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Mary Rute Gomes Esperandio Sena deleitura ESPERANDIO, M, R. G. Globalization and subjectivity: a reflection (on the ‘Universal Church of The Kingdom of God’ drawm from psychology of religion. In: STAALSETT, S. (Ed). Spirits of lobalization: the growth of pentecostalism and the experiential spirituaities in a global age. London: SCM Press, 2006. p. 52-64, Tateja Universal o sacrifcio do dinbeiro: um remédio para curar 0s softimentos produzidos pelo capitalismo contemporineo? Via Teotigica, Curitiba, v2, n. 15, dez. 2007 CULIWEA, RELIGITG, e SOCEWES Os she a sdberes, 2 ial Be Pell Bisa wean E tencia: ‘© porqué do didlogo ‘Mario Antonio Sanches Objetivo Apresentar a religito ¢ @ ciéncia em didlogo, a fim de priorizar a defesa dos interesses daqueles que mais softer, Introdugao = A cbusca da verdade € 0 continuo objetivo da dimensto, investigativa do ser humano ¢, sendo uma realidade humana, cla traz a marca da complexidade de todas as buscas e olhares interpretativos do individuo. A pergunta de Pilatos ecoa ao longo dos séculos: “Que é a verdade?” (Jo 18,38). Inquietante ¢ feita em contexto paradigmatico, para um cristio a perguata de Pilatos nfo fazia sentido, pois ele estava diante de Jesus Cristo ~ que ¢ a verdade ~ e mesmo assim no a reconheceu, O que faltava no procurador romano, queo impediuy dereconhecer a verdade? Aqui aparece um elemento fundamental presente em toda essa busca da verdade: a fé ¢, de maneira mais ampla, a crenga. A crenga & um elemento bésico da realidade iva humana, um ingrediente da vida, que permite aceitar (3246) 156 Mario Antanio Sanches Religie cléncio 157 ‘ou nfo, defender ou nfo, reconhecer ou nao, uma infinidade de ‘elementos e situagdes do cotidiano, Objetos de crenca sto aqueles elementos ¢ situagbes que fogem do controle e dominio pleno, ‘mas petante os quais é preciso assumir uma atitude, A crenga esti presente desde situacdes rotineiras até grandes decisées da vida, Nom exempl iro: um paciente vé um medicamento eu nfo duvida que ele exista, mas precisa crer na palavra do médico de que ele serd bom, Num momento decisivo: escolhe-se determinado curso univers r que ele vai propiciar realizacao profissional ¢ pessoal. A capacidade de decidir nasce também da capacidade de cret, Analisar a questio da fé & muito intrigante, parece que neste momento 0 ser humano abre mao da sua racionalidade, pois a f& € aceitar 0 que nao se pode controlar nem di surge como um dom, Por outro lado, a fé é precedida de racionalidade: é preciso decidir crer. Assim, a fé nasce daquilo que € mais belo no ser humano: a liberdade, ¢ se torna a consequéncia de um ato de vontade, ¢ exercicio do livre arbitrio humano, pois se pode decidir nao crer. A (6 €, assim, a mistura de decistio e gratuidade. A metifora mais forte para explicitar esta realidade ¢ a de alguém que em pleno dia esta numa casa escura na qual, se decidir abrir a janela, a luz entrard gratuitamente, mas apenas se a janela for aberta. A tradigto crise fala da f€ com estes dois elementos: dom de Deus ¢ decisio conforme indica a passagem do livro do Apocalipse “Bis que estou a porta e bato: se alguém ouvir minha voz e abtit porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, ¢ ele comigo" (AD iosa precisa, portanto, des € decisdo para abrir a porta, a ceia seré de graca. Pilatos poderia decidir reconhecer que estava diante da verdade? Dificilmente. Antes de pocler optarem cre, ele precisava de para ouvir ter sua sensibilidade treinada para ouvir. Estamos indicando que hha uma gama de elementos que marcam as crengas humanas: a cultura, a ideologia, a condigao social... Deste modo, diferentes, pessoas sentem que estdo diante da verdade em situagdes diferentes, em contextos diversos, Assim nascem as diferentes religides: todas, creem que a verdade pode ser alcangada, mas o ser na medida de nossa sensibilidade. A verdade ¢ uma, as percepcdes que se tern dela sao muitas, Este é um artigo de fé de todos os que assumem ‘uma religido especifica e também valorizam a religito dos outros, ‘Na busca da verdade, faltou fé a Pilatos, mas ee poderia ter langado mao da verificagio dos fatos, podia ter buscado a verdade com auxilio da ciéncia, Se ele tivesse assumblo uma postura de investigar aquilo que poderia ser comprovado — langasse mao da ciéncia