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as EVERARDO P. GUIMARAES ROCHA Finalmente, os amiincios de bebidas alcoélicas que aparece- ram nas revistas estéo subdivididos em 5 de vodea, 15 de vinho, 13 de uisque, 2 de conhaque, 5 de licor, 2 de amaretto, 1 de gim, 1 de Martini e 1 de vermute. Todos os amincios citados no texto dos préximos capitulos encontram-se repro- duzidos no livro. Nao foram reproduzidos todos os 45 por questdes de espaco. Na verdade, me utilizo apenas neste es- tudo de 23 dos 45 anincios. Portanto, para sim tura e facilitar o entendimento s6 esses aparecem aq encontram-se espalhados ao longo dos capitulos a seguir, ime- diatamente ap6s o nome do produto aparecer no texto. E ims portante para um perfeito entendimento da anilise, que leitor tenha a paciéncia de, eventualmente, recorrer a para esclarecer um ou outro ponto que se fizer necesséi O “totemismo hoje” a de descobrir qualquer verdade absoluta com res dade. Falar em termos de ‘agentua sensivelmente em se tratando das di gomo objeto as sociedades humanas e t ypor elas trazidas a luz. Na Antropologia. especifica- tagao — uma terpretagdes pos ildade da tarefa do antropélogo, que é por nds, onhecida. Nas palavras de Geertz, um dado sobre uma certa forma de pensar 4 cultura que a Antropologia pode assumir na (Geet, 1978: speditando, como Max Weber, que o} 0 EVERARDO P. GUIMARAES ROCHA animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua andli tanto, nfo como wma cicia experimental em busca de ma uma cigncia interpretativa, i ms terpretativa, a procura do signifi: Também penso assim, e este trabalho s6 me - el dentro de uma nogdo de cultura que a compreenda como um sistema de significagaéo. Também sé me parece possivel sentry seam Pr que seja a de interpretagdes que pos- sam capt certs siniiendos dos enmenos prodridos em Os antincios aqui analisados terao como resultado, caso a -ja bem-sucedida, uma interpretagao do sistema pu- Talvez, diferentemente de outras interpretacdes, esta se coloque de um Angulo especifico assumindo os destinos ea vocagao de uma Antropoloy interpretativa. Esta vocagio nao se faz no sentido de uma busca de respostas para questdes humanas muito profundas. Mais simplesmente, sem muita pompae ci ircunstancia, a Antropologi \terpretativa procura colocar disposigao das sociedades as respostas existenciais que deram os diversos outros deste mundo. Numa palavre Teystraro que o Home flo. d ssa vocacio des terpretativa tem ai st scllid ca asian aller Gunenda ape [junto de suas produgées, de alguns pul sensivel nas is, modernas, capitalistas. A publicidade, na ide dos seus antincios, traz em si a fora de um projet pode catal comuns de diferentes individuos, Mais além, pode induzi-los a assumir, como seus, certos inte- resses que, muitas vezes, servem mais a outros grupos na so- ciedade, Assim, apreender e “inscrever” 0 fluxo do discursd: consumidores captando e interpretando suas “fal: : a pro: posta da anilise que agora serd realizada. Nesse sentido, st blinho aqui o cardter de exerefeio do que viré a seguir. S resultados so relativos sim e, ndo obstante, na microscopi MAGIA E CAPITALISMO 0 dessa discussio podemos seguir ¢ alinhavar alguns fios que, com certeza, mostram os contornos de tecidos consideravel- ‘mente mais amplos. ‘Nao estou preocupado em partir de pensamentos impo- nentes e Sbvios que podem ora “‘condenar” — caso vindos de um lado — ora “absorver” — se vindos de outro — a publi- cidade. O que quero é captar o sentido desta trama que os angncios nos propdem. O esforgo deste exercicio & ouvir 0 “outro” que parece tao rotineiro