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Sr eee eee nee cene ST ene ener ny eee eect Cre nee UEC Reen en Mtn on Leo een Ten ciedade da inteligéncia” ou da “comunieagio’ de uma soviedade produtora de mercadorias pos-industrial sem trabulluadores Com precisio ¢ dareza, Sadi Dal Rowo analisa neste livro a Cree eee nce Oe enn snr) a ee ck ec eRe RT nica dese sistema: a de intensificar o wabalho Pe eee eat ee See ee Pe eee eee a eke MU NES Sadi Dal Rosso Mais trabalho! ete OR Ca Pat Re er [ae Senet MAIS TRABALHO! A intensificagio do labor na socledade contemporiinea ucgtreds indo do Trabalho Coardeneg do Rac Sates ‘Sadi Dal Rosso LEM DA SABRICA NWOLLHERATISWO, TRABALHO Totti a case gino EAINDICATOS Maree Ene od ars arab) amuse qn a Bae oleae CAMARA ESCUEA tts icin a ie oa fe as eminethenzmcn Mex sa deh [NOVA DIVISKO SFXUAL DO ERABALIIOP CO CARACOL FSUA.CONCHA Unk feo paaeniates sels emai ei dobbs ‘ss ‘Novo co ‘O NOVO EE PRECARIO) MUNDO CCRETICA A RAZAO INPORMAT, DOTRALALHIO Aina ba eee eis nom DAGRANDENOITEA AITHRNATIVA "ARAALEN 0 CANTAL vrmoxnacuasLsacnstves _ Ssroan4nazso soc. poTRAMLAD ALHO! SabiceES NG Re coetoerhe A intensificagao do labor na soctedade contemporanea ADISMEDIDA DO.GAPITAL POBREZAE EXPLORAGAO DO TRABALHO Dart ino [NAAMERICALATI DESAROEO FARDO DO TEMPO HISTORIC NS (Gels eo 8 © PODERDAIDLOLOGIA ee ermowmamaune emnemvonaeoronss | acento cn calgon Bron Aen) Eseyerarey OROTRO DAFA [AEDUCAGAO PARA ALEM 150 CAPITA retina no Bes (OEMPREGO NA GLOPALIZAGAD ‘ostouio xe Hers Palm (0§ SENTIDOS DO TRABALHO (© EMPREGO NO DESENVO:IMENTO nan acim empdo alto DANATAQ Bn deme Se mae ‘SHOPING CENTER RORGASDO FRABALHO Rowe im wera ecru anos uso da See Ren ie ASITUAGAO DA CLASSETSASALIIADORA FOMDISMO ETOHOTIEMO NACIVILIZAGRO—-NAINGATERSA Sra acto eft tei goauTovE a OMENS EARTIDOS [ATEORIA DA ALIENAGAO 234 MARX Coemetesniea e Se ees ws tone eee ‘TERCEIRIZACAD 2{SORDIZANDO A LINKS SIE MONTAGES. FABRICA, Statesirwaninacnnsviminarnietatnae ett corp meninin oui Se ‘TRANSWAGIONALEZAGAO DD CAPITAL E CO MIST#R DF FAZER DINHEIRC FRAG MENTAGAO DOS IKABALHADOUES ‘semicircle bao ‘ine gerd Sofie hemor Berrenre- Pett Ow EE (Copysighe © Sadi Dal Rosso Copyrighe desea digio © Boitempo Ealtorial, 2008 cooapexagio corona: Team Jakings priors ‘Ans Paula Castellani Joo AleateleePaschand ASSTENTE EDITORIAL Mariana Tarare PREPARACEO Luis Brasil rewsto uy Cintra Paiva EDITORAGAO ELETRONCA Liliane Rodriguer cara Guitherme Xavier (Gob ade Pe anand mopucto Marel Ih (CIP-BRASIL. CATALOGAGAO-NA FONTE SINDICATO NACIONAL BOS EDITORES DE LIVROS. RI D157 Dal Reno, Sli, 1946 Mais alo! a ineniicagt do abor wa saci concemparines/ Sadi Dal Ruse - So Palo: Rotem, 2008, ‘Mundo do abalho) ISBN 978-85.7559-179-2 1. Socinlogi da tit. 2. Taha - Aspects socials. 3. Capitalism - Aspects exis. 4, Prodatidade do balha 5. Tabula fo das inoengdeecnolagcs, 6 Yaalhadoves- Condes sci 7, Relgbes taba, 2 Thu, inl: inna do born cocedadecantemporines. IL. Serie. 82704, DD: 30633 cpu: 31633422 “Taos os dnscos reservados. Nennuma parte deste livio pede sr vclizada ou repreduzica sem a exprets autorizacto da editors. 1 edigaos agosto de 2008 BOITEMPO EDITORIAL Jinkings Bdiores Asiociados Leda ‘Hux Bscides de Andrade, Prdizes 05030-030 Sco Peulo SP “Te. fae (11) 3875-7250 / 9872-6869 ceicos€boicempned itor ecm be scwnbeiempood totialcombr : SUMARIO APRESENTACKO. Z “Anénnin Rew! Catteni INTRODUGAO. A ONDA CONTEMPORANEA DE INTENSIFICAGA DO TRABALHO n PaRIE I. © CONCEITO DE INTRNSIDADE DO TRABALHO 1. Tntensidade do trabalho ornonmunnnnarsnnin 1.1 Aque fenémeno damos o nome de intensidade do trabal0? one 1.2. Produtividade e intensidade do trabalho 1.3. Materialidade e imarerialidade 1.4 Inddstria eservigos amet 2. Acconstrucio histrica da nagio de inrensidade do erabalho 21 Revolugio Industrial ~ séculos XVII e XIX... 2.2 Ortaylosismo e o faxdismo, ie 23. O toyotisme wr one ane 24 Estudos recentes... es PaRTE I], A INTENSIDADE D0 TRABALHO F OS TRABALHADORES sol 3. Um processo gradual e ineversivel de disso da incensidade do trabalho... mesonrcaceroacee 3.1 Asescolas de gestto ised al B.2_ A debilidade de trstamentn tesco ¢ empitico cde questo no Brasil ena América Latina . _P 3.3 Debilidades em 4mbito mundial... 34 Fontes de dados no Brasil - 3.5 Técnicas de pesquisa para escudar a intensidade do trabalho, 3.6 Construcio conceitual do problema e da hipites nnn 3.7 O srabalhio de camporvenseseinn ’ 4. Nintensificagio do trabalho e 0s eabalhadores 4.1 O processn coma um todo. 4.2 Instramentos de incensiicagto 2 4.3. Intensificagio do trabalho e suide 5. Adiversidade da intensificagio do trabalho... - a 5.2. Telefonia ¢commieaglo a cmsnnnn _ 5.3 Supermercades mn. 5.4 Ensino privado 5.5 Constragia 5.6 Servigo piblco (CONCLUSAO. A TEOMA DA INTENSIDADE DO TRABALHO... Notas FINals _ AGRADECIMENTOS: cramencaiin 89 9 = 7 101 101 106 135 9 150 163 170 175 180 12 189 203 207 APRESENTAGAO ‘As formas contemporineas de produgio capitalista de bens € servigas so medtocres, atentam contra o bem comum ¢ exploram os trabalhadores em condigbes que nfo correspondem mais.is potencialidades do tempo presente. Comparativamente a outros modos de producio, 0 capitalismo representott um avango extraotdinétio, superando formas prinrias assentadas em relagies dc produgao medidas por despotismos diversos: politicos, étnicos, familiares ou religiosos, Ao revolucionar continmamence as forges produtivas, ao itnph imentar wins racionalilade instrumental agenciando meios e fins ao discipli- nat as forsas sociais do trabalho em moldes procutivistas, o capitalism suplancou a base limitada da economia e das sociedades existentes até entio, langando a espécie humana na aventura da expansdo matotal ilimicada. Ia- fincas possibilidades teenolégicas foram desenvolvidas, embora isso se tena dado no quadro estito de relagdes sociais marcadas pela apropriacio privada de uma produgio que é, estencialmente, eoletiva’ Jamal, na histéria da humanidede, houve tamanbe criacie material: bens © servigos abundantes ¢ de melhor qualidade, inmagées que proporciocam mais conforto c satide, possibilidade de fruigao de novas dimensdes da vida, disponibilidade de aparatos recnolégicos que facilitam os deslocamences ¢ as comunicagées des individuos. Porém, o prego a pagar tevelou-se absuida- mente alto. A légica incxorivel do principio da acumulagio ilimitada e da concentragio de cxpital lem & dostruicgéo da narureza c a0 ercscimento das desigualdades socioeconémicas de modo indigno. Mas, sobrecudo, a forma 4 Anmonio David Cattani (org), “Os covectos essence’, em d eur econreie( Por Alege. Veras, 2003), p.% Mats trabalho! capitalista de produgio continua beseada no principio de fungibilidace fsica intelectual do trabalho vivo, organizado e disciplinado em condigdes desin- reressantes ¢ estressantes que levam ao emboramento da inteligéncia, 2 alie- nagio de muitos para o beneficio de poucos. ‘Novos recursos ¢infinitas possibilidades maceriais surgern de mancita ace- lerada, A tecnociéncia e seus milltiplos desdabramentos (bio ¢ transgenia, na- notecnologia ee.) poderiam livrar a humanidade do espectro da foe, eduzie a dor, ampliar 0 conforto e a segueanga. As inovagbes tecnolégicas e organiza- conais poderiam reduzic as tarefas penosas,facilitar 0 labor consciente ¢ ctia- tivo que propicia a realizagio pessoal plena, Mas, novamente, o que se constara a spropriagio desigual dos frutos do progresso, a exploragio das forgas vul- netdveis do trabalho, a insereo subordinada em ambientes de trabalho apre sentados como modemnos quando, na realidade, reproduzem co similares §s existences no pré-capitalismo, A reestruturacto produtiva, a im plantayio da especializagio Hlexivel« a autornagio desenfreada proporcionan ‘boas condigées de trabalho para poucos, atemorizando os demais com aamea- ‘sada precatizagio e da exclusio defiitiva da esfera produciva social. Possibilidades emanciparérias de um lado, realidade social medfocte de outro, Pode-se falar de descompasso, de paradoxo ou de contradiao. © fato € que o capitalismo contemporineo possui cimensies senis, medioeres, que rifo atendem as necessidades e demandas de uma sociedade mais exigente, técnica intclectualmence mais qualificada, de uma sociedade que nao pode ‘continuar sendo refém de um processo predatério, desrespeitoso & mature © aos prineipins de solidariedade, frarernidade e Iberdads. (Ora, as afirmagées anteriores podem ser interpretadas como julgamentos morais fundamentados numa visSo urépica de uma outra economia e de que uum outro mundo é possivel. O sistema capitalista vangloria-se da sua legiti- midade construida pelo faro de, sf-disans, atender racionalmente aos inte- resses do conjunto da populacio. Apresentado como eficiente e efica, ele scria melhor do que qualquer oatze mado de produgio e, sobretudo, estaria em constants proceso de aperitigoamento, (© embate entre os que sustentarn que 0 capitalismo precisa ser euperado cagueles que o defendem como horizonte intranspontvel néo pode ser trava- do apenas com dads facticios © vom argumentos inconsiscentes que 140 correspondam a tealidade. © livro de Sadi Dal Rosso é uma obra cientifica de valor inessimével par qualificar a disenssio, pois analiss “igorosameate situa~ {gbes edinlimicas cruciais na exparsio capitalsta neste incio do séclo XI. ‘Com precisdo ¢ clarezs, o autor comprova a comtimuidade eo Fomento de Apresentagio & uma estranégia essencial da dindmica capitalista: aquela de intensificar o trae balho humano com o objetivo de elevar quanttativa e qualicativamente os resultados. Em outros termos, Fazer com que os produtores diretos crabalhem mais, prodavzam mais e melhor eque, com isso, proporcionem mais lucros 20 capicalista, ‘Achra Mair rabadhe! ¢ wm desmentido cabal as interpretagses apologéti- «as da superioridade do capitalismo e as ceses equivocadas sobre o fim da cen- tralidade do trabalho, sobre © surgimento da “sociedade da inteligéncia” ou da “comunicagio”, de um capitalismo pos-industtal sem trabalhadores. Dal Rosso procede a uma competente e precisa revisio da literatura especialivada, ‘Os lissicos € 0s principais autores contemporineos sio analsados e criticados (no sentido etimolégico do verbo crisicar, isto € julgar o que & decisivo). Ao constatara debilidade dus estudos empiricas para persceutar 0 fenémeno da intensificagio do trabalho, especialmente na América Latina, o autor concebe uma metodologia original tendo como fove especifica a ralidade do Distrito Federal. Cidade sem tradigio de trabalho industrial, considerada nessa esfera petiferia da periferia, Brasilia constitui-se mum. raro ponto de ob- servagto de fendmenos globais. Fla nao é excegao, é exemplo eoncreto daquilo que acontece em escala plinetéria na walidkide dos sevores embalados pelas estrarégias liberais do capitalismo que se quer “modetno” ou “pés-moderno”. ‘As constatagies so irrofutsveis. Hoje, considerado um perfodo de tempo relativamente eurto, 0 trabalho & mais intenso, o ritmo ¢ a velocidade sio ‘aiores, 2 cobranca de resultados é mais forte, idem @ exigencia de poliva «ia, versatilidade e flexibilidad Esses iltimos erictios sio apresentados ba- bitualmente como posicivas pelos idedlogos do produtivisnms e aplicados pelas cescolas de gestdo ¢ de recursos humanos. Dal Rosso apresenta com detalhes © seu custo humano: a intensificasao do trabalho traduz-se em maiores esgastes fisico, intelectual ¢ smocional. As conseqliéncias negativas s30 com- provadas pela maior incidéncia de estresse ¢ de acidentes no trabalho, pelo acréscimo das lesGes por esforges repetitivos, enfim, pelo adoecimento que afeta o trabalhador, que repercuce sobre sta familia, com eustos para o con junto da sociedade, O autor procede a um trabalho de claificagio conceit! distinguindo, ene outros pontes importantes, intensificacso do trabalho de procutividade. Revalida e atualiza os conceitos de mais-valia absolotae relative «com nana propriedade, equalificaa distingge encte os ets seraces dx ecanc- sia ¢ entte trabalho imatetial e crabalho macerial ‘A sociologia do trabalho tem demonserado complexas fxcens da precatiza- s0 do trabalho. Por meio dos novos sistemas de comunieagio, espectlnente capli 10 Mais trabarnot pelo telefore e pela internet, os trabalhadocesficarn & dsposigéo de um patrio remozo que o¢ alcanga @ qualquer hora do dia ou da noite. O trabalho dito MRenivel tradu-se em jornadas imprevistveis, alternando tempos ociosos etraba- lhos intensos, pois, habitualmente, as earefas encomendadas deverdo ser execu todas em tempo recorde. © fendimeno do teletrabalho por veres € apresentado como uma forma no particularmente positiva para o trabalhador, mas como luma modalidade que subscituiria priticas convencionais que prevaleceram nos Lltimos dois