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A Evolucao do Contraponto As teorias sobre a origem da mtisica séo intimeras, sendo as primeiras ligadas a personagens biblicos e figuras da mitologia grega. No entanto, sabe-se hoje que sua origem vern de muito antes, j8 com os sons proferidos pelo homem ancestral. Numerosas referéncias biblicas apontam para 0 apa- recimento da misica no inicio da formagao das primeiras tribos judaicas, através de cangSes de vitétia, luto, adoracao e salmos. Na Grécia antiga @ midsica recebeu forte influéncia oriental. Sua misica, considerada uma cién- cia 20 invés de uma arte, foi de grande importancia para o desenvolvi- ‘mento cultural do povo. A crenca no poder da influéncia da misica no comportamento humano assegurou-the lugar na vida politica, religiosa individual. Nao hé evidéncia, na misica grega, de que houvesse mais de uma li nha melédica independente e simultinea. Sabe-se apenas que as vezes a vor era dobrada 8 oitava, por outra vor ou instrumento. Eventualmente, duas notas poderiam set ouvidas simultaneamente, mas estes sons n&o eram organizacls e, portanto, néo caracterizavamn um pensamento harménico. Pouco se sabe a respeito dos sistemas musicais que antecederam aos ‘oregos, devido & falta de um sistema de notago musical. A misica da anti- ga Grécia estava associada a ceriménias teligiosas, magia, guerra, trabalho C rituals e hé evidéncias concretas que exemplificam a misica desta cultura. Suas escalas eram baseadas no tetracorde. A combinagéo conjunta ou dis- junta destes determinava a escala a ser formada. Os modos gregos diferen- iavam-se de acortio com seu caréter; seus nomes derivam das tribos gre- 15 gas. Estes modos no devern ser confundides com os modos eclesisticos {escendentes) utilizados na Igreja Ocidental.! No inicio da era crista, Roma tomou-se a autoridade eclesiéstica. O repert6rio de cantos origindrios desta cidade se espalhou por todo 0 conti- nnente europeu. A miisica dos romanos serviu de ponte entre as musicas egipcia, hebraica, grega e cristé. Consistia, na verdade, em uma imitagdo adaptagéo da miisica grega (Gleason, 19545). O cantochao representou a principal miisica da civilizago ocidental ‘por quase mil anos. E também a base da polifonia religiosa da Idade Média eda Renascenga. Era monofénico, cantado em latim, a cappella, com base nos oito modes eclesiasticos, ¢ utilizava principalmente movimento por grau conjunto, movimento contrério, assim como um Ambito restrito. Em sua corigem, foi influenciada principalmente pelas tradigées judaicas e pelos cantos das jgtejas cristé oriental bizantina, sitia e arménia. © cantochéo se constitufa em mtisica funcional, nao podendo ser desvinculada da liturgia. Na igreja ocidental, o cantochéo era conhecido por nomes diferentes de acordo com seu local: canto ambrosiano (Miléo), mozarabico (Espana), sgaulés (Franga) e gregoriano (Roma). Os cantos romanos se tomaram os ‘mais conhecidos como resultado de sua organizago numa colegdo, no an- tifonério romano do Papa Gregério, 0 Grande (590-604), adotados depois fem quase toda a Europa, daf seu nome de canto gregoriano. Era estrita ‘mente funcional e ligado & liturgia catdlica. Esses cantos dividiam-se em blicos (offcios, salmos, cénticos) e ndo-bfolicos (antifonos, hinos, seqiién- cias) conforme seu texto. Eram cantados de trés formas: antifonal (coros altemados), responsorial (solista alternado com coro) ou direto (sem alter- ago). Também foram classificados como silébicos, neumaticos ou melis- méticos, conforme a relagdo das notas com as sflabas. A sistematizagéo do cantochéo e