nessa enormidade de men- sagens publicitérias. No “estranhamento” a que serao sub- metidos os antincios a “familiaridade” com que eles atra- vessam nossas vidas estara em suspenso. Nesse jogo, algum sentido nfo ordindrio, no comum, algo fora do ja sabido tera espago para se dar a conhecer. Desse exercicio nfo adviré nem a tinica nem a verdadeira ou sequer a melhor significacao da Pl dade. Mas certamente alguns pensamentos sobre ela, talvez mesmo reflexos de uma face reprimida, podem aparecer trazidos do pacto da palavra dos informantes com a teoria antropologica. E isso o que veremos agora. ‘© angincio que nos serve como amincio de referéneia faz parte de uma campanha desenvolvida pela agéncia “Proeme” para a Vodka Smirnoff. Nele, a fotografia de uma mulher que ftravessa, em passos largos, uma rua de grande cidade. Sua silhueta se recorta contra 0 pano de fundo de um dia claro, ensolarado e sem nuvens no céu. A foto é completada por um texto, no canto direito da pagina, com os seguintes dizeres: Ele telefonou. Diz, que vem. Ou nao. Eu nfo entendo, mas ‘Essa coisa de vem-ndo-vem me deixa louca. Sai. Com- imnoff. Acho queele vem. 8 Prat Um pouco mais abaixo, numa frase em letras brancas ‘com fando preto 1é-se: “Voo8 € 0 que voce vive”. quadro se completa com uma pequena foto de um copo com vodea € gelo e esta legenda: “Smirnoff. Gelo, gelo, gelo. Smirnoff com imaginagdo”. As principais distribuigbes de cores encontram- se na roupa e demais pertences da mulher, cuja combinagio, fortemente dominante, 6 do branco e do vermelho vivo. Na olsa todos os objetos, com excecdo de uma caneta ¢ da revista Elle em amarelo, reproduzem a combinagio vermelho e bran- co da roupa. O céu é acentuadamente azul, indicando sol, 2 EVERARDO P, GUIMARAES ROCHA MAGIA E CAPITALISMO 03 claridade e auséncia de nuvens. Tudo 0 mais que compde a fotografia — carros, edificios, rua, placas, postes — guarda as tonalidades que se poderia, naturalmente, esperar de uma foto de rua de cidade grande num dia de sol. Este antincio é 0 primeiro reproduzido no livro e ainda outros dois sao parte da mesma campanha feita para a vodca Smirnoff pela agéncia Proeme (ver adiante). S de pelo menos outros dois antincios que pertencem també: mesma cam- panha e que nao estavam nas revistas estudadas. Um deles mostra um homem e uma mulher olhando quadros num mu- seu e, no outro, a “cena” se passa numa lancha. O amincio de referéncia acima descrito foi comentado para mim por dois publ - ducko de filmes publicitarios e, outro, da equipe de atendi- mento de uma grande agéncia. Publicitério 1: — Essa campanha realmente é fantastica. Sabe por que eu gosto deste aqui? Eu gosto deste e gosto desta campanha inteira porque é ton-sur-ton. Eu gosto das coisas ton-sur-ton. Ole, tem vermelho em tudo que é canto, até na ‘marca tem. E de bom gosto, é de um tremendo bom gosto. Agora isto aqui é pra gente evidentemente, est vendendo vodea pra um pessoal alto nivel mesmo. Isso aqui é pra classe AA mesmo. Essa mulher é elegante paca, essa bolsa, esses beulos, os objetos, ele é de bom gosto e é fino pra cacete. Classe AA. E pra gente que tem dois tudo, manja: dois carros, dois ar-condicionado, duas geladeiras, 0 diabo. Esse amincio fala com essa jovem senhora aqui na fotografia, de trinta e cinco, e um cara também nessa faixa. O aniincio toca mais diretamente para a mulher, é escrito do ponto de vista da uma espera da mulher em relacdo a um encontro marcado. Pode ser também uma mulher mais jovem, de vinte e poucos. Até podia, também, ser de vinte anos, podia ‘io é para alguém que sabe o que Tem que ter um nivel, uma informagao pra sacar. Nao é qual- quer mulher que vai perceber a sutileza. Ele 6 todo sutil. Esse aniincio é pra procurar um pit ter uma idéia, 0 outro antincio da campanha é no Museu de Arte de Sao Paulo, um cara com uma mulher incrivel, e outra atrés de uma enorme tela, vocé s6 vé umas perninhas. 