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(© BRASIL COLONIAL - VoL. 2 SANTOS, Corcino Medeiros dos. O Rio de Janeiro e a conjuntura atlantica, Rio de Janeiro, Expressio e Cultura, 1993. SERRAO, José Vicente, “O quadro humano”. In: MATTOSO, José (org.), Historia de Portugal; o antigo regime, Lisboa, Editorial Estampa, 1998. SUBRAHMANYAM, Sanjay. O Império Asidtico Portugués, 1500-1700. Uma historia politica e econdmica, Lisboa, Difel, 1993. TORGAL, Luis Reis, Ideologia politica e teoria do Estado na Restauracao, Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade, 1981. VALLADARES, Rafael. A independéncia de Portugal: guerra e restauracio, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2006, VASCONCELOS, Diogo de. Historia antiga de Minas Gerais, v. 1, 4° ed., Belo Horizonte, Itatiaia, 1999, VENANCIO, Renato Pinto.*Caminho Novo: a longa duragio", Varia Historia, n° 21, v. 1, 1985, p. 181-189. ZEMELLA, Mafalda. O abastecimento da capitania de Minas Gerais no século XVIII, Sdo Paulo, USP, 1990, | parte Economia e sociedade caruios O Nordeste agucareiro no Brasil colonial Stuart Schwartz* Traducao de Clovis Marques Na década de 1530, a introdugao da cana-de-agiicar € 0 inicio de uma inddstria agucareira tinham comegado a transformar o Brasil, espe- cialmente o litoral nordeste, numa coldnia de assentamento na qual ‘os engenhos, por sua prépria natureza e por suas populagdes social ¢ “racialmente” sedimentadas, determinavam boa parte da estrutura da ccoldnia e sua sociedade. Cuthbert Pudsey, um inglés que visitou o Brasil no inicio do século XVII, capturou bem o carater social dos engenhos de agiicar, a autoridade politica de seus proprietdrios e a maneira como proprios engenhos serviam como polos de colonizaga | Todo engenho [tem] uma capela, uma escola, am padre, um barbeiro, | um ferero um sapateiro, um carpinteto, um mareeeir, um oso, | um alfaiate e todos os demais oficios necessérios. Que todo engenho | uma Comunidade em [si] mesma e 0 senhor do engenho, promotor ¢ | juiz por si mesmo (..)'(P- 25) Professor da Yale University 337 © BRASIL COLONIAL - VOL. 2 Em sua origem, as propriedades agucareiras contribuiram muito para estruturar a natureza da coldnia e determinar sua trajetéria social, ea satide da indistria agucareira estabeleceu os pariimetros do sucesso da colénia. © acticar brasileiro no foco atlantico Entre 1550 ¢ 1670, o Brasil tornou-se o principal produtor de agticar do mundo atlantico. O litoral brasileiro oferecia excelentes condigdes para a produgao de agticar. 0 Reconcavo Baiano e a varzea de Pernambuco tinham 0s solos adequados, com amplas areas de massapé, ea vantagem de rios como o Capibaribe, 0 Ipojuca e o Beberibe em Pernambuco e 0 Subaé, 0 Cotegipe e o Sergimirim na Bahia, fornecendo Agua para os engenhos de forga ¢ transporte facil até 0 porto. O acesso ao transporte aquatico era particularmente importante, pois nos meses de chuva 0 ‘massapé tornava-se intransitével. O litoral nordeste do Brasil também tinha um regime de chuvas adequado, recebendo entre 1.000 e 2.000 mm por ano. Desse modo, embora houvesse anteriormente boas condigies para a produgio de agticar em Madeira ou Sao Tomé, o Brasil ofereci uma combinagao sem equivalente de localizagio, clima, solos, agua, florestas necessarias para Ienha e outros suprimentos. A colonia brasi- leira precisava apenas resolver os problemas de capital e trabalho para tornar-se uma grande produtora. Embora existam indicios de que o agticar jé era produzido no Brasil na década de 1510 e de que o agacar brasileiro chegava ao mercado da Antuérpia por essa época, foi sob o regime dos donatarios, depois de 1534, que a indtistria agucareira comégou a florescer. Na década de 1540, colonos portugueses e funcionérios governamentais haviam construido engenhos ao longo do litoral. Técnicos e especialistas, alguns deles prova- velmente escravos, foram trazidos da Madeira e das Iihas Canarias para construir e operar os engenhos. O capital foi encontrado inicialmente na Europa, entre investidores tanto aristocraticos nto Mercantes, 338 © NORDESTE AGUCAREIRO EO BRAS © como o duque de Aveiro, 0 comerciante italiano Lisas Giles a e um comerciante de Aachen residente na Antuérpiay ae a (Sio Vicente).? Em Pernambuco, o donarério Duarte or eee uum papel agressivo no Langamento da indastray travels especialistas das ilhas do Atlantico, solicitando em 15 arias real para importar afticanos como escravos e buscando om saree Portugal. O primeiro engenho, Nossa Senhora da Ajuda, re ae por seu cunhado, Jeronimo de Albuquerque, 2S Ou 9 ae proprio Duarte Coelho, por homens como CHistOvio iN Et Fugger, ¢ um deles pelo cristio-novo Diogo Fesnandes em P: ere ca ‘outros “companheiros de Viana gente pobre”. Na ees om ee nias, especialmente IIhéus, Espirito Santo e Bahia, com iiss de povos indigenas e os confitos internos entre conatiriee £0 OTN comprometeram o crescimento da indastria. O agticar oe ate mente no RecOncavo, a extensio de excelentes t2s 30 sae de Todos 0s Santos, na capitania da Bahia, ap6s 4 chegada ros ae Sousa como governador-geral em 1549. Seus esf0r50s © ie bene) campanhas militares de seu sucessor, 0 terceifo Bovernae0} 1 NE (1557-72), resultaram na destruigio dos povos natives ¢ D2 TSST dde muitas sesmarias, algamas das quais servicam de base ct trugio de engenhos. A indistria agucareira brasileira, cone No UR Jcapitanias de Bahia e Pernambuco, florescet depois eae a esse periodo e o meado do século XVII, 0 agucat brast wercado europeu. et v7 Em 1570, haviasesentaengenbos em funciona ee concentrando-se a maioria em Pernambuco (23) €na Bae Ve aa essas duas capitanias contavam mais de dois ter60S dos set eee Ionia. Nos vinte anos seguintes, a predominancia dessas Cass SAP acentuou-se ainda mais, de tal maneira que, €™ 1585, sec aS tinha 120 engenhos, Pernambuco (66) ¢ Bahia (36) reso ; ei it Jongo do periodo colonial, do total. Esis capitan predominaram 20 OnEE “ST ibm entre 1580 e 1630 Bahia mas outras capitanias — lhéus, Espitito S36 ‘ = 30, produziam agiicar para exportagao. Entretant 339 € Pernambuco predominaram no comércio brasileiro. Entre todos os contratos registrados por comerciantes em cart6rios de Lisboa e do Porto nesse periodo, Pernambuco era mencionado em 54%, a Bahia, em 33%, € 0 Rio de Janeiro em apenas 8%.‘ Uma renda consideravel foi gerada nesses anos de expansao. Um funcionério real que visitou Pernambuco em 1591, Domingos Abreu e Brito, informava que 63 engenhos produ- ziam em média na capitania 6 mil arrobas de agiicar cada, num total de 378 mil arrobas. Ao prego médio de 800 réis por arroba, tinha-se como valor total da colheita mais de 30:240$000.' Um relatério da primeira década do século XVII sobre o Brasil afirmava: “A mais excelente fruta € droga do agticar cresce em toda esta provincia em tal abundancia que pode abastecer nao s6 o Reino [Portugal] como todas as provincias da Europa, sabendo-se que rende para o tesouro de Sua Majestade cerca de 500.000 cruzados e uma quantia equivalente para individuos privados.* Isto indicaria, na colonia como um todo, uma produgao agucareira no valor de 400:$000. A estimativa pode ser muito alta, mas pela altura do fim da primeira década do século a renda auferida no Brasil era cerca de 50% mais alta que 0 custo da colénia para a Coroa. Dos sessenta engenhos registrados na coldnia por Pero de Magalhies de Gandavo, em 1570, verificou-se um consideravel aumento para 120 engenhos em 1583 e para os 192 relatados pelo investigador militar Diogo de Campos Moreno em 1612. Em 1629, a colénia tinha 346 en- genhos. O indice anual de crescimento fora mais elevado entre 1570 ¢ 1585, quando Pernambuco (8,4%) e Bahia (5,4%) estavam na lideranga, | Essa expansio parece ter sido fomentada por precos favoraveis ea Jerescente demanda na Europa nos iiltimos anos do século XVI e nas ‘as décadas do século XVII. Os pregos Tocais do agticar branco no engenho na Bahia aumentaram de aproximadamente 500 réis por arroba em 1570 para quase 18600 em 1613. As boas colheitas e a paz no Atlintico em decorréncia da trégua entre a Espanha e as Provincias Unidas depois de 1609 levaram a um clima geral de prosperidade e expansio. Com sua experiéncia no Nordeste brasileiro, Joseph Israel da Costa informava 4 Companhia das Indias Ocidentais holandesa que | prime 240 MP RRSOESTE AGUCARMIED EO BAAR ee em 1623 as capitanias de Pernambuco, Paraiba e Itamaracé contavam 137 engenhos “moentes e correntes”, produzindo quase 660 mil arro- bas, uma média de 4.800 (70 toneladas) por engenho.’ Essa expansio foi interrompida de forma abrupta, embora temporaria, durante a ge- neralizada depressao verificada na regio do Atlantico no periodo de 1619-23, quando os pregos do agiicar cairam repentinamente.