seu material melédico em padiées definidos - eventualmente resultando nos cito modos eclesiésticos — levou varios séculos. A melodia dos cantos foi composta e cantada durante sécu- los antes de qualquer tentativa de sua classificagdo em padrées de tons ¢ semitons. Esta tentativa causou o aparecimento de uma teoria musical liga- da ao cantachdo. O desenvolvimento e a formulago desta teoria ocorreu entre 05 séculos VI e XI. " Muitosteéricos achavam que os moos elesices cram dervades dos modes ang. No entat © teérieo medieval no compreendeu bem o sstma grep, acareanda dileenses sgt ete ce med ecleststics eos antigos (Armes, 1ST2G8). Apenas elguns ormes dos motos era fa as esas anges era descendents, a primer nlando-e com a nots rl 0,1) ase eves, exendenfes,comeganda com rm, Sl 16 (Os modos eclesifsticos surgiram no século IX, com os nomes protus (modos 1 ¢ 2), deuterus {modos 3 e 4), tritus (modos 5 e 6) e tetvardus {modos 7 e 8), formando a base dos cantos adotados pela igreja catdlica para seu culto, No entanto, seu desenvolvimento foi um processo grad vo, atingindo seu amadurecimento somente no século XI. Os modos eram reconhecidos pela sua extenséo, finalis e confinalis* A sislematizacao destes modos passou para a histria gracas aos te6- ticos medievais. Durante os séculos Vill e IX, esses tebricos convenceram Carlos Magno a acrescentar mais quatro modos, completando-se urn total de doze (Miller, 1941:9-10), de tal forma que, todos os tons pudessem ser- vir de base, exceto © modo iniciado com a nota si (modo Iéerio), © qual posstti uma quinta diminuta (Zamacois, 1986, vol. 3:395). A pratica dos cantos permitia a modificagao de melodies pré-existentes. Como resultado disto surgiram, em forma de manifestagio criativa, inter polagées de novos textos e melodias chamadas tropas e seqiiéncias. No sé- culo IX, passou-se a usar tropas verticais, acrescentando-sedhes material novo, acima ou abaixo do texto original, 20 invés de colacé-lo no corpo do mesmo. Esta significativa mudanga na maneita de se cantar a mtisica gre- gotiana gerou 0 principio da polifonia. Nos tratados Musica enchiriadis ("Manual de Mésica") e Scholia enchiriadis ("Notas sobre o Manual"), am- bos anénimos do final do século IX, pode-se observar esta nova forma de cantar, através de vozes superpostas. O novo procedimento denominow-se organum, a primeira tentativa de polifonia No final do primeiro milénio da era crista, portanto, ocorreu uma das maiores contibuigées & historia da misica: o advento da polifonia através do acréscimo de uma segunda vor & monofonia em movimento paralelo. A melodia gregotiana passou a ser chamada vox principals, enquanto a voz acrescentada, uma quarta abaixo, vox organalis (Exemplo 1). Com o passar do tempo, 0 organum {organum paralelo: c. 900-1050) tomou-se a sobre- posicéo de varias vozes, em forma paralela, em intervalos de quartas, quintas e oitavas (Exemplos 2 e 3). Exemplo 1 ~Organum a quer eboivo, SSS * Finals € 0 equvalene nla po slam moda confinae gual & deminane, "7 Exemplo 2 ~ Orgonum & quit 2 Exemplo 3 ~ Orgonum paraielo a otava, Ao longo deste seu desenvolvimento, foram introduzidos 0 movimento obliquo eo movimento contrério (c. 1050-1150), possivelmente na tentati- va de evitar © tritono causado pelo movimento paralelo em quartas & quintas, Exemplo 4 = Movimentos. === aes Movimento. Movimento. Movimento Movimento parle cbliquo similar contro © organum chamado livre, afastava o uso estrto do movimento pa- ralelo (Exemplo 5), O intervalo de segunda maior, assim como o de terca maior (entéio considerado uma dissonaincia), aparecem como