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10 Anthony Giddens ‘Tenho uma divida particular para com Alena Ledeneva, que nio s6 contribuiu amplamente para o livro como um todo mas me estimulou a prosseguir sempre que me sentisse desen- corajado — o que aconteceu muitas vezes. 1 Socialismo depois Em fevereiro de 1998, em seguida a um seminario sobre poli- tica com os Ifderes americanos em Washington, Tony Blair falou de sua ambigio de criar um consenso internacional de centro- ‘esquerda para século XI. A nova abordagem iria desenvol- ver uma estrutura politica para reagir & mudanga na ordem global. “A velha esquerda resistin a essa mudanga. A nova di- reita ndo a quis administrar. Temos de administrar essa mu- danga para produzir solidariedade ¢ prospsridade sociais.”* ‘Trata-se de uma tarefa tremenda, pois, como estas afirmagées indicam, as ideologias politicas preexistentes perderam sua ressonancia. Cento ¢ cingiienta anos atrés, Marx escreven que “um espectro ronda a Europa” — o espectro do socialismo ou comunismo. Isso permanece verdade, mas por razées di- ferentes das que Marx tinha em mente. O socialismo ¢ comunismo sucumbiram, € no entanto continuam nos as- sombrando. Nao podemos simplesmente p6r de lado os valores ¢ os ideais que os moveram, pois alguns permane- cem intrinsecos a boa vida cuja criagéo é a meta do desen- yolvimento social ¢ econdmico. O desafic é fazer esses va- Tony Blam, entrevista, Guendian, 7 de feveriro de 1998. 2 Anthony Giddens lores contarem onde o programa econdmico do socialismo caiu em deserédito. Hoje as idéias politicas parecem ter perdido sa capaci- dade de inspirar ¢ os Iideres politicos sua capacidade de lide rar. O debate pablico é dominado por temores acerca dos pa- drdes morais declinantes, das crescentes divisies entre ricos ¢ pobres, das presses que pesam sobre o estado de bem-es- tar social, o welfare state. Os tinicos grapos que parecem re~ solutamente otimistas so os que péem sua fé na tecnologia para resolver nossos problemas. Mas a mudanga tecnolégica tem conseqdéncias ambiguas e, de qualquer maneira, a tecno- logia nao pode fornecer uma base para um programa politico eficaz. Para que o pensamento politico recupere suas qualida- des inspiradoras, ele nao deve ser simplesmente reativo nem ficar confinado ao cotidiano e ao provinciano. A vida politica no é nada sem ideais, mas 0s ideais so vazios quando néo se relacionam com possibilidades reais. Precisamos saber tanto que tipo de sociedade gostarfamos de criar quanto quais sio ‘05 meios concretos para nos aproximarmos dela, Este livro pro- cura mostrar como esses fins podem ser alcangados ¢ o idea- lismo politico revivido. Meu principal ponto de referencia é a Gra-Bretanha, em- bora moitas de minhas argumentagéestenham um ambito mais vasto, No Reino Unido, como em muitos outros paises no momento, a teoria esta em atraso em relagio & pratica. Des- pojados das velhas certezas, governos que proclamam repre- sentar a esquerda esto criando politica sem pensar no que estio fazendo, £ preciso por came tebrica no esqueleto de sua pritica politica — nao apenas para endossar 0 que estio fa- - zendo, mas para fornecer aos politicos maior senso de dire- ‘40 e prop6sito. Pois a esquerda, € claro, sempre esteve lignda ao socialismo e, pelo menos como um sistema de administra- 40 econdmica, 0 socialismo nio existe mais, A terceiva via B A morte do socialismo [As origens do socialismo estiveram atadas ac desenvolvimen- to da sociedade industrial, em algum ponto entre meados e fins do sécuilo XVIII, © mesmo se aplica a seu principal oponente, © conservadorismo, que foi moldado em reagio & Revolucio Francesa. O socialismo comegou como um corpo de pensamen- to que se opunha ao individualismo; sua preacupagio em de~ senvolver uma critica do capitalismo veio mais tarde. Antes de assumir um significado mito especifico com a ascensio da Unido Soviética, 0 comunismo se sobrepunha extensamente 20 socialismo, um e outro empenhados em defender o prima- do do social ou do comunal. O socialismo foi antes de mais nada um impulso filos6fico ce ético, mas bem antes de Marx cle comegou a adotar as rou- pagens de uma doutrina econémica. Foi Marx, contudo, que forneceu 20 socialismo uma teoria econémica elaborada. Foi também ele que situou o socialismo no contexto de uma ex- posicio abrangente da hist6ria. A posigdo bésica de Marx veio a ser partilhada por todos os socialistas, por intensas que fos- sem suas outras divergéncias. © socialismo procura enfrentar as limitacdes do capitalismo para hamanizé-lo ou derrubé-lo por completo, sA teoria econémica do socialismo apéia-se na idéia de que, deixado por sua propria conta, o capitalismo é economicamente ineficiente, socialmente divisécio e incapaz de se auto-reproduair a longo prazo. ‘A idéia de que 0 capitalismo pode ser hamanizado m ante uma administragao econdmica socialista confere ao so- cialismo toda a vantagem que cle possui, mesmo que tenham havido diferentes explicages de como tal meta poderia ser aleangada. Para Marx, socialismo se mantinha ou sucum por stta capacidade de dar origem a uma sociedade que iri sgerar maior riqueza que o capitalismo e distribuir essa rique- 4 Anthony Giddens rade maneira mais equitativa. Se 0 socialismo est morta hoje, 6 precisamente porque essas pretensdes sogobraram. Elas o fizeram de uma maneira singular. Por cerca de um quarto de século apés a Segunda Guerra Mundial, o planejamento soci- alista parecia ter chegado para ficar tanto no Ocidente quan- tono Oriente, Um eminente observador da economia, E. F. M. Durbin, escreveu em 1949: “Agora somos todos Planejadores (...) © colapso da crenca popular no laisser faire avangou com rapidez espetacular (...) pelo mundo todo desde a guecra.”