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Publicado orp slmente sb oul ber den Process der Ziviisation vol |, em 1939, por Haus rum Falke, de Basil, Sug, “Tradgio autrizada da vero ingles, feta por Edmund Jephcot pubcada por Basil Blackwell, de Oxford, Inplaterm, em 1978 CComyright © 1939, Nowbert Elias Copyright © 1990 da eich em Kngua portugues Jorge Zahar Editor Lida ras México 31 sbreloa 2003-148 Rio de Janet, RD “el: (021) 240.0226 - Fa: (021) 2 “ovor oF diets reservados -Ateprodugio no autoriada desta publica, no todo fu.em pane, constitu viola do copyeight (Le 5.988) digo par o Brasil eimpressic: 1994 Eitri elena: TopTextes Eliies Grficas Lids, rt Impreso: Tavares e Tristio Lid ISBN: 0631-189300 (ed. ong.) ISBN: 85-7110-106-X (2E, Rd) CW-Brasi, Coalogagio a fonte Sindicaio Nacional dor Eitores de Livros, lias, Nowber, 1897-1990 Etip —__O process civlzador/ Norben Elias; mdusio Zed! Ruy Junemann; revishocupresenagso, Rena a NL ne Ribeiro. — 2d. — Rio de Jane: Jorge Zahar a, 198 1. “Tradugio de: Ober den Proves der Zivlisatin, vot Conte. - Una hist dos enstames — v2. Fomagio do exado ecvileagio, ISBN: 857110-106 (1) 85-7110257-0(02) |. Cultura 2. Chilzagto. 3. Ocidene- Hist 4, Soctologla poli. 1 Ribeiro, Renato Janine. I ‘ep — 900 93-126 eDU— 008 Apresentacdo a Norbert Elias, Renato Janine Ribeiro Preficio 13, capitulo um Da Sociogénese dos Conceitos de “Civilizagio” © “ Parte Sociogénese da diferenga entre Kultur e Zivilisation 1 Sumario no emprego alemo 23 I u 1 Vv F vr Parte Sociogénese do conceito de Civilisation na Franga Introdustio, Desenvolvimento da. antitese entre Kultur © Zivlisation, Exemplos de alitudes de corte na Alemanha, ‘A classe média ©» nobteza de corte na Alemanh, Exemplos liter média alema e a corte, 39 © recwo do elemento social e © progresso do social na antitese entre Kultur © Zivilisation, 46 I: 1 Introduszo, 2» 9 4 51 ee ios da relagio entre a intelligentsia de classe HK Sociogénese da fisiocracia © do movimento de reforma frances capitulo dé A Civilizagio como Transformagio do Comportamento Humane o I " m wv © desenvolvimento do conceito de Civitite Dos costumes medievai, 73 © problema da mudanga de comportamento durante « Renaicenes, Do comportamento & mess, 95 Exemplos, 95 Comentérios sobre os exemplos, 109 Grupo 1 Grupo 2 ‘Um breve estudo dat sociedades a que se referem as citagbes, Do costume de comer came Le 65 2 109 “ © processo civilizador mio, O conceito de civilisation & inicialmente, como acontece com o de Kultur, um instramento dos circulos de classe média — acima de tudo, da intelligenisia de classe médin — no conflito social interne. Com a ascen- sho da burguesia, ele veio, também, a sintetizar a nagio, a expressar a auto-imagem nacional, Na propria revolugdo, a civilisation (que, natural mente, refere-se sobretudo a um processo gradual, a uma evolugio, © mio abandonou ainda seu significado original como programa de reforma) ‘desempenha qualquer papel de relevo entre os slogans revolucionérios. Tor- nando-se a revolugio mais moderada, pouco depois da virada do século, cla inicia sua jornada como um brado de unio por todo o mundo, Jé em ‘uma época tao remota como essa, atingia um nivel dc significado que just ficava as aspiracoes francesas de expansio nacional ¢ colonizacéo. Em 1798, partindo para o Egito, Napoleto grita para suas tropas: “Soléados, cestais inieiando uma conguista de conseqtiéncias incaleuldveis para a civi- Tago” Ao contrério da situsgdo vigente ao ser formado 0 conceito, a partir de entio as nagdes consideram 0 processo de civilizagSo como ter- fninado em suas sociedades; elas sio as transmissoras a outrem de uma c- Vilizagdo existente ou acabada, as porta-cstandartes da. civilizagio em Tnarcha, Do processo anterior dé civilizagio nada resta na consciéneia da Sociedade, exceto um vago residuo, Seus resultados so aceitos_simples- mente como expresso de seus prOprios talentos mais altos; no interesse 2b fato e a questio de como, no decorrer dos séculos, 0 comportamento Gnilizado se cristalizou, Ea consciéneia de sua propria superioridade, dessa “civlizaglo", passa a s6ivir pelo menos as nagdes que se tomaram con- ‘quistadoras de colénias e, por conseguinte, um tipo de classe superior para Grandes segmentos do mundo ndo-europeu, como justificativa de seu do- minio, no mesmo grau em que antes os ancestrais do conceito de civiliza- clio, politesse e civilité, serviram de justificagao & aristocracia de corte. Na verdade, uma fase fundamental do processo civilizador foi conclu da no exato momento em que a consciéncia de civilizagio, a consciéncia da superioridade de seu proprio comportamento ¢ sua corporificagio na iéncia, tecnologia ou arte comegaram a se espraiar por todas as nagdes do Ocidente, Esta fase primitiva do processo civilizador, aquela em que a conscién- cia do processo mal existia e 0 conceito de civilizagio sequer surgira ainda, serd discutida no capitulo seguinte, capitulo dois A CIVILIZACAO COMO TRANSFORMACAO DO