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Cultura Brasileira – AP2

Aula 10: Festas populares e turismo cultural – inserir e valorizar ou esquecer? O caso de
Moçambique de Osório, Rio Grande do Sul
As manifestações populares, sejam de cunho religioso ou não, possuem um caráter ideológico
uma vez que comemorar é, antes de mais nada, conservar algo que ficou na memória coletiva. Tais
manifestações culturais podem formar parte de um produto, desde que sejam conectados de
forma direta ou complementaria aos serviços turísticos.
O turismo a partir de sua implantação pode “redefinir realidades sociais”, criando expectativas a
partir de imagens projetadas e adaptando as localidades a estas expectativas. O que pode ser uma
descoberta como novo destino ou nova atração, ou mesmo uma reciclagem de um antigo destino.
As manifestações culturais correm o risco de sofrer mudanças quando tratados de forma massiva,
repetitiva e acatando o gosto do visitante, neste caso operadores turísticos e turistas. Em muitos
casos, com apoio de poderes locais, as manifestações turísticas perdem sua função original para
atender a demanda de novos participantes.
O interesse de exploração turística de determinada manifestação cultural se deve a fatores como
o potencial, a originalidade do evento e de uma divulgação consistente da mesma através da
imagem que se queira projetar no caso das festas religiosas a sua concepção está nos devotos e
nos grupos de atores sociais que permeiam o universo sacro e ao mesmo tempo profano de tais
manifestações.
Para que seja considerado como um produto turístico, a festa será analisada como um evento
apto a atrair não somente devotos, como outros segmentos.
É importante fazer a devida distinção entre o evento/espetáculo e a festa popular, feita para
acelerar um acontecimento, agrícola ou religioso que faz parte do cotidiano, possui sua
organização no seio da comunidade, a partir da arrecadação de recursos e da ajuda do poder
municipal.
Patrimônio intangível, festas populares e o turismo
Prats – o patrimônio como recurso turístico pode ser apresentado em 3 formas: a) o patrimônio
pode se constituir em um produto turístico por ser, capaz de integrar junto a oferta hoteleira, um
motivo de compra autônoma. b) o patrimônio pode ser apresentado como “associado” a um
produto turístico integrado, sendo parte integrante do produto. c)o patrimônio pode se constituir
em um valor agregado para destinos turísticos que não possuem no patrimônio atrativo principal
ou o motivo de compra básica.
O patrimônio passa a ser algo passível de atrair espectadores desde que seja de interesse a
determinados segmentos turísticos capazes de transformá-lo.
As festas populares expressam as formas identitárias de grupos locais, onde o motivo de encontro,
de fé ou simplesmente de celebrar atrai e identifica a devotos e indivíduos de mesma identidade.
No caso específico das festas populares, sua realização forma a expressão simbólica mais fiel da
vida social de uma comunidade.
As festas populares do Brasil se divide em: - Religiosos: ministrados por sacerdotes ou por pessoas
autorizadas pela igreja, como missas, procissão, benção, novena e reza. – Profano-religiosos:
ministrados por leigos com a aprovação do sacerdote homenageando as figuras sacras, de modo
alegre e festivo, etc. – Festas profanas, com caráter de diversão. Com o propósito de segurar os
visitantes o maior tempo possível nas festas com leilões, danças, comidas, etc.
O caso de Moçambique de Osório, Rio Grande do Sul
Festa de Nossa Senhora do Rosário – elegemos tal manifestação pela incidência de material de
divulgação de Osório e região litorânea onde aparecem a imagem dos reis Congos e de alguns
componentes.
Foram realizadas entrevistas com turistas e veranistas que circulam nos meses de verão na região.
Se buscou saber se conheciam tal manifestação e se tinham interesse em participar ou conhecer.
Os Moçambiques são cortejos, constituídos por guias, pajens, capitães, etc.
O perfil do grupo possuem laços de parentesco, avós, tios, primos, irmãos e pais e sua tradição é
oral, passada de geração e geração de novos dançantes.
A Festa ocorre próximo ao dia 8 de outubro, data em que se celebra Nossa Senhora do Rosário.
Os participantes do grupo se autodenominam é uma “forma de dança ou cortejo, cujo motivo
principal é a representação de um combate simbólico, tendo a figurada Rainha Ginga como
personagem principal”.
A sendo também uma fonte de autoestima.
Quando nos referimos aos poderes públicos municipais, tanto legislativo como executivos, é
importante dizer que estes possuem relações de manutenção para com o grupo. Isso ocorre
através de uma lei de incentivo que é revertida em ajudas na manutenção das vestimentas e na
estrutura para as apresentações realizadas fora do município.
Turismo cultural – quem procura o que?
Se pode definir aquele turista que busca a cultura próxima da autentica daquele que busca o
espetáculo, cuidando de observar o perfil de cada grupo ou indivíduos e qual é sua intenção de
busca. Na tipologia dos tipos de turista, temos a definição do turista cultural como busca o
pitoresco ou vestígio do estilo de vida local tradicionais, que talvez possa coincidir com o passado
da cultura própria; incluíram-se a isso costumes e idiomas diferentes.
O que difere o turismo cultural do de massas é que o produto final é organizado e pensado de tal
fora onde se padronizam fatores sociais, financeiros e geográficos para tornar acessível a um
grande número de pessoas, a preços competitivos, importando a quantidade e a homogeinização,
baseando-se no volume e não na forma.
A importância da cidade ou do núcleo urbano onde são desenvolvidas tais manifestações contam
como valor agregado (paisagem natural e antrópica, patrimônio edificado, recursos cênicos e
serviços), e também como elementos de permanência de turistas e de visitantes que acorram ao
local da festa.
Políticas públicas e privadas para um turismo cultural
A formulação de políticas públicas onde se valorize e se aproveite os recursos culturais como
forma de valorizar e perpetuar a imagem da festa, respeitando suas mudanças, são desafios aos
setores responsáveis, sejam públicos e privados. Ocorre que para a valorização de tais
manifestações culturais dependem dos interesses de meios oficiais de apoio e de setores com uma
ampla visão cultural para tal proposta.
As políticas públicas são na maior parte das vezes resultada de imposição de elites que valorizam o
que se entende por alta cultura ou cultura elitista, esquecendo em muitos casos das minorias.
A elaboração de leis específicas de proteção ao patrimônio intangível pode significar muitas vezes
o não cumprimento e a posterior marginalização. Entendemos que políticas públicas de
valorização de tais manifestações onde os próprios atores sociais sejam chamados a participar, se
incluídos como elementos participativos e discutir suas necessidades é parte do caminho que se
possa seguir.
Barreto – “conservar significa manter, guardar para que haja uma permanência no tempo. Desde
que guardar é diferente de resguardar, preservar o patrimônio implica mantê-lo estático e
intocado, ao passo que conservar implica integrá-lo no dinamismo do processo cultural”.

Aula 11: ***Catolicismo popular na escrita do folclore brasileiro (Parte I)


O interesse pelo estudo do catolicismo popular e seus sub/temas como as festas, rituais, danças e
folguedos tem crescido vertiginosamente nas últimas décadas embalado em grande medida pelos
estudos culturais.
O folclore se tornou o elemento mediador para a criação de uma cultura de paz, ancorada na
identificação de diversos elementos culturais comuns e da aceleração do encontro de povos
através de práticas culturais diversas. É sob referência absolutamente conservadoras que o
movimento do folclore brasileiro se constituiu como campo de estudos institucionalizados e
custeado por verbas públicas dos estados da união.
