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LUIZ PERCIVAL LEME BRITTO BE EDUCACAO E PARTICIPACAO = . CULTURA ESCRIT Digitalizado com CamScanner DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAGAO NA PUBLICAGAO (CIP) (CAMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP, BRASIL) — eee bio, Ll Porcival Lome, 1957- Conia 0 consenso: cultura osctta, edueaglo e parlpagdo/ Luiz Percival ‘Lome Bitlo, ~ Campinas, SP : Mercado de Letras, 2009, ~ (Colegdo ldélas ‘sobre Linguagem) Bibiogata ISBN 85 7591-017-5 1. Allabelizap$o 2. Comunicagao escrita 9, Esela 4, Leltura 5. Linquagem ‘e educagdo 6, Portugués — Redagao |, Titulo, ll Sério, 03-2598 c00-370.11 Indice para catélogo sistemitico: 1. Educaeao e inguagem 370.11 2. Linguagem @ educagao 370.11 Colegdo Idéias sobre Linguegem ‘coordenagdo. Maria de Lourdes Moirolls Matencio ‘conselho edtoriat Jane Quitiiano Guimartes Siva JJuiana Alvos Assis Maria Boatiz Nascimento Docat Capa: Vanda Rotta Gomide Proparaeto dos origina: Ana Esa do Arruda Penteado ‘Rvisdcz Marla Marca Braida DIREITOS RESERVADOS PARA A LINGUA PORTUGUESA: (© MERGADO DE LETRAS EDIGOES E LIVRARIA LTDA ua Barbosa de Andrade, 111 ‘Teltax: (19) 3241-7514 CEP 13073410 Campinas SP Brasil www mereado-de-lotras.com bt Email ivros @mercado-de-etras.combr 2003 ‘Protida a reproduglo desta obra ‘Som a autrizagdo prévia do Esso. Digitalizado com CamScanner Capitulo 5 NORMATIVISMO LINGUISTICO x DEMOCRACIAT O gramatiquiamo nao 6 novidade no cenario cultural bra- siloiro, Ganhou, contudo, novo impeto nos dltimos tempos com odostaque que tom recebido da midia impreasa e tolovisiva, om artigos © programas que exploram de forma pretensamente podagégica os tépicos especificos da lingua contempordnea o Mm novos produtos pretensamente pedagdgicos. (Bagno 2000, donominou este movimento de ensinar o certo 4 gente simples, reproduzindo modelo normativos autoritdrios, de “comandos paragramaticais”.) Falemos claro: ao contrario do que afirmam os puristas, nao se fala malo portugués. A gente fala simplesmente, segun- do as necessidades e as circunstancias. E ridiculo afirmar que se infligem maus tratos contra a lingua cotidianamente; a gente trata a lingua com carinho, usa-a como seu maior bem. Nem é verdade que a lingua é dificil; basta ver que todo ser humano 1, Bste texto foi escrito a partir de Gramdtica de preconceitos, de autoria minha e de Wilmar D’Angelis ¢ publicado em Em dia: Leitura & Pritiea, 1997. 87 Digitalizado com CamScanner aprende a lingua de sua gente, e isto desde pequenino. Oimpeto nomnatizante 6 que nao passa de uma expressio preconceituo- sa, fundamentada om uma viséo autoritaria de sociedade e em conceitos anacrénicos e anticienttficos de lingua e de gramatica. E nao se deve pensar que o repertério que pretende sustentar a tese de que os brasileiros falam e escrevem mal & muito extenso. Além da questo da ortografia, os exemplos mais comuns sao erros de concordancia verbal ou nominal, regéncia de verbos, escolha e colocagéo supostamente imprépria de pronomes e emprego de palavras nao autorizadas, tais como neologias e estrangeirismos. Quase sempre, se corrige expres- sdes populares e insiste-se em casos idiossincrdticos e formas de uso restrito, algumas bastante incomuns. O discurso normativo se apdia na suposigao de que exis- tiria um padrao lingiifstico uniforme e mais elaborado, o qual pemnitiria aos sujeitos uma comunicagao mais eficiente e racio- cinio mais organizado. A fala popular — expresso de incultura - seria uma corrupgao da lingua culta, devendo ser corrigida através do ensino regular e do preceptismo. A Lingiiistica modema demonstrou definitivamente que nao ha linguas melhores ou piores nem variedade lingiiistica que ndo tenha gramatica articulada e consistente. Mais ainda, tem bem estabelecido que a variagao é intrinseca ao fenémeno das linguas humanas. A idéia de uma forma ideal de expressio oral e escrita e sua associagao a inteligéncia humana, que dominou o pensamento europeu até o século XVIII, resulta de uma visao simplista e etnocéntrica de sociedade, assim como a ficgéo de que uma lingua foi outrora homogénea e padronizada, sendo seus defeitos atuais conseqiténcia do uso, em particular do uso nao educado, Nao é por acaso que os defensores do gramatiquismo nao apresentam nunca o porqué de determinada forma lingjilistica dever ser como dizem que ela deve ser. Como a tinica fonte de que dispéem é