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MAX HORKHEIMER e THEODOR W. ADORNO (Organizadores — Institut fiir Sozialforschung, Frankfurt) TEMAS BASICOS DA SOCIOLOGIA Tradugao de ALVARO CABRAL ee Blauiorecay ¢ 66 Ab GUdt4 > e EDITORA CULTRIX SAO PAULO 28. Sigmund Freud: “Gesammelte Werke”, Vol. XIII (“Massen- paychologie und Ich-Analyse”), op. cil., pags. 71 © segs. 29. Cf. Paul Federn: “Lust — Unlustprinzip und Realititsprin- zip", em Internationale Zeitschrift fiir Artzliche Psychoanalyse, edigio organizada por S. Freud, Leipzig e Viena, 1941, Ano II, pigs. 492 € segs. 30. Cf. George Orwell: “1984”, Zurique, 1950. 31. René Konig: “Materialen 2ur Soziologie der Familie”, em Beitrage zur Soziologie und Sozialpsychologie, edicdo organizada por R. Kénig, Vol. 1, Berna, 1946. — Cf. do mesmo: “Abhangigkeit und Selbstindigkeit’in der’ Familie”, cm Abhangigkeit und Selbstandigkeit in sozialen Leben, ediggo organizada por Leopold von Wiese, Colonia, 1951; do mesmo: “Soziologie der Familie”, em Soziologie. Lehr- und Handbuch zur modernen Gesellschaftskunde, edicio organizada por Helmut Schelsky ¢ Arnold Gehlen, Disseldorf, 1955. — Cf. ainda: Hel- mut Schelsky, “Wandlungen der deutschen Familie in der Gegenwart”, Dortmund, 1953; do mesmo: “Die gegenwartige Problemlage der Fa- miliensoziologie”, em Soziologischen Forschung in unserer Zeit, ed. orga- nizada por Karl G. Specht, Colénia, 1951; Gerhard Wurzbacher: “Leit- bilder gegenwartigen deutschen Familienlebens”, Dortmund, 195} 32. Gerhard Baumert: “Deutsche Familien nach dem Kriege”, Gemeindestudie des Instituts fiir Sozialwissenschaftliche Forschung, Darmstadt, 1954. 150 x ESTUDOS DA COMUNIDADE A sociologia tem por objeto, segundo parece, uma partici pagdo na experiéncia imediata de cada homem e muitos acham surpreendente que se queira converté-la numa ciéncia; inclusive, a sua existéncia é freqientemente justificada mediante a pre- tensa complexidade da sociedade moderna, a qual prejudicaria uma boa visio geral das coisas. O extraordindrio aumento da populagéo em todos os paises, depois da revolugao industrial; 08 processos econémicos téo diversificados e interligados; a espe- cializacéo da maioria das fungées a cargo dos homens, tornam impossivel, segundo se diz, que se oriente na sociedade quem nio recebeu da ciéncia os esquemas que o guiem em sua tarefa. Em resumo, acusase a sociedade moderna de ser excessivamente “complicada”, com 0 mesmo argumento erréneo com que se dirige essa acusagao contra um homem. Continua sendo discuti- vel que se possa falar de sociedade complicada, em sentido estrito, e que a complicagio nao seja, pelo contrério, uma apa- réncia, uma parte da cortina que esconde o modo de operar do mecanismo social e os sacrificios que isso impoe. Em todo o caso, é licito suspeitar de que a coisa, em si, ndo € complicada mas, antes, que os individuos, investidos de sua fungio cognitiva pela diviséo das fungdes préprias da sociedade, baseada na divi- sto do trabalho, limitam-se a tal ponto as atividades particulares € técnico-préticas, que encontram obstruido 0 caminho para a compreenséo do todo. Semelhante estado de coisas reflete-se, por sua vez, nas teorias cientificas que louvam a renincia & compreensio do todo como prova de ascese cientifica ¢ reco- mendam a limitacfo ao conhecimento setorial como tinica ati- vidade ainda possivel. O que se pode afirmar com seguranca 1 € que a sociedade modema, como um todo, jé deixou de ser acessivel & experiéncia imediata, perceptivel em sua totalidale € em suas motivagies, no sentido em que podia sélo ume sone, dade agrétia pura ow mesmo uma antiga economia corponniva bana. Tal ordem de coisas encontrou sua expresso mo com ceito filosstico de alienagio social, que permitia derivilo da estrutura de uma sociedade de troca, baseada na divisto do tra- balho. Por conseguinte, a compreensio do que é socedade Parecia resultar do esforgo tedrico, Pee da filosofia e, de- concepcdes da teoria sociolégica. Esse esforgo para encontrar as leis que permitam um eneodiments conceptual do devir social alienado e jé nio transparente, em Gue a aparéncia ¢ realidade se misturam, ainda é , Nos ultimos anos, em relaggo as tentativas de teorizagao exegética saltou para o primeiro plano 0 outro impulso que jd se prenunciava na obra dos grandes tedricos subseqientes da sociologia, impregnados do espirito empirico e Positivista — isto ¢, o da comprovacao dos “fatos”. Com o progressivo ceticismo em face das teorias, também crescenram as apreensées sobre a complexidade do objeto. Os incontéveis fatos que estavam sendo recolhidos pareciam conver- ter-se em “‘materiais opacos” e destituidos de significado. Pro- curou-se afanosamente uma safda para essa situacio, um método que permitisse conjugar a certeza e 0 controle da ciéncia mo- derma com a possibilidade de esclarecer a coesdo do todo, em suas mituas relagdes. Por outras palavras, procuraram-se mo- delos e tipos da sociedade atual que fossem, a0 mesmo tempo, objetos concretos de investiga¢ao e concentrassem, como no foco de um espelho céncavo, a substancia difusa do todo. Na moderna sociedade de massa, que assistiu ao nascimento simultaneo da industrializagao e da urbanizacao, a cidade parecia oferecer-se como um modelo de estruturas ¢ tendéncias sociais tipicas. Para elas convergiram, rapidamente, as atengdes dos sociélogos. Entre as primeiras investigacdes empiricas em grande escala contaram-se as efetuadas sobre a metrépole e seus habitantes, iniciadas por Charles Booth a respeito de Londres (em 1886), a “Pittsburgh Survey”, iniciada em 1909, ou a “Springfield Survey”, sobre uma cidade de tamanho médio (em 1914). Estas pesquisas estavam animadas, mais do que por 152 uma intengav de inquérito objetivo, por um espirito de critica social: queria se mostrar como vivia'a maior parte dos homens. * Um ramo especifico da sociologia, a Ecologia Humana, iniciou depois a investigacao das relagdes entre 0 homem ¢ 0 meio ambiente, desde 0 ponto de vista das relagdes dos individuos humanos com as instituigdes sociais ¢ as formas de estruturacao social, orientadas, com freqiiéncia, segundo modelos de origem boténica e zooldgica.2 Ao mesmo tempo, estabelecia-se toda uma escola sociolégica em torno de Robert E. Park e seu pro- jeto de investigacio na Grande Chicago. * Mas as grandes metrépoles apresentam, em seus préprios limites, todas as caracteristicas de complexidade, excessiva opa- cidade e alienagio, que dificultam a orientacao da pesquisa; assim, o estudo da grande metrdpole deparava-se com as mesmas dificuldades com que se defronta o enunciado empirico sobre a sociedade como um todo. Dai a idéia de realizar investigagoes- -padrdes em cidades de dimensdes médias, nas quais era licito alimentar a esperanca de estudar as tendéncias para a urbani- zag3o e suas conseqiiéncias sociais, sobre um material ainda bastante circunscrito para permitir 0 seu abrangimento quase total.