COMPORTAMENTO HUMANO r © Desenvolvimento do Conceite de Ci te L. A antitese fundamental que expressa 2 auto-imagem do Ocidente na Idade Média opde Cristianismo a paganismo ou, para ser mais exato, © Cristianismo correto, romano-latino, por um lado, e © paganismo ¢ a heresia, incluindo o Cristianismo grego e oriental, por outro? Em nome da Cruz e mais tarde da civilizagio, a soviedade do Ocidente empenha-se, durante a Idade Média, em guerras de colonizagio ¢ expan- so. E a despeito de toda a sua scculusizagau, 0 lema “civilizagao” conser- va sempre um eco da Cristandade Latina e das Cruzadas de cavaleiros ¢ senhores feudais. A lembranga de que a cavalaria e a {€ romano-latina re- presente uma fase peculiar da sociedade ocidental, um estégio pelo qui passaram todos os grandes povos do Ocidente, certamente no desapareceu, © conceito de civilité adquiriu significado para 0 mundo Ocidental numa época em que a sociedade cavaleirosa ¢ a unidade da Ipreja Catéli- ca se esboroavam. E a encarmacdo de uma sociedade que, como estigio especifico da formagao dos costumes ocidentais, ou “civilizagao”, nio foi menos importante do que a sociedade feudal que a precedeu. © conceito de civilité, também, constitui expressio e simbolo de uma formagio soci que enfeixava as mais variadas nacionalidades, na qual, como na Igrej uma lingua comum ¢ felada, iniciaimente o italiano ¢, em seguida, cada vez mais, 0 francés. Essas linguas assumem 2 func&o antes desempenhada pelo latim, Traduzem a unidade da Europa ¢, simultaneamente, 2 nova forma- ga Social que tne fornece a espinha dorsal, a sociedade de corte, A situa- lo, @ auto-imagem © as caracteristicas desse sociedade encontram expres So no conceito de civilité os © processo civilizador 2. Este conceit reeebeu seu cunho ¢ fungao especificos aqui discuti- dos no segundo quartel do século XVI. Seu ponto de partida individual pode ser determinado com exatidio. Deve ele o significado especifico ado- tado pela sociedade a um curto tratado de autoria de Erasmo de Rotter- dam, De civilitate morum pueritium (Da civilidade em criancas), que veio a luz em 1530. Esta obra evidentemente tratava de um tema que estava maduro para discussio. Teve imediatamente uma imensa circulacdo, pas- sando por sucessivas edigdes, Ainda durante a vida de Erasmo — isto é nos primeiros seis anos apés a publicago — teve mais de 30 reedigdes* No conjunto, houve mais de 130 edigdes, 13 das quais em data tio recente como o século XVIII. Praticamente ndio tem limites 0 mimero de tradu- ‘cdes, imitagdes, e seqiiéncias. Dois anos apds 2 publicagao do tratado, aparceeu sua primeira traducéo inglesa. Em 1534, veio « lume sob a forma de catecismo ¢ nesta ocasiio jé era adotado como livro-texto para educs- ‘gio de meninos. Scpuiram-se tradugdes para o alemio e 0 tcheco. Em 1537, 1559, 1569 © 1613 apareceu em francés, com noyas tradugdes todas as vezes 44 no século XVI, um tipo particular de familia de comparado com as “manciras rudes”, conduta dos camponeses, Algumas pessoas mordem © pio , em seguida, grossciramente, mergulham-no ‘na traveasa. Pessons refinadas rejeitam essas manciras rudes. it Se deu uma mordida no pio, nfo o molhe novamente na travessa de ‘uso comum. Camponeses podem fazer isso, mas néo “gente fina” Muitas pessoas roem um uma falta grave. 12 ‘880 ©, depois, recolocam-no na travessa — ¢ isto & exes? }O8HE 08805 roldos ma travessa de uso comum. Em outros relatos, jescobrimos que era costumeiro jogi-los no chio. Outro preceito estabelece: © homem auc limpa, pigarreando, & garganta quando ‘Aa toalha da mesa sio ambos mal-educados, isto te aria teed saranto, 15 Vejamos outro: ‘Se um homem a mesa limpa 6 nariz com ceder, entéo € um idiota, podes acreditar. 4 ‘milo porque no sabe como pro- Usar a mio para limpar o nariz era coisa legs ts, ¢ met, cro eudado devs sr omade'¢ de nase phen levia alguém assoar-se na toalha. Os comensais sio ainda advertidos + nao estalar os labios nem bufar: acne comum. Nao existiam ainda Se um homem bufa como uma foca quando come, essoas, © ertala os be : 4 908 como_um camponés bi Yoda & boa educasio, 1 ‘como acontece com aigumas varo, entio ele renunciou ies © individuo tem que se cogar, nlio deve fazt-lo com a mio, mas Nio ‘coces garganta com a mio limpa enguanto estiverce comendo; se tiveres ‘que fazer isso, faze-o polidamente com caraco. 16 © processo civilizador Totos wsavam as mtos par tar of alimentos do savesse_comun por essa tart, no deviam tocar nas orethas, nari, ou ols oe dedor nor ouvior ox ols, como fazem_ algunas Naat, ten ceria 6 ars enganto se cme, Emer te ibs ao inde ot ‘As mos devem ser lavadas antes das refeigdes: Soubemos que alguns comem sem tavé-las (se verdade, isto € um mau sina) Que or seus dedor fiquem paralisados! # No Ein spruch der ze tische kért (Uma palayra aqueles & mesa),!