a prépria tradigéo gramatical, seu argumento Digitalizado com CamScanner limita-se a afirmagao de que as regras sé0 como sao devido ao uso idiomatico da modalidade culta e a confissao de sua inca- pacidade de oferecer explicagao razodvel para a ocorréncia de formas lingiifsticas que ndo correspondam as preconizadas pela gramatica canénica. Pasquale Cipro Neto, por exemplo, afirma categoricamente que “o portugués esquisito dos paulistanos”, que falam “dois pastel” e “acabou as ficha”, é “inexplicdvel”! Ora, tal afirmagao mostra profundo desconhecimento do proces- so da variagao lingiiistica e da constituigdo das linguas naturais, As ocorréncias citadas apresentam um padro regular e perfei- tamente gramatical, conforme demonstram os estudos de sinta- xe e de variagdo lingiiistica desenvolvidos pelos centros de estudos lingiifsticos de todo o Brasil. © mais grave é que o preceptismo se traveste de um discurso democratico, em que o que aparece é a defesa dos direitos do cidadao. Os que insistem na idéia da lingua pura (ou, para eles, oficial ou padrao) dao a entender que o conhecimento de regras circunstanciais (que ele chama de “sintaxe dominan- te") permitiria ao sujeito ler e entender contratos e leis, de modo que aquele que sabe gramatica seria menos susceptivel 4 domi- nagao e a enganagao. Qualquer pessoa que tenha um minimo de experiéncia com textos desta natureza sabe que a dificulda- de de compreensao resulta da organizagao do discurso e do conhecimento do processo legal e nao do dominio de normas particulares. Nao foi por nao saberem o que é meséclise ou desconhecerem certas regras de formagao do imperativo que 40 mil brasileiros foram enganados por uma construtora. Isto nao quer dizer que nao exista relagao entre lingua e poder. Existe sim, e de duas formas: a primeira e mais funda- mental se manifesta na interdigdo objetiva do acesso aos bens da cultura letrada a maioria da populagao brasileira, o que sé se resolve com investimentos em educagao e uma politica econé- mico-social nao discriminatéria. 89 Digitalizado com CamScanner A segunda se dé exatamente através da pratica normati. vista. Apesar de nao interferir substancialmente no modo como as pessoas falam e continuardo falando o portugués (deste ponto de vista, é indcua), ela tem efeito perverso em nivel de representagao do que seja lingua, escamoteando o fendmenoda variagao e inculcando na sociedade a idéia de que existe um padrao lingilistico superior e que a maioria, principalmente og pobres, fala mal e pensa pior. Em outras palavras, o normativis- mo reforga 0 preconceito lingiifstico e social, sem trazernenhum beneficio a sociedade. A onda preceptiva parece ser uma reagao conservadora As novas propostas de ensino, particularmente Aquelas produ- zidas pela universidade brasileira e incorporadas pelos curricu- los das secretarias estaduais e municipais de Educagao e nos Parametros Curriculares Nacionais. Nao é casual que os que to veementemente denunciam os “maus tratos cotidianos infligi- dos ao nosso idioma” ignorem as pesquisas lingiiisticas contem- Poraneas, particularmente aquelas que buscam descrever 0 funcionamento e a estrutura do portugués do Brasil, como o Projeto da Gramatica do Portugués Falado no Brasil, levado adiante por varias universidades em seis estados brasileiros. O grande erro do preceptismo gramatical esta na postura anticientifica e conservadora de seus defensores, o que conduz @ uma percepgao equivocada do que seja o fenémeno lingiiisti- co. Imaginando uma lingua ideal que jamais existiu, a nao ser imaginariamente num periodo anterior a Babel, que faz parte do tempo mistico da Biblia crista, e ao mesmo tempo incorporando de maneira equivocada o conceito de variagao lingiiisticadesen- volvido pela Lingiiistica do século XX, os corretistas néo com- preendem, e por isso nao reconhecem, a dimensao real da diversidade lingiiistica numa sociedade industrial modema. Dentre os equivocos do normativismo o mais complicado e grave 6 a confusao que fazem entre norma canénica, norma culta e as normas e padrées de escrita. Digitalizado com CamScanner Anorma canénica — aquela consubstanciada nos compén- dios gramaticais — corresponde ao que Camara Jr. denominou gramatica do certo e errado e se limita ao nivel da frase e a algumas regras de estilo. If sustentada pela tradigao gramatical que, por sua vez, se apdia no chamado uso idiomatico das classes sociais