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oxo | TEMPO ‘A Historia ~ todos nés estamos acostumadas com essa definigio ~ é 0 estudo das atividades e produgdes humanas, ou seja, da cultura, 2 longo do tempo. Assim, no préprio conceito de Historia estdinserido 0 conceito de tempo, o que nos mostra sua importincia, No entanto, tempo ¢ uma daquelas nosdes que perpassam nosso dia adia eas quais damos pouca atengio, a despeito de sabermos de sua importancia Na verdade, a palavra tempo pode designar, em portugues, coisas diferentes, desde © clima ao tempo histérico, o tempo cultural. © tempo, como produgso humana, é uma ferramenta da Hist6ria, visvel em instrumentos como o calendatio ea cronologia. Cronologia é forma de representar os acontecimentos histricos no tempo, o que exige um calendario e uma nogo de contagem do tempo, Todas as civilizagdes possuem uma data que convencionam come 0 inicio do tempo ¢, logo, o inicio da historia, Assim, contando a partir dessa data ~ que representa normalmente o inicio do mundo ~ demarcam os anos ¢ os séculos, situando cada acontecimento. Nessa perspectiva, o calendario, 0 ano, 0 século ea cronologia sio invengdes da mais alta importincia para a Histéria como a entendemos hoje. Juntas compdem o tempo eronolégico, medigio adotada pelos historiadores. E, no entanto, cada cultura tem uma maneira especifica de ver o tempo, muitas delas inclusive prescindindo do calendério. Dessa forma, nem todo tempo historico é tempo cronolégico, pois uma sociedade pode nao registrar seus acontecimentos em uma cronologia, nao possuindo uma organizacio de anos ¢ séculos, sem que isso faga com que ela deixe de ter histéria, Nesse sentido, a Historia 6 a experiéncia humana pensada no decorrer do tempo, mesmo sem cronologia, ‘Todas as culturas humanas indagam acerca da natureza do tempo. E nio s6 a Historia, mas a Arte, a religito ¢ a ciéncia tém frequentemente se inquietado sobre essa natureza. Duas sio as principais percepgdes filoséficas sobre o tempo: fo tempo ciclico ¢ o tempo linear. O tempo cielico & aquele em que o fim é sempre ‘um novo comeso, Por exemplo, na cultura hindu, na qual a reencarnago é uma crensa religiosa, o tempo é ciclico, pois a morte significa uma nova vida. Também na cosmologia asteca ~ assim como no calendétio da maioria dos povos da Mesoamérica antiga ~ 0 tempo ciclico significava que o mundo nao tinha comeso nem fim, O mundo era gerado, vivenciava toda uma era, um sol, ¢ depois perecia, apenas para ser gerado novamente, vivenciar um novo sol, € depois perecer mais uma vez. E assim sucessivamente, Quando de sua destruisio como civilizagao pela conquista europeia no século xv, 0s astecas acreditavam viver entéo 0 quinto sol, na quinta ra da histéria da humanidade. Nessa visto de mundo, ndo hi um inicio para a hist6ria, mas vatios. [390 A percepsao hist6rica do tempo linear, por sua ver, 6aquela que acredita em um Unico inicio para o mundo, o universo e a hist6ria, © em um nico final. Essa, por cexemplo, éacrenga judaico-crista que influenciou consideravelmente o pensamento ocidental,sendoa percepgao do tempo linear apredominanteno Ocidente, Ha muitas vvariagdesda crengano tempo linear:avariagdo eligiosaafirmaqueo mundo foicriado por Deus donada,evolui demodo constanteeeculminarana destruicao total,na volta parao nada. Assim, criado por Deus,o universo tem toda sua historia dirigida parao fim, também determinado por Deus, onde Este ir separar os bem-aventurados dos _quenio merecem o Paraiso, Outra variante éa visio progressista nascida durante 0 Iluminismo, na qual ahist6ria teria seu comeso nas sociedades primitivas, cvoluindo sempre até atingir as sociedades mais desenvolvidas. Nessa visio, o tempo linear também levaria até um paraiso, masum paraiso social como a comunista, que defendia uma evolugio desde a sociedade primitiva até 0 ‘mais perfito tipo de sociedade, a comunista. Além disso, ela ainda é predominante «em nosso diaadia, quando consideramos que nosso proprio periodo é, sem divida, ‘melhor do que os que o antecederam. ‘A grande diferenga entre 0 tempo linear ¢ 0 tempo ciclico ¢ que, enquanto pars o primeiro 2 historia tem comero, meio fim, para o segundo ela esté sempre recomegando, Mas, no nosso cotidiano também temos uma percepsao dual do sacrengainfluenciou visdes tempo: o tempo linear é aquele que marca a passagem do tempo em nossa vida € determina o envelhecimento do qual todos estamos cientes, No entanto,diariamente vivenciamos o tempo circular, rotina, a tepetigao de atividades dia apés dia, o que nos traz uma nogio de continuidade, de experiéncia que se repete, Na Historia, o tempo aparece de formas muito diversas. Fernand Braudel, por ‘exemplo, trouxe paraa pesquisa histérica a distingao entre o tempo de curta duracao ‘ede longa durasio, distinc4o muito influente na produsio historiogratica atual. A ccurtaduragio seria o tempo dos acontecimentos,da politica, do quemudacom muita rapide7, J4allonga durasio scriao tempo dasestruturas,dacconomiaedamentalidade, do que muda com muita lentido, que tem mudanga téo lenta que aqueles que a vivenciam em geral néo a percebem. Outra importante rellexio histérica sobre @ tempo éa pesquisa sobrea Histériadoscalendérios.A maioriaddascivilizagées possuiu