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Educacao Social e Mediacao Sociocultural | y wy a Ficha Técnica Titulo Educagdo Soil e Mediacio Sociocultural ‘Autor Rna Maria Sousa Neves Vieira Edigo PROFEDICOES, Lda/ Joma a Pagina Capa Sersiito— Mas Concepgao Gréfica Serstito~ Max Tiragem 750 exemplares Depésito legal 356522/13, ISBN 978-972-8562. 12 Edigdo Junho 2013 PROFEDIGOES, Lda Jornal a Pina da Educacdo 2.D.Manuel ll, 51.¢~ 2.°andar—sala2.5 4050-345 Porto Tel. 226 002 790 Fax 226 070531 livteseprofedicoes.pt redaccao@apagina pt hnttp:/wwwapagina pt! htp/wwew.profedicoes pivraria Capitulo 1 Da complexidade da escola contemporanea Aescola"para todos" diversificou ainda mais os alunos epassou a exigir outrotipo de respostas com vista a inclusdo social, Desenvolvemos, de seguida, esta complexidade sociopedagégica em torno de quatro pontos auténomos: a problemstica;a escola como um microcosmos da sociadade; a pertinéncia do estudo; ea patologizacao do social: a diferenca como deficiéncia. 1.1. Aproblematica ‘Aescolaé um dos pilares fundamentais da "criagtio e desenvolvimento dos Estados- -Nagiio europeus e, no caso portugués, do Estado laico e monérquico, primeiro, e laico republiconos e multiétnico, depois, cujas funcdes manifestas se identificavam, essen- ciolmente com a instrugtio e a sociatizacdio" (Silva, 2003: 60). Mas parece que a escola no acompanhou o desenvolvimento da sociedade e que o hiato entre a vida na escola ea vida para além da mesma esta a ampliar-se, "Com tantos baluartes tradicionais da economia acidental a aparecerem cada vez mais pre- carios, no contexto de um mercado global em expansio, os sistemas escoleres eos seus, professores esto aserincumbidos de tarefas onerosas relativas ®eneracdo econémica’ (Hargreaves, 1998: 27). Como nos lembra Américo Peres, a sociedade e a escola contemporaneas sao cada vez mais complexas e multiculturais e ¢ inevitavel repensar o papel do Estado e das instituigdes educativas no ensinar a aprender a viver juntos (Caride, 2009; Jares, 2007; Machado, 2002; Peres, 2010b; Torres, 1996; Touraine, 1998; V/A, 2008). Vivernas num "mundo em que as migracBes sdo um fendmeno global, em que os grupos minoritérios recla- mam odireito a diferenga, mas que, 20 mesmotempo, sofre das maleitas dahomogeneizacao. As sociedades esto, hoje, onfrontadas com novos desafiose problemas provocados,emboa medida, por aquilo que se designa por globalizacao. Acelerador des migragbeshumanas, aglo- balizagio acentua a necessidade de se aprofundar a reflexio sécio-antropoldgica em torno das questes étnicas e culturais.E imperioso repensar opapel da Sociedade, do Estado e das instituigdes educativas eaacc3o dos educadores e dos professoresneste contexto econdmico, 36 | Educecio Social e MediagSo Sociocutturat social e politico mais complexo, trespassado por desigualdades e exclusdes dos mais variados tipos, nomeadamente as que se relacionamcom aidentidade ea diversidade” (Peres, 2002: 4). Urge, pois, articular a educacio eo desenvolvimento comunitario {Caride,2007).Urge construir pontes e ligar a educacdo & sociedade e vice-versa. E “sem educagio no ha cidaddio e a cidadania global néio se constrdi discriminando os grupos soctais subalter- nizados, violando os direitos politicos e civis, econdmicos e sociais, ambientais, tdos eles interdependentes e anecessitarem de politicas que os legitimem’ (Peres, 2002: ). Como refere Isabel Freire, na sua tese de dautoramento', ao reflectir sobre a indis- ciplina na escola, que considera um fendmeno multifacetado: “A entrada generalizada na escola pés-priméria das classes sociais desfavorecidas sob ponto devista econdmico,sociale cultural, aliadas falta de adaptacao ou, pelomenos, dreac- (fo excessivamente lenta das escolas e dos sistemas educativos em geral a este fendmeno demogréfico, trouxe consequeéncias arrasadoras a nivel do sucesso escolar eem simultneo, quer oagravamento, quer oaparecimento de novos problemas disciplinares|...] Estes factos criaram uma necessidade crescente de aceder @ uma melhor compreenséo da vide escolar nas suas miltiplas dimensées e, de um modo muito particular. aos aspectos que se prendem coma qualidade de vida nas escolas, pelos reflexos que esta pode ter nao sé no quotidiano de alunos, professores.e demais educadores, como seguramente teréno desenvolvimento de novasgeraces" (Freire, 2001-18). Aescola, enquanto espaco social (Sanches, 2009) e educativo, sempre foi um lugar de encontros e desencontros de pessoas, culturas, saberes, credos, representacbes sociais, etc. Contudo, a “escola para todos” trouxe mais gente para dentro do mesmo espaco, das mesmas regras, da mesma cultura hegemdnica do Estado-Nacao. Eassim que temos hoje, diariamente, a comunicagao social a dar conta das frequentes tensées edos conflitos na escola ou avolta dela de que 0 bullying passou aser, nos tiltimos tem- pos, a parte mais vistvel, porque das mais comentadas actualmente. A escola é, assim, cada vez mais, um microcosmos da sociedade (Vieira, 2007b; Vieira e Vieira, 2006 € 2007):“Os professores apontam que as criangas de hoje sto, geralmente, mais dificeis do que outrora. Mencionam problemas ligados 4 falta de respeito pelas pessoas pelo moterial criangas que amadurecem muito répido, que sao desabusadas, corrompidas" {Tardif e Lessard, 2007:153). A educacSo, mesmo a educacac escolar, se quiser ser para todos, tem de, muito provavelmente, constituir-se num processo de mediagao entre sujeitos, contextos e saberes (Forquin, 1993;Silva, 2007), como em Portugal dé bem conta Resende (2008:97): | FREIRE, Isabel (2001), Pereursos Disciplinares e Contextos Escolares: dois estudos de caso. Dissertagio apresentada Faculdade de Psicologiae de Céncias da Educacao da Universidade de Lisboa para aobten- {Bo de Graurde Doutar em Ciencias da Educagao, Lisboa: FPCE/UL. 40 | Educagao Social e Medagdo Sociocultural Esse trabalho de mediacao, também por parte dos educadores/professores, no tem constituido 0 seu papel tradicional. De resto, esta concepcio abertae dialégica da educacio torna 0 proceso e as profissdes que Ihe esto assaciadas muito mais com- plexos, ‘Advogar uma sociedade educativa ndo é o mesmo que defender a escolariza- ¢Go da sociedade" (Baptista, 2005: 61). Por outro lado, este paradigma nao untvoco da educacao, abriga a pensar nas tensdes como factonormal darelacdo entre estas vérias inst€ncias sociais e educativas: "Numa época como anossa,ninguém ignora quea resolucao pacifica dos conflitas constituium dos grandes desafios da sociedade actual. Por outro lado, as instituicées educativas sentem, cadavez.com maior preméncia, anecessidade de dispor de técnicas e processos eficazes, de modo a poderem dar resposta a uma crescente diversidade de personalidades com diferen- tes interesses, desejos enecessidades, que dao origem auma multiplicidade de situacées de divergéncia interpessoal" (Seijo, 2003: 4). Por isso, também, énecessério conhecer muito bem o sistema de comunicacao entre a familia ea escola (Perrenoud, 1995: 90). E que a diferenga que se regista na sala de aulas éuma diferenga que sé aparentemente é exclusiva da ordem individual, no sentido psicolégico da coisa. A diferenca é pessoal, no sentido da simultaneidade individual e grupal que serecriam em cada sujeito (Vieira, 2009) numa mestigagem caleidoscépica “Todas as pessoas, todas as culturas, participa inexoravelmente de outras culturas, inclusivamente comrelagées de conflitoe dominio. O ser humano ¢ fundamentalmente intercultural e mestico" (Jares, 2007: 42), Mas adiferenca é também social e cultural, o que implica pensar ndo apenas no aluno, mas na pessoa do aluno, que nao esta s6na escola, mas, também, entreaescolae olar (Vieira, 1992; Perrenoud, 1995}. Ter emconta quer essas diversidades quer esse processo complexo de pensar o proceso educativo“entre’ seja entre a escola e a familia, seja entre a escola e a comunidade, seja entre a comunidade eaescola, é ter de estar sensibilizados e preparados para a tensdo permanente (Tardif e Lessard, 2008). Como refere Restrepo (1999:142], “A diversidade faz parte da videe pode serum factor de conflituatidade: «Convivernum ecossistema humano implica ter sensibilidade para reconhecer a diferenca, acolhendo com ternura os momentos queo conflito nos oferece para alimentarmos o crescimento miituo»" Por seu lado, Jares (2007.16!) refere os conflitos como resultado da relacao/diferenca: “€ evidente queum dos grandes conflitos que se colocamnaactualidade é precisamente esta relacdoigualdade/diferenca. Partindo dos pressupostos deuma educacfiodemacraticae com prometida com os valores da ustica, dapaz e dos direitos humanos, temos de enfrentar este diversidade exigindo os apoios necessérios, mas nunca favorecendo politicas de segregacdo no interior das escolas” Copitulo1.Dacomplexicade do esclacontempartnea | AU E gerir essas diferencas de modos de ver, pensar, agit gerir esas tensBes de forma atransformar 0 conflitonum elemento enriquecedor para os partes, requer autilizagao de certas competéncias e procedimentos, entre os quais a mediagGo” (Seijo, 2003:5). Gerir essas diferencas, de forma nao desigual, 6 implicarmo-nos num trabalho de negociaao que denominamos aqui de mediagao escolar e sociopedagégica: “Por vezes, 0s professores, ao terem de trabalhar com todos os alunos numa sala de aula, sentem dificuldade em comunicar com eles. Foi esta realidade que deu origer ao regresso dométodo tutorial ao cenério educativo” (Baudrit, 20002), Com efeito, nos Estados Unidos, nos anos 60, umaimportante vaga de imigracdo fez com que os professores americanos se vissem muitas vezes confrontados com alunos provenientes de outras culturas, e quenemsequer falavam alinguadaescola.Nestas con- digdes, como se podiam entdo entender? O queé queosprofessores podiam transmitir ‘aos alunos? Face a esta dificuldade, Peggy e Ronald Lippitt tiveram a ideia de recrutar tutores que fossem capazes de comunicar com estes alunos. Originérios do mesmopals, masjéresidindo nos Estados Unidoshd alguns anos, estes ovens tinham tido tempo sufi- ciente para se familiarizarem comanova cultura para aprenderem inglés. Eram pois as pessoas com mais recursos susceptiveis de poderem ajudar os alunos recém chegados com dificuldades de integrago no sistema escolar americano” (Baudrit, 20098). Efectivamente, estabelecer contactos e comunicacao comarede familiare comunitaria do.aluno ¢ vital mas nada facil, por vezes. Como diz Almeida (2004: 46) “Os mediadores profissionais, sobretudo aqueles que do ponto de vista funcional e de competéncias, esto mais préximos dos utentese do seucontexto geogrdfico e social de proveniéncia, desenvalvem esforcos de articulactio e de promogao de redes de proximidade, articu- lando redes de solidariedade formal e informal. Estabelecem contactos com familiares, ‘amigos, vizinhos, [...]”