Fernandes – problematizou a atuação e o método folcloristas, por tratarem a cultura com apego
ao passado, desconsiderando os seus aspectos múltiplos e dinâmicos, além de se basearem em
métodos estrangeiros, distanciando-se da realidade nacional.
Recentemente, alguns sociólogos brasileiros como Mariza Peirano, José Jorge de Carvalho, entre
outros retomaram esse embate antigo e revelaram que a presença do movimento do folclore nas
ciências sociais deve ser considerada como parte de um processo relevante do pensamento
intelectual brasileiro.
Ortiz – considera que o romantismo teve um impacto importante na definição do conceito de
cultura popular, pois, ao Iluminismo voltou-se para situações particulares, dando ênfase às
diferenças e espontaneidade dos sentimentos, aproximando-se também do historicismo e
descobrindo, assim, a Idade Média, os romances da cavalaria, os reis, as cruzadas.
No Brasil, o movimento folclórico só será articulado a partir das primeiras décadas do século XX,
quando as festas e todo um conjunto de manifestações populares estarão envolvidos em debates
que buscavam discutir elementos para a nacionalidade brasileira. A ideologia da mestiçagem e a
união das três raças passaram a serem as marcas de nossa identidade nacional, tal como
pregavam as ideias científicas, naturalistas, positivistas e evolucionistas na época.
O Movimento Modernista que buscou nas tradições, costumes e crenças populares o elemento
mediador para se entender o Brasil, será o ponto inicial para a criação de órgãos e grupos que vão
se ocupar da pesquisa e do levantamento das manifestações populares.
Os folcloristas se distanciaram do ambiente acadêmico, envolvendo-se gradativamente com a
política nacional e regional. Consideravam-se como folclore parte da música popular, os contos, as
histórias, as lendas, etc.
Para Almeida o folclorista deveria ter vocação, intuição, características de um psicólogo,
disposição para a vivencia no convívio com o povo para adquirir noção segura das reações
folclóricas através de uma observação daquele povo.
Os estudos do folclore revelaram esforços de se criar referencias para uma identidade nacional,
nesse sentido, os folcloristas estiveram constantemente embalados por noções como o mito das
três raças como pilares da formação nacional um vez que constantemente fundamentaram suas
análises nessa busca comum de identificar a contribuição do branco, do nego e do índio nas festas,
nos mitos, nas lendas, nas histórias.
A obra de Câmara Cascudo, indiscutivelmente a mais vasta e numerosa da produção escrita do
folclore.
***Lazer, turismo, folclore e tradições populares no Brasil (Parte II)
O deslocamento humano, tal como o que ocorre nas atividades de lazer e turismo,
independentemente do seu motivo, inclui elementos culturais a serem consumidos dentro de sua
rica cadeia produtiva que envolve dezenas de setores econômicos. Sejam pelos atrativos naturais,
ou pelos atrativos históricos e culturais de museus, bibliotecas, arquivos, monumentos, pela
arquitetura, pintura, escultura, pelas ruínas e outros legados, ou mesmo por meio de festas,
comemorações, comida típica, artesanato, feiras, mercados e folclore local, que fazem parte das
manifestações tradicionais e usos populares, sempre haverá consumo cultural.
O turismo é a modalidade dos deslocamentos e retornos ao domicílio original, das viagens de
lazer, do tempo de não trabalho.
A esse patrimônio cultural encarado como algo maior, superior, intangível, que o visitante
carrega na memória, e não na mala de viagem, agregam-se distintos meios de hospedagem,
alimentação, entretenimento e serviços turísticos diferenciados prestados pelas agências de
viagens, transportadoras, locadoras, pelo comércio e pelas oportunidades especiais de compras
que fazem parte da identidade3 local e herança cultural dos povos.
Essa forma de conhecimento, destacada por crenças, valores, normas, símbolos, datas, eventos,
músicas, danças, roupas, leis, tradições e hábitos nativos, etc. Trata-se de algo forte, poderoso,
de grande atração e interesse cultural, motivando a vontade de conhecimento e justificando o
deslocamento humano.
Para que o turismo seja um agente possibilitador da melhoria de vida, da localidade e do visitante,
é fundamental a educação patrimonial. A mediação dos sujeitos sociais alcançada pela educação
patrimonial possibilita a salvaguarda e o incentivo das práticas relacionadas aos saberes e aos
modos de fazer geradores de identidade cultural.
Entendimento sobre cultura
Quando se fala em cultura está se pensando em indivíduos dentro de um processo social dinâmico
que é a sociedade, interagindo com valores de diferentes expressões, caracterizados pelas
crenças, rituais e tradições que passam de geração a geração. É, portanto, algo mutável e que
pode acontecer assumindo as mais variadas formas de expressão, pois é a própria comunidade
que permite essa ocorrência ao participar – direta ou indiretamente – na transmissão e divulgação
dessas experiências culturais.
A palavra cultura tem origem latina, vem do verbo colere, que significa cultivar.
O sentido de cultura surge em oposição à barbárie, como marca própria da civilização, mas pode
ser considerado também como todas as maneiras de existência humana.
A variedade das vivências humanas faz com que cada cultura seja o resultado de uma história
particular, incluindo as relações com outras culturas e as possibilidades de movimentação em
direção ao futuro. A discussão sobre cultura está muito ligada à constatação da diversidade e às
forças sociais que movem sociedade. A formulação da cultura, portanto, implica necessariamente
confrontos, tensões, disputas, consenso e negociações.
O resgate da cultura, dos valores e tradições de uma localidade pode manter ativas as referências
culturais de um município ou de um grupo e transformar-se em um potencial produto turístico
capaz de auxiliar na construção da história da comunidade.
Motivação cultural para o lazer e o turismo
A motivação cultural para o lazer e o turismo está presente em qualquer pessoa uma vez que
exercerá concomitantemente a função de agente aculturador e de elemento suscetível de
sensibilização por culturas outras que a sua própria.
Se os visitantes forem preparados e alertados para observar e acompanhar as tradições culturais,
os saberes e os fazeres de um determinado grupo, poderão apreciar e interagir com melhor
compreensão, adotando posturas éticas que não venham a comprometer a continuidade das
práticas culturais.
O interesse causado pelos atrativos de valor cultural de uma localidade pode atrair visitação para
bens patrimoniais – materiais ou imateriais – que ofereçam referencial cultural ou histórico, tais
como: monumentos, obras de arte, museus, etc. gerações futuras.
O lazer e o turismo cultural podem gerar renda para os municípios e, também, a manutenção da
cultura das comunidades.
Pode produzir melhoria na autoestima da comunidade e, consequentemente, melhoria da
qualidade de vida da população local.
Entendimento sobre patrimônio
A palavra patrimônio está associada à noção de sagrado ou à noção de herança, de memória do
indivíduo, de bens de família. A ideia de um patrimônio comum a um grupo social, definidor de
sua identidade e, enquanto tal, merecedor de proteção, nasceu no final do século 18, com a visão
moderna de história e de cidade.
O patrimônio cultural, considerado em toda a amplitude e complexidade, começa a se impor como
um dos principais componentes no processo de planejamento e ordenação da dinâmica de
crescimento das cidades e como um dos itens estratégicos na afirmação de identidades de grupos
e comunidades, transcendendo a ideia fundadora da nacionalidade em um contexto de
globalização.
Patrimônio material e imaterial
A distinção entre patrimônio material e imaterial surge em função de um processo histórico que se
desenvolve para encorajar e valorizar a salvaguarda de bens culturais menos sólidos quanto aos
seus materiais formadores – que não correspondem à noção tradicional de monumento –, e que
podem ser significativos para uma pequena comunidade.
