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LAURA DE MELLO E SOUZA O DIABOEA TERRA DE SANTA CRUZ FEITICARIA E RELIGIOSIDADE POPULAR NO BRASIL COLONIAL Ih reimpressio CAPITULO 2 RELIGIOSIDADE POPULAR NA COLONIA fdées comme fee celigions, ble, oi Hes peupes sont "HL est inadmissible que des systhéme qui ont cennd dans Thisioire une place si consi venus, de tout temps, puter Penéreic qui leur était aécertire pour xiv, ne sofent que des tissus dillusions” xy tlémentaires le ba vie religheu Durkheim, Fare TRAGOS GERAIS Sujeito por mais de meio século 2 jurisdigio da bispado de Funchal, contendo, nos subseqlientes cem anos, com um dnico bis- pado —= 9 da Bahia —, © Brasil colGnia teria nos jesuitas os primeitos” organizadorce do seu eatolicismo.' A instituigée do Padroado, ante- rior & descoberta, fazia ds Coroa portuguesa patrono das missées catélicas © instituigiee celesisstioas na Attica, Asin e, depots, no Brasil! Foi 0 Padroado que incentivou © sustentou missiondrios em ferras coloniais, antecipande-se a Igreja Romana ¢ ocupando um espago vago? Por ocastéa da eciagia do bispade da Baba (4551), desonrolavase 0 Concilio de Trento (1545-1563); cniretanto, apesar deste ter representado, de certs forma, 0 triunfo da cristandade me- ridional, nao colocat @ muads ultcamatina no cenlko de suns preo- rages imediatas.' Voltade para a Europe, mio teve sequer um cu (1) © espitito de organizagio foi uma novidade moderna no plano dt bistdria cristd ¢ na da epasiolada, Santo Inicio senda, neste sentido, um de seus maipres “te6ricos”. T. Delumeau, Le catholicisme enire Luther et Yot- laice, Pacis, PUP, 1971, pp. 10HK04, Numa bela formulagio, Defumicau eatac- iris ¢ ag80 posteripr de Sio Vicente de Paulo come “o espfcito de organiza gio celocade a servigo do amor’ — idem, p. 108, G2) Ver Charles, R. Borer, A fercja € a expansto ibsrica — 1440-1770, luad,, Lisboa, Eéipger 70, 1981, p. 99; Fortunato de Almeida, Histéria da Igrcja om Portugal, ed, Damiéo Peres, Porto, Portucalense Editora, 1967, vol, 1, pp. 367 © segs (3) Eiusrdo Heornasrt, A tgtela no Brasil coldnia —~ 1330-1800, Sto Pavlo, Bresiliense, 1982, pp. 35°36 (4) "... 0 concflio foi ecuménico de dircito, née de fate. Representou sebretudo # cristandade meridional da Europa” — Delumesu, op. cily p. 67. 86 Pe OS Sac, \ 1 Ra, prslade colonial que astistigse as suas sessées.* $6 nd séevlo XVII & que Roma passaria ¢ se preocupar com & evangelizasio do mundo colonial, procurando ainda restringir 0 alcanet da ag30 do Padroado: em 1622, criaria a Congeegasie pers a Propuguyio da FE“ Com base nestes fatos, a historiogralia que se vollou para o estudo da religiasidade colonial procurou explicar suas caracteristicas especificas, A Qluidez da atganizagio eclesidstita teria drixado espago pata a atuagao dos capelaes de engenhe que gravilavam em torno os semthores: descuidando do papel do Estado ¢ enfatizando o das familias na process da colonizagio, Gilberto Freyre insere na sua explicagio aquilo que denoinina de “catolicismo de fumilis, com 0 copelic’ sudardinado ao pater fumilies”.*_A_religiosidade syburd snavasse desta forms. a forca aglutinadors 2 orpaniaatrn dos enger “bss di-agieasintsarande o triéngule Casx Grande = Seuzsla — “Cappla, sue especificidade maior seria oLamilisma. explicador do acentuado cardter afetivo ¢ da maior intimidede com a simbologia catélica tio caracteristicamente nossos. A percepgdo desta facta da nossa religiosidads & om Froyre, genial, © mais adiante vollaremes a ela, Entretanto, sua explicagdo relega as mouifastagdee indigenss 2 mata sombria, © as africanas & insslubridade da sestzala ' Mestigas de brango, indie c negry, ostariamos como que “con. denados” ao sincretismo pelo fato de no sermos ume cristandade romana: win bispado em com anos, auséncia das visilas pastorais recomendadas yor Trena — que, alids, 96 teria sido aplicado no Brasil no século XIX —, as Constitidgdes Printeiras do Arcebispado da Bali, de 1707, ropresentando a Gaica legislngio cclesidstica do primeito periodg colonial.” Mais ainda: & menarquin — poder tom- poril —, imiscuindo-se nos negéeios do cspirito através do Padroado, pautava a evangelizagio antes por razées de Estado do que pelas da 63) Bares, op. elt Be OH (6) Delumeas, op. cit, pp. 138-138; Heornoert, op. et city Be 106 G) Cilberto Freyre, Casa Grande & Senzala — Forniceio de Famitio Brasileira sob regime de economia pairiareal, 9. ed., Rio, Jose Olynpio, 1958. po XXKVIE, " ‘A maior jalluénels dos eapelies Us ja cum 0 depois menta dy esceaya Joana, presa em elém pela Visilagso de 17641763 oF Teitigasa: “enguanto esleve nesia cidade sempre ouvia rissa nos diss de pre ceite, € nos ssbsdos de Nossa Senhora: porém que depois de ir yara a anger rnho, rstissinios veess ouvia miss2 pot ngo ter ccasise senfo quindo seus senhores iam ouvila” — ANTT, Inquisiggo de Lisuea, Ceocessa m7 268 — “Proceso de foana preia crioula. (8) Hoornzert, op. cit, 9p. 1243. p35: Boxer, op. wgenho few area j Alma: dai uma Igreja que edmitia a escravidio, imprescindivel & ex ploragio colonial. A originalidade da cristandade brasileira residiria portanlo na mestigagem, na excentricidade em relaso a Roma © no temo conflito representado pelo fato de, sendo expressio do sistema colonial, ter que engolir a escravidio: uma eristandade marcada peto estigme ‘da nao-fratcenidads.? Gilberto Freyze preenche com o familisme religioso 0 claro dei- xado pelo descaso tridentino ante a colénia no seu primeire século de exisiénela; Hootnaert, numa explicagio mais complexa, dé indu- bicavelmente grande peso & fluidez da estrulura eelesiéstica no py meio momento da coldnia, Chega a dizer que, até 1750, cavacteri zou-se 0 Brasil por unis espiritualidade medieval: foi cla que se mostrou presente na organizagio em contrarias, foi ela que coloriu a religiosidade popular.’® Ora, 0 que parece passar despercebida é a caracteristica basica da nossa religiosidade de entio: justamente 0 seu cariter especificamente colortial, Branca, negra, indigena, refun- div espiritualidades diversas num todo absolutamente especifico © simuliancamente multifacctade Caso tivesse se atrolado, ainda no século XVI, 4 Igroja de Trento, teria sido diferente a religiosidade do Brasil colénia? Na prépria Europa, sabese hoje 0 quanto demorou a se estabelecer a uniformi- dade tridentina, Durante todo 0 século XVI, as pardquias néo che garam a ser verdadeiramente importantes na seligiso vivida pelas populagdes européias, para descspero do arcebispo de Milio, Carlo Borromeo (1564-1584), que procurava fazer das dioceses “exércitos bem organizados, que tém seus genersis, coronéis © capities” — tomando, a somelhianga de Santo Indcio, 0 modelo organizacional militar como parmelto para dar homogeneidade & multifacetada teligiosidade do povo.!! Duranic 0 século XVII, duss religides di- versas coabitavam na cristandade européia: a dos tedlogos e a dos erentes — apesar dos esforgos redobrados das elites para quebrar a cultura arcaizanle que sobrevivie no scio das massas cristianizadas havia séculos. A toncepeo mégica do mundo atravessava as classes sociais, comum ao “gentithomem © ao burgués, aos homens das ( Hovenaceh, “A eriatandade durante 2 primeirs época colonel” in Hoornacrt, ef alii, Histéria da Iercia na Ueasil, Petrépolis, Voues, 1979, tote 2. pp. 268249, (10) Hoornaett, “A cristandade durante a, primeira époce colonial", pp. 355.356. (1) Joh Bory — “The CounterReformation ond the People of Ca tholie Europe’ — Past and Present, n+ 47, maia de 1970, p. 58. a8 ey AE aldeias © a0 dos campos. O conhecimento cmpicico era partithade por todos, ¢ a fisica galileana sé dizie respcito a uma minoria de sdbios.”" ? Exemplo famoso, que intrigou Lucien Febyre e Mandrou, Jean Bodin foi simultaneamente 0 autor dos Livros da Republica e dn Demononanin dos Feiticeiras, nfo se mostrande, portanto, alheio a0 universo de crengas camponcsas © populares de sua época.”* A igesia Reformmada © 9 Absolutismo acabariam por modelar cultural mente as elites, mas ndo homogencizariam 0 conjunto da populagao: no século XVIII, 0 mundo camponés ainda explicave o sucesso dos exércitos aliados através da influéncia do diabo — conforme trans- parece nas Memdrias de famerey Duval, homem de extes¢io popular que se tornara biblioteedtio do Imperador cm Viena cias tridentinas no sentidy de unifo leas A acio efetiva das viok mizar a [6 ¢ desbastar a roligiso vivida das reminiscéneias 56 se faris sentir no século XVII, ¢ mais nitidamente na séeulo XVIU1 Empreendendo visitas pastorais sistemélicas, os bispos seteccntisias “descobriram um pove rural que feeqiientemente no conhecia os clementos de base do cristianismo”.\* Em 1617, em Follevilic, na Picardia, Sio Vieente de Paulo se deu conta de que 0 cura local ndo sabia sequer as palavras da absolvi¢go:"* algo talvez mais grave do que os secerdotes de pernas nuas que, na Britania medieval, ccle- bravam missas em célices feitos com cornos.!¥ Pregando na Baixa Bretanha cm 1610, Michel le Nobletz travou conhecimento com “desordens © superstigées que he arrancaram idgrimas dos olos”.!* Em 1680, os estatutos da diocese de Angers diziam que os cristios eacontrados nas visitas pastorais “parcciam (30 pouco insteuldos dos niisiérios de nossa Religido quanto se tivessem sempre habitado emi paises selvagens desconhecides de todo mundo. Nao sabiom nada da (12) Jean-Marie Goulemot, “Démons, merveilles et philosophic & Age Classique’, Annales, £.5.C, 35° année, n* 6, novedex 1980, p. 1226. (13) Idem, p. 1226. Ver Lucien Febvee, "Sorcellerie: sottse ou révotutisn meniaie?", Annales, E.S.C., 3° année, a I, janmarco 1948. Robert Mandrou, Magistrate et sovciere en France ou XVETe sidcle, Paris, Plon, 1968. 1A) Goulemat, op: city p. 1236, (15) Delumens, "Les chrétiens au temps de In Réforme’ ix Use chemin Aisioite — Chedsientd et christianizetion, Paris, Fayard, 1981, 9. 18 (16) Detumeau, Le catholicisme entre Luther et Voltaire, p. 253. (17) Oronro Giordano, Religiosided popular en la Alta Edad Medio, trad. Madrid, Editorial Gredos, p. 183. (18) Delumeau, “Ignorance religicuse, mentalité, magique et christianisa- tion” in Un Chemin @Histoire, p. 120 389 AeA PARENT tan Trindade das Pesscas, nem da encarnagio de Jesus Cristo." Entee + 1565 © 1690, na Franga, 52 mandamentos episcopeis,-decisées con- pelliates © estatutos sinodsis dirigiam-se contra a superstigio.?” Na mesma época, na Inglaterra, a helerodosia teligiosa-conyivia com a tniformidade teériea, a Reforma nfo tende conseguide quebtar 0 ceticime popular. Bo que Keith Thomas chama de “religiosidade inortedoxa”.