juridica ja disponivel no seu tempo ~ ele poderia ter encontrado a verdade: ele estava diante de um inocente. Por que Pilatos também se recusou a aceitar a verdade que a ciéncia Ihe permitia reconhecer? Com muita tristeza, € preciso dizer que os seres humanos manipulam a verdade por varios motivos, muitas vezes motivos escusos ¢ ideoldgicos. E possivel buscar a verdade pelarfé, & possivel aceitar o que a ciéncia comprova, mas as vezcs defende-se como verdade apenas aquilo que ¢ conveniente, Antes de passarao didlogo entre religito eciéncia, conscientes da complexidade inerente & busca da verdade, énecessério um alerta, ‘muito importante: nao se pode contaminar a busca da verdade com defesas cegas de ideologias; nto se pode manipular a verdade para satisfazerinteresses inconfessaveis, Quem de fato encontra Deus endo O transforma em posse privada para promover co bem proprio, Quem de fato ama a ciéncia nao aceita que ela seja manipulada por grupos que querem se perpetuar no poder, reprocuzindo a injustica. A verdade buscada na religiao ena ciéncia E altiva, é nobre e, se de fato for encontrada, a todos libertard 158 ‘Mario Antonio Sonches Religie ciéncio 159 Raz6es para 0 didlogo A visio eritica dos contextos onde a ciéncia e a religito se desenvolvem nao pode nos levar a desvalotizé-las. B preciso também ter uma visio otimista da relago entre religito ciéncia, por mais complexa que esta relagio possa parecer. Bsta visio positiva ¢ construida a partir da visio de mundo mais fundame: perspectva crista; hi um Criador que cria, sustenta e mantém toda a narureza. Deste modo, a natureza, ¢ cada ser existent, so vistos como criaturas, ou seja, dependentes do Criador. O set humano também é criatura, parte da natureza, com capacidade para conhecet a natureza ¢ chamado a uma busca amorosa de Deus, O mesmo Criador que fez 0 homem capaz de conhecer a natureza, 0 cri como impulso de construir uma elago consciente com Ele mesmo. Em outras palavras, 0 mesmo Deus que fez. 0 homem capaz. de cincia ~ conhever a natureza ~ 0 fez capaz de religito — busca amorosa e consciente da relagio com o proprio Criador Deste modo, a relagio religiao e ciéncia parte de uma visio biisica otimista e positivae as dificuldades que se apresentam no caminho precisam ser vistas como empecithos provis em aticude de escuta e mitua compreensio. Isso nao significa partir de uma visio ingénua que nega as dificuldades ov recusa a necessidade de uma visio critica desta relag ano de fundo promissor pata o didlogo entre estas duas areas to importantes do conhecimento humano. O encontro da religito com a ciéncia sera inti se nfo levar 1, mas coloca um, a uma dimenséo ética, ou seja, se ndo se transformar num projeto de inserca0 dos excluidos da terra como os principais beneficitios de todo o esforgo conjunto de uma sociedade. Por si s6s as ciéncias ‘do precisamt da teologia. Por si sé a religito vai muito bem sem a ciéncia, tanto que o niimero de adeptos das confissdes religiosas resce tanto quanto crescem as novas experiéncias cientificas. Uma cspiritualidade que contemple Deus a partir do conhecimento cientifico deve sentir 0 compromisso de mostrar que ha uma nova chance de envolvera todos, envolvendo o pobre, preferencialmente, ‘num projeto de sociedade igualitéria. A ciéncia, dialogando coma religido, compreenderd que esta é grande oportunidade derealizar 0 desejo de Deus: aliviar o sofrimento Inumano. As dificuldades na relagao reli Estabelecer uma boa relagdo entre religiso e ciéncia é dificil por causa de histérias de conflitos do passado. E preciso superar a visdo de que ha um continuo conflito entre essas duas areas, Em alguns paises, como nos Estados Unidos, esses conflitos stio acirrados, movimentam a sociedade e, via de regra, acabam indo a0s tribunais. © conflito se estabelece quando rel promovem uma leitura fundamentalista da Bi lo, os cientistas sio adeptos do mate (SANCHES, 2008, p. 32). fandamentalismo biblico faz uma interpretacao literal dos textos sagrados e embarca no equivoco de ler uma narrativa mitologica como se fosse um texto de hist6ria, ou seja, faz: uma leitura de um texto da antiguidade com os conc de ciéncia dos tempos atuais, A Igreja Catdlica, e muitas outras Igrejas cristis, tem praticado uma leitura historico-critica da Biblia, tna qual cada texto € lido em seu contexto, levando