A expressão “imaterial” é adotada pela legislação federal brasileira, mas compreendem-se como
sinônimas as expressões “patrimônio intangível”, “cultura tradicional e popular” ou “patrimônio
oral”, todas igualmente problemáticas e simplificadoras do ponto de vista conceitual.
Folclore e tradições populares no Brasil
As manifestações culturais tradicionais são um resíduo da cultura de outras épocas ou lugares e,
como afirma Cláudio Basto, “o povo é um clássico que sobrevive”13, mas acrescentaríamos a esta
ideia a de que o povo sobrevive, mas sobrevive com as mudanças condicionantes de sua época na
história.
A Organização Mundial do Turismo afirma que: “Costumes e tradições locais poderão ser afetados
pela atividade turística desenvolvida na região, tanto pelo aparecimento de novos hábitos que
virão com os turistas, quanto pelo desejo dos moradores de adaptar seus próprios costumes aos
gostos, momentos e anseios dos visitantes”.
O folclore e as tradições populares são considerados quase exclusivos de uma fração específica do
povo: pescadores, camponeses, lavradores, boias-frias, gente da periferia das cidades.
O folclore e as tradições populares se nos manifestam vários domínios do saber, da expressão e da
comunicação, valorizando o que há de original, criativo e inteligente em cada manifestação uma
vez que a cultura de um povo é viva e está em constante transformação.
Dotados de impressionante e opulenta diversidade cultural, a beleza das festas folclóricas e das
tradições populares brasileiras é evidente e constitui um atrativo para os turistas. O Carnaval, a
Festa do Divino, o Círio de Nazaré, as Festas Juninas.
Como manifestações culturais, o folclore e as tradições populares brasileiras refletem a
complexidade desses recursos e indicam as dificuldades na nomeação e registro das mesmas
como bens culturais com status de patrimônio oficializado, principalmente por suas
peculiaridades, envolvendo a intangibilidade, particularmente, do turismo cultural.
Considerações finais: patrimônio como produto turístico
O valor simbólico que atribuímos aos objetos ou artefatos é decorrente da importância que lhes
atribui a memória coletiva.
O patrimônio cultural é um produto turístico que exerce sobre o consumidor forte atração em
função de seu caráter diferencial, mas isoladamente ele não garante o turismo, porque para isto
ele deve estar cercado da estrutura de suporte que inclui os serviços turísticos, a infraestrutura
básica de apoio ao turismo.
A esperança do turismo cultural é que ele ofereça exatamente o contrário do turismo massivo:
menos gente, visitando menos lugares, mais devagar, reunindo menor número de experiências,
com maior qualidade; recebendo mensagens mais detalhadas sobre o significado de lugares e
manifestações que poderão ser igualmente aproveitadas pelas comunidades em seus momentos
de lazer.

Aula 12: A CIDADE E SEUS SOUVENIRES: O RIO DE JANEIRO PARA O TURISTA TER
Souvenires são um componente essencial e um significante eloquente da experiência de viagem
no mundo contemporâneo. É praticamente impossível inventariar todos os objetos ― marcos da
cidade em miniatura, chaveiros, pratos decorativos, bolsas, camisetas, esculturas, ímãs, canetas ―
que enfeitam paredes, estantes e geladeiras nas mais remotas partes do globo ou circulam
aderidos a corpos de diferentes gêneros, idades e etnias. Funciona, a um só tempo, como
testemunho da viagem empreendida, como recurso de memória e como suportes da dádiva
quando passam das mãos do turista para as de seus familiares e amigos na volta ao lar. Sem
falarmos em um “segmento especializado” de souvenires que preenchem o desejo de viajar de
maneira politicamente correta, uma vez que são produzidos por “segmentos desfavorecidos” e
comercializados através de ONGs positivamente acreditadas. Em última instância, garantem ao
turista a experiência da caridade pela via da compra.
Souvenires são o que o viajante traz consigo ― representam materialmente o vínculo entre o
lugar visitado e o lar para o qual se retorna. Souvenires funcionam como marca de uma certa
experiência cultural plena de capital simbólico capaz de conferir status àquele que o possui.
Passam por diferentes regimes de valor e seguem variadas trajetórias e, no processo, reforçam
fronteiras entre “aqui” e “lá”, entre “visitantes” e “hospedeiros”, entre presente e passado –
tempo em que a viagem de fato se deu, ou a temporalidade abstrata do Outro.
Não se trata de avaliar a qualidade estética dos souvenires ou de pontificar sobre sua natureza
falsificada, inautêntica, kitsch ou massificada.
Rio de Janeiro e seus Souvenires
A “natureza turística” de um lugar é uma construção histórica e cultural. Esse processo envolve a
criação de um sistema integrado de significados através dos quais a realidade turística é
estabelecida, mantida e negociada, e tem como resultado narrativas a respeito da cidade como
destinação turística. Estas narrativas, que se modificam com o tempo, em alguma medida
antecipam o tipo de experiência que o turista deve ter e necessariamente envolve seleções:
enquanto certos aspectos são iluminados, outros permanecem na sombra. Alguns elementos são
de longa duração e perduram apesar das mudanças na cidade, no trade turístico e no perfil dos
visitantes.
A “capital turística do Brasil” sintetiza o caráter nacional, é vista como espécie de vitrine do país.
As lojas de souvenires cariocas parecem reforçar essa lógica, tomando para si a tarefa de
condensar o Brasil e disponibilizá-lo como mercadoria para seus visitantes.
As lojas cariocas oferecem souvenires de todas as regiões brasileiras ― chimarrão, artesanatos do
sertão mineiro, carrancas, carros de boi em miniatura, bijuterias do Pará ―, sem lhes identificar a
procedência.
O exotismo possui uma longa tradição na cultura europeia ocidental, articulada em torno de três
aspectos básicos: alteridade, distância e desconhecimento (Todorov, 1984). O exótico substitui o
maravilhoso dos séculos XV e XVI. Ambos, no entanto, pressupõem a exclusão daquilo que é
familiar e conhecido.
A demanda pelo exótico encontra, nas lojas de souvenires, em diferentes partes do mundo,
possibilidade de plena realização. Nesse espaço heterotópico, para usar a expressão de Foucault5,
elementos culturais e eventos históricos são recombinados em arranjos improváveis e
transformados em mercadorias turísticas.
Não encontramos objetos que remetam a situações de conflito e disputa ou mesmo que celebrem
personalidades do mundo das artes ou da política.
Exotismo calcado na natureza facilmente se aproxima do erotismo, outro elemento presente no
conjunto de souvenires sobre o Rio. As curvas do Pão de Açúcar, traço econômico que
imediatamente evoca a cidade, aparecem ao lado de exemplos mais explícitos como as bonecas
de mulatas sensualmente curvilíneas e os cartões postais com abundantes mulheres de biquíni nas
praias cariocas ― uma representação da cidade o poder público estadual pretende impedir.
A lei estadual nº 4.642, de 17/11/2005, proíbe “a veiculação, exposição e venda de postais
turísticos, que usem fotos de mulheres, em trajes sumários, que não mantenham relação ou não
estejam inseridas na imagem original dos cartões-postais de pontos turísticos, no âmbito do
Estado do Rio de Janeiro”.
Sérgio Ricardo de Almeida, o objetivo era proteger a imagem do Rio: “O uso de cartões postais
com fotos explorando mulheres em trajes sumários sugere o turismo sexual, prática que em
passado recente, que ainda se reflete no presente, nos estigmatiza com rótulos indignos.”