*! Nio_deve pois causer espécie que, na colénia, os padres igno- dem das pessoas da Santissima Trindade, a maneira c le se persignar, nio_soubessem se Cristo ressuscitaria ow nao.” Qualificando as préticas religiosas sincréticas da colonia de “desvios” grosse.ros” ou de “religiosidade deturpada”,** historindoues conteim- porineos reeditam 0 estupor de Trento ante © que se consideraya uma “cristianizagio imporfeita”, e qus teve também nos progadores, protestantes acértimos adversérios: 0 “sobressalte da consciéncia crist"" a “promosda do querer cristianizador"* a yontade de “despaganizagao"* foi comum as duas Reformas. “Todos se deno- minam etistéos, so batizados ¢ recebem 0 Santo Sacramento, © ndo , nem os Dez Mandamentos”, diria sebem nem o pai-nosso, nem a um Lutero indignado ‘no Preficio ao Pequeno Catecismo. "Vive como unt rebankio inconsciente, como suinos desprovidos de razdo." 2" A patlic dasivstudos recentes, sabe-se_quio fortemente improg- nada d> paganismo se apresentou a rligiosidade das populagies da 1a. ¢_quantas violéncins acarrstaram o# esforgos eatd- licos © protestantes no sentido de separar cristinnisino ¢ paganismo. © eristianismo vivido pelo povo earacterizavase por um profundo (19) Idem, pe 7, (20) Delumeau, “Les rélormateurs et Ja superstitien™ in Un Chemin ais toire, p19. G21) Keith Thomas, Religion ond the Decline of Magic, 4. ed., Londres, Weidenfcld and Nicolson, 1980, p, 169. Ver todo 0 cap. 6, “Religicn and the People", pp. 151-173. (22) Sonia Siqucira, A inguisigzo Portuguesa ¢ a Sociedade Colonial, ‘Si Paulo, Aten, 1978, p. 87 (23) Idem, idem, respectivemente pp. 6 © 255 (24) Delumeau, Naissence ef Affirmation de la Réforme, Paris, PUF, 1988, p. 16: “as duas Reformas inimigas eorresponderam a um mesmo sobres- salto da conseitnela crisia". Em outro teabslho: “as dues Reformas se julga vam hosts uma & outta quanda, no fundo, realizavam o mesmo trabalho” -— Delumeas, *Les eéformatcurs et te euperstition’, op. city p. 7. (23) Delumeau, "Les réformatcurs ct Ia superstition’, op. city p. 72. (28). Delumeou, Un Chemin d'Histoire, Prelécio, p. 4 (21) Apad Delumcau, "Les réformateurs et Ia superstition, on. city pe 72 on desconbesimento_dos dogmas. pela pavticipacso na liturgia sem a -Sompresiisio do sontica dos sacramentos ede prépria missa?® Alcito 20 universo mégico, © homem distinguia mal o natural do sobrena tural, @ visivel do invisivel, a parte do todo, a imagem da coisa {i gurada2” Na maior parte das vezes, a organizagio catequética (rie dentina, no conseguiria sendo a aprendizagem por memorizagio de poucos rudimentos religiosos, dos quais nem sempre se entendia 0 significado pleno © que, passados alguns anos, cram esquecides.2? Neste sentido, no discrepava do contexio curopeu a religiosidade impregnada de paganismo do século XV portugués, a “complexa fusio de crengas de préticas, ceoricamente batizads de cristianismto mas praticaments desviada dele” de gue fala Oliveira Marques! Para este autor, um “cristianismo de fachada (..,) emprestava co: mes de santos © de festas catélices a (orgas da natura ¢ 2 consi gragdes prngis”3? Por outro lado, 0 apego desmedido as missas, is procissé: tevelava um exteriorisino que ndo seria tio especificamente portu gués — como quiseram tantos autores —?? mas europen ¢ improg- nado de magismo, afeito antes & imagem do que & coisa figurada, a0 aspecto externo mais do que ao espiritual, Nun'élvares costumava ouvir duas misses por din, (rés 20s domingos, jejuaido (rds vezes por semana3* Com a grande teagéo caiélica do século XVII, preo- cupada com a depurasio da espititualidads, 0 exicrio-ismo curopcu iia so dissolvendo; no coténia, por miotivos especiticos manciti como se montou a religiosidade colonial, persistiria — conforme se ver’ adiante, De qualquer forma, explicé-lo como sendo “[ruto do primarismo cspiritual’ das gentes ignorantes, que nv prospectam além das evidéncias meis simples da f6" é, antes de do, uns equi (28) Robert Muchembled, *Sorcelicrie, culture pepulaize et christ me", Annales, ES.C, 28 année, no 1, janfev 1973, p, 268 (29) Delumeau, “Ignorance religieuse, mentslité magique ct christianisae tion”, op. eit, p. 122. (80) Oronz0 Giordano, op. city, p. 19, (30 _A.H, de Olivcica Marques, A sociedede medieve! poraguest, 4. eda, Lisboa, Si da Costa, 1981, p. 170. (62) Idem, idem, idem. (BH Entre outros, José Ferreira Carrato: “Essa f€ lusitars prima pelo seu religiosismo exteriorista, que ieS ser mals acentuado agut” — Igrefa, ile: jras coloniais, Seo Paulo, Companhia Editors Nacio« Iminioma @ excolar mins nal, 1968, p. 29. (39 Oliveira Marques, op. eft, pp. 156-157. on y0co, implicando a ignorineia das caracteristicas do cristianismo popular ocidental.** Figie & ingléria era Bene! ¢ Antonil, periencentes & mesma geragio. “Nem cuidem os Parocos que salisfazem 4 sua obrigagéo nfo mais que s6 com per- guntarem pela Quaresma aos escravos, no tempo da desobriga, se sabem as Oragées ¢ os Mandamentos da Lei de Deus; ¢ vendo que os sebem ou, para melhor dizer, que as rezamt (pois muitos os rezat sent saberem 9 que rezam), logo sem mais outta doutrina os admitery 65 Sacramentos, Este cerlamente ndo € 0 modo, com que deve sez doutrinados estes rudes; porque nie csld o ponto em que os escravos digam quantas sio as Pessoas da Santissinie Trindade e rezem 0 Credo ¢ os Mandamentos © mais Oragdes; mas é necessdrio que entendain 0 que dizem, percebam os mistérios que hdo de crer, € peneiren bent os preceitos que héo de guardar. E a0 Paroco perlence explicarthos ¢ fazer-Jhos perceptiveis de mancisa que os entendam os escravos", diria Benci, fazendo pensar que, a0 contrdrio do que dizem historiedores come Hoorneert, Trento nfo andou tio longe assim da coldnia, Com os “rudes ¢ bogais”, h& que ter paciéncia, ilustrar com exemptos a pregagio: "Se sc onsinar uma s6 ver, niio hi de aproveitar, nem fazer [rulo; mas ensinando-se uma e outca vez, explicando-se e tornando-se a explicar, entiio regard ¢ fard proveito, ainda nas pedras mais duras, isto 6, nas almas mais rudes.”%° O padre havia pois que se munir de paciéncia ¢ constncia para suplantar o catolicismo imperteito dos escraves, diz Benci, J& Antonil v8.0 pouco caso de senhiores relapsos como responsével pelos dafeitos do catolicismo dos cativos: trazcm-nos sem batismo, ocupannos om trabathos ao invés de os deixarem ir A missa nos dias santos, enfim, como dizia Séo Paulo, “scado cristiios ¢ descuidando-sc dos scus eseravos, sc hio com eles pior do que se fossem infiéis". Mesmo os nogros batizadgs “nfo sabem quem é 0 seu criador, 0 que hio de erez, que lei hdo de guardar, como se hao de encomendar a Deus, a que vao os cristios 4 igreja, por que adoram a héstia consagrada, que vio a dizer ao padre, quando ajoclham ¢ lhe falam aos ouvidos, se tém alma, se cla morte, e para onde vai, quando se aparta do corpo”. Entcetanto, tais "imperfeigSes" no se devem & incapacidade ada tridentina mostrarseiam os jesuitas (35) O trecho citado € de Carrsto, op. cit, p. 45. 7+. a cristianizagto de antigantente foi 20 mesmo (empo menos extensa e menos profunda Jo que se rupunlia” — Delumeay, Prefécio, Un Chemin d'Histoire, p. 8 (36) Jorge Benci, Si, Economia erittd dos terthores 10 governo dos es: cravos (1700), $30 Paulo, Grijslbo, 1977, pp. 9394 © 95:96, Grifos meus. de entendimento dos escravos, diz Antouil, mais clarividente do que muito historiador contemporinco. Os cativos sio porfeitamente ca pazes de saber o nome dos seus senhores, a quantidade dc covas de mandioca que devem plantar num dia, quanias mios de cane in de cortar, "e outtas coisas pertencentes ao secvigo ordinério de sou senlior”, Sie ainda aptos a pedir perdéo quando errans, a roger a supessilo dum castigo: por que enlo nfo haveriam de aprender a se confessar, a rezay pelas contas, a enunciar 0s Dez Mandamnentes? ‘Tudo por falta de ensino”, responde o jesuitas? ‘Antonil ser talyez um dos primeiros a pereeber como era inv portante, em termos de controle social ¢ ideoldgico, deixar aflorarem, manifestages sineréticas. “Negaclhes totalmente os seus folguedos, que sc 0 Unico alivio do seu cativoito, € queré-los desconsolades melanedlicos, de pouca vida © sadde, Portento, nado thes estrahen 5 senhores @ criarem seus reis, canlat e bailar por algumas horas honestaments em alguns dias do ano, ¢ © alegrarem-se inocentemente & tarde depois de teret feito pela manhé suas lestas de Nossa Senhota do Rosétio, de Sio Benedito ¢ do orago da Capeta do Enge- aho...", diria Antonil."® No reconhecimento de que licito cra 0 culto a So Benedia, nosso jesuila se antceipava a Ruma: S30 Bere dito 0 Mouro morrera em 1569, passando ogo a seguir por tuna turgo ¢, devido & sua cor, tomando-se protector dos negros; citre- tonto, seu culto persianeccu merginal & ottedoxia romana, sendo autorizado pela Igtsja somente em 1743, "Estes fates parscem indi car que © cullo dos santos negros © das Viegons negras (i, inicinl mchte, imposto de fore 20 africano, conto uma etapa da sya evistin ieagio; © que foi pensado pelo senhor branco como um meia do controle social, um instrumento de submissio para 9 escravo," Uma_coldnis esoravista estava pois fadada a0 sineretismo eelj- xoso.” Outorgado, talvez, num _primeiro momento, pels_camada idade dominanie, o sincretismo afro-caidlice dos escravas fol uma re (31) Antonil, Culiara ¢ opuléreia do Brasil por suoe droget # minas UT, inteadugio e otas de Alice P. Canabrava, Sio Paulo, Compania Edi (ora Nacional, 34,, p. 181. (58) Antoni), 09. city p. 164, G3) Roger Bastide, Les religions africaives au Brésil — Vers we soci logie dee interpretations de civilisations, Parie, PUR, 1960, p. 157 (40) °O sineretisme marca pois uma dat condigées dos paties de esera vidio que & de mistura de ragas e de povos, 4 cosbitngso das mais diversas einias nuin memo lugar & a eriagso, aeims das negdes centradas nels¢ mee mnas, de uma nova forme de soldariedade, so sofriento, uma solidariedade G2 cor" — Bastide, op. cit. p. 260 SRE ilo tte APLO-CATDLICO que se fundiu com a preservagda dos préprios ritos ¢ milos das pri mitivas religides afticanas. Cultuavase Sig Benedito, mas cultuavase_ tombém Qeum, ¢ batiam-se atabaques nos calundus da solénia: nas ‘gradamanic suas manifestagdes celigiosas,"* Arrancados das aldeias nnatais, no puderam recriar no Brasil o ambiente ccolégico cm quc haviam se constituide suas divindades; entretante, ancorades no sis- lems mitico oviginétio, recompustramno no nove incio: como um anima} vivo, dirla Bastide, a religido africana secretou sun prépria concha."