. Por outro lado, a frequéncia da escola para todos tem como consequéncia directa a transformaco dos problemas sociais em problemas escolares (resultantes da pobreza, do desemprego, da desigualdade de classes, toxicodependéncia, violéncia juvenil, sida, desestruturacSo social, exclusdo social, etc}. E isto leva a que se pense noalargamento das fungdes dos professores, perspectivando a profissaio como algo préximo do trabalho social (Cardoso, 2006; Teodoro, 2006), e entendé-la na logica do servico, numa dindmica relacional, para responder aos apelos dos outros aos quais no pademos ficar indiferen- tes (Baptista, 1998 e 2005). Em alternativa, ou complementarmente, pode-se pensar em novos profissionais para actuar na escola a par dos docentes (Cardoso, 2006; Correia e Silva, 2010; Freire, 2010; Rodrigues, 2006; Silva, 2003 e 2010; Veiga Simao, Caetano e Freire, 2009; Vieira, 1992, 2007b, 2010 e 20M;; Ytarte, 2010). Como regista Isabel Freire (2010:59), “No caso da educagao escolar a complexidade de hoje caracteriza os siste- 42 | Educacso Socal eMediacto Sociocultural mas educativos e os desafios que aquela coloca tem levado a criagGo de estruturas e figuras facilitadoras da ligacdo entre sistemas, organizacées, grupos ousimplesmente entre pessoas". Comorefere, também, David Rodrigues (2006: 311), a propésitode“Dez ideias (mal)feitas sobre a educacao inclusiva’ “a escola regular, se quiser ser capaz de responder com competéncia e rigor 6 diversidade de todos os seus alunos, necesita recrutar pessoal mais especializado {terapeutas, psicélogos, trabathadores saciais, etc.) edispor de equipamentos e recursos materiais mais diferenciados. Enfimnecessita de ser uma organizacdo diferenciada de aprendizagem|...|". Mas, vale a pena questionarmo-nos, como refere, Isabel Baptista (2005; 62), “..} onde fica entéio a autoridade, a identidade, da organizagéo escola quando asociedade reclama condi¢ées parauma aprendizagem continuo, protagonizada por todas as pes- soas, em todas as circunstéincia da sua vida? Neste novo cendrio, qual é a diferenca, 0 sentico e o valor de ser professor? Em que medida continua a ser pertinente o modo escolar de ensinar a aprender?” Sabemos quea diversidade cultural é um facto, ainda queseja maisinvistvel para alguns do que para outros, Stephen Stoer e Luiza Cortesaa (1999) designaram de daltonismo cultural aatitude etnocéntrica que levaa considerar os outros comonao cultura ou, entéo, como deficiéncia cultural, A diversidade cultural sempre existiu nas escolas pilblicas: *Meninos de meio rural e de meio urbano, filhos de pais lerdos ou analfabetos chegavarn &s escolas com as suas experiéncias e modos de vida, os seus saberes, as suas segurancas, insegurangas, a suas proximidades ou estranhezas cam asita «cultura escolar». Sé que essa civersidade, de naturezainternaa cada pats, nfo tinhe coresnem falar «crioulos», nem roupas iferentes (tinhaa dosricose dos pobres, claro, masisso era «naturals... Hoje,a dversidade tornou-se muito mais visivel. fem origens eter cor, tem autrasilinguase outroshabitos, alguns quea maioria dos portugueses néo partilha" (Benavente, 2008b:14) Talvez por isto, sdohoje exigidas a escola eao professor inimeras funcées como pro- fissional (Tardif eLessard, 2005), Espera-se, por parte das comunidades, das) familia(s) e do préprio Estado enquantolegistador, que os professores dos ensino bisico esecun- dario tenham, entre outras missdes, a de educadores, bons transmissores de conheci- mento e de valores, instrutores, animadores, mediadores entre a escola, a familia e a comunidade, construtores do sucesso educative para todos e de futuros promissores e de qualidade de vida para todos. Nao raras vezes, é-thes pedido, também, que contribuam para o combatea discriminacao, e que actuem com vista 8 construgao de uma escola e de uma sociedade cada vez mais inclusivas. Falando sobre arenovaco da educagao coma espacoppblico, AnténioNévoa,numcapl- tulo de um livro recente que trata do “Oficio de Professor” onde se defende que o ensino | “se tornou um trabalho especializado e complexo, uma actividade rigorosa, que exige, i Capitulo}. Da corplenidede ce escolacontemnporénea | 43 daqueles e daquelas que aexercem, cexisténcia de um verdadeiro profissionalismo"(Tar- difeLessard, 2008), defende que urge fazer o debate emtorno de algumas interrogacbes: “Como conseguir queas familias eas comunidades sintam que aescolalhespertence, semque, ‘20 mesmo tempo, elas se fechem na"sua"escola? Como conseguir que a educago responda €s aspiracBes eaos desejos de cadaum sem ao mesmo temparenunciar dintegragio de todos numa cultura compartilhada? As solugées do pasado nao respondem mais ds questées do presente” (Névoa, 2008: 225). Ha hoje varios estudos em Portugal que mostram que muitos dos problemas classi- ficados como indisciplina escolar so tenses sociais entre os novos puiblicos da escola (Amado, 2000: 418; Amado ¢ Freire, 2002). Quanto ao papel do professor, nestas maté- rias, trata-se, provavelmente, de muita funcao para um professor sé (Cortesio, 2000b; Teadoro, 2006). Alguns professores aceitam passivamente esta representacao social multifacetada que os outros tém dele enquanto docente e fingem; tantas vezes, sero que verdadeiramente nao sio.”A face que apresentamos ao mundo exterior, raras vezes 6a verdadeira” (Fast, 1984: 61).E até possivel que muitos destes professores usem tantas mascaras quantos os papéis sociais acima enunciados, sem nunca verdadeiramente os desempenharem tal qualas expectativas. Comonos recorda Erving Goffman (1993:291), “uma vez que arealidade com que o individuo se encontra cometido é momentaneamente inapreens(velna sua totalidade,o individuo terd de se valer das aporéncias disponlveis.E, paradoxalmente, quanto mais oindividuo se encontraempenhado numarealidadea que apercep¢donGo the facultaacesso, mais a sua atengdose concentrarénas cparéncias" Outros docentes, provavelmente, porque esto mais instalados no sistemae, talvez porisso mesmo, mais seguros profissionalmentee, portanto, capazes de veicularum eu porventura mais auténtico, dizem, simplesmente e ndo raras vezes, que “eu souprofes- sor, no sou psicdlogo nem assistente social...” Ha ainda, porventura, outro tipo de professores que, ou porque vive uma condi¢ao profissional mais fragil e, assim, procura tudo incorporar nos seus papéis sociais, ou porque se sente sensibilizado, motivado para ir além do mero processo de ensino- -aprendizagem, assume essa complexidade de papéis e apresenta-se a si proprio “e d sua actividade perante os outros, as maneiras como orienta controlaaimpresséo que 0s outros formam dele, as diferentes coisas que poderd fazer ou néo fazer enquanto desempenha perante os outros 0 seu papel” (Goffman, 1993: 9) como um profissional completo, como um eu mestico (Jares, 2007; Laplantine e Nouss, 2002; Vieira, 2009b), umeucompésito (Maaloouf, 1999}, ou um eu hibrido (Hall, 2003; Magalhdes, 2001; Maga~ thaes e Stoer, 20068 e b; Stoer, Magalhdes e Rodrigues, 2004), Parece ser verdadeque, neste tltimo tipo de professores, muitosha que conviverirela- tivamente bem com amultiplicidade de papéis sociais que lhe so cometidos quer pelas HE RUIN 3 Sociocultural 444 |Educagbo Sociale Med : representacdes sociais quer pelalegislacao. Estes, terdo, provavelmente, incorporadoum habitus professoral que se alonga paraalém das paredes da sala de aula (Bourdieu, 1997b 2002; Perrenoud, 2002; Vieira, 1999a e b). Mas ¢ facto que a escola so hoje pedidas : soluc®es por vezes mais sociais do que simplesmente pedagogicas.E estardoprofessor capacitado para as abracar todas? Terao todos incorporado esse habitus professoral, essa disposicio de trabalhador social para alémda sala de aulas? E endo oincorporaram | serd posslvel a profissionalizacao docente fazé-lo? Muita pergunta para responder e a | | que, provavelmente, pelo menos no caso das duas tltimas, nao adiantaremos respostas | neste estudo, pois isso levaria a focalizar a nossa investigagao no estudo biogréfico dos professores mais multiformes e interventores sociais para além da sala de aula. Mas mesmo que haja vontade de tudo abracar, a questéo é que parece ser duvidoso, | ser humanamente posstvel desempenhar todas essas fungies com qualidade e eficd- cia. Mesmo que o docente se entregue voluntariamente para alémdo tempo exigido por lei,a verdade é que se trata de algumas fungées algo especificas, que exigem formagao também especifica, e que, em consequéncia, podem nao ser vidveis de desempenhar por um unico professor, por muito global, glocal (Robertson, 1999), multifuncional e | plurifacetado que seja “Pedimos &educacdo que cumpra objectives distintos, 3s vazes contraditérios:desenvolver a pessoa e formar o trabathador, garantir a igualdade de oportunidades ea selecao das elites, promover a mobilidade profissional e a coeséo social. Insistimos muitas vezes num discurso deprestacdode servicgos a um “cliente” cujaidentidade nem conseguimos definir claramente: numa certa perspectiva, ocliente ¢o aluno. Em outra, sfoas familias, Numa terceira, a comuni- dade no seuconjunto que paga a educacao e exige e formacao de cidaddos competentes ede trabalhadores eficientes.Contentar todos esses clientes nd é tarefa facil” (Névoa,2008:229), ; ‘Além destes papéis, 0 professor é, como se sabe, um funcionério publico, ou traba- thador no dominio privado, com varias fungdes administrativas (Tardif e Lessard, 2005). Emcasa, ele tem que preparar aulas, planificar actividades a médio, longoe curtoprazo, corrigir testes, trabalhos praticos, fazer a respectiva avaliacio, etc: “Deum lado, assistimas a um aumento dos controles e da buracratizacao da escola edo tra- balho escolar. Trata-se de racionalizar ao maximo o ensino, de torné-lo eficiente einstrumen- tal Diversos meios sao utlizados: agravamento do curricula, muttipicagao das avaliagdes, competi¢do, bgica de mercado entre as escolas, salério por mérito, tratamento tecnolégico do trabalho baseado numa pretensa base de conhecimentos, etc. De outro lado, tem-se uma visio aparentemente mais comunitéria ehumanista do ensino.Privilegia-se oretarno dbase, investimento na comunidade local coma pélo de decisdo e a imputabilidade dos atores (empowerment, profissionalizac3o dos docentes}, a descentralizacio,o desenvolvimento de projetas de estabelecimentoeaconcessao de uma margemdemanabra importante, inclusive sobre. plano curricular” (Tardif e Lessard, 2006: 150) Captlo1.Da comple daescolacontemparsnes | AS Para além desta faceta, hd ainda essas funcBes de trabalho social emergentes, uma vez que 0s problemas sociais esto cada vez mais representados na escola, sendo que nem todos os professores esto preparados, cientificamente, oumesmosensibilizados, do ponte de vista desse habitus enquanto gramética de atitudes, em conformidade com Pierre Bourdieu, para essa assumpcéo: “Os individuos iriam aprendendo desde cedo, no pratica, que determinadas estratégias ou objectivos sto possiveis oumesmo desejdveis paraalémcoma sua posicéo social e que autros sd inalcangdveis. Esse conhecimento prdtico iria, aos poucos, incorporando-se e transformando-se em disposicées para a ac¢éio" (Nogueira e Nogueira, 2004:54). Quando se trata dum director de turma, al a necessidade dessa predisposigio e capacidade de acumulagao de papéis socials e de responsabilidades varias ¢ aindamais notéria. Dir-se-é que este docente tem crédito lectivo distribuido paraessas atribuicées, mas no ¢ liquido que as possa realizar todas com sucesso. A questo nao 6 apenas de ter tempo ounao, de ter oundo créditos atribuldos para o desempenho de tais tarefas. Ha, evidentemente, questdes objectivas de temporalidade e de condicdes logisticas, da preparagdo para o desempenho de determinadas funcdes, através de cursos de forma- ¢Socontinua ou outros, mas, ha, também, as dimensdes subjectivas que dizemrespeito 3 disponibilidade mental e ao habitus no escolastico (Bourdieu, 1997) que nao esta incorporado nas *mentes culturais" (Iturra, 19902 eb) de todos os professores. Ariana Cosme e Rui Trindade (2007: 13) referem que “as escolas so hoje chamadas a assumir funcdes mais amplasnas sociedades contemporéneas. E inevitdvel que assim seja, cpesar de ser necessdirio reconhecer que algumas das reivindicagdes que tém tido ainstituigo escolar como alvo so, porventura, excessivas e, como tal, sio imprevi- dentes na momento em que tendem a descaracterizar a instituigéio escolar como uma instituig@o de natureza cuttural” Do ponto de vista tedrico, quando a interaccao escola-familiaé pouco consistentee precisa ser aprofundada, por exemplo, é vulgar dizer-se que“se no vai Maomé ¢ man- tanha vaia montanha a Maomeé" Mas, parece ser verdade que hd algumas dificuldades em colocar alguns professores a interagir e a trabalhar fora da sala de aula. A sala de aula tem sido, por natureza e historicidade, o espaco sagrado do professor. E levar a montanha a Maomé implicaria que os docentes estivessem preparados, sensibilizados, como dito habitus incorporado, e que se disponibilizassem para sair do retno da sala de aula, da escola em geral, e se atrevessem a buscar 0 entendimento dos alunos e seu contexto em ambiente nao escolar; quer dizer, na vida social (Benavente, 1987 € 1992; Correia, 1999; Corteso, 2001; Iturra, 1990b; Névoa, 1992b e c; Peres, 1999; Souta, 1997; Stoer, 1992; Stoer e Silva, 2005; Vieira, 1998 e 1999a). Ainvestigagao emplrica de que damos conta nos capitulos 5, 6 e7 mostra-nos que o territério escolar no pode, provavelmente, nos dias de hoje, funcionar apenas com os 4G | EdscacS0 Social e Mediacéo Sociocultural professores como profissionais a par das nda docentes, 0 trabalho do professor tem, efectivamente, de estar direccionado para a dimensdo pedagdgica, mas nao pode des- curar, no entanto, todas as outras dimensées sociais e culturais, Por isso, afirmemos que, em qualquer situagio, o professor deve ser um mediador e servir de ponte entre, por exemplo, autros profissionais que trabalhem na escola para que, em conjunto, se consiga construir o ideal dos projectos da escola contemporanea: o trabalho emrede. Aescola é um microcosmos da sociedade e, como tal, convive com todos 0s pro- blemas inerentes a realidade social do mundo contemporneo. Isto, por si s6, é razao suficiente para admitir, pelo menos, anecessidade de reflexdo sobre a incluso de um conjunto mais alargado de profissionais sociais na escola como discutiremos no capi- tulo 2 onde fazemos a revisao bibliografica sobre os estudos realizados neste &mbito. Enaescola, porque a escola faz parte darealidade social, que se reflectemmuitos dos problemas sociais do mundo de hoje, Os professores da escola contempordnea passaram a ver-se confrontados com situages que fogem 4 fun¢&o tradicional do professor (Barbieri, 2003). Por isso, é de admitir a emergéncia de estruturas que per- mitam que 0 espaca escolar seja munido com determinados profissionais que actuem noutras vertentes diferentes da vertente pedagégica, que cultivem outro tipo de rela- cionamento com os alunos, que tenham uma perspectiva diferente das realidades de cada aluno e que procurem, fora da escola, se necessério for, ajuda para a resolucao desses mesmos problemas. Estes profissionais especializados sao fundamentais para que se faca um trabalho de prevencio e de mediagio, no sentido de evitar que se atinjam determinadas situacées limite que poderiam ser evitadas antes da gota de dgua transbordar e gerar a tempestade do conflito, da violéncia ou de bullying Por isso discutiremos, também no capitulo 2¢, em geral, ao longo de todaa investigacio, anecessidade de se pensar na mediacao a montante dos problemas e ndo sé, apenas, na resoluco dos mesmos. ‘Comungamos com Carlos Cardoso (2006: 33) para quem ‘A educacdo ndo se foz sé com professores. A sua qualidade estd cada vez mais dependente de intervencdes a montante da sala de aula. SGo al necessdrios mais e melhores profissionais, O espago entre sociedade a sociedade/famtlia e o professor/escola, tornou-se cada vez mais amplo e complexo, exigindo intervengtio de agentes educativos especializados”e com Henriot Van Zanten (1990) que refere, a propdsito do papel dos docentes, quehdmuito que os professores nao sao 0s tinicas agentes socializadores das criancas, havendo novos profissionais e agentes educativos que pretendem articular o meio local como territério escolar entre o5 quais os profissionais do trabalho social A propésito da diversidade de tarefas desempenhadas pelos docentes, Anténio Névoa defende que ¢ preciso redefinir o sentido social do trabalho docente e que isso levanta alguns dilemas: Capttulo.Da complesidade da escata conterporsnes | 47 “A concepgo da escola como espaco aberto, em ligagzo com outras instituicdes culturais © cientificas, e com uma forte presenca das comunidades locais, obriga os docentes aredefinir o sentido social do seu trabalho. Agastando-se de filiages buracraticas e corporativistas, eles devernreconstruiruma identidade profissional quevalorize o seupapel de animadores de redes de aprendizagem de mediadores culturais e de organizedores de situacdes educativas. E verdade que uma tal evolugaolevariaa uma meior aberturadas escolas edos docentes, que seriarn mais vulneréveis ao olhar publico. Mas essa «vulnerabilidade» é condicéonecessaria para favor social e aafirmacio profissional” (Névoa, 2008: 228). 