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Ra fo lilo ke ee EDUCAGAO JO BOALER mentalidades matematicas estimulando o potencial dos estudantes por meio da matematica criativa, das mensagens inspiradoras e do ensino inovador ry oy PES ATCT COS ae a Digitalizado com CamScanner Sumario Apresentacio a edigéo brasileira sence Instituto Sidarta Prefici wii Introdugio: 0 poder da mentalidade. Cartruto 1 O cérebro e a aprendizagem de matemética .... Cariruio 2 O poder dos erros ¢ das dificuldades Cariruto 3 A criatividade e a beleza na matemitica .... Carino 4 Criando mentalidades matematicas: a importancia da flexibilidade com niimeros Cantrovo 5 Atividades mateméticas produtivas Cartruto 6 © A matemdtica ¢ 0 caminho para a equidade Cariruio7 —_—_Da separaco por habilidade ao agrupamento para uma mentalidade de crescimento ... .97 Cartruto 8 Avaliagio para uma mentalidade de crescimento,.jnmmmnnnnnes 123 Cartruvo9 ——_Ensinar matemética para uma mentalidade de crescimento 147 Referencias 179 Apéndice A creer 187 Apéndice B .. Indice .. Digitalizado com CamScanner A CRIATIVIDADE E A BELEZA NA MATEMATICA Oque é matemdtica, realmente? E por que tan- tos estudantes a odeiam ou temem, ou ambos? A matenvitica ¢ diferente de outras matérias, no porque ela é certa ou errada, como tantas pes- soas diriam, mas porque ela é ensinada de formas nio utilizadas por professores de outras matérias, as pessoas tém crengas a seu respeito que nio tém sobre outras disciplinas. Um aspecto que a difere € 0 fato de ser, frequentemente, conside- rada uma matéria de desempenho. Se vocé per- guntar aos alunos qual é seu papel nas aulas de matemética, a maioria deles dir que é acertar as perguntas, Os estudantes raramente pensam que estdo nas aulas de matemtica para apreciar a beleza da disciplina, para fazer perguntas pro- fundas, para explorar 0 rico conjunto de cone- xbes que compoem a matéria, ou mesmo para aprender sobre a aplicabilidade dela, Eles acham que esto nas aulas de matemstica para executar tarefas, Isso ficou claro para mim recentemente quando uma colega, Rachel Lambert, me con- tou que seu filho de seis anos tinha chegado em casa dizendo que nio gostava de matemitica; ‘quando ela perguntou por que, ele disse que “a ‘matemética tem muito tempo para responder € pouco tempo para aprender”. Os estudantes se dio conta desde cedo que a matemitica é dife- rente das outras matérias ¢ que a aprendizagem € substituida por responder a perguntas ¢ fazer provas, ou seja, desempenhar tarelas. A cultura de provas nos Estados Unidos, que € mais dominante em matemdtica do que nas outras matérias, € uma parte importan- te do problema. Quando alunos do 62 ano de meu distrito municipal chegaram em casa di- zendo que fizeram uma prova no primeiro dia da escola, foi somente em uma matéria: mate- mitica. A maioria dos estudantes € pais aceita a cultura de provas da matemética - como me disse uma menina: “Bom, a professora s6 esta- va descobrindo 0 que nés sabemos". Mas por que isso s6 acontece em matemitica? Por que 105 professores néo pensam que tém de desco- brir 0 que os alunos sabem no primeiro dia de aula por meio de um teste em outras matérias? E por que alguns educadores néo se dio conta de que as provas constantes fazem mais do que testar os alunos, 0 que jé encerra muitos pro- blemas préprios ~ elas também fazem os alu- nos pensarem que a matemética é isto: produ- zir respostas curtas para perguntas estreieas sob pressio? Nao é de se estranhar que tantos alu- nos decidam que matemitica nao é para eles. Existem outras indicagées de que a matemiti- caé diferente de todas as outras matérias. Quan- do perguntamos aos estudantes o que é matemé- tica, eles tipicamente dio descrigies muito di- ferentes das oferecidas por especialistas na drea. Os alunos em geral dizem que a matemtica é uma matéria de céleulos, procedimentos ou re- gras. Mas