séculos. Novamente, o tabalno de Dal Rosso craz resultados originais, indicanda ‘que, apesat de todas as inovagées organizacionais, 0 fenémeno do prolonga- ‘mento das horas crabalhadas 6, ainda, uma esteatégia adotada pelas empresas ‘apitalistas no momento em que a vorrelasio de forcasIhes ¢ favordvel. E nio ‘apenas iso. Essa é uma estracégia urilizada especialmente por aqueles setores litos modetnos, vinculadlos 4 parte dindmica do capitalismo globalizado. “Taxlos us clemicuivs cmptzices ¢ eonceituais apresentados om Mais indblsat comprovam que a luta de classes esti sendo ganha por um lado. © resultado de trabalhar mais € mais nZo beneficia os produtores ditetos nem o conjunto dda sociedade. Trabalhar mais ¢ mais se tradur, objetivamente, em maiores lu- «ros que, devido a0 enfraquecimento ¢ 4 fragmentagio das forgas sociais do trabalho, sio apropriados por segmcatos especificos da clase capiraliia Antonia David Castani Porto Alegte, abril de 2007 INTRODUGAO A onda contemporanea de intensificagao do trabalho Tiabalhos, nfo mais empregos! Dirigente de reeurss lero cle grande empresa brasilena de upevmurcados Abro este livia narrando a histéria de uma entrevista reveladora das mu dangas em curso no trabalho, A pessoa entrevistada era diretora de recarsos hurmanas de uma grande cadeia de supermercados, com abrangéncia em todo o territério brasileio, A dirigente era mulher, jovem, com formagzo univer- sitdria tinha sol sun coordenagio a selegéo ¢ a formacio dos quadros paraa regido do Distrito Ferleral. Perguntada sobre as mudangas nas selagées de trabalho gue os supermercados estabeleciam pars os noves cantratados, le aproveitou a oczsi0 ¢ claborou um discusso de cunho geral sobre o tabalho. Apresentou uma imterpretagao sobre as mudangas que, segundo ela, estariam ocorrendo so mundo das empresas, a= repercussoes que produziam sobre 0s funciondrios © fo que deles se esperava. O cere do discurso foi cxpresso por meio de ema polarizagio contuncente: “as erapresas querem trabalhos, no maisemprgos” ‘res cermos sintomaticas: “erypresss”, “empregns’ c ‘trabelhos". © discurso descrevia que o futuro do trabalho para as companhias nfio mais estaria posco 12 Mals trabalho sobre a construgio de relagies estaveis, descritas como “empregos”, ¢ sim flexiveis, mutiveis, verbalizadas pela pakivra “wabslhos". O primeiro sintetizava as condighes de trabalho conquistadas pelos assalariados no seu ppercurso histérico de lutas. Referia-se 4 relagdo empregaticia com salério fixado no inicio do conttato de trabalho, com direitos de jormada semanal regulada segundo a lei e nfo segundo as necessidades das empresas, com os descansos semanais obrigatoriamente respeitados, com prescrigio das atividades a desenvolver para a tipo de cargo ocupado, evitando, dessa forma desvios de tarefi, com as contribuigées para seguridade social recolhidas _mensalmente, 0 que permitia ao trabalhador 2 perspectiva de apasencadoria ‘ou, se algo acontecesse no meio do caminho, a possbilidade de bereficiar-se de seguro desemprego e, em qualquer hipdtese, acesso aos servigos de sat Enfim, “empregos” compreendia aquelas condigdes que os assalariados conseguiram obter em séculos de lutase estariam se tornando um peso muito grande para as empresas, as quais enfientavam a moderna competitividade, ¢ tum laxo para os trabalhadores. A nogdo de “empregos” deveria s tempo, substieuida pela nogio de “trabalhos”. sta no & « priori, auco-explicativa, mas ¢ posetel depreender seu sentido do contexte do discurso, Primeiro, a idéia de oposicio, de substituigaa, de transigio, le passagem de um mundo organizade sobre a forma de “empregos”, com relagées estaveis de assalariamento, para um mundo do trabalho orga- nizado sob forma de “wabalhos”. Ou sej, um deveria subscituir 0 outz0 no novo ambiente dos negécios. A reestcuturago produtiva em curso estava aca~ bando com os “empregos” e criando a partir deagora“trabalhos”. que sia “wabalhas"? Sob © dominio dos “empregos", cles sempre cxisticam, isco 6, atividades priticas que requerem a intervengia dos «eabalhadores. Nan € esse, evidentemente, 0 sentide quea dirigene de pessoal «quer dar & palavra “trabalhos" (no plural). No discurso construdo, o esarico de “eabalhos” opse-se20 de “empregos”. Dessa forma, no Futuro ni exists mals “empregos”; apenas “trabalhos’ nos quais alguras ceractersticas centrais da primeice categoria no mais estariam presentes. Em sew lugar, outras condigbes de trebalho fariam parte dos “:rabalhos". Os novos “trabalhos”, comparados 20s antiges, no seriam atividades perinanenses para os trabalhadores, ou poderiam ser permanentes, desde que desprovidas dos excesses” que Michel Gollc Senge Volkoi,"Citns ais. Fortin, Wineeilistinn da vari, tes de Recherche on Seton Socal, avis, Sell, m. 114, 1996, . 3487. Antoine Valeyre, Foie: Cmomfotm di ane dpsarsips dep et pefaascous eri shee axed anasreles(Noiyle-Crarad, Docureano de uabalao 2.2540 ‘Centre 'Enudes de VEmala, 2903), 20 Mats trabaino! Para enfienta: esse encadeamento de perguntas pareve ramavel que ‘entremas na floresta conduzidas pela wrilha da simplicidade, Comecemos por claificar ¢ que enterdernos por intensificacio de trabalho dlstinguindo-0 de ‘outros fenémenos correlates, mas de naturcza completamente diferente Qualquer trabalho ~ autdinomo on heterdnomn, assalariado ou coope- rativa, escravo ou servil, camponés, operério ou intelectual ~ ¢ realizado segundo determinado grau de intensidade, Bla ¢ uma condigio intrinseca a todo @ trabalho concrevo ¢esté presente em todo o tipo de trabalho executado, em maior ou menor gra, Mas a qual caracteristica do trabalho nos referimos quando empregamos 2 palavra intensidade? (0 trabalho é a cransformagio da narurcza realizada pelas sores humanos cmpregando para isso meios¢inserumentos sex dispor e seguindo um projero mental’, Quando um projeto mental se atualiza na pritica, os sujeivos que © realizam gastam uum volume varidvel de suas energias fieas ou psiquicas. A idéia de que todo o ato de trabalho entvolve gato de energiae, porcanto, exige csforco do trabalhador, etd na raiz da nogdo de intensidade, © trabalhador pode gastar mais ou menos de suas enesgias, mas sempre gastaalguma coisa. ‘A intensidade tem a ver com a maneita camo € realizado 0 ato de trabalhar. Fase € 0 primeiro elemento a destacar sobre invensidade: ela se refere a0 grau de dispendio de energias realizado pelos trabalhadores na atividade concreta. A compreensio da nogio de intensidade sup6e ainda que a atengio esteja ‘concentrada sobre pessoa do trabalhados, sobre o coletivo dos crabalhadores, «mio sobre outros componentes do processo de trabalho que tém capacidade de alterar os resultados, tais como as condigbes tecnolégicas. Sempre que {alamos em intensidade do crabalho partimos da analise de quem trabalha, isto do teabulhador, Dele ¢ exigico algo a mais, um empenho maior, ja fica, seja intelectual, seja psiquicamente, ou alguma combinagio desses trés elemencns. Nio se crata de examinar 9 desempenho das miquinas ou outras coisas cuaisquer. A atencZo esté centraéa sobre quem trabalha para examinar qual.o dispéndio qualitative ox quancitative de encrgias, Analisz-se 0 processo cde tabalho, considerada em suas dimenstes Fisica, intclectuaise psiquieas. A iotensidade tem a yer tio-somente com 0 sujcito do trabalho, com o trabalhador individualizada on com a cnletive das trahalhlores: ‘Uma atividade concreca demands em medida varidvel o concurso de todas ss capacidades clo trabalhador. ainda que a acvidade Eaga uso mais focalizado, © Kal Mare, Grane: Soundton of the Crsgue of Poicat Beonomy (Nora Yor, Viatge Books, 1973). Intenstdace do trabale 21 cesta do esforso fisico, aquela do cognitivo ¢ uma terceira do afetive, & 0 crabathador cm sua totalidade de pessoa humana que desenvolve a atividede, ido apenas o trabalhador enquanto parte, Forga fsica, capaciclace i ‘ow emocional, A incensidade é, portanto, mais que esforgo Fsico, pois eavl- ve todas as capacidades do trabalhador, sejam as de seu corpo, 2 acuidade de sua mente, a afetividade despendida ou os sabetes adquiridos através do tempo ou transmitidas pelo processo de socalizacio. Além do envolvimento pessoal, o trabalhador faz uso de relagdes estabclecidas com outros sueitos trabalhadores sem as quais o trabalho se tornaria invidvel. Sao levadas em conta na andlise da intensifieagao do trabalho as relacies de cooperasio com .o dos trabalhadores — a transmissao de conhecimentos entre si que permite um aprendizado miituo —e as relagbes familiares, grupais « societais que acompankam o trabalhador em seu dia-a-dia e que se refletem dentro dos locais de trabalho, quer como problemas quer como potencialidades ‘No capitalismo contemporinco, a andlise da intensidadle do trabalho ests voltada para os resultados. Falamos de intensificagdo quando os resultados so quantitativa ou qualitativamente superiores, razu pela qual se exige um consumo maior de energias do trabathador. Ha intensificacio do trabalho quando se verifica maior gesto de energia do trabalhador nu exercicio de suas atividades cotidianas. Quando se trata de trabalho fisico, os resultados aparocem em medidas tais como maior ntimero de veiculas montades por dia por pessoa ete. Quando o trabalho nia éfisico, mas de tipo intelectual, como no caso do pesquisador, ou emocional, como o que vcorre com o educador & aenfermeira, os resultados podem ser encontrados na melhoria da qualidade mais do que na quantidade de pessoas arendidas A manipulagio do grau de intensidade tem por objetivo elevar a provluto cuantitativa ou melhorar qualitativamente os resultados do trabalho, Em principio, a alteragio de intensidade para mais aumerta os resultades do trabalho e aalresagio paza menos diminul. Ean restsmo, podemos aftmar que cuanto maior é a inteasidade, mais trabalho & produzido no mesmo period de tempo considerado, Dessa forma, na histéria do desenvolvimento ceond- mico, @ clevacio da intensidade do trabalho cotidiano constitu uma forga fundamental de crescimento. A intensificaco como produtora de crescimento ccondimico consém implicitarsene um problema social © moral de extrema relovinela: no se trata de mais una fornia de exploragse da mio-de-obra? Tel jquestio, por sua vez, implica na pergunta: quem decermina © gran de Sintensidade? © erahalhador? © empregedor? 22 Mats trabaihot ‘Um ripido paréntese para esclarecer uma fonte de confusdes. Hi situayies de intensificagéo que nfo correspondem a maiores ou melhores restlcados, Os eatudos de eeonoraia solidéria, por exemplo, mostraram gue, quando grupos de trabalhadores assumem uma empresa em estado de faléncia, seu trabalho pode freqtientemente ser bem mais incenso do que fora em tempos anteriores, cde modo que a firma se mantenha em operacio. Verifica-se urn maior desgaste fisio, intelectual e psiquico, sem que isso cortesponda a um maior ou melhor resultado do trabalho’. Esse no é um fato novo nas ciéncias sociais. A sociologia rural e a antropologia jf h4 muito aponcam que em coletividades camponesas ¢ grupos urbanos empobrecidos trabalha-se mais e mais dura- mente quando o rendimento é menor; ¢ por causa disso. Esses elementos aponcam para uma generalidade © supratemporalidade considerivel do fenémeno, particularmente vinculado a formas ndo-capitalistas de oxganiza- sao do trabatho, mas ¢ preciso deixar claro desde logo que nfo € esse tipo de intensificagdo de que wcata ese liven. Para apresentar o fendmeno a que damos 0 nome de intensidade do trabalho recorremos a um exercicio ce abstragao € formalizagio. ‘Tomemos ‘uma situagio de trabalho hodierno qualquer, sea num hospital, numa escola ‘ou num banco, seja numa indiistria ou na construgao civil, seja, enfim, numa Fazenda ou numa geanja de produgio de aves. Suponhamos que as condigées téenicas € externas sejam constantes. Assumamos ainda como constante o ‘mero de trabalhadores e que cles tenlram quilificagies ¢ nivels educacionais assemelhdveis. Assumamos, por fim, que 0 grupo de trabalhadores sob observacio opere durante um espago de tempo definido. Sob cais condigbes constantes, a abtencio de mais ou de melhores resultados pode ocorrer desde que o grupo de trabalhadores se aplique mais a fundo no trabalho. Dito de outra maneica, mais 01. melhores resultados sexio conseguidos 4 medida que esse grupe trabslhar mais intensamente no mesmo espago de tempo considerado. Hsse trabalhar mais densamence, ou simplesmente trabalbar mais, sem quaisquer adjetivas ou advérbios, supde um esforga m: ‘empenho mais firme, um engajamenco superior, um gasto maior de energias pesseais pera dar conta do plus, em termos de carga adicional ou de tarefa mais complexa, Resultarae desse envolvimento superior do grupo com 0 Weal Singer e André Rican ds Suvi, A omer lids wo Baul (Sio