* O socialismo no Ocidente comegou dominado pela social- democtacia — socialismo moderado, legislativo — fundamen- tado na consolidacio do welfare state, Na maioria dos paises, inclusive a Gra-Bretanha, o welfare state foi uma criagao tan- to da direita quanto da esquerda, masno periodo do pés-guetra 0s socialistas passaram a reivindica-lo como seu. Pelo menos durante algum tempo, até os planejamentos muito mais abran- gentes adotados nas sociedades de estilo sovitico pareciam economicamente eficazes, ainda que sempre politicamente despéticos. Sucessives governos americanos na década de 1960 levaram a sério a alegacio de que a Unio Sovittica po- deria superar os EUA coonomicamente no prazo de trinta anos. ‘Ao avaliarmos o passado, podemos entender com muita clareza por que a Unido Soviética, longe de superar os EUA, caiu a niveis drasticamente inferiores a0s americanos, € por que a social-democracia defrontou suas préprias crises, A teoria econémica do socialismo sempre foi inadequada, subes- timando a capacidade do capitalismo de inovar, adaptar € ge- rar uma produtividade crescente. © socialismo foi também in- capaz de compreender o significado dos mercados como fontes de informagio, que fornecem dados essenciais a comprado- res e vendedores, Essas inadequag6es 6 se revelaram plena- 3 EM, Duitin: Problems of Econannic Plowing. Londres: Routledge, 1949, p. . A tereeira via 15 mente com a intensificagio dos processos de globalizacio € de mudanga tecnolégica a partir do inicio da década de 1970. ‘Ao longo do periodo iniciada em meados da década de 1970, muito antes da queda da Unido Sovistica, a social-de~ mocracia foi crescentemente desafiada por filosofias de livre mercado, em particular pela ascensio do thatcherismo ou do reaganismo — mais genericamente designado como neoli beralismo. No periodo anterior, a idéia de mercados libes lizantes parecia pertencer 20 passado, a uma era que fora su- perada. Antes vistas como excéntricas, as idéias de Friedrich von Hayek, o mais destacado defensor dos livres mercados, € de outros criticos do socialismo partidérios ¢o livre mercado tornaram-se de repente uma forga a ser seriamente conside- rada. O neoliberalismo causou menos impaczo sobre a maio- ria dos paises da Europa continental do que sobre a Gra- Bretanha, os EUA, a Austrilia e a América Latina. Mesmo assim, no continente europeu, como em toda parte, filasofias de livre mercado tornaram-se influentes. ‘As categorias de “social-democracia" ¢ “neoliberalismo” ‘so amplas € abrangeram grupos, movimentos e partidos de diferentes convieges, ainda que um tenha influenciado 0 ou- tro, por exemplo, os governos de Ronald Reagan e Margaret ‘Thatcher adotaram politicas diferentes em alguns contextos. ‘Assim que chegon ao poder, Thatcher nao tinha uma idealo- gia madura, que foi desenvolvida A medida que ela avangou. Politicas thatcheristas adotadas por partidos de “esquerda”, como na Nova Zelandia, puseram importantes crengas politi- cas mim novo molde, Além disso, o neoliberalismo tem duas vertentes. A principal é conservadora — a origem da expres- so “a nova direita”. O neoliberalismo tornou-se a perspecti- vva de muitos partidos conservadores pelo mando inteiro. No entanto, hé um importante tipo de pensamento associado com filosofias de livre mercado que, em contrasce com 0 conser- 16 Anthony Giddens vador, é libertério tanto em questées econémicas quanto em questées morais. Diferentemente dos conservadores thatche- ristas, por exemplo, os libertérios defendem a liberdade se- xual ou a descriminagas sao de drogas. a € um termo ainda mais amplo e mais para designar partidos e outros grupos da esquerda reformista, inclusive o Partido Trabalhista brita- nico, No inicio do periodo pés-guerra, social-democratas de muitos paises diferentes partilharam uma perspectiva basica- mente similar. £ aisso que vou me referir como social-demo- ctacia do velho estilo ou classica, Desde 2 década de 1980, em resposta & ascensio do neoliberalismo ¢ aos problemas do- socialismo, os social-demacratas em toda parte comegaram a romper com esse ponto de vista anterior. Na prética, os regimes socialdemocréticos variaram subs- tancialmente, assim como variaram os sistemas de welfare que cles alimentaram. Os welfare states europeus podem ser divi didos em quatro grupos institucionais, todos os quais tém ori- gens histéricas, objetives e estruturas comuins: © O sistema do Reino Unido, que enfatiza os servigos sociais © a satide, mas tende também a ter beneficios dependentes da renda. © Os welfare states escandinavos ou n6rdicos, que tém uma base de impostos muito clevada, so de orientagio univer- salista, fornecem beneficios generosos e servigos estatais adequadamente mantidos, incluindo a assisténcia a satide. © Os sistemas da Europa Central, que tém um compromisso relativamente ténue com servigos sociais, mas beneficios bem providos em outros aspectos, financiados sobretado pelo emprego e baseados em contribuigées paraa