quando perguntamos a matemiticos. (© que € matemitica, eles dizem que & 0 estudo de padrdes; que & uma disciplina estética, criati- va ¢ bela (Deviin, 1997). Por que essas deseri- oes sto tio diferentes? Quando perguntamos a alunos de literatura inglesa o que ¢ essa discipli- nna, eles nao fazem descrigdes muito diferentes das descrigées feitas por professores de literatura, Maryam Mirzakani ¢ uma matemética em Stanford que recentemente ganhou a Medalha lds, o maior prémio nuundial de matemitica, Maryam & uma mulher incrivel que estuda su- petficies hiperbilicas e que recentemente pro- uziu 0 que foi chamado de “teotia da década”, Em reportagens sobre seu trabalho, ela aparece esbogando ideias em grandes folhas de papel na Digitalizado com CamScanner 22 Jo Boaler mesa da cozinha de casa, pois seu estudo é quase totalmente visual. Ha pouco tempo, estive pre- sidindo a prova oral de doutorado de uma das alunas de Maryam, Essa apresentagio & 0 exame culminante dos alunos de dourorado, quando cles defendem as teses que produziram durante anos diante de uma banca de examinadores. En- trei no departamento de matemitica em Stanford raquele dia curiosa a respeito da defesa que eu iria presidir. A sala na qual a defesa foi realizada era pequena, com janelas que davam paraa Palm Drive de Stanford, a imponente via de entrada da universidade, e estava repleta de matemé estudantese professores que tinham vindo assistir ou julgar a defesa. A aluna de Maryam era uma jovem chamada Jenya Sapir, que andou para um lado e para o outro naquela sala, mostrando de- senhos em diferentes paredes, apontando para cles enquanto fazia conjecturas sobre as relages entre linhas e curvas em seus desenhos. A ma- temitica que ela descreveu era uma matéria de imagens visuais, criatvidade e conexées, ¢ esta- va cheia de incertezas (Figs. 3.1 e 3.2). Ao longo do processo de defesa, 0s professo- res fizeram trés ou quatro perguntas, is quais a jovem confiante simplesmente respondeu: “Nao sei”. Com frequéncia, a professora acrescentou que ela também nio sabia. Seria muito incomum, em uma defesa de um doutorado em educagio que um aluno desse a resposta “nao sei”, pois is so seria mal visto por alguns professores. Mas a matematica, a matemitica real, é uma maté! jura 3.1 Maryam Mirzakani, vencedora da Medalha Fields, 2015. Fonte: cortesia de Jan Vondrak e Maryam Mirzakani de incerteza; ela trata de exploragées, conjectue ras e interpretagbes, nao respostas definitivas Os professores achavam perfeitamente cabjvel Jenya nio ter respostas para algumas das pergun. tas, pois seu trabalho estava desbravando te térios desconhecidos. Ela foi aprovada no dou. torado com louvor. Isso nao significa que nao existam respostas ‘em matemitica. Existem muitas coisas conheci- das e importantes que devem ser aprendidas pe- Jos estudantes. Mas, de alguma forma, a mate- mitica escolar distanciou-se tanto da matemé- tica real que, se eu tivesse levado a maioria dos estudantes para assistir & defesa no departamen- to de matematica naquele dia, eles nao teriam reconhecido a matéria 4 sua frente. Esse abismo entre a matemética real € a matemética escolar est no cerne dos problemas com a matemiti ca que enfrentamos na educagio. Estou convic- ta de que se as aulas de matematica nas escolas apresentassem a verdadeira natureza da discipli- na, nao teriamos esse desapreco por ela e tantos maus resultados na sua aprendizagem. ‘A matemética é um fenémeno cultural; um conjunto de ideias, conexdes ¢ relagées desenvol- vidos para que as pessoas compreendam o mun- do, Em sua esséncia, a matemética trata de p2- drées. Podemos colocar uma lente matemética sobre 0 mundo. E quando o fazemos, vemos par drées em toda parte; e é por meio de nossa com- preensio dos padrées, desenvolvida mediante 0 estudo matematico, que se cria um novo € po- deroso conhecimento. Keith Devlin, um ma- tematico