? ‘A religido africana vivida pelos escrovos negros no Brasil tox nowse astim diferenit da de seus antepassades, mesmo porque no Vinham todos os escravos de um mesmo local, no pertencendo a uma Gnica eultura. Géges, Nagés, lorubas, Malés © tantos outros trouxeram cada um sua contcibuigaa, cetundinda-as & luz de necessi- dades ¢ realidades novas, superpondo ao sincretismo sfro-catdlico om dviro guase sinerctisma afio. Para que pedir fccundidade ts mulheres se, na terra do cativeiro, clas geravam bebés escravos? Como solicitar aos deuses boss colhcitas numa agricultura que beneliciava os brancos, que se vallava para 0 camércio extesne ¢ nfo part 3 subsisténcia? “Mais valiz pedir-lhes a seca, as epidemias destruidoras de plantagees, pois colheitas abundantes acabariom se traduzindo em mais trabalho para o escravo, mais fadiga, mais miséiia.” A. pri- meira selesdo opecada 0 scio da religido africana colecaria de Jado as divindades protstocas da agricultuta, valarizanda, em conteapar tida, as da guerra — Ogum —, da justiga — Xangé —, da vinganga — Eau! * Bivade de paganismos ¢ de “imperfeigdes”, conforme se vin acima,.o catolicisme de origem curopéia continuaria, na coldnia, 4, er a sie, multifacerados muita; .25..como 9 prépria religizo africana transmigrada. Ainda no_pri- éculo de vida, a colonia _veria proliferarem om seu solo a 141) Baste, op. cit p79 (42) Kom, . 26. 145) Bustle, op, eit,, pe 91. © primeira estudioso a s8es sincrétieas entre oF satlor catdlicos ¢ os orixds afros foi Nina Ro Hoje, cs principals paisdesamo © miesde-arto do candomblé baisno hotadaments os de linhagem Kety = rechaguin a iddia des equivaléncias Shucesads um puriama ecligloss, (44) Dastide. op. city p. 9 Gantidades sincréticas, misturas de priticas indigenas ¢ galdlicas. A mais famosa delas foi relatada pela Primeira Visitagio do Santo Oficia ao Brasil: a dé_fecndo Cabral de Taide, senhor do enigenho jaguasipe, sis sonhor permitia em suas jerrag um culto sincrético realizado pur indios em que se destacovans uma india » que cham y vant Santa Maria e um indio que ora aparece come “Srutinlva”, ara como “Filho de Santa Maria”. Os devotes tinham um templo com ! idolos, que reverenciavam. Algons depoemtes aludem a um papa que ' vivia no sorta, que “diaia que ficara do diluvio de Nof ¢ escapara Ss metido no othe de uma palmeira”.** Os adeptos da Santidude diciam * que vinkam emendar a lel dos eristdos".*® c, 90 Cazae suas cerinis | 3 nias “dayam gritos ¢ alarides que soavam muito Jonge‘? “arsine dando © conteafarendo 0s uses e etriménias que se costustavam fazer i 1s igrejas dos cristos mas tudo conttafeito a seu mode geniilice ¢ iS despropositado”.“* "Santa Maria”, ou “Mac de Deus", batizava ned | fitos, tendo nisso a permisséo de Ferndo Cabral de iua mules x Dona Margarida. O préprio senhor do Jaguaripe cosiumava freaiientar g fo temple, ajacthando-se ante os {doles segundo um dos depoenies, 1 QS le era bom eristdo, parscendo “que fazia aquilo por adyuirir assim, \ gente gentia®,"® Ferngo Cabral seria, pois, um precursor da_ mani \pulagdo do_sineretismo’ come controle. soci 1 i ‘Manuel Teles ordenou que se destruisse # Santidade do faguaripe, Fernie Cabral disse @ seu tmissirio “que cle ia a ynuitg perigo que : 0S indios 0 matariem”, recusando-se ainds a forecer g reforgo gene solicitado pelo governa Tana Corto estava Fernie Cabral de manor os indies tovos ein ya fazenda, sob suas vistas. Tudo indica que, (endo aprendido as pri : ticas da Santidade no Jaguatipe, 0 Indio Silvestee andow vagando | pela eapitania, ensinando os preceitos @ outtas indios. Estes andavarn “Tevantados com ele pelas rosas fazendo as ceriménias da dita erronia | pa_qual diziam que era aquele o tempo om gus tinham seu Deus - ru de fice sti | a, concos seus cactaves. ¢ Aue ques ub Koes i (49) Princire Visitagao do Sento Olicio de varies da evi pela Kes indo Heitor Furtado de Mendonca — Denwieivgdes du Bahia — 1391-1395, : Introdueéo de Capistreno de Abreu, S40 Poulo, eu. Paula Veada. 26, 9. 277 (49) dem, ps 321 7) Idem, 9. 346. (48) Idem, p- 475. . a9) Leen, pe 265, (50) Ieem, p. 385 nesta sua erronia a qual eles chamavam Santidade se haviam de converter um peixes ¢ passaros”."! A infludneia_judaica, existente ainda em Portugal, também per. sistiriae ceesceria na colénia. Com basc_em documento da época, Gilberto Freyro faz descrigio notivel de uma procissio quatrocen- {isla “Primeiro a procissio organizando-se ainda dentro da Igroja pendées, bandeiras, dangarinos, apéstolos, imperadores, siabos, san- 105, rabis comprimindosse, pondo-se en ordem. Pranchadas de solda- dos para dar modos aos salientes. A frente, um grupo dangando a judinge’, dara judid] O sabi tevando a\Toura Depois dessa seric- dade tod, um patlago fazendo mungangas.. Uma serpente enorme, de pano pintado, sobre uma armagio de pau, ¢ vérios homens debaixo. Ferreiros. Carpinteiros. Uma danga de ciganos. Outra de moures. Sio Pedro, Pedrcicas trazendo nas mios castelos pequenos, como de brinquedo. Regateiras © peixciras dangando ¢ cantand: Barqueiros com a imagem ge Séo Cristévdo, Pastores. Macacos. Sio a ‘Joao rodeado de sapatciros. A Tentagio representada por mulher X | dangando, aos requebros. Sio Jorge protetor do Exército © cavalo (2 |e aclaniado em opasigio & Santo fago, protetor dos espanhéis. Abrada, & Judite. Davi. Baca scntade sobre uma pipa. Uma Vénus seminua, S| Nossa Senhora num jumentinho. O menino Deus, S40 forge. Szo Scbasiiio nu cercado de homens malvados fingindo que véo atirar nele, Frades. Freitas. Cruzes algadas, Hinos sacros. O Rei. Fidalgos.” * Durante bastante tempo, judeus ¢ cristdos haviam conyivido relativamente bem em solo portugués, muitos cristéos edotando cons- cient ou inconscicntemente priticas judaicas, a Antigo Testamento sirculando quase que liveeniite durante o século XV e parte do XVI, festas crislés e judiess se misturando — dado que muitas das pri- meiras enquadravarit-se na tradigio israclita. QO cstabelccimento da di Ps 1al_¢_a_perseguicio antijudaica que se scguiu - wocaram, como se sabe, emigragdcs cm massa, originando em te, a emigracio se inviabilizara a partir de 1560, ano em que se estabe- Jecey cm Goa o Tribunal do Santo Officio (nico do mundo colonial (51) Idem, p, 494. O grifo é meu. Hoarnactt diz que as Santidades foram svovimentos messiénices indigenss de reag8o contra 08 missiondtios. Entre 28 provincias jequlticas do sui também teria havido vérios movimentos messit ricos de Sanlidede. "A Cristandade durante 0 primeire periodo colonial”, op. city, p. 383 152) Gilberto Freyre, op. cit, vol, 1, p. 379. Grifos meus 96 lop portuguts), O Brasil tomarseia, desde enlfo, o ccftigio mais seguro Pata_judeus © converses, 20 lado dos Paises Bnixos.* Seria errado, enteeianio, dizer que os judeus ¢ cristéos-novos radicados no Brasil cantinuacain vivendo intensamente 2 religiio ju- daica. Ingressaram no clero, foram mordomos das Miscricérdias, membros de irmandades religiosas; dentre os presos pela Inquisisio entre 1619 © 1644, cra baixo o indice de religiosidade judaica.* ‘Tudo pois leva n crer que os elementos do judaismo se fundiram ne “conjuntn das priticas sinceélicas que compuaham a cclisicsidads po: a. constituindo uma de suas muitas faces." Este pro- cesso. entretanto, nio foi simples. Assim como os africanas cultua- vam santos catélices ¢ otixés, reclaborande a antiga religiéo ante realidade da nova tetra, (ambém 05 cristéos-novos permancceram, muitas vezes, a cavaleiro entre duas (és: “N50 accila © Catolicisino, nao se integra no fudatsmo do qual esté afastado ha quase dex gera gies. E considerado judeu pelos cristios ¢ crisigo pelos judeus. (...} Internamente € um homem dividide,.."*" “7 Tragos catélicos; negros, indigenas e judaicos misturaram-se pois na col6nia, tecendo uma rcligido sincrética c especificamente euionial. (53) José Gongalves Salvador — Crieidos Novos, jeswtus & Iuquisiyae, Sio Paulo, Piancice-Edusp, 1569, 9. IB7. Ver também’ p. 159. Joio Lucio de Azcvouo, Histéria dos Crisidos Novos Portugueses, Lisboa. Livraria Clissica Editora, 1921: “Liorne, Bordéus ¢ Amsierda cram portes de preleréncia buscades pelos hebrous portugueses que se exilavain. Em nenbi ima parte porém encontcavam refdgio que thes sorrisse como em Holenda." = p. 387. Eduardo d'Olivcira Franga acuss a movimento de ida e vinda de Grlsidosnoves, ua Dahla para a Holanda ¢ desta para a Babi, Seguada Vis topo do Serio Offcio ae partes do Brasil pelo Inguisidor # Visiadur o licen: ciada Marcos Teixeira. Livro das Conjissies © Rotificagdes du Hela: 1618-1620. Introdugio de Edusrdo J'Oliveira Franga © Sonia A, Siqucéra, Separate dos Anais do Museu Paulista, tomo XVII, Ver p. 158. (54) “... dos 83 eclesiésticos que em 1656 ocupavam enssrgus na pre- fazie, 12, pelo menos, eran de linhagem hebréia, 0 que nos di uni poreen- lagen de quase 15%, © com respeito as capitasias do Rio de Jancivo = de Sho Vicente, arrolamos 48 padtes ¢ 14 (eades, da lishagem, ¢ quase todos filhos da crea..." — Gongalves Salvador, op, eit. p. 189. “Os conventos estavam entio apinkndes de reigiosos de ascendéncis judsics, muitos dos quais cram catdlicos sinceros” — Anita Novinsky, Crist@ossrouos ua nhia = 1624-1654, S60 Paulo, Perspectiva, 1972, p. 52 (85) Anita Nevinsky, op. cit, p. 161 (56) Pereceame insustentivel a posigio de Sonia Siqusira: “Na exterior. zagio de sue {6 rcalirmayamse os judcus @ cada dia, acentuando sua vite renga da. generalidade eristi, individuslizando-se coletivamente” — op. cif p. 6 157) Anita Novingky. op, eft p. 162, or De certa forms, recditava-se agui a histéria — recentemente contada = &2 cristianizago do Ocidente: “toda uma rede'de inslituigdes « de priticas, algumas certamente muito antigas, constituifam a trama Ge uma vida religiosa que sc desearolava & margem do euito cristo" 2* Agui, tolerowse ¢ se incentivou 9 sincrelismo quando nesessitio, mantendo-o nos limites do possivel. La, incorporaram-se manifesta: ‘FOes folcibricas & religiso oficia! a fim de satisfazer necessidades de Bedade popsler: fol @ que aconteeee, por exemplo, com