previdén- cia social. © Os sistemas da Europa Meridional, semelhantes na forma A terceira via 7 aos da Europa Central, mas menos abrangentes, que pagam niveis mais baixos de pensdes e aposentadorias.? Levando em consideragio a todas estas variagées, a social- democracia eléssica e © neoliberalismo representam duas ten- déncias de filosofias politicas absolutamente diferentes. Re- sumo as diferengas nos dois quadros a seguir. Social-democracia cléssica (a velha esquerda) Envolvimento difuso do Estado na vida social € econdmica Domiinio da sociedade civil pelo Estado Coletivismo Administragée keynesiana da demanda, somada ao corporativismo Papéis restritos para os mercados: a economia mista ou social Pleno emprego Forte igualitarismo Welfare state abrangente, protegende os cidadaos “do bergo ao ttimulo” Modernizacio linear Baixa consciéncia ecoldgica Internacionalismo Pertence ao murido bipolar Frira Wi Scharph “Flexible integration”, ean Lan Chrisie: Earo¥isions. Londres Demos, 1998. 18 Anthony Giddens ‘Thatcherismo, ou neoliberalismo (a nova direita) Governo minimo Sociedade civil autonoma Fundamentalismo de mercado Autoritarismo moral, somado a forte vidualismo econémico Mercado de trabalho se depura como qualquer outro Aceitagéo da desigualdade Nacionalismo tradicional Welfare state como uma rede de seguranga Modernizacio linear Baixa consciéncia ecoldgica Teoria realista da ordem internacional Pertence ao mundo bipolar ‘Comparagées genéricas deste tipo correm um dbvio risco de caricaturar. No entanto os contrastes assinalados aqui si0 reais e importantes e os residuos da social-democracia classi- ca ainda sio fortes por toda parte. Social-democracia do velho estilo ‘A social-democracia do velho estilo via o capitalismo de livre mercado come o gerador de muitas dos efeitos problemiiticos que Marx diagnosticara, mas acreditava que era possivel ‘emndecé-los ou superé-los pela intervengao do Estado no A terceira via 19 mercado. © Estado tem a abrigagio de fornecer bens puibli- cos que 0s mercados nao podem suprir, ou s6 0 podem fazer de maneira fragmentada. Uma forte preserga do governo na economia, e também em outros setores da sociedade, € nor- mal e desejavel, uma vez que, numa sociedade democratica, 0 poder piblico representa a vontade coletiva. A tomada de decisio coletiva, envolvendo governo, empresariado ¢ sindi- catos, substitui em parte os mecanismos de mercado. Para a social-democracia cléssica, 0 envolvimento do gover- no na vida da familia é necessirio e digno de aplatsos. Benefi- ios estatais sio essenciais para 0 auxilio a familias em necessi- dade, e o Estado deveria intervir onde quer que individues, por ‘uma razéo ou outra, sejam incapazes de se defender por si mesmos. Com algumas excegées Obvias, os social-democratas do velho estilo eram propensos a desconfiar de associagSes voluntiias, Tais grupos freqtlentemente fazem mais mal do que bem porque, comparados com os servigos sociais fornecidos pelo Estado, tendem a ser nao profissionais, e a ser erréticas condescendentes para com aqueles com quem lidam. ‘John Maynard Keynes, a inspiragao econémica do con- senso do welfare no pés-guerra, nao era um socialistas parti Ihava, contudo, de algumas idéias que Marx ¢ 0 socialismo enfatizavam. Como Marx, Keynes encarava capitalismo como dotado de qualidades irracionais, mas acreditava que seria possivel controlé-las para salvar o cagitalismo de si mes- mo. Marx e Keynes tendiam ambos a nio ter davidas quan- to A produtividade do capital. © fato de « teoria keynesiana prestar relativamente pouca atengio ao aspecto da oferta na economia combinava bem com as preocupagées social-demo- criticas. Keynes mostrou como o capitalismo de mercado poderia ser estabilizado por meio da administraco da deman- dae da criagao de uma economia mista. Embora ele nio a aprovasse, uma caracteristica da economia mista na Gra- 20 Anthony Giddens Bretanha foi a estatizagio. Alguns setores econémicos deve- riam ser retirados do mercado, nao s6 por causa das defici- éncias dos mercados, mas porque indistrias fundamentais para o interesse nacional nao deveriam ficar em mos pri- igualdade foi uma preocupacio dominante de todos os social-democratas, incluindo © Partido Trabalhista britanico. Uma maior igualdade deve ser alcangada mediante varias estratégias de nivelamento. A tributagao progressiva, por exemplo, através do welfare state, tira dos ricos para dar aos pobres. O welfare state tem dois objetivos: criar uma socieda- de mais igual, mas também proteger os individuos ao longo do ciclo da vida. As primeiras medidas de swelfare, datadas do século XIX, foram introduzidas por liberais ou conservado- tres, e muitas vezes foram combatidas pela classe trabalhado- ra organizada. O welfare do pés-guerra, no entanto, tem em _geral uma forte base entre a classe operdria, que até vinte anos atrés foi a principal fonte de apoio eleitoral para os partidos social-democratas. |Até os reveses do final da década de 1970, a social-demo- cracia seguiu em toda parte um modelo linear de moderniza- do — a “via do socialismo”, O que foi talvez o intérprete mais, eminente da ascensio do welfare state na Gra-Bretanha, 0 socidlogo T. H. Marshall, forneceu uma convincente exposi- io de tal modelo. O welfare state € 0 ponto alto de um pro- longado processo-de evolugao dos direitos de cidadania, Como muitos outros no