privilegiadas, mais exatamente do segmento de classe que manipula com freqiiéncia a escrita e cujos repre- sentantes maiores sdo os escritores e académicos. Ainda que hipoteticamente se imponha tanto sobre as formas faladas e escritas, a norma canénica esta ligada a uma tradigao de escrita eexperimentou seu auge no final do século passadoenocomego deste, quando praticamente nao havia vozes que a contestassem. A variagéo admitida sera somente aquela que se manifesta entre os usuarios autorizados, isto 6, aquela registrada em textos eruditos e na pratica escrita dos literatos. Neste nivel de padronizag4o lingilistica, nao existe pro- priamente a nogo de autoria, isto 6, o que se estabelece como certo resulta de um aparente consenso que se estabeleceria em uma espécie de cAnone a ser seguido por todos os que quiserem falar corretamente. Nao é por acaso que Camara Jr. (1975) distingue gramética de disciplina gramatical, esta en- tendida como © conjunto de prescrigées que se estabelecem para impor uma norma lingtifstica no uso falado e escrito. Veiculam-na o ensino © a atividade dos graméticos. A disciplina gramatical procura fixar a lingua em suas formas, tipos de frase, vocabulétio, prontincia e ortografia. (p. 98) E a condigdo de disciplina que se superpée a qualquer autoria que faz com que a norma canénica tenha tanta forga na escola e na sociedade, a ponto de ser confundida com norma culta, ‘ 1 Digitalizado com CamScanner A norma culta, entretanto, define-se como a variedadg ingilistica falada polos segmentos sociais do classe média, utbanos e escolarizados. Ainda que alimente certos padtées de escrita e exerga forte pressdo no estabelecimento de novog padtdes normativos, ela ndo se conforma a norma cantnica, apresentando padrées sintaticos e lexicais que a norma canéni- ca consideraria errados, tais como a variagao na concordancia verbal, o sistema pronominal em que se misturam paradigmas de diferentes formas pronominais, a incorporagao constante de vocabulos estrangeiros, o apagamento de preposicgées em ora- bes introduzidas por que (relativas ou substantivas), além, claro, de estruturas tipicamente orais, como a organizagao do discurso em estruturas tépico-comentario e os truncamentos e reordenamentos sintaticos. E comum, contudo, a confusdo entre norma canénica e norma culta, tomando-se uma pela outra. Pasquale Cipro Neto, ‘um dos corretistas com maior evidéncia de midia atualmente, ao comentar na Folha de S. Paulo (05/02/1998) um uso que considerava inadequado do verbo extorquir em duas manchetes do jomal (policia extorquiu e libertou gangue da batida, diz delegado; e Policial acusada de extorquir gangue é presa), afirma que sua coluna “deve indicar o uso culto. Por mais que alguns lingitistas expliquem o motivo do erro, o que também fiz, o ero existe e deve ser combatido". Ora, os lingiiistas nao explicam "erros", mas sim ocorén- cias lingiifsticas em fungdo do padrao gramatical estabelecido na lingua; 0 erro sé existe no momento em que se estabelece um paradigma de corregdo exterior ao fenémeno gramatical. As evidéncias de que o uso de extorquir alguém (ao invés de extorquir alguma coisa de alguém) é admitido pela noma culta sao oferecidas pelo proprio articulista: nao apenas a forma aparece duas vezes em manchete, como muitosleitores dojomal € 0s proprios jornalistas nao viram nenhum problema nas man- chetes, apesar de evidentemente fazerem parte do segmento social que fala a norma culta. 92 Digitalizado com CamScanner provavol que o editor do Jornal dé razio ao artioulinta atyadigao normative d muito forte e entd Incorporada nag pratt: cas soolais © passe, a partir do agora, a tontar usar oxtorquir contorme preconiza 6 revinor, Into nfo significa, contudo, nem quo este tonha raxdo om Hou argumonto, nom que a focledade mudard sou modo do usar o avaltar an formas da ingua, f om fungdo do prost{gio social o do podor econdmico do sous falanton quo a norma culta se imMpdo como padrio, Assim, alnda quo a noma culta difira om muitos aspectos da norma canénica o alguns gramaticos insistam na postura normativa, o falante desta variodade néo 6 vitima do preconceitos ou avallagées negativas, isto 6, ndo se vorifica atitude de discriminago contra a pessoa por ela falar diferentomente do que manda a regra. Ffetivamente, a disciplina gramatical néo avalia da mesma maneira todo @ qualquer desvio da norma canénica. Ao contra- rio, elege, entre