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educacdo libertdria Teoria e pratica libertarias em educagdo Editora Suagindrie JEL Instituto de Zstudos Libertdrios SUMARIO NOTA DE APRESENTACAO 7 A EDUCACAO LIBERTARIA Hugues Lenoir 9 A COMUNA DE PARIS, A CULTURA E A EDUCACAO Paul Chauvet 13 HISTORIA DAS BOLSAS DO TRABALHO David Rappe 21 PAUL ROBIN E © ORFANATO DE CEMPUIS Jean-Marc Raynaud aT LA RUCHE: UMA EXPERIENCIA DE EDUCACAO LIBERTARIA ANTES DE 1914 Sébastien Faure 33 ENSINO Sébastiien Faure 39 © LUGAR DA ESCOLA MODERNA NO SEIO DO PROJETO LIBERTARIO Pere Sola Gussinyer 43 O PRIMEIRO CONGRESSO OPERARIO BRASILEIRO E OUTRAS FORMAS PEDAGOGICAS DE LUTA. Alexandre Samis 47 AS CONTRIBUICOES DA EDUCACAO ANARQUISTA NO BRASIL. Angela M. de Souza Martins 55 UNIVERSIDADE E ESCOLA LIVRES Jaime Cubero 65 ANARQUISMO E EDUCACAO Alejandro Tiana m OS ANARQUISTAS E A EDUCACAO SOB JULES FERRY Nathalie Brémand 19 "TEMPO DE APRENDER, TEMPO DE TRABALHAR, TEMPO DE LAZER: EDUCACAO INTEGRAL EM PAUL ROBIN José Damiro de Moraes 87 PEDAGOGIA FREINET: UMA CULTURA PEDAGOGICA RADICAL Helen dos Santos Lazaro 95 EDUCAGAO E CONDICIONAMENTO FB / Combat Syndicaliste 103 FAZER A PONTE José Pacheco 107 CONSTRUIR UMA EDUCACAO POPULAR Véronique Decker 111 MANIFESTO PRO-FEDERAGAO LIBERTARIA DE EDUCACAO LIBERTARIA MT A. ESCOLA ESTA MORRENDO Francesco Codello 121 BIBLIOTECAS, CENTROS DE BSTUDOS E ATENEUS: CULTURA E EDUCACAO ANARQUISTA ONTEM F HOJE Eduardo Cunha / Rodrigo Rosa 125 RESENHAS 131 BIBLIOTECAS, CENTROS DE ESTUDOS E ATENEUS: CULTURA E EDUCACAO ANARQUISTA ONTEM E HOJE Eduardo Cunha / Rodrigo Rosa! Ali damos conferéncias puram ente anarguistas, propagando nas reunides musicais ou literdrias nossos trabalhos revolucionérios. Nestes lugares, sentados & mesa de café, discutimos e nos vemos todas as noites. Ou estudamos na biblioteca. Fernando Tarrida de Marmol Edgar Leuenroth em uma palestra pro- ferida no Centro de Cultura Social em 1965? disse que ele, juntamente com ou- tros militantes e ope- rarios, passava todos os dias no sindicato, nem que nao tives- sem algo de concreto para fazer la. Edgar afirmava ainda que se ndo fossem ao sin- dicato parecia “faltar algo”. Esse “algo” pro- vavelmente era en- contrar seus compa- nheiros, prosear so- pas bre algum assunto da atualidade, se “inteirar” das noticias de outras sociedades operarias, acessar ma- terial libertario disponivel no espaco.. Notamos, assim, que a sociabilidade entre companheiros de luta é algo essencial. E essa convivéncia possibilita a edificagao de novas relacoes sociais, assim como o estabelecimento de uma cultura pré- pria dos anarquis- tas. Para o anar- quismo, a educagao ea cultura sempre foram elementos centrais para a transformagao so- cial desejada. Para m além de estarem Ma presentes no pen- SS samento e no dis- curso dos principais militantes, as expe- riéncias atestam essa forte atuacéio edu- cativa e cultural nos meios libertarios. Os anarquistas sempre realizaram seus mais rrr A 126 sinceros esforgos para concretizar a fun- dagao de escolas, bibliotecas, circulos de estudos e ateneus, tanto quanto para a pu- blicacao de jornais ou revistas. A luta pela aptopriacao do conhecimento, sua sociali- zag&o com os trabalhadores e a constante divulgacao das ideias sempre foram prati- cas concretas recorrentes no seio do movi- mento operario. Oeminente gedgrafo e anarquista Elisée Reclus dizia: “Queremos saber. Nao admi- timos que a ciéncia seja um privilégio, e que homens situados no cume de uma montanha (...) ditem-nos leis. (...) Nao acei- tamos verdade promulgada: fazemo-la nossa, antes de mais nada, pelo estudo e pela discussao."