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CARTA DO MOVIMENTO POLICIAIS ANTIFASCISMO PARA O FUTURO GOVERNO LULA Somos policiais antifascismo! Conforme definido em nosso Manifesto (Anexo 1), 0 Movimento Policiais Antifascismo é um campo de atuag&o politica, ndo institucionalizado e suprapartidario, formado por trabalhadoras e trabalhadores da seguranga publica, representados por policiais federais, policiais rodovidrios federais, policiais civis, policiais militares, bombeiros militares, guardas municipais, policiais penais, agentes de transito e agentes do sistema socioeducativo. Iniciado em 2016, nosso Movimento conseguiu organizar trabalhadores da Seguranca Publica, dispostos a contribuir para a construgdo de uma ordem verdadeiramente democratica em nosso pais, junto aos demais trabalhadores(as). 0 reconhecimento da condicdo de trabalhador(a) ao(a) policial é uma das nossas principais bandeiras, entre tantas outras. Essa condicao nos é negada quando direitos fundamentais, como 0 direito de sindicalizacio, 0 direito de greve € o direito de filiacio partidaria so proibidos para a imensa maioria dos policiais. Essa foi a heranca de um modelo autoritario, que manteve policiais na condico de subcidadaos, atuando como agentes de seguranca publica, mesmo apés a Constituigdo de 88. Tal heranga foi em alguns momentos ampliada, como em diversas decisées do STF, que estendeu aos policiais civis a proibicao do direito de greve, prevista na Constituic3o Federal apenas para policiais militares. A retirada de direitos dos policiais avangou em setembro de 2021, quando a Camara dos Deputados Federais aprovou texto do novo Codigo Eleitoral (Projeto de Lei Complementar n° 112/21), por 273 votos a 211, estabelecendo uma espécie de “quarentena” e exigindo que policiais sejam desligados de suas fungdes quatro anos antes da data do pleito a ser disputado. Essa proposta inviabiliza a candidatura de qualquer trabalhador da seguranca publica, posto que para se candidatar, devera estar afastado de suas atividades profissionais por 04 anos, sem recebimento de salarios, © que redunda na impossibilidade de subsisténcia, j4 que a atividade policial se dé em regime de dedicacao exclusiva. Além disso, 0 principio que deve prevalecer em um Estado Democratico de Direito fundamentado nos Direitos Humanos é o da plenitude de gozo dos direitos politicos, ou seja, a capacidade de votar e ser votado, garantindo a pluralidade e a representatividade do maximo de setores possiveis da populacio nos poderes Legislative e Executivo. Ademais, a proposta possui cardter profundamente neoliberal, j4 que exclui trabalhadores do servico ptiblico da possibilidade de representar 0 povo, como se suas funcdes e missdes fossem apenas técnicas e desprovidas de significado politico. Entendemos que o avango de discursos e praticas autoritarias e do fascismo, recebeu grande ades3o popular por conta de uma conjuntura internacional de crise econémica, aliada a um conjunto de fatos econémicos e politicos no contexto brasileiro, que resultou no impeachment da Presidente Dilma Rousseff. A realidade nacional nos alertou, entretanto, que o fenémeno nomeado como “bolsonarismo” esta diretamente ligado 4 manutencéo de uma ordem, que no realizou a ruptura definitiva com o regime de exceco, instalado pela ditadura militar em nosso pais. A institucionalidade é limitada para garantir a ordem democratica. Nao conseguiremos avancar em nenhum projeto de consolidacdo da democracia sem a compreensio de que precisamos dialogar com a totalidade dos(as) trabalhadores(as), incluindo os(as) trabalhadores(as) policiais. Entendemos inclusive que muitos dos projetos por um modelo de seguranga com respeito a cidadania e aos direitos humanos acabam por no se concretizarem pelo distanciamento que se coloca aqueles que operam as acées de seguranca publica nas ruas e nas investigacdes. Enquanto o(a) trabalhador(a) policial no for convidado(a) a participar das formulacées de um novo modelo de seguranca, voltado para os interesses da classe trabalhadora, com a garantia de seus direitos e da sua cidadania plena, restar-nos-é o retorno as velhas praticas de uma policia a servico do poder politico econémico, dissociado dos interesses da populacdo. A inseguranga, neste contexto, mantém-se para garantir o avanco dos negocios da seguranga para a seguranca dos negécios, em um contexto onde a crise da seguranca pliblica nao é uma crise, mas sim um projeto. Em 2020, publicamos o Manifesto “Policiais Antifascismo em defesa da democracia popular” (Anexo 2), assinado por policiais federais, policiais rodoviarios federais, policiais civis, policiais militares, bombeiros militares, guardas municipais, policiais penais, agentes de transito e agentes do sistema socioeducativos. O impacto da adesdo dos trabalhadores policiais a um projeto de poder democrético, de garantia dos direitos dos trabalhadores, em contraposigao ao