* outro Tischewche do qual o Hofzuch de Tannhluser apresenta muitos ecos recomendavte que a pessoa coms com wma s6 milo, © que se eité comendo com outra pessoa no mesmo prato ou fatia de pio, como freqiientemer acontecia, use a mio de fora: es sempre comer com + mio de fora Se tex companheio sense 4 tu eta, come’ com a coquerda-Abte-te de comer com ambat as mics aici Se nfo tem uma toalha, lemos na mesma obra, niio enxugue as mai no casaco, mas deixe-as secar no ar® Ou: ‘Toma cuidado para_que, qualquer que seja tue necesidade, nfo fiques rubor ado de embaraso. 2 Tempo commie Yeas macins tour 6 cto 3 meme Tho so 'recomenado duly en apes + Cain, Em ows opin us amas puree mui eens ps sem dat pene clase perio, mas seme: om mae apcon oe novattal fie de camporamento, €eamente ako como habia no Saualo rualcamponts, Eo meso padrdo surge com algunas vaiagbe a Hteraure ores de ouas deat Hnglisicas. a Ze 'No cso de une dese cten tate de er ts formas iain deenboce.prispalmene no cio de mansas tr GE, ma iar tabem no alne eno prov ws comps fo fea dav reps qa Se epetem on mia cum toa awa lasso mucin geal ae mesmas eneonadns no Tlhochln ale mem priate Tua, a intrapio‘d dar grass, qv & enon também em Tanmbivser’ Ume ver pos ouira, encontramos. adveréne pare qu ends in onupe olga he fo dein tao Toni, 3 featemene este um rsa lp. No ale ma S80 ean em deve © individve por © que tere na boca de vols m8 tavessa comm civilizardo como transformeséo do comporiamento » Este conselho também € repetido com freqiiéncia. No menos. freqiiente € a instrugdo de lavar as maos antes de comer ou tocar no salcire com pedagos de comida. A recomendacio seguinte também é repetida muitas ve~ zes: nfo limpe os dentes com a faca. No cuspa em cima ou por cima da mesa. Nao pega repetigiio de um prato que ja foi tirado da mesa. Uma ins. trugio comum ¢ nio soltar gases a mese, Enxugue a boca antes de beber. Nio faga pouco da comida nem diga coisa alguma que possa irritar os demais. Nao limpe os dentes com a toalba da mess. Se molhou o pio no vinho, beba-o ou derrame o resto. Nao ofereca aos demais 0 resto de sua sopa ou do pio que jf mordeu. Nao se assoe com barulho excessivo. No adormesa a mesa. E assim por diante. Indicagdes do mesmo cédigo de boas ¢ mas maneiras sio encontradas também em outras coleténeas de versos mneménicos semelhantes sobre etiqueta em tradigdes nio diretamente ligadas & francesa, que acabamos de mencionar. Todos confirmam certo padrio de relagdes entre as pessoas, a estrutura da sociedade © a psique medieval. So sociogenéticas ¢ psicoge. néticas as. similaridades entre essas coletdncas. Pode haver, embora nico necessariamente, uma relagiio literdria entre todos esses preceitos franceses, ingleses, itatianos, alemaes ¢ latinos, As diferengas entre eles sio menos importantes que seus aspectos comuns, que correspondem a unidade do comportamento concreto na classe superior medieval, quando comparada ‘com 0 periode moderno, Para dar um exemplo, as Cortesias, de Bonvicino da Rivi guias de mesa mais pessoais e — gragas ao desenvolvimento da Itélia — mais “avangados”, contém, a parte os preceitos mencionados na coletines francesa, instrugdes para se virar quando se tosse e espirra, ¢ néo lamber os dedos. A pessoa, diz ele, deve evitar pegar os melhores pedacos no rato, ¢ cortar, sem excessos, os pedacos de pio. Néo deve tocar a borda do copo comum com os dedos ¢ seguri-lo com ambas as mios. Neste tra- balho, também, a substincia da courtoisie, do padrio, dos costumes & de modo geral a mesma. E no deixa de ser interessante notar que quando © Cortesias foi revisto tres séculos depois entre todas as regras dadas por Da Riva apenas duas sem muita importéncia foram alteradas: 0 editor aconselha a nao tocar a borda do copo comum nem seguré-lo com ambas fs mios ¢ que, se varias pessoas estiverem bebendo nele no se deve nele molhar 0 pio (Da Riva recomendava apenas que o vinho assim usado fosse derramado ou bebido) Uma idéia semethante pode ser formada & vista da tradigao alema © Tischzuhien do qual temos exemplares datados do séeulo XV, emprege lum tom algo mais rude do que 0 Convidade italiano, de Thomasin von Zitkla- Fia, ou o Hofzucht, de Tannhiiuser, O padrio de boas © més manciras, po- rém, praticamente mio parece ter mudado muito. J4 observamos que em jum dos manuais mais modernos, que tem muito em comum com os mais um dos Fey © proceso. civilizador ‘antigos jé mencionados, surge uma nova recomendagio, a de mio cuspir na mesa, mas apenas sob ela ou na parede. E isto ¢ interpretado como sin- toma de deterioragio das manciras, Mas é mais questiondvel se as coisas ram feitas de modo diferente no século precedente, especialmente porque rregras semelhantes, oriundas de periodos anteriores, slo transmitidas pela ‘radigio francesa, E 0 que se pode derivar da literatura no sentido mais amplo € confirmado por quadros. Neste particular, igualmente, sio neces sérios estudos mais detalhados. Mas em comparacio com épocas posterio~ res, 0s quadros de pessoas mesa mostram, até bem dentro do século XV, pouquissimos utensilios, mesmo que, em alguns detalhes, alzumas mudan- f¢a8 tenham indubitavelmente ocorrido, Nas casas