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Gareth Morgan ~ IMAGENS DA ~ORCANIZACAO Explorando a Caverna de Platao As Organizag6es Vistas como Prisées Psiquicas 7 Os seres humanos possuem uma inclinagio toda especial para cairem nas armadilhas criadas por eles mesmos. Neste capitulo sero examinadas as manei- ras pelas quais isto ocorre, explorando a nogéo de organizacdes como prises psiquicas. Esta metafora combina a idéia de que as organizagées sao fendmenos psiquicos, no sentido de que sdo processos conscientes e inconscientes que as criam e as mantém como tais com a nogao de que as pessoas podem, na verdade, tornar-se confinadas ou prisioneiras de imagens, idéias, pensamentos e ages que ‘esses processos acabam por gerar. A metafora encoraja a compreensao de que, embora as organizagées possam ser realidades socialmente construidas, estas construgées freqiientemente acabam por apresentar uma existéncia e poder préprios que permitem a elas exercer certo grat: de controle sobre os seus criadores. A idéia de prisdo psiquica foi explorada pela primeira vez na Repiiblica de Platao, através da famosa alegoria da caverna na qual Sécrates estabelece as relagdes entre aparéncia, realidade e conhecimento. A alegoria mostra uma caverna subterranea, cuja entrada se acha voltada para uma fogueira crepitante. Dentro dela encontram-se pessoas acorrentadas de tal modo que nao possam mover-se. Conseguem enxergar somente a parede da caverna diretamente a sua frente. Fsta parede € iluminada pela claridade das chamas que nela projetam sombras de pessoas ¢ objetos. Os moradores da caverna tomam as sombras por realidades, atribuindo-lhes nomes, conversando com elas e até mesmo ligando sons fora da caverna com os movimentos que observam na parede, Para estes Prisioneiros, é este universo sombrio que constitui a verdade e a realidade, uma vez que nao possuem conhecimento de nenhum outro. Entretanto, conforme relata Sécrates, caso fosse autorizado a qualquer dos habitantes deixar a caverna, este iria perceber que as sombras nada mais sio que * reflexos obscuros de uma realidade mais complexa e que 0 conhecimento e as percepcdes dos seus antigos companheiros na caverna sdo imperfeitos ¢ distor- 205 IMAGENS DA ORGANIZACAO cidos. Voltando a caverna, nao seria mais capaz de viver como antes, jé que agora para ele o mundo era um lugar bastante diferente. Sem divida, teria dificuldade em aceitar © confinamento ¢ sentiria pena do destino dos préprios amigos. ‘Todavia, se tentasse compartilhar com eles 0 seu novo conhecimento, seria provavelmente ridicularizado pelas suas idéias. Isto porque para os prisioneiros da caverna as imagens comas quais estavam acostumados possuiam muito mais significado do que qualquer histéria sobre um mundo que eles nunca haviam visto. Além disso, jé que a pessoa portadora desse novo conhecimento nao é mais capaz de atuar como antes, uma vez que nao seria mais capaz de agir tomando as sombras por realidade, 0s companheiros, sem dtivida, passariam a considerar seu conhecimento como extremamente perigoso, Provavelmente, iriam encarar 0 mundo fora da caverna como uma fonte potencial de perigo a ser evitado endo como uma fonte desabedoria e de conhecimento. A experiéncia daquele que pode sair da caverna poderia, entao, realmente levar os outros habitantes.a se apegarem ainda mais 4 maneira habitual de encarar a realidade. A caverna representa 0 mundo das aparéncias, enquanto a viagem ao exterior a conquista do conhecimento. As pessoas no dia-a-dia so enganadas por ilusdes, j4 que o modo pelo qual compreendem a realidade ¢ limitado e imper- feito. Reconhecendo este fato e fazendo um esforco obstinado para enxergar além do superficial, as pessoas adquirem a habilidade de se libertarem do modo imperfeito de encarar as coisas. Entretanto, conforme sugere a alegoria, freqiien- temente, muitos de nés resistem ou entao ridicularizam os esforgos de esclare- cimento, preferindo permanecer na escuridéo do que enfrentar os riscos de exposigo a um novo mundo que ameaca as antigas crencas. Neste capitulo, sera utilizada a imagem de uma prisao psiquica para ex- plorar algumas das formas pelas quais as organizacées e os sets membros caem nas armadilhas oriundas de construgées da realidade que, na melhor das hipote- ses, representam uma simplificacdo imperfeita do mundo. A anilise tera como ponto de partida a maneira pela qual as pessoas nas organizagdes sao aprisionadas per formas de raciocinio jé assumidas. A seguir, sera examinado como as organizagées podem ficar presas a processos inconscientes que em- prestam a elas um significado oculto. A armadilha das formas assumidas de raciocinio Considere os exemplos a seguir. Aprisionados pelo sucesso: Apés a crise do petréleo de 1973, a indéstria automobilistica japonesa comegou a fazer massivas incursdes no mercado norte- americano. Presos pela concepcao vigente na tecnologia americana de fabricacao [EXPLORANDO A CAVERNA DE PLATAO. ow de carros, os grandes fabricantes dos Estados Unidos encontravam-se totalmente despreparados para enfrentar o desafio japonés. Durante anos, estes fabricantes consideraram imutavel a superioridade dos seus recursos, competéncia técnica € conhecimentos de engenharia e marketing. Orientados para 0 mercado de carros grandes, mantido a custa de mudangas anuais de modelos, os grandes fabricantes ignoraram o potencial dos carros pequenos ¢ econdmicos quanto a0 consumo de combustivel. Devido aos seus sentimentos de superioridade técnica € confianga no produto, a indtistria americana dedicou a maior parte da sua competéncia técnica ao desenvolvimento de baterias solares e de carros movidos por turbinas a gs, ficando os japoneses com a tarefa de melhor aproveitar os seus. recursos mais limitados, dedicando-se entao ao replanejamento do produto basico, abrindo assim as portas para a massiva penetragdo de mercado que se seguiu. A industria de automdéveis americana no inicio dos anos 70 tornou-se prisioneira do seu préprio sucesso. Numerosas outras empresas em outros ramos de atividades também viveram experiéncia similar, entrando em declinio e decadéncia como resultado de politicas que as fizeram lideres mundiais em estagios anteriores de desenvolvimento. Aprisionados pela acomodagao organizacional: “Criar certeza." "Incorporar mar gens de erro.” Estas idéias foram principios norteadores do planejamento de milhares de industrias e de outras organizagoes. O resultado: ineficiéncia insti- tucionalizada. Estoques de seguranga & Labalho seqiiencial permite aos siste- amas de producao absorverem incertezas durante o processo produtivo. Entretan- to, podem ser bastante onerosos e deixar margem para que as pessoas em questio possam vir a liberar trabalhos de md qualidade ou camuflar enganos. Muitos sistemas de controle de qualidade fazem o mesmo, institucionalizando 0 erro e a ineficiéncia a partir da aceitagao de certo percentual de produtos defeituosos como parte danorma geral. Muitas empresas progressistas esto, neste momento, colocando em dtivida essa sabedoria da ineficiéncia organizada, procurando definir politicas de "inventario-zero" e de “defeito-zero", como formas de revolu- cionar o ambiente de trabalho. Estas politicas que freqiientemente apresentam enormes efeitos positivos em termos de economia de custos e qualidade do produto requerem formas de organizac&o que, em lugar de evitar, tentam lidar com incerteza e interdependén- cia, Quando nao existem estoques de seguranca para absorver os erros, as pessoas nao podem mais trabalhar como se estivessem isoladas. Precisam reconhecer a dependéncia em relacao a outras, assegurando uma contribuicao total e continua dentro do processo de trabalho. Assim, dentro dos sistemas just in time de administragéo que eliminam os inventérios, todas as atividades precisam ser ‘completamente sincronizadas. Sob politicas de defeito-zero, problemas basicos devem ser identificados ¢ resolvidos de imediato e nao apés terem gerado produtos refugados. Esses exemplos ilustram como uma mudanga em pressu- postos-chave de operacdo pode transformar a mancira pela qual uma empresa 2 IMAGENS DA