* Embora as condigées tivessem melhorado no mercado atlntico em 1623, 0 inicio de hostilidades entre a Holanda e a Espanha levou a novos problemas para Portugal e suas colénias, que desde 1581 também eram governadas pelos Habsburgo espanhéis. Os holandeses atacaram Salvador em 1624, controlando a cidade por um ano, Durante os combates, as proprieda- des agucareiras baianas foram muito danificadas, perdendo-se grande quantidade de agiicar para o invasor e os exércitos de liberagio, Na década de 1620, a frota mercante portuguese envolvida no comércio brasileiro tornou-se alvo privilegiado dos ataques navais holandeses, sendo afundados ou perdidos centenas de navios. A posterior tomada de Pernambuco pelos holandeses em 1630 e a extensio do seu controle 4 maior parte do Nordeste desequilibraram a industria agucareira na 4rea, pelo menos em carter temporsrio, além de subtrair grande parte da producio agucareira brasileira ao controle portugues. Hayia variagdes regionais no padrao de desenvolvimento. No Rio de Janeiro, a inddstria crescia a um ritmo algo diferente das economias do Nordeste. Ela se expandiu rapidamente entre 1610-12 ¢ 1629, aumen- tando o mimero de engenhos de quatorze para sessenta, a uma taxa de quase 8% de crescimento ao ano. Essa expansio parece ter resultado de uma mudanga tecnol6gica, a adogao do engenho vertical de trés rolos, que tornava mais facil e menos dispendiosa a construgdo de novos en- genhos.” Nessa capitania, ha indicios de que o desempenho de fungdes piiblicas muitas vezes abria caminho para um actimulo de capital e terras que levava 4 produgao de agticar. A indiistria agucareira brasileira adaptou a tecnologia das induistrias acucareiras mediterraneas e do Atlantico as condigdes locais. $6 se usava ‘maquinaria complexa na trituragao da cana e na extragao do suco.” A ay © BRASIL COLONIAL ~ VOL. 2 sinica grande inovagao tecnol6gica ocorrida no periodo em questtio foi a introdugao do engenho vertical de rolos, o “engenho de trés pauss”."" Ele eliminava a necessidade de prensas secundatias, tornava mais efiiciente a trituragao da cana e, aparentemente, menos onerosa a construcaco de um engenho. Seja como for, a inovagao rapidamente se disseminou...Até em Sio Vicente, inventérios feitos ja em 1615 relacionavam “engenhoss de trés palicos”.!? Essa mudanga tecnol6gica afetou a produgdo de agiiicar em todas as capitanias, mas sobretudo no Rio. Ela tornou a construrcao de engenhos mais barata, em certa medida contornando a necessidlade de isengdes fiscais para promover a construcio e abrindo a possibiilidade de que um espectro mais amplo e menos abastado de colonos pudesse ter acesso a propriedade de engenhos. Foi uma inovagao que conttribuiu para o rapido crescimento da indiistria, representando talvez at Gnica grande mudanga tecnoldgica até o fim do século, No fim do século XVII (c. 1689), 0 padre jesuita Andreoni, escrevendo sob 0 pseudénimo Antonil, informava que 528 engenhos no Brasil pro- duziam cerca de 1.295.000 arrobas, ou 18.500 toneladas. Nessa época, (8 146 engenhos da Bahia tinham uma produgio de aproximadamente $1 toneladas, a0 passo que os 246 engenhos de Pernambuco chegavam, em média, a apenas 26 toneladas. A escala no Rio de Janeiro era ainda menor. A capitania contava 136 engenhos, produzindo em média 38 toneladas por ano. A produtividade anual variava muito, mas por volta de 1610 0 Brasil produzia 10 mil toneladas, e na década de 1620 tinha condiges de produzir de 1a 1,5 milhdo de arrobas, ou o equivalente a algo entre 15 mile 22 mil toneladas por ano, embora raramente o fizesse. Matias, de Albuquerque, um governador de Pernambuco, talvez exagerasse ao estimar em 1627 que o Brasil enviava cerca de 75 mil caixas por ano a Portugal, as quais, com dezoito arrobas por caixa, equivaliam a 1.350.000 arrobas, ou aproximadamente 20 mil toneladas. A estimati- va posterior de Antonil para o ano de 1710 enquadra-se, assim, numa ordem de grandeza jé estabelecida na década de 1620. Essa capacidade nio seria muito alterada até meados do século XVIIL. aa © NORDESTE ACUCAREIRO E 0 BRASIL COLONIAL A economia acucareira brasileira era particularmente vulnerdvel as vicissitudes politicas e econémicas do mundo atlintico. A depressio do inicio da década de 1620, causada pelo inicio da Guerra dos Trinta Anos em 1618, o reinicio de hostilidades com os holandeses depois de 1621, as manipulagdes monetarias de varios governos europeus e 0 excesso de estoques nos mercados europeus afetaram seriamente a economia agucareira brasileira durante uma década. Um observador estimou que 86 entre 1626 e 1627 20% (60/300) dos navios atuando no comércio brasileiro haviam sido capturados pelos holandeses, com uma perda de 4 mais de 270 mil arrobas ou quase 4 mil toneladas. Em 1630, 0 problema gerado pelos ataques holandeses e pela instabilidace dos pregos diminuira 605 lucros dos plantadores baianos para algo entre 30 € 50% dos niveis, -{ de 1612, ¢ 0 dizimo dessa capitania também perdera 30% valor. Frei Vicente do Salvador, o primeiro historiador do Brasil, perguntava em 1627 de que valia produzir agticar se os lucros nao se equiparavam com 0s custos. Era um refrdo constantemente repetido pelos produtores de agticar. Naturalmente, nao se tratava apenas de um problema de capacidade produtiva, mas também dos pregos do agiicar. Quaisquer que fossem (08 niveis de produtividade, 0 sucesso da industria e dos plantadores >\dependia do prego do agticar, As avaliagdes de pregos baseadas em va- lores europeus muitas vezes S20 enganosas, pois os pregos europeus com frequéncia eram o triplo do prego no engenho no Brasil. Torna-se dificil, assim, estabelecer a lucratividade da indiistria e saa capacidade de gerar capital. Embora os indicios sejam escassos, dispomos de observagdes, suficientes para estabelecer uma tendéncia geral. A tendencia secular dos pregos do agiicar brasileiro foi de aumento entre 1550 e aproximadamente 1620. Apés esta data, a crise econémi ca gral (1619-21), o reiio de Posilidades ear os holandeses eos Habsburgos, espanhéis que governavam Portugel e seu Império (1580- 1640) e uma generalizada contragao do mercado europeu contribuiram para uma queda no prego do agticar brasileiro. Em termos locais, esses acontecimentos se configuraram no ataque e na captura de Salvador, aa aR ASIL COLONIAL = VOL. 2 (© NORDESTE AGUCAREIRO E O BRASIL COLONIAL Bahia, pelos holandeses (1624-25), na destruigao de certo mimero de acucareira controlada pelos portugueses no resto do Brasil, Durante 0 : cae eaerrey ey colheitas na Bahia em 1624-26 ena captura ,eriodo da invasio, o incéndio de engenhos ¢ plantagGes de cana, tanto h tos navios transportando agticar brasileiro. Esta los invasores quanto pelos defensores, deixara fora de operagio, em situagao elevou o prego do acticar na Europa, mas 0 baixou no Brasil, 1637, 60 dos 166 engenhos da regido. Muitos dos engenhos abandona- onde os plantadores nao encontravam quem se dispusesse a transportar dos por portugueses que entraram para a resistencia ou fugiram para a © seu produto. Um plantador brasileiro com 3 mil arrobas de agiicar Bahia seriam afinal confiscados pela Companhia das Indias Ocidentais terd sofrido uma perda de 45% do valor de sua colheita em 1611 e em holandesa e vendidos a investidores holandeses ou portugueses, num 1623. Esta situagao prosseguiu ao longo da década de 1620, e s6 depois ‘momento em que a companhia procurava integrar verticalmente a indiis- de 1634 os precos do agiicar comegaram a subir de novo, estimulados tria, controlando a produgao e a comercializagao do agticar. Embora os em certa medida pela invasao holandesa de Pernambuco e a escassez holandeses controlassem Pernambuco e as capitanias vizinhas até 1654, causada pelos problemas de funcionamento da indastria na regio. a revolta luso-brasileira contra seu dominio, tendo irrompido em 1645, Embora os pregos yeas geo de 1640, mantiveram-se bem ‘comprometeu seriamente a produsao agricola no periodo de quase dez acima de 1$000 por arroba até as ultimas décadas do século. Na década anos de duragao das hostilidades. de 1640, contudo, a ascensio de economias acucareiras concorrentes, ‘A Companhia das {ndias Ocidentais (CIO) voltara-se para 0 Nordeste | inicialmente em Barbados e depois no Caribe holandés e francés, assim brasileiro em virtude da atraente economia agucareira. Os holandeses | como a introducdo de politicas de exclusio, como as leis inglesas de ‘outros europeus do norte tradicionalmente transportavam grande parte navegagao de 1651, alteraram a relagéo do agticar brasileiro com seus do acticar brasileiro para mercados europeus, ressentindo-se particular- \ | mercados tradicionais. Ao passo que em 1630 0 acacar brasileiro abaste- mente de sua exclusao desse comércio pelos Habshurgo espanhéis depois ia cerca de 80% do mercado londrino, esse total caira pela metade em de 1605. Com 0 reinicio das hostilidades entre espanhéis e holandeses 1670. Além disso, no préprio territério brasileiro, os combates contra os em 1621 ¢ a constituigio da Companhia das Indias Ocidentais pelos holandeses nas décadas de 1630 e 1640 destruiram muitos engenhos e holandeses nesse ano, o Brasil tornou-se um interessante alvo militar € plantagdes de cana, interrompendo a navegacio colonial. Para financiar econdmico. a guerra, 0 gove é: is 0 agti i governo portugués taxava cada vez mais 0 acticar, impondo ‘Uma vez no controle de Pernambuco, a CIO procurou ressuscitar € nova sobrecarga as finangas do 01 'ga as finangas dos plantadores. (mente bem-sucedida, espe- estimular a economia agucareira. Foi parc cialmente na administragdo esclarecida e perspicaz do governador Johan ‘Maurits van Nassau-Siegen (1637-44), que proporcionou aos residentes © agicar no Brasil =a ’ ; “ holandés portugueses tolerancia religiosa e participagio nas questdes locais, para manté-los empregados na indiistria do agicar. Para estimular a indiistria, © exemplo mais dbvio do impacto da politica europeia na economia 4 ClO concedia créditos a0 plantadores, fossem portugueses que ha- agucareira brasileira seré talvez a ocupagio holandesa do Nordeste do viam permanecido ou hollandeses que tinham adquirido engenhos. Essa Brasil durante 25 anos. A conquista de Pernambuco e das capitanias do politica teve sucesso apeinas moderado. Mesmo nos perfodos de paz, a | litoral nordestino pelos holandeses (1630-54) desequilibrou a industria capitania raramente cheg:ava a produzir metade da capacidade estimada acucareira na regido, exercendo consideravel pressio sobre a economia de 15-20 mil caixas por ano, ¢ sua participagdo na produgio total caiu 38 aus © BRASIL COLONIAL - VOL. 2 para aproximadamente 20% apenas, e as vezes até 10%." Entre 1631 1651, o Brasil holandés exportou cerca de 25 mil toneladas de agiicar, ou uma média de aproximadamente 1.200 toneladas por ano. Cerca de dois tergos desse agticar eram exportados por comerciantes, € 0 restante, pela propria CIO." O que estava muito abaixo da capacidade da regio, embora nos anos de relativa paz (1637-44) as exportagdes superassem em muito a média, o desempenho global da indiistria foi seriamente ‘comprometido pela situacao politica e militar. Embora muitos fazendeiros e plantadores portugueses de cana per- ‘manecessem em suas propriedades sob 0 dominio holandés, a politica de confisco e revenda dos engenhos abandonados e os lucros esperados da indistria agucareira levaram certo nimero de holandeses e alguns judeus a entrar no negécio. Em 1637 ¢ 1638, $1 engenhos foram ven- didos a mercadores e administradores holandeses, para pagamento em Prestagdes. A regido de Itamaracé, no norte de Pernambuco, foi censrio de uma penetragao particularmente pesada dos holandeses na inchistria. Dos 22 engenhos relacionados, dez tinham proprietarios holandeses ou de outras origens estrangeiras, e dos setenta fazendeiros de cana que abasteciam essas propriedades, cerca de um tergo eram holandeses ou de outras origens estrangeiras (22/70). Havia outros exemplos dessa enetragao. Sete dos oito engenhos na pardquia de Goiana pertenciam a nio portugueses.'’ Mas apesar dessas aquisigdes, costumava-se dizer que os holandeses nunca aprenderam realmente a administrar os enge- nhos por conta prépria, mantendo-se dependentes dos portugueses mais bem especializados."* Estabelecendo-se um modus vivendi entre os fazendeiros e plantado- res de cana portugueses remanescentes ¢ os holandeses, a Companhia das Indias Ocidentais holandesa procurou estimular a recuperacéo da inddstria através de uma politica de créditos e empréstimos que per tiu aos plantadores adquirit equipamentos ¢ escravos necessarios, que comegaram a ser importados pel cio do Tesla Guiné e de Angola. As maiores estimativas do total de escravos importados si de 26 mil ‘num periodo de vinte anos, entre 1631 e 1651, revelando-se o comércio 246 San I i ett eee a particularmente forte na década transcorrida de 1635 ao inicio da revolta ‘contra os holandeses em 1645. Esse periodo de intensa importacao de lescravos coincidiu com oponto alto das exportagses de agticar do Brasil hholandés, que chegaram ao maximo entre 1639 e 1644, caindo entio abruptamente com a retomada dos combates no interior. A situagio politica agravou-se com a retirada do conde Mauricio de Nassau em 1644 e as novas presses da Companhia das Indias Oci- dentais para forgar a cobranga de impostos dos plantadores em divida com ela, Alguns dos plantadores portugueses mais endividados com Ja CIO, especialmente Jodo Fernandes Vieira e André Vidal, estavam lentre os principais lideres da revolta. A “Guerra de Divina Libertagio” (1645-54), quando residentes portugueses da colénia, de inicio ajudados secretamente pelo governo local, se insurgiram contra os holandeses provocou destruigio ainda maior da indistria agucareira, a medida que ‘0s engenhos eram abandonados, destru‘dos ou canfiscados e 0s escravos se prevaleciam da situaco para fugir para Palmares ou outras comuni dades de fugitivos. Além disso, a guerra no mar prejudicava o comércio acucareiro portugués. Cerca de 220 navios do comércio brasileiro foram apreendidos pelos holandeses 86 entre 1647-48. Depois de 1645, os holandeses perderam o controle do interior, sendo progressivamente forcados a abandonar as capitanias além de Pernambu- Co, “Agticar” nao era s6 a senha dos rebeldes como o objetivo dos campos em confronto. Além disso, a guerra ndo era s6 uma disputa em torno do agiicar, mas “também financiada por ele”.” Em 1648, mais de 80% dos impostos em Pernambuco derivavam da produgao e do comércio do ag car. Mesmo depois da guerra, os impostos sobre o acticar foram usados para financiar a reconstrugao de Recife, e também houve uma longa série de batalhas legais entre os que haviam abandonado seus engenhos e os queriam de volta e os que os haviam comprado aos holandeses. Pouco capital restou para a expansio da indistria agucareira ou outros setores econdmicos. Os lucros que acaso tivessem sido possibilitados na indiistria agucareira de Pernambuco foram neutralizados por essas condigdes. A economia agucareira de Pernambuco nunca se recuperou totalmente do 7 interlidio holandés e seus efeitos. Seria superada pela Bahia, que conti nuou sendo o principal produtor no Brasil até o século XIX. Em certa medida, o hiato holandés no Nordeste brasileiro foi nio 36 uma causa mas também um resultado da conjuntura econdmica da década de 1630. O prego do agiicar comegou a subir novamente depois de 1634. As melhores condigdes do comércio no Atlantico ¢ o aumento do prego do agiicar e outras mercadorias coloniais deram nova seguranga a0s comerciantes e senhores de engenho brasileiros, mas essas mesmas condigées também criaram um novo e mais sério desafio, Os pregos cada vez mais altos do agiicar na década de 1630 e no inicio da década de 1640 haviam atraido 0 interesse das pequenas ilhas colonizadas por ingleses, franceses e holandeses no Caribe. Deixando de lado 0 tabaco e outras, colheitas, colonos de Barbados chegaram a buscar orientagao técnica em Pernambuco, e em 1643 ja havia 4 venda na Europa agiicar produzido em Barbados. Depois que a Companhia das {Indias Ocidentais holandesa deixou Pernambuco em 1654, seu interesse e seus capitais voltaram-se também para o Caribe. Contando cada vez mais com fontes coloniais proprias de abastecimento, a Franga ea Inglaterra comegarama limitar as importagdes de agticar brasileiro, As Leis de Navegacao inglesas de 1651, 1660, 1661 € 1673 e as poli icas de Colbert na Franca para estimular lum setor agucareiro colonial francés acabaram por expulsar 0 acicar brasileiro desses mercados. Na década de 1630, 80% do agiicar vendido em Londres vinha do Brasil, e por volta de 1690 essa proporcao caira para apenas 10%. A perda desses mercados nao podia ser recuperada em Portugal, que simplesmente tinha uma populacao muito pequena. Outro efeito negativo da concorréncia caribenha for a elevagao dos custos do trabalho e uma expansio do comércio de escravos. Os holan- deses jd haviam tentado garantir fontes proprias de mao de obra escrava para o Brasil holandés, com ataques a El Mina em 1638, territério que mantiveram posteriormente, e a captura em 1641 de Luanda, de onde foram expulsos em 1648. As novas economias acucareiras agora tam- bém precisavam de mao de obra, e as crescentes demandas e atividades, europeias no litoral africano elevaram o prego dos escravos no Brasil 348 Na segunda metade do século XVII, a economia acucareira brasi- leira enfrentava concorrentes que aumentavam a oferta de agicar no mercado do Atlantico e criavam novas demandas de trabalho escravo. ‘A consequéncia disso no Brasil foi a queda dos 91 elevagio dos custos da mio de obra escrava. Entre 1659 e 1688, 0 preco do agticar em Lisboa caiu mais de 40%. O problema do Brasil nao era a producao, Mesmo depois da Guerra Holandesa em 1654, 0 pafs ainda tinha capacidade de produzir 18-20 mil toneladas, mais que qualquer concorrente. Além disso, ainda desfrutava de vantagens comparativas, mas as condigdes politicas e econdmicas internacionais e seus efeitos nas politicas fiscais de Portugal convergiram na criagio de uma situacao de crise. Além disso, a natureza nao ajudou. Dificuldades periédicas como secas ¢ excesso de chuvas, as irregularidades no sistema de transporte ma- ritimo e varias “calamidades” geraram problemas nas décadas de 1660 € 1670. Mais importante-ainda foi o fato de a Guerra da Restauracao pela independéncia em relagio a Espanha (1641-68) e os compromissos da politica externa de Portugal com seus aliados serem financiados em grande medida pelo aumento dos impostos sobre o agiicar, no exato momento em que a indiistria enfrentava menor rentabilidade ¢ custos mais elevados. Varias contribuigdes “voluntarias® forgadas, como o dote de Catarina de Braganca nas negociagdes de sua boda com Carlos II da Inglaterra, e outros impostos e privagdes semelhantes pesaram muito na economia acucareira, levando a constantes queixas nas cdmaras muni- cipais do Brasil sobre a “condigao miseravel” da colénia, mas a Coroa portuguesa no tinha muita escolha sendo taxar essa importante fonte de renda para financiar seus compromissos. Na década de 1680, a economia chegara a um ponto critico. Como o resto da Europa ocidental, Portugal dependia da receita geral. As expor- tages de peles e tabaco tornaram-se habituais nas frotas que chegavam do Brasil ea busca de minas aumentou, mas quando Joao Peixoto Viegas redigiu seu famoso memorando em 1687, a economia agucareia jé nio parecia mais suscetivel de recuperagio. Ele queixava-se de que o Brasil contribuira mais para o Império portugués do que qualquer provincia ag oe ery eee’ Oe. @: de Portugal, mas a concorréncia estrangeira, as politicas do reino e as condigdes econdmicas gerais haviam causado sua ruina. Seu pessimi ‘mo apocaliptico era prematuro. As guerras na Europa, em 1689-97 1701-13, mais uma vez perturbaram comércio atlint | a Bea eine aan mee seralmente eram lucrativas para o Brasil. O agiicar branco vendido 800 réis na Baia em 1689 custava 16440 em 1695, Emboraospregs se estabilizassem depois de 1700, as condigdes para a economia saci “5 brasileira permancceram boas até década de 1720, embora a demand concorrente de mao de obra escrava no Caribe comecasse a empurrar { 0 pregos dos escravos para cima por volta de 1670, Enquanto isso, a = | descoberta de ouro em Minas Gerais entre 1698 e 1695 também comego a alterar toda a natureza da economia luso-brasileira, O Brasil Ht | nfo era uma ilha do Caribe, sendo grande o seu potencial miltiplo ¢ diversificago econdmica, O agiicar continuou sendo importante a nalmente, no litoral do Nordeste, ¢ até 0 século XVIII representaria a grande proporgio das exportagdes brasileiras, muito depois de o Brasil ter perdido a predomindncia no mercado europeu do agticar. i O comércio agucareiro brasileiro © que antecede deixa clara a importancia da integragio do Brasil n sistema de mercado europeu.Até a década de 1590, mutasembarcagdes do norte da Europa transportavam agticar sob licenga ee principalmente para portos do norte europeu.”” A Antuérpia era um dos principais portos de destino.2” Alguns agentes flamengos, em certos asos casados com portuguesas, viviam em diferentes portos brasil ec ie tee Sarat gee pars 0 fabrico de corantes A predomindncta da Antodepla durou até 4 crise politica de 1578-85, e embora 0 comércio tenha so retomado apés essa data, a Antuérpia progressivamente perderia seu lugar pal [Amsterdi no comércio agucareiro brasileiro. ea 380 i wee_e_«-" . — Um aspecto importante dessa transigao e da economia aguearcira brasileira em geral foi o papel desempenhado pelos judeus sefaraditas € € portu- 0s chamados “cristos-novos”, vale dizer, os judeus-espanh gueses seus descendentes que voluntariamente se converteram ou foram forgados a se converter. A partir de 1595, membros dessa comunidade estabeleceram-se em Amsterda, e embora até 1648 desempenhassem apenas um papel secundédrio na economia holandesa como um todo, rapidamente passaram a predominar no comércio colonial, especialmente com Portugal. aan ae | “Em Portugal, embora Lisboa fosse 0 principal destino do agdcar | brasileiro, outros portos, como Porto e Viana do Castelo, também desenvolveram um comércio regular com a colénia. Na verdade, 0 agticar brasileiro abrira 0 comércio portugues, quebrando a barreira do sistema comercial estatal que se desenvolvera no século XVI em torno do comércio de especiarias provenientes do oceano Indico. Esses portos portugueses menores tornam-se entdo protagonistas ativos no comércio. Viana do Castelo tinha uma ativa comunidade mercante, ena primeira década do século XVII havia cerca de 70 embarcagdes dlesse porto mobilizadas no comércio com o Brasil. Tratavarse na maioria dos casos de navios de porte médio, com capacidade entre 80 € 150 toneladas, podendo transportar entre 300 € 450 caixas de acticar. Esse comércio era vital para a existéncia do porto, ¢ apro madamente 85% de suas taxas alfandegarias decorriam nesse periodo do agiicar brasileiro.”