dos mais ricos, 08 pratos so em geral tirados de um aparador, embora, freqtientemente, sem ne- nhuma ordem especial. Todos tiram — ou mandsm tirar — 0 que thes agrada no momento. AS pessoas se servem em travessas comuns, Os s6lidos (principaimente a carne) sio pegados com a mo € 05 liquidos com con- cchas ou colheres, Mas sopas e molhos ainda so freqiientemente bebidos levando-se & boca os pratos ou travessas, Durante muito tempo, além disso nio howe utensilios especiais para diferentes alimentos, Eram usadas as ‘mesmas facas ¢ colheres, E também os mesmos copos, Freqitentemente. dois comensais comiam na mesma quadra. Esia era, se assim podemos dizer, a téenica-padrao de comer na Tdade Média, que corresponde, a um padrio muito especial de relacSes humanas fe estruturn de sentimentos. Nesse padrio, conforme jé dissemos, ocorreu grande mémero de modificagSes © introducio de nuances, Se pessoas de diferentes categorias comiam ao mesmo tempo, as de categoria mais alta tinham precedéncia quando lavavam as mos, por exemplo, ou quando se serviam de um prato, As formas dos utensilios variaram muito a0 longo Gos séculos, Houve modas, mas também uma tendéncia muito clara para © coriservantismo, « despeito das flutuacdes nelas, A alta classe secular, por exemplo, adotava um luxo extraordindrio & mesa. Nio era uma po- tbreza de utensilios que mantinha o padrio, mas, simplesmente, 0 fato e que nada mais fosse necessirio, Comer dessa mancira era considerado natural, Era conveniente para essas pessoas. Mas elas gostavam também de ostentar riqueza € categoria pela opuléncia dos utensilios © da deco ragio da mesa. Nas mesas dos ricos do século XIII, as colheres er de ouro, cristal, coral, ou ofita, Ocasionalmente, lemos que durante 3 Quaresma eram usudas facas com cabo de Gbano ¢, na Pascoa, de marfim € incrustadas no Pentecoste. As colheres de sopa sio redondas © bem planas, de modo que a pessoa, quando as usava, era obrigada 2 abrir bom a boca. Do eéculo XIV em diante, elas passaram a ser feitas em forma oval ‘Ao fim da Tdade Média, o garfo surgiu como utensilio para retirar alimentos da travessa comum, Nada menos que uma diizia de garfos civilizeedo como transformecio do. comportamento a (Mb ecttetnton’tirs opobilice. do. vale do Curca V- 34) 0 SO de Carlos de Savéia, muito rico em utenstlios opulentos de mesa, men ciona um iinico garfo2® : SiFreabentements se clz “0 quanto née prosredimos além deat PEMA MR PAUTGI Suse ben cise teen 0 “Set fiom 4 pe se Mesice nes cries, como Se mesos part So Mas 6 ad opoiloN6 tamil pomivel: “0 qos" renimente rodod? Uns poucos costumes, nada mais.” E alguns observadores parecem incli- aadoe jlgar hes’ cotimes saib on menos da mona’ uancira por qe hoje Julgviamos crangas’ ‘Se tm homem de bom senso vere to + fea pestons que seus costumes, eram desagradgvels © anhigtnices se tivessem sido ensinadas a comer com facas .garfos, suas maneiras oes tele repldareatsdlétaperoaio” Mas nfo se podem iolar as manciras &mesn, Ela sho um segmento — bem earcteristico — da ttalldade de formes socialmenteinttadas de conduta. Seu padrao coresponde uma exruura socal bem dtinide, © quo resin a ver € que estrtum é ext, O comportamento ks, pena; fa Tdtdo Miia no era ceo sgldumeate determinado polo peu tial de ‘ita, por toda extra de eristénla, como nowo propre eompurtosents Sots ss eo pr mi detrines f vse, a. pesatod. frame “moael| come lene! cortie. exten darnzadon » dena cleo quo devon tee comprocodion alo apenas clos tlgo “nceaivo™, como “ala de civilzagio” ou de “coohecimente” (como & Yo fs por de noso pono de vita), max mn io gue seni Pan oer cechmantclaad fae’ Meme ae c No século XI, um doge de Veneza casou-se com uma Princesa grega. No clr basin 8a toss 6 pats ert @nonintadl vat DS Gee quer modo, sabemos que cla levva 0. alimento. 1 boca “uuando. Un pe, queno garfo de ouro com dois dentes.” #7 Este foto, porem, provocou tum horivel eiindalo em Veneza: “Esta noviade fo} contiderada um sinal tio enagerado de retinamento que 4 de, gatesarecebeu teveras reprecnbes dos eleiicos gue invoctan: pata ela 1 itn Givioa, Povso, dopes ca] fl accel aaj wll eeemchoepetare ¢ Sto Bonventura no hesilou em decterar que sto fol tm castigo Ge Deas Mais cinco atetlos se peateriam nies qoe « extrutara dat" easoce to smzes mores 6 sufcdente pera Gee O top deme ialld‘Atontsen one ecenldade mais eral Do teaclo XVI emi dam, pelo menor mas doses ties fe pve se emo wre pat some hand vés da Itélia primeiramente & Franca e, em seguida, & Inglaterra e Alema- Pit (Goth do tc errant sal eee iren tenia AE: Mentos s6lidos da travessa, Henrique III introduziu-o na Franca, trazen- 2 © proceso civilizador do-0 provavelmente de Venez. Seus cortesios no foram pouco ridiculari- zados por essa mancira “afetads” de comer e, no principio, nfo eram mui- to hibeis no uso do utensilio: pelo menos se dizia que metade da comida cafa do garfo no caminho do prato a boca, Em data tio recente como o sé- culo XVI, 0 garfo era ainda basicamente artigo de