‘ Esses projetos estavam tacitamente animados da espe- ranga de extrapolar dos resultados das pesquisas em cidades mé- dias aquelas conseqiiéncias que se aplicassem a totalidade social, conseqiiéncias essas que, segundo se acreditava, seriam validas se os detalhes fossem examinados em profundidade e selecio- nados com a cautela necessaria para Ihes atribuir um cardter tipico.* A tendéncia para estudar um setor da sociedade esco- Ihido como modelo da totalidade levou & répida formacéo de uma nova disciplina especial, a Sociografia, iniciada pelo socié- logo holandés Rudolf Steinmetz, com a intengao de estudar paises e regides em sua “‘unidade concreta”.® Essa intencao original permaneceu depois em segundo plano, quando foi dada a primazia aos debates metodoldgicos sobre a relacéo entre socio- logia tedrica e empitica, sendo esta tltima aquela a que os sociégrafos desejavam equiparar a sua disciplina.? S6 eqn anow mais recentes € que se verificou um regresso aos re iniciais da Sociografia, como estudo do “problema @ espago, do tempo € da recfproca interligacao dos fatos, € opiniGes, a partir de uma situacao dada”.* Nesta » torna-se importante néo tanto a obtencio de enunciados gené- ricos mas a “compreensio intima das conexdes efetivas” e a 153 limit: tados” ‘As concepcées iniciais para o estudo de cidades médias couberam aos americanos Robert ¢ Helen Lynd.1° O trabalho destes socidlogos, apesar de toda a sua objetividade da exposi- G0, expressa 0 momento de autocritica da sociedade americana que dominou a década de 1920. Em toda a literatura da época, a descoberta do interior norte-americano desempenhou um papel decisivo, justamente sob o ponto de vista de que ele represen- tava a uniformidade da vida provinciana, a qual impressiona de imediato 0 observador pelas semelhangas fisicas de tantas cida- des pequenas e corresponde a condigdes econdmicas ¢ tecnolé- gicas que nao se encontram dessa mesma forma na Europa, por mais inconfundiveis que sejam as tendéncias nesse sentido. Lynd e seus colaboradores escolheram para estudo uma cidade média americana de Indiana que, em 1935, ano em que © programa de investigagao foi conclufdo, contava com 50 000 habitantes. © esquema geral do estudo abrangia nio sé as instituigdes e a dindmica das relagdes sociais mas também o clima cultural e politico — que era exclufdo das investigagdes de ecologia humana — e foi articulado em duas pesquisas su- cessivas sobre as transformacées estruturais da cidade nos perio- dos entre 1885 e 1925, e entre 1925 ¢ 1935, que abrangia um perfodo de intenso desenvolvimento industrial, com alternativas de “Boom” e Depressdo. O interesse dos Lynds nio se dirigia, em primeiro lugar, a obtengio de dados estatisticamente veri caveis mas & interacdo das condigdes socioeconémicas, por um lado, e das normas e concepgdes subjetivas da populacio, por outro, partindo-se do pressuposto de que a comunidade estudada € 0 seu desenvolvimento eram determinados, em grande parte, pelas formas que essa interacio adotava. da investigacio a ‘‘zonas e grupos claramente delimi- Numa cultura como a de “Middletown”, que atribui valor positive ao progresso ¢ ao mAximo bem-estar, a realizagio desses valores depende, na opinigo do investigador e, em’ especial, quando essa cultura atravessa um periodo de transformagées ré- Pidas e irregulares, de uma atitude de abertura as mudangas € nao de resistencia a estas. Se considerarmos a rapidez de algumas transformagées culturais registradas em “Middletown” nas Gitimas lécadas, a resistencia da comunidade 3 mudanga, a sua incapa- cidade para criar oportunidades que diminuam os préprios atritos internos, apresentam-se como um ponto negativo, em relacio aos valores reconhecidos pela prépria comunidade. 11 154 Com a repetigio da investigacéo sobre 0 mesmo objeto, os Lynds conseguiram, sobretudo, descrever as interagdes operon, tes entre a infraestrutura e a superestrutura sociais. Além disee, principalmente durante 0 petiodo de crise econémica, eles pu. deram demonstra que a cidade nao se comporta como wns ménada social mas, pelo contratio, depende dos processos que abrangem a totalidade da comunidade. A extraordindria influéncia exercida pelos dois livros dos Lynds decorre nao sé do seu rigor cientifico mas também da critica social que souberam incluir em sua pesquisa dos fend- menos tfpicos. Numa cidade do Centro-Oeste americano, esco- Ihida entre tantas e tao surpreendentemente iguais, a anélise dos dois socidlogos pés em destaque a monotonia, a padroni- zacio, a desolada existéncia que se comprova entre homens que convivem e ganham a vida num espaco vazio de tradicdes histéricas, sujeito apenas as leis econdmicas e 4 pressao confor- mista da “‘sociedade estabelecida”. Essas experiéncias j4 tinham sido registradas na Alemanha, nos comegos do século, como no surpreendente ensaio de Sombart, “Warum gibt es in den Ve- reinigten Staaten keinen Sozialismus?” (Por que nao ha socia- lismo nos Estados Unidos?),!? mas os Lynds imprimiram-lhes um novo impulso e dignidade empfrica. Em sua esséncia, 0 trabalho dos Lynds estava ligado 4 literatura de critica social norte-americana da década de 1920, cujos autores queriam mos- trar em que se converte o homem em condicdes de vida de que foram eliminadas as imagens, num universo descolorido e mo- nétono. Mas, ao mesmo tempo, desejavam evitar os perigos da generalizacao precipitada, que freqiientemente se infiltra na investigacao social, em forma de romance, e estimular os dotes de observacao do escritor com dados empiricos indiscutiveis. Muitas investigagdes seguiram o exemplo criado pelos Lynds. A maioria delas teve a intencao de anular a diferenga entre a experiéncia viva e a objetividade do conhecimento exato, sobretudo de tipo estatistico; todos esses estudos combinaram 0s métodos modernos de levantamento de dados com a pes- quisa de campo e, freqiientemente, com pessoas que participa- vam de modo ativo da vida das cidades médias estudadas — os chamados “participant observers” (observadotes participantes)."