Esta associação entre a cidade e suas mulheres, objetificadas para consumo, não é, por certo,
exclusiva aos postais cariocas. Os que encontramos nas lojas de souvenires em Atenas, por
exemplo, também operam dentro dessa mesma lógica, sendo ainda mais explícitos na nudez
revelada. Mas, se no caso destes cartões-postais, fica evidente que modelos profissionais foram
intencionalmente fotografadas, os postais que capturam os corpos de mulheres nas praias
cariocas buscam uma espontaneidade cuidadosamente construída. Sem rosto e sem a companhia
de homens ou crianças, as mulheres parecem flagradas em seu suposto cotidiano tropical,
evocando idealizações acerca do Rio de Janeiro as quais constituem, com incômoda frequência, o
imaginário estrangeiro:
Que situa a cidade como um “campo de diversões sexuais”; nele, as mulheres são por natureza
“bonita, exótica” e sexualmente “ativíssima” [...].
Mas há dois elementos onipresentes nas lojas de souvenires que buscam estabelecer pontes
simbólicas ente natureza e cultura: a estátua do cristo Redentor, no alto do Corcovado, e o Pão de
Açúcar.
São objetos que os turistas não podem deixar de comprar, por mais “óbvios”, “anacrônicos” ou
“deslocados” que sejam.
Os souvenires disponíveis nas lojas visitadas, independente da imagem da cidade que evoquem,
nos ajudam a problematizar a noção de autenticidade: muitos são intencionalmente “fake”.
Os souvenires do Rio vendidos nessas lojas são, na maioria das vezes, “falsos cariocas”, originários
de Minas Gerais e de outras localidades mais longínquas. Mesmo quando são “de fato” produzidos
por artesãos locais, podem estar referidos a “falsas” narrativas, falas míticas como as que elevam
as “baianinhas” a símbolo da mulher carioca. Mas, paradoxalmente, oferecem àquele que os
compra a marca da autoridade de “quem esteve lá”, de quem vivenciou uma experiência autêntica
de encontro com a alteridade.

Aula 13: TURISMO CULTURAL E SUSTENTABILIDADE: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL?


O turismo é uma atividade de grande importância para a promoção do desenvolvimento
socioeconômico dos núcleos receptores, porém nem sempre interfere positivamente nestes.
Assim, surgem novas concepções a respeito dessa atividade que, ao enfatizarem as dimensões
sociais, culturais e ambientais presentes no processo de produção e comercialização do produto
turístico, orientam novas formas de gestão e consumo de atrativos, equipamentos e serviços,
passíveis de se traduzir em benefícios reais para as comunidades e possibilitando maior
enriquecimento da experiência turística aos visitantes.
TURISMO CULTURAL: EM BUSCA DAS ALTERIDADES
Trilhando os caminhos da cultura
Os grupos humanos partiram de uma unidade biológica comum e adaptaram-se a um contexto
histórico e social específico, desenvolvendo formas diversificadas de agir enquanto membros de
uma coletividade, isto é, passaram a simbolizar modos e estilos de vida próprios. Isso significa que
o homem estabeleceu hábitos, costumes, práticas sociais, padrões comportamentais que
fundamentam e legitimam todo o modo de pensar, sentir e agirem sociedade.
Da mesma forma, ao deter o controle sobre a natureza, os agentes sociais, através do uso de
tecnologias, puderam cristalizar o seu estilo de vida em artefatos materiais, os quais dotados de
uma dimensão simbólica e de uma representatividade permitem apreender a forma singular ou a
estrutura que condiciona a existência empírica dos contemporâneos: a cultura.
Laraia - cultura é um conjunto de valores, crenças, costumes, hábitos e fatores históricos materiais
e imateriais que permeiam, de forma dinâmica, a vida social. Ou seja, a cultura é construída ao
longo de processos históricos e materiais de um povo, através de suas inter-relações e modos de
vida.
A cultura é inerente a cada povo, transformando suas experiências tangíveis e intangíveis a partir
do trabalho, o qual ultrapassa e modifica algo existente em algo novo. Assim sendo, permite que
qualquer povo, independente de suas condições materiais e históricas, tenha uma cultura
peculiar.
A cultura tanto pode ser expressa por elementos tangíveis casas, museus, igrejas, etc., quanto por
aqueles que, transcendendo a uma existência concreta, tornam-se elos entre a
contemporaneidade e um passado socialmente produzido, ou seja, diz respeito a um patrimônio
espiritual.
Cultura e turismo: onde se encontram?
A cultura figura como atrativo significativo para os turistas, especialmente para aqueles que
buscam na apreciação do outro, um diferencial em relação às suas vivências habituais. Nesse
contexto, conhecer a herança cultural reelaborada na cotidianidade de povos e comunidades
específicos, através de suas diversas formas de representações, constitui-se um viés integrador.
O interesse pela cultura sempre fez parte de uma necessidade humana, encontrando nas diversas
formas de turismo um importante instrumento de legitimação.
Com o maior desenvolvimento e integração das sociedades e a ampliação do conceito de
patrimônio, o turismo cultural foi assumindo novos contornos, com o aumento de reflexões,
debates e teorizações acerca do segmento.
De acordo Köhler e Durand - As definições a partir da demanda apresentam o turismo cultural
sob o foco das motivações, percepções e experiências pessoais. Nestas definições, o que define
se a experiência turística pode ser classificada como cultural são as interpretações dos turistas e
não os espaços ou objetos em si. As definições que focam os aspectos da oferta baseiam-se no
desfrute turístico de equipamentos e atrações previamente classificados como culturais e aptas
ao consumo do fluxo turístico.
MT - conceitua turismo cultural como “a vivência do conjunto de elementos significativos do
patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os bens
materiais e imateriais da cultura”.
A utilização de conceitos voltados para a oferta não devem inviabilizar as motivações da demanda,
pois os turistas, tidos como culturais, possuem como principal motivação o desejo de entrar em
contato com diferentes culturas, visitando os elementos representativos do patrimônio de uma
determinada comunidade (conjuntos arquitetônicos, sítios arqueológicos, danças típicas,
religiosidade, gastronomia, o artesanato, a musicalidade, performances artísticas).
Goulart e Santos - o turismo cultural é apreendido como “[...] um fenômeno social, produto da
experiência humana, cuja prática aproxima e fortalece as relações sociais e o processo de
interação entre os indivíduos e seus grupos sociais, sejam de uma mesma cultura, ou de culturas
diferentes”. Nessas definições ficam explicitadas, o interesse maior pelo compartilhamento e pela
troca de experiências entre visitantes e comunidades, e as repercussões locais decorrentes da
dinamização do patrimônio e em virtude do intercâmbio cultural.
Perez - caracteriza da seguinte forma o perfil sócio econômico, as necessidades, gostos e
motivações intrínsecas à demanda por turismo cultural: - Visitantes estrangeiros de idiomas e
bagagens culturais diferentes; - Cidadãos de um mesmo país, que procuram uma relação mais
aprofundada com o seu patrimônio cultural; - Residentes locais que procuram um conhecimento
mais aprofundado do território que habitam; - Pessoa com rendimentos acima da média; - Pessoas
que despendem mais; - Passam mais tempo num mesmo sítio.
O autor alerta, também, para o fato de se evitar a generalização ao tratarmos das características
da demanda, considerando as constantes transformações no mercado turístico, a influência dos
meios de comunicação e da indústria cultural na valorização de determinados destinos e produtos,
bem como as mudanças que ocorrem no interior da própria demanda.