a inatitugto da festa de Todos os Santos, incorporando 0 culo dos motion? Mas a incorperagio de elementos foleiétices ou sincréticos ado se Processava por pura osmose."” Na colénin, os casos ji aludidos do teligiosidade afto © da diviséo cristi-nove ilusteam bom um slime Gs tens. Tragos incorporados traziam consigo um mundo pleno de significasdes: assimilagdes © selegdcs néo cram arbittdtias, contocme frosts a dele andlise de Bastide acerca da reformulagio da impor. {Sneia dos orixés no colénia, Mais do que isso: no cram permanentes, go definiivas Entrtanto, toda a multipicidade de tendigses pogts, africanus, indigenas, catclicss, judaieas io pode ser compreendida como remanescente, como sobrevivéncia: era vivida, insoria-se, neste sentido, no cotidiano das populagdes. Era, portanio, vivén, 158) André Vauchez, Lo spiritualité du MoyenAge occidental = ville NUN" sideles — Paris, PUP, 1975, p. 24 (23) Vauehes, op. cil, p. 26, Uma das mais belas anilises sobre a incor poragdo de clementes foleléricos pelo ccistianismo, inspicadora de quase todos as que se sezuicam, € de Jacques Le Goff, “Culture clérieale et teediions felkloriques dant ta civilisation oérovingiewne”, in Pour ut autre Moyurrage — Temps, travail et culture en Occidert, Patis, Gallimard, 1977. O nents autor trata da insliuisée do culto dos mecios pelos monges de Chany om ba Waitsonce du Purgaigire, Paris, Gallimard, 198} Analisando » literoture medieval de_viagens a9 Além, Gluseppe Gatto acusn presenga de um movimento de cristianizagio de tradigées folelsions ne incorporagio, pelo universe da escrita, de clementos da tradigio ora. “Le YOURE 20 Paradis — La christianisstion des uations folkloriques su Moyen Aas’ — Annales, ESC, Me ancés, n° 5, sccout. 1979, p. Sie (60) Néo me parece corres a formulagio de Oroniza Gierdana: *...aquele lento © somplexo (endmeno de osmose. ou, se c2 quiser, de sinselisme ele Sisto, entendide como encontro, adeptasio freaiientemente invertida, fusto de Giherlencias diversas © de atitudes naturais do. homem {ace a0" sapreco” Religiosided popular en ta Alva Edad Media, p. 138, {611 "De fato, Inte foleévica pode guerdar consiséncia e realidade pri Prins. 20 lado do fata seligioso ¢ independeniemente dele, & panic do ne mento em que ndo & por cle absorvido, (...) tornantas entretante’ war cle mento de religisa popular 9 partic do momento em quc, por celeeninade ferio ou de determinads muccira, adquirem uma conotecdo relgioss, ee Serl0s casos nade mesmo scontecer gue um dcsses‘clementos, apbe ter side cia."* E nessa tensio entre 0 multiple © 9 uno, entre 0 transitéri © vivide que deve ser compreendids a religiosidade. popular da’ col nia, ¢ insctito 0 scu sincretismo.® youk Apesar de algumas manifestagoes de percepgio agugada noite ts ao wso do sineretismo ¢omo controle social © ideolégice Be cmbremse es casos ds Ferno Cabral de Taide ¢' de Antonil 2 tlominow quase sempre, por parte da cultura das elites, 2 condenagie ¢ @ horror a cle, Refletindy sobre = cristianizagde do México — onde foi agudissimo o sincretismo —, 0 franciscano Bernardino de Saha. Bin, ainda no séevlo XVI, mostrava a0s missionsries que © pagar nismo permanecia por detrés de uin condvio cristéo, “e que havia vperigo de sincretismo’.™ As Visitagdes do Santo Olicio acusaram = mais nas séeulos XVI e XVI, menos na segunda imetade do XVIH — imensa intolerdncia para com as priticas sineréticns, 0 endo com 0 Tribunal de Lisboa quaade, constiwuides mesmo acon processos aqui na colénia, seguiam para secem julgados 1S. Avtori- dades municipais batcram-se muitas vezes contea a8 congadas © ti: * zados."" Nuno Marques Percirs condenava veementemente os "que vio encarctados com dangas desonestas diante dss procissées; ¢ prin ipaimente onde vai o Santissimo Sacramento”, sugerindo maior re asiuinide polo mundo da ccligie popular, verte + ser simplesmente wins tear dig20 popular, sem nefhum componente de ordem espitiual” — Rooul Mine sel, La religion ponultie au Moyen Age -— Probliues de méthode et hit foire, MontréalPacis, Publications de I'Inavitut d'Etudes Mediévater Albert Le Grand, 1975, p. 37 (62) “A teoria das “sobrevivéncias’ Jo paganisaia (aent-se eaduca: nada sobceviveu' numa culture, tude vivido, o sido &° — Jean-Claude: Schinit “Religion popusire’ et culture felklorigue” — Ancien, ESC, 31 mind ne 5, setout. 1976, 9. 946 2 (63) Sobre 0 eristianismo medieval, diz Manselli que *yive... puma ten sto perpétua, (eniendo iniegrar o que recede de accitéve! e esforgando-se por tlininar.0 que © desfigura ou amenga 2s forgas que © estrviurmmn” — Mavsel op. cit, pe 41 (64) Delumeau, Le cathoticisme enice Luther et Volteire, p. 145. Sobre 0 Hneretismo reliioso oo México, ver Jacques Lalays, Queteucéat! et Guadalupe _ Tbe formation de ia conscience nacionale ou Méxique, Paris, Gallimard, 1974 Ver ainda Robert Ricard, The Spirituet Conquest of Mexico, trad. Berkeley, University of Californis Press, 1966, pp. 264-282. Para wo euudo das persiee éncias indfgenas no Peru, a dospeito dos exforgos da igreja no sentido de suprimilas, ver Pierre Duviols, La lutte contre les religions eutoclionee das le Pérou colonials “extirpation ale Videlatrie’ entre 1352 et 1660, Pas, ly. lit Brangais d'Evedes sAndines, 1971 (65) Leila Mezan Algranti, O feitor ausente — Estudo sohee @ escra lurbana no Rio de fanciro — 1308-1821. Disseriagio de Mesteode, ex 1983, presséo a “estes abusos téo perniciosos".“"_A especificidede da reli- sido caidlica piaticada na_colénia — o cullo_dos satilos, 0 nimero excessive de capelas, o aspesio ‘catral da religiio, o que se conven: signou chamar de “exicriorida i escandalizou_os viajanies estrangeiros que por aqui passaral Diziam obretudo 05 anglo-saxdes ¢ protestantes, que os bras lings de cor estavam desviriuando o cristianismo, fazendo dele uma_ imistura de imoralidade e ccriménias burlescas.*# RTEZAS & IRREVERENCIAS DOGMAS & SIMBOLOS: INCE As alegres missas promovidas por jesultas no século XVI, em que 05 {ndios “iam tangendo € cantando” folias “a seu modo”, a0 som de maracés, berimbaus, taquaras parece ter preconizado mo- mentos de igual cuforia religiosa: as festas do barroco mineiro sctc- centista que ficetam conhecidas como Triunfo Eucarisiico ¢ Aurea Troms Episcopal. As procissées festivas que o bem-pensante Pere- grino comentava escandalizado também jlustram 0 Jado alegre da religiosidade na colénia. Mas nao foi sé de cores, ritmos c ruldos que esta se constituiv. Por grande parte das ligeimas vertidas, dos temores, dos medos de perseguigdes foi tesponsivel 0 Tribunal do Santo Oficio nas suas visitas & colénia brasiteira. Na documentasio deixada por estas incursdes tencbrosas, desvendam-se, segredos cot diznos, dividas, incettezas, raivas, inconformismos que a religiso oficial née dava conta em resolver. © tom getal oscila do ceticismo a vontade de crer, do materialismo a reveréncia ante as forgas sobre- naturais, sendo, quase sempre, colorido do sincretismo caracteristica mente colonial, Procurare! mostrat, enlrctanto, que no hé uniform dade total nos tragos de religiosidade peesentes nas Visitagées, nus Visitas Eclesidsticas, nos Processos Inquisitarnis — basicamente, os (66) Nuno Marques Percirs, Compéndio narrative da peregrina de Ame: ‘ica (1728), 64 ed., Rio, Publicagéo da Academia Brasilcira, 1959, 2 vols, p. tthe 13, (67) Hoornacet, “A eristendade durante a primeira época colonial”, op. elt. P. 388, (68) Baste, op. cit. 173 (69) Pars as alegres misses quinhontists, ver Hoornaert, op. cil, p. 297, 4s festus barvoces forum deserts por aulares da época, Simmto Keitclea Ma: hago sendo um eles, Ver Afonso Avila, Residuos Saiscentistas ent Minas — Texios do séeulo do oura ¢ us projerées do reundy burcoco, B. Hlotizante, 1971, conde ambos os (cried sip publicados e comeniades, tues tipos de fontes aqui utilizados. Em és séculos, notamse per- manéncins mas também se detectam alterndnciss, substiwuigdes, tr 605 desaparecides, L& vém as dliabos da Inquisigéo", exelameu 0 mercador cristo: nove Joo Batista, em casa do areediago da Sé de Salvador, no mesizo ‘ang ent.que 9 Visitador Heitor Furtado de Mendonet iniciava sua trajetéria inquisitorial em terras da colénia.”® De norte a sul, temia- io dos funcionsrios do Santo Oficio: cm 1646, eserevendo do Rio de Jancito aos inquisidores de Lisboa, o reverenclo Antonio de Maris Loureiro relatava terom os mocadores da capitania apedre jado um inquisider, obrigando-o a se refugiar numa igreja.”! AA tra digo antiingeisitorial dos sulistas remontava ao século XVI: & bem conhecida a fale irada do mameluco bandeirante que, recrinsinade por Anchieta devido 8s suas préticas gentflicas, ameagado pelo je- nquisigao, “respondeu que varacia com flechas duas sulta com a inquisigées”.* A ina contea a Inquisigfo no dieia respeito apenas 0 temor infendido por suas priticas terrivels, conhecidas de (odos, héspedes es aterradas. Traduzia a mé-vontade, 0 desa- constantes das imagina grado, a irritaggo popular contra a rcligifio oficial. Neste scniido, © dlero também cra visado. Em 1595, 0 tabeliio de Filipéia, Fran cisco Lopes — que ea crisido-novo ¢ mameluco! — confessava iia Mesa tct-se agastndo- com os padres da Companhia residcnics nas aldsias, dizendo “com edlera que por clérigas ¢ frades se havia dz perder o mundo”."