infcio do pés-guerra, Marshall previa que sistemas de welfare iriam se expandir progressivamente, com- binando o desenvolvimento econémico com aimplementagio cada vez mais plena dos direitos sociais. Em geral, a social-democracia do velho estilonao tinha uma. atitude hostil para com questées ecolégicas, mas achava diff- cil solucioné-las. Sua énfase corporativista, sua orientagéo para A terceira via a co pleno emprego e aimportincia esmagadora que conferia a0 welfare state tornava-a mal adaptada para enfrentar questées ecoldgicas de uma mancira sistemtica. Também na pratica ela nao tinha uma forte perspectiva global. A social-democracia era internacionalista em sua orientaco, mais inclinada a criar solidariedade entre partidos politicos de idéias assemelhadas que a enfrentar problemas globais como esses, Apesar disso, estava inextricavelmente ligada ao mundo bipolar — situado centre 0 minimalismo do welfare dos EUA.e as economias de comando do communismo. A perspectiva neoliberal Ahostilidade ao “governo grande”, uma caracterfstica primeira ¢ primordial das idéias neoliberais, vem de varias fontes. O fundador do conservadorismo na Gri-Bretanha, Edmund Burke, expressou seu desgosto pelo Estado, que, quando ex- cessivamente dilatado, torna-se o inimigo daliberdade e da in- dependéncia. O conservadorismo americano vem sendo hos- til ao governo centralizado ha muito tempe. O thatcherismo se valeu dessas idéias, mas também de um ceticismo liberal cléssico com relagéo ao papel do Estado, com base em argu- mentos econdmicos sobre a naturcza superior dos mercados. ‘A tese do Estado minimo esta estreitamente ligada a uma vi- so peculiar da sociedade civil como um mecanismo auto- gerador de solidariedade social. Os pequenos pelotdes da so- ciedade civil deveriam ter permissio para florescer, ¢ 0 far30 se nfo forem impedidos pela intervengao estatal. Diz-se que as virtudes da sociedade civil, se esta fosse deixada por sua prépria conta, incluitiam: “Bom caréter, honestidade, dever, dedicacio, honra, servigo, autodisciplina, tolerdncia, respei- to, justica, auto-aperfeigoamento, confianga, civilidade, firme- 2 Anthony Giddens za, coragem, integridade, diligéncia, patriotismo, considera- cao pelos outros, frugalidade e reveréncia.” Para o ouvido maderno, diz. 0 autor, essas coisas “tem uma ressonincia de encanto antigo” — mas isso porque o poder estatal as repri- miu ao sabotar a sociedade civil. Do Estado, em particular 0 welfare state, diz-se ser destru- tivo para a ordem civil, mas os mercados nao o so, porque prospetam a partir da iniciativa individual. Como aordem civil, se deixados por si mesmos os mercados vo fornecer o maior bem para a sociedade. © mercados so “méquinas de moto perpétuo, exigindo apenas uma estrutura legal e a no inter- feréncia do govern para proporcionar crescimento inin- terrupto”.® Os neoliberais assaciam forcas de mercado irrestritas a uma defesa de instituigées tradicionais, em particular a familia € a nagio. A iniciativa individual deve ser desenvolvida na econo- ria, mas caberia promover obrigagbes ¢ deveres nessas outras cesferas. A familia tradicional é uma necessidade funcional para a ordem social, como na nagio tradicional. Outros tipos de fa- milia, como lares com uma tinica figura parental, ou relagées homossexuzis, 56 contribuem para a deterioragio social. O mesmo se aplica em grande parte a mido que debilite a integri- dade nacional. Insinuages xenofdbicas costumam ser clarasnas dedaragdes de escritores € politicos neoliberais — eles reser- vam parte de suas mais severas restrig6es ao multiculturalismo, © thatcherismo.€ caracteristicamente indiferente a desi- gualdades, om as endossa ativamente. A idéia de que a “desi- gualdade social é inerentemente errada ou nociva” € “ingéntia cimplausivel”£ Acima de tudo, ele € contrério a0 igualitarismo. "Due Crees Ramen Cl Soiy, Lone: Institute of Economic Affxies, 1993, pov. Soba Gray: Wise Lonives: Rouge, 1997, p. 103 *David Maraland: Welfare or Welfare State?. Basingstoke: 1.1996, p. 212, A terceira via B Politicas igualitérias, mais obviamente aquelas adotadas na Riissia soviética, criam uma sociedade de uniformidade enfa- donha, e s6 podem ser implementadas mediante o uso do po- der despotico. Os que estdo mais proximos ds liberalisme, no entanto, véem a igualdade de oportunidade como desejavel necessaria. Foi nesse sentido que John Major, fazendo um improvavel eco a Marx, falou de sua intengio de criar uma sociedade sem classes. Uma sociedade em que 0 mercado pode atuar livremente é capaz de gerar grandes desigualdades eco- némicas, mas estas no importam, desde que pessoas com determinagao € talento possam ascender a posigdes adequa- das as suas capacidades, © antagonismo ao welfare state é um dostragos neoliberais ais caracteristicos. O welfare state € visto como a fonte de todos os males, de maneira muito parecida aquela como © capitalismo era visto outrora pela esquerda revolucionéria. “Devemos voltar os olhos para o welfare state com a mesma atitude de zombaria e desdém com que hoje vemos a escravi- dao como meio de organizar o trabalho eficaz. motivado”, disse um autor. O welfare state “causa um dano enormemente destrutivo a seus supostos beneficidrios: os vulnerdveis, os inferiores e os desafortunados (...) aleija o espirito empreen- dedor ¢ autoconfiante dos individuos, ¢ introduz uma