Paulo, Conees, 2000); Candido Giuzidex Vistex e Neuss Matia Dal i, Zvhsdhoescriade:coeertias crprees de wargerts Rio de lancivo, DPSA, 2001). Intensidade co trabatre 23 trabalho um desgaste tarabém maior, uma fidiga mais acennuada ecoztespo lentes efeitos pessouis nos campos fisioldgico, mental, emovional e rlacional. Em sum, para a obtengio de mais ot melhores resultados, em qualquer tagio de trabalho que soja, dentro das restrigbes estabclecidas, o gra de iatensidade deverd er superior em alguma medida, Intensidade vio aquelas condisies de uabalho que determinam 0 grau de envolvimento do craba- Jado, seu empenho, scu consumo de energia pessoal, seu esforgo desen- volvido para dar conta das tareas a mais. Fsse exeeicio ce formalizagio permite caprar o fatoa que daremos 0 nome aqui para frente de intensidade da trabalho e distingui-lo de outras nogSes como a de produtividade. Chamamos de intensificagio os processos de aquaisquer narurezas que rcsultam em urn maior dispéndio das capacidades Fisica, cognitivas ¢ emotivas do rabalhador com o objetivo de clevat quantita sivamence on melhorar qualitaivamente os resultados. Em sintescs mais trabalho, © seu invsiso chamamos de redugio da incensidade do trabalho ou zens trabalho, Intensificasio ¢ redugio da intensidade sio processos que se definem em fungio de relages comparativas no tempo. Comparando a incensidade do trabalho nos momentos ¢1 (antes) e 12 (depois), pode-se saber se houve -nsificagio ou redugio de intensidade do trabalho. ‘Actestigho de coeteris paribus é obviamente uma decorténcia da necess dade de precisar © objeto estudado. Nas concligées coneretas do diaca-dia, quando envio as rstrcies sao suprimidas, elas podem se transformar em. farores determinamtes do grau de densidade do trabalho. Podemos aduzis 0 «230 elissico da modernizagio dos equipamentos ¢ dos meios de trabalho ‘como exeraplo. Hd pelo menos duzentos anos prevalece a hipdtese de qu= as rmudangas tecnol6gicas que acontecem de tempos em tempos, além de substizuircrabalho, gue € sua implicasio primeira também coneibuem para aumentar o grau da incensidade recurso aaguns autores nos ajuda a esclarecero conceit de imensidade, ‘Alain Femnex, com base nos escudos de Mars’, inwoduz 0 problema com 0 seguinte argument tum eesrimenta da pena no cama éeum perlade dado, para wn admero de homens-hora deverminad, pode resultar de erés fares) ou eaulta do aumento da produtividade de trablho, se a quantidede de twahalbo dispenss- 0 Chitin of Paine Eomorsy ct 24 Muls (rabalbiot do no musdou; 2) ou € proveniente estritamente de una intensificagao do ‘trabalho se, todas as coisas ignais de outro lado, o nico elemento suscetivel ddecxplicaressectescimento é um aumento da quantidad de trabalho contido ‘no mesma niimern de hamens-hors: 3) on existe a combinagio dos dois cfcitos¢ esa situagio patece seca mais “plaustvel, mas também a que apresenta mais difculdades.” ‘Femex rambém opera com a nogio de carga total de trabalho, emprestada de outro autor, Mare Bartoli, visando eselarecer a singulatidade do eoncxito de intensidade. A nogio de carga total de trabalho compreende todos os elementos componentes do trabalho humano, seja no sentido fisiolégico, ‘mental, relacional ou psiquico, Tal visio ampla de intensidade objetiva superar ‘uma concepeio simpléria fundada apenas no esforgo fisico. Como € determinada a intensidade de um ato de trabalho? O grau pode ser definido pelo proprio trabalhador, tal como acontece no trabalho auténomo, no familiar © no cooperativa, ou por outros sujcttos como no trabalho heterdnomo, Tais distingSes sio necessérias porque as relagbes especificas a cada tipo de trabalho passam por determinagées cambém particulares quanto 20 vincula on subordinagio que se estahelece entre o agente trabalhador ¢ 0 agente controlador do trabalho. No modo capitalista. de produgo, assim como no modo escravista eno servil,o controle da intensidade sai das mios do ttabalhador € & total ou parcialmente, definido pelo cempregador’. O grau da intensidade resulta de uma disputa, de um conflito social que opie 0 interesse dos trabalhadores ao dos empregadores. Nao € 0 ividuo trabalhader quem decide autonomamente stias condigdes de trabalho ¢ estabelece o grau de empenho pessoal com a atividade. © ato de compra e venda da forga de trabalho confere 20 comprador poder sobre ‘como seri utilizada essa mercadoria, As empresas ¢ os administradores pancam determinagées inarredaveis quanto ap como deve ser realizada determinada tarefi e conseqilenremente qual o grau de intensidade requerido. No trabalho assalariado, a dererminagio do grau de intensidade étransferida com o ato de ‘compra e venda de forca de teabalho das mios do vendedor para as mios do comprador. Os empregadotes sentem-se com todo 0 poder nas mfos para ‘Alain Fernex. “Incense du mal, definicion, mesure, éolutons" apresenezde no semitio sobe:invesilicagic do tabalko do Cent df Svades del poi, Paris, 2000, v.10 © Mare Bantoli, nent ian Grenobie, Tese de dourotado en Universit des Sciences Soria es de Grenoble, 1980), © Karl Mare Grane: Fenders ofthe Chisiqus of Poical Bonar ci Intensidade do trabaino 25 administrar 0 modo como ser4 feito 0 trabalho © ipso facta seu grau de intensidade, uma ver que no contrato nao existe cléusula que vineula de ancemio essa determinagio. Os yendedores da forga de trabalho no ficam completamente & mercé dos empregadores por duas rardes. A primeira é sia ‘apacicde de luta e sua forga de resistencia. A segunda éa existéncia prévia de padcées de intensidade construidos através do tempo © que os traba- Ihadores assumem como referéncia, Nem um argumento nem outro conferem integealmente 20 trabalhador o poder de controlar a grau da intensidade do lidar'®, A incensidade permanece, dessa forma, como objeto de eterna dlisputa entre capitalistas que exigem Iabutar com mais empenho ¢ trabae Thadotes que resistem ¢ buscam manter seus ritmos ¢ cargas definidas pessoal ‘ou geupalmente, 1.2 Produtividade ¢ intensidade do trabalho A relagiio complex entre intensidade do trabalho © s fatores que a condicionam conduvem. a aprofundar a andlise por meio da nogio de prodiutividade a fim de distinguir to claramente quanto possive intensidade ¢ produtividade do trabalho, Produtividade & um conceito que proyém do ‘campo da economia. Em economia, na maaioria das veves, 0 graut de iaten- sidade fica subsurnico como patte integrante do conceito de produtividade, sem que Ihe seja conferida uma especificidace qualquer. Operamos com & hipétese de que imensidade do trabalho € uma condigzo distinte de produtividade por envolver elemencos ¢ mecanismos diferentes € podendo, portanto, ser construida com estatuto € com forma de mensuragie prspria. ‘Um trabalho € considerado mais produtive quando seus resultados no ‘momento 22 (depois) so maioses do que na momento anterior t (antes). Tal nogio de produtividade do traballio confunde elementos de natureza completamente distinta", Ao levantara questio sobre a manceita pela qual foi obtido o aumento dos resultados percebe-se a confusdo. Pois o aumento dos resultados pode ser obtido de diversas maneiras. Hi resultados que decarrema deavangos eeruados tio-somence nos melos maceriais com os quais 0 trabalho é realicado, Chamamos css caso de aumento da produtividace, Quasdo os * Jean ieee Dusuade Splstin Gees, “Atabution, perception eendgeeation del chage de teaill, Les Cie Bary, Evry Univesté dry Val Eszonne, msio 2002, p -136, © Dav Eales, “Howarde a Theory of Wor Invenio sobre mens eagto do balho do Contre d¥rudee de FEamploi ats, 2002. 26 Mats tabathot avangos techolégicos — ou mesmo em sua auséncia ~ exigem maior envalvi- ‘mento ¢ desgaste do trabalhador. denominamos esse componente social de clevacéo da intensidade. Conceitualmente, as duas esferas io distineas e coma tal devem ficar separadas. Fssa € a primeira razio para separar a idéia de produtividede da nocio de intensidade. Hi uma segunda razio, Melhoria de resultados pode acontecerem funcio de mudangas na organizagio do trabalho. De forma andloga 3 anterior, é necessirio distinguir de que maneira essa transformagio acontece para saber se estd em andamento um proceso de intensificagio ou no. Hi situagdes ‘em que a mudanga organizacional nao envolve qualquer unidade a mais de ‘consumo de energia por parte do trabalhador, E 0 caso de processos de racionalizagio de atividades que anteriormente eram feitas de mianeira a cenvolver perdas desnecessérias. Os procedimencos altamente burocratizadas dos servigos pablicos fornecem um exemplo desse caso em que a raciona- lzagio do processn poderia envolver aumento de produtividade sem aumento de intensidade. Por outro lado, é mais freqiiente a situagio em que o trabalho € reorganizado de maneiva a que no seja apenas racionalizado como demande mais energias do trabalhador. Nessa segunda situagio, nos encontramos pevante reorganizacio com incensificacio, As duas siruagdes demonstram a necessidade de distingui produtividade de intensidade do trabalho. & necessidade da distingio comegaa ser reconhe- ida pela Organizagio para a Cooperacgo e Desenvolvimento Econdmico (OCDE), poderosa entidade internacional que reine os patses capitalstas mais ricas do mundo e propte cricérios e medidas de crescimento da produnividade. ‘© manual "Medindo a Produtividade” define produtividade como uma “raza da medida da volume de produto para a medida do volume de uso de insumo™. A definigfo ¢ genética e no contempla a possibilidade de que a clevagio dos resultados aconteca por meio da adlocie de condigées de teabalhio indesejéveis, Na segio que dedica as diversas medidas de produtividade, @ manual indica que as medidas de produtividade, seja com base no produto bruto ou no capital agregedo, ‘mostram o perfil de tempo de quao produtivanente o trabalto é empressdo pata gerar produto bruto ou valor agtegado. As mudangas da produtividade © Ocguninagis pata « Cooperagio e Devevelvimen:o Esendmivo, “Mearzing Productiv Meesureaent of Asgregsce and [nose Level Pradectviy Grows", OCDE Mena, Pa 2002, p. 21. Intensidade do trabalho 27 do trabalho refletem a influéncia conjunta das mudangas em capital, insumos intermedistios, bem como mudanga técnica, otpanizacional e de eficiéncia dentro ¢ entre firmas, a influéncia de cconomias de escala,vétios graus de uso dda capacidade e etros de mensuragio. Até esse ponco nenhuma palavra sobre 6 papel da intensidads.Ela aparece pela primeira vex quando 0 manual apresenta a interpretagio de que “a produtividade do trabalho reflece somente parcialmente a produtividade do trabalho cm termos das capacidades pessoais dos trabalhadores ou da intensidade do trabalho do seu esforgo”. A segunda entrada do termo no manual esti mas conclusées sobre o uso ¢ interpretagzo das medidas, quando € repetida a afirmagio acims anscrita ‘Quando tata sobre 0 insumo trabalho, o manual indica que opera preferencialmente com “o niimero de horas efetivamente trabalhadas". Reconhece ainda “diferentes tipos de insumo de trabalho", entre os quais “tempo, esforgo e qualificagées da forga de trabalho" e discute varios ajusta- mentos que representariam qualidades diferentes do trabalho. Assim a formagio de capital humane abriria camtinho para os fcitos dos investimentos incangiveis. Outro aspecto levado em consideragio sio as qualificagées, separadas entre muita e nenhuma qualificaglo. Mas nenhum ajustamento apresentado para o fatar “esforgo” Em suma, a edigio 2002 do manual comegs a reconhecer formalmente a cexisténcia de um faror chamado “intensidade do esforgo” como parte da medida de produtividade, Isso quer dizer que ganhos de produtividade podem ser decorténcia da majoraco da intensidade do esforgo daqueles que ‘rabalham ou de grupos dos trabalhadores e no apenas de mudangas récnicas ‘ou organizacionais nos locais de trabalho. A expressio “a produtividade do trabalho refiete somente parcialmente” produz o eftito de reduzir a forga do ceconhecimento, por um lado, como também indicar a inexisttncia de uma medida capaz de quamtifici-la. Na hipétese de significar um reconhecimento limitado, 2 expressio preenche 0 papel eminentemente politice de nao acirrara disputa social sobre o trabalho, de nio fornecer instrumentos de luta para o movimento sindical e ce néo ® tbidem, ps 145. Ibider. 