* Os padres mentiam, pregavam uma religifo que io dizia respeito aos anseios populaces. Moxador na Bahia, Baltazar Leal, sapatciro, discutia com 0 estudante Jofo da Costa accrea da ressurreisiio de Jesus; dizia que Cristo ndo morrera, ¢ que se os (70) Primetea Visitopéo, Denunciogdes da Dalia, p. 267. (71) Anita Novinsky, “A gente das bandas do sul”, Suplemento Literirio de 0 Estado de $. Paula, 15 de sbril de 1967. Apuel Jos? Gangaives Salvador, op. cit p. 183. (72) Gongolves Salvador, op, cit, p. 84. As populagdes da peninsula thé ea também adiavam @ Santo Oifcio: “Um alfeiste pontevedrés € delatado com 1565 por dizer que estima ianto,o Sento Oficio quanto o rake de um ef.” = Carmelo Lisén-Tolosana, Urujeria, estructura social y sintolisina en Galicia, Madi:id, Akal, 1385, p. 28. (73) Primeiea Vishado do Santa Offeio és partes do Brasil — Confissoes de Peenmunbuco, ed. J. A. Gongulves de Mello, Recife, Universidade Federal de Pernainbueo, 1970, p. 138. padres ditiam 0 contrivio, faziam-no “para nos encarecer que Cristo Nosso Senhor morrera, mas que ele néo morreu"s Pata que existiciam dignitérios na Igroja? Ma famosa Ardelheo-rabo da Primeica Visitacao, decana das [eiticeiras coloniais “dissera que se o bispo tinha mitra que também ela tinla mitra ¢ se 0 bispo pregava do pillpito também cla pregava de eadleira,.."” As proposigdes anticlericais de cordocito baiano tsidoro dla Silva mereceram maior aicncdo do Santo Ofieio, que nelas viu hete- sia. Isidore era natural do ReeSncavo, nascido cm Santo Amaco e Gomiciliado em Madre de Deus, na itha dos Cages, onde vivia “de sua pescatia”. Soltcito, etistio batizado e crismado, vira-se as vollas com as visitas do ordindrio desde 1725, quando tinha corea de 35 anos, saindo culpado de concubinato em quatto visitas. Preso, quei- xouse das desordens ¢ violéncias dos outros presos, que o tctiam deixudo com “fraquezas no Juizo": proferira, entio, proposigées heréticas. Em 1729, seguiu para a Inquisigio de Lisboa, onde con- Linuou a ser inquiride, pediu reinquirigdo de testemunhas, protestou ter sempre sido bom eristéo, A 15 de maio de 1732, foi posto no Potro, tendo-the sido dado “todo 0 tormento a que estava julgado, fem que se gastaria mais de um quarto de hora", 0 pobre gritendo “que: por amor de Deus 0 livrassem ¢ tivessem conipaixio dele Imediatamente apés, foi dada a sentensa: Isidoro mostrava senti somo alguns hereges condenados pola Igreja, “que Deus pedira os dizimos para sustentar vedios, os quals eram os clérigos, € que os sseramentos cram escusedos ¢ couse suposta, ¢ que ndo havia neces: (74) Segunda Vititogio do Santo Oftcio ax pories de Brasil — Denuxete- fies da Uahia, 1618 (Marcos Teixeira), introd. Rodolfo Garcia, Anais da Bi bliotecs Nacional do Rio de Janciro, vol. 43, 1927, p. 136, 75) Primeira Visitagao, Denunciogées du Quhio, p. 287, Frei Vicente alude 20 ealvinista “Jodo Boulier’, vindo ence os primeiros (ranceses que seompae harem Villegaignon 20 Rio. Os portugueses de So Vieente — pars cnde fugiu — viromno “morder algumas vezes na auteridade do Suino Pontilice he uso dos sacraments, no valor das indulgéncias, © em a veneragso das ima: gens.” Denuneiado ao bispo, cbistinouse © nio quis se retratar: acabow sor Fenda nas méos dc um algoz. Histdria do Brasil, p. 193. Capistrano conta hs. \oria diferente: tendo sido processado pelo Santo Oficia de 1560 9 1564, Joso Bolés, uma vez liberlado, seguiria para a fndis, onde desepereceu. Ver Canis rano de Abreu, "Joi0 Coins, Senhor de Bolés” ix Enaaios © Estudos (Crilica ¢ Historia), 3" série, Rio, Edigzo da Sociedade Capistrano de Abreu, Livraria Briguiet, 1938. pp. 11-30.'Ver também “Process de Jofo de Dolés e justitien 80 requerida pelo mesmo (1560-1564)" in Anais da Diblioteea Nacioual do Rio de Joneiro. nx" XXV. 1903, pp. 215-308 sidade de confessores porque cle Réu se confessava-com fazer $6.55 tm ato de contrigéo, © que o8 meninos, © mais pessoas, que morriam ts sem Batiste iam a0 e€u, © que nfo havia nos homens poder para, eo te baths, & od Dens era a que bathe, 0 ute os eterlyos trabalho, ¢ assim os sacramentos do Watismo, e Peniténcia crant umas nnias, € as palavras, que neles dizi cram fantésticas”. Consi derado tevs suspeito na £6, salu em Auto Publico a G de julho uc 1752, na igiejo do Convento de Si0 Domingos em Lisbua, estando prosentes D. Joo V, os infyntes, os inquisidores. Dali seguirin para cumprir degeede de 8s anos no bispade de Miranda, muito longe do Recéncivo € da ilha dos Cagées."" As proposigées de Isidoro so asscmelham extraordinatiamente is do moleiro Menoechiv, cujo processo Catlo Guinzburg analisou com brilho em I formaggio ¢ i verni, Como seu companheiro de renga, © cordosito progava a simplificago da religiso — nfo hi necessidade de confessores, basta um ato de contriga0 —, 0 aban- dono dos sacramentos — ceriménias com palavras fantésticas, “mier cadorias” ecploradas pelo cleto come insitumento de opressio —, 4 crenga apenas em Deus ¢ nos Scus poderes — a fle pode batizar. Em Menocchio, apesar de evidentes trazos comuns com os anaba- istes, Guineburg viu um reprosentante de corrente auténoma Jo radicalismo camponés que as convulsées da Reforma haviam tcazido 4 tona, mas que eram anteriores 8 prépria Reforma.’? Em Isidoro, que provavelmente era. branco — pois nio hd no processo alusio a mestigagem ou origem negra —, 0 eventual passndo de camponés europeu, portugués, estava bastante longe: seu pai lavrador também era natural do Recdneavo, Jé 0 calvinismo nic andava to distante havia cerca de cem anos que os holandeses tinham deixado o Rev cBneavo, Como manifestagdes populares que nao se vinculsin obrigalo- Hlamente ao calvinisio devem ser entendidos os desabafos entaive- vids contra a venda de bulas da Santa Cruzada e outros tipos ve, bbulas papais, Em 1595, Lufs Mendes dizis que as bulas da Cruzuda (16) ANTT, tnguisigto de Lisboa, Procesto n.* 2.269 ("Procesiv de Isidore 2 Silvn cordosizo filho de Anionio da Silva levrador de mandices e nalursl = morndor na edade da Bahia”). Come quase (odus os processos que consultc, 3 folhas no So numeradas, * (77) Carlo Guinzburg, Le fiowage et let vers, trad, Poris, Gallimard, sc. P. 56. 9 facia era pace tere offeio com que gentussem duhelee set) “ne vinhem sendo a lever dinkeiro"."* Brés Fernandes, velho eristéo. novo de 71 anos, meitinho de vil de Igoragu, dizia que “aquolas bulas se passevarn para ajuntar dinbeiro ¢ fazer aigumas esmolas ¢ que para isto as passavam os papas’? Moxadar na fazenda dos Gararapes (sic); com 27 anos om 1594, Simo Pires ‘Tavares duvi dava que a8 bulas papais pudessem absolver ¢ salvar cristos, menos: prezando também 0 poder das contas bentas ¢ de indulgéncias con cedidas pelos pontifiees: “nao podiem ter vietude pora as aloes”, tcimava, almejando talvez uma religido em que a espititualidade fosse mais depurada. A vasias pessoas afirmara entender “que as ofertas que sc Jio nos clérigos nas igrcjas pelos offcios nio aproveitavam As almas, © que nem Devs pelas ditas ofertas faria bem as almas, dizendo mais quo mé ptol fizessem as ofertas 205 clérigos, porque com 0 seu cantar ng0 iam 33 almas & glésia’.* Umea conversa ocorrida no engenho de Duarte Dins por volta de 1590 ilustra bem 0 descrédito em que hayiam caido as indulgéncias no fim do século, talvet ainda sob 9 impacto da pregagio protestante que Tyento, recente © auseate da vida colonial, nd0 conseguira 1 verter. A conversagio se travare cntrc deis lavradowes, Estévdo Cordeito — que tinha parte de ctistéo-novo —, Alvaro Barbalho & © mosire de agiicar Manull Pires, Dizia Estévao Cordeiro “que om Rome andavam ag qulheres com os peilos descobertes © gue os padres santos concediam indulgéacias aos homens que com elas dor- missein carnalmente, por respsito de com isso divertir aos homens de fazer 0 pecado nefando. . .”* Influéncias protestantes ¢ judaicas se somavam assim a0, descrédito catdlice em que caita Roma ¢ toda at bictacquia cclesidsiiea (78) Primeira Vigitapdo do Santo Offeio as partes do Brasil pelo leer ciado Heitor Furlado de Mendanga — DenunciagSes de Peruantbuco ~ 158: 1595, iniod, Rodolfo Garcia, S80 Paulo, ed, Paulo Prado, 1929, p. 426. (19) Primeire Visiterho, Confissées de Pernantbuco, ps 3. (80) idem. p. 24 (BD Princire Visiogae, ConfizsBes de Pernambuco, p. 27. Chegsnda a Roma no sécvlo XVIII, Cssanovs observarié nio existir cidade eatblica en ‘que © hioniem se preacupaste tae pouco com rigid. As mulherct iam rissa com foiletes que nada tinham de austeras, a cabesa coberia por uma gaze lee, of olbos descebertos, sempre fixados nos homens. Maurice Andrieux, ‘a vie quotidienne dens la Rome Pontfieate au XVI1¢ siécle, Paris, Hachette, 1962, pp. 143 € 153. A intense prostiul alia nas do Renascimiento, Roma e Veneza, teria gerado um verdadeiro “mito é2 Cortesd italiana da Renogcenga” que, para Paul Larivallc, seria equivosade. La vie quotidienne dee courtizanes en Tiolie ou semps de lu Reneissance, Povis, Hachette, 1975, pp, 195201 joa Comuniesimas cram a colénia as discussdes sobre 0 ctlibato clerical, a superioridade da condigio dos cciesiisvicos sobre a dos Ieigos outras questées andlogas que apacecem sob 0 Uulo “orden ddos casades see melhor que a dos religiosos”. Grande parte das pes. ons pteocupadas comt afsunto sequer sabia que ers atéria. de algada do Santo Oficio, © sujsite as suas sangdes."* Afinal, © matri- nonio trazia prazeres ¢ alegrias, devendo ser tho considexsdo por Devs quanto o scrvigo divine, Deus nao fizera os homens pata seven {elizgs? Polo menos, era & felicidade que aspirayam os colonos. Gaspar Diag Matado, de alcunha o Bargueiro, acreditava que “tanto servizo faz 4 Dous um bom casade ne sua cana ¢ asa, como un saeerdole que & a missi 10 altac".*? Deus criara vento 2 ordom seligiotn quanto 2 matrimonial: “o estado do casado era matriménio que Devs fizeca ¢ ocdenaca”, vaciocinaya Beatriz Mendes, filha ds laveadores = mulher de carpinteiro, coneluindo: “os outros estados ¢ ordem que havia io mundo que cram {cites ¢ ordenados polos santos ¢ santas, fe que 05 fades ¢ freiras nfo Jovayan nem faziam 9 vantages 30s casados que viam (viviam?) bem come Dous manda" Clérigos de- seria que fossem casa sonostos, que viviam atrés de mulher, melho: os, diz q cacrsiro de bois Bastiio Pires Abrigucito; lembrava com saudades do tempo em que fora casado, quaitdo levava bea vida vyivia contents, Pot isso € que proferira palayras que, na ética ingui silorial, eram condeniveis."® Diogo Carneiro, lavrador de canas ein Iramaracé, desconhecia ‘que fosse pesado jouvar os beuelicios do mmotsiménio: "disse que a ordem do casade que Deus a [izera pri meiro ¢ que os que viviam bem casados ¢ que fazium o que Deus mnandaya cra tio boa essa ordem como a dos padres ou melhor, © {que iste disse a peopésito de se falar om alguns padres que falevain © que queriam ¢ desontavam os outros hontens. .."" $6 (omou cons neia do erro quando se afixaram .0s editais do Santo Oficio."* (O descrédito om relagdo aus eclesidsticos talvez [ose atigado ainda mais pelo numero considerdyel de padres conlecides pelo may viver, Nas Minas sctecentistas foram numerosfssinnos, sempre envol- yidos em rixas, defloramentos, concubinatos, raptos, jogatina, bebe- (82) 0 esindo conjugal no pode ser coloeado acima do estado de vir. gindade ou de celibato”, afirmava a assembléia d= Trento. “Aa contrério, & inelhor e mais venturote permanccer em virgindsde ou eclibato do que entrar para o casamento” — Delumeou, Le cathoticisme entre Luther et Voliire, p. (83) Peiucira Visitapio, Denunciapbes de Pernambuca, p. 88. Grife meu, (84) Primeiva Visilopio, Consw6er de Pernembuce, p. 43, (85) Idem, p. 57. (86) Idem, pp. 9091 deiras, desacatos aos ficis." Morador em Sao Paulo, o padre Manuel de Morais “foi relaxado cm estétua no Auto de 1642, por herege calvinista, € se casar sendo sacerdote com mulher da mesma seita”. Teve cércere, hébito penitencial perpétuo e foi pata sempre suspenso das ordens: ponas pesadissinas para crime leve demais, compatado aos de outros religiosos da colénia.!