Iuxo da classe alta, geraimente feito de prata ou ouro. © que achamos inteiramente natural, porque fomos adaptados ¢ condicionados a esse padrio social desde a mais tenra infancia, teve, no inicio, que ser lenta ¢ laboriosamente adquirido © desenvolvido pela sociedade como um todo. Isto no se aplica menos a uma coisa pequena ¢ aparentemente insignificante como um garfo do que as formas de comportamento que nos parecem mais importantes Nao obstante, a atitude que acabamos de descrever no tocante 4 “ino- vaca” do garfo demonstra algo com especial clareza. AS pessoas que co- miam juntas na maneira costumeira na Idade Média, pezando a came com cs dedos na mesma travessa, bebendo vinho no mesmo célice, tomando 2 sopa na mesma sopeira ou prato fundo, com todas as demais pecaliarids- des dos exemplos dados ¢ dos que serio ainda apresentados — essas pes- soas tinham entre si relagdes diferentes das que hoje vivemos, E isto envolve nio 6 0 nivel de conseiéncia, clara, racional, pois sua vida emo- cional revestia-se também de uma diferente estrutura © cardter. Suas emo- (gdes eram condicionadas a formas de relacdes,e condita que, em compa- raglo com os atuais padres de condicionamento, parccem-nos embaraco- sas ou pelo menos sem atrativos. O que faltava nesse mundo courtofs, ov ‘no minimo nao havia sido desenvolvido no mesmo gra, era @ parede inv sivel de emogdes que parece hoje se ereuer entre um corpo humano € ov- ‘ro, repelindo ¢ separando, a parede que é {reqilentemente perceptivel & mera aproximacio de alguma coisa que esteve em contato com a boca ou as de outra pessoa, € que se manifesta como embaraco & mera vista de muitas funcdes corporais de outrem, ¢ nao raro & sua mera menco, ou como um sentimento de vergonha quando nossas préprias fungdes sfio ex- postas & vista de outros, ¢ em absoluto apenas nessas ocasides. m O Problema da Mudanca de Comportamento durante a Renaseenca 1. Seriam por acaso clevados os patamares de embaraco ¢ vergonhe a época de Erasmo? Contém seu tratado indicagdes de que estavam se ob- servando as fronteiras da sensibilidade © da reserva que as pessoas espe- ravam entre si? Nao ha boas razbes para supor que tenha sido assim, Os tra- civilizapo como translormasio do. comportamento 83 balhos de humanistas sobre maneiras formam uma espécie de ponte entre as da Idade Média ¢ os tempos modernos, © tratado de Erasmo, © ponto alto de uma série de trabalhos humanists sobre o assunto, apresentave também essa dupia face, Em muitos aspectos, situa-se inteiramente na tra- dicdo medieval, Uma boa parte das regras e preceitos dos eseritos corteses reapareee em seu tratado, Mas, simultaneamente, este anuncia com cla- reza alguma coisa nova, Nele desenvolve-se graduaimente um conceito que empurraria para o sezundo plano o conceito de. cortesia da cavalaria-feuda. lismo. No decorrer do século XVI, © uso do conceito de courtoisie dimi- nui lentamente na classe enquanto 0 de. civilité torna-se mais comum e, fix nnalmente, assume a preponderdncia, pelo menos na Franga do século XVII" Isto ¢ sina! de uma mudanga comportamental de grandes proporges. Nio ccorreu, claro, pela substituico abrupia de-um ideal de bom com. portamento por outro radicalmente diferente, © De civilitate morum pue- rilium, de Erasmo — para limitar por ora 2 discussio a este trabalho — situa-se em muitos aspectos conforme dito acima, inteiramente na tradi io medieval. Nele praticamente reaparecem todas as regras de sociedad cortés. Ainda se come carne com a milo, mesmo que Erasmo enfatize que deve ser apanhada com trés dedos, e nao cém 2 mio toda, E repetido ainda © preceito de nao cair como um glutio sobre a comida, bem como a re- comendacio de lavar as maos antes de jantar, ¢ os anitemas contra escar- Tar, assoar-se, 0 uso indevido da faca © muitos outros. Erasmo, quem sabe. podia conhecer um ou outro dos Tischzuchten rimados ov os escritos de sacerdotes que tratavam desses assuntos, Muitos desses escritos cireulavam amplamenie © & improvavel que tenham excapado & sua atengio, O que se pode demonstrar com mais clareza € sua relago com a heranga da anti- dade. No caso desse tratado, isto & visto em parte nos comentirios de seus contemporineos, e resta a ser examinado com mais detalhes seu luge na rica discussio humanista desses problemas de educagio ¢ decoro®* Mas guaisquer que possam ser as imterconexGes literdrias, de maior interesse neste contexto siio as sociorenéticas. Com toda certeza Erasmo nio com- pilou simplesmente esse tratado & vista de outros livros, Tal como todos 6s que refletem sobre essas quesides, ele tinha diante dos olhos um cédig. social especial, um padrio especial de maneiras tratado é, na verda de, uma coletinea de observacdes feitas na vida ¢ na sociedade. £, como disse aleuém mais tarde, “um pouco do trabalho de todo mundo”. E. se nada mais, seu sucesso, sua ripida disseminaco © seu emprego como ma: nual educativo para meninos mostram até que ponto atendia a uma neces- sidade social e como registrava os