! Os riscos eram altos, mas a careiro brasileiro era seu carder Jonge preferiam os riscos desse comércio & mao pesada da intervengio governamental. Embora na década de 1590 fossem cobrados impostos para financiar o custo de uma certa protegio a navegago ¢ por volta de +1605 0s comerciantes com cargas destinadas a Lisboa fossem obrigados ‘a contratar seguro, as tentativas da Coroa de impor o uso de navios ropostas, em 1586 € 1615, de um sistema de comboios smo as principal caracteristica do comércio agu- ado. Comerciantes e plantadores de maiores ¢ as pi enfrentaram firme resisténcia dos comerciantes de agticar. $6 me’ 381 eee incriveis perdas do transporte maritimo portugués em 1647-48 é que finalmente abriram caminho para o estabelecimento do sistema de frotas, organizado pela Brazil Company, que em troca da protecdo proporciona- da as duas frotas anuais passou a exercer o controle monopolista sobre as exportagées de alimentos para o Brasil. Como se poderia esperar, 0 prego das importagdes aumentou na col6nia, os plantadores queixaram- se de que os pregos do agticar estavam muito baixos e 0s comerciantes dos portos portugueses menores, da nova centralizacao do comércio em Lisboa, destino principal das frotas. Com a partida da primeira frota em 1650, chegava ao fim a época do comércio agucareiro privado e da predominancia da caravela.# Antes disso, mesmo quando a Companhia das indias Ocidentais holandesa tentara dominar 0 comércio partindo do Nordeste brasileiro, ainda eram basicamente comerciantes particulares que transportavam a maior parte do agticar tanto no Brasil portugués quanto no holandés. Finalmente, cabe notar que o papel dos comerciantes de acticar pro- vavelmente foi crucial para o financiamento dos primeitos estgios da indastria, se pudermos tomar como referéncia os padres posteriores, Temos particular dificuldade no estabelecimento desse fato por nio dispormos suficientemente de registros notariais do inicio da historia do Brasil, mas na segunda metade do século XVII os comerciantes entravam com cerca de 25% do dinheiro emprestado, podendo ter contribuido com uma percentagem ainda maior até que instituigdes de crédito como as ordens religiosas, os conventos ¢ a irmandade caritativa da Miseri- c6rdia dispusessem de fundos suficientes para fazé-lo. Os comerciantes ofereciam créditos e mantinham ordens de pagamento permanentes para os plantadores de cana-de-agicar, permitindo-lhes comprar escravos, ferramentas e equipamentos como adiantamento pela produgio. Essa disponibilidade de crédito foi um elemento essencial no desenvolvimento ial da industria. a2 eee Aarte de fazer acticar no Brasil © complexo e dificil processo da produgao de agticar influenciou sob muitos aspectos a organizagao social e hierarquica da col6nia, além das solugdes especificas para os desafios enfrentados na produgao de agticar. A produgao de agiicar era uma arte, resultando de uma série de proces- sos integrados: cultivo, moagem, cozimento, depuragio e embalagem. Cada um deles apresentava suas exigencias especificas em matéria de ‘emprego da mio de obra e era essencial para 0 bom éxito do engenho. Dizia-se que esses moinhos de agticar eram chamados “engenhos” por antonomésia, pois eram um “amplo teatro da ergenhosidade humana”, “maquinas maravilhosas que requerem arte e muita despesa”.?’ Com algumas variagdes regionais, os engenhos do Brasil seguiam um método semelhante de funcionamento, com muito poucas alteragdes importantes até o fim do século XVII. Num espirito festivalesco, a safra tinha inicio quando os moinhos ‘comecavam a funcionar no fim de julho ou inicio de agosto, apés a bén- ‘sao do proprio engenho e dos trabalhadores e a invocagao da protegao dos santos."* Durante a safra, a cana era cortada & luz do dia, mas os engenhos comecavam a funcionar as 4 horas da tarde ¢ continuavam até aproximadamente 10 horas da manha seguinte, funcionando assim entre dezoito e vinte horas por dia. O trabalho era feito em turnos. Para 0s escravos, 0 ritmo de trabalho logo se tornava exaustivo. Seu “servigo no século XVII que, “se eventualmente um negro fica aleijado, pois so tratados como animais, é posto para alimentar 0 moinho ou raspar raizes de mandioca na roda; eles usam os escravos com muito rigor, fazendo-os trabalhar sem fim, ¢ quanto mais os maltratam mais tteis 05 acham, pois sao levados a crer por experiéncia propria que os bons tratos corrompem seu comportamento”.*’ Na Bahia, a safra durava até as fortes chuvas de inverno em maio. Os engeahos funcionavam num periodo de 270 a 300 dias por ano, embora com as interrupgées em feriados religiosos, para consertos e em momentos de escassez de cana algo incrivel”, diria José Israel da Costa. Cuthbert Pudsey observou 353 @OBRASIL COLONIAL ~ VOL. 2 ‘ou madeira esses ntimeros pudessem ser reduzidos em cerca de um tergo. AA Igreja exigia que os engenhos parassem de funcionar nos domingos € dias santos, mas muitos senhores de engenho tentavam esquivar-se a cessas obrigagdes religiosas, que respondiam por cerca de trés quartos dos dias perdidos. Em 1592, Jodo Remirio declarou diante da Inquisi- ¢4o na Bahia “que no dito seu engenho sempre em todos os domingos ¢ sanctos moendo seu engenho despois do sol posto... que usio e costuma geralmente nesta capitania a todos os senhores e feitores de engenho sem excepgao”.* Os senhores de engenho argumentavam que os moinhos nao podiam ser parados para nao prejudicar o trabalho dos dias ante- riores e posteriores aos de observancia religiosa. Esses argumentos em causa prépria eram condenados pelos jesuitas e a Igreja em geral, mas a repetigao das queixas indica que muitos senhores de engenho ignoravam as diretrizes da Igreja..” A longa duracao da safra conferia ao Brasil consideravel vantagem sobre os concorrentes caribenhos, cuja temporada de colheita durava 1 em média apenas 120-180 dias, Também tornava a produgdo agucareira no Brasil particularmente adequada a escravidao, jé que entre 0 ciclo de | moagem e o periodo de plantio praticamente nao havia “tempo morto” |e 0s escravos podiam ser utilizados quase continuamente em alguma Jetapa da produgao de agicar. A regulagem e gestdo da operagao no campo e na fabrica exigia ha- bilidade e experiéncia, Um bom mestre de agticar capaz de controlar € prever a maneira como as diferentes atividades se coadunariam, domi- nando pela inteligéncia e a destreza as diferentes partes do processo, era essencial para o sucesso. Esse trabalho geralmente era bem remunerado, ‘mas mesmo no século XVI encontramos referéncias a engenhos em que a fungao jé era exercida por escravos, na medida em que os proprietarios tentavam diminuir os custos. Nas plantagdes, os escravos plantavam a cana manualmente. Os arados raramente eram empregados no cultivo do agiicar no Brasil, provavelmente porque 0 solo de massapé da Bahia e de Pernambuco dificultava seu uso. Uma vez plantada a cana, grupos de escravos se 354 | (O NORDESTE ACUCAREIRO E O BRASIL COLONIAL incumbiam do desagradavel trabalho de limpé-la de ervas daninhas pelo menos trés vezes. Durante a safra, grupos de 20-40 escravos cortavam acana. Muitas vezes trabalhavam em pares, um homem para cortar as canas e uma mulher para junté-las em feixes. A cana cortada era entao levada para o engenho em carros de boi ou pequenos barcos. Oengen! eno ere movido a monhos igus oo side anime °* ee se valiam da forga da agua faziam esta opgao porque, apesar de 0 custo de construcao de uma roda, tanques e um aqueduto ou levada ser maior, gerava-se maior capacidade produtiva. Ambrosio Fernandes Brandao, autor dos Didlogos das grandezas do Brasil (1618), estimava em 10 mil cruzados (4:$000) 0 custo de construgao de um engenho, sem contar a construgdo dos prédios nem as despesas operacionais do primeiro ano. Um chamado engenho real podia produzir 10 mil arrobas por ano e até mais, embora fossem poucos os que chegassem a tal. Os engenhos movidos a tracdo animal, as vezes chamados trapiches ou engenhocas, ge- ralmente eram postos em funcionamento por grupos de bois. Chegavam a uma média de 3-4 mil arrobas por ano, mas sua construcao era mais barata.