reconhecido, dedicow um livro a es ideia, Em seu livro Matematica: a ciéncia dos pa- dries, ele escreve: Como a ciéncia dos padroes abstratos, qu se nfo existe um aspecto de nossas vidas que ‘io seja afetado, em maior ou menor fat» pela matemética; pois padroes abstratossi0 4 propria esséncia do pensamento, da com” nicacdo, da computacio, da sociedade ¢ 2 vida, (Devin, 1997) O conhecimento de padrées mateméticos ajudou as pessoas a navegar nos aceanos, pat” Jat misses ao espaco, desenvolver tecnologias Digitalizado com CamScanner Mentalidades matomdticas 23 Figura 3.2 Alguns dos itens de matem: Fonte: cortesia de Jenya Sapir ‘que movimentam telefones celulares ¢ redes so- ciais, e criar novos conhecimentos cientificos € médicos, mas muitos estudantes acreditam que a matematica é uma matéria morta, irrelevante para seu futuro. Para compreender a real natureza da matemé- tica, é Gtil consideré-la no mundo—a matemitica da natureza. Os padres que permeiam a natu- teza ¢a vida selvagem, as estruturas e precipita- ses pluviométricas, o comportamento animal € as redes sociais tém fascinado os matemdticos ha séculos. O padrio de Fibonacci é provavelmen- te o mais conhecido de todos. Fibonacci foi um matemitico italiano que publicou um padréo na Italia, em 1202, que ficou conhecido como sequéncia Fibonacci. Hoje, sabe-se que este pa- Adio apareceu hd muitos séculos, é em 200 a.C. na India. Bis a famosa sequéncia de Fibonacci 1,1, 2,3, 5,8, 13, 21, 34, 55 «+ discutidos na defesa da tese de doutorado de Jenya Sapir. Os dois primeiros ntimeros so 1 ¢ 1; os de- ‘mais si0 originados pela soma de seus dois ante- cessores. Hd algo muito interessante na sequéncia Fibonacci, Se seguirmos pela sequéncia dividindo cada niimero pelo seu anterios, obtemos ama ra- 0 que chega cada vez mais perto de 1,618. Ela € conhecida por proporgo durea, e esti em to- daa natureza. As espirais em pinhas, flores e aba- ceaxis, por exemplo, produzem a proporgio éurea. Se considerarmos flocos de neve, veremos al- {go mais que ¢ interessante, Cada floco de neve E tinico, mas todos eles possuem 0 mesmo pa drio, Todos 0s flocos de neve seguem o formato geral de um hexigono, entio quase sempre tém seis vertices (Figs. 3.3 e 3.4). Existe uma razio para isso: flocos de neve sio compostos de mo- Ikculas de Sgua, € quando a agua congela, isso corre em um padrao de hexigonos reperidos. ‘A matemdtica também é usada por animais, Recentemente, quando ministrei uma aula on-li- Digitalizado com CamScanner 24 — JoBonier Figura 3.3 A matematica em flocos de neve. Figura 3.4 Moléculas de agua. ne para estudantes de matemitica, assistida por mais de cem mil deles, mostrei a matematica usada pelos animais, algo que os alunos acharam, Inuito interessante. Os golfinhes, por exemplo, emitem um som que os ajuda a se encontrarem nna dgua (Fig. 3.5) Os golfinhos emitem seus sons estride racteristicos, os quais rebatem nos outros obj tos ¢ retornam para eles. O golfinho, entao, usa © periodo de tempo que leva para que o som re- tome ea sua qualidade para saber onde estao seus amigos. Intuitivamente, eles esta0 calculando um padrio ~ 0 mesmo padrio que os alunos apren- dem em aulas de algebra (com frequéncia repe- tidamente, sem conexio com uma situagio real). es cae Brinquei com meus alunos online dizendo que, se 0s golfinhos pudessem falar a linguager hu mana, eles poderiam ser professores de dlgebrat ‘Ao realizar uma pesquisa para meu cuse 0 line, minha aluna Michaela descobrin que ar nnhas s20 especialistas em espirais, Quando um aran \ ela primeiro cria uma for ma de estrela entre dois suportes verticais robu tos, como galhos de drvores. Depois a aranha co- ‘mega fazer uma espiral, Como ela precisa fazer essa espiral o mais répido possivel para reforgara estrela, ela escolhe uma espiral logaritmica. Nas logaritmicas, as distancias entre cada vol- ta sucessiva em