notas de pas- sagem entre os intervalos de quarta ¢ unissono. Surge dai a possibilidade de criar-se duas linhas melédicas indepencentes. Exemplo 5 ~ Organum fore. |e se Sy Rn-bo-rim aterm snr= amen ee age acmoraue.e Tey eon Os organa, paralelo e obliquo, foram utilizados inicialmente nas se- ‘ses corais da liturgia, O organum livre, por outro lado, era empregado ex- 18 clusivamente nas partes solo dos cantos, principalmente nos Alleluias, Ca- racterizava-se “(1) pela énfase no movimento independente da voz, (2) pelo uso de cruzamento de vozes e movimento conirério, (3) pelo freqiente acréscimo de uma vor acima do canto, (4) por set cantado por solistas, ¢ (5) pela expansao da conscientizacéo da polifonia, controlada pelos inter- valos” (Wilson, 1990:121). Conforme Utich & Pisk (1963:59), 0 aparecimento do organum se constitui em uma mudanga radical no status da melodia e sua natureza. Quando se ouve uma tinica melodia, notas individuais so subordinadas a0 desenho geral da melodia. Ao acrescentar outra voz, cada nola acquire uma relaggo vertical com a nota acima cu abaixo dela. As duas notas si- multéneas formam um intervalo musical, percebido néo apenas como a soma de duas notas, mas como um novo fendmeno tonal integrado. A atengo sobre a primeira linha melédica & desviada para o resultante vert- cal, Eis que um novo ingrediente penetra na consciéncia musical: o pensa- mento vertical. Mais tarde, este pensamento sistematizado veio a ser deno- minado harmonia, mas por ora existe apenas um pensamento verticel n&o- sistematizado decorrente da sobreposigéo das vozes, organizacias como in- tervales a partir da voz principal. Durante o século XI a vox organalis tome-se cada vee mais indepen- dente. Os intervalos consonantes de unissono, quarta, quinta e oitava, S80 misturados e nao aparecem apenas em movimento paralelo. Os intervalos dissonantes, especialmente as tergas maiores e as sexlas menores, 520 mais freqiientes. O movimento contrério 6 usado, com maior freqiléncia, dentro da frase e no s6 nas cadéncias. O eruzamento de vozes toma-se mais co- mum e, quando aparece o titone entre as notas f& e si, esta tltima é subs- tituida pelo si-bemol. Em alguns exemplos, a vox organalis aparece acima € nao abaixo da vox principalis,fator de grande importancia no desenvolvi mento da estrutura polifénica. Grupos melisméticos na vox organalis sur- gem sobre uma tinica nota da vox principalis, a qual recebe o nome de te- rnor (do latim "tenere", sustenter). A eparente simplicidade do organum pa- ralelo abriu caminho para dues conseqiléncias importantes no desenvolvi- mento da linha melédica: a possibilidade de se ouvirem duas vozes simul- taneas (com todas suas implicagées), e 0 uso da melodia pré-existente como base de uma nova composico. No século XII surge 0 organum florido (ou melismético) com a melo- dia gregoriana na vor inferior em notas longas, e melismas na vor superior com frases de duragées variadas (Exemplo 6). Conseqiientemente, as obras, passaram a ser mais longas, e a voz inferior, 0 tenor, perde seu caréter ini- 19 cial de sustentar uma melodia espectica, uma vez que as notas longas per- dem seu caréter melédico. Exemplo 6 ~ Organum melimético, : ty se No final do século XII surge 0 estilo discanto, onde a voz do tenor ‘nao contém notas longas, mas sim, notas com ritmo medido (Exemplo 7). Quando o texto na melodia gregoriana original era sildbico, ou seja, quan- do havia pouces notas para cada sfaba, usava-se 0 organum com 0 tenor em notas longas. Nos trechos onde originalmente existia um texto melisma- tico, isto 6, vérias notas