profun- da carga de ressentimento explosivo sob os alicerces de nossa sociedade livre™.” (© que prové 0 bem-estar social se 0 welfare state deve ser desmantelado? A resposta € um crescimento econdmico conduzido pelo mercado. Welfare deveria ser entendido nio ‘como beneffcios estatais, mas como maximizagao do progres- so econémico, ¢ portanto riqueza geral, permitindo-se aos mercados operar seus milagres. Essa orientagio ¢ geralmen- FNlarsland: Welfare or Welfare Stote?,p. 197. um Anthony Giddens te acompanhada por um desprezo pelos problemas ecolégi cos como histérias de terror. Thatcher fea um aceno na do “capitalismo verde”, mas a atitude habitual foi de hostilidade. Os riscos ecolégicas, foi dito, so exagerados ou inexistentes — uma invencao dos profetas da catistrofe. Os indicios apontam, ao contrario, para uma era de prosperida- de maior e mais universal do que jamais se conhecen antes. Essa € uma visio linear da modernizagio, que declara ser improcedente praticamente quaisquer limites ao desenvolvi- mento econémico. Diferentemente da social-clemocracia chissica, o neolibe- ralismo € uma teoria globalizante, e contribuin muito direta- mente para forgas globalizantes. Os neoliberais aplicam em nivel mundial a filosofia que os orienta em seus envol ais locais. O mundo caminhara da melhor das maneiras se ‘os mercados puderem operar com pouca ou nenhuma interfe- réncia. Como defensores da nagio tradicional, contudo, os neoliberais adotam uma teoria realista das relages internacio- nais — a sociedade global ainda é uma sociedade de Estados- nagSes, e num mundo de Estados-nagoes o que conta € 0 po- der. A prontidio para a guerra ¢ a sustentago do poderio militar so elementos necessérios no papel que cabe aos Esta- dos no sistema internacional. Como a social-demacracia do velho estilo, o neoliberalismo se desenvolveu na ordem bipolar e carrega a marca das suas condigdes de origem. As doutrinas comparadas Pode-se considerar que o neoliberalismo triunfou por todo 0 mundo. final, a social-democracia esté em um turbilhao ideo- Jgico e, se cinglienta anos atrés todo mundo era um plane- jador, agora ninguém mais dé essa impressio, £ uma reversio A terceira via 2s considerdvel, jd que durante pelo menos tum século os socia~ listas pensaram estar na vanguarda da histéria, ‘Apesar disso, longe de permanecer incanteste, 0 neoli- beralismo esta em apuros e € importante ver 9or qué. A prin- Gipal razao é que suas duas metades — fundamentalismo de mercado e conservadorismo — estio em teasao. O conser- vadorismo sempre significou uma abordagem cautelosa, prag- mitica, & mudanga social e econémica — urva atitude adota- da por Burke em face das pretensbes messianicas da Revolugio Francesa. A continuidade da tradigao ¢ essencial para a idéia de conservadorismo. A tradico contém a scbedoria acumnu- ada do passado e portanto fornece um guia para o futuro. A filosofia do livre mercado adota uma atitude completamente diversa, fincando suas esperancas para o futuro no crescimento ‘econémico interminivel produzido pela liberagio das forgas de mercado. ‘A devogio ao livre mercado por um lado, ¢ & farniia tradi- cional por outro, € uma contradigao. Espera-se que o indivi- dualismo ¢ o direito & escolha se detenham abruptamente na soleira da familia e da identidade nacional, onde a tradigao deve permanecer intacta. Mas nada destréi mais a tradicfo que a revolugao permanente” das forgas de mercado. O dinamis- mo das sociedades de mercado solapa as estruturas tradicio- nais de autoridade e fratura as comunidades locais; 0 neclibe- ralismo cria novos riscos e incertezas e pede aos cidadios que simplesmente os ignorem. Ademais, ele negligencia a base social dos préprios mercadas, que depende daquelas formas comunais que o fundamentalismo de mercado descarta com indiferenga. Que dizer da social-democracia do velho estilo? Podemos distinguir uma variedade de tragos sociais que o consenso do welfare keynesiano tomou como ébyios — todos os quais se desintegraram subseqilentemente: 26 Anthony Giddens © Um sistema social e especialmente ma forma de familia — fem que 0 marido provia o sustento e a mulher era a dona- de-casa e mae —, que permitiam uma definigao clara do pleno emprego. Um mercado de trabalho homogéneo em que os homens ameagados de desemprego eram na maioria trabalhadores manuais dispostos a fazer qualquer servico por um sali- rio que assegurasse sua sobrevivéncia e a de suas fami- Tias. ‘A dominancia da produgio de massa em setores basicas da economia, que tendia a criar condigGes de trabalho estaveis, ainda que nfo compensadoras, para muitos na forga de tra- balho. ‘Um Estado elitista, com pequenos grupos de especialistas ‘com espirito piblico na burocracia estatal monitorando as politicas fiscal e monetéria a serem seguidas. Economias nacionais substancialmente contidas dentro de limites soberanos, uma vez que o keynesianismo presumia a predominincia da economia doméstica sobre 0 comércio internacional de bens e servigos.