20, bide, 40, bide, 946, 28 Mais trabalho! invitar os empregadores que sfo, em iilcima instancia, os responsveis pelo endurocimento das condighes de erabalho. Na hipécese de significar um problema técnica, a expressio sublinha apenas a dificaldade de indicadores para separdcla de produtividade em geral. Tal dificuldade ests claramence presente quando o manual cta textualmentea necessidade de levar em conta o efeito “esforgo”, mas nio indica qualquer forma de mensuragio para isso, 0 que reduz o reconhecimento a intengies formas. © recanhecimento do fator intensidade, sinda que sem uma correspon- dente medida empitica, por parte de uma entidade tao influence como a OCDE aio deve ser subestimado. Mostra que a intensidade é um fato pertinente, néo urma miragem, um sonho ou uma imaginagéo. E mais. Pode ser reconhecida na prética uma exigéncia de maior esforco dos erabalhadores nas condigées contempordineas. Essa 6 a razio que explica porque o mantal ppassou a incorporar 0 cera da incensidade. A conjuntura contemporinea moscra crescimento da demanda por maior envolvimento no trabalho € a OCDE seconhece que isso se reflee na produtividade. O reconhecimento também responde a outros fatores, entre eles a ago contestatéria do movimento sindical¢ estudos realizados. Permanecem problemas com 0 indicador empltico de intensidade. O manual da OCDE opera com o termo “esforgo”, 0 qual também ¢ adotado por Feancis Green”. Jd Fernex emprega o termo “carga total de trabalho" De forma andloga, Durand © Giratd!® empregam a expressio carga de craba- Iho. As diferengas terminolégicas so indicativas dos problemas conceinvas. Pois que se “esforga” denota o gasto energético do agente a0 realizar um trabalho, “carga coral” refere-se as carefas a serem executadas. Ambos examinam o lado do agente, o tsabalhador. Mas o primeiro centra a andlise sobre o gasto de enerpia do trabalhador e o outro sobre a carga de trabalho ‘Ainda apoiado em Bartoli, Fernex toma a “fadiga como revelador da carga total de trabalho suportads pelo tabalhador™, ou sea, indicador passivel de ser obtido através de procedimentas operativos de pesquisa. J4 0 manal da OCDE nio estabelece o indicador empirico de esforgo, Avalio que, para fins 7 Fanon Gry Ty He rk fie aca nen en vide abot ‘fred emia Chang ede Sra Kent, esi of Kea Canty 20) © Alan Fone, ds nal dio, ees rho yp 16. 0 Je ir Ens Sn Gi Ab om, pseprionet nan de hag de contr. Aas Fru" diel din neni ep Intensidade do trabatho 29 dle pesquisa, a intensidade deva ser detalhada pot meio de um conjunto de indicadores recolhidos dicetamente junto aos sujeitos clo proves de trabalho, ‘uma vex. que envolve dimenses amplas do trabalhador, desde as fisicas, passando pelas intelectusis, emocionais e relacionais. Um dos pilares que sustentam este livro é constituldo pelo reconhe- cimento de que intensidade e produtividade sto conceitos diferentes com comteiidos distintas ¢ que a nogio de intensidade desvela o engajamenco dos trabalhadores significando que eles produzem mais trabalho, ow traba- tho de qualidade superior, em um mesmo perfodo de tempo considerade € que a nogio de produtividade restringe-se ao efeito das transformagées cecnol6gias. 1.3 Materialidade ¢ imaterialidade Muito do trabalho contemporinco apresenta caractersticas dstintss de ousras épocas. Entre elas, sobressaem os fatos de que o emprego esti cada ver mais concentrado em atividades de servigos® ¢ que componentes da imateria- lidade transformam 0 trabalho industrial. E, portanto, necessério introduzic a questio da materialidade e da imaterialidade discutindo nfo apenas a transigio entre elas, como também conseqiincias, entre as quais que 0 trabalho imaterial também € profundamente transformado por priticas intensificadoras, produz efeitos nocivos sobre a saide dos trabalhadores, ‘Quando Marx props a metéfora:da porosidade para iluminar 0 conceito de intensidade, as revolugées industriais inglesa ¢ etadunidense estavam em pleno andamento, o que faria convergic toda a analise para a produgio € 0 trabalho materiais. Para as sociedades pré-indusctais tal perspectiva aplicava- se ainda mais devido a sua dependénciz do trabalho sobre a nacurera como ‘maneira de derivar a sobrevivéncia, Naqueles momentes, ranto quanto hoje, fo trabalho material repercutia sobre o trabalhador como um todo: seus misculos, seu cétebro, seus nervos, sua emogo, suas telagfes sociais. Tanto no trabalho material, fisico, quanco no imaterial, 0 teabalhador faz. uso de ‘outras faculdlades além de su energiafisca, Faz uso de sua inteligéncia, de sua capacidade de concepgio, de criagio, de andlise, de Iégica. Emprege os componentes de afetividade a0 relacionar-se com as pessoas, sejam os colegas * Marcio Pochmane, °O rable tan 85 tempos", Citnea ¢ Cutan, Sie Paulo, aa 56 1.4, out node. 200, p28 30 Mais trabaliza! de trabalho, os dirigentes das empresas ¢ dos servigos estatais, os clientes. Uiliza as experitneias adquiridas anteriormente no trabalho, sejam em termos relacionais ¢ grupais, sejam em termos de habilidades individuais herdadas geragdes apés geragies on aprendidas nos processos educativos. Toda a definigao de trabalho passa por um certo componente de reflexéo intelectual ‘owenvolvimento efetivo do trabalhador que nfo seja apenas exercicio de forga fisica, ainda que esse trabalho possa ser 0 do escravo que lida na lavoura de café, do assalariado que cartega sacos de cimento ou do funciondrio pablico que separa correspondéncias sem cessar. Em qualquer desses exemplos podem ser identificadas a participagio da imteligéncia, da cultura adquirida, da socializagio herdada ¢ das relagdes construldas pelo trabalhador, O trabalho ‘ocupa a pessoa como um todo. Todos os aspectos de sua personalidade si0 envolvidos até certa medida no ato de trabalhar. Da Revolugia Industrial e das sociedades pré-industriais para hoje os tempos mudaram. Em decorréncia do aprofuncamento da divisio social do trabalho e do emprego de equipamentos de comunicagio ¢ de armazenamento de informagies particularmence poderosos, na atualidade 0 espago ocupado pelo trabalho imaterial no conjunto das atividades humanas expandiu-se muito, As atividades, hoje, passam 2 incorporar cada ver mais teenologias de informatica, de comunicagio ¢ de automagio, que por sua ver ocupam muito ‘mais 2 dimensio de conhecimento, da intcligéncia pritica e da emogio do trabalhador do que em épocas anteriores. Mesmo tradicionais atividades industrais © primérias séo transformadas pela revolugio tecnolégica, incorporando nelas também uma grande facia de trabalho tmacerial. O meétodo toyotista talvex seja aquele que mais recorra a inteligéncia do ‘rabalhador no trabalho industrial, nfo enquanto promovendo sua autonomia ou liberdade®, mas no sentido de usar a capacidade de controle de defeios, climinagio das perdas, concrole de diversas méquinas por um mesmo srabalhador e uso da csatividade do trabalhador em beneficio da empresa, mediante a ativagio das dimensSes da socializagio ¢ do relacionamento cooperative com os outros por meic do trabalho em equipes ¢ dos citculos de controle de qualidade, © Gaenvem Ligia Foch ns Gris, "Tabalho material’, em Antenio Davia Catan ¢ Loren Holzmann tore, Divanie de mabuth exesulagie Porn Alege, Falaora éa UFRCS, 2006), p. 327 © Lue Bckanild Bee Chispelo, Le nord epi a captain (Pzis,Galias, 1999), Intensidade do trabathe 31. Assim como a Revolugio Industrial repercuti sobre a classe trabalhadora dando origem & classe operéria industrial, a Revolugdo Informacional gers a lasse das trabalhadores imateriaisintensificados. “Majortariamente, os estudos de incensidade, tanto do passada quanto da presence, tomam por objeto 0 trabalho material, sendo 0 setor industrial o mais estudado c as indiistrias de automéveis o samo isoladamente mais pesquisado™. Uma primeita rario justifica a preferéneia desses escudos pelas inddserias automobilisticas e pelo setor industrial, O ramo autometivo concentra enormes volumes de capitais nun seleto grupo de oligopstios que ‘operam mundialmente ¢ participam de uma desvairada corrida por fatias do ‘mercado, comperigfo que eonduz a uma procura frenética por maiores ganhos ‘de produtividade. Dois dos mais importantes sistemas de produgio induscrial, 0 fordismo e o toyotismo, foram gerados dentro do ramo automotive e suas ppiticas intensificadoras daf se espalharam para todos os oucros ramos econd: micos cm codos os quatro eantos do mundo. Em segundo lgar, 0 automotive converteu-se em paradigma pela expressio do segmento operrio dlentro da classe trabalhadora e pelas lutas memorivels que os metalirgicos conduziram e que deixaram marcas indcléveis na histéria do trabalho. E erro grosseiro supor que intensificasio ocorre apenas er atividades industtiais, Muico a0 contririo. Em todas as atividades que concentrarn grandes volumes de capital e que desenvolvem uma competiczo sem limies «¢ fronteiras, cais comb nas atividades financeiras e bancérias, telecomu- nicagées, grandes cadeias de abastecimento urbano, nos sistemas de trans- portes, nos ramos de satide, educagio, cultura, esporte e lazer © em outros servigos imaceriais, 0 trabalho é cada ver mais cobrado por resultados e por maior envolvimento do trabalhadot. Tas atividades ndo-matcrais eso em estado avangadissimo de reestrururacio econémica” e nelas o emprego de sabalho incensificado ¢ pritica cortiqueira 3 Thomas Gounet, Rndiona ensures na cisitnaao de automével (Sie Palo, Betempo. 2001); Armelle Gonpeu, René Mathien @ Michel Palous, “Polyalenee, polysompérence ‘uit et intensification du aval: Pessaple de Findusse automobile, eine sloe= incenifingio de cabslhe do Cenure dude de Emploi, Paris, 2002; Ancoine Vakyee, Formes intense dic taal, dymamigics de Fomplo et performance dvwcwises de des acsviets indole, , 2004; Andaé Gore, matériel (Pia Calle, 2003): “Tool Nepis “Valeur aa ctse ct probldmes de reconsmnion dans le possmodetns”, uclicado no site Mu‘tcuces, disponivel cm , 1982s Kvn Mirae er all do capital (S80 Paula, Boitepo, 2002). © Cofin Chak, Ile Condition of Econamic Prgres (Londres, Micmilan, 1340). Intensidade do trabalnn 33 constitu critério de produrividade ou improdutividade para a teria do valor trabalho, Rediscutir a questio da improdutividade do trabalho imacerial, separando dele aqueles servigos que contribuem de maneira exponencial para 1 valorizagio do trabalho, é wma necessidade para 0 aggiornamento da teotia. Hii ainda que distinguir atividades de servigos baseatlas na materialidade daquelas fundamentadas a imaterialidade, Nos servicos baseados na raterialidade, o emprego da mio-de-obra pauta-se to integralmente no trabalho fsico e corporal quanto trabalho industrial. Assim, as atividades vinculadas & prestacio de servigos pessoais como em bares, rescaurantes ¢ 08 setvigos que.os viabilizam, entre cles as cozinhas € a produsio de alimentos € bebidas, equiparam-se ao trabalho industrial no sentido de sua materalidade, © mesmo refere-se a imiimeros outros servigos que sfo simples extensbes do trabalho industrial, entre os quais a reparagio de motores, méquinas, equipamentos, aparelhos e outros itens assemelhiveis. Os servigos com base hha imaterialidade marcam diferengas significativas em relagio a0 trabalho industrial pelo fato de demandarem mais intensamente as capacidades intelectusis, afetivas, os aprendizados culturais herdados ¢ transmitidos, o cuidado individual e coletivo. A intensidade em sais servigus no ¢ adequada mente avaliada caso se expresse exclusivamente em termos corporas,fsicos, iateriais. Que € intensidade para um pesquisador, senfo For considerada 6 aspecto inaterial de seu trabalho, o apelo 4 inteligéncia? Que & pare um professor, caso néo seja levada em consideragio a capacidade de se relackonar ‘com seus estudantes? E para um enfermeiro ou um médico, se nao forem consideradas aspectos afetivos e psicoldgicos da relagin com o paciente que necessita de apoio e euidados? Para um comunicador, um jornalista, um repérter, um entrevistador, caso no seja levada em consideracio a pressio pela producio da magia jornalistca, a sua veiculasfo para um publico de ‘massa? Para um secretécio ou uma secretiria, se nido for Jevado em eonside- sehonmpenn is darlings chefe e o consumidor? Como analisar ‘intensidade de uma teefonisea ou de um operador de comunicacSo, se nde for lenda en enna ila carina?” mse Ossetores que fem apelo mais inteligencia, 3 afetividads, a capacidade de representagio cultural, & capacidade de selacionar-se sio os servigos de educagéo e cultura, os de sade, os servigos sociais, os d= comusnicagfo & telefonia, os banafrias e de finangas, importagio exportagio e outs que surgiram com a revolugo informética. Tis servigos esto crescends sistem ccamente como empregadores de méo-de-obra nas itimas décadas. A pesquisa fuacurs precis aprofundar o estudo de como aparece a questi da intensidde 34 Mais rabalho! nnessas formas imateriais. Como alguns desses stores situam-se entre aqueles {que mais concentram capitais e, conseqdentemente, em que as formas de competicio por resultados, por produtividade, por eficiéncia, adquirem ‘contamos mais ferozes, tal como o caso de Finangas,celefonia, conmunicases, pesquisas, imparcagio e exportacio, nao seria nada improvével pensar na