ORGANIZACAO se organiza e executa os seus negécios. F interessante observar que as idéias de inventério-zero e defeito-zero nunca foram consideradas como possibilidades Praticas até que os japoneses demonstrassem que era vidvel organizar-se deste modo: a necessidade de inventérios e de formas rigidas de organizacio foram assumidas como pontos absolutamente pacificos. Aprisionados pelos processos grupais: Em 17 de abril de 1961, a administracio Kennedy deflagrou uma invasao frustrada em Cuba, na Baia dos Porcos, por mais. de 1.200 exilados cubanos anticastristas, “Como pudemos ter sido tao idiotas?”, assinalaria o presidente Kennedy mais tarde. Quando examinado retrospectiva- mente o plano, parece totalmente equivocado. Na verdade, 0 plano nunca foi ctiticado ou questionado, tendo sido concebido através do proceso que o psicé- logo Irving Janis caracterizou como “pensamento de grupo”. Kennedy e os seus assessores involuntariamente desenvolveram ilus6es compartilhadas e normas ‘operacionais que acabaram por interferir na habilidade de pensar criticamente e de elaborar o requerido teste de realidade. O carisma do presidente e certo senso deinvulnerabilidade contribuiram com todos os possiveis processos de auto-afir- magio que geraram conformidade entre os principais decisores e assessores, Fortes tendéncias para a racionalizagao mobilizaram apoio para opinides por eles privilegiadas. Um grande sentido de “consenso assumido” impediu as pessoas de expressarem as suas diividas. Algunsseatribuiram espontaneamentea missdo de trabalhar informalmente no sentido de proteger o presidente de informagdes que pudessem minar a confianca do presidente em si mesmo. Como resultado, a invasao planejada pela CIA foi adiante sem um minimo de debate sobre os aspectos fundamentais dos quais dependia do seu sucesso. Este tipo de “pensamento de grupo” tem sido reproduzido em intimeras situagdes de tomada de decisdo em organizacées de todos os tipos. Cada um dos exemplos citados ilustra como as organizagdes e os seus membros podem ficar emaranhados em armadilhas cognitivas. Pressupostos falsos, crengas estabelecidas, regras operacionais sem questionamento e nu- merosas outras premissas ¢ praticas podem combinar-se para formar pontos de vista muito estreitos do mundo que fornecem tanto uma base, como uma limi- tagdo para agdes organizadas. Enquanto criam um modo de enxergar e sugerem uma forma de agir, tendem também a gerar maneiras de nao ver e de eliminar a possibilidade de agées associadas a visdes alternativas da realidade. Talvez a imagem de organizagdes como prisdes psiquicas seja um tanto dramética para retratar esta qualidade de autoconfinamento. Certamente, muitos preferem a imagem de cultura organizacional, construda via crengas e significa- dos compartilhados. Entretanto, ha grandes ganhos em reconhecer as caracteristi- cas da cultura semethantes A de uma prisio. Quando se discute a natureza das organizagdes modernas, pode parecer que a metéfora da Caverna de Plato se encontra distante. Todavia, existe notavel paralelismo entre a alegoria deSécrates EXPLORANDO A CAVERNA DEFLATAO ~~ e muitas das formas pelas quais trabalhamos a realidade do nosso mundo. ‘Numerosas empresas desenvolvem culturas organizacionais que as impedem de lidar com o seu meio ambiente de mudveficaz. Econforme tem sido demonstrado em cada capitulo deste livro, as metéforas usadas para moldar e compreender a empresa sao, invariavelmenie, parciais e incompletas. A medida que as organi- zagoes e 05 seus membros caem em armadilhas de metéforas favoritas positivas ou relativas a determinados aspectos assumidos da cultura, h4 sempre uma tendéncia para ficarem delas prisioneiros. Ao se refletir sobre organizagoes desta maneira, toma-se consciéncia das patologias que podem estar associadas as préprias maneiras de raciocinio. E, além disso, ha © encorajamento para que seja reconhecida a importancia de investigar os pontos fortes e fracos das suposig6es que moldam a forma pela qual as organizacdes véem e lidam com 0 seu préprio mundo. A organizacao e o inconsciente A metéfora de uma prisdo psiquica pode dramatizar em excesso a maneira pela qual € possivel cair em armadilhas geradas por formas assumidas de raciocinio. Entretanto, certamente nao superestima o modo pelo qual as organi- zagGes ¢ 05 seus membros se tornam alvos de armadilhas geradas pelo incons- ciente. Isto porque, caso os psicanalistas tenham razao, muito da vida quotidiana da organizacao, com tudo aquilo que ela tem de racional e de normal, dé uma forma “real” a inquietacdes que jazem sob o nivel do conhecimento consciente. Dentro desta visio, uma completa compreensao do significado daquilo que é feito e dito diariamente nos negécios precisa sempre levar em consideracao a estrutura oculta e a dinamica do psiquismo humano. A base para este tipo de raciocinio é dada por Sigmund Freud que afirma que © inconsciente é criado & medida que os seres humanos teprimem os seus desejos mais interiores e pensamentos secretos. Freud acreditava que, para viver em harmonia com os seus semelhantes, 0s homens devem moderar e controlar as suas pulsoes € que o inconsciente e a cultura so, na verdade, dois lados de uma mesma moeda, dando formas manifestas ¢ ocultas a “repressio” que acom- panha o desenvolvimento da sociabilidade humana. £ neste sentido, entao, que Freud considera ser a esséncia da sociedade a repressao ao individuo ea esséncia do individuo a repressao de si préprio. Esta concepgio da civilizagao apresenta conseqiiéncias interessantes, pois, enfatizando o inter-relacionamento de repressio psiquica, cultura ¢ inconsciente, sugere ser necessirio buscar o significado e sentido ocultos da cultura organi- zacional nas inguiietagSes ¢ interesses inconscientes daqueles que a criam e a mantém. zo IMAGENS DA ORGANIZAGAO Desde o trabalho pioneiro de Freud, todoo dominio da Psicanalisetomou-se um campo de batalha entre teorias rivais a respeito da origem e natureza do inconsciente. Fnquanta Freud destacava a importancia das ligagdes do incons- Gente com diferentes formas de sexualidade reprimida, outros enfatizaram 0 relacionamento do inconsciente com a estrutura da familia patriarcal, com 0 medo da morte, com angiistias associadas com o periodo de aleitamento mateo na primeira infancia, com 0 inconsciente coletivo, e assim por diante. O ponto comum entre todas estas interpretagées 6 a idéia de que os seres humanos vivem as suas vidas como prisioneiros das suas proprias histérias pessoais. E os psicanalistas liderados por Freud, por Jung e outros véem a liberdade baseada em certo grau de conscientizagéo sobre como 0 passado influencia 0 presente através do inconsciente. Assim sendo, enquanto Plato via © caminho para o esclarecimento na busca de conhecimento objetivo e nas atividades dos reis filésofos, os psicanalistas buscaram meios para que 0s seres ‘humanos se liberassem, através de diferentes métodos de autocompreensio que indicam como nas suas trocas com 0 mundo exterior estes esto, na verdade, encarando dimensées ocultas deles mesmos. A seguir, sera explorada a relevancia deste tipo de raciocinio para o entendi- mento das organizagoes. ORGANIZACAO E SEXUALIDADE REPRIMIDA. Frederick Taylor, 0 pai da “Administragao Cientifica”, era um homem totalmente preocupado com a idéia de controle. Era possuidor de um carter obsessivo e compulsivo, movido por insaciavel necessidade de domar e dominar todos os aspectos da sua vida, As suas atividades em casa, no jardim, no campo de golfe, assim como no trabalho, eram regidas por programas e hordrios plane- jados em detalhe e seguidos a risca. Mesmo as suas caminhadas a tarde eram cuidadosamente planejadas com antecedéncia e nao Ihe era estranho observar os seus proprios movimentos, cronometrar o tempo despendido nas diferentes fases ow até mesmo contar v 1iimero de passus dados. Estes tracos j eram evidentes na personalidade de Taylor desde a infancia. Pertencendo a uma familia de posses que cultivava fortes valores puritanos (enfatizando o trabalho, a disciplina e a capacidade de manter com dignidade o controle das emocées), Taylor rapidamente