* igualitarismo da velha esquerda era nobre em intengéo, mas, como dizem seus criticos de direita, conduziu por vezes & consegtiéncias perversas — visiveis, por exemplo, na engenha- ria socal que deixou um legado de conjuntos habitacionais de- cadentes, dominados pelo crime. © welfare state, visto pela maioria como o cerne das politicas social-democraticas, gera ‘hoje mais problemas do que resolve. ‘Egon Matmer« Wolfgang Streeck: Beyond Keynestonism. AMlersbot: Elgat, 1991, pp 4. A terceira via a Os debates recentes Os partidos social-democratas na Europa e em outras regides tem sido forremente consticntes dessas questées ¢, desde pelo menos 0 inicio da década de 1980, respondem ativamente a elas. A necessidade de agir com plena liberdade em relagao ao passado recebeu uma carga dinimica adicional do colapso do comunismo no leste europeu em 1989. A maioria dos parti- dos comunistas ocidentais mudou seus nomes ¢ se aproximou da social-democracia, ao passo que nos pafses da Europa Ori- ental novos partidos social-democratas foram formados. Na Gra-Bretanha, a primeira tentativa sistematica de afas- tamento dos prinefpios social democraticos cléssicos esteve con- tida na Anilise Politica do Partido Trabalhista, estabelecida pela ‘Conferéncia Anual em Outubro de 1987. Sete grupos de anali- se foram compostos, cada um cobrindo uma drea diferente da ‘politica. Esperava-se que a andlise envolvesse também o pabli- co, mas as reunides pablicas tiveram uma freqlléncia apenas esparsa e no final no tiveram muita importincia. Confronta- dos pelo apelo popular do thatcherismo, houve uma concordan- cia geral entre os grupos de politica de que o Partido Trabalhis- ta devia dar maior énfase & liberdade individual e ao direito de escolha pessoal. Promessas anteriores de ampliar a participa- a0 piiblica na indfistria foram descartadas, a administracao keynesiana da demanda foi explicitamente abandonada e a de~ pendéncia em relagio aos sindicatos foi reducida. Temas: eco- I6gicos foram introduzidos, mas eram restritos ¢ mio foram efe- tivamente integrados ao resto da estrutura politica. Processos similares de reforma tiveram lugar na maioria dos partidos continentais, em geral comecando um pouco mais cedo e por vezes produzindo mudangas mais completas na ideologia, Os partidos social-democratas comegaram a se preocupar com questées como a produtividade econémica, po- 8 Anthony Giddens Iiticas de participacéo, desenvolvimento comunitirio ¢, parti- cularmente, ecologia. A social-democracia “moveu-se além da arena da distribuiggo de recursos para contemplar a organi- zagio fisica e social da produgao e as condigées culturais de ‘consumo nas sociedades capitalistas avangadas”? ‘Na Noruega, por exemplo, o Partido Trabalhista manteve um “Debate da Liberdade” em 1986-88, seguindo um perfo- do de governo thatcherista. Seis temas foram debatidas em grupos de estudo locais por todo o pais: 0 equilibrio entre privado e piiblico, flexibilidade da jornada de trabalho, opor- tunidade educacional, 0 ambiente, habitagio e democracia econdmica. A defesa de interesses individuais deixou de ser considerada palavrao e 0 partido deveria ser “aberto”, atra- vvésdo qual uma diversidade de grupos pudesse pressionar pelo cumprimento de suas exigéncias. Um delegado colombiano presente em tim encontro da Internacional Socialista em 1989 comenton acerca de tal mudanga politica: “Meu partido € chamado de liberal, mas € basicamente bastante socialista. Com esses europeus ¢ 0 contrario.""? ‘Alguns dos mais importantes partidos comunistas acidentais realizaram mudangas semelhantes na década de 1980. © Partido Comunista Italiano renasceu como Partido Democritico da Es- querda em 1991. Bem antes dessa ocasio, porém, partido ha- via comegado a enfatizar temas como os que esto sendo discu- tidos pelo partidos social-democratas. Em meados da década de 1980 teve infcio na Italia um importante debate sobre até que onto as categorias de esquerda e direita continuavam a ter sen- fido, Preocupagées ecolégicas, participacio comunitiria e refor- ma constitucional passaram para o primciro plano. "Fherben Kitchelts The Tunsformation of European Social Democracy. Cambridge: ‘Cambridge Univesity Press, 1994, p. 33. Knut Heidar: “The Norwegian Iaboar party", em Richard Gillespie e William E. ‘Paterson: Rethiuking Social Deneoctcy in Europe. Londres: Cass, 1993, p. 62. A terceira via 29 Provavelmente os debates mais significativos ocorreram na Alemanha. Como em outros lugares, 0 objetivo era responder a ascensio das filosofias de livre mercado, mas a demanda de mudanga politica foi também fortemente influenciada pela presenga de um vigoroso movimento verde. Cinco anos de intensa discussio levaram a um novo Programa Basico para.o SPD, o Partido Social. Democrata alemio, instituido no ano simbélico de 1989. © programa pés uma pesada énfase nos problemas ecolégicos. Os alemaes formaram o primeiro im- portante partido social-democrata a tomar a si a ruptura no pensamento ecolégico que teve lugar no final da década de 1970. No pensamento socialdemocratico cléssico, admitia-se um sacrificio da protegio 20 ambiente em prol do desenvolvi mento econdmico, De acordo com o novo tema de moderni- zagao ecolégica, a protecio ambiental é vista como uma fonte de crescimento econémico e nio como seu cposto. (© Programa Basico reconheceu também o impacto do “pés- materialismo” nos paises desenvolvidos. Esta é uma idéia de- senvolvida mais extensivamente pelo cientists politico Ronald Inglehart: Depois que certo nivel de prosperidade foi atingi- do, sustenta-se, 08 eleitores se tornam menos preocupados com questdes econémicas do que com a qualidade de suas vidas, © Programa Bésico concluin que a perspectiva da “mai- ria