para uma s6 sflaba, o fenor passou a receber notas de valores menotes, afim de n&o prolongar demais a composigao. Exemplo 7 ~ Exo Diccanto, Do- = - - : - - - Estes trechos, construfdos sobre fragmentos melismaticos do canto- cho no estilo discantus, passaram a chamar-se clausulae (Exemplo 8). O mesmo texto era utiizado para as duas vozes, Cada clausula era distinta e com sua prépria cadéncia (Grout, 1980:93). Exemple 8 — Clausula sobre “nastrum” (Lonin: inicio do verso Alleluia Pascha rostrum) 4. = > Ser ee) SSSSSSSSSSSSSS==== Pas : ha 20 Léonin, grande expoente da Escola de Notre Dame na metade do sé- culo XIll, combinava passagens de organum, no estilo florid, com discan- tus, utlizando-se de clausulae, Aos poucos, 0 organum purum foi perdendo sua forca para o estilo discantus, tomando-se @ clausula uma composicso quase independente. No momento em que cada voz deste género recebia Seu proprio texto, surge o moteto (da palavra francesa mot significando “palavra') com o cantus firmus na vor inferior, Exemplo 9 ~ Meteo: “Pucelete - Je longus - Domina” Teplum Pucele> te feleet a-ve jan, Jonlt ete, | potieet plat fsa, Jo tan = |i des us 3 - fours; [Mieus aim | as sez Domino] a F Lasedo-te huge dese ant [Mitt igs, [jobisenovoi- fier aman. Pérotin, sucessor de Léonin, e seus contemporéneos, continuaram a desenvolver 0 organum, sem mudar sua estrutura basica constitulda por trechos de cantochao intercalados com secées polifénicas. Pérotin introdu- ziu maior precisdo ritmica e a freqiiente mistura de modes, tanto nas partes de discantus como de organum (Ulrich & Pisk, 1963:67). Ainda segundo Ubich ¢ Pisk, a independéncia ritmica das vozes na miisica deste composi- tor matca o infeio da polifonia (1963:69). Com Pérotin e seus contempordneos, 0 organum expandiu-se para trés e quatro vozes. Estas novas vozes foram chamadas de triplum ¢ qua druplum, respectivamente. Na verdade, 0 organum iriplum nada mais é do que uma elaboragao do organum duplum com duas vozes répidas e con- trastantes sobre um tenor lento (Grout, 1980:96). ‘Apesar do uso de ttés sons simultaneous com Pérotin, ainda néo existia lum pensamento funcional com relagéo & triade resultante. As progresses harménicas no se constitufam em entidades funcionais, mas apenas como uma sucesso de acordes. Até entéo, © pensamento ligava-se apenas 20 uso de consonancias e dissonancias, desconsiderando-se o sentido vertical € sua conseqilente fungéo herménica. O intervalo de terga ainda eta consi- derado dissonante, enguanto as consonancias inclufam os intervalos de oi- tava, quinta e quart, © intervalo de quarta comeca a ser tratado como dissonancia no inicio do século XIll,¢ a terca torna-se mais freqtiente, sendo aceita como uma consonncia imperfeita, A preocupacéo resultava mais do sentido de um equilforio de elementos musicais com um vocabulétio harménico elementar, com 0 uso, principalmente, de quintas e oitavas, assim como de uma textura linear marcante (Grout, 1980:109). As consonancias apa teciam em certos pontos do discurso musical, intercaladas por dissonan- 22 No século XIII surge o conductus polifénico, a primeira composigao verdadeiramente original, mantendo a estrutura do triplum ou quadruplum. Todavia, o tenor nao era extraido da melodia gregoriana pré-existente, ¢ sim, escrito livtemente, Baseados em poeras em latim, muitos tratavam de temas sactos, nao-lttirgicos e até mesmo de temas seculares. Todas as vo- zes utilizavam um tnico texto, seguindo geralmente urna estrutura silabica, Assim como 0 organum, os cunducti de duas, trés, ou até mesmo quatro voves, néo ultrapassavam um