calendérios:sumérios,egipcios,chineses, maias,astecas.O calendério éum sistemade ‘medida do tempo aseado nosastros, endo como menor unidade o dia, Suaprimeira utilizagdo foi para aagricultura, Pormeio da observao dasastros,a maioria dospovos agricultores, organizados em Estados ou nfo, demarcava o period das semeaduras, colheitas,operiodo das chuvasete. Para Jacques Le Goff,ocalendirio étantoum objeto religioso,cientifico ecultural quanto um objeto social. Emuitas vezesfoi também um objeto demanipulagao depoder: quem detinhao conhecimento docalendério,detinha boil Tempo] oxo | controle daagricultura,logo doscamponeses. Um dosmelhoresexemplosdesse uso pode ser visto na sociedade maia clissica. Ai os sacerdotes dominavam o calendétio maisexatodentre odososelaborados nahistéria—com excesiodoatual-eutilizavam esse conhecimento para prever as melhores épocas para o plantio, de acordo com as estagbes das chuvas € 0s acontecimentos ceestes, determinando o curso da vida socialTodos,camponesesercis, dependiam dos sacerdotes, qu tiveram um enorme poder nessa ociedade Em nossa cultura, como vimos, estamos acostumados 3 linearidade do tempo histérico, E,nesse sentido, tempo, Histériae evolucao sao conceitos correlatos. Além disso, a experigncia do tempo é muitas vezes individual. Na Hist6ria, a Historia Oral € 0s pesquisadores da meméria tém se voltado para essa constatacio, buscando compreender, por exemplo, como os individuos das classes iletradas em culturas alfabetizadas percebem o tempo de forma diferente do tempo oficial ditado por sua sociedade. As ciéncias exatas também se preocupam coma possibilidade de um tempo absoluto, que se sobreponha a todas essas diferentes percepgdes culturais & ‘mesmo individuais, O matemstico inglés G.J. Whitrow tem se dedicado a responder a essas inguietagées. Para ele, ndo ha um tempo absoluto e todas as medidas de tempo feitas em sociedade sto convengdes. Asim, o tempo social, histérico, nao tem nenhuma ligacio com o tempo do universo., Whitrow vai mais longe e firma que 1ndo hé nenhuma prova cientifca de que a espécie humana tenha um sentido especial para o tempo, Nio nascemos com uma consciéncia temporal ¢ nossa experiéncia do tempo € sempre do presente, Para esse autor, a consciéncia do tempo depende de nosso grau de interesse: asim, seo que estamos fazendo nos interessa,o tempo parece curtoye vice-versa. Essa € a razdo pela qual cada pessoa vivencia percepyoes diferentes de tempo. Néo queremos dizer com isso que o tempo nao existee € sempre relativo. Pelo contréio, 0 processo de envelhecimento caracteristico da natureza 6 uma das formas de percebermos que hé um tempo que podemos chamar de natural. Mas esse nao é0 tempo histérico, e muito menos individual. A despeito da existéncia de um tempo natural ou universal, as sociedades eos individuos constroem interpretagoes ‘bem proprias do tempo. Aconstantereferénciaao tempona ivénciahumanac suaimportinciana Historia tém feito com que areflexao historiogréfica se volte cada ver mais para le. No Brasil, oslivrosdidaticos também vem trazendo essa reflexdo.Sugerimos que o professor de Historia,no entanto,ndo seatenha apenasao texto dos livros didaticos. Eimportante perceberamultiplicidade hist6ricadotempo para poder evarosalunosacompreender queaexperiénciahistérica algo muitodiverso,assim como asnogbesquetemoscomo “niversaisraramenteo sio, Umaboa ferramenta para. professor éconheceras obras [392] deliteratura que tém o tempo como tema. O escritorargentino JorgeLuis Borges,por exemplo, é uma boa dica, pois inserido na mentalidade ocidental, Borges procurou ‘em muitos de seus rabalhos entender como as pessoas de outras culturas pensavam ‘tempo circular ea imortalidade, que é uma forma prépria de interpretar o tempo. Parao trabalhoem sala deaula,épossvel trabalhar também coma ideia de“méquina dotempo’srecorrente noimaginario ocidental,provavelmenteconhecida damaioria dos jovens nas cidades brasileiras. As muitas historias sobre maquinas do tempo, frequentes na cultura pop, remetem a uma preocupagao antiga da humanidade: a impossibilidade de controlara passagem do tempo. ‘Ver TAMBEM Ciéncia; Evolugao; Histéria; Historia Oral; Interdisciplinaridade; Memérias ‘Mentalidades: Mito. ‘SuGEsTOES DE LETTURA oases, Jorge Luis. Ficrdes. Sao Paulo: Globo, 2000, O aleph, Sio Paulo: Globo, 1986. ‘Chiquerro, Marcos. Breve histéria da medida do tempo. ao Paulo:Scipione, 1996, Hctts-Watnxcrox, Marnie, 50 grandes pensadores da Histria. Sao Paulo: Contexto, 2002 Le Gor, Jacques. Histéria e memsria, Campinas: Ed. Unicamp, 1994, ‘Turazaa, Maria Inez; Gasaust, Carmen ‘Teresa. Tempo ¢ histéria, Sio Paulo: Moderna, 2000, Wats, H. G. A maquina do tempo. Lisboa: Europa-América, 1992, Warrnow, G. J. tempo na histéria: concepgdes do tempo da Pré-historia aos nossos dias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993, TEORIA Entendemos teoria como um ato critico de pensamento sobre a realidade, um ato que envolve nao apenas a capacidade de abstragdo (pensamento), como também ‘0 sonhos, os projetos, as paixées humanas. Um ato que é, antes de tudo, humano, porque 56 © homem pode refletir sobre ¢ transformar suas préticas; um ato que sguarda profundas estreitas relagbes com a prtica, com a ago. 93} eri

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