* E como ele, outros: Baku- nin, Faure, Ferrer, Robin, Pelloutier, Kropot- Kin e tantos outros. Muitos — uns conhe- cidos, outros anénimos — se dedicaram a pensar é realizar obras educativas e cultu- rais buscando sempre o fortalecimento dos oprimidos e excluidos, com a finalidade da total libertacdo de todas as opress6es. ‘A maioria destas experiéncias ocorreu sobretudo no final do século XIX e no inf- cio do século passado e sempre estiveram ligadas ao movimento dos trabalhadores e as sociedades de resisténcia operdrias. Nesta época, homens, mulheres e criancas da classe trabalhadora eram sistematica- mente excluidos do sistema de educacgaéo privado e estatal. Por nado terem acesso a instrucao tiveram como tinica opcao bus- car por si mesmos a sua formacdo intelec- tual. Dentre as variadas maneiras que esse processo ocorreu, uma das formas mais interessantes de realizacao pratica de uma nova cultura, baseada na auto-organiza- ¢4o e no autodidatismo da classe, foi a criagao de espagos livres e coletivos — ate- neus, bibliotecas, centros de cultura etc. — educacdo libertaria que possibilitavam aos trabalhadores o acesso a grande ntimero de obras cientifi- cas ¢ literarias, fomentavam discussdes sobre diversos assuntos e faziam circular informagées e noticias da conjuntura po- litica em geral ¢ do cotidiano operario, em particular. “Nestes locais”, dizia Fernando Tarri- da de Marmol em uma carta enviada ao jor- nal francés Le Révolté, é “onde instalamos as redag6es de nossos periddicos e os que chegam em troca vao parar no salao de leitura. Tudo isto com uma organizagao livre e quase sem gastos."* Fernand Pellou- tier, sindicalista revolucionario francés, afirma, ao escrever sobre o “servico de en- sino” oferecido pelas Bolsas de Trabalho francesas, que néo ha nenhuma delas “que ndo possua uma biblioteca e que nao faga grandes esforcos para enriquecé-la”, sempre com livros escolhidos e seleciona- dos com uma finalidade clara de instrugao para a classe trabalhadora’®. O custo de tal empreitada nao é alto e podemos dizer, inclusive, que é relativamente simples montar uma biblioteca ou um ateneu. Ainda mais se contarem com a solidarie- dade e 0 apoio dos grupos, coletivos e sin- dicatos, bem como dos préprios frequenta- dores, para sua manutencao. Térrida de Marmol descreve ainda que nos circulos de estudos e bibliotecas de Barcelona, em meados da década de 1890, “nao se é obri- gado a ser sécio, os que querem, querem e acontribuicao de 25 centavos ao més tam- bém € voluntaria.”* No Brasil tais praticas também eram muito comuns e renderam bons frutos. Vale ressaltar que tanto os centros de es- tudos como as bibliotecas fundadas por operdrios eram empreendimentos de baixo custo, pois necessitava-se apenas de uma Bibliotecas, centros de estudos e ateneus: cultura e educagaéo sala, alguns méveis, uma pequena biblio- teca e a vontade de um grupo de militan- tes, dispostos a dedicar parte de seu tem- po para manutencao do espaco e para as reunides em que se discutiam os proble- mas sociais que afligiam os trabalhadores e debatia-se a teoria anarquista. Essa pra: tica foi bem difundida nos meios liberta- rios no Brasil e alguns poucos estudos so- bre ela foram produzidos, sendo as refle- x6es de José Damiro Moraes’ ilustrativas desse esforgo de ampliar 0 escopo de atua- cao e de influéncia dos anarquistas no campo da cultura, da educacao e da forma- ¢4o dos trabalhadores. Diversos centros de estudos foram fun- dados entre as décadas de 