* Estimou-se em 1639 que em Pernambuco um trapiche podia processar o carregamento de cerca de 30 carrogas de cana € produzir meia tonelada (25-37 arrobas) por dia, ao pass que um engenho real era capaz de moer 0 contetido de 45 carrogas e produzir no maximo 1 tonelada por dia (50-75 arrobas).” O sumo extraido da cana era entao passado por uma série de cal- deiras, nas quais, por um proceso de limpeza ¢ evaporagao, 0 liquido ficava isento de impurezas. As caldeiras de ferro e cobre, consideradas num manual de instrugdes para um feitor-mor em 1663 “a coisa mais importante do engenho”, eram uma grande fone de despesas, constan- temente precisando de reparos.” O processo de limpeza dependia do calor de enormes fornalhas que ficavam por baixo das caldeiras. Essas “grandes bocas abertas” tragavam uma quantidade descomunal de ma- deira, Nos engenhos baianos, 0 custo da madeira representava em geral cerca de 20% das despesas de funcionamento. Até a introdugao da cana caiena, mais fibrosa, no fim do século XVIII, os engenhos brasileiros que Se eee Se processavam a cana crioula raramente faziam uso do baga¢o (a sobra da cana espremida) como combustivel, dependendo para isto dos recursos florestais aparentemente ilimitados da coldnia. O resultado disso foi a destruigao de vastas extensdes da floresta atlantica. © trabalho nas caldeiras exigia consideravel conhecimento e habi- lidade. Sob a diregao do banqueiro, os trabalhadores de cada uma das caldeiras tratavam de limpar 0 liquido com grandes conchas, até que 0 fluido purificado e engrossado pudesse ser vertido em grandes formas de argila que eram entio levadas para uma construgio separada, a casa de purgar, sendo dispostas em longas fileiras. O acticar que se cristalizava nas formas era periodicamente coberto com argila umedecida. A gua da argila era entio filtrada pelas formas de agar cristalizado, limpando ainda mais as impurezas e gerando uma forma na qual predominava 0 agiicar branco. O escoamento das formas era reprocessado para gerar um agiicar mais grosseiro € 0 melado drenado das formas era destilado para fazer cachaga. O padre Antonil, atento ao mesmo tempo a teolo- gia e aos lucros, assinalou que “a lama suja deixava o agticar branco, exatamente como a lama dos pecados misturada as lagrimas de arre- pendimento podia lavar nossas almas”.*® A concentragao do Brasil na produgao desse aciicar branco, “argiloso”, deu vantagem a colonia em relagio aos concorrentes caribenhos, que tendiam a produzir agiicar ‘mascavo mais escuro € menos apreciado, © Brasil especializou-se na produgao de agticar branco, mais valoriza- do que © mascavo, mas que também tendia a eliminar a necessidade de mais refinagio. Assim foi que sua metropole, Portugal, ao contrério da Holanda e da Inglaterra, nao desenvolveu uma indiistria de refinamento até o século XVIII. Os engenhos brasileiros também produziam agiicares mais grosseiros, e do melado faziam Alcool, ou, segundo as diferentes nomenclaturas regionais, cachaga ou geribita, Nos periodos de maior dificuldade, os senhores de engenho brasileiros argumentavam que s6 conseguiam pagar as despesas na produgio de agticar, dependendo da venda da cachaga para obter lucro, Algumas regides, como o Rio de Janeiro, acabaram se especializando na produgao de geribita, usada no 356 Ce ean Te comércio escravagista africano, mas no século XVIII a produgao de agiicar branco predominava na colénia. Finalmente, sob a diregao do caixeiro, 0 dizimo era subtrafdo, € quando necessario se procedia a uma divisio entre o engenho € os la- vradores de cana. O agiicar separado era ento empacotado em grandes caixas de madeira que chegavam a pesar no século XVII cerca de 200- 300 kg (14-20 arrobas). Cada caixa era entio registrada, com a iden- tificagao do peso, da qualidade e da propriedade, para ser em seguida transportada em carroga de tragao animal ou barco até o porto principal. Um engenho brasileiro precisava de uma forga de trabalho numerosa, em parte dotada de considerdvel experiéncia e habilidade. Em média, 6s engenhos da Bahia e de Pernambuco tinham 60-70 eseravos em sua forca de trabalho, mas também contavam com mio de obra dos es- cravos dos fazendeiros fornecedores de cana, de modo que o niimero de trabalhadores por engenho podia de fato chegara cerca de 100-120. Cada engenho também precisava de provimentos adequados de matéria- prima, cana-de-agiicar, muitas cabegas de gado para as carrogas € as rodas, grande quantidade de combustivel, geralmente madeira, assim como alimentos para a forca de trabalho e toda uma série de materiais € equipamentos. ‘Trés elementos principais determinavam a natureza da economia acucareira brasileira e seu sucesso, conferindo-he um carter e uma configuragio especificos. Esses elementos, a estrutura de propriedade, 0 abastecimento de mao de obra ¢ 0 acesso ao crédito, estao relacionados a falta de capital nas primeiras etapas da indistria, © que contribuiu para padrées de organizacao e prética que vitiam a persistir no Brasil durante séculos. a O primero desses elementos encontra-se na estrutura de produgio e pe Os engenhos de gta baie erate esate dP Bstado, de diferentes instituigdes ow de individuos em carater privado. Nos primérdios da indiistria, alguns engenhos chegaram a ser construi- dos com financiamento real, para estimular.a colonizagio e o crescimento econémico, Em 1587, ainda podia ser encontrado um engenho real na 357 © BRASIL COLONIAL - VOL. 2 Bahia, em Pirajé, perto da cidade, mas ele seria arrendado a um individuo em cariter privado." Mais tarde no século XVI, contudo, a Coroa jé se eximia de qualquer participacao direta, preferindo estimular a indiistria mediante a concessao de terras e isengdes fiscais a investidores privados. Alguns engenhos de agicar pertenciam a instituigdes, sendo as mais ‘importantes as ordens religiosas, especialmente os jesuitas, os carmelitas os beneditinos. Os jesuitas, presentes no Brasil a partir de 1549, foram | inicialmente apoiados por subsidios reais e herangas privadas.™ Apesar de inicialmente relutantes em se engajar na agricultura de plantagio, especialmente com emprego de mao de obra escrava, tendo em vista a possivel contradigdo com seus votos de pobreza e caridade crista, os jesuitas vieram a constatar no inicio do século XVII que a agricultura € a ctiacdo de gado podiam representar uma base econdmica para suas atividades missiondrias e educativas. Na Bahia, comegaram a desenvol- ver pequenos engenhos na primeira década do século XVII, mas um grande avango ocorreu quando o Colégio Jesuita da Bahia e 0 de Santo Antao, em Lisboa, receberam como legado o Engenho Sergipe na Bahia € 0 Engenho Santana em Ilhéus, ambos anteriormente pertencentes a Mem de $4, ex-governador do Brasil. Embora a propriedade desses bens fosse objeto de longo litigio, opondo os dois colégios jesuitas, um a0 ‘outro € também a outros reclamantes, esses engenhos, especialmente ‘© Engenho Sergipe, “Rainha do Recéncavo”, representavam impor- tantes ativos. Mais tarde, no século XVII, tanto 0 colégio dos jesuitas de Olinda quanto do Rio de Janeiro também entraram na posse de propriedades agucareiras. | Outras ordens religiosas também se envolveram na economia acu- careira, Na Bahia, franciscanos, carmelitas e beneditinos cultivaram a cana-de-agiicar em diferentes momentos, chegando os beneditinos e carmelitas a ter seus pr6prios engenhos."* Os beneditinos, estabelecidos no Brasil apenas em 1581, tornaram-se proprietdrios de plantages de cana no Recéncavo Baiano. Chegaram a construir um engenho, Sio Bento das Lages, em algum momento anterior a 1650. Pelo meado do século XVII, mais de 60% da renda dos beneditinos baianos derivava 388 (O NORDESTE ACUCAREIRO E 0 BRAS) eee do aciicar. Em Pernambuco, os beneditinos de Olinda eram proprierd~ rios do Engenho Musurepe, que funcionou a partir da segunda década do século XVII, enquanto os beneditinos do Rio de Janeiro dependiam { do Engenho Guaguagu. Os engenhos eclesidsticos eram a excegao. A | yasta maioria dos engenhos de agticar era de propriedade privada, As sociedades nao eram de todo desconhecidas, e alguns dos primeiros en- genhos foram empreendimentos conjuntos nos quais alguns investidores reuniram seus recursos, mas a propriedade individual era a forma mais comum, Com o tempo, a propriedade de mais de um engenho também se tornou comum, situagio gerada em certa medida pelos gargalos tecnolégicos provocados pela capacidade limitada dos engenhos e os problemas de transporte da cana a longas distancias. Assim, a tendén- cia para aumentar a capacidade criando uma nova unidade tornou-se comum, resultando na propriedade de mais de um engenho por parte de individuos e familias. Embora os engenhos de agiicar representassem 0 alicerce econdmico de certo nimero de familias aristocraticas de plan- tadores, que constituiram durante séculos a elite social, o mais comum eram historias de alta rotatividade e volatilidade da propriedade. Uma ntivas da economia agucareira foi essa inseguran- das caracteristicas dist ga e rotatividade, indicio das dificuldades da atividade plantadora. Os \ individuos e familias que encontrassem éxito tinham nas mios as rédeas 2 do poder e do prestigio locais. Antes de 1650, 0s conselhos municipais Ge Olinda, Salvador e Rio de Janeiro, além de prestigiosas irmandades leigas, como a da Misericérdia, eram dominados pelos senhores de engenho. Passaram a considerar-se uma aristocracia digna de respeito” ¢-deferéncia, nio obstante o fato de em sua maioria no terem origem nobre, sendo muitos, na verdade, descendentes de cristdos-novos.”” Na Bahia, por exemplo, representavam mais de 20% dos proprietarios de engenhos registrados entre 1587 ¢ 1592. : ‘Os homens (e &s vezes mulheres) que ndo tinham capital nem para construir um engenho voltavam-se para as plantagdes de ool agicar. Desde o inicio, a indiistria agucareira brasileira caracterizare pela existencia desseslavradores de cana, que forneciam a matéria-Peima, crédito 359 © BRASIL COLONIAL - VOL. 2 aos engenhos. Até as instrugdes originais de governo ou regimento recebidas pelo primeiro governador real, Thomé de Sousa, em 1549, reconheciam sua existéncia, procurando estabelecer regras para o seu relacionamento com os senhores de engenho.