avanco da retirada dos nossos direitos pela direita neoliberal, foi imediatamente identificado pelo governo Bolsonaro. Fomos surpreendidos com a noticia de um “dossié”, organizado no interior do Ministério da Justiga, promovendo um verdadeiro controle ideolégico e politico de servidores ptblicos, na busca por informacdes sobre policiais que subscreveram o documento. Os policiais de esquerda, organizados e com capacidade de formulacao critica so considerados os piores inimigos do fascismo Durante todo o periodo de governo Bolsonaro sofremos inumeras perseguigées, n3o sd a nivel nacional, como em diferentes estados da federacao, inclusive em governos de partidos que hoje se encontram na base de apoio do futuro governo Lula. Policiais antifascismo responderam a processos administrativos, inquéritos policiais e foram demitidos por lutarem contra o fascismo e pelos seus direitos enquanto trabalhadores. Nao podemos deixar de lembrar da execucio do nosso camarada Marcelo Arruda, em Foz do Iguacu. Ao mesmo tempo o discurso bolsonarista ganhava amplitude e apoio de amplos setores das corporagées policiais, que tinham os seus direitos cerceados, apontando para um verdadeiro paradoxo. Precisamos aprofundar a compreensao deste fendmeno. Nossa experiéncia organizativa demonstra que aquilo que conduz os policiais a se aliarem ao fascismo, incluindo o exercicio da violéncia extralegal, bem como a pratica de diferentes aces criminosas, é 0 aceno de um falso reconhecimento e valorizacéo que Ihes é ofertado por um poder politico corrompido. Esse campo politico néo possui_ nenhum comprometimento com a classe trabalhadora, instrumentalizando as policias para os seus interesses particulares através de praticas criminosas. Entendemos ser urgente que esse quadro seja revertido. Para isso propomos o verdadeiro reconhecimento e a valorizagio do trabalho policial como o caminho para se desmistificar a figura do heréi, que continua a seduzir policiais que ndo encontram no nosso campo politico, & esquerda, nenhum aceno de reconhecimento e valorizagao profissional. Precisamos de um projeto de seguranga que contemple treinamento qualificado, melhoria das condigées de trabalho, liberdade de organizac3o e, principalmente, garantia de direitos. E extremamente necessario que o futuro governo aponte para os(as) trabalhadores(as) da seguranca publica que esto no andar de baixo, da ponta, daqueles que “ninguém enxerga”, na expresso de Esther Solano, doutora em Ciéncias Sociais. Precisamos disputar coracées e mentes daqueles que se encontram investidos em diferentes cargos nas bases das carreiras policiais. A ideia de que a hierarquia e disciplina garantam que este didlogo seja realizado somente com as cupulas das policias é uma verdadeira ilusdo. Delegados de policia e oficiais das policias e bombeiros militares esto em condigées completamente diferentes daqueles que se encontram no chao da fabrica da seguranca publica, tais como os soldados, cabos e pragas da PM/BM, bem como dos diferentes cargos com nomenclaturas diversas, utilizadas para os agentes de policia, que efetivamente realizam a investigacdo policial. A perspectiva dos policiais trabalhadores da base se diferencia das apresentadas pelos que os comandam, principalmente quando o assunto é condigdes de trabalho, remuneracao, carga horéria, disciplina. Acreditar que o didlogo com delegados de policia e oficiais da PM/BM é suficiente para uma aproximac3o com a “tropa” é um dos maiores equivocos. Alias, entendemos que essas estruturas que dividem as policiais em estamentos, onde as cuipulas dirigentes sao reservadas para aqueles cuja entrada se da por uma porta diferente daquela dos trabalhadores da base € uma caracteristica do conservadorismo brasileiro, que caminha na contram&o da quase totalidade das policias do mundo, que séo organizadas através de carreira unica. E importante frisarmos que o didlogo que estamos propondo, como. elemento fundante para a construco de uma nova politica de seguranca publica, verdadeiramente democrdtica em nosso pais, deve ser realizado com 0 conjunto da sociedade, incluindo todos os policiais e nao somente com aqueles que jé se encontram no campo progressista. Precisamos disputar os policiais para o nosso campo politico. A ideia de uma policia sem ideologia remete a ideia da Escola sem Partido. Ao trabalhador policial no se pode negar, assim como aos professores e demais servidores ptiblicos, 0 pensamento politico que oriente a sua discricionariedade, presente tanto no momento de ministrar uma aula como no instante de uma abordagem policial, evidentemente que garantido o contetido da disciplina ou a legalidade da abordagem. E justamente o carater ideolégico, que pode garantir o funcionamento das instituigdes policiais a servigo dos interesses dos trabalhadores, em detrimento dos interesses do capital e grupos dominantes, que constantemente tém levado policiais a agirem fora