1900 e 1930 em varias cidades. Uma das experiéncias que vale destacar — porém ainda merece ser totalmente desvendada através de pesqui- sas histéricas — é a da Biblioteca Social: A Inovadora, mantida em Sado Paulo pelo militante anarquista Rodolfo Felipe, que foi diretor de A Plebe por longos anos, com estreito apoio de um grupo de militantes libertarios. A Jnovadora oferecia em 1924 um servico de livraria, disponibilizando li- vros em diversas linguas para os interes- sados, fazendo circular no pais obras po- liticas e cientificas de renomados pensa- dores e escritores como Darwin, Kropotkin, Tolst6i, Reclus, Landauer, Michelet, Flam- marion, Mirbeau, Zola, Hugo, entre outros. A sede da Biblioteca ficava no centro de Sao Paulo e, encontrando-se aberta das 8h00 as 21h00, convidava os “camaradas, simpatizantes e amigos da literatura so- cial” a visité-la.? Como ela, muitas outras surgiram em diferentes partes do pais: Bi- blioteca Social Renovadora (Rio de Janeiro); Biblioteca Operaria (Sorocaba); Centro In- ternacional de Cultura (Rio Grande do Sul); 127 Centro Feminino Jovens Idealistas (S4o Paulo); Circulo de Estudos Sociais “A Se- menteira” (Sao Paulo). Sdo apenas alguns poucos exemplos, pois a lista é enorme e merece pesquisa detalhada por parte de militantes e historiadores. Além das bibliotecas ¢ centros culturais que, desde entao, sao considerados por muitos militantes como verdadeiras uni- versidades populares pelo seu alto grau de formacdo e instrucao dos seus frequenta- dores, hd também muitas experiéncias edu- cativas — escolas e universidades popu- lares — e de lazer — festas e piqueniques. Hoje em dia ha espacos como esses em atividade. Destacamos, com todo louvor, a sobrevivéncia por longos 80 anos do Centro de Cultura Social de Sao Paulo, fundado em 1933, e que, apesar das dificuldades, ainda tenta manter essa pratica viva e ativa, mes- mo em outros tempos e superando uma gama enorme de dificuldades. Ha também experiécias mais recentes no Brasil ¢ no mundo. Em Sao Paulo, a Biblioteca Terra Livre surge como uma continuidade de toda essa historia, sendo um espaco de produgao coletiva de conhecimento, formagao basea- da no apoio miituo e difusao do ideal e das praticas anarquistas. Fundada em 2009, a Biblioteca Terra Livre tem como principal projeto a constituicéo e manutencao de um. centro de documentacao anarquista, que busca preservar a meméria do anarquismo no Brasil e no mundo. Nela ha um acervo de aproximadamente 3 mil livros disponi- veis para consulta, além de jornais, revis- tas, panfletos, cartazes, videos e musicas. Para além do trabalho de documentagao, a Biblioteca é um niicleo de pesquisa e divul- gacdo do anarquismo, através de ativida- des periddicas como grupos de estudos, se- minarios, coléquios universitarios, debates 128 educacdo libertdria Bibliotecas, centros de estudos e ateneus: cultura e educacdo e exibigdes de filmes em escolas, sindicatos e outros espacos piiblicos. Dentre as ativi- dades, metecem destaque a realizacao de trés edigdes da Feira Anarquista de Sao Paulo, eventos marcados por uma enorme circulagao de pessoas — cerca de mil por edigéo — e pela possibilidade de reunido de diversos grupos dcratas de Sao Paulo e do mundo que tém a oportunidade de expor suas respectivas atividades, dentro de uma programacao cultural, incluindo palestras, rodas de debates, oficinas e exibicao de fil- mes. A Feira Anarquista 6 um excelente es- paco de contato entre o anarquismo e um ptiblico nao familiarizado com suas ideias e praticas. Desde 2011, a Biblioteca Terra Livre iniciou seus trabalhos também na area editorial. Até o momento foram publicados trés livros."