Ambito restito € 0 cruzamento de vozes era ‘comum, © conductus era centado durante as pausas no ritual litirgico ‘quando 0 celebrante necessitava deslocar-se de um lado para outro, dai sendo "conduzido" pela miisica (Ulrich & Pisk, 1963:69). No organum, a variedade ritmica das vozes era importante, No conductus, menos comple- Xo que 0 organum, todas as vozes possufam quase o mesmo ritmo, tornan- do-se muito maior a énfase da trade. Na Inglaterra, durante este periodo, os mtisicos demonstravam pre- dilegao pelo uso de tercas paralelas, 20 contrério das outras cultures oci- dentais que usavam as consonéncias perfeitas (quartas, quintas e oitavas). Este estilo de organum paralelo em tercas denominou-se gymel (“gémeos") No século XIV foram acrescentadas sextas paralelas a estas tergas, fator que se tornou importante no desenvolvimento do estilo do discantus inglés e do fauxbourdon? (Ulich & Pisk, 1963:71) Com 0 advento do moteto, depois de 1250, 0 uso tanto do organum quanto do conductus tora-se menos freqiiente. O termo moteto foi usado pera designar os textos em francés que foram acrescentados ao duplum da clausula, Os manuscritos mais importantes do século Xill que contém mo- tetos s80 os cddices de Montpellier, Bamberg e Las Huelgas. O desenvol- vimento do moteto se deu sob variadas formas: (1) as vezes utllizando o mesmo tenor para varias composicées distintas; (2) usando uma mesma melodia, tanto para textos sacros como textos seculares; e (3) suprimindo © tenor, restando apenas duas vozes superiores. © motefo, totalmente em la- tim, cedeu lugar a0 moteto com apenas o tenor em latim, e as outras vozes em francés. Os textos utilizados nas vozes superiores eram escolhidos livre- mente, podendo ser textos diferentes para cada voz e, em geral, ambos em latim ou francés, sacros ou seculares. Na segunda metade do século Xill, Franco de Cologne estabeleceu a possibilidade de se medir a duracéo do som no seu tratado Ars cantus men- > Panis vocal improvisada no seule XV, onde a msloda, na vor super, ¢sereedn de dune vores Inferior, a interals de seat e quar absiao do cantochia, ulead por Dufay e seus eontempoct eos fancies (leh Pick, 1983-71) 23 surabils (c. 1280). Em seus motetos, as duas vozes superiores tomavam-se ritmicamente independentes entre si. O triplum, em geral, possuia texto mais longo do que o mictetus, conseatientemente, esta voz continha maior ‘imero de notas. O tenor era escrito primelto, e sobre ele escrevia-se 0 du- plum. $6 entéo era acrescentada a terceira vor, devendo ser composia de acordo com 0 tenor ou duplum, ot seja, a polifonia era escrta a duas vozes com 0 acréscimo de uma terceira vor, resultando-se, muitas vezes, em dis- sondncias bastante ésperas (Ulich & Pisk, 1963:79). Nos motetos de Petrus de Cruce, 0 tenor é composto por notas de valores menores do que até entéo, com as duas vozes superiores mais répi- das, Estas mudangas ritmices no decorrer do século ill predorinaram, enquanto © sentido harménico permaneceu inalterado, Nos tempos fortes Usavem-se os intervalos de quinta e citava, e a quarta comegou a ser trata- da, cada vex mais, como uma dissonanncia (Grout, 1980:109}. A utllzagdo de textos distintos para cada voz no moteto provocou ‘mudancas na notagéo musical durante o século XIll, a qual usava até entao ‘0s modos ritmicas (Exemplo 10): Exemplo 10 ~Modos rimices. "Deo confteminiDomino” (Moteto 47, Los Huelgas Codes). fn -sic tn A organizagao da miisica na primeira metade do século XIll baseava- ‘se nos seis modos ritmicos, onde nenhuma nota tinha valor fixo, indicando- se 0 modo através de ligacuras. Todavia, a