Turismo cultural e as singularidades deste novo horizonte de mercado
A segmentação do mercado turístico faz com que, cada vez mais, surjam segmentos diferenciados
que atendam aos interesses particulares de grupos específicos. Para Netto e Ansarah, grande
parte da teoria de segmentos do turismo está relacionada com as teorias de marketing, ou seja,
falar em segmentação do turismo é falar de estratégia de marketing. Com isso, a segmentação
baseia-se nas características da demanda, já que é através desta diferença que as empresas e os
órgãos ligados ao turismo irão atingir esses turistas a partir das especificidades de cada grupo.
Com o advento do Meio Técnico-Científico-Informacional exposto por Milton Santos, através da
velocidade das informações e da compressão do espaço e do tempo, em que tudo se torna
efêmero, e “o espaço se fragmenta e perde seus lugares, o tempo é analógico e virtual” o mundo
torna-se, cada vez mais, homogeneizado e padronizado. É neste sentido que a cultura de um povo,
através de suas memórias e identidades, pode sobressaísse como um símbolo de resistência e luta
perante a tendência à padronização global. Daí, então, a importância do turismo cultural na
contemporaneidade.
O Turismo Cultural, assim, pressupõe um público educado e informado que compartilhe com os
órgãos de patrimônio uma definição sobre o que constitui lugares, eventos e coleções corretas.
Por outro lado, o Turismo Cultural deve ser visto pelos órgãos de preservação como um meio de
arrecadar recursos para a manutenção de lugares e manifestações, bem como um instrumento
de informação ao público visitante (GOODEY).
No âmbito do patrimônio imaterial, o turismo pode contribuir para o revigoramento dos saberes e
fazeres populares e das tradições, ora por intermédio do aumento da visibilidade dos produtores
culturais, ora pela valorização das manifestações artísticas locais.
Ao fortalecimento das identidades culturais e de práticas sócio/culturais específicas, que em
alguns casos, poderiam estar sofrendo um processo de desaparição.
Talavera - o turismo cultural, segundo o autor, favorece o mercado turístico geográficos e
culturalmente mais distantes, promovendo as revalorizações de seus territórios para o uso desta
atividade.
Entretanto, o turismo quando desenvolvido de forma deliberada sem o envolvimento da
população local, e associado a outros fatores, pode interferir negativamente na cultura de uma
determinada localidade, seja através da cenarização dos lugares, seja por intermédio d
espetacularização de manifestações populares tradicionais.
A cultura como produto turístico: as encruzilhadas da sua comercialização
Vaz e Jacques - consideram que a apropriação da cultura pela atividade turística não deve ocorrer
de forma que a mesma se transforme em mercadoria, ou melhor, em um produto cultural para ser
comercializado e consumido, o que, por sua vez, tornaria o próprio conceito de cultura esvaziado.
No entanto, a cultura, de uma maneira geral, vem sendo utilizada como um mero produto de
mercado, o que, na concepção de Adorno e Horkheimer, elimina o caráter estético e artístico da
cultura refletindo em sua degradação. A cultura tem que ser apropriada pelo turismo de uma
forma que valorize a mesma, reforçando as suas peculiaridades e especificidades.
A excessiva comercialização dos bens culturais em prol da captação de fluxos turísticos pode
impedir que a comunidade receptora o percebesse como parte integrante do seu convívio social,
atribuindo-lhe um caráter eminentemente econômico. Nesse sentido, perde-se a noção de
continuidade sociocultural dos bens culturais, uma vez que estes são vistos como necessários,
exclusivamente, para a fruição turística de uma localidade.
[...] os monumentos e o patrimônio histórico adquirem dupla função – obras que propiciam saber
e prazer, postas à disposição de todos; mas também produtos culturais, fabricados, empacotados
e distribuídos para serem consumidos.
As festas e danças populares são ressignificadas quando da sua inserção ao sistema de produção e
consumo turístico, destacando-se a banalização das festas tradicionais, bem como a
transformação de rituais sagrados em rituais de entretenimento.
O resultado desses mecanismos consistiu numa reprodução acelerada desses modelos de
formatação e estruturação da oferta turística em diversas localidades, desconsiderando-se as
especificidades locais e inviabilizando o acesso da comunidade aos benefícios do turismo. Do
ponto de vista social, a transformação da cultura em produto turístico pode se refletir na
segregação espacial dos turistas em relação à comunidade local e no esvanecimento dos
conteúdos simbólicos da produção cultural.
Diante dos impactos negativos ocasionados por essa atividade, atrelada à emergência de novas
necessidades, preferências, valores e atitudes da demanda em relação ao meio socioambiental e
cultural onde o turismo se processa, novas diretrizes norteiam a gestão e operacionalização do
turismo cultural, destacando-se a oferta de novos produtos e roteiros turísticos cuja
conceptualização está baseada na criatividade e inovação, na interpretação patrimonial e na
“autenticidade” das atrações culturais, pressupondo a inserção comunitária e a sustentabilidade
em todas as etapas do processo.
TURISMO CULTURAL E SUSTENTABILIDADE: DESAFIOS E OPORTUNIDADES
O turismo sustentável pode ser definido como um modelo de gerenciamento da atividade que
enfatiza a conservação dos aspectos naturais e culturais do núcleo receptor, evitando-se a
degradação dos atrativos e estimulando a economia local, de forma consensual e de acordo com
as demandas das comunidades.
Os turistas culturais buscarão destinos capazes de oportunizar experiências tidas como únicas e
provocadoras dos sentidos, com base em motivos, sensações e emoções.
Os destinos turísticos tradicionais, segundo Goodey, agregarão valor às suas ofertas culturais,
propiciando aos turistas o exercício ou a prática de atividades lúdicas e didático-pedagógica com
elevado teor educacional e com nítido interacionismo entre turistas e comunidades.
Na visão de Yasoshima e Oliveira, “os novos turistas procurarão aliar o entretenimento das viagens
com a educação, fazendo com que cada viagem seja uma forma de aprendizagem e instrução.”
A atividade turística deve empreender ações e projetos de valorização das manifestações
populares tradicionais e contemporâneas, inserindo-as no circuito turístico, ao mesmo tempo em
que possibilitará o fortalecimento da identidade e da diversidade cultural, com a participação
efetiva de segmentos populares na implantação e gerenciamento das atrações:
O turismo como prática econômica precisa, no entanto, encontrar formas mais respeitosas de se
inserir no cotidiano das comunidades receptivas.
O turismo cultural deve ser entendido como uma atividade capaz de agregar valor aos bens
culturais e, nesse contexto, a interpretação do patrimônio aliada a outras técnicas de educação
ambiental têm diversificado as oportunidades de conhecimento da cultura local tanto por parte
dos visitantes, como por parte da comunidade, além de possibilitar a inserção social em áreas de
interesse turístico.
Lucas - ao citar os princípios do turismo cultural tomando por base o National Trust for Historic
Preservation, estabelece algumas diretrizes necessárias.
a) Autenticidade e qualidade: contar a verdadeira história do lugar; a história distingue um lugar
do outro; agrega valor e qualidade ao produto cultural, tornando-o mais atraente ao turista
cultural, etc. b) Encontrar o equilíbrio entre a comunidade e o turismo cultural: as circunstâncias
locais determinam o que pode ser feito em turismo cultural; os programas elaborados devem
considerar os recursos e características que os autóctones dispõem e desejam com partilhar. c)
Visão comunitária: definir a identidade da comunidade, “o jeito de ser” característico da
localidade, como parte de seu patrimônio, bem como de seu estilo de vida; elaborar descrição da
comunidade.
Compreende-se que as culturas são dinâmicas e sofrem processos constantes de adaptações em
seus conteúdos e formas culturais; assim, o turismo é entendido como instrumento de reforço
das identidades e de articulação das culturas locais, à medida que estimula a participação da
comunidade no processo de planejamento e gestão da oferta turística.