> Mas 0 espirito de critica social dos Lynds deu rapidamente lugar a um ideal de objetividade cientifica e desapaixonada, em cujo nome passaram ao primeiro plano os fatores de exatid’o de pro- 155 vas, sem cair quase nunca, reconhega-se, nos antigos métudos de ecologia humana, que eliminavam do campo de investigacao 1s opinides, convicgdes subjetivas ¢ idéias de valor. Essas inves- tigagdes mais recentes tendem a combinar os métodos préprios da sociologia com vs da psicologia ¢ antropologia, como acontece, por exemplo, nos trabalhos de orientacdo psicanalitica de John Dollard, onde a estrutura de uma comunidade americana trans- parece através de um ordenamento social das relagdes sexuais. * 'W. Lloyd Warner foi um dos primeiros a aplicar a0 estudo de uma cidade média americana de 18 000 habitantes da Nova Inglaterra os métodos de investigacao antropoldgica desenvolvi- dos no estudo de povos primitivos. Os resultados desse tra- balho foram publicados nos volumes da “Yankee City Series”.15 Warner conquistara prestigio por seus estudos sobre as popu- lages neoliticas da Austrdlia’® mas quis “aprender a entender melhor de que forma os homens resolvem os problemas que se thes apresentam em todos os grupos, sem conotagao de tempo e lugar”."? Para tanto, procurou a comunidade definida como “uma pluralidade de homens com interesses, sentimentos, com- portamentos e finalidades comuns, em virtude de sua pertenca ao mesmo grupo social”, !® como estrutura constante em toda © qualquer forma de sociedade antiga ou moderna: A miltipla variedade de grupos modernos e primitivos, apesar de diferirem muito entre si, € essencialmente de natureza idéntica. Com efeito, todos os grupos se encontram estabelecidos num determinado territério, transformam-no, em parte, com 0 objetivo de preservar a vida fisica e social do grupo, e todos 0s individuos que so membros do grupo tém, entre si, relagdes sociais diretas ou indiretas. 19 No primeiro volume da série dedicada 4 “cidade ianque”, a comunidade é descrita em sua vida cultural, sobretudo em relacao com a distribuigao horizontal dos seus membros em “clas- ses superiores e inferiores”.*° O segundo consiste num pro- fundo estudo das instituigdes sociais da cidade e nele se pretende Mostrar que os seus habitantes “‘vivem de uma forma bem orde- nada, na base de uma hierarquia mantida através das diversas instituigdes”.2" © terceiro volume é um estudo dos grupos €tnicos ‘minoritérios da cidade, irlandeses, franceses, judeus, oe loneses, e dos modos como se produz o seu afastamento dos habitos tradicionais e a adaptacio aos costumes de uma cidade média americana. 156 Na temética da transformacéo € estratificagao social se con- centrou toda uma série de pesquisas sobre cidades médias ame ricanas que, além disso, revelam situagdes peculiares e proble- mas especificos de diversas regidcs, como as tensdes entre negros © brancos nos estados sulistas, ¢ assinalam o seu significado para o conjunto da comunidade.** Subseqiientemente, foram efetuados estudos de comunidade em outros paises, como na Franca sobre a cidade Auxerre, ? na Alemanha sobre Darmstadt ou os estudos de Oeser ¢ Hammond na Austrilia. * Um outro setor de estudos deste tipo dedicou-se a inves- tigacZo das comunidades rurais. Neste caso, os principais pro- blemas estio relacionados com as transformacdes das aldeias, quando da modernizagao da vida social, da introdugzo de novos métodos de agticultura, da ampliagéo dos meios de transporte comunicaso vidtia, ¢ dos novos meios de comunicagao de massa, no quadro do desenvolvimento geral da sociedade. * Enquanto que a investigagao sobre as grandes cidades era mo- tivada, com freqiiéncia, pelo desejo de combater os aspectos negativos da vida social atual, muitas das pesquisas sobre as aldeias, em contrapartida, inspiraram-se na idealizacio romantica da vida rural, de acordo com o significado que era dado as categotias opostas de comunidade e sociedade. Mas, posterior- mente, sob a influéncia dos resultados experimentais j4 obtidos, a relagao entre cidade e campo, assim como os problemas espe. cificos da sociologia agréria, foram sendo integrados no contexto conceptual de uma dinimica geral da sociedade. Nesse ponto, vale recordar os méritos da “sociologia da colonizacao interna”, de Leopold von Wiese. No quadro teérico da sua doutrina formal de relagdes sociais, Wiese levou a cabo numerosos trabalhos de campo sobre as diversas formas de colo- nizagao interna. 77 Os estudos de comunidades européias, como Darmstadt, por exemplo, distinguiram-se, inevitavelmente, dos americanos, apesar de inspitados numa identidade de idéias, em virtude da auséncia de -um objeto delimitado e construfdo teoricamente como unidade social, como no caso de “Middletown”. A inves- tigago sobre Darmstadt teve que ser dividida em nove mono- grafias,”* tanto por razdes inerentes aos recursos financeiros mais modestos de que dispde a sociologia alema, como por certa caréncia de pesquisadores adequadamente preparados: “ Apesar 137 disso, € possfvel apontar um elemento comum nos nove traba- lhos, a saber: uma cidade moderna nao constitui, precisamente, uma unidade fechada sobre si prdpria; ela existe, outrossim, num contexto de relagdes funcionais com toda uma regiao e, em ultima andlise, com a totalidade da sociedade; é este, justa- mente, 0 ponto de contato com os Estados Unidos, sobretudo se tem em conta o desenvolvimento dos meios de trans- porte ¢ de comunicagio. Uma comunidade moderna, tanto na América como na Europa, nao se deixa tratar como uma autar- quia socioeconémica; € necessétio considerar as fungdes sociais que excedem sempre o ambito da cidade. No caso especifico da Europa, a questo consiste em saber até que ponto é licito falar de uma cidade média “tipica”. No caso de Darmstadt, a cidade ainda hoje se caracteriza, em grande Parte, por fatores que derivam da tradicio de antiga capital do Grao-Ducado de Hesse, apesar da queda da monarquia em 1918 ¢ da unificacao administrativa do antigo eleitorado de Hesse com a antiga provincia prussiana de Hesse-Nassau, no III Reich hitleriano. No cardter da cidade que foi a antiga residéncia ducal ainda é possivel observar 0 considerdvel papel repzesentado pela camada residual dos funcionérios da velha sociedade pala- ciana, 0 acentuado significado das diferencas de status social ¢ até a vitalidade de uma tradicao artistica, aspectos estes que distinguem Darmstadt, nitidamente — onde nao faltam, na verdade, importantes indtistrias — das cidades médias das re- gides industriais. Teria sido erréneo generalizar, por exemplo, os sintomas de falta de consciéncia das barreiras existentes entre as classes que se manifestou no comportamento da popu. lagao de Darmstadt, que foi destrufda em 80% de sua drea pelos bombardeios de 1945; em seu comportamento, nessas circuns- tancias, em face dos problemas