as diversas variedades ¢ registros lingii{sticos, certos pontos salientes, formas cuja realizagdo estigmatizam o falante. Ha, dentre os casos em que se manifesta claramente a variagao, alguns em que uma das varidveis recebe avaliacao marcadamente negativa, de tal modo que os que a falam sao tomados por ignorantes ou incultos. Em fungao dos pontos salientes passam a existir certos tipos de erros mais errados que outros, isto 6, avaliam-se dife- rentemente os deslizes ou desvios da norma canénica. Em nivel do léxico, por exemplo, sero mais estigmatizadas as formas identificadas como populares, Se alguém, mesmo em situagao formal ou de leitura, disser prépio ou invés de préprio, dificil- mente sofreré algum tipo de sangao por parte da audiéncia; ja se disser crareza ao invés de clareza seré motivo de piada ou censura. Em n{vel de sintaxe, a situagéo néo é diferente: dentro de um mesmo tdépico, como a concordancia sujeito-verbo, ha variagées admiss{veis (quebrou os dculos do Joao) e variagées inadmiss{veis (nds vai), Em certos casos, nem mesmo a diciona- tizag4o da forma 6 suficiente para acabar com o estigma, como corre com o verbo ponhar ou com o substantivo bujao, registra- 93 Digitalizado com CamScanner dos pelo dicionario Aurélio, mas ainda assim tornados como expresso de incultura. Também nao se confunde a norma culta com um nivel de registro mais monitorado - o chamado registro formal. Como ocorre em qualquer outra variedade, a norma culta se manifesta em diferentes niveis de registro familiar, coloquial, formal, muito formal, em fungéio das situagées de fala e do tipo de discurso. Mario de Andrade, por exemplo, procurou escrever dentro de estilo que bem poderia ser chamado de "coloquial culto", a exemplo do que fazem escritores como Raquel de Queiroz ou Luiz Femando Veris- simo ao redigirem suas crénicas. Uma missa caipira, por sua vez, ainda que celebrada em uma variedade nao-padrao, se realiza dentro de um registro bastante formal. Objetivamente a norma culta se opde a norma popular, assim como 0 latim das classes dominantes de Roma se opunha ao latim vulgar dos soldados e comerciantes. Nao é razoavel supor, contudo, que alguém falasse o latim cl4ssico - uma construgéo cultural dos gramaticos e literatos do classicismo romano, Num terceiro nivel de andlise, estao os padrées de escrita, que, apesar de sofrerem pressdes tanto da norma canénica quanto da norma culta, guardam caracteristicas préprias em fungéo das proprias condigées de discurso e de uso que os regem. Em nivel da frase, a variedade na escrita se manifesta menos em aspectos do tipo concordancia verbal ou nominal, e mais na selegao lexical, na organizagao sintatica, no encadea- mento das oragées e naqueles aspectos menos estigmatizados, como, por exemplo, no uso de preposigées, nas formas verbais no quadro pronominal. Mas é em fungao dos géneros textuais que mais se percebe que a escrita apresenta uma enorme gama de possibilidades ainda muito pouco estudada. Basta um olhar isento sobre qualquer grande jomal brasileiro para perceber que Opadrao lingiiistico de um editorial 6 substancialmente diferen- te do de uma noticia, que, por sua vez, difere muito do de uma crénica ou de uma entrevista. 94 Digitalizado com CamScanner fato de haver atualmente um afrouxamento normativo eum uso pragmiatico da escrita entre os falantes de norma culta tem aumentado a distancia entre esta e a norma canénica. E, uma vez que 0 acesso a escrita também se condiciona social- mente, a tendéncia natural é que as formas de escrita acabem por receber maior influéncia da norma culta, influéncia esta que seré maior em alguns géneros do que em outros. E isto, sem davida, tem incomodado muito os gramaticos tradicionais, sau- dosos de Coelho Neto. Raquel de Queiroz, com boa dose de ironia, em crénica tematizando o problema dos usos lingiiisticos, exemplifica bem esta questao. Os gramaticos andam bastante desesperados com o endosso que 05 meios de comunicagio esto dando, atualmente, a todas as deformagées usuais da lingua falada e que passam, tranqlila- mente, para a matéria escrita, Pronome, preposigio, tempos do verbo, anda tudo em mutagdo ou extingilo pura e simples. Nin- guém diz “o dia em que o muro caiu", mas apenas “o dia que 0 muro caiu”, Oragdes se comegam com variagao pronominal, com tranqiiila impunidade. Nao é s6 na giria carioca que se diz: “se segura, malandro”. Mas, outro dia, um