Nesses casos, a adoção de um novo modelo de planejamento e gestão no turismo emerge como
alternativa para amainar os impactos negativos decorrentes do processo de massificação dessa
atividade no meio ambiente natural e urbano, além de considerar as interferências na dinâmica
sociocultural das comunidades receptoras.
Beni - afirma que existem várias interpretações para o turismo sustentável, dentre elas: a
sustentabilidade econômica do turismo que tem como enfoque, apenas, o aspecto financeiro; o
turismo ecologicamente sustentável que tem como foco a preservação das áreas naturais; o
desenvolvimento sustentável do turismo que protege o meio ambiente, pois o considera como
fator de competitividade e o desenvolvimento econômico ecologicamente sustentável.
A sustentabilidade é definida como a totalidade do sistema ser humano/ meio ambiente (incluindo
recursos naturais e culturais), na qual as dimensões culturais, naturais, econômicas e sociais
teriam igual importância. As políticas de turismo devem estar integradas nas políticas econômicas,
sociais, culturais e ambientais, mas sem as preceder.
No contexto em que a implantação da atividade turística em uma dada localidade tenciona a
inserção social numa perspectiva mais ampla de desenvolvimento, o fortalecimento das
identidades culturais prescinde de ações capazes de consolidar práticas coletivas de gestão dos
territórios étnico-culturais e dinamizar sua economia.
Esse fato pressupõe a existência de uma rede intricada de ações colaborativas entre os diversos
atores do turismo – gestores públicos, empresariado, comunidade – capazes de contribuir para a
dinamicidade das manifestações populares tradicionais sob a forma de eventos e atrações
associadas aos valores de lugar; para a refuncionalização do patrimônio material ou edificado, a
partir de novos usos compatíveis com a carga de suporte dos destinos, bem como para o
surgimento de ações de sensibilização e informação turística, desenvolvendo, desta forma, o valor
da hospitalidade no destino.
A articulação institucional e a formação de parcerias são essenciais para a continuidade e
funcionalidade de projetos turísticos sustentáveis, elevando ou mantendo os benefícios para as
comunidades locais.
O envolvimento da comunidade torna-se premissa essencial na implementação de propostas e de
modelos de desenvolvimento do turismo cultural nas próximas décadas. A ampliação do conceito
de sustentabilidade pressupõe uma visão holística e sistêmica do turismo, com as comunidades
estabelecendo mecanismos de controle da capacidade de carga social, monitoramento e avaliação
das atividades desenvolvidas.
O planejamento sustentável do turismo deve privilegiar o atendimento satisfatório das
expectativas da população residente, no intuito de possibilitar sua participação em projetos
integrados de revigoramento da cultura local.
Tal iniciativa consiste também em garantir a qualidade dos produtos e serviços oferecidos aos
visitantes, aumentando o seu nível de competitividade e promovendo a hospitalidade no destino
turístico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entende-se que uma nova proposta para o turismo cultural deve priorizar os aspectos de
singularidade presentes em uma região vocacionada para o turismo, a fim de que os promotores
turísticos possam estimular as múltiplas facetas presentes nessa atividade. Este segmento deve ser
desenvolvido de forma a preservar o patrimônio cultural dos lugares, permitindo, deste modo, que
haja a manutenção das manifestações existentes para as gerações futuras.
Deve-se planejar o turismo cultural norteado nas dimensões culturais, naturais, econômicas e
sociais da sustentabilidade. Estas, por sua vez, devem ser consideras de forma integrada e
equitativa, promovendo a transformação dos elementos culturais em produtos turísticos, ao passo
que contribuam para a preservação destes elementos e a melhoria da vida da comunidade
envolvida. Para tanto, é importante que a políticas públicas setoriais estejam articuladas com as
políticas de turismo.
Aliado à valorização do lugar, a comunidade local deve participar ativamente do processo de
planejamento do turismo para estabelecer atrativos culturais que esta considera de valor turístico,
assim como impor os limites desta atividade para que o turismo não interfira de forma negativa no
cotidiano da localidade.
Diante do exposto, percebe-se que os ideais da sustentabilidade podem ser atrelados ao turismo
cultural, visando à minimização dos impactos negativos e a preservação do patrimônio cultural
local, contribuindo, desta forma, para a melhoria da qualidade de vida da comunidade receptora e
para a valorização da experiência do turista. Assim, a relação entre turismo cultural e
sustentabilidade é possível.

Aula 14: Da Literatura ao Turismo – considerações no âmbito da América Latina


O lugar da América Latina na nova ordem mundial
De uma perspectiva cultural, a ideia de nação é a de um sistema de representação cultural,
ultrapassando o foco político para o de bens simbólicos. Entendendo da ótica de Anderson, a
noção de fronteiras e limites políticos é ultrapassada. Já não é possível associar uma identidade
estritamente a um espaço ou a um país; ou mesmo identificar um patrimônio como exclusivo de
uma cultura. Isto porque, as identidades e as culturas são móveis. Deslocam-se, viajam,
redefinem fronteiras. Muitos de seus componentes se originam em um território e migram,
acentuando seus caracteres ou hibridando-se com a cultura receptora; a desterritorialização, no
lugar de apagar ou esfumaçar aspectos das culturas, na verdade, reafirmam-nos.
Dominguez - “ampliar a autonomia política da região [...] exige governos baseados em alianças
sociais qualitativamente distintas das atuais”. Laredo - diz que se “re/valorizamos o potencial que
temos e aplicamos o modelo e a estratégia de integração adequados para redimensionarmo-nos e
potenciarmo-nos, poderemos avançar progressivamente até o desenvolvimento e uma
produtividade destinada não somente ao mercado externo, mas também a nosso incomensurável
mercado interno, melhorando a qualidade de vida”. Assim, na consideração da nova ordem
mundial, o global e o local devem ser tratados como complementares: o primeiro como
ferramenta para a visibilidade do segundo.
Da literatura ao turismo no contexto global
Se entendermos que uma cultura é considerada como local, porque é compartilhada
subjetivamente por uma dada comunidade, e que a global está diretamente relacionada ao
processo econômico, às mudanças tecnológicas e à universalização da informação, temos que,
quanto à Literatura, é a sua recepção quem vai sinalizar as suas dimensões culturais em relação à
globalização. O processo de tradução, editoração, divulgação, distribuição do livro vai viabilizar a
mundialização do texto literário e levar o imaginário local para o universo global (por caminho
virtual ou real).
Pensar formas de valorização da Literatura, visando ao turismo, é estratégia de fazer interagir o
global-local, evitando cair no aspecto homogeneizador do global. É realizar o comparativismo,
em consideração da perspectiva antropológico-social da cultura, sem descurar da especificidade
do valor estético da Literatura no contexto da diversidade cultural, do multiculturalismo e da
globalização.
Operar o turismo através da literatura implica uma compreensão do funcionamento do mercado
cultural no contexto globalizado. É forma de valorização do discurso literário e do bem simbólico
local, que habita o imaginário ficcional. O bem simbólico, presente na literatura, é
consubstancializado para o turista através do patrimônio cultural arquitetônico (material) e do
imaterial (mitos, lendas, folclore, danças, música, culinária, hábitos de um povo) e, ainda, do
patrimônio natural.
Nesse caso, por essa ótica, a cultura sobrepõe-se ao mercado pois é ela quem dará o “tom” da
relação entre local e global, entre cultura e turismo.