de alojamento e reconstrucao, e converté-lo em comportamento tipico das cidades médias alemas ou mesmo de toda a Alemanha. O nivelamento das diferencia- g6es histéricas numa forma de vida social racional-igualitdria no € compardvel na Europa, nem de longe, com o que se veri- fica nos Estados Unidos, onde a resisténcia ao nivelamento nao se alimenta de qualouer heranca feudal. Por outras palavras, a procura de “modelos” socioldgicos pressupde, por sua vez, a exis. téncia de uma sociedade que manifeste tendéncias para se asse- melhar ao tipo ideal de um objeto das ciéncias naturais. Essa tendéncia existe, certamente, e € irrefutdvel até na Europa, 158 tendo os estudos sobre a cidade de Darmstadt contribuido, de modo considerdvel, para corrobord-la_ materialmente. Entre as tatefas que uma Realsoziologie critica pode se propor, nao seria uma das tltimas a de resolver os clementos ideolégicos que, com tanta obstinago, se apegam na Europa a categorias como a de individuo ¢ que sao hipostasiados, num abrir ¢ fechar de olhos, no instante em que deixam de ter existéncia na socie- dade real. IE certo que o esteredtipo da “jovem” América, em- penhada em percorrer o caminho da velha cultura curopéia, nao resiste A andlise € os resultados de varias investigagdes empiricas tornam ainda mais verossimil a hipétese de um gradual processo de americanizagio da Europa que, por sua vez, acarreta trans- formasées estruturais muito profundas da sociedade cutopéia ¢ nao & explicavel, simplesmente, pela ocupacio militar ¢ pela influéncia excrcida pelos Estados Unidos apés a IT Guerra Mundial. A insisténcia com que se afirmam certas supostas peculiaridades inaliendveis da Europa insere-se, precisamente, nessa tendéncia de americanizagio, dado que essas qualidades peculiares acabam se convertendo numa espécie de monopdlio natural que permite um lucro adicional no Ambito total das relagdes de troca. O estudo sobre Darmstadt foi dirigido pelo Institut fir Sozialwissenschaftliche Forschung daquela cidade, em combina- g40, particularmente importante nas fases finais, com o Institut fur Sozialforschung, de Frankfurt, e com o Institut fiir land- wirtschaftliche Betriebslebre, da Escola Superior Justus Liebig, de Giessen, tendo a iniciativa partido do Grupo de Trabalho adjunto ao Governo Militar americano e a responsabilidade administrativa ficado a cargo da Academia do Trabalho de Frankfurt. A coleta dos materiais foi iniciada de acordo com © principio de registrar todo e qualquer dado que pudesse ser comprovado sobre Darmstadt mas sem uma avaliagio aprioris- tica da relevancia que esses dados pudessem ter. Numa segunda fase de reorganizacao do estudo, foi preciso considerar a tarefa de determinar @ posteriori, no prdprio material, os principais Pontos de interesse tedtico, a partir dos quais a exposico foi sendo ordenada — um procedimento que a investigacio. social empirica deve seguir sistematicamente em tais situagdes. O carter “rural” da cidade, situada nas vertentes da Flo- resta de Oden ¢ ligada estreitamente 4 vida econémica do seu hinterland”, expressa-se de mancira inconfundivel até na sua 159 arquitetura. Tendo em consideracio essas caracteristicas de Darmstadt, procedeu-se a escolha de quatro povoacées relativ mente préximas da cidade, nas quais foram analisadas as com- plexas relagdes com Darmstadt ¢ se aduziram algumas conse- Qiiéncias de ordem geral sobre o problema da urbanizaséo na Alemanha e diversos problemas de sociologia agréria. Na prépria cidade de Darmstadt, 0 material da pesquisa cristalizou-se em torno do problema das relacdes entre a popu- lagdo e as instituigGes com que ela mantinha contato. A esta formulagdo correspondeu, no tocante ao método, o paralelismo da anélise institucional, de um ponto de vista objetivo — auto- ridades administrativas, escolas, condic¢des de habitacio ° emprego de questiondrios e entrevistas para coleta de opinides ¢ atitudes subjetivas da ulagao urbana. Os problemas dos trabalhadores foram estudados com base em suas opinides sobre os sindicatos e as condiges internas das empresas, como sendo as instituigdes que os afetavam mais de perto; o setor administra- tivo foi estudado sob o aspecto das relagdes entre a adminis- tragio publica e a populacdo; o setor mais complexo da pesquisa teferia-se aos problemas da juventude e da famflia, também neste caso sob o duplo aspecto das condigdes objetivas e até “fisicas” existentes na cidade, gravemente reduzida pelos bom- bardeios, e da influéncia de tais condigdes sobre os _sujeitos humanos. Assim, a idéia especifica de todo 0 estudo orientou-se no sentido de uma combinacao de sociologia institucional e de psicologia social. No setor das relagdes entre a cidade ¢ 0 campo depressa se apurou que os préprios fendmenos econdmicos do campo nao podiam ser entendidos apenas com os instrumentos da economia agréria, em sentido estrito, sendo indispensdvel recorrer a con- cepsdes especificamente socioldgicas, sobretudo nos casos t{picos de ‘pequena economia rural, que subsistem numa contextura social nao sé agréria mas também determinada, em grande parte, pelas atividades das pequenas industrias e do pequeno comércio locais. Uma monografia especial ®? pos em destaque que a cidade dé Darmstadt exercia uma crescente influéncia sobre todo o seu “hinterland”, quer no sentido econémico como nos planos social ¢ cultural, e'de uma forma desproporcional 4 influéncia inversa do campo sobre a cidade. As comunidades rurais transformam- -se, lenta mas incessantemente, em comunidades de residéncia de operdtios, camponeses ¢ operdrios-camponeses. Assim, 0 160 elemento campesino puro retrocede, por um lado, e insere-se, por outro, no desenvolvimento social geral, dando em resultado © aparecimento de tensdes sociais. A luz dos resultados do estudo, os esforcgos de “‘re-ruralizagio” apresentam-se extrema- mente probleméticos. © contato cotiliano com a influéncia urbana nao sé modifica a estrutura objetiva mas também a psicossocial; os vinculos tradicionalistas cedem lugar a conside- ragdes de ordem objetivamente econémica e as tendéncias a0 nivelamento de todas as formas de vida estendem-se_ também ao campo. Tipos intermédios como o trabalhador pendular, em vaivém entre o local de trabalho na cidade e a residéncia no campo, € 0 camponés com um segundo emprego, etc., comegam a representar um papel importante. As iniciativas campesinas deste ultimo tipo comecavam, entretanto, a declinar, sob a influéncia das tendéncias para a urbanizagao.