articulista respeitavel, : “Se comentando as hesitagdes € recuos do governo, adverti: segura, presidente!”, Outra ofensa que muito irrita os entendidos so 0s latinismos recebidos por via do inglés, como, por exemplo, “midia”, do latim “media”, plural de “medium”; ¢ que eles pronunciam assim, j4 que a vogal ¢ tem 0 som do nosso... Como se nés precisdéssemos dos americanos para repetir as palavras da nossa lingua mie, o latim! Afinal se os padres abandonaram 0 latim, por que é que a gente nfo pode também abandonar uma reles preposigaio? (Jornal da Tarde, 01/12/1991) Digitalizado com CamScanner Ainsisténcia no ensino da gramitica canénica articula-se com trés nogées que nao se confirmam na analise das praticas sociais: a de que a agaéo normativa tem por finalidade evitar a cormupgao e a degradagao da lingua nacional; a de que achama. da norma culta é propria de relagées sociais formais, de modo que seu nao dominio implica a exclus4o do sujeito destas situa- gGes; e a de que seu conhecimento garante o acesso a determi- nadas expressées superiores de cultura e informagao. Quanto a questao da exclusao, é preciso ter claro que ela nao é lingiifstica, e sim sécio-histérica. A excluséo lingiiistica resulta da exclusao social e econémica e ndo sera porque fala como falam os privilegiados (como se isto fosse possivel sem que se mude as préprias condigées de vida do individuo) que o pobre deixara de ser podre. F necessario insistir no fato de que, se nao ha erro lingiifstico, como demonstram os estudos da sociolingiiistica, o que se quer chamar de erro resulta da avalia- gao negativa que um falante, ou grupo de falantes, faz do que outro falante ou grupo de falantes diz. Como na sociedade urbano-industrial hé sempre mais de uma variedade com queos sujeitos interagem, a chamada norma culta, por ser a variedade lingiifstica dos segmentos mais favorecidos, tem maiorprestigio e menos formas estigmatizadas, sendo, por isso, considerada mais “correta”. O dominio da norma culta nao resulta, ao contrario do que Pensa o senso comum realimentado continuamente pela pratica normativa, da escolarizagéo massiva ou do respeito 4 noma canénica por parte dos meios de comunicagao (que, majoritaria- mente, j4 apresentam um padrao lingjiistico préximo da noma culta), mas da convivéncia com situagées sociais proprias do segmento social que se identifica com ela. Nao ha dividade que a manipulagao intensa de discursos escritos, cujo padrao se aproxima da norma culta e lhe serve de referéncia, contribui para seu dominio, mas esta pratica se articula com um conjunto de condiges sécio-econémico-culturais. % Digitalizado com CamScanner A questao das situagées em que se exige registro formal também nao se resolve com o preceptismo. Em primeiro lugar, porque, na maioria dos casos, nao se trata de um nivel de registro, mas de um jargéo particular que se destaca das formas de uso comum, inclusive daquelas identificadas como préprias da norma culta, Trata-se, em outras palavras, de registros espe- ciais, cujo dominio faz com que o sujeito seja identificado com determinado grupo social ou com determinada atividade ou profissao. Isto vale tanto para jargées valorizados — os discursos juridicos, médicos, econémicos, religiosos -, quanto para jargo- es estigmatizados — a giria dos malandros, a linguagem dos trabalhadores rurais. E absolutamente falsa a idéia de que existe um Unico padréo formal ou superior que se sobreporia as diversas variedades. Se, efetivamente, queremos modificar a situagao de mar- ginalizagao e exclusao de boa parte da populagao brasileira, temos que reconhecer que nao é o dominio da variedade culta que permite 0 acesso ao conhecimento; ao contrario, 6 0 acesso acultura hegeménica e a informagao que amplia oconhecimento lingiiistico. Enfim, é preciso reconhecer que o preconceito contra as modalidades e formas de expressao populares é conse cia dos processos de exclusao e estigmatizagao sociais e que 0 estudo da lingua e da escrita deve necessariamente passar pela recusa de todo e qualquer preconceito lingiiistico. Assim como nao se admite dizer ao sujeito que deve mudar de cor ou de sexo para nao sofrer preconceito e ter melhores oportunidades so- ciais e profissionais, nao faz sentido usar o argumento do pre- conceito para justificar o privilégio de uma modalidade lingiifstica. én- 7 Digitalizado com CamScanner

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