hhipdrese de que © trabalho nesses secores pode estar vofrendo uma pressio impar por intensificacio, ‘Os problemas que se levantam para 2 teoria de valor nao séo pequenos nem simples. Como pensar 2 dimensio do valor perante a imaterialidade, perante a cooperacio da inteligéncia, do sentimento, do relacionamento imterpessoal, 0 aspectos herdados pela socializagio ou aprendidos culturalmente? Camo medic 0 valor nesses casos? Ainda que inexistam respostas satisfat6rias para tais questées*, deve ser mancido o sentido de incorporar essas dimens6es imateriais do trabalho que nfo se subymetem 30 crivo de medidss talluadas para medir quantidades no coragio da teoria da valor trabalho. ‘A teoria do valor trabslho considera a dimensio tempo de trabalho por meio da férmula do tempo médio socialmente necessério. O trabalho material escapa desse esquema de medida de tempo. Um pesquisaclor faz uma desooberta ¢ 0 valor dessa descoberta pode ser infinito ou nenhum. Infinico sea descoberta pode ser comodificada, mercantilizada, transformada ‘em mercacotia. O valor do trabalho do pesquisadlor ni ¢ representado pelo tempo médio socialmente necessério. A fatsca cerebral e a fogueita mental que conduzitam & descoberta sio de natureza distints do tempo médio ¢ isso Ihe confere um potencial infinito de valor. Nenhur, caso se crate de pesquisa bisica ow de pesquisa cujos resultados préticos ndo podem ser imediatamente transformados em mercadorias, Ao pesquisador restam os direitos aurorais, 0s de pesquisa ou os de marca registrada, Para a teoria do valor trabalho, 0 trabalho imaterial suscita questées da maior importincia. Se a méttica do tempo de trabalho socialmente necessério nfo se aplica & maioria das atividades imateriais © sc as atividades imatetiais sio empregadoras de uma proporcio cada vez maior da forga de tabalho, endo a solusio do impasse pode tomar dois caminhos. © primeiro consiste em supor que a etapa da teoria do valor esti sendo superada pela divisap social do trabalho e que é 1 Maatiis Lazar, "General Lovell”, ccs Toni Negri "Valera crise t rablemes de exonscraction daas le postrandeme”. publicado so ste Multitude, disponivel em thropsfmbcadessamindu.necapipphplarti=606> 1992.” Intensidade do trabalho 35 necessitio deseavolver novas categorias para analisar a futa de classes & a evolugio da sociedade”. Outro consiste em alargar as cradicionais nogées da teoria do valor no sentido de incorporar a produgso de valor também em diversas atividades imateriais. E critico incorporar as dimensdes qualitativas da inteligencia, da afetividade e da sociabilidade no trabalho, acima e akém do tempo médio socialmente necessério. Tal aggiarnamento te6rico eavolve revistar também toda a discussio sobre trabalho produtivo e improd.stivo, Esse segundo caminho aplica-se amplamente ao estudo da intensidade por mostrar que tal condiglo, presente em todo o trabalho fisico e corporal, também é uelizada nas atividades de servigo, especialmente aquelas que so submetidas a uma competigio mais fercz cia de sociedades em que a maioria dos empregos se localiza zo setor de servigos levanta a possbilidade de surgimento de outros para- digmas de intensificagio nio necessariamente procedentes do paradigma induscvial Isso fieuw explicit em todas as situagies de ineensificagdo analisadas que sempre se aplicavam a dererminadas indiistias nas quais se centava intensificaro tsbalho mediante aprendizagem e adapragao dos riemos corporais 20 ritmo impasto pelas méquinas, estudas dos movimentos carpo- rais € tempos necessérins para cada movimento, atribuigéo do controle de mais méquinas para um mesmo trabalhador, controle do desempenho par meio de sinais lumninosos ¢ de cartazese assim por dante, Nos paradigmas incluscrais, através da histéra, prevalece sstematicamente o trabalho em sua dimensio fisica, que consome as energias do corpo do trabalhador, que produz cansago fsico, que leva a acidentes de trabalho e que acareta cm doencas da trabalho. A transigio do paradigma da materialidade para a imatcrialidade € acompanhada por conseqiiéncias de amplas implicagbes. O trabalho apoiado por computadores fixas e porcéteis, por sistemas de eomunicagéo por meio de telefones celulares e mil aparelhos que se sucedem freneticamente uns 20s outros no mercado tende a romper com o padre dos tempos de trabatho sepatado nitidamente dos tempos de ngo-teabatho. As fronteiras passam a ficar mais difusas e 0 tempo de trabalho invade as tempos de nio-tabalhe, aferando a vida individual e coletiva® 8 Ton Negri e Maviio Latzro, Tabatha menial (Rio de Janta, DP%A, 1952); Andee ors, nomad cit; Michel lank e Ti Negri, Adair Rode anes, Recad, 2005). © Gilbert de Tensac ¢ Diane Gabville Tiemblay (org). 8 wa smn de acai (Toulon Oceats Ediions, 2001) 36 Mats trabalho! A cransiggo do material para o imaterial abre outra fonte de problemas para o rrabalho por conta dos desgastes intelectuais ¢ relacionais que a atividade imaterial impée sobre o crabalhador"', A medida que numa sociedade cresce 0 contingente de pessoas que trabalham era atividades imateriais, aumentam também os problemas pessoais « de saide decor- rentes da forma imatcrial do trabalho ¢ de sua intensificacio. Esses elementos fundamentam a hipdrese de que o trabalho imaterial deverd igerar acidentes e doengas do crabalho de natureza roralmente distintas do trabalho material 1.4 Industria e servigos Ha pelo menos meio século prevalece a concepydo de uma divisio cipartite do trabalho na sociedade, a saber, sctor primério, secundério ¢ Lerciétio”, que permite osdenar empregos e a estrutura da economia ‘Algumas tentativas de reconceitualizagao foram apresentadas®, mas ado conseguiram obter uma adesio massiva, de modo que continua a prevalecer a nogio tripartite. A questio precisa ser novamente reposta, porque, @ prevalecer a rendéncia da redugio da mao-de-obyra no seror industrial nas taxas que vom acontecendo nas tileimas décadas, em breve a imensa maioria dda mao-de-obra estaria concentrada em atividades tercidrias, rao suficiente para justificar a tarefa de repensar profundamente a divisio do trabalho na sociedade. ; Desde 0s anos 1960, os estudos comegam 2 apontar pars uma transfor ago profunda na eserucura setorial de empregas". A transformagio consiste cesencialmente em uma redusio proporcional do emprego se seta: industrial com expansio do setor teridrio. A forma de interpretar tal mudanga passa por ila Ca peat ob eto daca deepen ona erent Ba oa, rey. 8), 903 + Gan Cah Ie Conn of Boa Props > Had Sewainge eachin Sngean, he Emenee ofa Sle Sone spac ae epee) the fea Tampere efter Pr A ue ela ane 1974) al Singer, Een pelted rae (0 Vel, Hee 1977, a 2 Vy Belge aching, Te nee fe Sieg Deg Seip gs ae Sw! fran of ear rete CSA Sa Dl Ronn The eet of Catia Taran of te Ltor Fer Bl asin Tibet Te Svea Pa ped 578) Intensidaite do trabalho 37 perspectivas te6ricas que priorizam a sociedade do conhecimento™, a sociedade ps-industrial, a sociedade da inteligéncia™, a era da inforraética € telematica®, a sociedace de servigos*, As transformagbes tecnolégicas tendem 2 afetar mais profundamente o trabalho industrial, substituindo mais velormente o trabalho por maquinas ¢ ultimamente por robas inteligentes, conduzindo as sociedades em fangio das estrututas setoriais de seus empregos para sociedades que podem ser descritas como de sexvigas pelo fato de terem a maioria de sua forga de trabalho ocupada nesse setor ¢ no nas atividades induseriais. Deve-se reconhecer adicionalmente que, em muitos paises, a transformagio simplesmente prescindiu do. momento industrial, tendo ocorride a transigio direta de sociedades predominantemente ageérias para sociediades de servigos. [Nos palss ricos, o capitalismo que condutira a redusio da capacidade de emprego do setor printdrio a percencagens inferiores a 10%, agora, sob nossos olhos, feduz 0 emprogo do secundirio a percentagens entre 20% e 30%, 0 que fan dos servigos o grande empregador de méo-de-obra”. Nos paises pobres, 1s valores sio diferentes, mas a medida que esses paises conseguem, pot forga prépria ou por meio da entrada de capitais estrangeiros, desenvolver indkis- tcias, econ, invariavelmente, uma repercussio do desenvolvimento industrial sobre a agricultura, liberando ¢ expulsando mao-de-obra camponesa para trabalhar em servigos ucbanos ¢ industrais. A forma de desenvolvimento do capitalismo em escala global sugere a tendencia de que, em décadas, 0 setor industrial estaré tho reduzido em sua capacidade de empregar mio~de-obra, quanto hoje o setor primétio. ‘A divisao tripartite do trabalho ganhou respaldo intelectual, entre outras razbes, por colocar em discusso a teoria do valor. Se no havia qualquer diivida de que o trabalho agropecuitio exa produtivo, no foi pequeno © ® Daniel Bell, The Coming of Pri Sai (Nova York, Basic Books, 1973). * Anieé Go. Livan it 2 Benjamin Cit, Faire oe ex ar epi, efron le pradveon deme 4 ge de Ulecroniqu (ari, Cian Bourges Elita, 1990), Lteleret le corsemioe ‘sleeve rd ee prado de mas (Pai, Chan Bowral Ee 1998) « Prner ple diene: 0 mole ponds de treba e optnaagio Rie ds Janse, Revan/ EX), 1994) * Vier Fuchs, The Serie Fears (Noma Yor, Can Unive res, 1968, Maree Clases Toe vei ac lr nc gt Ew 198 > Marcio Pachmann, "O tabula er tse 83. Mais trabaihot debate sobre a producvidade do trabalho industrial®, © sctor dos servigos ficou sendo, em largos tragos, 0 repositério da ndo-produtividade, E se continuam vilidas as noyies de ndo-produtividade de servigas mercantis € servigos governamentais, questdes que precisam ser levantadas em relacéo a uma série de outros servicos, bem como das repercussics sobte cles das mudangas técnicas da revolugio informatica © de outras transformages contemporéneis. Porquanto, sea nogio de valor esteve seinpre ligada 3 nogio de tempo médio socialmente necessirio para a piodugio de um bem, 0 desenvolvimento do trabalho em suas vercentes intelectual e emocional tom mais dificil a aplicagio dessa medida do valor, conforme argumentado anteriormente. ‘A dimensio intelectual e aletiva do trabalho nfo & uma descoberta nova nia histdria humana. A divisto de trabalho intelectual ¢ manual nada mais € insecos. O do que a separagio do traballio entre seus componentes in rrabalho contcmporinco mantém snuites elemenus da divisio entse trabalho ‘manual e intelectual, mas acrescenta outros. Dente eles, hd uma proporgao ‘muito maior de pessoas trabalhando em condigées que exiget fortemente 2 componente intelectual no exercicio das atividades cotidiamas. Nas esferas fipicamente manuais que foram ransformadas pela adogéo de mudangas tecnoldgicas, o recurso wo trabalho intelectual & cada vex mais uma exigéncia. Mudangas no sistema fabril conduziram a uma adogio sem precedente de proporcbes variéves de rabalhos que requerem o recurso da a¢Zo intelectual, Max além dos setotes tipicamente manuais, a divisio do trabalho ampliow ‘campos anteriormente inexistentes que exigem dramaticamente 0 emprego das fungdes intelectuais. Valham como exemplos o sistema de pesquisa er codos os campos do saber humano, o$ sistemas de comunicagio, teefonia € transporte, a operacio dos sistemas da rede internacional de computadores, aampliagie dos sistemas de ensino, sade, cultura e servigos sociais. Amplos domfnios de servigos sio compostos inteiramente de atividades em que 2 componente intelectual & demandada exaustivarnente. ‘8 componence emocional do trabalho igualmente no representa novi- dace no campo da pesquisa sobre trabalho. Assim como a atividade Jncelec:ual, o envolvimento emocional passou a ser exigido cacla vex mais no capitalistao concemporinco. Tedos os setores de atendimenta de educaco, de adn Snih, Flaine sale mazar Le conse dete rca dle vacant (Milo ica = tocile[secrackoak, (975); Kaal Mace, Zeria oe marsala bisa erica co pecans ‘cconémi (Sto Pai, Die Disko, 1985). Intenstaade do trabatio 39 pesquisa, de arendimenco a satide, de arendimento a clientes ~ este timo representado pelo fcone das sweet-shops contemporaneos que so os call centers ~sdo indicagies das novas demandas feitas sobre o corpo € o espitito do trabalhador. ‘Os apontamentos aqui langados tém em vista indicar a dimensio da exploragio dos componentes intelectual c emocienal dos teabalhadores era telagio aos seus componentes de forga fisica. Como bem expressa, sia 08 componentes “culturais* da mereadoria. Se a capacidade intelectual e emo- ional dos trabalhadores & empregada em proposcées sem precedentes, também novos problemas s20 gerados pata os proprios rabalhadores 4 medida que tais enengias slo aplicadas sob a farma de trabalho. A hipécese subjacence consiste em que estaria em curso uma transigio do trabalho de suas eompo- nentes manual ¢ fisica para o trabalho em que prevalece a componente intelectual, emocional ¢celacional ‘A tese da socicdade da inteigéncia® inka oma pano de fanulo desvelie tua sociedade que aos poucosfosse se liberando do trabalho e conduzida para 0 campo das atividades emancipawsrias, que sio o reino da inteligéncia e da liherdade. © problema com essa interpretagio € que ndo é isso que esta ocorrendo na sociedade contemporinca. Os componeates intelecuais ¢ emociomais do trabalho so uma forma de captar o problema da intensificasao posto aos dias de hoje. Esta simplesmente fora de qualquer propesito pensar a pesquisa sobre trabalho intensiicado com tim conceito de imtensidade que se restrinja a dimensio da fadiga fsica, do cansago conporal, dccorrence do esforgn fisico adicional empregado na produgio de bens e servigos. Todas as dimensies «que trabalho consome precisam ser levadas em considerasio para, dessa forma, chegar a um entendimento compreensivo da questio da intensidade. A introdugio de uma dimensio intelectual e emotiva da intensidade do ‘trabalho nos abre uma fronteira de pesquisa no campo dos servigos e também nos permite analisar a partir desses Angulos aquelas atividades cradicional- mente analisadas sob a éptica do esforgo fisico™ © Mauraio Larsen, “Gcnenl ine’ ce. ‘© Daniel Ball, Phe Carang of Pa tadacrelSaciey ei © Julians Coli" precarinagi do tsslho mater: can co canto do sspeticul ies", css ‘Carmem Ligislochins Ges, "table instera” cits Marci Pochinern, “Orbs etm feb tempo ts Ruy Gomes Braga Net, “libabho ¢ Hs infemacional por urn sci logis da condiceeprelexta conternporinc (Cararaba, ised 30° Encoct Aca de Aa pes, 2006) 40 Mats trabathot [A dimenséo intelectual da intensidade no significa uma contribuigto apenas ao trabalho do pesquisador, do professor, do intelectual « de todos aqueles que erabalham com atividades eentralmente mentais, como jorna~ listas, radialistas, tsabalhadores dos sistemas de comunicagio (rid, jornais, televisio, internet, imprensa), ¢ daqueles que embors nao desempenhando uma atividade de pesquisa propriamente dita operam com a esfera intelectual (celefonistas, trabalhadotes de call centers, de celettabalho, crabalhadores distincia mediados pelos sistemas de informagao e de comunicacio, rabalha- ores em: atividades de propaganda, marketing, assessorias ¢ consultorias), sas a todo componente mencal e intelectual que passa a ser exigido cada vex suis pelo trabalho contemporineo. [Da mesma forma, invocar a componente emocional do trabalho no significa apenas abrir espago para compreender a atividade do psicdlogo, do conselheiro, do pedagogo, do professor, do médico, do assistente social, do enfermeito, do trabalhador de hospicai, clinicas. spas, centros de recuperagio psiquica e fisica, mas implica permitit uma nova janela para cxaminar todo o tipo de envolvimenta emocivnal cam 6 trabalho ¢ os novos desgastes emocionais exigidos pelos novas tipos de atividades aos ctabalhadores de qualquer esfera (Um amplo campo de pesquisa abre-se com o mavimento de trazer para 0 centro de atengio as dimensées da emogsin c da imteligencia sempre cxistentes no trabalho, Este, com os desdoivramentos que sobre ele tiveram os resultados de pesquisas ¢ os desenvolvimentos tecnoligicos aplicados, ndo consegue mais ser adequadamente entendido se as suas dimensies imaterias sio simples- mente removidas do foco de anilise, No campo especifico da pesquisa sobre intensidade do trabalho, perde-se uma parte essencial da intensificagio caso se deixe de concebé-la também como desgaste intelectual ¢ ermocional. Uin conjunto cada vex maior de trabalhadores esti Vinculado a sistemas de comunicagio que o¢ deixam 2 disposigio da empresa a qualquer mo- mento do dia ou da noite, em fancio de acordos anteriores de dispo- nibilidade, hem como de arzanjas de emprego que prevéers a possibilidade de conyocagéo a qualquer hora. Os sistemas de conmunicacao direta ¢ 20 ingramte permitem resolver um problema da empresa ou da local de traba- tho enquanta 6 trahalsador esté em pleno periode de descanso. Que & hrorade trabalho e que é hora de nic-trabalho em tais condicées? Os traba- Jhos flexiveis criaram condigdes nfo apenas para quc es hordtios de ttabalho real se aproximem ce suas margens formais, descarando assima os tempos mortos durante as jormacias, como ainda permite a intrusio dos negé- cios nos momentos de vida pessoal do crabalhador, nos tempos de néio- Intenstdace do trabathe 41 trabalho", Considerada sob a éptica da jornada, o trabalho Alexivel, seja fem fungio da intensidade, seja em fungi dos horérios, cria sétios problemas para as pessoas encarregadas das tarefas familiares, do cuidado do domicilio, do cuidado com. as ciangas « pessoas idosas. Emerge um vids de divisio de trabalho segundo o género nessa drea. Tais casos mostram como a definicéo conceitual da intensidade do trabalho permite arupliar 0 hoti- zonte dos problemas ¢ das discuss6es 4 medida que comadas em consi- deragio a inteligéncia ¢ a afetividade encontradas no trabalho. Robert Reich'® emprega o termo de analistas simbelicos para designar as pessoas que operam diretamente com simbolos no trabalho do dia-a-dia, buscando solucionar problemas de qualquer order, e compara esse novo grupo de trabalhadores da inteligéncia com os grupos ttadicionais por ele deno- iminados de trabalhadores de servigos pessoais ¢ de trabalhadores blue-collar. ‘Simbolos sio elementos imateriais de diversas ordens, Simbolos sfo ao mesmo sempo os clementos descritores empregadoe a peoqulsa cienclfca como ‘também so simbolos elementos de ordem imatetial que nada tém a ver com universo da inteligencia, Tém ver cam a afetividade, com o reino da religizo, das artes, das letras, da comunicagao, Eis 0 que ha de interessante no trata- mento proposto por Reich. Ele opera com esferas do trabalho que nao se restringem ao mundo da matetialidade. O aucor os conceitua como analistas simbélicos aqueles que trabalham com a dimensao simbélica, mais do que com a dimensio fisica ¢ corporal do teabalho, Os analistas simbélicos sio os ‘mais bem remunerados dentze os trabalhadores, sf0 os novos ganbadores no processo de mundializagéo da economia, 0 que introduz a nose, também presente em Bell, da sociedade da inteligéncia como escatologia. A inteligincia ¢ 0 afeto representam novas frentes de intensificagio do trabalho, no sentido de teas de fronteiras das capacidades humanas cencendidas até bem recentemente como infensas a0 controle ¢ & exploracao pelo capital. O processo ¢ antes cumulativo que substitutivo, Cumulative & medida que os trabalhadores precisam acrescentar o gasto de energias intelec- tunis e psiquicas 20 gasto de energias fisicas. O efeito do actimulo indica que o trabalho é, por um lado, explocado mais intensamente ¢, por outro, que os ddesgastes dos trabalhadores se ampliam para fronteiras do mundo da atividace que antes nao eram mobifizadas Dessa forma, a comcepsao de trabalho intelec- ‘© Francs Green, Way Has Work Ef: Reco mare ues © Rober: Reich, O erable des maple preparende-ros pare eatin de scale XT Siu Paulo, Educates, 1994). 42 Mats trahathot tual e de trabalho emacional presente neste livro difere profurdamente da concepciio de sociedade de inteligencia desenvalvida pela sociologia ¢ econo mi norte-americanas nos anos 1950 e 1970 e de outras visées undpicas de trabalho cmancipado sob 0 capitalismo. © campo da pesquisa cientifica mais do que qualquer oucro permice superar a questio da nao-produrividade dos servigos. Avangos na pesquisa biomédica, por exemplo, abriram a possibilidade de 0 corpo humano e a _prépria vida sevem transformados em mercadorias que valorizam 0 capital Sto resultados da pesquisa cientifica que opera fundamentalmente com a dimensio intelectual do trabalho, A comodificacio dos corpos e a mercan- tilizagio da vida estdo dentro da esfera da yalorizagao do capital, o que torna 6 servigo da pesquisa uma atividade altamente produtiva em termos capitalistas. Todo tipo de pesquisa ¢ em boa medida 6 trabalho intelectual € ‘emocional suscita wm outro tipo de questo, a sabet: seu efeito alcrapassa os ‘uanfins da medida de tempo necessirio. Nao hi como propor um parametro do valor uma vex que o trabalho da pesquisa, o servigo da pesqh 0 potencial de desencadear um conjunto de mudangas ¢ & como no caso da mercantilizacte do corpo, numa velocidade ¢ impacto incomensuraveis E nevessério reconstruir a classificagao da divisio social do trabalho, de «que setvigos néo podem ser cansideradas coma © repositério da improdu- tividade e varios deles tém de ser entendidos como contribuintes para a produgio do valor, de que os aspectos intelectual ¢ emacional do trabalho represencam elementos fundamentais do process contempozinco de intensificacio, de que a revolugio cecnoligica leva a acabar com a separagio entre tempo de trabalho e tempo de nio-trabalho e que essa invasao sobre 0 tempo de nio-trabalho contém uma marca inguestiondvel de género. A guisa de resuma do primeito capitulo, corno a frisaridéias norteadoras deste livro que se proptem a esclarecer o significado da dimensio de intensidade do trabalho, Por esse conceito entende-sc a condigéo pela qual requc:-se mais eforgo fisico, intelectual ou emocional de quem trabalha com 6 abjecivo de produvic mals resultados, considecadas constantes a jornada, a forga de trabalho empregada e ax condigies técnicas, A dimensio de intensidade discingue-se, pois, de outras condigSes como produtividade ¢ 4 Laederic Vandenbsrphe, “Tabelkando Maz: o mandsrao o fim da cede dottzhalho", cn Palo Hentigue Martins e Beailmar Feacrs Nunes (xo news ender ocal prec fla deeded cenzrpordnaa (Bras, Paalela 15, 200°) Intensiddade do trabatho 43 precariedade. Sociologicamence,o significado da quest da intonsidade esté no fato de que nfo serrata de um evento individualizado e sim de uma candigSo geal do trabalho concempordineo, fixada em regras e notmas de eondutas em habitualidade, constituindo um padréo de onganizacio que, portanto,independe dos desejos, das vontades ¢ das caracteristicas especficas de cada trabalhador. Como quaisquer outras condig6es de trabalho, o grau de intensidade de uma atividade resulta das relagées que entre si estabelecem trabathadores € empregadores. © emprego contemporineo concentra-se majoritariamente ides de servigo, o que conduziu & necessidade de uma digtessio sobre materialidade e imaverialidade, inddstria e servigos. A questio do trabalho materiale material suscita problemas de primeira ordem em relagso A teoria do valor trabalho, no sentido de como pensé-la © utilins-le para interpretar caracteristicas da sociedade concemporainea, tarefa ainda completa- mente aberta nos campos da reflexo tedrica ¢ dos estudos concretos. Mini- ‘mamente impée-se a tarcfa de sua atualizagio para dar conta de infinitos servigos de matureza imaterial. Ao tratar de atividades que reclamam 0 empenho cada ver maior das dimens6es intelectuais ¢ afetivas de quem ‘rabalha, precisa ser mantide distanciamenta do entendlimento utépicu de que ‘o mundo esti caminhando inexoravelmente para uma via de trabatho intelectual cemancipado, reconhecenda ques servignsintelectuais ou aferivas estio sujeitos ‘40s mesmos meias de intensificagao que as ourras atividades dias materais, © ‘que implica no surgimento de uma série de novos problemas de satide que afetam a classe dos trabalhadores imareriais dos trabalhos intensificados. No capitulo seguinte, lango mao da histéria como inscrumento de andlise para identificar pelo menos trés grandes vagas de intensificacio, sendo a mais rocente aquela que varre ¢ transforma o trabalho contemporaneo com mil ‘exigtncias de velocidade,agilidade, ritmo, polivaléncia, versailidade, flexibili- dade, actimulo de tarefas € busca incessante de mais resultados. 2 A CONSTRUCAO HISTORICA DA NOCAO DE INTENSIDADE DO TRABALHO A sociedade concemporinea ¢ sicudlica por uma onda de exiggneias eada ver maiores sobre os assalariados por mais trabalho ¢ mais resultados. A propria revolugio tecnolégica — em que nos eneontramos neste exato momento — contribu grandemente para que os individuos sejam cada vez sais sugadas em suas capacidades de produzir mais trabalhos. Resumimos esse envolvimente superior dos trabalhadares seja Gsica, seja mental, seja emocionalmente na expressio “mais trabalho”, Intensificar € exigir mais trabalhos e resultados superiors no mesmo espaco de tempo. Significa, porcanto, aumencar a exploracio do trabalho, Esabelecida a nogiio de intensidade passamos a desenvolver 2 construgio histrica dese conceivo. Tiabalhamos com a hipdtese de que a hiscbria do trabalho conheceu e conhece vitias e distintas préxis de intensficagéo, cuja manifestagio contemporénea constitui apenas mais uma onda. ( graude incensidade pode scr aumenado basicamemte de duas manciras: ‘uma, quando transformagies tecnolégicas far crescer a carga de trabalhos a ourra, quando a reorganizagao do crabalho eleva a carga, na presengs ou nZ0 de mudanga técnica. O aumentn do grau de intensidade impulsionado por mudancas tecnolégicas ocorre durante os periodos de revolugics industriais, cal como nos dias de hoje com a tevolucio informatica. As reorganizagoes do trabalho podem acontecer durante as perfodos de revolugbes indus:riais 00 46 Mats trabalho! fora delas. © taylorismo pode ser pensade como uma reorganizagio do trabalho fora de um perfodo de revolugio tecnoldgica, Fin suma, 0 grau da intensidade varia combinada ou isoladamente em fungi de alteragio das condigdes técnicas ¢ d= muidangas em sua prépria organizagio, Tal esquema dle andlise nos é particularmente ttl pera examinar a evolugéo histérica da intensidade a comesar pela Revolugio Industrial. 