® A propriedade rural ainda é, com muita freqiiéncia, um valor ideologicamente intocdvel_mas transforma-se economicamente, sem cessar, em capital. Mas as idéias de independéncia e auto-suficiéncia a ela vinculadas ainda estio solidamente atraigadas em grande parte da populagao rural e levam a conflitos de certo montante. A tendéncia objetiva para o progresso e a racionalizacéo choca-se ai, mais do que em qualquer outro grupo social. com o temor do desapossamento brusco que petdura na consciéncia do homem do campo. Mas a persistente tendéncia para a inércia do cam- pesino nfo se converte, romanticamente, numa suposta a-histo- ticidade do modo de producao campesino 3! — que jé nao existe nesse sentido, se é que alguma vez existiu. Precisamente no setor agrério, a sociologia empirica péde confirmar a tese teérica de que a transformacéo da superestrutura cultural ocorre mais lentamente do que a transformacio das condigdes materiais de producao. Se € possfvel generalizar aqui os resultados do estudo sobre Darmstadt, dirfamos que os elementos conser- vadores, de economia doméstica pré-capitalista, subsistem na consciéncia da populagao rural, a par dos elementos modernos, no sentido da cultura de massa — o esporte, o rédio, o cinema — quase sem nexo algum entre os dois pélos e sem que se tenha podido estabelecer entre eles as formas especificas da conscién- cia liberal-burguesa _e da formagao cultural burguesa. Essa “incontemporaneidade” da consciéncia rural reflete a situacio crise permanente do campesinato alemao, sé temporaria- mente resolvida nestes anos. A “defasagem cultural” do 161 campo constitui_um desses vacuos ideais © pcrigosos onde a propaganda totalitdria penctra com facilidade. Se existe uma conseqiéncia vélida para toda a sociedade que se possa aduzir dos dados da sociologia rural empfrica 6, justamente, @ da necessidade de uma transformagio das condigdes da cons- ciéncia no campo. Fica de pé a diivida, naturalmente, sobre se essa transformagio poderd ser apenas realizada com instrumentos de educagio ¢ nao pressupde também uma modificagio nas condigées materiais. Seja como for, o estudo sobre Darmstadt contribuiu para abalar em seus alicerces as idéias sobre a hu- manidade campesina, uma sobrevivéncia entre nés da idcologia nacional-socialista de “‘sangue ¢ terra”. A descrigéo das entidades administrativas de Darmstadt, 4 luz das consideragées gerais de sociologia administrativa deri vadas de Max Weber, foi realizada de acordo com categorias tais como as do formalismo, identificagio do funciondrio com a ins- tituigo, tendéncia expansionista, confeccionismo e exclusivismo da camada burocrdtica; e permitiu aplicar essas categorias a anélise da opiniao da populacao sobre a autoridade administra- tiva e sobre as suas experiéncias no contato com as repartigoes. Houve, inclusive, 0 cuidado de interpretar o resultado das pes- quisas de opiniao, reduzindo os diferentes tipos de resposta a tipos psicolégicos como a personalidade autoritéria e a perso- nalidade nao-autoritéria. O material escolhido para a investiga- cdo permite vislumbrar aqui uma ligacao possivel, na universitas literarum, entre disciplinas cientificas de natureza e orientagéo muito distintas — uma tarefa a que a sociologia nfo pode esqui- var-se se quiser evitar o perigo de ficar reduzida a um jogo vazio de formalismos sociais Ji foi dito que o setor mais complexo do Projeto Darmstadt foi o da pesquisa sobre a juventude. O estudo sobre “Escola ¢ Juventude numa Cidade Bombardeada”** proporciona numero- sas informagées a respeito, sobretudo, dos processos de ajusta- mento dos jovens. A resisténcia dos filhos de operdrios € menor, nas escolas superiores, que a dos outros estudantes, segundo parece, devido a um esforgo de compensagao de seu status social- mente desfavordvel e a um anseio de identificagéo com a ordem estabelecida. Um comportamento semelhante se encontra entre os filhos de fugitivos e os drfaos de pais. Embora a escola atual j4 nao seja um centro de terror como os descritos pelos romances alemies ainda do principio deste século, os momentos autori- 162 tdérios sobrevivem obstinadamente nao #6 entre os professores ¢ pais mas também entre os proprios extudantes, especialmente sob a forma de uma “consciéncia de privilégio”. Uma transfor- macio histérica surpreendente ¢, em contrapartida, aquela pela qual os jovens adquirem um sentido freqiientemente exagerado de tudo 0 que € prético, uma “determinacao realista das coisas” que é supervalorizada, Os depoimentos dos entrevistados sobre as catdstrofes dos bombardcios sao extraordinariamente sucintos — um resultado surpreendente mas que confirma a investigagéo realizada por Anna Freud em Londres.** A catdstrofe urbana rece estar subjacente, somada a todos os horrores do periodo Ritleriano, num processo coletivo de mudanga,O estudo sobre “Escola e Juventude” foi completado com uma monografia sobre uma classe de adolescentes,* realizada segundo as con- cepcdes da pesquisa “‘sociométrica”.*7 Entretanto, este método foi unicamente empregado pata a anélise qualitativa, sem clabo- tagdo matemética. Pediu-se a todas as jovens finalistas de um curso secundétio que escrevessem sobre o caréter de cada uma das suas colegas de classe e verificou-se, com clareza, que o grupo se articulava em duas “turmas” distintas”; por um lado, a turma burguesa-tradicionalista das “filhas de familia” e, por outro lado, uma minoria que se dedicava a copiar, na Alemanha, a imagem da “smart college girl” americana, tal como se difun- dita entre as colegiais alemas nos anos do pés-guerra. Este subgrupo sentia-se na oposicio mas até isto parece ser uma tendéncia para orientar-se pelo sistema de normas préprio dos teenagers, que vai se definindo gradualmente na Alemanha. Surge aqui o problema sociolégico bem mais amplo da “confor- macio pelo nao-conformismo”, por parte da oposigio social- mente canalizada. A investigacao sobre a “Juventude no Pés-Guerra” * ofe- rece resultados sociolégicos importantes, em geral, apesar da limitacao tematica do modelo, que se restringe & conduta ¢ rea- gGes da populacéo de Darmstadt. Apesar da guerra, da des- truigio pelos bombardeios, da desvalorizac’o e subseqiiente reforma monetéria, a diferenciago social continuava ainda cor- tespondendo a de antes da guerra ou, pelo menos, assemelhava- -se-lhe bastante. Também aqui a investigacio — através dos resultados de Darmstadt — submeteu a julgamento a tese, fre- aiientemente proposta. segundo a aual todos aaueles fatos teriam determinado, sobretudo, um nivelamento econdmico, social € 163 psiquico, da estrutura social alema, se bem que a controvérsia a tal respeito se encontre ainda bem longe da sua resolugao entre os