1.2. Aescola como um microcosmo da sociedade Aescola, pelo seu cardcter obrigatério euniversal nas sociedades ocidentats, acolhe, de formaprolongada, as criangas ejovens de determinadas classes etérias, independen- temente do sexo, condicao social, origer étnica oureligiosa. A escola, mais do que qual- quer outra instituigao social, integra*todas as diversidades sociais e culturais presentes nasociedade. Nesse espaco social (Sanches, 2009) cruzam-se muitas das questées que hoje emergem nas sociedades de modernidade tardia, das desigualdades socials as questdes de género, da democracia as questdes da cidadania e da participa activa dos sujeitos, da integracdo 2 incluso e a exclusao social, da indisciplina a violéncia, da coexisténcia das diversidades até &(re}construgdo das identidades pessoaise cutturais (ares, 2007; Vieira, 2009a eb). Paulo Delgado (2007: 155), num trabalho sobre o acolhimento familiar, refere que “o processo de integra¢do das criangas na escola gera em certos casos alguma discrimi- nagdo, que ndo visa forcosa e assumidamente a sua exclusdo mas que é o resultado de um tratamento diferenciado. Sdo «os meninos da assisténcia», pois nao sio filhos dos familias que os acolhem e acaba-se por saber a sua procedéncia”. Este é um dos muitos exemplos sociais em que a escola age, tantas vezes, de forma cega ou envolta naideia do aluno padrao. Neste sentido, Dannequin (1989: 89) refere que, "Cada vez mais, professores ou directores de escolas passaram areconhecer a necessidade de trabalhar comparceiros exteriores & escola, Oisolamento dos professores,sozinhos numa ‘turmaao longo do ano, também uma das causas do mal-estar da profissdo docente e contribui frequentemente para atrapalhar os melhores projectos educacionais por desénimo; nenhuma acco ¢ repetida por outros professores (dat a importncia de formar uma equipa na mesma escola) eos recursos locais sao ignorados ou subutilizados. Assim, quando os centros sociais 2 Aguioconceite de ntegracdosurgeno sentide da teoria dos conjuntos, emmatematica endoparaafirmar quehaintegsacdo sem incluso ou, pelo contraria,integragaoinclusiva ou outra politica sociale pedagigica possivel, : AB | Eticago Sociale MediogGo Soctcuturl que ofereciamactividades durante varios anos em tornode livros, leiturae informatica, foram “descobertos’ pelas escolas ao redor, quando coordenador de ZEP. um animador ou um pro- i! fessor falou com os pais para sereunirem" Apropésite destas din&micas e, em particular, sobre ocaracter mutavel einacabado | das identidades, concordamos com Gimeno Sacristan (2001; 93) quando afirma que “0 direito & diferenca cultural ndo pode apelar & defesa de uma pureza da prépria cultura diante da dos outros, que nem existiu nem existe; nem deve tentar evitar estes fenémenos de globatizacio, porque cantribuem de forma espontSnea para amudanga ea diversificacao que sio inerentes ds culturas vivas, de maneira téo natural como é0 factode teremuma espe- cificidade prépria, Entrar em contacto com os outros no implica perder a identidade nem renunciar aquilo que nos é préprio, necessariamente, mas é mative para revermos a visdo que temos do queé nosso” | Assim, ao contrario das conceptualizacées primordialistas e fixistas das identidades (Vieira, 20095), entendemos que o espaco escolar é um espaco de (re)criacao identitaria quer dos alunos quer das familias e comunidades, um espaco de encontro intercultural i (Cardoso, 2006; Peres 1999b e 2002}, também, de muitos desencontros, mas vida social | realnaqualse deve aprender areceber bem os outros (Baptista, 2000)ea saber conviver i com eles sem ser de costas voltadas, em gueto ou em forma escolar uniformizadorae assimilacionista (Bourdieu, 2005; Cardoso, 1996a, 1996b e 2006; L ahire, 2002; Perrenoud, 2000 e 2001). Nesta linha, Isabel Baptista (2010: 33) critica as concepcées egoldgicas: “Emnosso entender esta crise generalizada de confianca, emnésmesmas,navida ena propria condigo de estar ligado, constitu sintoma de uma crise mais radical e de natureza antropo- Légica que obrigaa questionar as concepgies de humano subjacentes quernos tém servido de referdncia, Com efeito, as identidades pessoais e colectivas encontram-se em boa medida reféns de concepcdes essencialistas e egolégicas, conducentes a praticas relacionais bem intencionadas e até compassivas mas incapazes de estabelecer pontes de interacco ou de gerarhistéria comum como outro” Seja comaintervengio directa e exclusiva de professores oude outros profissionais da educago e da mediacao, a comunidade escolar constitui-se num potencial palco de educa¢do social, numverdadeiro territério educativo, no sentido de aprender vivercom o outro sem se tornar no outro mas sendo influenciado pelo outro erecebendoe dando do cutroe ao outro. O pensamento é que precisa de treinar-separa ser mais plural, mals mestigo e menos monalitico e autocentrado (Laptantine et Nouss, 2002). A propésito do entrosamento da escola coma comunidade, e vice-versa,na buscade uma efectiva educagéio social (Marques, 1988 e 1997; Miguéns, 2008; Montadon e Per- renoud, 1987; Silva, 2001, 2003a eb), ndose trata, simplesmente, de trazer paraa escola Capftulo 1. Da complexidade da escola contemporénea | 49 os agentes sociais da comunidade envolvente para animar tempos de lazer? enquanto a familiando chega oumesmo ajudar a resolver os deveres escolares* “no se trata de fazer uma escola depois da escola" auinterferir com os métodos de ensino dos professores, mas para proporcionar atendimento individualizado as criangas que o solic ‘tem e um lugar onde padem jogar sozinhos, com os outros, com ou sem aajuda de um adulto. Por seu lado, os professores fatam do que se camprometem, nas escolas sao lancados con- vites para visitar uma exposigao depois de uma viagem da escola ou ira uma pega de teatro montada por CM2, Um funciondrio da Camara é convidado para um conselho de escola.” (Dannequin, 1989: 90) A complexidade do cruzamento cultural nos espacos escolares, entronca-se, ainda, em Portugal, com a co-existéncia, por uma lado, de um ensino obrigatério e gratuito, publico ou privado e, par outro, por um movimento paralelo de colégios e escolas pri- vadas, com umensino elitista e selectivo que, provavelmente, constrdi trajectos e pro-. Jectos de sucesso econémico mas, por outro lado, separa as criancas, javens e adultos da socializacéo multicultural, problematica, por vezes, contrastante tantas vezes, mas que, mediada de certa forma, pode ser um laboratério rico de aprendizageme educacaio social para a vida de tados os dias (Cardoso, 2006; Jares, 2002b e 2007; Sauta, 1999; Vieira, 2011). Mas, “Permanece a varivel poder no contexto das crescentes interaccdes globais. Aruptura com os constrangimentosrelativistas pressupSe abertura, comunicacao partilhe esolidariedade, pressupde a democratizacao das instituicdes, a promocao de igualdade de oportunidades reais (ndo s6 formais-legais)¢ oinvestimentona construcdo de uma sociedade multicultural de cidadanias solidérias, feitas da igualdade de direitos e de deveres’ (Cardoso, 2006: 135) Oenvolvimento dos pais, das familias, das autarquias, dos agentes ligados & ani- macao, a satide a solidariedade, etc. na construgio e implementago do prajecto edu- cativo é vital para o seureal sucesso e traz beneficios para todas as partes, para todas ‘as margens, para a escola eo outro lado da mesma, lados considerados margens de um rio mas que, em boa verdade, sao partes de um caleidoscépio cultural complexo (Vieira, 2009p), que 6 0préprioterritdrio educativo enquanto construgao social (Vieira e Vieira, 2011). E traz, inclusivamente, maior desempenho escolar dos alunos, como lembra Dan- nequin (1989: 103): “Hoje, no entanto, a escola precisa de olhar ao seu redor, para ter apoio para consolidar as ~aprendizagens que proporciona as criancas, usando os recursos e as infra-estruturas exter- ‘as tal como os actores socials envalvidos, de uma forma ou de outra, no campo dainfancia. + VulgoTPC. ‘ducagao Social e Medioz0 Sociocultural ‘O melhor desempenho académico das criangas passa por uma boa integracdo das familias no bairro e a escola é uma componente de vida do bairro, aberta ao exterior, que pode ser utilizada por pessoas ~ criangas, mas também adultos ~ coro um péla em torna do qual sao construldos os conhecimentos elaborados coma colaboracao de tados”, Trate-se de uma mudanca paradigmatica no seio da escola: o tradicional conceito de escola constrdi-se como um territério educativo inscrito num territério geografico que, sendo periférico ou néo, pobre oundo, precisa sempre deintervencao diferenciada como resposta a um projecto educativo também ele diferenciado e tinico,s mesmo sem ser classificado ou inventariado como Territério Educativo de Intervenc&o Prioritaria - TEIP.O territério educativo passa a conter o territério escolar bem como as familias e a(s) comunidades) ¢, de forma complexa, logo ndo redutivel 4 soma das partes, idealizam, planificam e executam 0 projecto enquanto obra de todo 0 territdrio educativo que se quer afirmar no contexto local, regional e nacional, e preparar os alunos paraasociedade contemporanea, 0 territério escolar (oua escola) é considerado o espaco de exceléncia, uma vez que todos os alunos tém de passar por Id, paramuitas das mediac6es arealizar em face das sinalizacGes diversas realizadas por qualquer das partes constitutivas do territério educativo. Nas palavras de uma das mediadoras entrevistadas, “Um dos objectivos dos gabinetes era tentar aglutinar estes trabalhos todos e eleger como, ddigamos,o paciente identificado como se diznaglria médica, aquelegaroto.£ Avoltadequemé quesettrabalha... sempre, comumaconsciénciamuite clara, de queaescola pode ser oespaco cdemediago por exceléncia, Porque eles vo todos & escola, faltandomais ou, faltandomenos, el Fazer da escola 0 espago... centralizar a problemética daquela familia na escola, porque eles, de uma forma ou de outra, tém mitidos; uns no jardim-de-infancia, outros na escola priméria, outros....sejalé onde for, 8m mids. E os que nao estona escola estio fora dela, par razdes quesdonegativas.E,neste momento, aindamats sentido faz, paramim, isto comaescolaridade até.ao 12° ano, Temos muito tempo detrabathar coma familia, apartir daescola, Osgabinetes eram este... O apoio avaluno e & familia tinha essa vertente! Nesta perspectiva, a Escola é considerada como que a “capital” de um territério abrangente para com todos servira todos. um espaco de excelénciapara detectar pro- blemas econdmicos, sociais e familiares. Dessa centralidade esta bem ciente Rita, uma educadora de infancia, ex técnica do IAC, e promotora de varios projectos demediacao sociopedagdgicaem GAAF. “Quem sabe se a familia est bem, se a familia esta mal, se receberam, se pagam ou, se ndo pagam, é escola |... aescola sabe isso tudo, Os garotos mais pequenos, que trazem anche paraa escola, basta a gente abrir a lancheira para perceber como é que a familia estd e se 5 Oreferido caleidoscépio cultural. : rrecebeuh pouco tempo ound, se tem rendimento ou se ndo tem rendimento. A gente abre alancheira, quando coisa esté boa, sfobolycaos para dentro, quando chegaao inal domés, noha nada para comer. A escola se for dada, também, essa... |..]