Nas ações de contexto local, o trato da literatura há que observar aspectos de reescrita,
intertextualidade, identificação de bens simbólicos inscritos no texto ficcional (hábitos, costumes e
tradições), através das estratégias narrativas singulares; fazer interagir várias disciplinas no corpo
do texto literário: a história cultural e social, a antropologia, a crítica literária.
Além de valorizar a literatura junto à comunidade local, prepara-a (à comunidade) para receber o
turista, porque promove a reflexão sobre a sua própria identidade.
No âmbito internacional, a ação da mídia - fruto de definições político-sociais locais – sinalizará
aspectos (diferenças) da cultura local para o possível viajante e motivam-no para o turismo, a ele
que, eventualmente, também já teve contacto com aquela cultura através da literatura. Assim, a
atenção à maneira como os discursos políticos e a mensagem mediática e do marketing turístico
veiculam os produtos culturais e as culturas locais, contribui para que a cultura se imponha em
relação ao mercado.
Embora a literatura esteja presa a uma linguagem, em relação à sua transnacionalidade, a
tradução e a distribuição oportunizam a sua condição de competitividade em relação às demais
expressões artísticas. A interdisciplinaridade é outro fator favorável, quando a interlocução de
linguagens faz um texto literário ser relido pelo teatro, pelo cinema, etc.
Dessa forma, a ultrapassagem da dicotomia de valor global/local, permite um olhar interativo, que
valoriza o local, lançando mão das ferramentas do global, particularmente da mídia.
A conciliação do estético com o turismo através da literatura faz ressaltar a importância da cidade
como cenário ficcional e como “produção de localidade”.
O estético é ressaltado pelo leitor-turista, quando, no processo da leitura, realiza-se a interação
texto-leitor, em relação à “significância de experiências de leitura como parte da motivação do
leitor para a ação subsequente”, que o tornará turista-leitor. Nesse mister, o foco na cidade é
fundamental, exatamente por ela abrigar as culturas, as subjetividades, fomentadoras do trânsito
de turistas.
As formas urbanas de cidades (o local), que abrigam bens simbólicos, provocam imaginários
transnacionais (o global). O trânsito de turistas promove a transculturação, num enriquecimento
mútuo (turista e local). Aspectos das culturas antes vistos pela ótica eurocêntricos – do exótico -
agora colocados pela ótica de valorização do diferente vêm a abrir novas perspectivas ao leitor e
levá-lo a redimensionar a própria História.
A Literatura funcionará como elemento de sustentabilidade, quando provocadora do fluxo entre
as culturas - local e global - e do consumo cultural pelos turistas (globais) que buscam o
diferente (local). Isto porque, ao ser lida em âmbito global (considerada a sua divulgação e
distribuição), desencadeia a motivação para do leitor, que reconstrói a motivação porque,
consideradas a sua situação histórica e social e assegurando uma visão da cultura não
corrompida pelo interesse econômico e utilizando as ferramentas da tecnologia global para
informar o leitor sobre a cultura local.
É estratégico lançar mão dos recursos instaurados pela lógica do mercado global, onde a mídia e o
marketing ocupam lugar singular e, necessariamente, vão atingir a leitores de uma esfera
internacional e interferir na sua motivação para, como nos resultados da sua ação, quando,
depois, ele passa a turista - usufruído dos bens simbólicos e consumidor das mercadorias.
Pós-colonialismo e inter-relações afro-latino-americanas
Tendo em conta os laços linguísticos que unem os países da América Latina, tomando a Literatura
como base para a discussão, é possível considerar a diferença cultural de cada um desses países
como elemento de interesse provocador de ações para o turismo, visando ao desenvolvimento.
Em relação a esse laço da língua, na comunidade de países de Língua Portuguesa, é comum a
evocação do verso de Fernando Pessoa: Minha pátria é a Língua Portuguesa.
Daí a sugestão de alternativas de inter-relações entre os países, potencializando a ideia do laço
linguístico, através da Literatura.
As questões de nacionalismo e de identidade nacional, hoje reconceitualizados, estão presentes
nos vários discursos culturais e nas discussões sobre pós-colonialismo.
Nos países da América Latina, a condição pós-colonial acentua essas questões. Ressaltadas a
hibridização cultural e uma postura de resistência à globalização, temos que a diferença se faz
ainda em relação à cultura do ex/colonizador por força da descentralização das identidades. Tal
reflexão sustenta-se no entendimento de nação, não mais como uma entidade política, mas
enquanto “entidade simbólica”, como um sistema de representação cultural. As culturas nacionais
constroem identidades ao produzirem símbolos e sentidos com os quais nos identificamos e que
estão contidos nas memórias contadas e nas imagens criadas sobre uma nação.
Se a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado,
temos que a transição de identidade, ocasionada pelas diferentes interpelações do momento
histórico, fortalece o aspecto político da identidade dos povos pós-colonizados.
A cultura é aqui entendida no seu sentido largo, que não esbarra na visão clássica (herança de
tradições e costumes), mas se alimenta também das vivências; melhor dizendo, que acrescenta
vivências à herança. Por isso é que pensar cultura provoca pensar a identidade cultural, composta
de múltiplas camadas e entendida como intersecção de múltiplas influências que se moldam por
um senso de pertinência. Vale dizer, como observa Homi Bhabha, que a cultura como estratégia
de sobrevivência é tanto transnacional como tradutória. Ela é transnacional porque os discursos
pós-coloniais contemporâneos estão enraizados em histórias específicas de deslocamento cultural
[...], é tradutória porque essas histórias espaciais de deslocamento – agora acompanhadas pelas
ambições territoriais das tecnologias globais de mídia - tornam a questão de como a cultura
significa, ou o que é significado por cultura, um assunto bastante complexo.
Para exemplificação desse raciocínio é destacada a Região Sul-baiana do Brasil e o seu potencial
turístico, marcado por uma cultura singular, de excepcionais peculiaridades no panorama
sociocultural do país. O forte e significativo componente histórico que marca a compreensão da
cultura dessa Região é imprescindível para a percepção cultural do seu presente, não só no que diz
respeito à sua singularidade nacional de berço do Brasil (considerada a articulação das culturas
indígena, branca e negra), como à importância da nação brasileira enquanto expressão em Língua
Portuguesa. Portanto, a excepcionalidade cultural dessa Região faz com que se constitua em
manancial relevante para as discussões identitárias locais e a potencializa como expressão cultural
de atração turística nacional e internacional. Tais observações se acrescentam, quando é levada
em conta a sua singularidade contextual de região encravada na Mata Atlântica remanescente,
num litoral de excepcional beleza. Uma região na qual o meio-ambiente, a cultura, a história
constituem-se atração incontestável para o turismo, devido aos aspectos culturais únicos. Nesse
singular panorama cultural (propício para as reflexões sobre a cultura produzida na articulação de
diferenças culturais), cabe acrescentar e ressaltar a sua rica e inquestionável literatura.
Para citar um exemplo, é sabido que Jorge Amado ultrapassa fronteiras nacionais e ocupa o
mundo com a sua obra. Os livros Cacau, Terras do Sem-Fim, Gabriela Cravo e Canela, São Jorge dos
Ilhéus, Tocaia Grande, por vieses diferentes, fazem povoar o imaginário de leitores de imagens das
terras do Cacau da Bahia, sua cultura, sua gente.
Assim, se a obra amadiana tem vários momentos e fases, o seu leitor caminha com elas.
Primeiro, sob um foco neo/realista, que concretiza sentidos centrados na problemática social, na
relação de classe; depois, atentos ao relato fácil e agradável do contador, a movimentação da
cidade de Ilhéus, a sua sociedade, os seus costumes; a seguir, buscando, na obra, o entendimento
da cultura, das questões étnicas, da história e formação da nação grapiúna.