da lei. E preciso também priorizar a protecao a vida como meta maior da politica de seguranca do futuro governo. A letalidade a partir de acdes policiais de “suspeitos’, “inocentes” ou “culpados” remete a uma politica de seguranca do exterminio. Importante ressaltarmos que esses indices sempre foram altos, mesmo em governos de esquerda, mas chegaram a niveis alarmantes no governo Bolsonaro. Mortes por intervengao pol por ano ial no Brasil, 2015 2014 2015 2016 2017 prt 2018 2019 2020 n | my ie a 0 Estado brasileiro n&o pode declarar guerra ao seu préprio povo. Nao estamos em guerra! As politicas publicas de enfrentamento & proibicao das drogas tém sido alteradas em todo o mundo, principalmente nos paises centrais, a partir da legaliza¢3o da maconha em diversos paises. Hoje jé se debate a nacionalizac3o da regulamentac3o da producio, comércio e consumo da planta em todos os niveis nos EUA, assim como no Uruguai avanca a consolida¢dio de um modelo de estatizacio da producaio e distribuiggo da maconha nas farmécias. Enquanto isso, as politicas proibicionistas no Brasil seguem aumentando o encarceramento em massa da juventude preta e pobre, bem como ceifando a vida de milhares de pessoas vulneraveis, sob o discurso de protecdo a satide. A guerra contra as drogas é uma metafora utilizada para legitimar o exterminio de pessoas em nosso pais, contribuindo inclusive para a morte de muitos policiais. N&o podemos voltar & normalidade democratica pois ela nos trouxe muitos problemas, inclusive de ascensdo do fascismo, que nada mais faz do que se apropriar e prolongar os mecanismos construidos pelas sociedades liberais, na forma como foi apresentado no nosso documento em defesa da democracia. Precisamos ter a coragem de realizar as mudancas exigidas, para que o modelo de politica de seguranca do futuro governo Lula seja capaz de contemplar as mudangas de interesse da classe trabalhadora. Apostamos na vitéria contra 0 bolsonarismo e tudo que ele representa como ataque aos direitos da classe trabalhadora, quando, no nosso ultimo Congresso, decidimos apoiar 0 candidato que fosse escolhido pela oposigo para enfrentar a extrema direita, conforme a nossa Carta de Natal (Anexo 3). N&o pretendemos enquanto movimento social participar de nenhum espaco no futuro governo, ainda que tenhamos a compreensdo de que alguns dos nossos quadros possam aceitar eventuais convites, desde que se afastem imediatamente de quaisquer cargos de diresao no Movimento Policiais Antifascismo. Acreditamos que podemos dar a nossa maior colaborag&o, neste momento de transi¢do, apresentando as pautas que consideramos necessdrias para construir um didlogo franco e necessdrio com os trabalhadores da seguranca ptiblica, destacando os seguintes temas: 1) DESMILITARIZAGAO DAS POLICIAS E CORPO DE BOMBEIROS MILITARES, colocando o debate no ponto central que 6 a desvinculagao completa das policias militares do Comando Geral do Exército, devolvendo aos governadores a completa autonomia na gestao das policias e restituindo ao trabalhador(a) policial as condicdes de servidor(a) ptblico(a) civil, com integralidade e paridade na questéo previdenciaria. Entendemos que a desmilitarizagio. também deve contemplar que seja evitado modelos militares e bélicos em todos os drgdos da seguranca publica, por serem incompativeis com a prestagao de servigo puiblico. 2) CARREIRA UNICA E CICLO COMPLETO DE POLICIA, seguindo o modelo da quase totalidade das policias do mundo e retomando através da PEC 51 apresentada no Congresso, o debate com os policiais e a sociedade sobre o tema. 3) REGULAMENTACAO DA PRODUCAQ, DO COMERCIO E CONSUMO DAS DROGAS FEITAS ILICITAS, reconhecendo a estratégia de pautar o tema passo a passo, iniciando com a regulamentagao da produgo da maconha, para fins medicinais e industriais, a partir do PL399/2015, que tramita na Camara dos Deputados. REALIZACAO DA 22 CONFERENCIA NACIONAL DE SEGURANCA PUBLICA, com ampla participacéo dos trabalhadores(as) policiais no didlogo com a sociedade organizada e movimentos sociais. ENVIO AO CONGRESSO DE UMA LEI DE ENSINO GERAL PARA AS INSTITUIGOES POLICIAIS, em cumprimento ao previsto na Politica Nacional de Seguranga Publica. RETORNO DO PRONASCI (PROGRAMA NACIONAL DE SEGURANCA PUBLICA COM CIDADANIA). PISO SALARIAL NACIONAL PARA POLICIAIS CIVIS E MILITARES ESTADUAIS, retomando o debate da PEC 300/2008. POSICIONAMENTO CONTRARIO A QUALQUER PROPOSTA LEGISLATIVA QUE VENHA A REDUZIR OS DIREITOS POLITICOS DOS TRABALHADORES DA SEGURANGA PUBLICA- contra 0 Projeto de Lei Complementar n° 112/2021. INCLUIR AS GUARDAS MUNICIPAIS ENTRE AS FORCAS DE SEGURANGA ELENCADAS NO ART. 144 DA CONSTITUICAO FEDERAL, conforme propdem a PEC 275, DE 2016. Com isso, também sera possivel a alteragdo da nomenclatura das Guardas para Policia Municipal 4) 5) 6 7 8) 9) COORDENACAO NACIONAL DO MOVIMENTO POLICIAIS ANTIFASCISMO

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