tomno do centro aumentam sem- pre pelo mesino fator (Fig, 3.6). fece uma t Digitalizado com CamScanner iasbeimeern i i [ Se \\ Figura 3.5 Golfinhos se comunicam, Mentatidades matematicas 25 Figura 3.6 Uma teia de aranha, Isso significa que a espiral se expande para fo- Fa cada ver mais répido conforme fica maior. Mas «sa espiral logaritmica deixa muito espago na re- de, entio a aranha comeca uma segunda espiral, mais densa, Essa nova espiral é uma espiral arit- métiea, 0 que significa que as distancias entre as voltas da espital sio todas iguais. A segunda es- Piral leva muito mais tempo para ser feita, por- guea aranha tem que fazer muito mais voltas em torno do centro da estrela, mas ela ajuda a pegar ais insetos porque climina grandes espasos na ‘cia, Essa incrivel faganha de engenharia poderia ser construida usando eflculos, mas a aranha usa intuitivamente a matemtica ao criar e produzit seu proprio algoritmo, Para mais exemplos da m tematica usada por animais, ver Devlin (2006). nclo apresentei es ideias aos estudantes «em meu curso on-line, alguns deles mostraram-se resistentes, dizendo que a matemitica da natu- reza e usada pelos animais nao era matemtica, Os estudantes reconheciam apenas uma mate- miatica muito diferente: uma matemitica de ni- meros €contas, Meu intuito era fazé-los vé-la de uma maneiraampla e abrir seus olhos paraama- Digitalizado com CamScanner 26 — JoBoaler temitica real, ¢ 0 curso foi muito bem-sucedido nesse sentido, Ao final do curso, os participan- tes responderam um questionirio, ¢ 70% disse- ram que o estudo havia mudado a visio deles do que é matemética. Outro dado importante: 75% deles estavam convictos de que podiam ser bem- sucedidos em matemitica ‘A matemitica esta presente em toda a natu- reza, na arte e no mundo, mas a maioria dos es- tudantes nunca ouviu falar da proporgio durea e nem vé a matematica como o estudo de padrées. Quando no mostramos sua amplitude aos estu- dantes, negamos 2 eles a chance de experienciar a maravilha da matemitica. ‘Nao sou a tinica pessoa a dizer que a matema- tica escolar nfo é matematica real. © matemético Reuben Hersh escreveu um livro fascinante inti- tulado What Is Mathematics, Really? (O que é ma- temética, realmente?) (1999). Ele alega que a ma- temética se encontra seriamente deturpada nas sa- las de aula. A maioria dos alunos pensa nela como uma série de respostas — respostas para perguntas que ninguém fez, Mas Hersh assinala 0 segui Sfo as perguntas que orientam a matemé- tica. Resolver ¢ criar novos problemas ¢ a esséncia da vida matemitica. Sea matemé- tica € concebida sem considerar a vida ma- temitica, & caro que ela vai parecer morta, Numerosas pesquisas (Surver, 1994) demons- tram que, quando os alunos tém oportunidades para propor problemas matemticos, considerar ‘uma situagdo e pensar em uma pergunta mate- mitica a ser feta sobre ela — que &a esséncia da matemitica real -, eles se envolvem com mais profundidade e alcancam melhores resultados, ‘Mas isso raramente acontece nas aulas de mate. mética. Em Uma mente brilbante, filme que foi tum sucesso de bilheteria, os espectadores veem John Nash (interpretado por Russell Crowe) es- forcando-se para encontrar uma pergunta inte- ressante a fazer: a primeira e fundamental evapa do trabalho matematico. Nas salas de aula, os estudantes nao experimentam esse importante asso matemitico; em vez disso, eles passam seu tempo respondendo a perguntas sem vida, per- guntas que eles nao fizeram. Em meu livro Whats Math Got to Do with 12 (O que a matemdtica tem a ver com iss0?), dese a abordagem baseada na proposigio de questées matematicas em sala de aula (Boater, 2015a). O professor Nick Fiori apresentou a seus alunos situag6es mateméticas como pinhas, cartas de baralho SET,” contas coloridas, dados, porcas e parafusos, ¢ pediu que formulassem suas proprias perguntas. Inicialmente, essa