colocago do texto de forma silébica tomou invidvel o uso de ligacuras, pois estas nunca recebiam mais, do que uma sflaba. Conseqitentemente, surgiu a necessidade de se estabe- lecer 0 valor titmico de cada nota, tomando sua execugio mais eficaz. No tratado de Franco de Cologne, novas regras foram estabelecidas para os 24 valores de notas individuais, pausas ¢ ligaduras (Grout, 1980:111). Aos ouces, a atengéo com o aspecto linear, ou contrapontistico, comeca a ce- der lugar ao aspecto harménico, ou seja, vertical O principio do século XIV é um periodo de mudanca na histéria da miisica, Os avancos ritmicos e sua notagéo se constituem em algumas das maiores contribuigdes deste século. Uma nova expressividade da melodia, Rovos acordes ¢ um novo principio estrutural dentro do moteto alteraram consideravelmente a miisica, A politextualidade no moteto do século Kill {oj substitulda por novas formas com um texto Unico enfatizando-se a im- portancia de sua clareza, Cresce o interesse pela musica secular polifGnica e ‘© novo conceito de missa, como unidade musical, gera novas formas vo- ais, Era a chamada Ars Nova (Ulrich & Pisk, 1963:81). Os modos ritmicos uitilizados até entéo, tormam-se obsoletos por interferirem com a liberdade & independéncia das vozes. O uso da métrica tripla, refletindo a perieicao da tindade, cede seu lugar & bindtia, representando uma diminuiggo de inte- resse pela miisica sacra, Foi durante 0 século XIV que surgiram intimeras formas de cangdes seculares, algumas com textos distintos para cada voz, outras com texto “Gnico para todas as vozes. Conseqiientemente é possivel distinguir-se entre formas polifénicas e homofénicas. Surge o pensamento que estabelece uma viséo diferenciada, mesmo que inconsciente, entre o horizontal e o vertical, ou seja, entre o contraponto e a harmonia, No século XV, verfica-se um progresso constante no desenvolvimento da textura musical: as vozes tomam-se realmente independentes e cada voz assume a mesma importéncia. Na mésica de John Dunstable fica evidente 2 preocupagéo harménica. No estilo discantus inglés e no fauxbourdon se estabelece uma relagéo entre acordes vizinhos. Esta técnica resultou numa textura haménica menos dissonante devido 20 uso constante de intervalos consonantes (tergas e sextas) e, a0 desenvolvimento de uma relagéo de se- melhanca entre as duas vozes superiores Nas obras de Dufay, a quatro vozes, também no século XV, 0 tenor aparece como a pendiltima voz, na direcdo do registro grave. A voz mais grave {bassus) comega a funcionar como suporte para as outres vozes. Na miisica de seu contemporéneo, Ockeghem, o contraponto atinge uma for- rma livre e continua, com quatro vozes iquais e entrelagadas, caracterizando- se a época, Somente com Josquin des Pres € que a musica renascentista chega a0 seu apogeu, através de uma textura polifénica, com contrastes & grande expressividade. No inicio do século XVII estabelece-se a distingdo entre a prima prattca (stile antico) e a seconda prattica (stile modemo). A primeira englo- 25 ba a polifonia vocal derivada dos compositores dos Pafses Bzixos, repre- sentada principalmente pelas obras de Willaert e teorizadas por Zarlino. Ne prima prottica, a misica domina o texto. Na seconda prattica, observével na nisica de Monteverdi, Marenzio ¢ Rore, entre outros, 0 texto domina misica, dando lugar ao livre uso de dissondncia, no infuito de expressar sentimentos através de palavras. 