** Tudo indica que a experiéncia portuguesa nas ilhas do Atlantico, especialmente Madeira, fora particularmente importante no estabele: mento da utilidade dos lavradores de cana. No Brasil, eles se tornaram uum aspecto regular e essencial da economia aucareira, e sua existéncia teve profundas implicagdes na estrutura da economia e no funcionamen- to da escravatura, Até 1650, 0s lavradores de cana cultivavam a maior parte da cana-de-acticar produzida io Brasil." Isto provavelmente indica uma difusio do investimento e das caracteristicas de risco da primitiva indiistria agucareira brasileira. A explicagao da existéncia e da importncia dos lavradores de cana no Brasil € intrigante. Com certeza a tradigdo dos pequenos produtores estabelecidos na Madeira representou um precedente, assim como a anti- a pritica portuguesa dos contratos rurais, ou arroteias, mas o principal no Brasil pode ter sido a relativa escassez de capital para a construgio de engenhos nas etapas iniciais da colonizagao e o desejo da Coroa de estimular a colonizacao, oferecendo oportunidades a possiveis colonos. De certa maneira, os lavradores de cana representam uma prova da escassez de capital na etapa de formagio da colonia. A preocupagio da Coroa com sua existéncia e a exigéncia de que aqueles que recebessem concessdes de terras para construir os primeiros engenhos garantissem a protecio e os beneficios dos lavradores de cana deles dependentes representavam um reconhecimento de sua importdncia para 0 projeto de colonizagao eo estabelecimento da indiistria agucareira, Jé em 1548, registrava-se na correspondéncia entre o gerente do Engenho Sao Jorge ‘em Sio Vicente e o proprietario ausente a presenga de lavradores de cana, ‘mas ele também enumerava argumentos explicando por que a moagem de sua cana era onerosa e talvez desnecessiria.”” Esta tensio persistiu na economia agucareira brasileira durante o século XIX, mas até 1650 os lavradores de cana eram a caracteristica mais expressiva dessa economia. 360 ee eS Embora a designagao lavrador fosse empregadaem relagio a qualquer tipo de fazendeiro no Brasil, os lavradores de cana eram na verdade uma elite agraria, em posicao social logo abaixo dos senhores de engenho € no raro compartilhando muitas de suas origens sociais, caracteristicas e aspiracdes; mas isso também decorria da natureza de sua dependéncia, muitas vezes em conflito com os proprietarios de engenhos. A natureza dessa relago e seu status dependiam da posse da terra e do acesso a ‘la. Os lavradores de cana que tinham trrasem regime de sesmaria ou aquisigio eram na verdade pequenos proprietérios e se encontravam Jem posigao privilegiada para barganhar com os donos de engenhos. Os que dispunham dessa chamada “cana livre” geralmente dividiam 0 agticar produzido com sua cana, metade para o engenho e metade para © lavrador, e podiam negociar outras vantagens, como arrendamento de gado, ajuda no transporte da cana ou preferéncia na programagao de horarios do engenho, A maioria dos lavradores de cana nao dispunha dessa vantagem. Eles produziam “cana cativa” e detinham um partido de cana para o qual arrendavam terras, devendo entao levar a producao a0 engenho, pagando 1/3 ou 1/4 de sua metade do agticar produzido a titulo de aluguel da terra, Esses acertos e desvantagens contribuiram. para a instabilidade dos lavradores de cana como classe. Num periodo de 18 safras (1622-50) no Engenho Sergipe, na Bahia, 128 individuos so registrados como lavradores, mas apenas 41% (53) aparece em. mais de uma safra, e somente 19% (24) em mais de cinco." ‘A relagio entre senhores de engenho e lavradores de cana era complexa por causa da dependéncia reciproca e também do conflito inerente a esse relacionamento. Um engenho podia dispor de até trinta lavradores para fornecimento de cana numa s6 colheita, mas a média de lavradores de cana por engenho no Nordeste brasileiro era provavelmente de trés ou quatro. Em Pernambuco, em 1639, havia 250 lavradores fornecendo cana acerca de 166 engenhos. Esta situagao proporcionava a muitas pessoas uma entrada relativamente facil na economia agucareira, muitas vezes na expectativa de mobilidade social. Os custos iniciais de operagao para um lavrador de cana representavam aproximadamente um tergo dos 361 | custos de um proprietario de engenho. Do ponto de vista dos senhores ‘0 | de engenho, a existéncia dos lavradores de cana era uma maneira de partilhar os riscos e encargos financeiros da producdo de agicar. Na Bahia, cerca de 1/3 dos escravos empregados na produgio de agticar era de propriedade dos lavradorés de cana, e nio dos engenhos. Os senhores queriam e precisavam de lavradores, mas temiam que ao adquirir suas proprias terras ficassem em condigdes de negociar melhores acertos para a moagem de sua cana ou acabassem construindo seus proprios engenhos, gerando concorréncia pela cana e a madeira, Uma estratégia consistia ento em vender terras aos lavradores, mas com restrigdes que forgassem ‘© comprador a fornecer sua cana ao engenho do vendedor em carter erpétuo ou a pagar outras penalidades se a cana fosse vendida a outros compradores. Os lavradores reagiram com suas proprias estratégias, nao raro vendendo “cana cativa” a outros engenhos, especialmente nos anos de baixa produgdo, quando a demanda era grande e muitos nao tinham como cumprir com suas obrigagoes. Esta situagao acabou gerando uma crise na Bahia na década de 1660, quando Bernardino Vieira Ravasco, irmao do famoso jesuita padre Antonio Vieira, senhor de engenho e secretario de Estado do Brasil, liderou um movimento no conselho municipal de Salvador para limitar @ construgao de novos engenhos. A proposta encontrou séria oposigao dde muitos senhores de engenho, argumentando que se 0s lavradores ndo Pudessem ter a expectativa de se tornar senhores de engenho, nao mais se disporiam a servir como lavradores de cana. A Coroa acabou pro- mulgando na Bahia, em 1681 e 1684, leis que limitavam a construcao de engenhos a 1.500 bragas (cerca de 3 quilémetros) de outros jé existentes. efeito disso foi estimular a abertura de novas reas agucareiras mais. distantes do litoral. Leis semelhantes foram promulgadas em outras capitanias. Embora aos senhores de engenho nio agradasse a possivel concorréncia de novos engenhos e a relativa vantagem dos lavradores de cana quando muitos senhores disputavam seu produto, eles também se davam conta de que, sem uma expectativa de mobilidade social, poucos haveriam de aceitar os encargos do plantio de cana. Os lavradores de 362 ‘cana eram um elemento permanente da economia agucareira brasileira e também, em seus primérdios, uma medida de sua condigao econdmica. Havia muito capital e muita riqueza entre os lavradores de cana, alguns ligados por lagos de sangue ou matriménio aos senhores de engenho. Havia também ui niimero de mulheres, no raro si vas, participando da economia acucareira. Digno de nota até o fim do século XVIII, contudo, era 0 fato de os lavradores de cana serem quase inyariavelmente brancos. Os negros ¢ mulatos livres simples- mente nao dispunham de créditos ou capital para assumir os encargos desse tipo de agricultura, Sua auséncia chama a atengdo para o status social relativamente alto dos lavradores de cana como plantadores em potencial. Um status que poucos deles de fato aleangavam, mas a possibilidade sempre representava um atrativo, Esta situagio perdurou até o século XVIIL. Globalmente, os lavradores de cana e senhores de engenho estavam anidos por seus interesses ¢ pela dependéncia ao mercado internacio- inal. Juntos, constituiam os “nervos do corpo politico”, nas palavras de Wenceslao Pereira da Silva em 1738. Antonil advertiu os senhores a tratarem seus lavradores bem, e em 1623 um administrador do Engenho Sergipe informou que precisava tratar os lavradores com cuidado, pois "2 Mas muitos senhores abusavam_ “nesta terra tudo é respeito e cortesia’ de Sea poder. Em ultima analise, os dois lados precisavam um do outro. Os lavradores de cana eram sob muitos aspectos protoplantadores, pro- prietirios de gado, escravos e as vezes terras. No raro pene Fi tmesmos estratos sociais que os grandes plantadores, compartilhando | ‘com eles muitas atitudes. Cooperavam em conflitos com os! one ena busca de uma moratéria das dividas, concessio que foi aleangada na Bahia em 1663, com uma lei proibindo o arresto de um engenho por dividas menores que seu valor total, estendida aos lavradores de cana baianos em 1720 e a outras capitanias posteriormente. ee Essas aparentes “vitorias” dos devedores podem ter contribuido para as dificuldades que o Brasil viria a enfrentar ao tentar competir com Barbados e, mais tarde, com a Jamaica. As unidades integradas de 363 produso, com numerosa mao de obra escrava sob controle unitario, que passaram a caracterizar a produgio caribenha eram de realizagio difil na realidade do Brasil, em vista da tradigdo dos lavradores ¢ da relutncia dos credores em fornecer amplos créditos para a mio de obra escrava expandida e necesséria para as plantagdes unificadas, A sobrevivéncia dos lavradores de cana como classe social era um sintoma da incapacidade do Brasil de transformar sua economia agucareira em conformidade com os novos modelos do século XVIIL* A segunda caracteristica da indiistria agucareira brasileira em seus primérdios era a dependéncia relativamente longa de uma forca de tra- balho indigena e a gradual passagem para os afticanos. Nos primeiros | setenta anos aproximadamente, a indiistria dependeu da mao de obra \indigena. Também isso parece indicar uma falta de capital ow crédito ara financiar a importagao de trabalhadores africanos como escravos. Os escravos africanos e afro-brasileiros viriam a predominar na econo- ‘mia agucareira, mas esse processo se deu num periodo prolongado, de mais de meio século, A transi¢ao dos indios para os africanos como trabalhadores foi tum elemento-chave da expansio da economia acucareira brasileira no fim do século XVI. Com a intensificagao das exigéncias da agricultura acucareira em meados da década de 1560, o trabalho indigena ja nto podia ser obtido por escambo. Além disso, as tentativas dos portugueses de se apropriar de trabalhadores nativos pelo resgate de prisioneiros de guerra, para em seguida manté-los temporariamente como escravos, | enfrentou crescente oposigio dos jesuitas, alegando que os indigenas | das aldeias jesuiticas podiam fornecer mao de obra para os engenhos de | maneira mais eficaz e com menos abusos. Em 1600, eles afitmavam ter 50 mil indigenas sob seu controle, & disposigio tanto da Coroa quanto { dos colonos. Enquanto isso, a Coroa legislava cada vez mais contra a \escravizagio de indigenas, com lei promulgadas em 1570, 1595 e 1609. Nesse perfodo, contudo, os indigenas, fossem escravizados ou livres, representavam a principal forga de trabalho na economia acucareira, assim permanecendo até as primeiras décadas do século XVII. 368 ‘A demografia também foi