foi uma adaptacio dificil para os alunos, mas, pouco a pouco ¢ com entusiasmo, eles aprenderam a usar suas proprias ideias, conduzir investigages ma- temédticas ¢ aprender novos métodos quando ha- via um propésito para isso. Ao longo dos anos, a matemética escolar tornou-se cada vez. mais desconectada da ma- temética usada pelos mateméticos ¢ da mate- mitica da vida. Os alunos passam milhares de horas em aula aprendendo conjuntos de pro- cedimentos e regras que jamais usaréo em sua vida ou em seu trabalho. Conrad Wolfram é diretor da Wolfram-Alpha, uma das mais im- portantes empresas de matematica do mun- do. Ele também critica sem rodeios 0 ensino tradicional de matematica, argumentando vi- gorosamente que essa disciplina nao trata de contas. Em uma palestra da TED Talks (www. ted.com) assistida por mais de um milho de pessoas, Wolfram (2010) propés que trabalhar com matematica tem quatro etapas: 1. Propor uma questio. 2, Passar da vida real para um modelo mate- mitico. 3. Realizar um célculo. 4, Passar do modelo para a vida real, para ver s¢ 4 pergunta original foi respondida, A primeira etapa envolve fazer uma boa pet gunta em relagéo a alguns dados ou a uma situa 40 ~0 primeiro ato matematico que ¢ necessé- tio no local de trabalho. O emprego que mais cresce nos Estados Unidos é 0 de analista de dados ~ alguém que analisa os conjuntos mas- ——___ * N. de RT: SET € um jogo com 81 cartas de figuras dife- Fentes que explora a percepsio visual eo raciocinio répido- Digitalizado com CamScanner sivos de dados que chamamos de “big data’, ¢ que todas as empresas hoje posstiem e faz per- guntas importantes sobre eles, A segunda eta- pa que Wolfram descreve & montar um mode- lo para responder & pergu zar um cileulo; e a quarta é levar o modelo de volta ao mundo para ver se a pergunta foi res- pondida. Wolfram assinala que 80% da mate- mitica escolar limita-se & terceira etapa — rea- lizar um célculo manualmente — quando essa €uma etapa que os empregadores nio necess tam de empregados para fazer, pois ela é execu- tada por uma calculadora ou um computador. Em vez disso, Wolfram propée que facamos os alunos passarem muito mais tempo nas etapas 1,2.e4 nas aulas de matemitica. que os empregadores precisam, ele argu- menta, € de pessoas que fagam boas perguntas, montem modelos, analisem resultados e interpre- tem respostas matemiticas. Foi-se © tempo em que os empregadores precisavam de pessoas pa- ra calcular. O que eles precisam agora é de pes- soas para pensar e raciocinar. Alista Forcune 500 compreende as 500 maio- res empresas dos Estados Unidos. Hé 45 anos, quando perguntou-se o que as empresas mais va- lorizavam em novos funcionérios, os resultados foram os seguintes (Tab. 3.1): Tabela 3.1 As habilidades "mais valorizadas” em 1970, segundo a Fortune 500 Eserita Habilidades computacionals Ha lidades de leitura Comunicagao oral Habilidades de escuta Desenvolvimento de carreira pessoal Pensamento criativo Lideranca Estabelecimento de metas/motivacs0 [=ETE|-|-[-[-18 Trabalho em equipe Eficiencia organizacional Resolugao de problemas Habilidades interpessoais | | | Mentalidades matematicas 27 ‘As habilidades computacionais apareciam em segundo lugar. Em 1999, a lista passou a ser a Tabela 3.2 As habilidades “mais valorizadas” em 1999, segundo a Fortune 500 Trabalho em equipe Resolugso de problemas Habilidades interpessoals ‘Comunicagao oral Habilidades de escuta Desenvolvimento de carreira pessoal Pensamento criativo Lideranga Estabelecimento de metasmotivasao s|-|-|-|--[-|-[-|- Escrita Eficignca organizacional Habilidades computacionais Habilidades de leitura ‘A computagao caiu para a peniiltima posi- ‘40, e as primeiras posigées foram tomadas por trabalho em equipe e resolugio de problemas. Os pais nao veem necessidade para algo que esté no cerne da matemiatica: a discipli- na. Muitos pais me perguntam: “Qual €0 