'A preocupagdo com os aspectos verticals na mésica, com 0 pensa- mento direcionado & harmonia, no entanto, s6 ocorre concretamente com fo aparecimento da melodia acompanhada no inicio do século XVI. & po- lifonia vocal, com suas vozes iqualmente importantes, cedia lugar & melodia omamentada sobre um baixo denominado baixo continuo. Este baixo, no entanto, servia apenas para denominar o acorde @ ser utlizado, no des- erevendo sua fungSo harménica. A percepgéo da harmonia com sua fun- cionalidade toma-se consciente somente no decorrer do periodo barroco € prine(pio do classicismo. A fungdo ténica-dominante se concretiza, mas © pensamento voltado & funcdo harménica ainda tarda a existr por si mes- mo. ‘Pam alors dctalhes sobre oF epedoehilSiees do coniaponto,conmuite CounterpoiThe po Iphone veo! ane ofthe siteenh century 8 Knud Jeppesen, tedusio pox Glen Haydon, 1939, 26 Por Que Estudar Contraponto Modal ? QuAL A ImPORTANCIA DO Estubo DE CONTRAPONTO? ‘Apés andlise de extensa bibliogratia sobre contraponto [niadal e to- nal, ficou evidente nao exist qualquer divida, entre os autores pesquisa- dos, de que © estudo de contraponio é essencial & formagéo do misico,, mas que ainda no recebeu o merecido lugar nos currculos a nivel de gra- Guagéo. O contraponto desenvolve 0 ouvido interno, a capacidade de identficar vores e a percepgéo musical, auxiliande na compreenséo da es- trutura do discurso musical, sendo ainda indispensdvel & composigéo ¢ anélise musical. E fundamental para o compositor ¢ o educador musical 20 compor trechos musicais para fins didéticos. Roberts e Fischer (1967) afir- mam que, como conseqiléncia do estudo do contreponto modal, seus alu- ‘hos assimilaram rapidamente o principio do baixo continuo, assim como aprenderam como reconhecer os efeitos modats na musica folcl6rica dos séculos XIX e XX (1967:vi). Merriman, por outro lado, afirma que “estudar contraponta modal como arte primordialmente linear, enfatiza uma intera~ gfo enire as melodias a mesmo tempo que minimiza sua fungéo cordal, aproximando-o mais da prética musical do século XX do que do contra~ panto baseado em acordes, tipico do periodo barroco. Considerando-se {que no contraponto do século XVI cada nota tem uma razéo de ser, 0 alt- T Beaatdo de O Encino de contoporo nos uversdedes bras, da presente autor, Programs d és Graduego em Mic do nso de Artes da UFRGS, 1995, a7 no que manejar estas técnicas desenvolverd suas préprias idéias com maior facilidade” (1982:ix) Thomas Benjamin (1979) menciona que 0 estudo de contraponto pode funcionar como um corretivo para muitos cursos de teoria que se- guem uma orientagéo estitamente vertical e tendem a igualar mtsica ¢ harmonia. Estudar miisica sem passar pelos contetidos de contraponto 6 como aprender a fonética de uma lingua estrangeira, saber pronunciar cor retamente as palavras, ser compreender o seu significado. Salzer & Schachter (1969) citam vérios problemas encontrados no estuda de contraponto: a disciplina pode conter contetidos completamente divergentes de uma escola para outra; em geral Ihe é atribuido papel perifé- rico no currfculo musical; muitas vezes é aplicado somente & mtisica do sé- culo XVI e, mesmo assim, resttingindo-se a uma tinica fase desta miisica; ou € considerado fundamental apenas para o estudo da invengao, cénone e fuga (p. xv). Existe uma relutincia por parte de muitos professores em re- conhecer a importancia do estudo do contraponto como ferramenta bésica da anélise musical, delegando-Ihe apenas um papel secundério em grande parte dos curriculos. E Necessrio Estupar HARMONIA Como Pré-REQUISITO? Quase todos os autores pesquisados que declaram no ser necessétio ter conhecimento prévio de harmonia para iniciar 0 estudo de contraponto, se referem