éuma... fungaio que ine- rente.aa nosso trabalho como professores, Porque, antes de mals, a gente tern que perceder se 0s garotos esto em condicdes de aprender, ou no. E para eles estarem em condigdes de aprender, hé um conjunto de condicSes, de procedimentos que tém que estar assegurados, Isto so coisas to simples como, por exemplo, a alimentacdo. Nés no temos sé os peque- ninos a chegar & escola sem comer, temos garotos que esto, toda @ manha, na escola, sem comerem nadinha! Por isso, é queeles, 8s vezes, se portam tio matnas salas, esto cheios de Forel As vezes,o problema aténem é uma questéo dendo haver. Sea gentendo se levantar a horas eseno houver uma organizaggo [familiar], os nassos filhos tamhémnao comem" (Rita, educadora de infancia e ex técnica do IAC). Rita diz que os pais e encarregados de educacao preocupam-se com 0 pequeno- -almogo das criancas mas depois, quando maiores, nao hé tanto essa preocupagic: “Amator parte das familias néo fazisto, ou ja salram para rtrabalhar, ou ficamna camaa dor mir eos mitidos vérn,lteralmente, em jejum. Nés preocupamo-nos com isso quando eles so ppequeninos, no jardim-de-inféncia, na escola primaéria... ainda lhes vamos dando o letito... Mas isso no acaba quando eles saem da escola primar... €, depois, quando eles chegam a escola e estiio montes de horas sem comer nada? Para ja no aprendem, porque o nosso cérebro para funcionar precisa, no minimo, deglicose e, depois, estdormuito desassossegados, muito irrequietos porque estao chelos de fome, Euacho quent, as vezes, andamos aprocura de grandes coisas, de inventar, li, uma grande teoria que ande & volta das coisas, quandoso coisas to simples, que fazem parte do nosso dia-a-dia e, quenés, a5 vezes, nfo paramos para pensar nelas" (Rita, educadora de infancia e ex técnica do AC). Para Jares, também aaposta passa pela criagao deredes de apoio que podem servir derecursos didécticos e seremuma boa estratégia para integrar aescolanacomunidade: “Pretendemos conseguirescolas que sejam porsipréprias comunidades de apoio, que alunos e professores sintam como suas ~ send se cumpre esta condicao é porque algo esté mal ~ construindo um sistema de relagdes de apoio muttuo, respeito e afecto, As escolas tm que ser uma refer8ncia de convivéncia e derespeito na comunidade em que estado inseridas. Para isso, ¢imprescindivel que as escolas se abram néo sé as familias, mas também as pessoas, Jes @ associacdes da comunidade que possam colaborar na complexe tarefa educa- dora" UJares, 2007-149). Trata-se, também, de mudanca de paradigma no tocante ao lugar do aluno no pro- cesso educativo. O aluno passaa ser considerado tambémsujeito endo apenas objecto da educaco e/ou socializacdo. Neste prisma, o territério educativo deve conhecer a pessoa que mora no aluno e, para todas as mediacbes, ter em conta a sua dimenséo familiar, sociocultural e pessoal: pitvlo De complesidace de escola cntemporsnes | $1 52 | Ecucago Social e Meciagto Socioettral “Ter em conta a sperspectiva» do aluno é descobrir que a educacdo no pode ser mais uma tentativa demoldar um objecto, domesticar ou colonizar um selvagem. Os tempos mudaram, ouvi dizer a um deles;e essa mudangs exige que o proceso educativa seja cada vez mais um didlogo, onde acrianga ou jovem tenha uma palavre activa, construtiva erespeitada sobre as préticas (deum ponto de vista técnico, relacional e afectivo) e sobre os contetidos (curriculo formal e informal) desse mesmo processo. De contrério, ndo ha educac3o nem socializagso possivel, mas crescimento em conflito, em desencontro, em perturbacao a todos os niveis” (Amado, 2000: 448). De contrario, “A instituigao escolar continue a seleccionar social e sexvalmente os seus alunos. As desi- gualdades escolares mantém-se e, em algumas subpopulacGes, tendem a agravar-se.E este estado de situacao faz reduzir os investimentos escolares prolongados das familias e dos préprios alunos, nomeadamente quando as suas historias pessoats sdoinsistentemente mar- cadas por maus resultados no apraveitamento escolar. Por outro lado, é comum ouvir-se dos prafessores, bemcomo de outros comentadores, quena escola de hoje as apostas escolares sto marcades pelo desinteresse dos alunos, Este desinteresse manifesta-se por umarnenor propensio a0 estudo e trabalhos escolares. Por outras palavras, estas vozes criticas tendemna comparara escola dehoje com aescola de ontem. As dferencas séo relatadas a partir da meméria que se constréi a partir de tempora- lidedes distintas’ (Resende, 2008; 108), Apropésito deste tépico do capitulo 1, A Escola como um microcosmos da socie- dade, ea propésito da tomada de consciénciadesta representacdomicrossociolégicada sociedade na escola, uma das estratégias orgenizacionais mais vulgarizadasnosistema educativo tem passado pelo estreitar da relacao escola/familia/comunidade. Passa, pelo menos, pelo discurso, Multiplicam-se as associagGes de pais, contudo, ha muitas escolas onde“a entrada dos pais até ¢ proibids... e até se déio ao luxo de pér isso na entrada dos portdes!Proibida a entrada a pais tipo como se fossem cies... [risos}" (representante do IAC, encarregada de educacao e educadora de infancia). Do ponto de vista desta encarregada de educacdo, os pais esto muito pouco na escola, quer ela seja publica, quer ela seja privada, Efectivamente, por vezes, esta expres- so, quase magica, ‘relacgo escola/familia/comunidade’ ndo vai muito além de um dis- curso que mascara uma iluso charmosa relativamente ao desejo explicitado pela Lei de incluir novos actores sociais na governagao da escola, Trata-se, muitas vezes, mais deuma arquitectura de fachada, no sentido da aparéncia explicitada pela Lei, do que, propriamente, de alteragies de contetido ou de novos protagonistas na gestdio escolar (Diogo,1998; Marques, 1997 ¢ 2001; Rocha, 2005; Silva, 2003a, Stoer e Silva, 2005; Vieira, 2005).E quanto é necessario concretizar essa parceria, quer em termos de gesto quer em termos pedagégicos: Capitulo 1, Da complexidade da escola contemporSnea | $3 “Porque é assim: se os pais reclamarem, aescole, digamos, a gestio escolar, dé semprerazo 0s pais. Eu ndo digo os conselhos executivos, mas se os pais avancarem paras DREC, para os CAE, ospais t@m sempre raz0 e, is vezes, ndo tm... D3c-lhes semprerazSo, euacho que 6 paraos calar, Pronto, déo-the razao, «a senhora fica calada.e tal...»” Contudo, ainda do ponto de vista desta mie, que é também educadora de infancia, no existe uma relacao sustentada entre a escola ea familia: *NBo existe, e a prova é que eu, por exemplo, tenho uma filha num colégio, que se presumia ser bastante mais prdximo, e no conhago a maior parte dos professores... Eu, por acaso, até conheco, porque, ainda outro dia, ful com ela numa peregrinacao e acabei por conhecer mutta gente...Mas, a maior parte dos pais, ndo conhece os professores. Conhece o director deturmae ponto final. 0 director de turma é que gereeli aquelas relacdes ea gente, ds vezes, nem tem problemas nenhuns com o director de turma; temos é com o professor de isto ou daquilo..., em relagio ao qual néo temos acesso. E geram-se conflitos, geram-se coisas que somal explicadas... do h8 comunicagio" Nao ¢ facil entrar naescole, tern que se deixar documentos de identificacéo, aporta, eistocriabarreiras na comunicacao entre a escola, os paisea familia, emgeral, Doponto de vista desta entrevistada, este procedimento deveria ser explicado aos pais *devia ser explicado aos pais, «nds no estamosa duvidar de si, 6uria questo de segurancal>. Evacho que, muitasvezes, os pais quando chegam dizem: «Mas eu tenho que deixar um docu- mento? Mas, isto ¢2 escola domeu filhol» Mas, por outrolado, osenhor que esté & porta tam- i bémndo ¢ obrigado conhecer os pals todos, Mas tudo isto tem que ser explicado e tem que ser bem interpretado. Depois, temos o director de turma que ¢ sé um interlocutor e, muitas vezes, a gente néo consegue ter acesso ao resto dos professores|...