sen- ido de meu filho explicar seu trabalho se cle soube responder & pergunta corretamente?”, Minha resposta é sempre a mesma: “Explicar seu trabalho é que, em matematica, chama- se de raciocinio, 0 raciocinio é essencial ina de matematica’. Os cientistas pro- vam ow refutam teorias produzindo mais ca- sos que funcionam ou no funcionam, mas ‘0s matemiticos provam teorias por meio de raciocinio matemitico, Eles precisam produ- 1 argumentos que convengam outros mate- miticos, ponderando meticulosamente sobre seu caminho de uma ideia para outra, usando conexées l6gicas. A matemética é uma maté- ria muito social, pois a prova se dé quando os matemiticos sio capazes de convencer outros matematicos das conexées l6gicas. Digitalizado com CamScanner 28 Jo Boaler Muita matemitica € produzida por meio de colaboracées entre matemiticos. Leone Burton estudou 0 trabalho de matemiticos e constatou ‘que mais da metade de suas publicagdes foi pro- duzida de maneira colaborativa (BURTON, 1999). Contudo, muitassalas deaula de matemitica sto ugares onde os alunos completam folhas de ati- vidades em siléncio. As discusses em grupo ou da classe inteira sio muito importantes. Além de serem 0 maior auxilio & compreensio — pois os estudantes raramente compreendem ideias sem discuti-las ~ ¢ de darem vida & matéria e envol- verem os alunos, as discuss6es em grupo tam- bém sio encontros em que os alunos aprendem a raciocinar e a criticar o raciocinio uns dos ou- tos, ambos fundamentais nas empresas de alta tecnologia da atualidade. Quase todos os novos empregos no mundo tecnolégico de hoje envol- vem trabalhar com imensos conjuntos de dados, fazendo perguntas sobre eles ¢ raciocinando so- bre roras. Conrad Wolfram disse que uma pessoa que ndo sabe raciocinar sobre matematica é ine- ficaz no local de trabalho nos dias atuais. Quan- do empregados argumentam e falam sobre rotas matemiticas, outras pessoas podem desenvolver novas ideias baseadas nas rotas, bem como ver se um erro foi cometido. O trabalho em equipe que os empregadores tanto valorizam baseia-se no raciocinio matematico. Pessoas que apenas dio respostas a célculos nao sio tteis no trabalho; clas devem ser capazes de argumentar sobre eles. ‘Também queremos que os estudantes racioci- nem em matematica, porque o ato de raciocinar sobre um problema ¢ considerar o raciocinio de utra pessoa € interessante para os alunos, Estu- dantes ¢ adultos se engajam muito mais quan- do recebem problemas de matemética abertos ¢ tém liberdade para sugerir métodos e caminhos do que quando trabalham sozinhos em proble- mas que requerem um célculo e uma resposta Apresentarei muitos dos bons problemas mate miticos ricos que exigem raciocinio e explica- tei algumas maneiras de crié-los no Capitulo 5, Outro problema sério que enfrentamos no 10 de matemdtica é que as pessoas acredi- tam que essa disciplina s6 lida com célculos que os melhores pensadores de matemitica sio os que calculam com mais rapidez. Algumas pes- en soas acreditam em algo ainda pior: q) so ser nipido para ser bom em matematica, Exis- tem fortes crencas na sociedade de que se voce é capaz de fazer um célculo rapidamente voce é uma verdadeira pessoa de matemética e é “inte- gente” Contudo, os matematicos, que poderfa- ‘mos considerar as pessoas mais capacitadas para ‘matemética, frequentemente sio lentos com ela, Trabalho com muitos matematicos, ¢ eles sim- plesmente nao séo répidos pensadores de mate- matica. Nao digo isso para ser desrespeitosa com les; eles sio lentos porque pensam meticulosa e profundamente sobre a matematica. Laurent Schwartz ganhou a Medalha Fields de matemitica e foi um dos maiores matemati- cos de seu tempo. Mas quando estava na esco- la, foi um dos pensadores de matematica mais lentos de sua turma. Em sua autobiografia, Um ‘matemdtico engalfinhado com seu século (2001), Schwartz reflete sobre seus tempos de