aprendeu como se atitodisciplinar. ‘Amigos de inffincia descrevem a abordagem meticulosa e “cientifica” que ele trouxe para as brincadeiras e jogos. Taylor exigia que tudo estivesse sujeito a regras estritas e formulas precisas. Antes de participar de um jogo de baseball insistia sempre para que medicOes rigorosas do campo fossem feitas de tal forma que tudo estivesse dentro de perfeitas relacdes, mesmo que a maior parte de uma manha de sol fosse gasta pata se verificar seas medidas estavam milimetricamen- EXPLORANDO A CAVERNA DB PLATA m te corretas. Mesmo um jogo de croquet era objeto de andlise cuidadosa, com Fred. preocupando-se com o angulo das diferentes tacadas ¢ calculando as vantagens e desvantagens de jogadas com maior ou menor intensidade. Em caminhadas pelo campo, o jovem Fred fazia constantemente diferentes experiéncias com as suas passadas para saber como cobrir a maior distancia com o minimo de energia possivel, qual o método mais simples de pular uma cerca ou qual o tamanho ideal de uma bengala de madeira. Quando adolescente, antes de ir a um baile, certifi- cava-se de elaborar listas com os nomes de mogas mais e menos atraentes que poderiam estar presentes, a fim de que pudesse gastar igual parcela de tempo com cada uma delas. Mesmo durante 0 sono, esta forma meticulosa de regulamentacao era acionada. A partir da idade de 12 anos, Taylor passou a sofrer de pesadelos e de ins6nia. Percebendo que os seus piores pesadelos ocorriam enquanto estava em posicao dorsal, construiu uma espécie de arreio com tiras de madeira que 0 acordava sempre que estivesse em perigo de assumir aquela posigao. Experimen- tou ainda outros meios para livrar-se dos seus pesadelos, criando um abrigo com Jengol e dois bastdes para resfriar o seu cérebro durante o sono. A ins6nia e os artefatos para dormir acompanharam-no, de um jeito ow de outro, por toda a vida. Nos tiltimos anos, preferia dormir em posigao ereta, apoiado por intmeros travesseiros. Isto tornava as noites fora de casa um tanto probleméticas e em hotéis onde nao havia um estoque consideravel de travesseiros, algumas vezes, acabava passando a noite sustentado por gavetas de armérios. A vida de Taylor fornece uma ilustragio espléndida de como preocupagoes e inquietacdes inconscientes podem ter efeitos na organizagao. f evidente que toda a sua teoria da Administracao Cientifica foi produto de lutas interiores de uma personalidade perturbada e neurdtica. Os seus esforgos para controlar € organizar 0 mundo seja em jogos infantis, seja dentro dos sistemas da adminis- tracdo cientifica 6, na realidade, uma tentativa de controlar e organizar-se a si proprio. A partir de uma perspectiva freudiana, o caso de Taylor representa uma ilustragao classica do tipo de personalidade anal-compulsiva.Conforme¢ sabido, a teoria de Freud sobre a personalidade enfatiza que os tragos da vida adulta emergem das experiéncias infantis e, em particular, da maneira pela qual a crianga consegue conciliar as exigéncias da sua sexualidade e as forgas externas de controle e restrigdo. A visdo de Freud sobre a sexualidade é bastante ampla, envolvendo todos os tipos de desejos e gratificag6es libidinais, sejam orais, anais, falicas, ou genitais, Acreditava que as criangas tipicamente se desenvolvem. através destas diferentes fases da sexualidade e que experiéncias dificeis pode- riam levar a variadas formas de repressio que ressurgiriam disfargadas mais tarde na vida adulta. Conforme ilustrado no Quadro 7-1, a repressio pode dar origem a todos os tipos de mecanismos de defesa que deslocam e redirecionam as lutas inconscientes para que estas possam assumir novas formas menos. ameacadoras e mais controladas. a1 IMAGENS DA ORGANIZAGAO Quadro 7.1 Glossério de alguns mecanismos de defesa freudianos e neofreudianos. A psicologia Freudiana enfatiza como a personalidade é moldada a medida que a | mente humana aprende a lidar com impulsos e desejos primédrios. Freud acreditava | que durante o processo de amadurecimento esses desejos e impulsos S40 mantidos sob controle ou entao banides para o nivel do inconsciente. Assim, 0 inconsciente torna-se um depésito de impulsos reprimidos, de memérias dolorosas e de traumas que podem ameacar eclodir a qualquer momento. A pessoa adulta lida com os contetidos desse reservatério segundo maneiras variadas e recorre a diferentes mecanismos de defesa para manté-los sob controle. A seguir sio apresentadas algumas das importantes defesas que foram identificadas por Freud e seus seguidore: Repressio: “empurrar” impulsos nao desejados ¢ idéias para dentro do fnconsciente. Negagao: recusa em admitir um fato, sentimento ou lembranca que evoque um impulso. Deslocamento: remessa dos impulsos ligados a uma pessoa ou situagio para outro alvo mais seguro. Fixagto: adesio rigida a uma atitude em particular ou comportamento. | Projegto: atribuigo dos préprios impulsos ou sentimentos a outras | pessoas. intemnalizagio de aspectos do mundo exterior no psiquismo de ‘uma pessoa. | criagio de elaborados esquemas de justificagao para disfargar | motivos e intencOes subjacentes. | conversio de uma atitude ou sentimento em sua forma oposta. adogio de padrées de comportamento considerados satisfatérios na infancia, a fim de reduzir o atual nivel de solicitacio do ego. Sublimagio: canalizacéo de impulsos primarios para formas sociais mais | aceitaveis. | | Idealizagao: valorizagéo dos aspectos positives de uma situago para | | proteger-se dos negativos. | Desintegracao: fragmentagao dos diferentes elementos da experiéncia, freqti te a fim de proteger o bom do mau Fonte: Hampden-Turner (1981: 40-42) ¢ Klein (1980: 1-24). EXPLORANDO A CAVERNA DE PLATAO 23 Os esforgos incessantes de Taylor para controlar 0 seu mundo e a sua preocupacao com arranjos meticulosamente planejados, claros e eficientes tém. raizes na disciplina puritana da sua familia. Do ponto de vista freudiano, exces- siva preocupacao com parciménia, ordem, regularidade, corregio, obediéncia, dever e pontualidade apresenta um corolério direto com aquilo que ¢ aprendido ¢ reprimido, & medida que a crianga lida com as suas primeiras experiéncias de ordem anal. A vida de Taylor est permeada por muitas dessas preocupacdes por "formagSes de reagio" que manifestam 0 oposto. Por exemplo, grande parte da vida de Taylor reflete uma luta interior com a disciplina e as relag6es de autoridade na sua infancia. Ha boas razées para se acreditar que as relagées entre chefes e funciondrios, delineadas nos principios da sua teoria da Administracdo Cientifica, possuem raizes na estrutura discipli nar na qual ele cresceu, enquanto 0 seu gosto pela sujeira e pela graxa das fabricas ea sua identificag’o com os operarios (sempre declarou ser um deles) eram reagGes contra essa mesma situacio familiar, O seu relacionamento agressivo e autoritério com os trabalhadores era acompanhado na sua mente pela idéia de que eles eram também seus amigos. Mesmo no meio de todo o conflito que envolve a introdugao da Administragao Cientifica, incluindo-se ofensas diretas, ameagas a stia propria vida e ao seu comparecimento frente a um subcomité especial do legislative americano sobre o taylorismo, no qual foi tratado como "inimigo do trabalhador", Taylor apegava-se a concepgao de que contava com a amizade daqueles que supostamente queria controlar. No entender de Taylor, a agressio representada pela Administragio Cientifica invertia-se, transformando- se no oposto, ou seja, em um esquema concehido para promaver a harmonia, Foi ‘essa sua forma de encarar a teoria que Ihe permitit considerar-se um pacificador das relagées industriais, ao mesmo tempo em que a Administragio Cientifica era vista como uma das principais fontes de promogao do desconforto nas organiza- goes. Ao se afirmar que o taylorismo foi uma manifestacao de uma personalidade profundamente perturbada, a intencao nao era sugerir que a personalidade de ‘Taylor tena sido a causa principal das grandes mudangas nas organizagdes geradas pela Administragio Cientifica. O taylorismo teve tal impacto porque as idéias que preconizava tinham um mercado ja configurado; essas idéias