4 EVERARDO P. GUIMARAES ROCHA Publicitério 2 — Acho que esse antincio tem um negécio que identifica bastante at. E que tem duas coisas marcantes que eles juntaram nessa foto que a mim lembra demais. Uma, aquele disco dos Beatles, os quatro atravessando a rua, ea outra é a Marilyn Monroe naquele negécio da saia. As duas coisas ew acho que estado presentes at. Publicitério 1: — E os objetos que estdo aqui-dentro (da bolsa) me parece um éculos fino, tem um niimero do ELLE ali dentro, que é uma revista sofisticada. A preocuy a meu ver, basicamente, nesse antinci terrivel. O cara quis colocar isto aqui ‘muito sofisticado. itdrio 2: — E um aniincio que tem muito detalhe que vocé vai sacando, tem muita quantidade de coisas pra vocé reparar. Nesse enorme didlogo um fato chama, de saida, a aten- sdio. Nele esto & tido como u lorizado pelos uma categoria “nativa" muito importante e serve para su- blinhar aquelas produgdes que do ponto de vista do grupo sto ee jas. Assim, enquanto uma categoria “nal idéia de de um antincio, alguns termos elogiosos so acionados no discurso dos publicitdrios buscando cercar o antincio dis- cutido de uma série de idéias capazes de marcar a presenca desta categoria central de " amin revelando “bom gosto" Monroe”, contendo muitos “‘detalhes para ir sacando” sas pra reparar” torna-se, também, um destaque como pese a subjetividade ‘que seria base deste exercicio &, 5 duivida, bem-sucedido do ponto de vista publicitario. Nao s6 esse antincio € bem-sucedido do ponto de como também o sentido mesmo de an: MAGIA E CAPITALISMO 95 cios a partir de uma categoria de produtos como “bebi aleoélicas” encontra respaldo na propria nogao de “cri dade”. Esta nogo esté, para o grupo, relacionada com a pos- jlidade de se estabelecer um “jogo” com representagbes de ria a margem de “‘criatividade” quanto maior fosse a possibilidade de remeter um aniincio para outro, quan- to mais rico pudesse ser 0 didlogo de representagoes entre as identidades dos produtos, na medida em que estas no sio outras que nao as dos préprios grupos sociais ali refletidos. Segundo os publicitari ilustrativo para se co- nhecer a forga da “criaco” publicitéria an: produtos que fosse bastante segmentada para o publicitério trabalhar com produtos que tenham concorréncia, pois torna-se mais interessante a tarefa de “posi- cionar” os produtos uns perante os outros. Sobre essas no¢des, de “criatividade”,"posicionamento”, “concorréncia” mantive logo com uma ‘‘dupla de criagao”* de uma das sua fica-se a relagio entre a noco de “criatividade” publicitaria e ia de “concorréncia” numa categoria de produtos, a par- tir do didlogo a seguir. Publicitario 1: — Eu diria até que é mais atraente vocé trabalhar, ter que fazer um trabalho publicitério com um pro- duto que tenha concorrentes. Publicitério 2: — Porque at vocé jé posiciona melhor. Publicitério 1: — Um posicionamento inclusive em ter- mos de ponto fraco. Para que lado eu vou partir? Deixa eu ver que é que outro faz. Ter concorrente é um dado a mais. Em- bora a concorréncia também possa te castrar um pouco. Por- que se a concorréncia vai para esse lado, vocé nao deve ir para Ii. Se voeé quiser partir para qualquer linha, tudo bem, mas de qualquer forma vocé tem um referencial. ‘Uma “

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