escola ¢ sobre como ele se sentia “burro”, porque sua es- cola valorizava o raciocinio répido, mas ele pen- sava de maneira lenta e profunda: Sempre ve profunda incerteza sobre mi- nha capacidade intelectual; eu achava que nao era inteligente. E é verdade que eu era, ainda sou, meio lento, Eu preciso de tem- po para dominar as coisas, porque sempre preciso compreendé-las plenamente. Prd ‘mo ao fim da 2s série do ensino médio, se cretamente me considerava burro. Essa ‘uma preocupagio minha por muito tempo- Eu continuo sendo lento... Ao fim da 24 Fie do ensino médio, eu analisei a situagio € cheguei a concluso de que rapider nio fem uma relagio precisa com inteligén- cia, O importante € compreender profun- damente as coisas ¢ suas relagdes entre si- Bai que reside a inteligéncia, O faro de set rapido ou lento nao é realmente relevante- (Sctiwarrz, 2001), Schwartz escreve, como muitos outros mate- mitcos sobre a detutpagio da matematica N28 salas de aula ¢ sobre a matemaética tratar de cO- nexdes € pensamento profundo, e nao de cilculo Digitalizado com CamScanner ripido. Existem muitos estudantes n: matemética que pensam de maneira lenta e pro- funda, como Laurent Schwartz, ¢ que sfo leva- dos a acreditar que nao sao pessoas matematicas. Na verdade, a ideia de que matemtica significa fazer cilculos rapidamente deixa de fora grande parcela de estudantes, em especial as meninas, as- sunto sobre o qual falarei mais nos Capftulos 4 ¢ 7. Contudo, a matemstica continua sendo apre- sentada como uma corrida de velocidade, mais do que qualquer outra matéria — testes de ma- temitica de tempo limitado, cartées didéticos,* aplicativos de matematica cronometrados, Néo édde se estranhar que estudantes que pensam de maneira lenta ¢ profunda sejam excluidos da ma- tematica. Lideres nacionais, como Cathy Seeley, ex-presidente do National Council of Teachers of Mathematics (NCTM), também esto traba- Ihando para dissipar a ideia de que a matemé- é apenas para estudantes répidos, oferecen- do, em ver disso, uma nova maneira de profes- sores ¢ estudantes trabalharem produtivamen- te ¢ com profundidade (Seetey, 2009, 2014). O mito comum de que 2 matemética envolve rapidez € um dos que é imprescindivel dissipar se quisermos parar de fazer pensadores lentos ¢ profundos, tais como Laurent Schwartz ¢ mui tas meninas (Boater, 2002b), pensarem que a ‘matemitica nio é para eles. No préximo capitu- Jo, demonstrarei como a matemitica — espe’ mente ntimeros ¢ cilculos ~ pode ser ensinada de uma maneira que valoriza a profundidade e do a rapidez, que realga as conexdes cerebrais ¢ que envolve muito mais os estudantes. CONCLUSAO Iniciei este capitulo falando sobre a matemética ser diferente das outras matérias. Mas a diferen- ga da matematica nao se deve a natureza da dis- Giplina, como muitos acreditam. Ela se deve aal- gumas percepgdes equivocadas comuns sobre ela: +N. de RT: Os flashcards sio muito populares como mé- todos para memorizagio nos Estados Unidos. Mentalidades matematicas 29 que a matemdtica € uma matéria de regras ¢ pro- cedimentos, que ser bom em matemética signifi- ca ser ripido em célculos, que ela envolve apenas certezas ¢ respostas certas e erradas, e que a mate- ‘miitica s6 lida com ntimeros. Esses equivocos sio cometidos por professores, estudantes ¢ pais, ¢ fa- zem parte da ra7ao pela qual um ensino tradicio- nal defeituoso e ineficaz.se perpetua. Muitos pais detestavam matemitica na escola, mas eles ainda defendem o ensino tradicional porque acham que tem que ser assim: que o ensino desagradavel que experimentaram se deve & natureza desagradvel da disciplina. Muitos professores de matemitica do ensino fundamental tiveram experiéncias ter- riveis com ela e apresentam dificuldade para en- sinar a matéria, pois consideram que ela tem que ser ensinada como um conjunto drido de proce- dimentos. Quando eu mostro que a matemética