atendiam perfeitamente aos interesses das organizagdes da época. Assim, em lugar de ser tratado como um excéntrico, transformou-se numa espécie de anti-herdi. A resolugao das suas lutas internas resultou em inovagées nos meios de producao que tiveram um impacto social mais amplo. Entretanto, colocado isto, ha claramente muito mais do que uma simples coincidéncia entre a concep¢ao de vida anal-compulsiva de Taylor eo modelo de organizacio adotado pela Administracao Cientifica. B, ainda mais, estas consi- deragées levantam uma série de questdes intrigantes a respeito desse e de outros 26 IMAGENS DA ORGANIZACKO modelos organizacionais. Até que ponto é possivel entender a organizacao como manifestacao aparente de lutas inconscientes, conforme sugerido pela teoria de Froud sobre os relacionamentos entre cultura e inconsciente? Até que ponto os nossos modelos de organizagio institucionalizam mecanismos de defesa re- lacionados com uma sexualidade reprimida? Até que ponto 6 possivel considerar 0 modelo burocratico de organizacéo como manifestacdo de preocupacies anal- compulsivas? Até que ponto organizagées burocréticas atraem e geram persona- lidades anal-compulsivas? Até que ponto outros modelos organizacionais mais flexiveis, orginicos ¢ dindmicos institucionalizam preocupagées relativas a outras formas de sexualidade reprimida? Estas questdes podem parecer pouco provaveis, mas, caso se queira desen- volver ainda mais esta perspectiva, um ponto de partida interessante € a idéia de que na verdade a organizagéo é uma forma de sexualidade reprimida. J4 foi mencionada a abordagem freudiana que enfatiza como a ordem social se desen- volve ao longo da repressio da libido, mas existem ainda outros argumentos nesta linha. Por exemplo, caso se retorne a Idade Média, é possivel verificar que poucas diferengas eram feitas entre vida particular e ptiblica, sendo demons- tragdes abertas de comportamento sexual bastante comuns. O meu colega Gibson Burrell da Universidade de Lancaster, identificou trabalhos que demonstram. que, até mesmo em conventos, monastérios e igrejas medievais, comportamentos sexuais aberrantes se constituiam em problemas graves. Manuscritos dos séculos Vile VIE revelam que eram previstas diferentes punig6es para diferentes tipos de mé conduta sexual. As ofensas mais graves poderiam significar castracao, enquanto outras implicavam extensas peniténcias. Assim, um monge consid- erado culpado de fornicacao com pessoas solteiras poderia cumprir jejum a pao e 4gua durante um ano, enquanto uma freira de trés a sete anos e um bispo doze anos. A punicdo por masturbagao na igreja era de jejum de 40 dias (60 dias cantando salmos no caso de monges e freiras), enquanto um bispo, flagrado mantendo relagées com animais, poderia esperar pena de oito anos de jejum, no caso da primeira ofensa e de 10 anos para cada ofensa subseqiiente. A simples existéncia destas diferentes punigdes indica em que grau estes comportamentos representavam um problema para a ordem e a rotina destas formas antigas de organizacao. E é mais do que interessante notar que alguns dos exemplos mais antigos de regras e normas organizacionais de que se tem noticia atribuam tanta atengio ao controle da sexualidade, Entretanto, dentro da abordagem do historiador francés Michel Foucault, este conflito entre organizacao e sexualidade deveria surgi sem surpresas, uma vez que dominio ¢ controle do corpo sao fundamentais para controle da vida politica e social. Foucault encoraja para que sejam percebidos os paralelos entre osurgimento da organizacao formal ea rotinizac4o, bem comoa regulamentaco do corpo humano. Isto se torna evidente de forma bastante nitida através do EXPLORANDO A CAVERNA DEPLATAO 21s modo pelo qual Frederico, o Grande, transformou 0 exército prussiano de um grupo de bandidos em uma armada altamente disciplinada e também em outras formas antigas de organizacio industrial. Por exemplo, 08 "Factory Acts" brita- nicos de 1833 deram muita importancia ao problema de controle do comporta~ mento sexual no trabalho, enquanto os antigos mestres de indistrias valorizavam as virtudes da abstinéncia, controle e vida pura. Neste sentido, ¢ interessante também notar as ligagdes puritanas e com os Quakers de muitos dos primeiros empresarios da Europa ¢ da América do Norte, ambiente do qual mais tarde 0 proprio Taylor iria emergir. Em termos freudianos, este processo de conseguir controle sobre 0 corpo depende de um proceso social no qual o ti ipo de organizacio e de disciplina caracteristicos da personalidade anal se torna dominante. Com efeito, este con- trole institucionaliza a reorientago das energias sexuais, reprimindo a sexuali- © dade genital explicita, enquanto permite e encoraja a expressio do erotismo anal de modo sublimado. Esta sextialidade anal sublimada forneceu grande parte da energia subjacente ao desenvolvimento da sociedade industrial. A medida que se examina a forma de organizagao burocratica, entretanto, deve-se ficar alerta para o significado oculio da excessiva regulamentagao € supervisdo da atividade humana, para o planejamento e programagio implacé- veis do trabalho e para a énfase exagerada na produtividade, cumprimento de regras, obediéncia, dever e disciplina. A burocracia é nao s6 uma forma mecani- cista de organizagio, mas também uma forma anal. E de maneira no surpreen- dente, descobre-se que algumas pessoas sao capazes de trabalhar neste tipo de organizagio mais eficazmente do que em outros. Seas burocracias sio fendmenos anais que encorajam um estilo de vida anal, entao tais organizagbes irio prova- velmente operar melhor quando os empregados se enquadrarem dentro do tipo de carter anal e daf retirarem intimeras satisfagées ocultas exatamente por trabalharem neste contexto. Historicamente, néo se torna dificil comprovar a idéia de que a analidade tem sido a forma principal de sexualidade reprimida que molda a natureza das organizacées. Entretanto, conforme se examina 0 mundo das organizagoes, & igualmente facil perceber também outras formas. Por exemplo, em muitas orga~ nizagées, os empregados consideram 0 trabalho como uma liberagdo para a sexualidade genital reprimida. Esse tipo de sublimagio freqiientemente explica a energia dos maniacos por trabalho (workaholism) da qual dependem tantas organizagdes modernas, E possivel encontrar impulsos sexuais reprimidos que moldam as politicas de dar e tomar que regem intimeros aspectos do funciona- mento organizacional, especialmente entre a organizacao e o seu ambiente, em muitos relacionamentos com competidores ou em empresas em situacdes de fusdo ou compra. Muitas discussdes de diretoria e planejamento de politicas podem estar relacionadas com varios tipos de fantasias sexuais. 26 IMAGENS DA ORGANIZAGAO Estas forcas ocultas podem também ser importantes para a compreensio de modelos mais originais, flexiveis, organicos ¢ inavadores de organizagées que atnalmente causam grande impacto no mundo empresarial. Fssas organizaches itientemente requerem uma liberdade de estilo que é bastante estranha 4 personalidade burocratica. A teoria freudiana sugere que a cultura corparativa destas organizagées freqiientemente institucionaliza varias combinagées de se- xualidades oral, filica e genital. Por exemplo, em empresas agressivas ¢ indivi- dualistas, a cultura organizacional é comumente caracterizada pelo que Wilhelm Reich descreveria como um ritual félico-narcisista. Individuos com sindromes félico-narcisistas subconscientemente identificam os seus egos com 0s seus pénis € engajam-se em comportamentos autoconfiantes © exibicionistas em que a satisfagao provém do fato de estarem em evidéncia e serem "vencedores”. Tais tipos de organizacdo freqtientemente recompensam ¢ encorajam este comporta~ mento, institucionalizando essa forma de sexualidade reprimida, da mesma forma pela qual a burocracia formaliza a analidade. A teoria freudiana fornece assim interessante mudanga de enfoque para o tipo de comportamento exibicio- nista que Gregory Bateson considerou como tendo origem nas praticas de edu- cagio da crianga e que foram discutidas no Capitulo 5. Muitas