afluente” havia se desviado do etos socialdemocrético do coletivismo ¢ da solidariedade. A realizagao pessoal ¢ a com- peticio econémica tiveram de ganhar maior relevo. Desde sua declaracao de Bad Godesberg em 1959, que foi um marco, 0 SPD estivera comprometido com a “distiplina do mercado”. Isso tinha agora de ser combinado com um afasta- mento ainda maior do intervencionismo estetal. “Para nds, a participagao do Estado no é um dogma (..) a pedra de toque € saber se a qualidade de vida € mais bem servida por tum ati- mento do consumo privado ou pelo aperfeigoamento do de- 30 Anthony Giddens semperiho do Estado.” © Programa Basico falou na necessi- dade “de reconciliar desempenho econdmico com seguridade social” e frisou que “individualidade ¢ solidariedade nao de- veriam ser vistos como opostos”. Concluiu que, “enquanto segées importantes do eleitorado nao confiarem no SPD para as tarefas de modernizagao econémica, mas somente para asseguirar que salvaguardas sociais sejam mantidas, ser mui- to dificil construir uma maioria”."! Estruturas de apoio politico Que essas mudangas de politica eram necessarias €indicado pelas alteragdes nos padrées de apoio politico, a que todos os parti- dos social-democratas tiveram de reagir. As relagdes de classe que costnmavam estar subjacentes & votagéo e a afiliagao polf- tica sofreram mudangas drésticas, em razdo do brusco declinio da classe trabalhadora manual. O ingresso em grande escala de mulheres na forga de trabalho desestabilizou ainda mais os pa- drdes de apoio baseados em classe. Uma minoria considerdvel jf nao vota ¢ esti essencialmente fora do proceso politico. O partido que mais crescen ao longo dos tiltimos anos niio é parte da politica em absoluto: 0 “ndo-partido dos nao-votantes”.!? Finalmente, ha indicios substanciais de que ocorreram mudan- as de valores, em parte como uma questio de mudanga de geracdo, e em parte em resposta a outras influéncias, Sobre este ‘iltimo aspecto, os indicios apontam para duas tendéncias: uma substituigao, como acaba de ser sugerido, de "valores de escasse2” por “valores pés-materialistas”, ¢ uma elas oe eg Paget The Gea cl dena ioe Parewon: Rethinking Social Derscrecy, pp. 27 © 29- Eich Rech nto per Ue ek ay Giese Scot Lathe Reflesve Modermgaion. Cambaidge: Poli Pres, 934. A terceira via 3 distribuiggo de valores em mudanga, que nac se encaixa nem em linhas de classe nem na dicotomia direita/esquerda. Em- bora sujeita a.criticas de numerosos setores, atese de Inglehart da mudanga de valores recebeu consideravel respaldo empi- rico." Reunindo material de pesquisa de varios paises indus- izaclos, Inglehart mostra que valores de realizagao econ6- mica ¢ de crescimento econémico de fato se esvanecem com a prosperidade crescente. A auto-expressio e 0 descjo de tra- balho significativo esto substituindo a maximizagao das re- compensas econdmicas. Essas preocupagies esto relaciona- das com uma atitude cética para com a autoridade — que pode ser despolitizante, mas no fim das contas impalsiona para uma democracia e um envolvimento maiores do que comumente se tem na politica convencional, Levantamentos sociais levados a cabo em paises espectficos confirmam a realidade da mudanga de atitude e a inadequagio da divisio esquerda(direita como um meio de compreendé-la. John Blundell e Brian Gosschalk, por exemplo, véem as atitu- ides sociais e politicas no Reino Unido divididas em quatro aglo- merados, a que chamam conservador, libertirio, socialista e autoritério. A. crenga na liberdade econémica—o livre merca~ do— é medida num eixo e a liberdade pessocl em outro. A posigao “conservadora” € a neoliberal: um conservador defende a liberdade de mercado, mas quer forte controle esta- tal sobre questées como a familia, as drogas e 0 aborto. Os “libertérios” defendem o individualismo ¢ o envolvimento dis- creto do Estado em todas as frentes. Os “socialistas” sio 0. opos~ ‘to do conservadores: querem maior intervensio do Estado na vida econémica, mas sio descrentes nos mercados e véem o ‘governo com cautela no tocante a questées morais. Um “auto TO vrabatho de Taglchart gerow mumerosss citicas e avaliaies. Para um resumo el re le Bean lin Papa oer! pnt oie sma, Lnternational Journal of om 7 Tol. 6, a3, 1997. 32 Anthony Giddens ritério” é alguém que deseja que o.governo tenha mao firme em todas as areas, incluindo tanto a econémica quanto a moral. Os demais adotam uma perspectiva politica mais ambigua. Segundo os dados do levantamento, no Reino Unido cerca de um tergo da populagio é conservadora por essas definigGes, pouco menos de 20% dos habitantes sio libertarios, 1896 so- ialistas, 1396 antoritérios ¢ 15% compéem a populagao re- sidual. © Partido Trabalhista, tal como reconstrufdo por Tony Blair, pouco antes da eleigao de 1997 estava em primeiro lu- gar para todos esses grupos, exceto os conservadores. Dos que pretendiam votar nos conservadores, 84% vinham de dois grupos, conservadores ¢ libertérios. Os resultados mostraram cdiferengas muito claras por idade, em conformidade com a tese de Inglehart: somente 18% do grupo de 15-24 anos eram con- servadores, comparados com 54% no grupo dos que tinham mais de $$ anos. Do grupo de 15-24 anos, 72% concordaram. com a afirmagao, “o Estado nao tem direito algum de proibir qualquer tipo de ato sexual, se cle for praticado entre adultos pela livre vontade de ambos”, ao passo que somente 36% da- queles com mais de 55 anos concordaram."