modelos de comportamento para os quais estavam maduros os tempos © que # socicdade — ou mais cxate- ment 8 classe alla, em prime A sociedade estavs contecin, com as maneiras. Até mesmo no tom, na maneira de ver, sentimos que, a despeito © proceso civilizodor de todo seu apego a Idade Média, alguma coisa nova estava a caminho. A ‘como a experimentamos, a oposi¢ao simples entre “bom” e ” ¢ entre “compassivo” © “cruel” haviam se perdido, As pessoas encaravam as coisas com mais diferenciagdo, isto €, com um controle mais forte de suas emogves. so tanto, ov pelo menos no exclusivamente, as proprias regras ‘ou as manciras a que se referem que distinguem uma parle dos escritos humanistas — acima de tudo, © tratado de Erasmo — dos c6digos corteses. ‘Mas, em primeiro jugar, seu tom. sua mancira de ver. AS mesmas regras sociais que na Idade Média eram transmitidas impessoalmente de boca em boca sio, nesse momento, referidas a manciza © com a énfase de alguém que nio esté apenas pasando adiante a tradigio, ndo importando quantos eScritos medievais ¢, acima de tudo, antigos possa ter absorvido, mas que observou tudo isso pessoalmente, que registra experiéncia Mesmo que isso nio fosse visto no proprio De civilitate morum pueri- lium, isto saberiamos & vista de escritos anteriores de Erasmo, nos quais fusio da tradicio medieval © antiga com sua propric experiéncia se ex- pressa talvez mais clara ¢ diretamente, Nos seus Coldgu.os, obra ‘que cer- tamente se abeberou em parte em modelos antigos (acima de tudo, Lux iano) © especialmente no dilogo Diversoria (Basiléia, 1523) Erasmo des- reve experiéncias que sao retomadas ¢ ampliadas em seu tratado posterior, Diversoria trata das diferengas entre as maneiras observadas em esta Jagens alemas ¢ francesas. Descreve, por exmplo, 0 interior de uma esta- lagem alema: cerca de 80 ou 90 pessoas estio sentadas, salientando 0 av- tor que nio sio apenas pessoas comuns, mas também homens rieos, no- bres, homens, mulheres, e criangas, todos juntos, E cada um esté fazendo © que julga necessério. Um lava as roupas e pendura as pecas mothadas fem cima do forno. Outro lava as mos, Mas a tigela é tio limpa, diz 0 au- tor, que @ pessoa precisa de outra para se limpar da gua... E forte o cheiro de alho ¢ outros odores desagradaveis, Pessoas escarram por toda f parte, Alguém esti limpando as botas em cima da mesa, Em seguida. 1a refeigdo € trazida. Todos molham © pio essa, mordem, e molham- -no novamente, O lugar € sujo e ruim o vinho, Se alguém pede vinho me- Ihor, 0 estalajadeiro responde: Ja hospedei muitos nobres e condes. Se 0 vino no Ihe serve, procure outras acomodacies, © estranho que chega ao pais enfrenta tempos especialmente dificeis Qs outros olham-no fixamente, como se ele fosse um animal fabuloso vin- do da Africa. Além do mais, essas pessoas reconhecem como seres hum nos apenas ox nobres de seu préprio pais. A sala esti quente demais, todos suam, molham-se ¢ se enxugam. Ha sem duvida entre elas alguns que tém alguma doenga oculta, “Prova velmente”, diz 0 autor, “a maioria sofre da doenga espanhola ¢ por isso nao devem inspirar menos medo que os leprosos.” civilzepo como tansformado do comporiamento, ts “Gente valente”, diz 0 outro, “brincam e no se importam com coisa alguma” “Mas essa valentia jé eustou muitas vidas.” “O que devem eles fazer? Esto acostumados a isso © um homem corajoso ndo se arruina com seus hibitos. 3. Vemos que Erasmo, como outros autores que antes © depois ole escreveram sobre conduta, & acima de tudo um compilador de boas ou mas maneiras, que encontra na propria vida “social. E € principalmente isto que explica 0 acordo © as divergéncias entre esses autores, Que seus trabalhos no contenham tanto quanto outros, a que habitualmente dedi- ccamos mais atengio, as idéias exiraordindrias de um individuo notével, que scjam forgados por seu proprio tema a se concentrarem estreitamente na realidade social, € 0 que Thes confere @ importincia que tém como fontes de informacdes sobre processos. sociais. AAs observagdes de Erasmo sobre este assunto devem, apesar de tudo, ser incluidas, juntamente com algumas de outros autores da mesma época entre as exeegées & tradicao dos trabalhos sobre maneiras. Isto porque nelas @ apresentagio de preceitos © regras parcialmente muito antigos esti impregnada de um temperamento muito particular. E isto é precisamente, por outro lado, um “‘sinal dos tempos”, uma expresso da transformagio da sociedade, um sintoma do que jé ¢, enganosamente, chamado de “indi- Vidualizago”. E indica também ouira coisa: 0 problema do comportamento fia sociedade evidentemente assumiu tal importincia nesse periodo que mesmo pessoas de extraordinério talento e renome n&o desdenham tratar do mesmo, Mais tarde, essa tarefa volia de modo geral a menter de ce gundo ¢ terceiro calibre que imitam, continuam, ampliam, dando mais luma vez origem a uma tradigio mais impessoal, ainda que nao to forte- mente como na Idade Média, de livros sobre maneiras As transigdes