|" Ha, por vezes, ume certa invisibilidade social no tocante ao outro lado da escola, Hé professores que pensam agir correctamente, quer do pontode vista ético, quer do ponto de vista pedagdgico, quando se centram apenas na vida escolar do aluno: “professor oua professora que afirma aos colegas, por exemplo numa reuniode avaliacao, que ndo the interessa ou ndo tem tempo para ouvir explicagdes relacionadas com a situago familiar pessoal de un aluno, porquesé lhe compete avaliar os resultados académicos,esté a simplificar a situaco caindo num grande erro e fugindo do problema, e rdo exerce 0 seu papeldetutor/a eeducador/a.t uma das situacdes que revelam que o sistema educativo, em algumas ocasiées, reforcaas injusticas que tinge um nimero considerdvel de estudantes" (ares, 2007:162). E, pois, vital construir pontes e articulacées entre a escola e os suportes sociocul- turais dos alunos. E 0 trabalho em rede é um caminho a materializar onde a educacao escolar tera de ser, também, educacao social, baseada numa pedagogia que tem de ser social, como afirma Peres (2010: 20-21), $4 | Educasdo Social eMeciagéo Sociocultural “Em nossa opinio, para queaescola seja efectivamnenteuma escola democratica epara todos, it por todos e com todos, deve estar aberta & diversidade e incluso - exigindorepensar a sua estrutura interna (normas, gesto participativa, apoios educativos, recursos, curriculum, espacos, tempos, etc.) e ligar-se 4 comunidade envolvente, criando programas em parceria com outrasinstituig6es educativas, sociais eculturais, desenvolvendo projectos vertebrados num permanente didlogo clvico entre a escola ea comunidade. A pedagogia social em articu- lagdo com a pedagogia escolar joga, aqui, um papel importante, Hé que encontrar dingmicas de aprendizagens comunitérias capazes de estimular e criar a participaco activa das popu- lagbes, tanto anivel individual como colectivo" 1.3. A pertinéncia do estudo Depois de ter exposto, na intraducéo, as principais motivagdes que me levaram a escolher uma investigacdo na area da Educagao, nao centrada totalmente na escola mas, antes, ancorada no territério educative como espago fisico e social da construcdo n&o sé do projecto educativo de escola e seu desenvolvimento curricular mas, também, | da pedagogia social como ferramenta epistemoldgica (Baptista, 2005, 2007, 2008a eb; Caride, 2003, 2005 e 2009; Carvalho, 2008; Carvalho e Baptista, 2004) para é constru- | So de actividades de mediacdo sociopedagdgica, cabe agora, aqui, falar da importan- cla deste estudo nao sé para a comunidade dos intelectuais das ciéncias da educagao e das ci&ncias sociais e humanas mas, também, para todos os interessados em pensar, comparativamente erelacionalmente, os pontos fortes e fracos de trés casos concretos onde através do trabalho em equipa com professoresePSTS, se fazmediacao sociope- dagdgica buscando um lugar epistémico que nao esteja, sempre, centrado na escola ou na sala de aula como espacos intocaveis: “Areflexdo educativa temsido contaminada peloescolocentrismo" paraanalisar os mecanismos deaprendizagerna escola. Ointeresse incidia, quase exclusivamente, na actividade do profes- sor ou nas sequéncias desenvolvidas dentra de escola, Demodosemelhante, estudos sobrea diferenciaco deperformances escolares entre individuos ou grupos socials eram quase sempre limitados ao quadro institucional para a transmisso de conhecimento. A perspectiva sociale cultural da aprendizagem emtodaa escola mostra a importéncia das actividades educativas desenvolvides fora do hordrio formal de ensing; evidencia a import&ncia do relacionamento a quatro - a crianga/escola/familia/bairro ~ no progresso cognitivo dos alunos. Ao colocar a interaccéo escole/ambienteno centro de aprendizagem, tormanda um centro de recursos da i comunidade local para a escola publica, é dada uma oportunidade séria a um grande nimero de alunos para aprender e ter sucessona escola" (Chaveau e Chaveau, 1989: 66}. Em boa verdade, embora as reformas educativas apontem para a necessidade dea escola todos acolher, de ter de se ligar a escola a comunidade, de dever envolver-se as | Copituiot. Dacompleicade da escola conterrperinca| SB familias, de se ter de respeitar os ritmos préprios de cada crianca ou alunos, de se ter de construir pedagogias flexiveis e diferenciadas, 2 verdade é que a presenca da ideia de défice em relaco & cultura da escola é uma constante: “Os professores tendem a explicar a auséncia das familias no diélogo com a escola por incapacidade de estas desempenharem o seu papel (Vieira, 2005:144). Provavelmente, o escasso sucesso da materializaco dos discursos sobre arela- Go da escola/familia/comunidade deve-se, também, 3 escassa cultura de cidadania da popula¢go portuguesa e a algumas barreiras socioculturais: *E aqui pode-se entrar num processo tipo «pescadinha de rabo na boca». que as barreiras (socioculturais} que existem entre docentes e pais de meios populares so exectamente as mesmas que se colocamapropésito darrelacdo entre estespais egrandepartedas direcgties das AP. dado que estas sao controladas essencialmente por pais de classe média, quandondo mesmo por outros professores. Os préprios locais de reunio séo as escolas...N30 0, pois, os professores que tém de entender aquelas barreiras, Este entendimento deve também ser extensivel 20s dirigentes das AP sob pena de estas se arriscarem, como acima dévamos conta a funcionar em circuito fechado com os professores e no com e para os pais (a favor das criancas e jovens, entende-se). Quas AP encontramestratégias de generalizac3o da par- ticipago dos encarregados de educacao oua relacao escola familia pode tornar-se mais um melo de reprodugio social e cultural” (Silva, 2005: 156). Parece que aligacao 4" (8 familia, 8 comunidade...) parte sempre duma posi¢&o hegeménicae intocavel da escola, Poucos so os estudos que rompem comeste vector unidireccional e mostram a necessidade do trabalho em rede, com caracter multipolar, como ¢ exigido nos processos de mediacdo sociocultural e mediac0 sociopedagdgica que aqui estudamos. Por isso, a primeira citago bibliogrfica, neste ponto, sobre a pertinéncia desta investigacao, 6 de um estudo francés sobre bairros e suas escolas, que critica, justamente, a posigo pouco neutre dessa relagao desejada que se veio a materializar, em parte, em Franca, nos ZEP, que so antecessores dos TEIP (Chaveau e Chaveau, 1989; Zanten, 1975, 1987, 1990 e 1992). Também os actuais modelos de formacao inicial de professores nao parecem ter respondido ainda aos desafios de uma escola diversificada. A preparacao para a diver sidade cultural dos piblicos que acedem a escola hoje parece continuar a ser relegada para plano secundério, Como diz Perrenoud (2008:25), “Deum ponto de vista psicanalitico e antropalégico, é normal que as professares prefiram certos alunos, aqueles que os gratificam, compartitham o seu respeito pelo conhecimento, pelo outro, pelahigiene, pelos objectos, pelas regras de saber viver, pelas coisas bonitas, pelo trabalho bem feito, pela sinceridade e pela honestidade, polos cédigos estabelecidos entre pessoas convenientes ede boa vontade, Os alunos que ejeitam aescola, sero saber rejeitam 3G | Educacds Social e Mediario Sociocultural também 0 professor e os seus valores, os que se aborrecem e omagoam, os que fazembaru- tho eo perturbam, os querecusam sua ajuda ou tentam engané-lo eo desconsertam, etc.Ora, 0s problemas de aprendizagem raramente se apresentam sob os aspectos de dificuldades ccognitivas puras. Como causas ou consequéncias, existem neles todo o tipo de atitudes, de ‘maneiras de ser no mundo queiinterpelam professor nao como técnico das situacdes didéc- ticas e dos processos de aprendizagem da multiplicagao ou do pretérito simples, mas como pessoa que tem valores, hébitos e até mesmo manias, gostos e desgostos, desejos, medos, fragilidades e opgées, egolsmos e entusiasmos" Por isso, as problematicas da indisciplinana escola, do insucesso, da incomunicacio, etc.ndo podem ser analisadas Unica e exclusivamente a nivel psicolégico (Amado, 2000; Freire, 2001). Resultam, também, de um fenémeno mais vasto e complexo exprimindo- ~se na intensificagao das interaccGes e também naproliferacao de culturas especificas, organizadas cada vez mais autonomamente. Assim, a questo da disciplina/indisciplina éum fenémeno psico-socio-cultural com- plexo,e, portanto, irredutlvel sua dimensao psicoldgica. A indisciplina é, pois, irredutivel aumaexpressao comportamental redutivel a tracos de personalidade ou aperturbacdes de ordem psicolégica que se traduzam, episodicamente, em factos fora danormalidade (Correia e Matos, 2001: 2). Actualmente, qualquer politica de inclusao tem que ter em conta questes que sto de ordem epistemolégicae também de ordem social, cultural e politica endo apenas de ordem psicoldgica. Todo oreducionismo, seja de que ordem for, é criticavel. No que as abordagens particulares ou disciplinares nao sejam importantes para o entendimento e construcao de tado o pracesso de incluso. Sdo, seguramente, o problema coloca-se quando se reduz 0 proceso, que é complexo, a uma tinica dimensdoe se faz dela o foco para prosseguir com as politicas de inclusao (Stoer, Magalhaes e Rodrigues, 2004). Tudo indica que deverd aumentar ainda mais a diversidade de publicos escolares a frequentar 0 ensino basico e secundario, Desde o final dos anos 80 que Portugal tem vindoa transformar-se num pals de acolhimento de imigrantes, fenémeno que teve oseu inicio com a descolonizacao e com a entrada de Portugal na Unio Europeia. Portugal transformau-se, assim, num pals de imigracao, ainda que nao tenham desaparecido os fluxos de emigragéo (Marques, 2009). Coma entrada de mithares de estrangeiros em Portugal, uma imigracao econdmica, acentuada coma entrada de populacées da Europa de Leste, "reforca-se amatriz multi- cultural marcada desde hé séculos por minorias tradicionais coma acomunidade cigano, Gjudaica e a prépria comunidade de surdos (que se exprime numa lingue propria, a lin- gua gestual portuguesa)" (Souta, 1997: 36). ® Como Jose Carlos Marques refere, “eles continuarna partir (Marques, 2009} Capitulo Do complevidade de escola conteportnce | 57 Por fim, esta multiculturalidade migrante e étnica acedea escola obrigatéria(Peres, 19992, 1999b e 2006) que repensa hoje os modelos educacionais e pedagdgicos para lidar com a diversidade: “a populagdio estudantil, numa escolaridade obrigatéria de 9 ‘anos, 6 cada vez menos homogénea e mais plural, ndo $6 sob o ponto de vista sexual e de origem social, mas também sob o ponto de vista étnico, linguistico e de nacionali- dade" (Souta,1997:37). Alémde, em termos socials, termos de ser capazes de alojar com dignidadeas familias, também em termos pedagdgicos é preciso garantir uma flexibilidade nos métodos de ensino paraas criancasimigrantes de formaa garantir-lhes 0 sucesso educativo.E éisto que urge fazer, algo que é preciso mas que nao é facil. Como diz Wolton (2004:12), coma coabitac3o cultural, estamos no fio