2.1 Revolugao Industrial ~ séculos XVII e XIX Durante as revolugoes industrais,seja.aclssicainglesa,a norte-americana, aquelas que acorrem nos paises de capitalismo ancigo, sejam as que tomam lugar nos pafses de capitalismo recente, 2 intensidade do trabalho nin passout despervchida dos intelectuais das ciéncias sociais, dos economistase dos lideres cde movimentos sociais. Durante a Revolusio Industral inglesa, Marx captou com extrema clareza o processo de intensificagio ¢ tcorizou sobre ele. Dos economnistas clissicos que o ancecedem, Adam Smith ¢ David Ricardo langam os fundamentos da teoria do valor, mas nfo apresentam contribuiglo significativa para a teoria da intensificagao. A Smith atribuiese a expansio do cconceito de valor ao trabalho industrial ¢ a Ricardo a formulacso de urna reotia do valor da mereadoria com base no tempo médio socialmente nnecessério para sua produgio. Ambos nao desenvalvem o modo como 0 valor ¢ a mais-valia sio produvidos, pois é 0 tatamento desse aspecto da questo ‘que permite a0 pesquisador defiontar-se com 2 nogio de inrensidade, CContribuem para explicar essa omiss20 0s fatos de que Smith viveu durante ‘a pré-Revolusio Industrial inglesa e que Ricardo® estudou no inicio dela, quando 0s controles da sociedade sobre a explotagéc do trabalho nio se f2- ziam ainda sentit. Por iltimo, no estava no horizonte desses economistas analisar o grau de exploragio do trabalho, que é a0 que se refere o escudo da intemsidade. Mars vive plenamente o periodo das revolugSes industrial americana do século XIX e suas mudangas profuundas sobre a sociedade. O primeiro volume de O capital, no qual é feita a anise da intensificagao, ¢ publicado em 1864, 0 que lhe permiciu analisaras dramticastransformagies sociais produzidas pe'o capitalismo que aconteciara ao alcance dos seus olhos, apoiado ainds na ventagem de um distanciamento de tempo, pois a Revelucio Industrial jé seguia ura caminho avangado de, pelo menos, meio século, Sua reorizago sobre 0 valor de troca repouss sobrea nogia de tempo. Para aumentar a producio de valor, o capitalista aamenca o nsimero de horas A consirupdo histiriea da nogao de titersttade do trabatho 47 de trabalho, clevando o seu limite superior ao maximo suportével. Como «essas jomadas intermindveis colocavam em risco a sate e a vida dos traba- Ihadores, eles préprios, com o apoio de importantes sexores da sociedade, mobilizaram-se exigindo 0 estabelecimento de controles legais sobre 0 riimero de horas. Os ecos de tas reclamagées chegaram a0 Paslamento que, apés algumas décadas de hesitaglo, vota leis estringindo as horas dirs de uabalho, primeiro a doze, depois a onze c, mais tarde, 2 dea. Implantada a legislacéo e criado o sistema de fiscalizagio das leis, comega a fechar-se a possibilidade de produgao de mais-valia pela via chamade isto ¢, por meio do alangamento das horas de trabalho ao dia ou por semana, 0 que colocava um fieio 20 processo de acumulagao de capitais. (Os capitalistas entZo deixam de lado a caminho do alongamento da jornada «¢ passam a investir em equipamentos medernos para aumentar a produigio, Os novos equipamentos opersm mais rapidamente ¢ requerem que ‘operirio aumente a velocidade do seu trabalho. adapce-se 20 ritmo © &s ‘exigéncias impostas pelas maquinas. Desse momento em diante, © homem ‘io mais comanda a mAquina, € cl gue @ comands, A introdugio de sniquinas ¢ equipamentos mais producivos eleva também as exigencias sobre o trabalhador em termos de aprendizado, adaptacio, ritmo e velocidad. Esse maior dispéndio de encrgia operéria ¢ intezpretado por Marx como uma nova mancira de produzir valor, «saber, a via chamada de miais-vallarelativa, que ocorre simulkaneamente pelo aumento da produtividade do capital fixo ¢ pelo aumento da intensidade do trabalho operdcio. Para facilitar nossa anilise posterior, chamaremos a esse tipo de mais-valia de mais-valia relaciva de tipo I, ou seja, pela via da intemsifieagio que acompaniiaa inteodugio de mudangas técnicas no trabalho Qual a substincis da categoria intensidade para Mare? Ele utiliza uma linguagem metaforica para descrever a realidade da Revolugio Industrial Inglesa dos séculos XVIIL e XIX. O termo que emprega & “porosidade”, O trabalho é “poroso” no sentido de uma atividade interealada por momentos de nio-trabalho, Ou seja, 2 jornada compreende em sew interior duas realidades: momentos de trabalho e de ndo-trabalho. Dentro da jomnada, exes Lildimos foram aquilo que Marx chama de “porosidade” do. cabelho. ‘Durante os tempas mortos, os "poresos", © trabalhador 140 trabalha ¢ "20 produz valor. Como o trabalho assalariado € heter6nomo, @ empregaco procura aumemtar os tempos de nio-trabalho ¢ assim diminuit seu préprio ddesgaste. O desejo dos empregadares, 20 contcirio,é eliminar zoralmente 35 *porosidades” da jornads, sata dificil de atingir Se todas os tempos mortes 48 Mats trabalhot no so elimindves, alguns podem set dizainuidos e, com isso, aumentada a intensidale, A ‘porasidade” é representada por tempos mortos, que io tem ‘pos compreendiidos dentro ea jornada, mas nos quais 0 trabalhador nfo esta envolvido com trabalho, isto é, com a produgo de bens e servigas. A jornada é formada por “porosidacles” maiores ou menores, dependendlo das coniligties de trabalho vigentes. No afiide aumentar ganhos, o capicalistaintensifica o trabalho reduzindo 1s “poros” existentes dentto dos limites da jornada, Eliminando os tempos rmortes, por um ldo, aumenta ¢corna mais densa a jornada de trabalho e, por outro, consegue elevar 0 produto sujeito ao circuito mereancil que é seu objetivo maior. A metifora da “porosidade” permite compreender de uma forina extremamence imaginative perspicaz como o trabalho pode ficar mais denso, mais concentrado, no mesmo intervalo de tempo, ou sea, sem atumen- tara jornada. Gc estudos de tempo ¢ movimento, ox esrudox ergonomééricns © de psicologia do trabalho, posteriores a Marx, demonstraram que o trabalho nao ¢ realizado com 0 mesmo grau de intensidade do inicio ao Fim da jornada, No comego, 0 trabalho apresenta um rendimento mais baixo, depois se torna mais denso até atingit, rapidamente, seu patamar mais clevado. Apés algum tempo de exercicio do trabalho em ritmo elevado, o cansago vai tomando conta € as resultados comegam a diminuir. Nos horérios préximos a0 seu término, 0 erabalho tende a cair de rendimento, Essa & uma mancira sem Ihante & empregada por Marx para descrever a intensidade. Empregando a linguagem marxista, as “porosidades” se concentrariam no inicio e no final do cexpediente e em detetminados momentos durante a jornada. Diminuir tais “porosidades” constitui o objetivo de todas as escolas de gestao do trabalho, interessadas na cacionalizagdo dos processus, Quando o capitalists consegue impor um trabalho mais denso, pelo menos duas quest6es se colocaza. A primeira éa conseqiiéncia desse processo de intensificagto sobre as carpos dos trabslhadores. A segunda é nas mos de aque atores do processo de trabalho vio parar os resultados obtidos com a reducio dos “poros” do trabalho © dos tempos mortos. Os trabalhadores arcam com as conseqiidrcias isicase sociaise os eapitaliscas apropriam-se dos novos valores produziddos com: a intensifiese0. ‘Além de erspregar a metiiora da “porosidade” Marx realiza em O capital ‘uma anilise formal em eue supée diversas eombinagdes de intensidade com produtividade, mancidlos inalterados o mimsto de trabalhadores ¢ as condi- cs masters, para cornar preciso 0 conceito de intensidade. Desde logo, Aconstrigéo histirica da nogdo de tniensidade do trabalko 49 Marx deixa claro que a forma de compreender a intensidade estd comple- tamente dissociada do conccito de produtividade. Eis o raciocfnio: [ug) €evidente que as granclezas relativas do prego da forga de trabalho e da iais-valia seriam determinadas pelos seguintes tr faa 1 ~ aduragio da jomada de trabalho ov a grandeza extensiva do trabalho: 2.~a imtensidade do trabalho normal, ou grandezaintensiva do crabalho, que farccom que em um tempo determinado um quanto determinade de trabalho scja gastos, 3—enfim, « forga produtiva do trabalho que faz eum que, em fungi do graus de desenvolvimento das condlgées de producia, a mesma quantidade de trabalho fornega no mesmo tempo uma quantidade mais ou menos impose tante de produras.! Em primeiro lugar, intensificar 0 trabalho implica maiores gastos de energias vitais e também resultados mais elevados. Por isso, a intensificacio aumenta a mais-valig, jf que os resultados excedem os gastos. Em segundo lugar, intensidade tem a ver com 0 quantum de trabalho gasto © com mais- valia, Produtivicade tem a ver com o grau de desenvolvimento dos meios de produgio. Incensidade c produtividade so, portanto, conccitos completa mente distintas. A andlise continua com « apresentagio de combinagécs possiveis dos farores acima enumerados. S40 combinagdes teéricas que preservam a distingio entre produtividade c intensidade, mas esclarocem as diferencas. Quando apresenta a condigéo ceérica que mantém 2 duracio da jornada constante ¢ estabelece a possibilidade de que a incensidade ¢ a produtividade scjam vatidvels, Marx acrescenta © comentitio de que: um crescimento da iatensidede do trabalho implica un aumento de gasta die trabalho no mesmo lapso de tempo. Uma jernada de trabalho mais in- tensiva se mateializard portzoco era mais produsos que uma jornads menos intensiva, mas do mesmo nsimezo de horas. Certamente, com ma forga produciva mais elevads, a mesma jornada de caballo forneccrd camtém mais produras? ‘Além de distinguit a categoria intensidade, que se zefere 20 trabalho do cempregado, da categoria de produtividade, que se refereao grau de deserxol- Kad Mae, The Capita 1, Nov Yor, Uetcrational Publishers, 1975), p 581-2 Ibidem, p. 586-7. 50 Mats trabalho! vimento das forcas produrivas, o comentirio ressalta a produgéo de resultados superiores, rao q) smais-valia relativa, Em outta hipétese reérica na qual estabelece variagées simulténcas da cduraggo, da intensidade ¢ la produtividade do trabalho enconcramos algumas intuigdes insuperdveis de Marx que indicam uma visio extremamente far com que a intensificagao cesulte em mais valor, em complexa ¢ atual do problema da intensidade: “mais a forga produtiva do trabalho eresce, mais se pode reduzir a jornada de trabalho, © mais a jornada de trabalho ¢ abreviada, mais a intensidade do trabalho pode crescer'’. O crescimento da produtividade pode acontecer simultaneamente com 0 eresci- mento d censidadl. A fortnulaéo é visionscia.efucurisa e aplica-se mais do que nunca aos dias de hoje, mostranda como € imporiante tratar a questao da intensidade na chamada Tercera Revolugio Industrial, Em outro lugar de volume I de O capital no capleulo 19, Marx analisa a sénese do conceita de intentidade. A ineensificagtn fer sua enreaca na histéria humana quando nio foi mais possivel alongar a duragio da jornada. Traca-se cde um recurso a que os capitalists langaram mo quando o meio de aumentar 4 mais-valia absoluta, represencado pelo alongamento das horas, foi impedido por leis ‘o prolongamento desmesurado da jommada de tisbalho, que a maquinaria nas rns da cxpital produaiu, acsbou por desencadesr uma teayao de sociedade ameagida nos seus fundimenios vias, reagao que conduziu ea mesma a uma limitagio da jornada normal de trabalvo, Fixada por lel. Desenvolve-se sob sia base um fendmeno que nds jd encontramos ances e que jd toma uma importincia decisiva: 2 intensificagio do trabalho As relagies entte 0 alongamento da jornada ¢ a intemsificagao. si0 nalisadas a pactir da matéria-prima fornecida pelo caso inglés, Primeiramence ‘aponta para 0 crescimento da rapidez e da intensidade do trabalho com 0 progresso do maquinismo ¢ com o aprendizado da classe operiria com as ‘miquinas, Eserevendo li por 1869, afirma que “na Inglaterra, durante meio sécula, 0 prolongamento da jornada vai de par a par com a intensificagio crescente do trabalho