* No Auto de Fé realizado a 8 de agosto de 1683, no Terreiro do Pago de Lisboa, Antonio de Vasconcellos saiu culpado “por dizer missas, confessar ¢ administrat © Santissimo Sacramento da Eucaristia sem scr sacerdote nem ter ‘ordens sactas”. Sendo natural da ilha da Madeira, vivia em Salvador, Estado do Brasil. Teve como pena a proibigio de tomar oidens “para efeita de ser sacerdate, agoutes ¢ seis anos de gals’ 5" Sentenciado em Mesa foi frei Lufs de Nazaré, que no inicio de scgunde quartel do século XVUI cometeu toda a sorte de desatinos na cidade da Bahia, promovendo curas supersticiosas, falsos exorcismos, abusands de mutheres."” Na mesma época, um pouco antes, 0 padre José de Souza de Azevedo, clérigo de Séo Pedro, foi condenado a teés anos de de gredo para fora de Lisboa pelas culpas cometidas nesta cidade: yaler- se em exorcismos de coisss © palavras cupetsticiosas, “e fazer vit 0 diabo & sua presetiga em figura de um cégado tendo paclo com o mesmo”.* Come o padre baiano, ouviu sua sontenga em Mosa: para 08 eclesidsticos, 2 Inquisigéo evitava os vexames publicos de um Auto do Fé, Freqlentemente eéticos ante os ciésigos (dos mais modestos aos mais altos dignitéties da Igreja), temerosos e itados ante 0 brago comprido da Inquisiggo, que os vi na lonjura da colénia, © que pensavam os colonos acerca da Criagio, de Deus, do Jesus, do mistério da Santissima Trindade? Por volta de 1617, um religioso do Carmo dissera “que quando Deus tirara a costa do homem para criar Eva, viera um cio ¢ @ comera, © que do que saira pela parte trascica do cio fizera Deus a mulher, ¢ que assim ficara Deus fazendo a mulher da traseica do cio € nfo da costa do homem".*? Uma primeica leitura do trecho (87) Ver Laura de Mello c Souza, Desclassificader do Ouro —~ A pobreza ‘nineira uo século XVILE, Rio, Geasl, pp. (74177. (88) ANTT, Inquisigéo de Lisbos, Manuseritos da (68) ANTT, Inguisigéo de Lisbos, Manuscrites da Liveatia, n+ 959, (90) ANTT, Inquisigso de Lishos, Process 12 3.725, ("Processo ue fect Luis de Nazareth religioso professo de Nossa Seniors do Catmo Colado da Provincis da Bohie © moredar aa mesma cidade") (1) ANTT, Inquisigio de Lisboe, Manuseritor da Livearia, a2 959. (92) Sequnda Visitagic, Denunciagses de Bahia, p. 148. vraris, nt 998, Taz pensar ent desacato da Criagio, desvalorizando, machistamentc, a figurs da mulher. Assim, a mulher pecadora, inficl, traidera por natureza havia mesmo de sait do Snus do cachorro, como se fosse exeremento, Esta explicagio seria condizente com a tese de Delu- meau, que snalisa o antifeminismo como componente do medo \ mulher, caracteristico da Epoca Moderna.®® Mas pode também estar implicita neste trecho uma carnavalizsgio da Criagio, que no im: plica obrigatoriamente em detragio, e que remete a teadigSes me- dievais populates em que © obsceno ¢ muito importante, Preseite em festividueles cligiosas — dancas Iibricas, cangies grossciras, panio- mimas carvogadas de simbologia erstien —, estavanino também, de mancira mais acentuadeniente bufa, em poesias quitthentistas que aliordavam o tema do Pais de Cocagne, inserindo-o no Novo Meado, coino a Begola contra fa Bizarin “Ble € grande © gordo como uma grande mé Do seu trazcito corre o mani, Quando cospe, cospe massapio, E na cabega, tem peixes em vez de piolivos."* Se em depoimentos como o de Isidore, 0 cordocito baiano, Deus 60 objeto maior das crengas populares." pode sex também 0 grancle ianas ©, conseqiieniomente, objeto de responsével pelas agruras coti divides © indagasdes. A vida dura da coldnia ensojava deserédito © aimacgura, O cristdo-novo André Gomes arrenegou virias vezes de Deus num s6 dia, estendendo sua ira a toda a populagio colonial disse ainda “que por isso a genie desic Brasit sabia muitas artes ¢ manhas porque era gente que vina degradada do rsino por maus (93) Ver Delumeau, La Peur en Occident XIVEXVIiI€ sidcles, Paris, Fayard, 1978, pp. 305345, © também A Civilizapio do Reuascimento, trod. Lisboa, tmprensa Universitéeis, 1986, vol. {1, p. 125, (94) Pars 0 fundo abscena ¢ erético das festividades populares, ver Orono Gierdano, op. cit, pp. 105-104. Para © tema do Pats de Cocagne, ver Carlo Guinzburg, op. cit, p- 128, Ver ainda Delumeay (org), La mort des Pays de Cocngne —Comportements collectifs de fa Renaissance & I'age classique. Paris, © M, Dakhtine, L'ewee de Francois Re: foyen-Age ef sous Ta Nenaiteanee, trad, Pat Publications de la Sorbonne, belais ef Ia culture popelaire cu M Gallimard, 1970, (95) “Balazar Fonsec, pedrciro, que tinha 35 anos em 1594, (oi scusedo Ge nao aeveditar na Cruz ¢ em santos tais como Pedro, Psulu ¢ [050 mas s0- raenic em Deus* — Amold Wiznitzer, Os judews no eusil Colonel, trod, So Paulo, Pioneita-Edusp, 1960. p. 22 feitos".** Gente sem Deus, ov pata quem um 36 nao bastava, Para ume populagio heterogénea como a da colénia, havin que ter vérios deuses:."*havia mais deuses que unt, perque havia Deus dos cristéos © outro dos imouras, ¢ outro dos gentios”, afirmava Lazaro Aranha por ocasifo da Primeica Visilagao 4 Bahia." Sob irreveréncia aparente, estava quem sabe um desejo cfetivo de humanizar Deus torni-lo mais préximo, Incomedados com as chuvas ebundantes, muitos dos colonos se queixavam do deslsixo de Deus, que sobre cles vérlia suas necessidades. E 0 caso de Violante Fernandes, cigana quadragendria © vidva de um ferecico também cigano que viera degredado de Portugel por furto de burvos; agastada com ag chuvas, disscra “que Deus que mijava sobre ela e que a queria afogar”; na Mesa Visitadora procurou emendar @ impropétio, afirmando saber “que Deus néo mija que € coisa pertencente a0 homem e nfo a Dous"."® Numa rede de diz-que-diz, a cigana Tavcja Roiz ouvira da cigana Argeline que a cigana Maria Fernandes dis- sera "que pesava de Dous porque chovia (anto’’* Conferindo ainda atribulos humanes @ Deus, a cigana — sempre elas! — Apolénia Bustamante, ao caminhar “por chuvas ¢ lamas ¢ enxutradas” dissera “com agastamento ¢ trabalhos (...) bendito sca el carajo de ini sefior Jesu Christo que agora mija sobre mi”, Natural de Evora, degredada por furte,, vivendo cntec blasfémias © brigas conjugais, Apolénia contabiliza sous insullos: fizera-o por “dez ou doze vezss, pouco mais ou menos”, “en Portugal ¢ Castela,© the parece também que nesta capitania. ,.”1° © Deus mijador, félico, provide de pénis das Visitagées quinhentistas estaria ainda muito préximo da religio- sidade européis medieval, cm que exa tio diffell separar préticas cristis © pagis. Por outro lado, estava distante de bem mais de um *século do longinguo e inatingivel Deus dos jansenistas.%°* (96) Primeira Visitagio, Denunciagses de Pernambuco, p. 188, (87 Primcire Visitegdo, Denunciagées da Bakia, p."351, Sobre © cato- Jicismo populat no Brasii, diz Artur Ramos: "Devs, como abstragio. mo- noteista, é uma entidade incompreensivel, e apenas existente nos jogos do palavras. Pare que o vulgo se demore a pensar nele, & preciso figurélo, representdlo num simbolo conercio. E nds vemos entéo, 9 Padte Eterna convertido num velho de barbas, sobrecenho carregado © Yor grossa © toni: ttvante. Heranga de yelhos paganismos,” — 0 folclore negro no Brasil, Rio, Civilizagso Brasileira, 1935, p. 17. Grifo no original, (98) Primeica Visitegdo, Conjiesdes da Bahia, p. 58. (99) Primeira Visitaslo, DenunciogBee da Dalz, pp. 385-385, (100 Primeira Visitacao, Conjissdes da Voki, pr 128, (101) Eatectonto, hg uma corrente medieval erudita que considera Deus inatingtvet, recluso num universo longinguo, que x6 # revelagio (e nunca 108 Pata a maioria esmagadora dos habitantes da colénia, as doeuyas, as forgas ¢ atmadilhas da Natureza apresentavam-se como indom: vois, irtedutiveis, A {é mostrava, por iss) mesnto, contornos tradi- ionais, arcaicos, onde 2 demanda de bens materiais e de vantagens concretas assumia grande importéncia, como se fosse uma espécic de contrato do tipo “tome lé-dé ci", ‘Sant’ana, sc tu me salvares, tomarine-ci monje’, jurara Lutero, no meio da tempestade, a0 voltat de Erfurt — tipo de prece que o Reformador rejeitard em seguida, mas que foi conseryada pela maior patlz do mundo cristio”, diz Delumeau.""? A coldnia nic fugia ¢ esta regra. Cecilia Fernandes, 70 anos, casada com um oleiro da capitan.a de Pernambuco, disser coltrica, “que nao havia Deus no mundo se Deus ndo a vingasse de quem cla podia vinganga"; Violante Pacheca, cristé-nova, 44 anos, ‘ivera diferengas com 0 matido, ¢ “agasada, disse que Devs ndo setia Deus se a ndo vingasse do ito seu marido © de uma muller por quem cle dava nla..." Mulher de pescador, 9 mametuca Domingas Gongalves, de 30 anos, tivera cma terrivel dor de dentes por ocasiéo de sua titima gravidez; devido a scu estado, néo Ihe extrafam o dente, ¢ a dor nio cessava. Uma noite, “dentro na sua cémara, se 6s defronte de um crucifixe ¢ disse que pois Deus lhe nao tirava a dita dor no era Deus"."°* Um [illio mamcluco de Je- rOnime de Albuquerque, de nome Salvador, brigara com eseravos seus, dizendo “que desetia de Deus se the nao fizessem tal © fal"; brigando com 0 mercador Joao de Paz na rua de Joao Eanes, “tant bém com célera c agastemento disse que descria de Deus se Iho nie pagasse”."°* Estudante de Gramidtica, 21 aros, Manuel de Figueiredo 2 raro) poderia aleangar: o sistema do {ranciscano inglés Guilherine de Oceam (12701347). Est4 nag baves da violenia reaplo protesionte coniea a [amilia ode cotidiana com que se tratava Deus, Uin provérbio divin: “Laister foire Die, qui est homme d’aake". Froissart alirmava: “Pour si hault hone qui Dieu est.” Delumeau, Naissance ef affirmation de Ie Rélorme, pp. 58 ¢ 60. (102) Delumeau, “Ignorance religicuse, mentslilé magique ct ehristianiss sion’, in Un Chemin a’Histoire, p. 131 A influsricia negra reforgaria este sspecio de troca equivalente Ua religie sidade popular. Para Fernando Ostiz, @ “econoiria tcaanirdpiea” dos acgros iferia profundamente de “uma economia de eréuitos a longo prax0": tralave- s2, a9 conteirio, de “uma religifo de consumo imediato (...) sem erédito nem Interesses, cumulados". Citado por Roger Dastide, Les religions africaines au Brésil, p. 196, 103)" Primeica Visitepdo, Confiesdes de Pernambuco, rexpectivamente pp. 135 e107. (104) Idem, p. 32. (105) Idem, eespectivamente pp, 76 € 77. 