 3, Vigra, Cf, ona ilngho do, Haponge em indzedagse & eum bibliog, In Utoplen et Clalsaton, Part, ber, Is "A Herature upea Hitt Do Mato om roancen to Kegan ckenttlea, commpreende tentanas Nowa datinigho exci, tre outros textos, tanto os dstogos ‘ono romano do flee cletiien 6 A REGRA E © MODELO seu contesido espeeifico, mas um tipo de mentalidade®*, Retoman- do implicitamente essa acepgfio, pode um politélogo ameticano afirmar assim que “uma utopia 6 um objetivo realizavel” e que 6s exeritos de Morus no revelam “qualquer Fé politica, qualquer ‘utopia”®, Por paradoxal que pareca com relagfo & scepefo original ‘de Morus, nfio se pode contestar 0 uso que fizeram da palavra ‘utopia K. Manaheim ¢, antes dele, E. Bloch: uso legttimo desde aque esses autores forneciam antes de tudo uma definigao conven- jonal coerente, permitindelhes, no caso, nomear © interpretar cerias formas histdricas e certos movimentos da conscigncia de Classe. Depols, ese uso parsuu para a Hinguagem comum © aumentou ainda mais a polissemia de um termo que tenderiamos, por isso mesmo, a excluir da linguagem cientific Para nés, em se tratando de uma categoria textual que postulamos ter sido eriada por Morus, que inventow um neolo- ggismo para designéla, era impossivel’ recusat 0 termo utopi Evitamos atribuirthe uma scepsio original © tentar circuns- crevé-la com @ maior preciso possivel, insurgindo-nos, assim, nila contra as definigGes convencionais ulteriores da utopia que ‘io nos interessam aqui, mas contra o emprego indeterminado © polivalente do termo. Sete tragos discriniinat6rios®® nos. servirdo provisoriamente para definir a utopia: [1] uma utopia é um livro assinado; [2] nela um individuo se exprime na primeira pessoa do sing lar, 0 préprio autor e/ou seu porta-voz, visitante ou testemunha da utopia; [5] apresente-se sob a forma de uma narrativa na ‘qual se insere, no presente do indicativo. 2 descrieao de uma sociednde-modelo; [4] essa sociedadomodelo opbe-se a uma sociedade hist6riea real, cuja critica € indissocidvel da descrigdo- claborago da primeira; [5] a sociedademodelo tem como supot- eum espagomodelo que é sua parte integrante ¢ necessdria; [lo] a sociedade-modelo esté situada fora do nosso sistema de bi. Para cle sio ulépicas "todas as ladles sltusclonaimente trans- cendantes [5 que. de uma mansira qualaver. tém tim efelto de trans formagio sobre @ ondem histricosodlal exstente”, embora as ideologies também “stueetocalmente transcendentes" estejam de acordo com essa ‘orden "jamas congeyuem, de facto, realizar seu conteddo” (Tdéotogie 11 Utople, tad, fr. ae P. Role, Paris, Maes! Rivibre, 16, pp. 148 e 12). lin, 101, WHITE, Peace among the Witlows, the Poltiea! Philosophy of P. Bacon, Hala, Martius Tight, 3988, pp. $8. fh, en permitom disingulr aqui os texlos cue soréo considerados como’ a vorullrs pesieridade moreana, da abundante literatura que, um, € chamada de ulopioa. Cf. 0 tnventério, no wns) que muitos outros, ab Xe FAuKis, ”VersuCD ‘dor Ulopien®, Romanatsches Jahroueh, VE (5 non os ceo 8 aetenta ituos qe enumera para o pesto anerlor TOI, jas onne carrespendem & nossa fino de wlopin, 08 TEXTOS SOBRE A ARQUITETURA E SOBRE A CIDADE 37 coordenadas espécio-temporais, alhures; [7] ela escapa & influén- cia do tempo e des mudancas. 24. A Utopia de Toms Morus, Texto Inaugural © ccritério de scorréncia simultémea desses sete tragos permite verificar que, tal como o tratado de arquiteture, a utopia & uma produgdo especificamente ocidental, ligeda as perturba- ‘9605 epistSmicas do Renascimento, Regularmente se invoca 4 Antigsidade como bergo da utopia e fonte de inspiragio de Moris, Ora, se Morus feu aleutaueule Platav, Luciano © mesmo AAristteles, nem por isso encontrou em qualquer desses autores, assim como Alberti também nfo encontrou em Vitrivio, o para- digma de seu livro. Os créditos da Utopia para com a obra de Platio serto analisados no Cap. 381, cabendo lembrar agora apenas que. 0 filésofo grego no escfeveu utopia: na Repiblica, a cidade- ‘modelo de Platio pertence ao mundo das Tdéias ¢ nfo pode, pois, ser descrita em termos de espago [— 51%, enquento que nas Leis, onde ele ocupa um lugar e retine construgGes, no s6 deixa de responder a uma critica sistematica da polis contempo- rénea [— 4], mas sobretudo, longe de ser apresentada no pre- sente do indicativo, como uma realidade, ¢ colocada no condi Gina Ul de hiptese, mga dé wm “emi” [= 5, = 6. Luciano, que Morus treduziu e cuja veia satfrica exerceu sobre ele a mesma seducéo que sobte Erasmo, nflo dotou sua critica de qualquer contraposigo [— 4]. Quanto a Arisistees, mesmo que tenha sbordado o problema des constituigées e dos Esiados ideais, o capitulo ‘‘moderno” eo realismo de sua Poll fica lembram mais @ atitude dos autores de tratados de arquite- tura do que o processo da Utopia. O Estagivita se interessa pela teoria do poder © das instituicdes politicas, sem se prender a ‘uma critica sistemética hic ef nunc, © sem se preocupar absolu- tamente com a modelizagdo do expayo [— 5]. , em primeizo lugar, a ausencia de referencia a0 espago que deve também prescrever 0 termo utopia a propésito da Cidade de Deus de Santo Agostino, como da posteridade medie- val tanto desta obra como dessa no¢Zo. Para o Bispo de Hipona, que se inspira na dupla tradigfo das Escrituras e do platonismo, Ct. pp, 151 @ ss, 45, Nas paginas soguintos, para remissto aos sote tragos da utopia, dctamcs mesma convent quo Deviaros sepudo no et oe ‘rata.

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