em conta 0 ‘enero literério e a perspectiva do autor biblico. Nessa leitura, alguns trechos da Biblia sfo claramente definidos como mitos, 160 Moria Antonio Sanches 1ndo 0 conceito popular de mito, que o define como mentira, mas ‘com a percepeao de que o mito é uma narrativa que estabelece as verdades simbélicas de uma determinada comunidade. Deste ‘modo, 0 mito nao é uma construcgo de conhecimento cientifico ~ saber como as coisas funcionam -, mas uma busca de resposta a0 sentido da existéncia ~ saber por que existimos Por outro lado, o cientista que professa o materialismo cientifico confunde também as coisas. Fundado na perspectiva auténtica ¢ incontestavel do método cientifico que nao pode pressupora renga, masa verificacdo das dados, ele acaba concluindo que todos os aspectos da realidade s6 podem existir se forem verificados e comprovados cientificamente, Nés, religiosos, gostamos da cigncia que verifica ¢ comprova os fatos € deixa, metodologicamente, a crenga de lado. Isso pode ser explicitado em. iniimeras situacGes da vida cotidiana, nas quais a crenga deve ser substituida pela comprovacdo cientifica. Uma situago na qual 0 oente perguntasse ao médico: “Este remédio é bom?” e 0 médico respondesse: "Eu tenho muita fé de que ele vai ser bom para voc3", deixaria o paciente frustrado, pois a resposta por ele esperada seria: “Bascado em experimentacdes, comprovou-se que este medicamento funciona numa determinada percentagem dos casos" O equivoco do mate smo cientifico € usar 0 método da ciéncia para buscar respostas filos6ficas ¢ existenciais. Como a ciéncia poderia provar a existéncia do Criador, se usa mé:odos cujas leis também foram criadas? Como falar da eternidade com métodos que estao presos na dimensao espago-tempo? £ muito importante perceber que apenas uma pequena minoria dos cientistas desenvolve uma visio materialista da real muitos deles tém professado a sua erenga religiosa lade, ¢ No nosso ponto de vista, portanto, o conilito entre religizo e ciencia é alimentado por estes dois equivocos: 0 fondamentalismo Religio e ciéncia 161 biblico e o materialismo cientifico. No Brasil, este conflito ndo ‘muito evidenciado € a relacdo religiio e ciéncia assume outro modelo: o da separagao. E muito comum, na nossa realidac pessoas, nfo raro professores €catequistas, afirmando que reli ciéncia sio coisas distintas. Na escola, portanto, se estuda ciéncia e na Igreja,religito. Na escola se estuda os textos cientificos sobre a corigem dos seres humanos na Igreja a narrativa biblica sobre Adio ¢ Eva, separagio que reflete uma atitude de certo modo positiva, pois tem a pretensio de evitar 0 conilito, mas desenvolve ros alunos uma visto fragmentada de mundo, no qual religiao € cigncia sto colocadas em gavetas separadas e incormunicéveis. E preciso superar 0 conflito sem air num modelo que io e ciéncia, superacdo que se dé pela construgao de uma perspectiva de didlogo. O didlogo entre estas duas reas reconhece, de inicio, a autenticidade e importncia de cada uma delas e apregoa que a sociedade precisa de boa ciénciae de uma religido que promova a vida, Esta perspectiva nao tem a ilusio de que o diilogo sera sempre facil, mas insiste que pode ser sempre respeitoso ¢ sem arrogéncia, compreendendo que religiao © ciéncia sto realidades complementares, Uma boa resposta para a pergunta: “O que & mais importante, a religido ou a ciéncia?”, seria: “O que é mais, importante, comer ou dormir?” Aciéncia: a defesa do mais fraco Falar do didlogo entre religiao e ciéncia é promovera busca de uma sociedade mais justa, quando a dignidade de todos ¢ de cada um possa ser respeitada. A escandalosa desigualdade social presente coloca o grande problema ético dos tempos atuais, € 0 162 ‘Mario Antonio Sanches Reiigido e cléncia 163 faz para todos, Nenfum setor da atividade humana esta isento deste questionamento, nem a religido, nem a ciéncia. A ciéncia ‘pode desempenhar um papel social extremamente relevante e pode ser exatamente a esperanca, de maneira especial na medicina, de aliviar a dor dos que sofrem, principalmente dos que mais sofrem. Esta é a grande missdo da citncia: sofrem ~ e para isso paderd corretamente & recursos e mais recursos, sendo também este o seu Toda vez que as ciéncias se colocam a servigo dos sonhos

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