* Comparando estes achados com uma pesquisa feita nos EUA, o especialista em pesquisas de opinido piblica Robert Worcester conclui: A catacterizagio dos partidos trabalhista e-conservador atuais(..) como de Yesquerda” e"‘direita” mascara 0 grau ‘em que os eventos que afetaram ambos os partidos aclon- {g0 das duas Gltimas décadas toldaram a semintica de on- ‘tem na descrigSo de seus papéis atuais... A comparagio ‘entre os nfimeros encontrados nos EUA e no Novo ‘Trabalhismo britanico € impressionante em sua coerén- Wfobm Blundell « Brian Gosschalk: Beyond Left and Right. Londees: Institute of Ezosomic Affi, 1997. A terceira via 33 -cia, de modo um tanto surpreendente, uma vez que as ideologias dos dois paises foram em sua maior parte mui- todiferentes ao longo das tiltimos cingflenta anos." ‘A comparaio de uma variedade mais ampla de socieda- des mostra que os padres de atratividade eapoio alteraram- se de forma generalizada. Em praticamente todos os paises ocidentais, a votagio nao mais se encaixa em linhas de clas- see passou de uma polarizagio esquerda(direita para um qua- dro mais complexo. O eixo econémico que costumava sepa~ rar eleitores em posigGes “socialistas” ¢ “capitalistas” tem muito menor relevo, a0 passo que o contraste entre libertario ¢ antoritério e “moderno” e “tradicionalista” cresceu, Ou- tras influéncias, mais contingentes — como o estilo de lide- ranga —, tornaram-se mais importantes de que costumavam, ser. Varios dilemas de apoio politica, mas também novas pos- sibilidades de formagao de consenso, existen aqui. Os parti- dos social-democratas no tém mais um “bloco de classe” co- eerente em que confiar, Uma vez que nao padem contar com suas identidades prévias, tém de criar novas identidades num. ambiente social e culturalmente mais diverso."* Até na Suécia, um dos paises em que a votacao por classe costumava ser m: promunciada, o valor de predigao da classe caiu de 53% em 1967 para 34% em 1985. O valor de predigaa de opinides sobre problemas elevou-se regularmente a0 longo desse periodo; os eleitores mais jovens ¢ as mulheres na Suécia sio os menos propensos a ser influenciados por posicio de classe. Robe atcoduction”, em Blundell e Gosichalke Beyoul Left em ight, p. 3. ‘Rely tasiomaton of European Socal Denon p29. 34 Anthony Giddens O destino da social-democraeia ‘Essas mudangas nao condenaram os social-democratas a uma posicao polftica marginal. Em meados de 1998 partidos social demacratas ou coalizées de centro-esquerda estio no poder na Gri-Bretanha, Franga, Italia, Austria, Grécia e em varios dos paises escandinavos, ao passo que na Europa Oriental cles esto em crescente proeminéncia. Apesar de seus sucessos elcitorais, os social-democratas ain- da nao criaram uma perspectiva politica nova ¢ integrada. A social-dlemocracia sempre esteve ligada ao socialismo. Qual de- veria ser sua orientagao num mundo em que no ha alternati- ‘yas a0 capitalismo? O mundo bipolar foi 0 contexto em que a social-democracia do pés-guerra foi moldada. Os social-demo- cratas partilhavam a0 menos algumas das perspectivas do co- munismo, embora também se definissem em oposicio a ele. E possivel que manter-se na esquerda continue tendo algum sen- tido, agora que 0 comunismo desmoronou completamente no Ocidente ¢ © socialismo de maneira mais geral foi dissolvide? Os debates politicos que tiveram lugar por toda a Europa no final da década de 1980 e inicio da década de 1990 remo- delaram a social-democracia de maneira muito substancial, mas também produziram muita confusio ideolégica. Um par- ticipante alemio da iniciativa Programa Basico do SPD resu- miu o problema de uma mancira esclarecedora: |Addecisio de enoetar a andlise do programa foi tomada nama situagio em que é extraordinariamente dificil chegar a um \quadro darodos desenvolvimentosnomundoenasocieda- de. Esse € 0 dilema em que-o partido se encontra, Ele sabe que, nestes tempos mutiveis, uma rearientagio parece ne- cessiria, mas a propria mudanga toma dificil efetuar a ceorientagia, A céncia ndo oferece nenhum diagnéstioo da A terceira via 35 Epoca, nenhuma compreensio universal doque est acon- tecendo e de quais serio os desenawolvimentos futuros.” Em relagio a este cendrio, que sentido ter falarmos em uma terceira via? A expresso parece ter-se originado jA na virada do século, c foi popular entre grupos de direita na dé- cada de 1920. No entanto, foi usada sobretudo por social- democratas e socialistas. No inicio da perfode pés-guerra, os social-democratas pensavam de maneira bastante explicita que estavam encontrando um caminho distinto do capitalismo de mercado americano e do comunismo soviético. Por acasiao de sua refandacio, em 1951, a Internacional Socialista falou ex- plicitamente sobre a terceira via nesses moldes. Cerca de 20 ‘anos depois, tal como empregado pelo economista tcheco Ota Sik, a expressdo foi usada para designar o socialismo de mer- cado. Os sacial-democratas suecos parecem ter falado com maior freqiiéncia da terceira via, sendo que a filtima verso, no final da década de 1980, referia-se a uma importante reno- vagao programatica. ‘A apropriagao mais recente de “terceira via” por Bill Clinton Tony Blair encontrou uma acolhida morna por parte da mai- oria dos social-

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