adeptos da sociologia empirica. Viu-se que as diferenciacées ideolégicas se recompoem com maior rapidez que as materiais ou, melhor dizendo, sobrevivem como expresséo da consciéncia do status hierérquico, em suas bases materiais, enquanto que, por outra parte, as diferencas econdmicas tendem a acentuar-se de novo na Alemanha, ha varios anos. Em compensasao, a psico- logia da juventude no pés-guerra distancia-se substancialmente da imagem apresentada pela psicologia tradicional. O estudo da juventude escolar destaca os comportamentos rudimentarmente orientados para a autopreservacio e, de um modo extremo, para tudo 0 que é pratico, imediatamente acessivel, € isto foi verifica- do nao sé entre os rapazes de dez anos como também nos de catorze anos, aproximadamente; trata-se de um certo materia- lismo ou “concretismo” vulgar, levado a polarizages infantis produzidas sob a pressio das ‘circunstancias da época. Esta ligacdo com o “concreto”, hoje tao celebrada em todas as partes, nao impede que a juventude do pés-guerra se sinta insegura e procure um ponto de apoio nos novos poderes autoritédrios. ‘AAinda nao existem as condigées antropoldgicas de um verdadeiro espirito democrdtico. A monografia sobre a juventude comple- ta-se_ com _um estudo intitulado “Familias Alemas no Pés-Guer- ra”.*® Qs resultados obtidos neste estudo deixaram implicita a conseqiiéncia de que a instituicao da familia tradicional, geral- mente instdvel, encontrou uma nova solidez apenas provisdria no perfodo de emergéncia e na solidariedade que esta produz. O prognéstico orienta-se mais no sentido de um enfraquecimento dos vinculos familiares, positivo ou negativo, nao no sentido de um limite imposto pela estabilidade da familia & desintegra- Go social contemporanea, que é 0 inverso de todo e qualquer processo de integracio. No pode haver dtividas sobre as vantagens que a sociologia pode extrair das pesquisas de comunidade, a0 escolher esta como modelo circunscrito e passtvel de descticéo empirica. Foi possivel unir a tiqueza dos materiais coletados a um método de investigacao que combinou disciplinas complementares, ainda que divergentes, para se obter resultados esclarecedores que, de outro modo, nio teria sido conseguidos pela investigacio social. Os materiais que foram progressivamente surgindo ainda sio obscuros € nao diretamente significativos; mas isso também 164 no representa um fator inteiramente negativo. Insistia Max Weber em que nao se perdesse o gosto pelos fatos, dando pre- feréncia a teorizacao, com 0 que apontava uma exigéncia que nada tem a ver com a vulgaridade dos materiais, caricatura da febre colecionadora do erudito. Hoje, realmente, é necessdria uma grande quantidade de materiais alheios, de antemao, a transparéncia das categorias que irao ser obtidas, numa cultura demasiado impregnada de intengées interpretativas, de conheci- mentos nio previamente formados e coisificados_convencional- mente, ainda mais na Alemanha, onde a construcao socioldgica, mediante simples conceitos, “de cima para baixo”, foi profunda- mente comprometida pelos hébitos vergonhosos de um pen- samento que age por decreto, habituado a sobrepor os conceitos as coisas vivas, como se fossem outras tantas marcas de carimbo. E verdade que, com os estudos de comunidade, é possivel des- tacar num modelo muitas coisas que também sao geralmente validas e que, no conjunto da sociedade, talvez fosse impossivel abranger empiricamente. Entretanto, nem por isso desaparecem as preocupasdes epistemoldgicas. Se for isolada uma cidade média, mesmo levando em conta o seu “hinterland”, realiza-se, justamente, esse conhecimento da totalidade que se substitui pelo estudo de cada setor societdrio, em operacdes separadas. Mas ainda que se prescinda da questo de saber se existem cidades médias tipicas e do que consta essa tipicidade, continua sendo necessdtio equacionar o problema de principio, sobre se as for- mas de vida societéria observaveis numa cidade .média sao, de fato, realmente decisivas na atualidade ou se, pelo contrério, nao © sero algumas das metrdpoles industriais, que se oferecem com muito maior dificuldade aos métodos de estudo da comu- nidade. Sobretudo, as conseqiiéncias sobre o comportamento humano, em geral, que se aduzem de tais estudos, prestam-se a sérias objegdes. Na monografia sobre as autoridades adminis- trativas de’ Darmstadt, por exemplo, vemos que se comprova uma divergéncia entre a atitude dos habitantes em relacéo a essas autoridades e as experiéncias tidas, de fato, nos contatos com elas; mas se, na verdade, as opinides sobre uma repartica@o piiblica no dependem tanto da situacdo concreta na cidade em questo nem das experiéncias vividas nessa reparti¢io ou enti- dade mas, outrossim, da ideologia, do ambiente espiritual ¢ de determinantes sociais que pouco tém a ver com a comunidade estudada € que sé sio explicaveis em fungéo de condigées muito 165 mais amplas, ent&o, por certo, torna-se insustentavel a esperanga de obter uma pars pro toto. Em resumo, as investigagdes de comunidade também colidem com o fato, nao fortuito, da diver- géncia fundamental entre a teotia da sociedade, por um lado, e a investigacao social empirica, por outro. Esta tensio nao é simplesmente explicdvel pela falta de um sistema conceptual adequado ou pela insuficiéncia de fatos conhecidos e acessiveis. Em sua raiz hd um elemento de principio: a relacio entre aparéncia e esséncia na sociedade, em seu todo. Assim. os estudos de comunidade nfo satisfazem inteiramente, por uma Parte, os critérios formulados 4 imagem e semelhanca das cién- cias naturais, que a investigacao social empirica adotou e aue postulam o principio de repeticio, de controle isolamento dos fatores individuais, mas que nao chegam a dar-nos a esséncia das coisas; e, por outro lado, se os investigadores nado tem um conhecimento desde 0 comeco, esse conhecimento é, de qualquer modo, subseqiientemente dado. Entretanto, é razodvel ver nesses estudos uma das tentativas mais enérgicas que se fizeram para climinar a diferenca que existe entre ciéncia e sociedade, o que plenamente os justifica; e os resultados apresentados contribuem, freqiientemente, para a corregio das deficiéncias que afetavam tais investigagdes. NOTAS 1. Cf. Institut fiir Sozialforschung: Artigo “Sozialforschung, em- pirische”, em Handworterbuch der Sozialwissenschaften, edigao organi- zada por E. von Beckerath ¢ outros, Estugarda/Tibingen/Gattingen, 1954, seco “Geschichte”, pags. 420 € segs. 2. R. D. McKenzie, um dos iniciadores da Ecologia Humana, distingue-a das demais disciplinas nos seguintes termos: “Um_ simples estudo da comunidade como unidade de populacio tem o nome de Demografia; um estudo dos grupos populacionais ¢ das condiges de esta- belecimento'na terra chama-se Geografia; uma investigagao das relagdes entre os grupos de populacdo como unidades vitais tem o nome de Ecologia. © interesse principal concentra-se, em todos os casos, nas relagées entre os homens.” (Traduzido de R. D. McKenzie: “The Field and Problems of Demography, Human Geography and Human Ecology”, em The Fields and Methods of Sociology, ed. organizada por L. I. Bernard, Nova Torque, 1934, pag. 52.) — Uma delimitagio mais pre- cisa das investigagdes ‘de ecologia humana do mesmo McKenzie figura em seu artigo, “Ecology, Human”, na Encyclopaedia of the Social Sciences, Vol. V, pig. 314: “A ecologia ocupa-se dos aspectos espa- ciais das relagdes simbidticas entre os homens ¢ as instituigdes humanas. 