sociais vinculadas a mudancas na conduta, maneiras ¢ sentimentos de embaraco serio estudadas em separado mais tarde, Nao obs- tante, uma indicagio das mesmas é necessiria aqui para compreendermos 8 posicio de Erasmo e, por conseguinte, seu estilo de comentar manciras, © tratado de Erasmo surge em uma época de reagrupamento social Ef expressio de um frutifero periodo de transigio apés 0 afrouxamento da hierarquia social medieval ¢ antes da estabilizagio da moderna, Perten- ce a uma fase em que a vetha nobreza de cavaleiros feudais estava ainda ‘em declinio, enquanto se encontrava em formagio 2 nova aristocracia. das cortes absolutistas, Esta situacio deu, entre outros, a representantes da equena classe intelectual secular-burguesa, e, assim, a Erasmo, niio apenas oportunidade de clevar-se socialmente, obter renome e autoridade, mas também a possibilidade de usar a franqueza e imparcialidade que nio esti- Veram presentes no mesmo grau nem antes nem depois. Esta oportunidade e distanciar-se, que permitiu a representantes individuais da classe inte 8 0 proceso. civilizndor lectual nfo se identificarem total e incondicionalmente com quaisquer sro- pos sociais do mundo em que viviam — embora, claro, sempre permane- ceessem mais proximos de um deles — encontro também expresso em De Civilitate morum puerilium. Erasmo, de modo algum, ignora ou oculta as disparidades sociais, Percebe com grande exatidiio que os auténticos vviveiros do que so consideradas boas maneiras em sua época sio as cortes principescas. Diz, por exemplo, ao jovem principe a quem dedica o trata~ do: “Encaminharei vossa juventude para as maneiras apropriadas a um ‘menino nao porque preciseis grandemente desses preceitos; desde 2 primei- ru infancia fostes educado entre gente da corte © desde cedo tivestes um excelente insrator.-- ou porque tudo o que se ia nese Wralado @ VOs Se sco ¢ nacido para. goveroa. tplique, pos sls de sangue principe i eh manifesta também, de forma bem pronunciada, a autoconfiang: caracteristica do intelectual que subiu gragas & cultura © a seus escritos, que € legitimado por seus livros, « confianga em si mesmo de um membro da classe humanista que pode manter distincia, até mesmo dos estratos governantes ¢ de suas opinides, por mais vinculado a eles que possa estar. “A modéstia, ‘acima de tudo, assenta bem no menino”, diz ele ao fim da dedicat6ria ao jovem principe, “e especialmente ao menino nobre.” E acres- centa: “Que outros pintem lebes, dguias ¢ outras criaturas em suas cotas @armas. Nobreza mais auténtica € possuida por aqueles que podem gravar fem seus escudos tude © que conseguiram pelo cultivo das artes e das ence € 4 inguagem, a auo-imagem \pien do infletoal nota fase do desenvolvimento social. A semelhanga sociogenética ¢ psicogenética dessas faa Sou a close fatecial len oo easly ean epee aie em concatos come, Kultur c. Bidens, tonnes tmedatariats sve No pefado que se sega imedilamente 40 tempo de Erasmo, po- sae meat pewoat totam tio + conflanga ou mesmo a. portundade Social'de expressar abertamente esses pensamentos em ma dedicaoria a etic a io da hierarquia social, um pronun- tim nobre. Com a crewente estailizgto. da herargh. 10 a scooter ido. cade wea mais. considerado. como fala do {alo aves memo, smo fn A curvins mare 20 comporiner ins di Io diante a esséncia da cortesia, das dierengas em posgdo tori dai em i ; : isito basico da civilité, pelo menos na Franca, A aristocracia ¢ a intel- eae ‘mas ¢ um imperativo do tato observar as di- tacnone sodas © Thes dar expressio inequvoca na conduta socal. Na Ale ha, em contraste, sempre houve, do tempo dos humanistas em diante, uma intligentsia burguess cujos membros, com poueas exoep0es. viveram mais ou menos longe da sociedade aristocrética de corte, uma elite in' tual de carater especificamenie clase medic, e eras e @ forma como essa 4. A evolucdo das obras alemis sobre maneir oa titeratura difere da francesa proporciona imimeras ilustragbes deste fato ‘ivilizapéo como transformacio do comportamento s Nés nos alongariamos demais se fOssemos estudar isto em detalhe, mas precisamos pensar apenas em um trabalho como 0 Grobianus>® de Dede. kind, sua amplamente circulada ¢ influente tradugo alema, de autoria de Kaspar Scheidt, para notar a diferenga. Em toda a literatura grobianisch alemf, na qual, temperada com zombaria e desdém, encontra expressio uma necessidade muito séria de “suavizagio de maneiras”, mostra inequivoca. ‘mente, € com maior pureza do que qualquer das tradigies correspondentes ‘de outras nacionalidades, 0 cardter especificamente classe média de seus escritores, que incluem religiosos e mestres-escola protestantes, E 0 caso € parecido na maior parte do que se escreveu na Alemanha sobre maneiras ¢ ctiquets, Nao hi divida de que as maneiras que aqui servem de modelo so principalmente as que se observam nas cortes. Mas, desde que as mu- ralhas sociais entre a burguesia a nobreza coriesfi So relativamente altas, (0s autores burgueses de livros