199 vivue meio doide pelo foto de estar "“amarrado au com a camisa alevantads aos pelos” € ser cruclmente agoitado por tiés pessoas, sem que senhuma das outras, presentes, 0 2cudlissem; "com impa cigncia", arrenegou de Deus ¢ de Nossa Senhora.!®" © biseainho Marlim Alvares, de 30 anos, tambéim se vira as voltas com violéncias inexplicadas. Morava om Itaparica, fora preso por Gaspar de Azo vedo, que amarrou sues mos atris das costas ¢ 0 tratou muito seal sem que ele merecesse. Choio de pisadurss, “dlesatinara (...) com a forga da paixo, que vendo que nenhuma da gente branca Ihe acudia disseza em altas vozes como desesperada por cinco ou seis vezes que arrenegava de Dous ¢ da Virgem Maria Nossa Senhora, © de Sio Pedro € de Sio Paulo, ¢ de todos os santos da Corte dos Céus, © do Padre que o batizata”, persistindo nas blasiémias por corea de 4 horas." Por que Manuel de Figueiredo e Mactim Alvares estiveram presos? A documentagfo nfo responde, & certo, entretento, que a violéncia sempre presente no cotidiano da colénia impelia 4 des- crengs nos dogmas. ‘Atormentado por doenga que néo cessava, os does, sempre for- tes, pasando das costas a0 peito, "e muitas vezes a0 coragio”, de- sesperando de ter sade um dia, 0 clérigo tousutado Dionisio de Alfonseea, 26 anos, natural da Vila da Vigia perdeu a esperanga cm Deus © duvidou da justica divina, “Arranhando-se pela cabeca puxando-se pelos préprios cabelos”, pediu que os diabos o levassem fe que Deus o sepultasse nos infernos, “porque desesperou ds Sua Misericérdia”. inirigava-o o fato de Deus castigar “a alguns por uma culpa s6" € ndo castigar “a outros que tinham inumerdveis culpas”, sendo que muitos dos primeiros se perdiam, enquanto os da segunda categoria, rezando na hora da morte um alo de contrigao, se salvar yam. Por tudo isto, “tinha Deus algumas vezes por injusto, ¢ quando menos ficava duvidoso sc era justo ou injusto”.!* Curioso que nénhum dos colonos descontentes com a sorte & que renegaram Deus, duvidando Dele, chegaram aos extromos de dois portuguescs-condenados pela Inquisigo no sfculo XVII. Joo Fe nandes, alfaiate da regio de Covilha, disseca “que neahuma cousa (105) Segunda Visitugdo do Saito Oficio as partes do Brasil pelo inquisi- flor e visitedar 0 licenciado Marcos Teixeira. Livro das Confissdes ¢ ratfis #805 da Doha: 1618-1670. incroduyéo de Eduardo d'Oliveira Franga © Sonia Siqueirs. Agais do Museu Paulista, tomo XVII, p. 451. (197) Idem, p. $05. (108) Livra do Visitago do Santo Offelo da tnquisicéo 00 Estado do Grao-Perd — 1763-1769, apresentagio de José Roberto Amaral Lapa, Peité- polis, Vozes, 1978, pp. 198-198. devia w Deus Nosso Senhor porque podendo-o fazer rite, o fixer pobre, ¢ dando muitos bens a outros, a cle sé dera Wabalhos. ¢ gue se chegara a Deus the havie de dar cunt uma face", Como Dionisio, duvidava da-Justica Divina; mas enquanio o clétigo se perdia em consideragSes metafisicas, 0 alfaiate ia direto 8 questéo: se Deus cra 0 Criador a ser adorade, por que fizera a desigualdade social? O barqueiro Luis Roiz de 30 anos (20 a menos que © alfaiate) alirmava “nde dever com Deus, e que se c mesina Sr. the nao dava de comer tle havia de tirar as tripas com uina jaca, ¢ com efeito fez com cla um risco em uma imagem do mesmo Sr. ¢ que se Ihe ndo dava o dinhciro o havie de elogar no Tejo”.**” Som colocarem em xeque & oxisténcia de Deus, os dois blasfemos porlugucses — que sairam juntos no mesmo Auto de Fe 21 de junho de 1671 — duvidavam de sua justiga porque cram pobres ¢ mal tinham com o que viver. Neles, variava apenas o grau de violéncia: o de Luis Roiz era maior, cfetivando-se na agressio A imagem. Esse confronto com Deus telvex fosse um trago moderna: a intcrmediagio dos santos medievais (que 20 mesmo tempo estabcleciam a relagio entre o fict ¢ Deus ¢ prote- giam este dltimo da eventual ira do primeiro) perdera a cficacia."” Filho de Deus, Jesus também cra alvo de descontcniamentos po: puiares, “Boto a Cristo muita merda, ¢ pela héstia muita merda, pela Virgem Maria muita merda”, respondia o licenciade Filipe Toms de Miranda quando the perguntavam como ia passando.!!" © eristio~ novo Simao Pires Tavares, além das dtividas quanto ao poder dos clérigos, "disse que merda pata a escola de Jesus, ¢ a mesina sujidads para Jesus”. Costumava ainda jurar pelas tripas ¢ tutanos de Jesus."7 Come © Deus iijador, imaginava-se um Jesus humano, provide de cntranhas, que procriava como outro qualquer: perdeneda no jogo, 9 marinheira Antonio Nunes, de 30 anos, “jurara duns yezes pelo fithy de Jesus Cristo”."!? Mas dele se esperavam também concursos sobrenaturais. O judeu Duarte Roiz, ao assistir passar pla porta da cadeia a procissio de Endoengas, zombara do conformismio dos pre- 505, que pediain “esmola por amor de Deus Nosso Senhor Jesus (105) ANTT, Inquisigde de Lisboa, 1." 145/6/180-A, (110) Deve esta observasio a Hiliric Franco Ir (111), Segunda Viritapae, Denunciagées da Batic, p. 160. (112) Primeira Visitegao, Confissdes de Pernambuco, p. 24 (113) Segunda Visltasdo, Denunciagées de Ushia, p. 370. Menocchio Vitis que Jesus era um homem come outra qualquer. apenas mais digno, Ov, ella p. 33. Cristo": “Nao vai ai Nosso Senhor Jesus Cristo, por que nfo vos tira da cadcia?”, indagarai!™* Cristo era desadatado também nos simbolos que 0 represeuta- vatn: imagens, crucifixos, Num clima que lemba a alegre religiosi- dade medieval, cois cristios novos —~ 0 jd olerido licenciado Filipe Tomés ¢ 0 caixciro Luis Alvares —- divertiram-se tecendo conside- ragdes sobre 2 imagem de Jesus que saira na Procissio dos Passos. Sem se ajoslhur, “‘esentnecendo com grandss rises", dissera o licen- ciedo: “que mé cata leva o Cristo!” “Como leva as barbas borradas!"* "-aguiesceu Filipe — acrescentara 0 eaixeir, “Muito borrads as teva Tomés.1"* © descespeito 20 crucilixe foi uma das infragées mais comuns na coldnia, sobretude not dois primelros sécules, Quase que inva- riavelmente, atribuiram-na a judeus ¢ ctistdos-novos. Cristios-novos seriam Luis Vaz de Paiva © seu sobrinho, que roubaram um cruci- fixo da ermida de Nossa Seniors da Ajuda ¢ andaram com ele pelas russ, assustando pessoas de noite — quando abriam a porta das casas ¢ introduziom apenas 0 brago que segurava 0 ctucifixo —-, levando-o a casas de jogo e “dizendo dai bacaio para este homem".# Fama de judeu tinha um Isidro, provavelmente original da Vila de Cameta, 38 anos, branco, cara redonda, cheio de corpo, cabelo trangado, c cujo crime denunciado na Mesa da Visita’ do Grio-Paré foi o de amiacrar um caueifixo numa goiabeira ¢ agoité-lo.! Cristéo-novo era ainda Diogo Casianhe, homem solteiro, que infligia a0 crucifixe @ convivéncia com suas atividades sexuais: “quando tinha ajuntamento camal com uma sua negra metia debsixo dela um erucifixo”. 2 Nos autos da Primeira Visitaggo = Pernambuco, uma das pre- + songas mais constantes é a do mercador Jodo Nunes, acusado a cada momento de (er “um erucifixo a par de vaso imundo em que fazia seus feitos corporais","" de ter “om sua camara”, no que parecia um servidor, um crucifix sobre © qual urinava, dizendo “Javai-vos 16". Chogara s eavenenar mortalmente um pedreiro que testemu- (U4) Segnde Vsingd, Danancigbes da Bahia, p10 (115) Idem, p. 159. {il Segue Vogt, Ovancayae de Uni, pp 12,153,182, 198. A ctagao irate enontee neta dina pga (iin) tivo da Yisiugoa do Sento Offeo da laguisfo ao Estado do Grao-Pard, pp. 228-229, — 7 II8) Primate Visiago, Osnunciagees de Peanbueo, ps 124 (18) dem, 9.38 (170) Teer, p. 126 140 Entretanic, © depoimento do fivenciady a sobre o modo pelo qual Joo Nunes cfetivamente fazia suas necessidades. Era a pessoa mais indienda para falar do caso, pois mandara prender tanto o pedieio quanto Jodo Nunes; nega parcialmente as culpas imputedas ao mercadar, dizendo, enite outtas coisas, nunca ter sabide que [oo Nunes fizesse suas necessidades sobre um ctucifixo. A bem da verdade, afirma o fice ciado, havia um erucilixo cm sua casa, e relativamente préximo do mas no no mesmo recin(a, Eselatece hare 9 crime horrendo Diogo do Couto lanya diivid: local que scrvia come vaso — la Diogo do Couto ter sido o adultérie, © no eutre, © motive si que 0 levau « mandar prender Joo Nunes Verdade ou mientira? Inthil saber, Histirias deste tipo se arqui tetavam coletivamente, cada uma das imaginagSes contibuinde na consiruso de um relate semilendirio, vincado pela presenya de seculares que ridicularizavam simbolos, invertiain-nos, ne- arquétipos via antiordem dessacrali gavamnos ¢, talver, procuravam crlar zadora, Desacaics © erucifixos fazem parte de esteredtigas antiqufssinos, que através dos tempos foram imputados a diferentes categetias sociais marginais ow marginalizadas. Cuspi: no crucifixo, arrasté-lo pela casa, esmagé-lo com os pés, urinar sobre cle foram crimes iinpur tados aos templérios no sééulo XIV, integrando 9 processo mons rental com gue Filipe 0 Belo destruiu esta ordem co se poderio.'? Mas, muitas vezes, havia um substrato real, nem sempre, cntrer ‘Além dos templérios, 0$ cétaros cram peussdos de repudiar a cruz, "Ela nfo vale nada, ela & simbolo do mal", diia o sapateiro cétaro Arnaud Vital, habitante de Monteillow LV. Bélibaste, o vencrado petfoito, escumava m2 paisagem: tonto, .imputado a judews. no inicio do séeulo X! de édio ante as cruzes de madeira que pontilhavas "Se eu pucesse, quebré-lasia a golpes de machado; farla fogo com clas, para ferver a marmita”, dizia o santo homem.’** © sinal da ‘cruz também era odiado, © Pierre Authié propés uma formula 20 rética bastante comum enti rmorador da Vila de op. cit, p» 109. (121) Idem, pp, 91-92. Agoitar crucifixes era pi ot calonos. Por volta de 1628, scusouse um etistéo velho, Sho Paulo, de agoltor um crucifixe. Gonsalves Salvador, (122) Primeira Visilagao, Denunciagdes de Pernarubuco, pp. 300-306. {123) Norman Cohn, Los demons faniiares de Europe, trad. Madri ‘Alianza, 1980, p- 125 124) Emmanuel Le Roy Ladurie — Monsoiltov, wltage oect 2.1324, Paris, Gallimard. 