166 Tende a descobrir os principios e os fatores que atuam nas formas varidveis de estabelecimento espacial da populagao e das instituigses, resultado da agao reciproca de seres vivos numa_cultura em perpétua transformacio.” —— A primazia atribuida as “relagdes simbiétical” exclal de antemdo as relagdes culturais dos homens convertidos em objeto de es- tudo, A “symbiotic society” em que se desenrolam os “processos de var riagio e equilibrio, de distribuigo ¢ transmissio de energia” é nitidamente distinta da “cultural society”. (Robert Ezra Park: “Human Ecology”, em American Journal of Sociology, Vol. 42, Chicago, julho de 1936, pags. 1 e segs. — Cf. também Emma C. Llewellyn e Audrey Hawthorn: “Human Ecology”, em Twentieth Century Sociology, edigao organizada por Georges Gurvitch e Wilbert E. Moore, Nova Torque, 1945, pgs. 466 e segs.; Pauline V. Young: Scientific Social Surveys and Research”, Nova Torque, 1949, pags. 429 ¢ segs, 491 © segs. P. H. Chombart de Lauwe: “Paris”, 2 vols., Paris, 1952. 3. Robert Ezra Park, Ernest W. Burgess ¢ R. D, McKenzies “The City”, Chicago, 1925. — Os interesses investigativos da Escola de Ghicago refletem-se nos titulos de algumas das monografias publicadas: Nels Anderson, “The Hobo” (1923); F. M. Trasher, “The Gang” (1927); Ernest Russell Mowrer, “Family Disorganization and_Family Discord” (1927); Louis Wirth, “The Ghetto” (1928); Ernest Theodor Hiller, “The Strike, A Study in Collective Action” (1928); Harvey W’ Zorbaugh, “The Gold Coast and the Slum” (1929); Albert Blumenthal, “Small Town Stuff” (1932). — Para a bibliografia sobre as grandes metropoles: Georg Simmel, “Die Grossstadte und das Geistesleben”, em Die Grossstadt, ed. org. por Theodor Petermann, Leipzig, 1903; Adolf Weber, “Die Grosstadt und ihre sozialen Probleme”, Leipzig, 1918; Werner Sombart, artigo “Die stadtische Siedlung”, em Handworterbuch der Soziologie, ed. org. por Alfred Vierkandt, Estugarda, 1931; Lewis Mumford, “The Culture of Cities”, Nova Torque, 1938; Stuart A. Queen e Lewis F. Thomas, “The City. A Study of Urbanism in the United States”, Nova Iorque/Londres, 1939; Noel P. Gist e Leroy A. Halbert, “Urban Society”, Nova lorque, 1933; Elisabeth Pfeil, “Grossstadtforschung. Fragestellungen, Verfahrensweisen und Ergebnisse einer Wissenschaft”, Bremen, 1950; Louis Wirth, “Urbanism as a Way of Life”, em Soziologische Forschung in userer Zeit, ed. org. por Karl Gustav Specht, Colénia, 1951, pags. 320 € segs.; Svend Riemer, “The Modern’ City”, Nova Torque, i952; Willy Hellpach, “Mensch und Volk der Grossstadt”, 2.* edicdo, Estugarda, 1952. 4. As dificuldades encontradas nas tentativas de ampliar as inves- tigagdes sobre a posigio dos operdrios em algumas fabricas de Chicago a esferas socialmente mais interessantes, levaram W. Lloyd Warmer a escolher como objeto de estudo uma cidade média: “Os tipos mais simples de comunidade, com populagio mais reduzida, instituigées sociais menos numerosas, mecanismos de criagao cultural e técnica menos com- plexos, proporcionam ao socidlogo um campo de pesquisa onde ele poder4 pér A prova os seus métodos e teorias. O estudo dessas formas de sociedade mais simples permitem-lhe equipar-se melhor para a and- lise de comunidades mais complexas.” (Traduzido de W. Lloyd Warner ¢ Paul §. Lunt, “The Social Life of a Modern Community”, New Haven, 1941, pag. 3. 167 5. Os resultados da investigagdo da “Yankee City” so, segundo Warner, validos para todos os Estados Unidos. Nela se encontram “os tragos caracteristicos € essenciais da estrutura social americana” (War- ner: “Structure of American Life”, Edinburgo, 1952, p4g. xiii). Mas também ¢ré encontrar ai alguns tracos fundamentais do comportamento social humano, em geral. — Esta hipétese est4 apoiada na definicao de “Community” como a 4rea espacialmente delimitada onde o homem pode desenvolver todas as suas fungées sociais. Portanto, ¢ considerada, do ponto de vista social, uma autarquia. Assim disse Maclver: “Cha- mamos community (comunidade) a qualquer grupo, grande ou pequeno, cujos membros vivem juntos, no sentido de que nao sé lhes € comum este ou aquele interesse especifico mas também as condigdes elementares da vida. Uma caracteristica especifica desse grupo é que o membro individual pode passar nele toda a sua vida. Assim € que se pode viver exclusivamente numa tribo ou numa cidade mas é impossivel fazé-lo numa organizacao econémica ou numa igreja. O critério fun- damental para definir a comunidade esta no fato de que ela abrange todas as relagGes sociais de uma pessoa.” Traduzido de Robert M. Maclver ¢ Charles H. Page: “Society”, Nova Torque, 1950, pags. 8 © segs.; ef. também, dos mesmos: “Community. A Sociological Study”, Nova Torque, 1930.) "— Cf. ainda Marie Lazarsfeld-Jahoda ¢ Hans Zeisel: “Die Arbeitslosen von Marienthal”, Leipzig, 1933; John Dollard: “Caste and Class in a Southern Town”, New Haven, 1937; Economisch-technolo- gische Instituuten: “Sociaal-economisch rapport Leeuwarden", Leeuwar- den, 1948; do mesmo: “Rapport betreffende de industriele ontwikkeling en mogelijkheden in de gemeente Zwolle”, Zwolle, 1950; Leon Festinger, Stanley Schachter ¢ Kurt Back: “Social Pressures in Informal Groups”, Nova Torque, 1950; Economisch-technologische Instituuten: “De ge- meente Elburg en haar bestaansbronnen”, Arnhem, 1952; C. von Dietze, M. Rolfes ¢ G. Weippert: “Lebensverhiltnisse in’ kleinbauerlichen Dér- fern/Ergebnisse einer Untersuchung in der Bundesrepublik 1952”, Ham- burgo e Berlim, 1953. 6. Rudolf Steinmetz: “Die Soziographie in der Reihe der Geistes- wissenschaften”, em Archiv fiir Rechts- und Wirtschaftsphilosophie, Vol. VI, 1913. 