° No Ambito do trabalho cotidiano a Bi- blioteca mantém grupos de estudos peri6- dicos com discussées quinzenais de varia- dos temas ligados ao estudo e reflexao dentro de areas do conhecimento como his- téria, educacao, geografia e filosofia po- litica. £ dessa forma que a Biblioteca Terra Livre segue a tradicao dos antigos ateneus, bibliotecas e centros de cultura anarquis- tas, pretendendo ser um espaco livre e autogerido de praticas de educagao liber- taria e de resgate e atualizacao da cultura anarquista. E este nao é um projeto isola- do. Trabalhamos juntamente com outros grupos, como: 0 Nticleo de Estudos Liber- tarios Carlo Aldegheri, da cidade do Gua- tuja; a Biblioteca Fabio Luz, do Rio de Janeiro; a Casa da Lagartixa Preta, de Santo André; 0 Centro de Cultura Social, de Sdo Paulo; 0 Instituto de Estudos Libertarios, de So Paulo/Rio de Janeiro. Sem falar na- queles projetos e espacos em outros paises do mundo que tivemos o prazer e a felici- 129 dade de visitar, compreendemos seu papel e sua atuacdo afinada com o que ocorre por aqui, e que nos levou, naturalmente, a estabelecer lagos de solidariedade. Dentre outros destacamos: 0 Grupo de Estudios José Domingo Gémez Rojas, de Santiago; 0 Ateneo Heber Nieto, de Montevidéu; o CIRA, de Lausanne; 0 Ateneu Enciclopédic Popular, de Barcelona; a Anarchistische Bi- bliothek & Archiv, de Viena e centenas de outros centros, ateneus, bibliotecas e ocupa- es espalhados ao redor do mundo. Antes, os ateneus, as bibliotecas e as es- colas anarquistas faziam parte da linha de frente do movimento contra os valores cul- turais dominantes ao difundir e participar efetivamente da criacéo de uma cultura operdria, libertaria e revoluciondria. Hoje, a situacdo e contexto sao outros: em tem- pos de cultura massificada em uma socie- dade atomizada, em que tudo concorre para aalienacao do individuo e a perda crescente da sua autonomia, o trabalho destes grupos (e de muitos outros) representa a continui- dade ea atualizacao da cultura anarquista, sempre em busca da resisténcia a cultura dominante e da criacao de alternativas pra- ticas de cardter libertario. Assim, esses espacos inspirados em nossa tradicao his- térica, mantém, apesar de todas dificulda- des, a mesma aspiracdo e finalidade das praticas dos velhos militantes de outrora. Notas: * Membros da Biblioteca Terra Livre. * Arquivo de dudio disponivel no site do Centro de Cultura Social: http:/www.cessp.org * Reclus, Elisée, A Evolugdo, A Revolucdo ¢ 0 Ideal Anarquista, Sao Paulo, Imaginario, 2002, pp. 51-52 130 * Tarrida de Marmol, Fernando, Carta A La Révolte (1890). Tradugdo nossa, Publicacdo prevista para o primeito semestre de 2013. * Pelloutier, Fernand, “Servico de Ensino", in MORIYON, FG. (org). Educacdo Libertdria, Porto Alegre, Artmed, 1989, * Tarrida de Marmol, Fernando, Carta a La Ré- volte (1890). Traducao nossa. Publicacéo pre- vista para o primeiro semestre de 2013. "CE. MORAES, José Damiro. A Trajetéria Edu- educacdo libertdria cacional Anarquista na Primeira Reptiblica: das Escolas aos Centros de Cultura Social, Dissertacao de Mestrado em Educagao, Facul- dade de Educagao UNICAMP, 1999, * Conforme antincio em A Plebe, 01/05/2924, ° Conforme antincio em A Plebe, 07/10/1922. '° As resenhas dos livros Escritos sobre Edu- cacao e Geografia ¢ Pela Educagéo e Pelo Tra- batho e outros escritos podem set conferidas a presente edicao da revista Libertdrios.

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