um fator decisivo na transigio. A popu- Jacao indigena foi dizima doengas, primero a variola, depois 0 sarampo, entre 1559 ¢ 1563. Milhares morreram, aldeias inteiras foram abandonadas, muitos fugiram para o interior, disseminando a doenca, Osportugueses reagiram mandando novas entradas para o interior, para trazer mais trabalhadores, e transferindo grupos de uma capitania para ou- tra, mas essas politicas eram onerosas a suscetbilidade dos indigenas as doengas fazia com que os plantadores de cana relutassem em investir na aquisigao de mais indios ou no seu treinamento em aspectos técnicos da produgio do agiicar. ‘A transigao de uma forga de trabalho de indigenas para outra predo- minantemente de africanos ocorreu lentamente ao longo de um periodo de cerca de meio século. Ja na década de 1540 eram buscados escravos negros, mas eles ainda eram muito poucos na década de 1560. Muitos dos primeiros africanos trazidos para o Brasil eram provavelmente ofi- ciais, vale dizer, trabalhado1 los, € alguns indubitavelmente ja tinham trabalhado em engenhos na ilha da Madeira ou oe Sao Tomé. No Engenho Sao Jorge, havia em 1548 apenas sete ou oito afticanos, servindo no entanto como capatazes ou encarregados da purificagao ou }) das caldeiras. Em 1580, a forga de trabalho agucareira em Pernambuco ainda era aproximadamente 2/3 indigena, mas a transicdo se processava. | Era mais oneroso obter trabalhadores africanos, mas, considerando-se 0 crescente custo da aquisigao de indigenas, sua suscetibilidade as doengas, sua disposigao de fugir ea percepgao dos portugueses de que os africanos eram trabalhadores mais fortes e capacitados, os africanos passaram a ser cada vez mais procurados. Em 1572, no Engenho Sergipe, na Bahia, um trabalhador africano valia 25$000, enquanto um indigena com capacitagio semelhante valia em média apenas 9$000. Os seistos to Engenho Sergipe permitem-nos acompanhar essa transigio. Em ith apenas 7% de sua forga de trabalho eram de africanos, mas em 1591 0 percentual era de mais de 37%,eem_ 1638 ela ja era totalmente africana ou afro-brasileira.*® Era mais oneroso obter trabalhadores africanos, / mas a longo prazo eles se revelavam um investimento mais lucrativo. \ 365 ERASE COLONIAL - VOL. 2 A transigio de uma forca de trabalho de americanos nativos para ‘outra composta basicamente de africanos e seus descendentes tinha como paralelo uma segunda transigao, de trabalhadores brancos qualificados em sua maioria livres para especialistas e artesios do fabrico de agi- car que eram escravos ou negros livres.** Nos primérdios da indiistria acucareira brasileira, ndo raro se viam até vinte brancos trabalhando com um salério anual ou mediante prestagao de servigos. Eram soli- citados capatazes, supervisores, encarregados de caldeiras, ferreiros, carpinteiros, construtores de barcos, pedreiros. Os trabalhadores eram remunerados de diversas maneiras, em fungao nio s6 da capacitacio ‘mas também da etnia; os brancos sempre eram mais bem remunerados que 0s negros ou mulatos, sendo os indios os que recebiam menos pelas _mesmas tarefas. Com o passar do tempo, verificou-se uma generalizada tendéncia para substituir os artesdos brancos por escravos ou antigos escravos alforriados, para os quais essas ocupagdes representavam uma forma de acesso a mobilidade social. A possibilidade de acesso a essas Posigdes servia de incentivo aos escravos do engenho. Os plantadores davam preferéncia, para ocupar essas posigées, a0s mulatos e negros nascidos no pais (crioulos). Do ponto de vista dos plantadores, o inte- resse era substituir trabalhadores brancos livres por escravos ou antigos escravos, que podiam receber uma remuneragio menor que os brancos.” Essa mudanga para uma mao de obra qualificada afro-brasileira resultou da intensificagaio do comércio escravagista no Atlantico e das alteragdes demogréficas por ela geradas, dando aos plantadores a oportunidade de reduzir suas despesas operacionais, passando a recorrer a uma crescente populagdo brasileira de origem mista. Finalmente, 0 acesso ao capital e ao crédito ¢ 0 padrao de lucratividade ‘constituiram fatores-chave para o sucesso da economia agucareira. Em 1618, 0 cristéo-novo Ambrosio Fernandes Brandao afirmava que muitos Portugueses que tinham feito fortuna na fndia retornavam a Portugal ara gasté-la e levar uma boa vida, mas raramente alguém que tivesse ficado rico no Brasil voltava ao seu pais. O motivo era o fato de a riqueza ino Brasil expressar-seem terras, nio sendo portanto transferivel. Apesar 366 (© NORDESTE ACUCAREIRO E O BRAS Kee dos eventuais comentarios sobre o estilo de vida opulento dos grandes plantadores, muitos deles levavam uma vida simples, aplicando suas fortunas na construcao de suas propfiedades. Os plantadores estavam. sempre se queixando das dividas e dos gastos, mas parece evidente que uma riqueza consideravel foi gerada, pelo menos nos setenta primeiros anos do crescimento da indistria. O calculo dessa riqueza, contudo, € dificil. Os plantadores simples- mente calculavam a renda anual em cotejo com as despesas, para saber como se saiam. O que muitas vezes Ihes dava uma falsa impresséo de sua posigio econdmica. Além disso, o Brasil e sua metropole, Portugal, sofriam de crénica escassez de moeda em circulagao, especialmente no periodo anterior a 1580. Foi o que o gerente do Engenho Sio Jorge deixou claro em 1548: “Pois aqui nao existe circulagéo de dinheiro e se deve forcosamente ceder as coisas a crédito por um ano e esperar dois anos para ser reembolsado. Dessa forma, todo proprietério de um engenho aqui paga aos trabalhadores em bens (...).” Esta situagao de certa forma sé alterou entre 1580 e 1620, a ‘acesso & prata peruana por contrabando, através de Buenos Aires, num volume que a Coroa estimou em 1605 chegar a 500 mil cruzados em moeda e barras por ano.** Mas essa porta se fecharia depois de 1621, es as condigdes anteriores de escassez.” Nos primeiros anos da industria, muitos dos moinhos foram construi- dos com créditos fornecidos por comerciantes de agticar. Nesse periodo, as terras muitas vezes eram adquiridas por concessao a mao de obra, pela captura de indigenas, o que mantinha originalmente baixos os cus- tos fixos de capital, facilitando a formagio do capital. Ainda assim, era ,caldeiras ¢ formas de agticar necessirio construir prédios e maquinai precisavam ser compradas ou fabricadas, assim como gado, barcos € carrocas, preparando-se ou se arrendando terras para o plantio da cana. Uma das fontes de capital para a indistria agueareira parecem ter sido as funcdes governamentais, Os estudos recentes de Joao Fragoso sobre o desenvolvimento da economia agucareira no Rio de Janeiro revelam ilias de plantadores estabelecidas na regido antes, que a maioria das fat de 1620 haviam desempenhado fungdes administrativas aparentemente usadas para abrir portas no actimulo de riqueza ou na obtengio de ou- tras vantagens que entao possibilitaram a chegada 4 posicao de senhor | deiengenho.® Sucessivas gerecBes eram proprietérias de engenhos de agiicar ¢ habitualmente ocupavam cargos no conselho municipal do Rio de Janeiro, dando continuidade a unido entre a fungdo pablica e a fortuna. As fungGes reais, os contratos fiscais e as fungdes municipais, geravam o capital que viria a ser investido na industria agucareira. Pa~ droes semelhantes parecem ter prevalecido na Bahia e em Pernambuco. (Os que desejavam entrar no negécio da produgao de acticar geralmen- te constatavam que havia escassez de espécie, de modo que o crédito era essencial para dar inicio as operagGes, fosse no caso dos plantadores ou dos fazendeiros — dependendo estes as vezes daqueles para ter acesso a0 crédito, Se tomarmos como referéncia padroes desenvolvidos poste- riormente, muitas plantagdes foram montadas com um desembolso de cerca de um tergo do capital necessario, sendo o resto fornecido a crédito. Isso permitia que pessoas de recursos relativamente modestos aspirassem a condigao de senhor de engenho, significando que seus lucros eam consideravelmente mais altos que os que poderiam ser depreendidos da proporgio entre capital e renda anual. Os créditos eram obtidos em diferentes fontes, sendo os irmandades caritativas (mis ui conventos, cdias) € outras instituig6es religiosas as, principais fontes de dinheiro emprestado em condigdes comodas de cerca de 6,25% a tomadores de baixo risco ou grande prestigio. Esses emprés- timos eram muitas vezes de muito longo prazo. Os tomadores menos privilegiados contratavam empréstimos a taxas muito mais elevadas junto a comerciantes que davam um jeito de contornar as limitages impostas a usura. Muitos senhores montavam engenho contando basicamente com créditos, 0 que no entanto levava com frequéncia a conflitos com comerciantes por motivo de atraso. A falta de registros notariais nesse periodo constitui um sério impedimento no sentido de determinar a natureza dos acertos crediticios. Sabemos que os registros notariais de Amsterda revelam muitas transacdes envolvendo cristaos-novos ligados 368 en Ee eee a roe ees por seus investimentos ao comércio brasileiro € 4 economia imperial portuguesa, mas praticamente no dispomos de provas de investimen- tos diretos na producao de agticar."' Hi indicagdes de que o crédito era fornecido quase sempre por comerciantes locais ¢ correspondentes na col6nia, e nao por fontes europeias. Durante 0 rapido crescimento da industria depois de 1570, alguns observadores falavam da riqueza e opuléncia dos plantadores de agiicar, de seu gosto pela hospitalidade luxuosa, a vida em alto estilo e os simbo- Jos de umestilo de vida nobre. Na muito citada expressao de Antonil, ser ‘um senhor de engenho no Brasil equivalia a ter um titulo de nobreza em Portugal. Mas prestigio nao era 0 mesmo que riqueza. Apesar do gosto pelo luxo, og retornos de capital dos plantadores nao parecem ter sido Ho extraordinariamente altos quanto em certas estimativas modernas, superestimando a produgio e subestimando os custos.