1975. p. 479. stan — le 1254 nt pastor Pierre Maury para que le, entrando na igeja, pudesse Judi- briar 0s cristius — a Inquisigio era tcmidissima entio — sem vio lentar sca (é fotima ¢ seereta: “no verdo, Pierre, voct pode (sob pretexto de se persignar) espaniar as moscas de scu rosto, fazendo isto, voet pode dizer também: cis a frowte ¢ eis a barba, cis wma orelha c cis outra”.”* Ante a ridicularizagio cétara do sinal da cruz nfo hd como se furtar’ a comparayics. Cristio-navo, [ilho de mulher que, a0 que diziam, perecera no cadaizlso, Diogo Soares ensinara tum negtinho & se benzer da seguinte forma: "pondo a mao na tesla disse, boi, = pondo a mio no peito disse, corda, ¢ pondo a mao no omibro esquerde disse, faca, ¢ ponds a mio no ombro dircito disse, cavalo, entao fazendo reveréncia com a cabega disse, Amém Jesus" Diogo Soares e @ irmao, Fernio Soares, senhior de engenho em Per- nambuco, cafam na gargalhada2?® No século XVIII, os antonianos do Congo — adeptos deforma remodelada ¢ totalmente africanizada do cristianismo — eram cxor tados por sua profetiza, Kimpa Vita (ou Dona Beatciz) a no venc- rarem a cruz “porque cra o instrumento da motte de Cristo”.2?* ~ Eduardo Hoornaert analisa ¢ simbolisma da cruz como corpo- rificagda do poder :metropolitano e da colonizaga0, vendo no Jesus representado um branco aristocrdtico que sofre como herdi, © nao como pobre: “No Brasil, Jesus ndo nasce num presépio, mas sim num bergo de ouro, cle néo pertence & senzala mas sim A casa grande”.'™ Independente da validads da observaslo, € curioxo no- inte 05 escravos negros se voltavam contra a repre- tar que difici sentagio de Jesus na cruz: eram antes elementos das camadas médias ou da prépria elite econémica que o faziam, deixando aflorar, mal grado sua condigéo social ¢ poderio, um substrato popular de pré ticas dupersticiosas ¢ crengas hecéticas enraizadas no Velho Conti nente. Assimilando 0 cristianismo conforme suas necessidades ¢ conforme as regras de sua légica, os escravos negtos, a0 contrério, tenderiam a empregar — assim como os indios — imagens ¢ cruci fixos em seus ritos sineréticos. Para o Congo quinhentiste, Balandiex notou @ utiligagio de erucifixos nos vituais de fertilidade ¢ nos cuida dos com a protegio magica de casas e individuos#° Nos catimbds (125) Le Roy Ladurie, op. ets pr 479. 126) Primeira Visitaedu, Denunciagées de Pernambuco, p. 20, (127) Boxer, op. city ps 152. (128) Hecrnsert, 0p. eit. p. 343 (125) Georges Balondicr, La vie quotidienne au Royoune de Kongo du XVI" ow XVID siéele, Paris, Hachette, sd. Aped Mushombted, op. cit, p- 278. paraibanos estar dente mbo Para? sivel una ¢ tico de M séculos X* curando ¥ © de cesta Os dk digdes ant tanto, prin tragos espel géncres do| afetivizadas finat do sé Na colénia forme. aesd a Virgem ¢ sidade pop) Num movi afetivizagio se venera, a se atitar insatistagso O cult no séovlo Misevieérdi deveu mui culada Con um com a proliferagSo das representagées de Virgem; na Apologia de Herédolv, Henri Esticnne indagaria qual, dentre (antas designacées, serin verdudeiramente a mic de Deus Segunclo Hoornacrt, 2s primeiras imagens marianss no Brasil ainda sao milagreiras ou medianciras: assim, Nossa Senhora de Graga, a famosa imagem encontrada por Caramuru ne Baia, em 1530, e em honra da qual Paraguagu mandou erguer uma capela** Viriam om seguida as imagens guerteiras, pottonas de vitdrias contra indios ¢ herejes: Nossa Senhora da Vitéria, que assegurou triunfos conira indics © contea franeeses na Bahia; Nossa Senhora dos Proveres, garantidora da vit6ria de 1656 sobre os holandeses.!** Cultuando a Virgom nas igcejas, nas capelas, nas procissdes © confrarias, sincretizando-a conforme avangava a colonizagio — a popularissima Nossa Senhora do Rosétio dos escravos negros, tio reverenciada no século XVII mineiro —, 0s colonos brasifsivos car- navalizaram-na ¢ desacataram-na na celigiosidade cotidiana. Manuel Dias era clérigo e oficlava na mateiz, em Pernambuco; um dia, foi visto em frente & capela de Nossa Senhora do Rostirio daquela igreja, a perna levaniada © dando “um grande traque diante da imagem, da Virgem de vullo fermosa que esté no altar’. Reproendide pelo padre coadjutor Rodrige Soares, reagit com risos. Mas temia os ti- gorcs da Inquisigio: “Aos 10 de novembro de 1595 veio este clérigo Manuel Dias & meen acusar-se que na capela do Espirito Santo (...) perante outros sacerdotes sem respeito do, juger latgova algumas ventosidades..."")** Arrependido, pediv perd#o pela irceveréncia. Ressaltavam-se nia Virgom suas cacacteristicas humanas, femini. nas. © cristéo-nove Bento Teixeira — seria 0 autor da Prosopopéia? (135) Delumenu, “Les reformateurs et la superstition’, iis Un Chenin a'Histaire, . 61, |. Huizinga, El ofafa de ta Edad Média, tead., Bucnos Aires, Revista de Ocidente Argentina, 1967, p. 214. (154) Hoornaert, op. ef, p. 347. Pora-o episédio de Nossa Senhora de Graca ¢ 08 consoriee Caromucu Paraguagu, ver Jeboatto, op, cit, vol. I, p. 51: Rocha Pita, op: city p. 31. {138} aboatio: op. cit, pp. 8891. (138) Hoornaert, op. cit, p. 346. (137) Primeite Visitopdo, Denunciogées do Pernambuco, p. 43. Também em Portugal costumava'se inserir a Virgzm em contextos profanos, cernava- lisanido sua funglo: "Hickey ficou escandalizado 20 ver a Virgom Santa de vestide praieado, coberts de juias, dangando 0 fandango com Nosto Senhor Ub eabeleics empoada” — Suesnne Chatal; A vida quotidiana em Portugal io tempo do Terrantoto, wtad., Lisboa, Edigdes “Livzos do Brasil”, sul, p. 179, (138) Idem, idem. NG mulher aqui o outros, sempre uma ne} bofetad Sentiorg (186) bear pp. que melhor era a sua dos gentios de pedra que se bolia quando chegavam a cla...""2"* Por volta de 1747, em Conctigéo de Mato Dentro, capitania de Minas Gerais, Maria da Costa dizia a uma mate ther com quem brigava que a esbofctearia, pois “era mulher capaz de dar uma boietada em Nossa Senhora do Pilar”. Alguns anos depois, ainda em Minas, desta vez no Sabaré, a negra mina Rosa Gomes "vendo-se desesperada certo dia em sua casa entre quatro paredes, solitaria ¢ scm ventura, pedia aos santos ¢ Iha nao davamn, © nao achando pau nei corda para se enforcac, assim desesperada e fora de si, partiu a facto as imagens de Nossa Senhora, Santo Anto- iio, inclusive 0 mening Jesus, decepando-Ihes a cabega ¢ arraicando- thes 05 rages”. Na segunda metade do século XVIII, a Inguisisao mostrave-se, as youes, mais complaconte do que nos dois séculos anteriores: Rosa foi asperamente teprcendida, mas soltarantna ¢ lhe restituiram 05 bens. Gilberto Freyee mostiou muito bem o lado afetivo da teligiosi- dade colonial: mulheres estéceis se esfregando nas imagens de S30 Gongalo, invocando seus préstimas com intimidade: “Casaisme, caszi-me Sao Gongalinho, Que hei de rezar-vos, * ‘Amigo santinho."” Ou entio: io Gongalo do Amarante, Casamenteiro das velhas, Por que nao casais as mogas? . Que mal vos fizeram elas?" #8 Ressaliou também a familiaridade no trato com Santo Antonio, a quem se pediam maridos, que se chamava para ajudar a busca de objetos perdidos, pendurando-o de cabeca para baixo dentro da ce- Denunciasdes da Bahia, p. 950. Antonio Beis (147) Primeica Visivga’ “A Inquisigdo no Brasil — Extzactos d'alguns liveos de densineias", Revista de Histéria, Sociedade Portuguess de Estudos Hisi6ricos, Lisboa, janmar. 1912, ns I, p19, (148) AEAM, Devassas — 1747-1748, (1.32, (143) ANTT, Inquisigéo de Lisbea, Caderro do Promotor, n+ 128, 1762. Apud Lufs Mov, "Acotunds: Rafzes Setecentisias do Sincretismo Religioso AlroDrasileira’, exemplar mimeografedo, p. 7. (150) Gilberto Freyee, ep. cit, vol. 1. pi 34. ns cimba ou do pogo pata apressar o atendimento das promessas, colo- cando- ainda dentco de uringis velhos.!" Lembrou a popularidade de Sio Joao Batista, “festejado no sou dia como se fosse um rapaz bonito ¢ namorador, solto entre mogas casadeiras, que até Ihe dici- gem pilhérias: ‘Donde vindes, Sio Jogo, que vindes téo molhadi- nho?'"* Chamou a atengio para o papel de capities sagrados ou chefes militares atribuide a Sio Jorge, a Sio Sebastifo, “como qual quer poderose senhor de engenho”1 Evocou a habilidade de Sio Pedro em casar vidvas.'"* Em tetmos gerais, viu 0; santos come catalizadores de unia grande tensio procrindora des lesos, que seit sualizaram 03 santos ¢ a religido, os estimulos ao amor ¢& fecundidade passando para a culindria, colonial © se traduzindo em nomes suges- tives: suspirosde-freiras, toucinho-do-céu, papos-de-anjo, levanta-ve- 3ho, inguade-moga, mimos-de-amor.}** Na sua interpretagio brithante, Gilberto Freyre, mais una ver ateve-se as manifesiagies culturais da lite social, des senhtores de engenho —notadamente 05 nordestinos —, deixando de lado as pri- ticas © as crengas das camadas médias e inferiores da sociedade. O-culto dos santes se difundiza extraordinariamente a partir do século XV © por todo o séeulo XVI — "'o potitefsmo cstava presies a renas cer", exagera Delumcav.’™ Eram os grandes intermedidtios a que se recorria."®? Mas, anibiguos, podiam ser bons ou ruins, generosos ou Vingativos.*** Porlanto, pediam despertar no homem raiva ¢ violéncia que cram tanto mais legftimas quanto mais duras fossem as condigées (ED) Gilberto Feeyre, op. cit, val. 1, pp. 342343, (152) Idem, p. 312 (153) Idem, p. 31. (51) Laem, p. 343, (155) “...3 vibragio sréiien, 2 temo procriadora que Pestugal precisou de manter na sua época intensa de imperialismo colonizadae’, op. cit, pp. M6 0 347, (156) Delumeau, Naissauce et affirmation de ta Réforie, p. 54. (157) Vauehee, op. cit, p. 26: “Bm face de um Devs-Julz, 90 mesmo tempo distante e onipresenic, os fikis se sentiam desequipados. Senliram necessidade de recorrer a intermedidries.” * (158) Atribufamese poderes malignat aos santos, © no Berry falavace de santos “invejosos”. Delumeau, Le catholicisme entre Luther et Yolteire, p. 246. No coldquie Peregrinatio, Erasmo eagoave dos temores infundides pelos santos 8 gente simples: “Pedro pode feekar a porta do céu; Paulo esté ainiado com uma glaiva; Dartolomey, com um facke; Guilherme, com 2 langa, O logo si- grado fica 3 disposigio de Antonis. O proprio Francisco de Asst, depois que (oi pare o c&u, pode tornar cegas ou loveas oF persoas que nfo O respeliam. Os santos mal reverenciados enviam doengas horrivels.* Apud Delumesu "Les rélormatcurs et Ja superstition’, in Un Chemin d'Histoire, p. 68

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