organizagdes apresentam um traco narcisista cujas raizes estiio em formas sublimadas de erotismo oral ligado a satisfagao de necessidades indivi- duais. Para alguns isto se expressa alravés de um individualismo agressivo segundo o qual os principais valores organizacionais e individuais dependem da habilidade de se obter sucesso pessoal e de ser admirado pelos demais. Outros traduzem ainda este amor pessoal ou “orientacao para si mesmo" para ambientes mais comunitdrios em que a ética do apoio mtituo se torna dominante. Conforme se observa no mundo das organizacées, torna-se cada vez mais possivel reconhecer as variadas maneiras pelas quais a sexualidade reprimida pode determinar as atividades do dia-a-dia. Impulsos sexuais e fantasias influen- ciam as politicas da organizacdo; comportamentos neuréticos determinam atos compulsivos e outras formas de representagdo paranéicas, masoquistas e com- pulsivas do ambiente e relagdes de trabalho. E a sexualidade reprimida acha-se ligada a maioria dos problemas organizacionais mais dificeis ¢ persistentes. Estas influéncias inconscientes esto com freqiiéncia estreitamente ligadas as persona lidades dos individuos que fazem parte da organizacao. Assim sendo, muito pode ser feito para resolver os problemas em termos pessoais ¢ interpessoais. E importante porém reconhecer que o significado e as conseqiiéncias da sexualida~ de reprimida vao além da personalidade do individuo. Isto porque as empresas institucionalizam inquietacdes inconscientes nas suas estruturas e culturas orga- nizacionais. Uma compreensao completa do significado e importancia da sexua- lidade reprimida implicaré um novo tipo de teoria contingencial das organiza- des. As organizagdes ndo séo condicionadas somente pelos seus respectivos ambientes; sio também moldadas pelos interesses inconscientes dos seus mem- bros e pelas forgas inconscientes que determinam as sociedades nas quais elas existe. EXPLORANDO A CAVERNA DE PLATAO. a7 ORGANIZAGAO E FAMILIA PATRIARCAL i Enquanto a perspectiva freudiana-cria vérias novas interpretagdes para a + vida organizacional, muitos criticos consideram Freud excessivamente centrado na sexualidade, levando a sua argumentagio muito longe. Notadamente, entre estes criticos encontram-se membros do movimento de emancipacao feminina contemporaneo que consideram Freud um homem partidario de valores mascu- linos ¢ igualmente preso nas suas proprias preocupagées sexuais inconscientes, especialmente quando estas interagiam com a moralidade vitoriana da sua época. Em lugar de enfatizar a sexualidade reprimida como forca propulsora por tras da organizagéo moderna, estes criticos sugerem ser necessario tentar entender as orpanizagdes como uma expressdo do patriarcaco, Segundo os seus pontos de vista, o patriarcado opera como um tipo de prisio conceitual, produzindo e reproduzindoestruturas: organizacionais em que predominam o sexoe os valores masculinos. A evidéncia de uma concepcao patriarcal da organizacio é facil de ser -verificada. As organizagées formais, tipicamente fundamentadas em caracteris- ticas associadas com 0 sexo masculino na sociedade ocidental, tém sido histori- camente dominadas por homens, exceto naqueles cargos em que a fungi é dar apoio, servir, agradar, bajular e entreter. Assim, os homens tem apresentado a > tendéncia de dominar os papéis e fungées organizacionais quando existe uma + necessidade de comportamento direto e agressivo, enquanto as mulheres, até ha bem pouco tempo, foram confinadas a papéis que tendem a colocé-las em uma posicdo de subordinacéo, como nas areas de enfermagem, trabalho de escrit6rio ¢ secretariado, ou entiio em papéis destinados a satisfazer a diferentes tipos de narcisismo masculino. A abordagem burocratica da organizagao tende a fomen- tar as caracteristicas racionais, analiticas e instrumentais associadas com 0 este- re6tipo ocidental de masculinidade e a diminuir as habilidaces tradicionalmente encaradas como sendo "femininas”, tais como intuigdo, educagao e apoio por empatia. Neste proceso, foram criadas organizacSes em que, em mais de uma forma, se acha definido um "mundo masculino" no qual homens e mulheres que tenham comprado a briga disputam e combatem entre si pur pusigdes de direcao como se fossem garanhoes que competem pela lideranca da manada. Na concep¢ao de muitos autores sobre o relacionamento entre sexo e orga- nizacao, a influéncia dominante do macho tem raizes nas relagdes hierdrquicas encontradas na familia patriarcal e que, conforme observou Wilhelm Reich, serve de fabrica para ideologias autoritérias. Em muitas organizagdes formais, uma pessoa acata a autoridade de outra exatamente do mesmo modo como uma crianga acata a autoridade paterna. A dependéncia prolongada da crianga em. relagio aos pais facilita o tipo de dependéncia institucionalizada no relaciona- mento entre lideres e seguidores ea pritica através da qual as pessoas aguardam. as outras para iniciarem agdes em resposta a questdes problematicas. Nas orga- a8 IMAGENS DA ORGANIZACAO nizagées, como na familia patriarcal, firmeza, coragem e heroismo, temperados pela auto-admiracao narcisista, so qualidades freqiientemente valorizadas, do mesmo modo como a sao a determinismo e o senso de dever qtte o pai espera do seu filho. Pessoas-chaves nas organizacées também freqiientemente cultivam Papéis paternais, agindo como mentores para aqueles que apresentam as neces- sidades de ajuda e de protecao. Criticos da abordagem patriarcal sugerem que, em contraste com valores matriarcais, que enfatizam amor incondicional, otimismo, confianga, compaixao e-uma capacidade de intuigdo, criatividade e felicidade, a estrutura psiquica da familia dominada por homens tende a criar um sentimento de impoténcia, acompanhado por um medo e dependéncia da autoridade. Estes criticos argu- mentam que, sob a influéncia de valores matriarcais, a vida organizacional seria muito menos dividida em niveis hierdrquicos, mais compassiva e holistica, os meios seriam mais valorizados que os fins e haveria maior tolerancia pela diversidade e abertura a criatividade. Muitos destes valores tradicionalmente femininos se acham evidentes em formas organizacionais nao burocraticas em que educagao e trabalho em grupo substituem autoridade e hierarquia como modelos dominantes de integracao. Ao encarar as organizagées como extens6es inconscientes das relagdes familiares consegue-se um poderoso instrumento para compreensio de aspec- tos-chave do mundo empresarial. Obtém-se também indicios a respeito de como as organizaées provavelmente evoluirdo, conforme as mudangas contempora- neas que se forem verificando, ao longo do tempo, na estrutura familiar e nas relagdes de parentesco. E é possivel perceber o importante papel que as mulheres 08 valores ligados ao sexo podem desempenhar na transformagio do mundo empresarial. Enquantoas organizacdes forem dominadas por estruturase valores patriarcais, os papéis das mulheres nelas desempenhados seguirao sempre a tegra do padrao "masculino". Isso explica a maior parte das criticas feministas a respeito das organizagties modernas: o verdadeio desafio para as mulheres que desejam fazer sucesso no mundo empresarial € tentar mudar os valores organi- zacionais no seu sentido mais fundamental. ORGANIZACAO, MORTE E IMORTALIDADE No seu livro The denial of death, Ernest Becker sugere que seres humanos so "Deuses providos de anus’. Entre todos os animais, somente os homens tém consciéncia a respeito do fato de que vao morrer e sio obrigados a passar as stias vidas tendo o conhecimento do paradoxo entre capacidade de transcendéncia espiritual, quase divina, e existéncia dependente de uma estrutura finita de carne € oss0s que, em tiltima andlise, iré sucumbir e desaparecer. Na visio de Becker, 08 seres humanos passam boa parte da vida tentando negar a realidade presente EXPLORANTO A CAVERNA DE FLATAO ae da morte, remetendo bem para o fundo do inconsciente os seus medos mérbidos. Com efeito, reinterpreta a teoria freudiana da sexualidade reprimida, ligando medos a infancia, associados ao nascimento e ao desenvolvimento da sexualida- de, aos medos