** A mao de obra era um elemento essencial dessas despesas, tanto como custo fixo, na forma de compras, substituigdes, alimentagio e cuidados com os escra- vos, chegando talvez a cerca de 25% dos gastos anuais, como também na forma de salarios pagos a especialistas, artesios e eventualmente trabalhadores do agticar, ou 0 equivalente a 20-30% dos custos anuais. Como vimos, era esta uma drea onde os plantadores de aciicar procu- ravam cortar gastos. No inicio do século XVII, era possivel montar um engenho ao custo de 8-10 mil cruzados (3:6008). Pelo fim do século, 0 valor médio de um engenho baiano era de aproximadamente 15 mil, sem contar os escravos, e talvez de 18-20 mil cruzados contando com eles. capital era distribuido entre varios bens (prédios, equipamentos, gado etc), € a terra constituia invariavelmente o mais valioso, costumando representar metade do valor total do engenho. A forga de trabalho es- cravo geralmente representava algo em torno de 20% do capital. Nesse periodo, um lucro de 2:000$ a 3:000$ num engenho valendo 20:000S, ou um lucro de 10 a 15%, era considerado muito bom, nem sempre sendo aleangado, ‘Ao longo do século XVII, um retorno de capital oscilando entre 5 € 10% na indiistria como um todo provavelmente era comum, embora 369 ‘O BRASIL COLONIAL - VOL. 2 © NORDESTE ACUCAREIRO E O BRASIL COLONIAL fossem possiveis taxas mais elevadas em periodos de expansio. Os ¢ tornaram mais dispendiosa a aquisigdo de mao de obra indigena, e lavradores de cana enfrentavam condigdes ainda mais dificeis, Mas 0 $6 a introdugio do engenho de trés rolos permitiu a continuidade do fluxo de caixa talvez nio seja a melhor maneira de avaliar o negécio da processo de expansio, embora jé agora a um ritmo reduzido. Com a produgao de agiicar. Boa parte dos ganhos iniciais da industria podem crise de 1623 e a subsequente queda dos pregos do agiicar no mercado ter assumido a forma de criagio de capital, a medida que o valor dos atlintico, seguidas da invasio holandesa de 1630, com toda a pertur- bens se elevava mais rapidamente que a renda, o que parece dar a en- bagdo que causou, inclusive os indices mais altos de resisténcia e fuga tender um alto indice de poupanga, Devemos lembrar que muitos dos entre os escravos, a indiistria agueareira brasileira entrou numa nova primeiros engenhos no século anterior adquiriam terras pelo regime de etapa de estabilidade e expansio lenta, na qual as exigéncias da guerra sesmarias e trabalhadores indigenas por simples captura, a um custo e da politica passaram a desempenhar um papel mais importante que as monetario relativamente baixo, de tal maneira que o valor do capital vantagens e benecios do clima e do regime de chavas. No momento em. crescia rapidamente. A aragem da terra, a construgao de capelas, casas que 0s novos concorrentes caribenhos em Barbados, Suriname, Jamaica © prédios, de aquedutos e moinhos aumentavam o valor do capital, ¢ Martinica desafiavam a posigio predominante do Brasil a indistria do representando a construgdo de uma riqueza pessoal. Isto por sua vez asdicarjé enfrentava considersveis dificuldades causadas por sua organ gerava bens que facultavam uma expansio do crédito. Nesse ponto, a zaco social interna e as tensdes que havia gerado. O agiicar continuou importncia dos vinculos familiares e pessoais em geral, tio comum no Jsendo a mercadoria agricola mais valiosa do Brasil até meados do século Comércio do inicio da era moderna, também desempenhou um papel, XIX, e o plantio do agiicar, um negocio dificil ¢ as vezes lucrative a0 explicando a participagio ativa de cristios-novos em todos os aspectos longo do século XVIII. Mas 0 apogeu do fim do século XVI e do inicio 2S lina as formal ge BRE AGI eeu pe ido século XVII nunca voltaria da mesma maneira, embora a esperanca eee ey cone ea Para a indistria como um todo, o perfodo entre 1560 ¢ 1620 pro- de senhor de engenho, assim como a riqueza, ao poder e a autoridade vavelmente assistiu aos maiores ganhos de riqueza, com considerdvel que passara a representar, arrefecimento posterior, a medida que os precos do acticar declinavam agticar projetou uma forte sombra sobre a hist6ria inicial da ° €, em consequéncia, aumentavam os custos. A geracao fundadora de coldnia. Grandes cidades foram fundadas como portos e centros ad- plantadores adquirira boa parte de suas terras por concessio e a mao ministrativos para 0 comércio agucareiro. As cidades secundarias de obra por captura ou ainda por contratagio, com os jesuitas, de desenvolviam-se com lentidao, pols os engenhos muitas vezes usurpavam. trabalhadores nao remunerados ou modestamente remunerados, Seus suas fungdes econdmicas e religiosas. As colheitas de subsisténcia, a gastos haviam sido reduzidos por esse processo, e seus ganhos, poten- criagio de gado, a guerra contra povos nativos e sua captura € 0 des- cializados. Por volta de 1620, as melhores terras, proximas do litoral, matamento da Floresta Atlantica foram em certa medida resultado das haviam sido ocupadas, de modo que a expansdo s6 podia dar-se em terras “\necessidades da economia acucareira no Nordeste. O mesmo ocorreu mais afastadas, onde seriam mais elevados os custos de transporte. As 4 importagao de cerca de meio milhio de africanos no século XVII. A sesmarias tornaram-se menos comuns e cada vez mais as novas terras sociedade brasileira organizou-se hierarquicamente pela cor da pele, eram adquiridas mediante compra. As medidas da Coroa para eliminar a locupando os brancos 0 topo da hierarquia, os mulatos, mestigos € escravidao indigena e a oposigao jesuita por ela enfrentada dificultaram loutros pardos, 0 meio, ¢ 0s africanos escravizados, a base. Mas havia 370 an (© BRASIL COLONIAL - VOL. 2 outras divisdes e hierarquias, em matéria de situagao juridica, et lugar de nascimento, origens religiosas ¢ ocupagao. Os engenhos nao criaram essas hierarquias, mas suas estruturas internas, com proprie- tarios de origem europeia, trabalhadores coagidos, primeiro indigenas e depois africanos, € uma série de artesdos e outras posi¢des ocupadas [por brancos pobres, ex-escravos libertos e povos de origem mista, ten- diam a reforgar e expor as estruturas constituint sociedade. Neste ai cgsia marion see espelhos da sociedade brasileira durante a grande época agucareira. Notas 1, Cuthbert Pudsey, 2000. v.3,p. 25. A impressio de Pudsey no er singular. Frei Vicente do Salvador, o primeizo historiador do Brasil, observou que no Brasil 48 coisas eram invertidas, pois a coldnia toda nao formava uma repablica, antes parecendo que cada casa era uma repablica. Vera discussio em: Fernando A. Novais, 1997298, p. 13-40. 2. Hermann Kelenbenz, 1968, p.295; Eddy Sols, 1968, p. 405-419. 3. José Ant6nio Gonsalves de Mello e Cleonir Xavier de Albuquerque (eds), 1967, p71 4. Christopher Ebert (no prelo). $. Domingos Abreu e Brito, 1931, p. 58-59 6. *Provincia do Brasil", ANTT, Convento da Graga de Lisboa, tomo vi Este docu ‘mento € analisado em Artur Teodoro de Matos. *O império colonial portugués no inicio do século XVII", Arquipélago,v. 1 n° 1 (1995), p. 181-223. 7, Memorandode Joseph Israel da Costa, Algemein Rijksarchief, Loketkas 6, Staten Generaal West Indische Compagnie. 8. AHU, Bahia, papéis avulsos eaixa 1, 1° ser. no cat. 9. A respeito da questio ainda nio esclaecida da invengo do engenho vertical de tuGs rolos, ver John Damiels ¢ Christian Daniels, 1988, p. 493-535, 10. G.B, Hagelberg, 1996, p. 9-2. 11, ANTT, Cartério dos Jesuitas, mago 13, doc. 4. Na colheita de 1611-12, no Engenho Sergipe, a seguinte anotacao foi feta no livro de contabilidade: “a um artesio que ajudou Sebastiio Pereira a fazer uma gangorra durante 12 dias a 3201s”. (ANT, Cartorio dos Jesuitas, mago 14, doc. 4). 12, Suely Robles Reis de Queiroz, 1967. aa 3B. Me 15. 16. 17, 18 wv. 20. 2 2) 23. 24, 2s. 26. 2 28, 29, (© NORDESTE ACUCAREIRO E 0 BRASIL COLONIAL ara uma discussio dos efeitos dos combates maritimose terrestres na indstria do agticar em Pernambuco, ver Evaldo Cabral de Mello, 1998, p. 89-141. Pedro Puntoni, 1999, p. 81-82. Ver também Hermann Watjen, 1938. ‘Van dee Dussen, FHBH, I p. 137-232, RIAGP, 31 (1886); 32 (1887). In: C.R. Boxer, 1957, p. 143. O mesmo ponto de vista é sustentado por José Antonio Gonsalves de Mello, 1978, p. 134-135. Essa afirmagao da incapacidade holandesa no fabrico do agicar era comumente reite- ada pelos portugueses, mas contestada por alguns dos holandeses, sustentando que, com orientagio de especialistas do Brasil, os inglesese holandeses acabaram aprendendo suficientemente a fabricagao de agar para se tornar importantes concorrentes dos portugueses. Evaldo Cabral de Mello, p. 172-218. (Os livros essenciais sobre 0s primérdios do comércio agucareiro sio Frédéric Mauro, 1960; Eddy Stols, 1971. Ver também, Christopher Ebert, 2008, contendo ‘uma anilise dos primeiros anos, antes de 1630, ¢ Lecnor Costa Freite, 2002. José Antonio Gonsalves de Mello, 1993, p. 21-144. Vertambém, Manuel Antonio Fernandes Moreira, 1990, contendo o ponto de vista de um pequeno porto por- tugués no meado do século XVII. Ver John Everaert, 1991, p. 99-142. Sobre a continuidade do mercado agucareiro de Bruges a Antuérpia, ver W. Brulez, 1970, p. 15-37 Manuel Anténio Fernandes Moreira, Os mercadores de Viama, p. 20-27. Na realidade, a caravela foi proibida no comércio brasileiro em 1648. Ver AHU, Codice 14, 146v. Fago uma deserigio mais completa do fim do comércio privado «do papel da Brazil Company in Schwartz, p. 180-181 Domingos do Loreto Couto, v.24 (1902), p. 171. Durante a ocupacio holandesa de Pernambuco, 0 costume da béngao do engenho cedos trabalhadores por um padze, no inicio da colheita, estava tio arraigado que até 0s proprietarios de engenbos holandeses a autorizavam, nio obstante a obje- ‘goes da diregio da Igreja Cristd Reformada, contra a tas *superstigies” € 30 fato de asafta geralmente comecar num domingo. Ver Frans Leonard Schalwijk, RIAHGE, v. 58 (1993), p. 145, 168, 172, 178. ‘Cuthbert Pudsey, p. 31 ANTT, Ing. n. 10, 776. ‘ Em investigagdes efetuadas pela Inquisigio na Bahic e em Pernambuco na dé- ‘cada de 1590, alguns plantadores foram acusados de nao obrigar seus escravos a trabalhar no sibado, suposto sinal de observincia judaica por parte desses plantadores. Ver Elias Lipiner, 1969, p. 71. Gabriel Soares de Souza, 1971. Van Dusen, p. 93-96, m

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