posteriores sobre maneiras geralmente as expéem como alguma coisa estranha que tem que ser aprendida, porque assim que as coisas sio feitas na corte. Por mais conhecedores do assunto que esses autores possam ser, falam dele como estranhos, no raro com luma visivel falta de jeito. E um estrato social relativamente confinado, re- sional © pobre que escreve na Alemanha no periodo sepuinte ©, em espe- cial, apés a Guerra dos Trinta Anos, E sé na segunda metade do século XVII, quando & intelligentsia burguesa salem’, como uma espécie de van- fuarda da burguesia comercial, consegue novas oportunidades de progresso social ¢ mais liberdade de movimento, ¢ “que ouvimos novamente a lingua € @ manifestagio de uma auto-imagem semelhante a dos humanistas, em especial de Erasmo, Mesmo neste instante, contudo, dificilmente, se € que alguma vez, se diz abertamente aos nobres que seus brasdes valem menos que 0 cultivo das artes liberales, mesmo que isto seja com grande freqiién- cia 0 que se tem em mente © que foi mostrado no capitulo introdutério sobre 0 movimento de fins do século XVII remete a uma tradigio muito mais antiga, a uma ccaracteristica estrutural geral de sociedade alemi decorrente do crescimen- to tio vigoroso das cidades © da classe burguesa perto do fim da Idade Média. Na Franga ¢, esporadicamente na Inglaterra e Itélia, certa_propor- glo de escritores burgueses acha que pertence aos circulos da aristocracia, Na Alemanha isto acontece muito menos, Nos outros paises, os autores nio 86 escrevem principalmente para os circulos das aristocracias das cortes, ‘mas se identificam também em muito com suas manciras, costumes ¢ opi. nies. Na Alemanba é muito mais fraca. considerada menos natural © muito mais rara essa identificagio dos membros da intelligentsia com a alta classe de carte. A posicfio duvidora que ccupam (juntamente com certas descuue fianga daqueles que se lesitimam principalmente em virtude de suas ma- neiras, cortesia, ou desenvoltura no comportamento) ¢ parte de ume longa 8 0 processo eivilicador tradigHo, especialmente porque os valores da aristocracia alema de corte — que Se decompde em numerosos cfrculos mais ou menos amplos, mio é unificada em uma “sociedade” grande © central e, além disso, € burocra- tizada desde cedo — no podem ser desenvolvidos tao plenamente como nos paises ocidentais. Em ver disso, surge aqui, mais nitidamente do que nesses paises, um cisma entre a tradig&o cultural-burocrética, baseada na universidade da “Kultur” de classe média, por um lado, ¢ a tradigio bu- rocritico-militar, nlio menos burocratizada, da nobreza, por outro. 5. © tratado de Erasmo sobre maneiras teve influéncia tanto na Ale~ manha ¢ Inglaterra como na Franga e Itélia. O que liga sua atitude & da intelligentsia alema posterior & a falta de identificagio com a classe alta de corte, © sua observacio de que 0 estudo da “civilidade” € sem divida ‘rassissima philosophiae indica uma escala de valores que no deixava de ter certo parentesco com a avaliaglo feita, na tradigio alema, da Zivilisa- tion © Kultur Em conseqiiéncia, Erasmo no vé seus preceitos como dirigidos a uma classe particular. Nao atribui énfase especial a distingdes sociais, se igno- ramos a critica ocasional a camponeses © pequenos negociantes. E preci- samente essa falta de orientagio social especifica nos preceitos, sua apre- sentacdo como regras humanas gerais, que the distingue 0 tratado dos que 6 sucederam na tradi¢do italiana e, especiaimente, francese Erasmo diz simplesmente, por exemplo, “Incessus nec fractus sit, nec praeceps” (O passo nem deve ser demasiado lento nem demasiado rapido) Pouco depois, no Galateo, o italiano Giovanni Della Case afirma a mesma coisa (Cap. VI, 5. Parte III). Mas para ele o mesmo preceito tem uma fungio directa c dbvia como meio de distingio social: “Non dee Thuome nobile correre per via, ne troppo affretarsi, che cio conviene a palafreniere € non a gentilhuomo. Ne percio si dee andare si lento, ne si conregnoso come femmina 0 come sposi” (O nobre no deve corer como um lacaio, nem andar to vagarosamente como mulheres ou noivas). E caracteristico, € concorda com todas as nosses demais observagdes, que uma traducdo lem do Galateo — uma edicio em cinco idiomas de 1609 (Genebra) — procura invariavelmente, como a traducGo latina © a0 contrario de todas as outras, apagar as diferenciagBes sociais contidas no original. © trecho acima citado, por exemplo, € traduzido da seguinte mancira: “Por conse- uinte, um nobre, ou qualquer outro homem de honra, nao deve correr nna rua ou apressar-se demais, uma vez que isto & proprio de lacaio € no de cavalheiro... Nem deve andar lentamente demais, como se fosse uma ‘majestoss matrona ou uma jovem noiva.” (p. 562) ‘AS palavras “homem de honra” sio inseridas aqui possivelmente como referencia aos conselheiros burgueses. Mudangas semelhantes slo en- contradas em muitos outros trechos. Ao passo que o italiano diz simples-

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