ao estudo de contraponto modal, 0 qual, pelo seu surgimento cronolégico, a duas e depois a trés e mais vozes, antecede o pensamento vertical. Portanto, 0 pré-requisito se limita a nogGes bésicas de teoria musi- cal e de intervalos. Podemos citar Jack Adrian, Leslie Bassett, Knud Jeppe- sen e Johann Fux como autores que compartilham deste pensamento. Jep- ppesen afirma que existe duas idéias distintas: “a de Zatlino, onde a her monia surge como a combinagéo simulténea das melodias, e a de Rameau, ‘em que a melodia provém da harmonia, No entanto, do ponto de vista hist6rico-biolégico, somente a primeira idéia é realmente logica: a melodia vveio primeiro e, somente mais tarde, chegou-se a harmonia. £ com este intuito que se estuda contraponto” (1939:52). Por outro lado, Stella Roberts e Irwin Fischer, em seu livro de contraponto modal (1967), recomendam estuo de um ano de harmonia, no minimo, como pré-requisito, Salzer & Schachter (1969) afirmam que: "A polifonia medieval é do- inada pelo pensamento contrapontistico. Progressées de natureza harmé- nica aparecem no cenério musical no século XIV, tomando-se realmente 28 importantes somente na segunda metade do século KV. O desenvolvimento da organizagao harménica influencia, mas ndo diminui o papel do contra~ ponto. A maioria das obras demonstra cooperagéo e influéncia mitua entre estas duas forcas organizadoras” (p. xviii]. Dentre as duas, contraponto & a mais antiga e inclusive, (Os autores que afirmam ser necessério estudar harmonia antes de contraponto se referem a0 estudo de contraponto tonal, para o qual reco- mendam que o aluno possua uma sélida estrutura bésica de harmonia Neste grupo estao Davis & Lybbert, C. H. Kitson, Walter Piston, Leland Proctor, B. O. Morris e Cherubini, entre outros. ‘Alguns autores sugerem que 0 estudo de harmonia e contraponto ccorza simultaneamente, como Edward Bairstow, J. F. Bridge, Percy Go- etschius, Leo Kraft, Allen McHose e Horace Miller. Bairstow inicia seu livro Counterpoint and Harmony (1949), apresentando apenas a harmonia do século XVI. Goetschius (1902), por sua vez, acredita ser impossivel separer as duas disciplinas. Kraft (1976) apresenta aspectos de harmonia, contra~ ponto e anélise musical simultaneamente DEVE-SE OU NAO UTILIZAR A SISTEMATICA DAS CINCO ESPECIES NO ENSINO DE CONTRAPONTO? CONTRAPONTO MODAL OU TONAL? Contraponto, ao lado de teoria musical, harmonia e andlise, continua até hoje sendo um dos pilares na construgéo do misico: compositor, intér- prete, educador ou regente. Zarlino, na sua obra monumental Le Isttutiont Harmoniche, 1558,* documenta esta prética musical da era dourada do contraponto vocal do século XVI (Zarlino, 1968:ix). No terceiro volume, in- titulado The Art of Counterpoint, Zarlino alicerga seu estudo principalmente na obra de Adrian Willaert, compositor da geracao anterior & sua prépria, Sabe-se que este tratado foi estudado e reescrito por seus contemparéneos. Zarlino afirmou que um compositor ndo deveria se satisfazer em apenas dominar sua arte sem saber a rezo pela qual o faz: 0 misico deve basear sua prética nos princfpios descobertos através da razao (Zarlino, 1968: xi- xii). ¥ Lentini hamoniche, de Zaina, dvideze em 4 volumes Parte Lwpresenta otadicionl cu ‘ilo de matemstea musica segunda pate vere sabre o sisters Ions rege, de masza rega er {ger eda fora das eonsontnclas. A pat I expte regs rbre are do eenzopemt; fol Roduzide ‘ata inglés por Guy A Marco e Cla Pica (1968) A ima seqie comeia os moose seu U3 ro steulo XVI: fi taro po Veed Cohen (1983) 29

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