da navalha. Por um lado, se for possivel estabelecer aligacoaumprojecto politico democratico, pode instalar-se um modelo de comunica- ‘co cultural relativamente pactfico. Mas, por outro lado, se a ligacao entre coabitacao e projecto politico nao puder ser construida, resulta o triunfo dos guetos culturais. Em nenhur dos casos se pode fugit aum debate, simultnea, sobre a coabitago cultural e 9s seus problemas, e sobre as relagdes entre identidade, cultura e comunicacao. Emconsequéncia, as exigéncias aon\vel das tarefas quotidianas bemcomonodesem- penho profissional do professor irdo aumentar. E poderé o professor continuar a ser 0 protagonista de toda a cena educacional na escola? Lucilia Salgado, recorda-nos que "Paul Lengrand dizi, em 1975, em Hamburgo, que o desenvolvimento educative nose pode restringirao quadro profissional dos professores «porque estes nuncasalram das escolas»" (1990: 105). Muita gente parece nao acreditar hoje na escola: “Nunca tantos deixaram de acreditarna escola, nunca tantos a desejaram e a procuraram, nunca tantos acriticaram e nunca tantos tiveram tantas divides sobre o sentido da sua mudanga” (Barroso, 2001: 201-222). Naescola interagem docentes, ndo docentes, alunos, cada um com niveis de desen- volvimento distintos, com histdrias, experiéncias e contextos de vida diferentes. Ena interacgdo destes actores que se constrdi a identidade da comunidade escolar, que ¢ sempre complexa e nao redutivel a uma imagem simples e facilmente delimitavel. Esta comunidade ¢ um sistema aberto ao exterior e, por conseguinte, influenciada por este. Aheterogeneidade que habita essa identidade pode trazer tensdes, e mesmo conflitos, dos quais ha que fazer uma leitura devidamente contextualizada. Os sujeitos que vivem tais tensdes e potenciais conflitos sdo agentes portadores de culturas e narratives que precisam de ser compreendidas a partir dos seus mundos prdprios, quer dizer, numa perspectiva émica (Bogdan e Biklen, 1994; Vieira, 1999a e 2003; Vieira e Vieira, 2006a e b; Wilson, 1977; Wittrock, 1990) e nao numa ética da cultura hegeménica. Tendo em conta a frase célebre, “todos os alunos tém direito a ser iguais quando a diferenca os inferioriza e a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza’, de | 58 | Educacao Social e Mediago Sociocultural Boaventura Sousa Santos, num programa televisivo, Prova Oral, RTPI, 30 de Maio de 1995, se alguns alunos no se sentem bern na escola, uma vez que esta por vezes con- tinua “indiferente a diferenca" estes questionam-se sobre o sentido da educagaio que thes ¢ imposta, fazendo-o, muitas vezes, de modo turbulento eagressivo (Amado, 2000). ‘Também Alfredo Veiga Neto (2005: 57) diz que “entendemos que na escola deve caber todos, com todas as suas diferencas a serem respeitadas” E acrescenta que 0 problema est “na construgio de uma escola que preserve as diferengas culturais de cada grupo, compreendendo que as diferencas déo-se num mundo de lutas, posigées e significados” (idem: 65). A ideia da abertura da escola, primeiro no discurso, depois emalgumaspraticas inclu- sivas, velo criar situages novas no seu seio e alertar paranovas problemdticas sociais, que até al nao eram tao frequents, e que hoje fazem parte do quotidiano de muitos territérios escolares. As criangas e os adolescentes que ingressam hoje na escola séo portadores de vivéncias muito diferentes e tém interesses e formas de estar na vida muito mais heterogéneos que ha 20 ou 30 anos atras, Aescola apresenta-se, hoje, como um novo espaco de miltiplas relacbes pessoais, sociais e culturais, onde nao faz mais sentido pensarna{re}construcéo deumaidentidade monolitica (Vieira, 2011). Porisso, a escola tem, ela prépria, dese assumir,reflexivamente, comoum espago problemitico derelacdes sociais cuja coesto jd nao ¢ asseguradaatra- vés do “tratamento cintirgico” daqueles que transgridem uma ordem, que, por se enten- der como uma ordem “natural’ nao carecia de justificagao (Correia e Matos, 2001: 102). Epoderemos ficar indiferente as diferencas? Segundo Perrenoud (2002), pelo contra- rio, deve-se focar a atengao na diferenciacao intencional, como objectivo de beneficiar osalunos, comalgumas discriminacdes positivas, procurando atenuar as desigualdades, criando alternativas para ajudar os alunos com mais dificuldades no acompanhamento dalégica daescolamoderna, Perrenoud refere, ainda.a diferenciacao involuntaria queé feita de modoinconsciente, provocando efeitos negatives, reforcando.asdesigualdades eo aumento do fracasso escolar. Por vezes,o professor faz a diferenca de modo inconsciente (Bourdieu, 1989; Perre- noud, 1993), favorecendo os favorecidos e desfavorecendo os desfavorecidos, porque, sem se aperceber, dé mais atengo a uns do que a outros, é mais distante com uns do que com outros. Por isso ¢ importante que se apele a reflexividade dos professores. E fundamental que os professores tenham atitudes reflexivas e de pesquisa, quotidiana- mente, mesmo sobre as suas praticas sociais e educativas. O aumento da diversidade de piblicos continuaré a originar, provavelmente, poltti- cas diversificadas para as respostas escolares. Alguns autores falamdagestdolocaldo curriculo (Barroso, 2005; Candrio, 200); Leite, 1996b) que permita a passagem do ensino uniforme, transmissivo e expositivo, indiferente & diversidade, paraum ensinocentrado < Capltula , Da complexidade da escala contemporgnes | 59) naorganizacao egesto de situacties diferenciadas einteractivas de aprendizagem. Esta mudangaimplica, paralelamente, alteragdes profundas nas formas de trabalhar dos pra- fessorese levanta alguns limites & flexihilidade profissional do dacente. : Eis aqui, por outras palavras, a razao da nossa problematica, que consiste em per- ceber como percebem os dacentes as navos mecanismos de mediago que algumas escolas implerentam, como forma de fabricacao de um territdrio educative com tra- balho em rede para a mediacdo de tenses, de resolucio de conflitos e da construcao de pedagogias diferenciadas. : Perrenoud (2000) diz que as pedagogias diferenciadas néio voltam as costas aoprin- cipal objective daescola que ¢ garantir que todos os alunos atinjam uma cultura debase comum. Peto contrario, considera que as diferencas criam situagdes de aprendizagem éptimas para cada aluno, Para este autor, a grande questo da pedagogia diferenciada & "como levar em conta as diferencos sem deixar que cada um se feche na sua singulo~ ridade,no seu nivel na sua cultura de origem?" Toda esta complexidade do acto educativo, na actualidade, faz com que se multipli- quem as fungdes do professor. Alguns autores (Teodoro, 2006) afirmam, mesmo, que a : profissao de professor se estd a aproximar cada vez mais da profissao de trabalhador i social, Pede-se muito & escola e aos professores responsabilizando-os por quase tudo. Vérios estudos tém questionado se o alargamento forgado das fungées do professor no estardnas causas do grande mal-estar existente na profisséo, Numa obra dedicada ao "Mal-estar docente” Esteve (1992: 34) sintetiza bem esta questi: “Os mats diversos autores sao ungnimes em assinalar que nos iltimos anos tém aumentado as responsabilidades e exigéncias sobre as professores, com uma répida transformacao sobre © contexto social, que se traduziu numa modificaco do papel do professor, o que constitui uma importante fonte de mal-estar para muitos deles j& que no souberem ou simplesmente ‘iGo aceitaram acomadar-se as novas exigéncias' Num paradigma da pluralidade na unidade, da diversidade de agentes a intervir no territério educativo, pensar diferente e sentir diferente deve ser encarado como uma fonte de crescimentoe enriquecimento, tal como uma trocade experiénciasdevida, engo comoalgoa corrigir, ou, mesmo, comouma patologia, como exploramos no ponto seguinte. Trata-se de pensar em novos paradligmas escolares, em novas formatos escolares para acolher os novos alunos néo de pensar, siteraticamente,na formatacio daidentidade pessoal dos alunos para caber no fato dinica para todos que tem sido a forma escolar. Mas como gerira diferenca sociale cultural na escola? Sé.comprofessores? Comou sem educadores sociais € outros PSTS na escola? Responder a esta questo, em trés territérios educativos concretos, é um dos objectivos principais deste livro, resultante de uma tese de doutoramento, cuja pertinéncia penso estar justificada. LN G0 | Felucesto Sor sdiagde Sociocultural | i Vy 1.4. A patologizacao do social: a diferenga como deficiéncia i 1 Em Portugal, 8 sernelhanca de outros pa(ses europeus, a integracdo e coexisténcia : na escola de grupos culturalmente heterogéneos e as metodologias mais adequadas para enfrentar a diversidade da populacéo escolar so preocupacées que se colocam cada vez mais aos professores. A diversidade cultural na sala de aulanao pode ser vista i como um obstéculo ao ensino. ‘Ao tratar todos as criancas como «iguais em direitos e deveres», conforme a expresstio de Bourdieu (1966), a escola transforma diversas diferencas e desigualdades em fracassos e sucessos escotares” (Perrenoud, 2001: 18). Trata-se de ver a escola ou, melhor, o sistema escolar, como fabricador(a) do sucesso e do insucesso escolar (Iturra, 1990 ae b; Benavente, 1990). Aa agir de forma “indife- rente as diferencas” (Bourdieu, 1966), escola segrega, guetiza os diferentes danorma escolar, e reproduz, assim, a estrutura social (Bourdieu e Passeron, 1975), transformando adiferenca em deficiéncia. Hé ainda hoje um senso comum residual, mesmo em muitos profissionais da educa- (0, que continua a ver a diversidade como patologia social. Mediar tensdes, resolver conflitos, lidar coma diversidade na escola, de forma inclu- siva, sem gerar desigualdade, é hoje ponto fundamental para a concretizacao