real é diferente ¢ que eles nao tém que sujeitar os alunos & matemética que vivenciaram, esses pro- fessores se sentem verdadeiramente libertos e até euféricos, como veremos no Capitulo 5. Quando consideramos quantas das concepgdes equivocadas neste capitulo sio institufdos nas aulas de mate- mitica, podemos compreender mais facilmentea extensio do fracasso nessa disciplina nos Estados Unidos e em outros paises e, ainda mais impor- tante, que o fracasso ea ansiedade na matemiti casio completamente desnecessitios. Quando observamos a matemética no mun- do a matemética usada pelos mateméticos, ve- mos uma disciplina criativa, visual, conectada viva.Nas escolas, contudo, os alunos muitas ve- zes veem a matemética como uma matéria mor- ta—centenas de métodos e procedimentos a me- ‘morizar que jamais usario, centenas de respostasa perguntas que eles nunca fizeram| Quando se per- gunta as pessoas sobre como a matemitica é usada ‘no mundo, elas geralmente pensam em néimeros ce célculos—calcular hipotecas ou precos de venda =, mas 0 pensamento matemitico € muito mais do que isso. A matematica esté no centro do pen- samento sobre como passar o dia, quantos even- tos tarefas podem caber no dia, que quantidade de espaco pode ser usada para instalar um apare- Iho ou manobrar um carro, qual a probabilidade de determinados eventos acontecerem, saber co- ‘mo postagens em uma rede social sio propagadas Digitalizado com CamScanner 30 JoBoaler tas pessoas elas podem alcangat: O mundo 1 caleularrapidamen- 1 ser eq respeita as pessoas que saber rermas o fata & que algumas pessoas porter trait rps com niimeos € nao serem APAzeS dfs finer muita coisa com cles, enquanto Outres> {que sio mais vagarosas comeren MUltos TOS werbam fazendo algo incrivel com a matemtica. (Os pensadores porentes do mundo de hoje so aqucles que sabem calcular com rapider, cO- sado. Cilculos répidos, nos dias rotinei- mo era no pai atuais, sio plenamente auromatizados, ros e desinteressantes. Os pensadores eficientes sao aqueles que estabelecem conexes, pensam Jogicamente e usam espago, dadose ntimeros de modo criativo. (O fato de uma versio estrita e empobrecida da matemética ser ensinada em muitas escolas no pode ser imputado aos profesores. Os professo~ res geralmente recebem longas lstas de contetido a ensinar, com centenas de descrigées de contet- doe nenhum tempo para se aprofundar em qual- quer ideia. Quando recebem listas de contetido para ensinar, 0s professores deparam-se com uma disciplina que foi reduzida a suas partes basicas, ‘como uma bicicleta desmontada ~ uma poreio de parafusos ¢ porcas que se espera que os alu- nos lustrem © ano inteiro. Listas de conteidos thao inclliem conex6es; elas apresentam a mate. nitica como Se as COnEKBES Sequer existissem, Nao quero alunos polindo pegas soleas de uma bicicleta 0 dia inteiro! Quero que eles montem a bicicletas e pedalem livremente, experimen- tando o prazer da matemética, a alegria de esta- belecer conex6es, a euforia do verdadeiro pensa- ruento matematico. Quando abtimos a matemé: tica e a ensinamos de forma ampla, visual, cria- tiva, 0 que mostrarei neste livro, entdo também ‘ensinamos a matemitica como uma matéria de aprendizagem. E muito dificil que os alunos de- senvolvam uma mentalidade de crescimento se tudo 0 que fizerem for responder a perguncas {que acertam ou erram, Essas propria pergun- aay transmitern mensagens fixas sobre a mate- mitica, Quando ensinamos matemtica ~ ma- temética real, uma disciplina de profundidade econexGes —, as oportunidades para aprendiza- gem aumentam e as salas de aula ficam reple- tas de alunos contentes, empolgados ¢ engaja- dos. Os préximas cinco capitulos serio preen chidos com ideias sobre como fazer isso acon- tecer, assim como evidéncias de pesquisas que as embasam. all Digitalizado com CamScanner

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