ligados as nossas proprias instficiéncias, vulnerabilidade e mor- talidade. Estes pontos de vista fornecem um modo novo de compreender a cultura e as organizages. Por exemplo, encorajam uma compreensio de muitos dos atos e construcées simbélicas como fugas da nossa propria mortalidade. Ao nos juntarmos com outros para a criagao da cultura composta por um conjunto de normas, crencas, idéias e ptaticas sociais cumpartilhadas, estamos tentando engajar-nos em algo mais duradouro do que nés mesmos. Ao criarmos um mundo que pode ser percebido como real ¢ objetivo, reafirmamos anatureza real econcreta da nossa propria existéncia. Ao criarmos sistemas de simbolos que nos permitem um engajamento em trocas significativas com outros, estamos também ajudando-nos a encontrar significado nas nossas proprias vidas. Embora durante tempos trangitilos possamos confrontar-nos com o fato de que vamos morrer, grande parte da nossa vida quotidiana é vivida dentro da realidade artificial criada através da cultura. Esta ilusio de realidade ajuda a disfargar o nosso medo inconsciente de que tudo seja altamente vulneravel e transitério. ‘Assim, conforme demonstra Becker, quando considerados a partir da pers- pectiva da nossa morte iminente, os artefatos da cultura podem ser compreendi- dos como sistemas de defesa que auxiliam a criar a ilusdo de que somos maiores mais poderosos do que na realidade o somos. A continuidade eo desenvolvi- mento que encontramos nos sistemas religiosos, na ideologia, na histéria nacional e nos valores compartilhados, ajudam-nos a acreditar que somos parte de um modelo que continua bastante além dos limites da nossa prépria vida. Entretanto, iio € de surpreender que as pessoas estejam to prontas a defender as suas crencas basicas, mesmo que isto signifique ir para a guerra e confrontar-se com arealidade da morte. Ao fazerem isso, ajudam a preservar 0 mito da imortalidade enquanto estao vivos. Fsta perspectiva sugere que é possivel compreender organizagées e muito do comportamento dentro delas em termos de uma busca da imortalidade. Ao criarmos organizagées, estamos criando estruturas de atividade que sao maiores do que a vida e que, freqiientemente, sobrevivem por geragdes. E, a0 nos identificarmos com estas organizaqdes, encontramos significado e permanénci Conforme investimos as nossas forgas no trabalho, fazemos dos nossos papéis a nossa realidade. E, 4 medida que nos objetivamos em termos dos produtos que fabricamos ou do dinheiro que ganhamos, fazemos-nos visiveis ¢ reais para 16s mesmos. E por esta raza que nao é de admirar que as questées de sobrevivéncia sejam uma prioridade tao grande nas organizacées, uma vez que existe em jogo muito mais do que a simples sobrevivéncia da organizagao. eo IMAGENS DA ORGANIZACAO Ao decodificar o significado inconsciente do relacionamento entre imorta- lidade e organizacio, torna-se possivel compreender que, ao tentarmos gerir ¢ organizar onosso mundo, estamos, na verdade, tentando gerir e organizar a nés mesmos. De importincia particular nesta altura 60 fato de que muitas das nossas concepgdes mais fundamentais de organizagao dependem da idéia de tornar aquilo que é complexo simples. Assim, a abordagem burocratica da organizacao enfatiza a virtude de dividir as atividades e fungdes em partes e componentes Glaramente definidos. Em grande parcela da ciéncia e na vida quotidiana, admi- nistramos 0 nosso mundo simplificando-o, j4 que, tornando-o simples, fica mais fécil controlé-lo. E, ao fazé-lo, criamos 0 mito de que estamos realmente contro- Jando e de que somos mais poderosos do que realmente somos. Grande parte do conhecimento através do qual organizamos o nosso mundo pode ser visto como algo que nos protege da idéia de que, em tiltima andlise, provavelmente com- preendamos e controlemos muito pouco. Arrogancia freqiientemente mascara fraqueza e a idéia de que seres humanos, tio pequenos, fracos e transitérios podem organizar e gabar-se de dominar a natureza , de muitas formas, um sinal da sua propria vulnerabilidade. As pessoas utilizam na vida quotidiana mitos, rituais e modelos detalhados de envolvimento para se defenderem contra a consciéneia da sua fragilidade. Uma excelente ilustracao disto foi apresentada por Richard Boland e Raymond Hoffman em um estudo sobre as operagdes de uma oficina que produzia pecas sob encomenda ¢ em que piadas ¢ humor eram usados para lidar com condi¢es dificeis de trabalho. As tarefas nas quais os trabalhadores estavam envolvidos eram arriscadas e ficavam ainda mais perigosas com as brincadeiras. O estudo itustra como as piadas ajudavam os envolvidos a lidar com uma situagio dificil de trabalho e com questées de auto-identidade, permitindo a eles exercer um certo controle da situacao. Em outros contextos organizacionais, processos de fixagio de objetivos, planejamento e outros tipos de atividades ritualisticas desempenham funcio similar. Ao estabelecermos objetivos pessoais ou organi- zacionais, reafirmamos a nossa confianca no futuro. Ao investirmos 0 nosso tempo e energia em um projeto, convertemos 0 tempo que passa em algo concreto eduradouro. Enquanto a andlise freudiana considera as preocupagbes excessivas com produtividade, planejamento e controle como expresses de um erotismo anal sublimado, o trabalho de Becker leva-nos a encard-las como um meio de preservar e proteger a vida diante da morte. ORGANIZACAO E ANSIEDADE Nos seus trabathos posteriores, particularmente no seu livro Além do princi- pio do prazer, Freud atribui crescente énfase a luta entre os instintos de vidae morte dentro do individuo. Fssas relagdes tornaram-se um foco especial de estudo para Melanie Klein e a denominada escola inglesa de Psicandlise, baseada no Instituto EXPLORANDO A CAVERNA DE FLATAO m Tavistock de Londres, que despenderam uma boa parcela de tempo tentando fragar o impacto dos mecanismos de defesa da infancia contra a ansiedade na ) personalidade adulta. A escola kleiniana conferiu grande énfase ao papel da mie * eas relagdes entre a crianca ¢ o seio da sua mae ao tentar explicitar as ligagbes | entre o consciente eo inconsciente. O trabalho de Klein ajuda, entao, a neutralizar uma das graves distorcées da pesquisa de Freud, uma vez que este, ao se mostrar ! muito preocupado com o papel do pai como figura-chave nas primeiras expe- riéncias da infancia, acabou por ignorar ou subestimar a importéncia do papel educativo da mae. © trabalho de Klein baseia-se na premissa de que desde 0 inicio da vida a crianca experimenta desconforto associado ao instinto de morte e a0 medo de aniquilagio. Este medo internaliza-se sob a forma de “ansiedade persecutéria” ‘A fim de suportar esta ansiedade, a crianga desenvolve mecanismos de defesa, incluindo desintegracao, introjesio e projecao (ver glossario no Quadro 7.1). Na | visio de Klein, isto ocorre primeiro em relagao 20 seio materno ou aquilo que 0 substitui e que a crianga identifica com experiéncias boas e més, distingao essa que se encontra na origem da dicotomia entre os sentimentos de amor e édio. Enquanto as experiéncias com o "seio bom" fornecem um ponto de afirmagao e integragao para a existéncia da crianga, experiéncias com 0 "seio mau" (quando a alimentagao é insuficiente, lenta ou dificil) tornam-se 0 foco de ansiedades persecutdrias dentro da crianca. Essas ansiedades sao projetadas no “seio mau” que ¢ freqiientemente atacado com raiva. Embora a divisao entre seio bom ema ocorra dentro das fantasias inconscientes da vida da crianga, 0s seus efeitos sao reais. Ha uma traducdo para modelos especificos de sentimentos, relacdes obje- tais e processos de raciocinio que possuem sério impacto na vida futura. Na visio de Klein, a formacao do ego comega com essas primeiras experién- cias, sendo que 0 "seio bom fornece o foco integrativo que ajuda a lutar contra as forcas destrutivas projetadas pelo "seio mau’. A crianga separa os sentimentos bons dos maus, internalizando, idealizando e aproveitando-os, freqiientemente como um meio para negar a existéncia de estados ameagadores. Ao mesmo tempo, ataca os maus, freqiientemente projetando-os para mundo exterior. A vida