de uma “escola para todos” (Baptista, 2008; Caride, 2007 e 2009; Costa, 2003; Jares, 2004e 2007; Peres 2010; Souta, 1999; Stoer, Magalhdes e Rodrigues, 2004; Vieira, 2010). Aideia da mediacao de conflitos, as pedagogias inclusivas, inter/multiculturais e flexiveis so voz corrente nos tedricos da educaco e no discurso quotidiano de pro- | fessores e outros agentes educativos (Peres, 1999; Perrenoud, 2002; Silva, 2010; Skliar, 2006; Stoer @ Cortesaa, 1999; Stoer e Magalhaes, 2006). Contudo, entre a intengao e a concretizagao, entre o dizer e o Fazer, vai, por vezes, demasiada distancia e alguma contradigao. vulgar ouvirmos falar doprofessormedia- dor (Baptista, 1998; Benavente, 2008; Carvalho, 2008; Cunha, 1997; Freire, 1974, 1983, | 2005e 2006; Marques, 1997; Peres, 2006; Pires e Mateus, 1999; Six, 1990; Teadaro, 2006; Teodoro e Sanchez, 2006; Torrego, 2003; Vezzulla, 2005; Vieira, 1999 e 2011; Ytarte, 2010; Zeichner, 1993) mas, provavelmente, o sentido da mediagao descai mais paraa visdo do problemanoalunoem si, como se dumaessénciase tratasse, do que paraamediacao das ‘tenses sociais resultantes do convivia entre pessoas heterogéneas, quer do ponto de vista cultural, quer do ponto de vista comportamental {Correia e Silva, 2010; Neves, 2003, 2009 ¢ 2010).E a montante do conflito na escola, que existe, é facto, hd, tantas vezes, rotulagem de diversidades que sao classificadas como problema quando, na verdade, o que se passa é a auséncia de didlogo entre as partes, que, por ser dificil, poderd ser facilitado, quer por professores quer por profissionais sociais, quer mesmo por alunos mediadores (Freire, 2010; Silva, 2010; Vieira, 2010a, 20106 e 20M); Vieira e Vieira, 20065). Capitulo 1. Da comptexidade da escola contemporanea | 61 Mas no se trata de abolir as tenses inevitaveis a qualquer vida em grupo:"0 conflito éparaser vivido, endo evitado ou, mesmo, solucionado, Pensar diferente e sentir dife- renteé inerente as relacdes humanas e potencialmente fonte de crescimento. Discutir essas diferencas, aduzir argumentos, mostrar que néo pensamos da mesma forma é absolutamente sauddvel" (Costa, 2003:10). O insucesso escolar dos alunos foi, durante bastante tempo, explicado como um problema do aluno ou da sua familia, Este facto era explicado através do patriménio genético do aluno, de problemas psicolégicos, de auséncia de dons para os estudos ou das condig6es socioecondmicas da familia, ou seja, o meio cultural (GEN, 1974). Embora alguns estudos mostrem que pode existir alguma relacao entre as condi- Ses socioecondmicas da famlia, ¢ 0 seumodo de vida, os seus valores, as suas crengas que se traduzem em determinadas formas de educacao, de interpretacao das normas sociais ou da prépriarealidade, que t&mum peso maior no desempenho escolar dos alu- nos (Benavente, 1990b; Benavente et al, 1994 e 1987, Cortesdo, 2001; Cortesaoe Pinto, 1995; G.FEN,, 1974; Iturra, 19902 e b; Vieira, 1992) No trabalho de campo nos trés territérios escolares de que damos conta nos capi- tulos 5, 6 €7, seja em Territérios Educativos de Intervenco prioritaria (TEIP), seja em Territérios que reivindicam gabinetes constitu(dos por equipas multidisciplinares para fazer apoio ao aluno e & familia (GAAF), temo-nos concentrado no modo como os pro- fessoresedirectores concebema pratica dos profissionais sociais que reivindicam para dentro da escola em conjugago com o papel educative dos docentes Numa conversa sobre a multiplicidade de funcdes que um professor temdedesem- penhar, um director dum Agrupamento de Escolas que hd muito tem sustentado uma “Oficina de comportamento” como espaco de mediacao sociopedagégica, e que temum discurso onde o professor ¢ cansiderado como o primeiro mediador, dizia:"o professor temque, forcosamente, serum mediador; o professor tem de ser um gestor de conflitos. Estd na moda, mas tem que ser um gestor de comportamentos, tem que ser um ges- tor de atitudes e um gestor de relagées humanas |...|" (Amandio, director e professor). Muitos professores entendem que esse trabalho de mediago, que se estenderia aos intervalos e ao percurso entre a famlliaea escola é demasiado para o professor que est carregado de tarefas burocraticas para além das pedagdgicas. Reivindicam técni- cos especializados para essa mediago que, convém (re)lembrar, antes de ser sociope- dagégica e antes de ser de conflitos é, antes de mais, sociocultural. Mas nao ¢ liquido que mesmo esses técnicos, que existem nos TEIP e nos GAAF, sejam representados como algo que se enquadre para além dessa milagrosa ideia de resolver os conflitos, como se de uma doenca se tratasse. Alguns Assistentes Sociais que trabalham nesses territérios esto a tentar dar esse passo para além da psicologizacao do problema de que é apontado 0 aluno. 62 | Edcosio Social eMecngg0 Soccer Uma ex professora da escola da Calcada referiu a importancia de se pensar texto e contexto de maos dadas: "Jd tinham um GAD [gabinete de apoio disciplinar] constituldo sé por professores que recebia os alunos expulsos da aula, Mas comegarama ver que as questées disciplinares tinham causas sociais e que ndo tinham capacidade, nem tempo, i nem formacGo para tratar assuntos com toda essa amplitude" Portanto, o aluno nao | pode ser pensado apenas a partir da escola ou da sala de aulas at "|... A ideologia neoliberal assenta os comportamentos e as aprendizagens sociais mais a nivel individual que socioldgico, tal como tradicionalmente se feze se cantinua.a fazer. Apro- posta neoliberal opta precisamente pela explicacdo psicologista, porque desta forma coloca ‘no individuo as responsabilidades da sua situacdi | Perante esta visdo, sem esquecer a componente pessoal, propomos analisar estas possiveis, situagdes a partir do contexto familar, social ecultural que as origina. Ndopretendemos esque- cer as responsabilidades ou op¢Bes pessoais na vida; o que propomos é apenas analisé-asa 1 partir do contexto em que surgem para obter uma explicag3o mais completa das suas causase, ! assim, termais possibilidades de acertarnassoluc6es. Analsar os comportamentos individuals i separando-os das suas conjunturas familiares esociais, além denosinduziraumagrandepro- babilidadede erro, também supde emmuitas ocasides umacerta violencia’ (Jares, 2007: 162). No contexto do TEIP estudado no capitulo 5, terse assistido a uma tentativa de alteracao da representagao de patologizacdo das tensdes e questées disciplinares, como nos refere um dos professores responsdveis: f | f “Ospsicélogos,hojeem dia, so perfeitamente aceites na escola. Mas, nicialmente, havia aquela I ideia estigmatizada que era para tratar daquelescasos dos malucas, das queno«batem bem» evo para opsicéloge. Hoje em dia, procuramosmudaresta atitude. O psicdlogoestéalipara | trabalhar com os directores de turma e com outros técnicos. Evitamos que se fale em enviar | ao psicétogo sempre que surge algum caso mais complicado, Tudo deve serresolvidoem rede’ Rita, a técnica do IAC jé referidanoutros trechos, refere que “Nés temos muitas escolas onde, seguramente, 80% dos miiidas ndo sabe que tem um psi- ccélogo [| E nla quer Id ir porque [roniza] so tados malucos as que vo ao psicélogo. E, a ‘maior parte das vezes, a gente temum gabinete de psicologia (desarma-nos logo, nunca se devia chamar gabinete de psicologia, particularmente, coma deia do senso comum do que & apsicologia) ao lado do gabinete do director, Aquilo é mau prességio[risos}... E que, toda esta orgénica é importante na relagao que os milidos estabelecem com os espa- | ¢05,comas pessoas, com aescola... Depois,acertaaltura, apareceo psicélogo montadonum cavalo branco, a fazer testes vocacionais, que nunca vao ser [isos]. | Héhonrosas excep¢es mas, a maioria dos psicdlogos no tem uma atitude coaperativa em relagéo. outros técnicos. A questo que um psicélogo, numa.escola, se quiser fazer umtra- Capitulo. Da complesidect da escola cantemporanea | 63, balhoem condicées, sozinho também nao consegue. E, depois, durante anos, o que tem vindo aaconteceré que eles escudam-se, enfiam-se dentro do gabinete ..] [. IE, depois, é aquela légica, este vai &psicéloga nao podeira0GAAF e, se vai ao GAAF, tam- bémndo vale a penair& psicdlaga e, se vai ao GAAF e depois, passaa ir & psicéloga, tem que deixar de ir a0 GAAF. Isto no funciona assim. |. Alterar esta vi sobre omediador como o enfermeiro das patologias sociais implica mudangas que ndo sti faceis de operar (Benavente, 1990b; Correia, 1989; Teodoro, 2006; Thurler e Perre- naud, 1994). Esta mudanga implica uma alteracao peradigmatica: jo sobre o psicélogo, sobre o assistente social, sobre o animador e "Amudanca de paracigma donivel de andlise dos pracessos demudancaem educacdoresulta, em grande medida, de se saber hoje que os processos de mudanca so sempre locais ou que as instituigGes no mudam sozinhas, mudam-nas as pessoas" (Teodoro, 2006: 59). No estudo que Rui Canario, Natalia Alves e Clara Rolo fazem sobre a polltica TEIP, expressanotitulo"Escola e Exclusto Social’ esta questo dapersisténcia em coisificar oaluno e os problemas, estd bem clara: *Osalunos easua experiéncia constituem o principal recurso para organizar e promover situ- ages de aprendizagem ou, pelo contrério, so encarados como o obstaculo principal accao edlucativa?" (Candrio, Alves e Rolo, 2001: 140) Se, efectivarnente, oaluno diferente for enviado, sistematicamente, para opsicdlogo da escola, ou para o GAAF, dos efeitos da intencao de mediar tensdes e diversidades pode resultar, por vezes, uma visdo da TEIP ou do GAAF mais perto de qualquer coisa como um hospital de problemas sociais do que de uma escola para todos que constréi estratégias de diferenciagao pedagégicae social.

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