industrial”, Encretanto, € impossivel querer perpetuat tal stuagao, pois ela conduzira 8 dllapldacio da forga de trabalho, O Estade 2 ier, 592, 4 idem, p 458. Idem. A construsao histartea da noydo de intenstciade do trabalho 54 inglés entio intervém teduzindo a duragio da jornada € controlando © trabalho para determinados grupos de cabalhadores, a saber, mulheres ¢ criangas. Reduzida na Inglaterra, em 1832, a duragio da jornada de doze para ‘onze horas didtias, ‘ capital se langa deliberadamente ¢ com todas as suas Forgas sobre'a produgio dda mais-valiarelaciva, por meio de um desenvolvimento acelerado do sistema de nxéquinas. Ao mesmo tempo, acontece uma mudanga das caractersticas da rmais-valia relativa [u] uma tensio acrescida da forga de trabalho © uma ‘ocupagio mais intensa dos buracos no tempo de trabalho, isto é uma condensagio do trabalho. Tal compressio resulta [uJ num quantum de ttabalho maior. Ao lado da medida de tempo de trabalho como “grandeza cescendida” aparece agora a medida de seu grau de condensagio® A parti desse ponto a andlise coma um cunho empfrico, examinando como «© trabalho ¢ intensifeado na pritica cotidiana dow stores «ramos da ativilad econdmica. © primeiro caso analisado € o das indisserias tradicionais, as ‘manufaruras, em que a maquinatia no joga papel algum ou somente um papel Jimitado. A introdugzo da lei da redugdo da jornada mostrou que em tais ‘manufacuras “aumentava maravilhosamence 2 regularidade, 2 uniformidade, 2 ondem, a continuidade e a energia do trabalho"? Nos ateliés de fiagio ¢ de cardagem a velocidade da maquinaria aumentou 2%. Menciona ainda cexperiéncias eitas em diversas fibricas, nas quais com a redugio da jornada em uma hora diéria, de doze para onze, manteve-se a mesma produgio, 0 ‘mesmo salério c uma hora de tempo livre para refeighes apenas. (Com lei da redugdo da joonada,[..] a méquina transforma-se nas mios do capitalista, no mcio objeivo que cle utiliza sistematicamente para extorquir mais trabalho no mesmo tempo, Iso se efetua de duas maneiras: por umn aumento da velocidad das maguinas e por uma extenséo do volume de maqu aria supervisionado pelo mesmo operitio ou do campo de trabalho deste* [esse parte, anrevendo a tese da tecnologia enviesada pelo estorgo (efor biased techmology) hodiernamente defendida por Francis Green’, Mane escreve: Tider p46. bide, p. 461. hide, p. 462. Francis Green, Why Hes Wave fire Bere Hare Inemie? Cenpceurer and Pvideace ees ‘fr-Bisel Techical Change an ether Sts Se, Universi of Ken at Canta, 200). 52. Mais mrabathot ‘a melhoria da consteugio da maquinasia é de uma parte necessiria ao-exerccio de uma pressio mais foree sobre o trabalhador e de outra parte acompanha a imtensificagio do trabalho, & medida que o limite da jornada de trabatha impée aos capitalistas um orgamento mais estito em termes de gasto de peodugho." Scguem exemplos de melhorias nas méquinas a vapor e conseqiiéncias de sett emprego sobre os trabalhadores. A seu favor, Marx adur a fala de Lord Ashley, conde de Shaftesbury, quando se dirigiu 2 Camara dos Comuns, em 1844: “a maquinaria, falou © conde, realizou sem diivida uma obra de substituigao dos tendées ¢ dos milsculos de milhies de seres humanos, mas ela também multiplicou prodigiosamemte © uzbalho dos homens que {governam seu tertivel movimento”. Os relatérios de inspegio das fibricas fornccem dados tanto para Marx como pata os parlamentares. Assim em 1863, Ferrand, membro do Parlamento inglés, declara & Ciara Baixa “Delegados operirios de dezesseis distritos em nome dos quais eu falo me declararam que 0 trabalho crescen constantemente as fibrieas em conseqiiéncia da melhoria das miquinas™. Por fim, inspetores de fbricas afirmam que “a diminuicao da jornada de trabalho den ji origert a uma inten sidade do trabalho que destruiu a saiide dos operérios e, em conseqiiéncia, a prépria forga de trabalho", ‘Ao concluit sua andlise, Marx expe as relagfes que vé entre redugia da jomada e intensificasio. [Nao hi a menor divida de que a endéncia do capital. uma ver que o prolon- gamcaco da jornada Ihe € delinitivamente impedido pela lei, a encontrar 10 aumento sistemético do grau da intensidade do trabalho ca transformar toda a melhoria da maquinaria em um meio de maioc exploragio da forga de tra- balho, condusziré em breve e necessariamente a uma nova virada em que uma nova diminuicao das horas de trabalho ficaréinevitavel, A relagio entce ransformaggo tecnoligica, que aumenta a produtividade do trabalho, e inienwifcagio & sincetizada da seguinte forma: 1 Kad Maw, Grace: Brndanions ofthe Crit of Folica noms (Nova Yor, Vince, 1975), p. $62, 2 Tides p63, bide, p 468 “Kar Mars, The Capacity p68, A construgéo histértea da nogio de intensidade da trahatho 53 YVimos como a maquinaria zumenta o matetial da exploragio humans da capital pela apropriagdo do trabalho de mulheres ¢ de criangas, como ela confisca todo 0 cempo de vida do operdrio para uma extensio desmesurada da jornada de trabalho © como enfim seu progress, que permite Fornecer eta ‘tempo breve um produto consideravelmente acrescido, servern de meio siscematico para mobilizar2 cada instance mais abalho, para explorar a forca de ttabalho de focma mais intensiva."* Por iiltimo, os escritos de Marx fosnecem elementos para andlises ‘comparativas por ressaltar mudangas draméticas no campo profissional com substituigo completa de inteiras categorias profissionais e no terreno das cexigincias dos conhecimentos necessirios. Ao descrever a superagio da ‘manuifacura pelo sistema da fibrica modetna, ele analisa que tal modificagao solapou completamente as bases da divisio do trabalho préprias 20 operdrio especializado: “A fibrica suprime a base téeniea sobre a qual repousava a divisao de trabalho da manufacura. A hiecarquia dos operdrios especializados é substituida na fibrica aucomética pela tendéncia 3 eyualieasao, nivelamento das tarcfas""5. De forma andloga, poderfamos supor que o trabalhador assalariado da produgio em massa ctiado pela grande inckstria do século XX « organizado em empreyos formais jd nao seja 0 mesmo polivalente e flexvel do século XXI organizado sob relagées informais « precivas A passagem da manufatura para a grande inckistria requer, em segundo lugar, uma ressocializac4o operiri, que em si mesma implica um tipo de trabalho mais denso, porquanto comandado pelo ritmo da méquina. O coperdrio passa por uma aprendizagem precoce a fim de “adaptar seu préprio movimento ao movimento uniforme e continuo do autéimato”™ A andlise da evolugéo da grande indiistria jé conduzica Marx a elaborar a respeito do trabalho imaterial e suas implicagbes. © texto de Grndrise em ‘que ¢ tratada a passagem para o trabalho imaterial é extremamente ewmplexo «sintético. Marx vé o encerramento de uma etapa em que prevalece 2 explo- ragio do trabalho vivo ¢ o ingresso em outta fandada num sentide coletive € comunititio de trabalho. © problema consiste em saber quais as condigoes que indicam tal tcansigao. Como vinios antes, alguns autores” waliam que ja Karl Mare, Grande: Foundations ofthe Critique of Polis! oman. 417. Karl Marx The Capita, cit, p72. © dbidem,p. 472. Maurizio Lararao, “Le concept de toa immatciel: Ie grande exept. publisale wo site Maleinades,dspoave ra , 1992; 584 Mats vahathot ingressumos completamente numa fase de eapitalismo cognitive em que 0 capital eontrola inclusive a subjetividade do tabalhador. um julgamento ricico de implicacées politieas profundas, A nds interessa capear 0 sentido dlessi nova onda de intensificagdo contemporinea, para o qual a teoria do valor do trabalho atualizada consegue oferecer instsumento conceitual poderoso, ‘Concluindo a analise da eacegoria intensidade, vemos que Marx formalow lum conjunto articulado de teses: 0 nuicleo do conceito representado pela nogio ua génese dependendo de impedimentos de mais trahalho, de mais vale sociais z0 alongamento da jornada: que fortes transformagées tecnolégicas na base do trabalho conduzem a pracessos de intensficagao; que, ainda assim, intensidade deve ser distinguida de produtividade; que a intensificagao ¢ passivel de demonstragio empiric; ¢, finalmente, que a intensificacao nao esc fora do alcance de politicas de regulacao do trabalho. A categoria intensidade € erucial para a teoxia do valor trabalho, Ela asin « passages ds snais-valia absoluta, ou grandera extcrsiva do trabalho para a mais-valia relativa, ou grandeza intensiva. A intensidade indica um salto fundamental na produgio do valor. A nogio de mais-valia absoluta é ‘empregada para analisar a producio extra de valor mediante alongamentos de Joma e efeitus similares. Jia nogio de mais-valia relativa€ wlizada para produgio de mais valores mediante intensificagao c eftitos similares. Distintas formas de intensificagio sio hodiernamence identificaveis, o que perinite estahclecer mais-valias relativas de tipo I, ite semelhantes, inclusive quando se trata do trabalho intclectual, A categoria tempo de trabalho é absolutamente central para compreencler ‘anogio de valor. O valor é o tempo de trabalho socialmente necessirio para produzir qualquer bem ou servigo, para desenvolver uta atividade de tipo intelectual ou de tipo afeiva, O valor é o tempo de trabalho eonsumido de acordo com os padres médios vigentes na sociedade. Valor tem ¢ ver com tempo de trabalho € com o teabalhador. Valor ¢ produido pelo trabalhador gastando tempo de crabalho, Tal nogio de valor estd anos-luz distance da nosio de valor ueilidade como prevalece no conceito clissico de uma parte significative e hegeménica d2 economia politica. ‘A.scumulacio de riquezas supe 0 consumo cada vez maior de tempo de trabalho, Como o capitalists consegue produzir mais valores? Historicamente, Ton Negi, Valour caval cise problems de vcometrution dans le pastmadeene’, pu ‘licade no site Multinudes, spomivel em cherp//mulicudessamizdatncfspipphp? arile6 6, 1992: Andué Gots, Lnumetériet (Pais, Gale, 2005). A consirugao htstértea da nogao de intensidade co trabalho 35, 4 sua producdo depende, em primeiro lugas, do utimero de pessoas. Uma quantidade maior de individuos produ mais valores do que um s6. Em determinado momento da histéria, foi necessirio escravieat pessoas para se ‘obter uma forga de trabalho maior. A segunda maneira de aumentar 0 valor produzido consiste em alongar 0 tempo de servigo dos mesmos individuas ‘que ji esto trabalhando. © alongamento da jornada & um processo histori- camente constatével ¢ atingju a sua dimensio maior na primeira Revolucio Industrial em quase todos 0s paises do mundo. Um maior niimero de pessoas trabalhando e/ou 0 mesmo nimero de pessoas trabalhando durante mais horas produzem a forma de mais valor chamada de mais-valia absoluta. CChegou um momento em que o alongamento da jornada atingiu um onto ineransponivel, seu teto, Tal eraa destruigio fsiea dos empregacios que vox da populacto se fer sentir ¢ 08 governos comegaram a aprovar leis que «stabeleciam controles sobre a duracio do servigo egalmente accitivel c sobre a duragio de trabalho para algumas categorias especificas, woe as mulheres, as ctiangas ¢ os adolescentes. Com tal tipo de legisla, « via da acumulagao de riquczas por meio da produgio da mais-valia ubsoluta foi impedida para 65 capitalistas, para os gerentes de atividacles estatais e para os pequenos produtores de mercadorias, Mas, 2 tomneira da acumulagao enquanta tal no foi fechada, apenas um mecanismo foi considerado moralmente inaccitive] pel sociedad. Outras portas se abriram, Jé que alongar a duragio da jommada dos trabathadores no é mais possivel, os capitalists, os gerentes de empresas estatais © os dowos de pequenos negécios artesanais ou rurais passaram a buscar a acumulagio por meio do mecanismo de tornar o trabalho mais Intenso. Um servigo é considerado mais intenso quando, mantidas a duracio da jornada e as mesmas condigdes de infra-estrucura produtiva, 0 trabalhador apresenca mais ou melhores resultados, em decorréncia do mais trabalho despendido. ‘Com a intensificagio, 0 valor produsido passa a ter outra natureza, a da smais-valiarelativa. Este é um iecanismo de aumentar a producao do valor, mantidas iguais as demais condigdes. Entretanto, © aperfeigoamento das smdquinas, as inveng6es ¢ toda uma paraferndlia de mudangas matetiais tam- bbém contribuem para aumencar a eficiéncia final do trabalho. O termo produ- tividade em Marx ¢ reservado para descrever © aumento da produgio da smais-valia relativa mediante a melhoria ou a transformacio radical das con- digbes infra-estruturais de produzir rigueza, aquilo que Marx chama de desenvolvimento das forgas produtivas. Na época de Revoluci Industrial cle jd observava que o desenvolvimento das forcas produtivas estava dite:a-

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