da crianga tende, assim, a ser um mundo de extremos no qual as caracteris- ticas do ego associadas com a idealizacao, a projecio e a negagdo estdo todas visiveis. Segundo Klein, essas caracteristicas estéo associadas tanto com o desen- volvimento normal, quanto com 0 anormal, passando a crianga por uma fase persecutsria (parandide-esquizdide) durante os poucos primeiros meses de vida e entrando, depois, em uma "posigio depressiva”, em que a crianga comeca a perceber que o seio bom 0 mau so os mesmos e que estava atacando e odiando aquilo que era também amado. Klein acreditava que a sintese necessiiria entre aspectos amados e odiados do seio dao origem ao lutoe a culpa que representam progressos vitais na vida emocional e intelectual da crianca. Acreditava que os medos de perseguigéo dentro da crianca permaneciam fortes, fazendo com que m IMAGENS DA ORGANIZACAO esta tenha grandes dificuldades de deixar a posico parandide-esquizéide e evoluir até a necesséria fase depressiva. Dessa forma, essas primeiras experién- cias podem tornar-se 0 foco de medo, édio, inveja, raiva, sadismo, frustracio, culpa, paranéia, obsessio, depressio, fantasias e outros sentimentos que s40 transportados para o inconsciente e transferidos para outros objetos e relages. A teoria de Klein sobre o desenvolvimento humano sugere, assim, que muitas das doencas que Freud atribuiu a sexualidade humana tém as suas origens em padrées primarios de "relagdes objetais". A abordagem de Klein para a anilise das relagées objetais sugere que a experigncia adulta reproditz defesas contra a ansiedade originariamente formada na primeira infancia, sendo que técnicas de desintegragio, projecdo, introjecdo, idealizagio e negacao determinam o modo pelo qual construimosas relagbes com © nosso mundo exterior. Desta perspectiva, ¢ possivel compreender a estrutura, o processo, a cultura ¢ até mesmo o ambiente de uma organizagao em termos dos mecanismos de defesa desenvolvidos pelos seus membros para lidarem com a ansiedade individual e coletiva. Essa abordagem para a andlise organizacional tem sido sistematicamente desenvolvida por diversos pesquisadores do Instituto Tavistock. Por exemplo, na sua andlise do comportamento em grupos, Wilfred Bion mostrou que grupos freqiientemente regridem a padres de comportamento infantil para se protege rem de aspectos desconfortéveis do mundo real. Quando um grupo se acha completamente engajado em uma tarefa, a sua energia tende a ser consumida e direcionada de forma a manter 0 grupo em contato com algum tipo de realidade externa. Entretanto, quando surgem problemas que desafiam 9 funcionamento do grupo, este tende entio a desviar a sua energia do desempenho da tarefa e usé-la para defender-se das ansiedades associadas & nova situacao. De um jeito ou de outro, todos nds jé experimentamos isto nas nossas vidas pessoais ou ainda em incontéveis situagdes nas empresas onde a dinamica dos fatos faz surgir tal angtistia que acabamos perdendo de vista as tarefas que deveriam ser desempe- nhadas. Uma preocupagio com o funcionamento do grupo elimina a preocupa- 80 relativa ao papel do grupo no mundo exterior. Bion demonstrou que em tais situagdes geradoras de ansiedade, os grupos tendem a adotar um dos trés estilos de atuacao que serio descritos a seguir e que utilizam diferentes tipos de defesa contra a ansiedade. Fm alguns grupos, um modelo de “dependéncia” & adotado. Admite-se que © grupo tem necessidade de alguma forma de lideranga para resolver uma sitttagéo problemética. A atengio do grupo é desviada dos problemas presentes e projetada sobre um individuo em particular. Freqiientemente, os membros do grupo declaram-se incapazes para lidar com a situagao e idealizam as caracteris- ticas do lider escolhido. Algumas vezes o grupo projeta sua energia sobre um simbolo atraente do passado, centrando-se na forma pela qual as coisas costuma- EXPLORANDO A CAVERNA DEPLATAO 2 vam ser, em vez de enfrentar a atual realidade. Tal clima facilita um lider potencial emergir e assumir a responsabilidade pelos problemas do grupo. Entretanto, freqiientemente herda uma situagao bastante dificil, jA que a simples existéncia de um lider fornece uma desculpa para a inatividade pessoal por parte dos outros. O lider devera também incorporar tragos das fantasias das pessoas do grupo que projetam aspectos desejados dos seus proprios egos na figura do Ider. Como resultado, o lider comumente falha em atender as expectativas € € logo substitufdo por outra pessoa, muitas vezes o membro menos capaz, do grupo. Comumente também falha e assim o problema continua ocorrendo, gerando algumas vezes fracionamento do grupo e brigas internas. O funciona- mento do grupo tende, entao, a imobilizar-se por todos os tipos de brigas mesquinhas e de problemas que semeiam a discordia e substituem a ago real Dentro de outro padrio de resposta, um grupo pode tentar lidar comos seus problemas através daquilo que Bion denomina “emparelhamento”. Este proceso envolve uma fantasia na qual os membros do grupo comegam a acreditar que uma figura messiainica ira surgir para livrar o grupo do seu estado de medo e de ansiedade. A dependéncia do grupo em relacao ao surgimento de tal figura novamente paralisa sua habilidade de empreender ages eficazes. Um terceiro padrao de resposta é 0 que Bion descreve como “fuga e luta”, no qual o grupo tende a projetar os seus medos em um inimigo de algum tipo. Este inimigo incorpora a ansiedade persecutoria inconsciente vivenciada pelo grupo. O inimigo pode tomar a forma de um concorrente, de medidas governamentais, de uma atitude publica ou da existéncia de uma pessoa ou organizagio em particular que parece ter surgido "para nos agarrar". Embora una 0 grupo & Viabilize um tipo forte de lideranga, o processo de "fuga e luta" tende a distorcer a apreciagio do grupo sobre a realidade e, conseqiientemente, a sua capacidade de enfrenté-la. Tempo e energia so empregados para brigar ou para proteger 0 grupo do perigo percebido, em lugar de se tentar ter uma visiio mais equilibrada dos problemas evidentes na situacao. Um bom exemple desse process é a maneira pela qual a indtistria automo- bilistica e muitos outros setores produtivos da América do Norte inicialmente reagiram ao desafio imposto pela importagao de bens do Japio e de outras partes da Asia. Enquanto esta nova fonte de competicao era bastante real em termos dos seus efeitos, a preocupacaocom o"inimigo” ea necessidade de lutar via legislagao ‘ou medidas protecionistas desviaram a atengéo de um aspecto igualmente im- portante da situacao que dizia respeito a necessidade de reexaminar a natureza dos proprios produtos para se descobrir como eles poderiam ser modificados ou melhorados para competir dentro das novas condigdes de mercado. A resposta “fuga e luta’ ilustra, neste caso, uma paranéia inconsciente que é comum a muitas situagdes de grupo. me IMAGENS DA ORGANTZACAO A relevancia destas idéias para a compreenséo da dindmica da lideranca, dos processos grupais, da acdo da cultura organizacional, das relagées entre a empresa e 0 seu ambiente e de outros aspectos quotidianos do fimcionamento das organizacées é bastante clara. Os mecanismos de defesa explicitados por Kleine Bion impregnam quase todos os aspectos das atividades das organizacies. As pessoas constroem realidades nas quais ameagas e preocupagées dentro do inconsciente tornam-se incorporadas em estrututas que visam lidar com a ansie- dade do mundo exterior. As pessoas podem projetar essas preocupacdes incons- cientes enquanto individuos, ou, entao, através de padroes de conluio incons- ciente que despertam medos comuns, preocupagées e ansiedade geral. Estas idéias podem também explicar muitos dos aspectos mais formais da organizacdo. Por exemplo, Eliott Jaques e Isobel Menzies, antigos membros do Instituto Tavistock, demonstraram como aspectos da estrutura organizacional podem ser entendidos como defesas sociais contra a ansiedade. Jaques mostrou que muitos papéis organizacionais s8o foco de varios tipos de ansiedades para- ndicas ou persecutérias, nas quais as pessoas projetam maus impulsos e objetos no