7. Assim, por exemplo, Rudolf Heberle (Artigo “Soziographie” em Handwérterbuch der Soziologie, op. cit., pag. 564), que entende por Sociografia uma investigagao “indutiva, tendente ao conhecimento formulado em nimeros e medidas”. 8. Ludwig Neundérfer: “Das soziographische Erhebungsverfah- ren”, em Empirische Sozialforschung, Wissenschaftliche Schriftenreihe des Instituts zur Férderung 6ffentlicher Angelegenheiten e. V., Vol. 13, Frankfurt-sobre-o-Meno, 1952, pag. 157- 9. Op. cit., pag. 158. 10. Robert S. Lynd e Helen M. Lynd: “Middletown: A Study in Contemporary American Culture”, Nova Torque, 1929; dos mesmos: “Middletown in Transition. A Study in Cultural Conflicts”, Nova Torque, 1937. 11. Lynd: “Middletown in Transition”, op. cit., pags. xvi ¢ segs. 168 12. Werner Sombart: “Warum gibt es in den Vereignitem Staaten keinen Sozialismus?”, Tubingen, 1906. 13. Cf. August B. Hollingshead: “Community Research: Deve- lopment and Present Condition”, em American Sociological Review, Ano 13, abril de 1948, pags. 136 ¢ ‘segs; Kurt Utermann: “Aufgaben_und Methoden der gemeindlichen Sozialforschung”, em Beitrége zur Sozio- logie der industrielle Gesellschaft, edigio organizada por Walther G. Hoffmann, Dortmund, 1952. 14, Dollard, op. cit. 15. “Yankee City Series” (dos seis volumes planejados foram pu- blicados até agora:) Warner ¢ Lunt, “The Social Life of a Modern Community”, of. cit. (Vol. I); idem, “The Status System of a Modern Community”; New Haven, 1942 (Vol. II); W. Lloyd Warner ¢ Leo Stole, “The 'Social Systems of American Ethnic Groups”, New Haven, 1945 (Vol. III); W. Lloyd Warner ¢ J. O. Low, “The Social System of the Modern Factory”, New Haven, 1947 (Vol. IV). — Um breve resumo de Warner: “American Life: Dream and Reality”, Chicago, 1953. 16. Warner: “A Black Civilization. A Social Study of an Austra lian Tribe”, Nova Torque, 1937. 17. Warner ¢ Lunt, of. cit., pag. 3. 18. Op. cit., pag. 16. 19. Op. cit. pags. 16 & segs. 20. Op. cit. pag. xi 21. Op. cit. 22. Allison Davis, Burleigh B. Gardner e Mary R. Gardner: “Deep South, A Social Anthropological Study of Caste and Class”, Chicago, 1941; St. Clair Drake e Horace R. Clayton: “Black Metro- polis”, Nova Torque, 1945; James West: “Plainville, USA”, Nova Ior- que, 1945. 23. Charles Bettelheim ¢ S. Frére: “Une Ville Francaise Moyenne: Auxerres en 1950”, Paris, 1950. 24. 0. A. Ocser ¢ S. B. Hammond: “Social Structure and Per- ‘onality in a City”, Nova Torque, 1954; O. A. Oeser ¢ F. E. Emery, ‘Social Structure and Personality in a Rural Community”, Nova Torque, 1954. 25. O estudo das comunidades rurais j& recebera um certo im- pulso durante 0 periodo roméntico. Somente lembramos aqui a “Agro- nomischen Briefe” (1812), de Adam Miller, e as descrigées das formas de colonizagéo na Rissia, da autoria de August Frhr. von Haxthausen. Monografias distintas, de acordo com os critérios cientificos rigorosos, ¢omegaram aparecendo nos primeiros anos do século: James M. Williams, “An American Town”, Nova Torque, 1906; Newell L. Sims, “A Hoosier Village”, Nova Torque, 1912; Warren H. Wilson, “Quaker Hill”, Nova Torque, 1907; sobre este assunto, cf. Carl C. Taylor, “Techniques of Community Study”, em Science of Man in the World Crisis, edigio organizada por Ralph Linton, Nova lorque, 1945, pigs. 416 © segs. — Diversa bibliografia sobre sociologia da sociedade rural: Laverne Burch- 169 field, “Our Rural Communities. A Guide Book to Published Materials on Rural Problems", Chicago, 1947: John H. Kolb e Edmund S. Brunner, “A Study of Rural Society”, Boston, 1946; David E. Linds- trom, “American Rural Life”, Nova’ Torque, 1948; Paul H. Landis, “Rural Life in Process”, Nova Torque, 1948; Charles P. Loomis, “Studies of Rural Organization in the United ‘States, Latin America and Germany", Lansing, 1945; Lowry Nelson, “Rural Sociology”, Nova Torque, 1948; N. L. Sims, “Elements of Rural Sociology”, Nova Torque, 1947; C. P. Loomis, “Rural Social Systems”, Nova Torque, 1950; Lucien Bernot e René Blancard, “Nouville, Une Village Francaise”, Paris, 1953. 26. “Villes et. Campagnes. Civilization urbaine et Civilization ru- rale en France”, edigio organizada por Georges Friedmann, Paris, sem data; Hans-Jiirg Beck: “Der Kulturcusammenstoss von Stadt und Land in einer Vorortgemeinde”, Zurique, 1952; Gerhard Wurtbacher: “Das Dorf in Spannungsfeld industrieller Entwicklung”, Estugarda, 1954; “Dorfuntersuchungen”, fasciculo especial n° 162 da revista “Berichte itber Landwirtschaft/Zeitschrift_ far Agrarpolitik und Landwirtschaft”, Hamburgo ¢ Berlim, 1955; para o estudo sobre Darmstadt, ver a Nota 28. 27. “Das Dorf als soziales Gebilde”, ed. organizada por Leopold non Wiese, Munique e Leipzig, 1928. — Sobre o método e outros dados hibliogréficos sobre a sociologia da colonizagio rural de Wiese, cf. Harriet Hoffman: “Die Bezichungslehre als sozialwissenschaftliche For- schungsmethode", em Soziologische Forschung in userer Zeit, op. cit., pigs. 25 € segs. 28. “Gemeindestudie des Instituts fir sozialwissenschaftliche For- schung”, Darmstardt 1952-1954. As monografias sio as seguintes: 1. Herbert’ Kétter: “Struktur und Funktion von Landgemeinden im Bin- flussbereich einer deutschen Mittelstadt”; 2, Karl-Guenther Griineisen: “Landbevilkerung im Kraftfeld der Stadt”; 3. Gerhard Teiwes: “Der Nebenerwerbslandwirt und seine Familie in Schnittpunkt lindlicher und stidtisher Lebensform"; 4. Gerhard Baumert: “Jugend der Nachkriegs- zeit/Lebensverhiltnisse und Reaktionsweisen”; 5. Gerhard Baumert (com a colaboragio de Edith Hunniger): “Deutsche Familien nach dem ie 6. Irma Kuhr: “Schule und Jugend in einer ausgebombten 7. Giselheid Koepenick: “Madchen einer Oberprima/Eine Gruppenstudie”; 8. Klaus A. Lindemann: “Behdrde und Birger/Das Verhaltnis awischen Verwaltung und Bevélkerung in einer deutschen Mittelstadt”; 9. Anneliese Mausolff: “Gewerkschaft und Betriebsrat im Urteil der Arbeitnehmer”. 29. Cf. Katter, op. cit. 30. Cf. Teiwes, op. cit. 31. Cf. W. H. Riehl: “Die Naturgeschichte des Volkes als Grundlage einer deutschen Social-Politik”, 6.* edigio, Estugarda, 1866. 32. CI. Griineisen, op. cit., pig. 88. 33. Cf. Lindemann, op. cit. 34. Cf. Kuhr, op. cit. 35. Anna Freud e D. T. Burlingham: “War and Children”, Lon- dres, 1952. 170 36. Cf. Koepenick, op. cit 37. Cf. J. L. Moreno: “Die Grundlagen der Soziometrie”, Cold- niae Opladen, 1954; G. Lindzey e E. F. Borgotta: “Sociometric Mea turement", em’ Handbook of Social Psychology, Cambridge, Mass, 1954, vol. 1. 38. 39. 40. “Objektivitit’ socialwistenschaftlicher, und sozialpolitischer Erkenntnis”, em Gesammelte Aufsétze zur Wissenschafts- lehre, Tubingen, 1951, pig. 214. 171

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