ocupante do papel que, mais freqiientemente do que se pensa, ird introjetar estas projegdes ou desvid-las para outro lugar. Assim, o primeiro oficial de um navio € tipicamente considerado responsavel por varias coisas que acabam saindo errado, mesmo nao sendo responsavel por elas. Um acordo inconsciente torna-se a fonte de todos os problemas, permitindo a equipe sentir-se protegida dos seus proprios perseguidores internos. O processo também permite ao capitio ser idealizado mais facilmente como uma figura boa e protetora. Todos os tipos de bodes expiatérios nas organizacdes desempenham fungées similares. Sa0 pessoas em papéis que "todos adoram odiar”, convenientes “criadores de caso", “desajustados" e pessoas que “simplesmente esto fora das regras do jogo". Fornecem foco para a raiva inconsciente e para as tendéncias sddicas, aliviando a tensio dentro da organizagao e mantendo-a unida. Jaques comprovou que este tipo de defesa contra a ansiedade paranéica é freqiientemente um aspecto das relagdes de trabalho, sendo os mauis impulsos projetados em diferentes grupos que sao ento percebidos como vildes ou fonte de problemas e que se tornam alvo de atitudes e agdes de vinganga. O proceso ocorre também em muitos modelos de relacdes entre diferentes organizacoes. Por exemplo, Robert Chatov caracteriza muitas das relaces entre governo e empre- sas como "sadismo regulador", em que aqueles que promulgam as regras fazem pesadas e supérfluas exigéncias aos regulados. O processo pode também ser observado na maneira pela qual organizacdes que atuam em ambientes compe- titivos tentam dominar, punir e controlar os seus rivais ou outras organizagdes, com as quais trabalham e também pelo modo através do qual algumas organiza- ges se punem a si préprias. Por exemplo, uma parte da empresa pode comecar a criar punigdes para outra, ou entio, incluir varios tipos de punicao nas suas politicas e procedimentos gerais, Isto ficou bastante evidenciado na recessio do EXPLORANDO A CAVERNA DEPLATAO. zs |. inicio dos anos 80, quando pessoas importantes em muitas organizagées tiveram grande prazer em "reduzir” algumas préticas e privilégios vigentes que haviam sido adotados durante 08 anos de "abundancia". Atitudes similares podem ser encontradas no campo das relagdes do trabalho em que o enfraquecimento da | posicdo dos sindicatos abriu as portas para politicas de “Iuta violenta contra 0 sindicato” que, freqiientemente, eram motivadas muito mais por desejos de vinganga e de punicéo pelo poder que estes sindicatos exerceram nos anos 60 € | 20 do que por representarem praticas genuinas de racionalizagio do trabalho. i Isobel Menzies desenvolveu conclus6es semelhantes em estudo pioneiro com pessoal de enfermagem em hospitais, mostrando como defesas contra a ansiedade sublinham muitos dos aspects pelos quais o trabalho é organizado. Conforme ja se sabe, as enfermeiras devem constantemente lidar com tarefas estressantes que podem gerar uma mistura de sentimentos de piedade, compai- xo, amor, 6dio, culpa, medo, inveja e ressentimento. Dessa forma, na area de + enfermagem, a fragmentacao da relacdo paciente-enfermeira pela divisio do trabalho em tarefas precisas, distribuidas entre diferentes profissionais, a desper- sonalizacao, a categorizagéo e a negacéo da importincia do paciente enquanto individuo em favor do paciente como um "caso", bem como 0 desligamento ea negagdo dos sentimentos pessoais, freqiientemente apresentam nao 86 significa- do burocratico, mas também inconsciente. Representam mecanismos de lidar com esta situagao, Algumas vezes, podem contribuir para a consecugio eficiente das tarefas para as quais foram racionalmente concebidos, enquanto em outros casos, podem, na verdade, bloquear a realizagdo eficaz. das tarefas. Todavia, podem ser também extremamente dificeis de mudar ou remover. Em outra area de pesquisa, Abraham Zaleznik, da Escola de Administragao de Harvard, demonstrou que padres de ansiedade inconsciente quase sempre exercem influéncia decisiva na construcao de coaliz6es e nas politicas que regem a vida das organizagées. Em algumas situacGes, Iideres sao incapazes de desen- volver relacionamentos préximos com os seus colegas e subordinados, seja devido a medos inconscientes, seja devido 0 algum tipo de raiva ou inveja inconscientes que fazem com que estes nao tolerem qualquer trago de rivalidade. Tais preocupacées podem motivar o dirigente a manter o controle, dividindo e comandando 05 subordinados de modo a certificar-se de que estes serao "manti- dosnos seus lugares”. Muitas vezes, os medos inconscientes impedem que olider seja capaz de aceitar ajuda e conselhos genuinos. Por exemplo, sugesties de politicas desenvolvidas por subordinados podem ser interpretadas como rivali- dade e, assim, serem descartadas ou suprimidas sem a consideracao do seu real mérito. Freqiientemente, as relag6es entre um lider e os seus subordinados sio também alvo de projecées inconscientes de natnreza edipiana, com os subordi- nados projetando as suas fantasias de substituigao do pai pelo lider, fator este que pode reforcar a ansiedade do lider. Quando as relacdes s80 dominadas por este tipo de competicio inconsciente, o lider comumente se toma isolado, propi- m8 IMAGENS DA ORGANIZACAO ciando aos subordinados uma situagao ideal para que se unam de uma maneira que pode, na verdade, levar a sua destruicao. Assim sendo, projecbes inconscien- tes quase sempre apresertain efeitos de autupunigav. E fécil verificar que os significados que moldam a cultura ou subculturas organizacionais podem também ter sentido inconsciente. Os valores comuns que servem de laco a uma organizagio, freqiientemente, tém a sua origem em preocupagées comuns que se encontram abaixo da superficie do conhecimento consciente. Por exemplo, em organizagdes que projetam uma imagem de equipe, varios mecanismos de ruptura encontram-se muitas vezes em operacdo, ideali- zando as qualidaces dos membros da equipe, ao mesmo tempo em que projetam medos, 6dio, raiva, inveja e outros maus impulsos em pessoas ou objetos que ndo fazem parte do grupo. Como na guerra, a habilidade de criar uniao e um sentimento de propésito, freqiientemente depende da habilidade de direcionar impulsos destrutivos para o inimigo. Estes impulsos confrontam entdo a equipe com as "reais" ameagas. Em organizagGes caracterizadas por luta interna ou por uma pratica de competigao selvagem, estes impulsos destrutivos quase sempre se desencadeiam a partir do interior, criando uma cultura que floresce sobre diferentes formas de sadismo, em lugar de projetarem este sadismo em outra parte. Por exemplo, a inveja exagerada pode levar as pessoas a bloquearem o sucesso dos seus colegas, porque temem nao serem capazes de conseguir este mesmo sucesso. Bste proces- 50 oculto pode minar a capacidade de desenvolver o espirito de cooperacao do grupo, espirito este que exige que os membros aproveitem 0 sucesso, no sé através da afiliagao com outros membros de sucesso, mas também através das proprias realizagdes pessoais. Novamente, ansiedades persecutérias nao resalvi- das e que invariavelmente inibem o aprendizado, uma vez que impedem as pessoas de aceitar criticas e de corrigir os seus defeitos, podem levar a um tipo de cultura caracterizado pelos mais diversos tipos de tensio e de defesa. Consideragées desta natureza sugerem que h muito mais a se acrescentar cultura organizacional do que aquilo que est evidente na idéia popular de que € possivel "administrar a cultura". A cultura, como a organizacio, pode nio ser que parece ser. Cultura pode ser um conceito muito mais titil para ajudar a evitar uma realidade interior do que para auxiliar a lidar com a realidade externa das nossas vidas quotidianas. ORGANIZAGAO, BONECAS E URSINHOS DE PELUCIA Quando crianga, a maioria de nés teve um brinquedo favorito, um cobertor ou um pedago de pano ou ainda um objeto especial ao qual dedicévamos muita atengio edo qual nao podfamos virtualmente nos separar. © psicanalista Donald Winnicott desenvolveu a teoria kleiniana das relages objetais de modo a enfati-

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