Devido ao alcance da recepção da sua obra, Jorge Amado ganha leitores de múltiplas
nacionalidades que, estando em locais os mais diversos, resolvem, um dia visitar a cidade de
Ilhéus, apresentada nas páginas dos vários livros da saga cacaueira.
As possíveis estratégias provocadoras de sustentabilidade através do Turismo implicam no
desenvolvimento de políticas valorizadoras de ações culturais. Ações podem ser desencadeadas a
partir de articulações realizadas de ações locais e de fora para dentro (entre os países). No
primeiro caso, ações locais desencadearão programas para a recepção desses turistas, acionando
segmentos sociais, através da promoção de formas de sustentabilidade, relacionadas a comércio
de artesanato, a visitação de museus e sítios históricos, a formas de divulgação das representações
culturais locais, seja através do teatro, da literatura, da arte visual, etc. Afora estratégias mais
simples (a comercialização de livros, telas, esculturas, dentre outros), empreendimentos mais
ousados – por parte do poder público e investidores privados – poderão ser garantidores da
sustentabilidade do turismo.
No segundo caso, inter-relações literárias poderão desencadear realizações de trabalhos culturais
de divulgação. Para isso, deverão ser celebrados convênios, parcerias e intercâmbios em
instituições culturais de países de expressão em Língua Portuguesa e em Língua Espanhola. A
intensificação desses procedimentos poderá contribuir para gerar um turismo cultural sustentável
para a América Latina, na medida em que projetos de intercâmbio, por exemplo, promovam a
intensidade do fluxo de turistas, turistas esses interessados na história, na literatura, na cultura
local: interessados na diferença Latino-americana.
Diversidade cultural e desenvolvimento sustentável - por uma política valorizadora dos bens
simbólicos da América Latina.
O fenômeno transnacional faz com que cruzamentos de fronteiras operem mudanças nas culturas
através dos processos de transculturação. Daí a imprescindibilidade de políticas culturais bem
traçadas e respeitadoras dos valores locais, a fim de salvaguardar o bem cultural do consumo
depredador.
Para isso, torna-se fundamental atentar para a relação entre produtos culturais e definições
políticas em esferas locais e nacionais, visando a um foco internacional. Como observa Canclini,
em um processo de integração transnacional, a reivindicação do público não pode ser uma tarefa
para ser desenvolvida apenas dentro de cada nação. As macroempresas que reordenaram o
mercado de acordo com os princípios de administração global criaram uma espécie de “sociedade
civil mundial” de que são protagonistas.
No entanto, o resultado das ações integrativas deverá ser assegurado, por meio da
implementação de políticas culturais, em favor da sustentabilidade dos valores regionais.
Os passados históricos, marcados por uma condição análoga aos países pós-colonizados da
América Latina e as singularidades de cada nação no que diz respeito às suas respectivas
expressões culturais constituem-se elementos que justificam acreditar numa “negociação” do
local com o global, “negociação” essa provocadora da comunicação, do trânsito de pessoas, isto é:
acionadoras de ações para o turismo.
Se a Literatura veicula imagens urbanas – paisagens locais, costumes, mitos, danças, comida típica,
música – esses bens simbólicos de culturas singulares constituem-se referentes para o leitor de
outras culturas, outras cidades.
Enquanto elemento de interação entre a cultura e o turismo, as cidades – que abrigam os
patrimônios e povoam o imaginário da ficção – constituem-se o elemento que motiva o trânsito
do turista, e é onde ocorre a transculturação (turista/ morador). Movido pelo imaginário
ficcionalizado no texto literário, essa clientela específica – o leitor-turista – vai interagir e,
simbolicamente, recriar a cidade. Dessa forma, identidades diferentes são observadas por campos
de relações do “bloco cultural” (questões de pós-colonização, proximidade espacial, relações
temporais), justificando ações conjuntas, fortalecedoras do espaço Latino-americano.
Mecanismos devem ser articulados a fim de que a neutralização das barreiras nacionais seja
potencializada favoravelmente às expressões culturais locais, promovendo a ordem econômica e
política através da integração e intercâmbio. Isto porque, como é óbvio, nem a comunidade nem o
indivíduo podem sustentar sozinhos, um encaminhamento de tal monta. Se a cultura promove o
turismo, ela deve ser preservada através de políticas públicas, definidas em conformidade com as
representações sociais, através de planejamento participativo.
Integração e intercâmbio justificam, portanto, um bloco propositor de um turismo
intracontinental, valorizador da diferença cultural entre países de culturas próximas, nas quais as
fronteiras nacionais ficam ultrapassadas politicamente e dimensionadas em perspectiva cultural.
A questão é garantir políticas que busquem potencializar as singularidades. A ultrapassagem da
concepção de fronteira (do político para simbólico) assegurará pontos de interação entre os povos
através do intercâmbio, da migração, da hibridação linguística, da literatura.
Nestes tempos, as políticas de inclusão podem ser interpretadas como indicativas da necessidade
de ações culturais para um turismo que vise ao fortalecimento de um bloco cultural latino-
americano frente ao mundo. Nesse caso, há a imprescindibilidade de um eficaz processo de
integração que considere a região como um espaço de cruzamento de identidades, de mesclas;
que reconheça o processo de reelaboração das identidades (dinâmicas e múltiplas).
Observar como a apropriação e a reelaboração do consumo cultural pelo turismo é articulada no
âmbito regional e os impactos que tais ações provocam nas identidades locais. A evidência do
processo de fragmentação de identidades paralelo ao processo de globalização, ainda sinaliza a
necessidade de considerar ações de uma perspectiva sócio comunicacional de identidade, ações
essas que contribuam para a sua reformulação, nos espaços sociais, inclusive no espaço
massmediático.
A Literatura, enquanto elo estético e simbólico contribui para que laços tempos-espaciais
justifiquem ações de turismo. A política, encaminhada nesse entendimento, assegurará a
valorização do estético, a sustentabilidade da cultura e promoverá o desenvolvimento das
comunidades.

Aula 15: Turismo e patrimônio histórico cultural em São João Del Rei/MG
COMO ESTA AULA FALA SOBRE O TURISMO EM UMA DETERMINADA REGIÃO NÃO A DIGITEI.
OBS: MAS ANEXE ESTA AULA AO RESUMO SE DESEJAR.

Aula 16: Patrimônio Gastronômico, Patrimônio Turístico: uma reflexão introdutória sobre a
valorização das comidas tradicionais pelo IPHAN e a atividade turística no Brasil
O turismo ganhou destaque não apenas sob o ponto de vista da iniciativa privada, mas também
nos âmbitos da administração pública e da discussão acadêmica.
Alimentação, cultura e identidade
Como alerta o historiador Carlos Roberto Antunes dos SANTOS “não é suficiente que uma coisa
seja comestível, para que efetivamente seja consumida. É necessária uma série de
condicionamentos como o biológico, o psicológico, o cultural e o social para que se dê um passo”.
Como observa o antropólogo Roberto DA MATTA nem todo alimento (considerado aquilo que
pode nos fornecer nutrientes) pode se transformar em “comida”, por não fazer parte dos nossos
hábitos: A “comida” é o alimento que vai ser ingerido. Só é “comida” aquilo que é aceito
socialmente e culturalmente dentro de um determinado grupo de indivíduos. Estes elegem o que
comer, quando, como, onde e com quem, dependendo de inúmeros fatores, como crenças,
valores sociais, cultura, costumes, etc..
Bonin e Rolim - argumentam que “os hábitos alimentares se traduzem na forma de seleção,
preparo e ingestão de alimentos, que não são o espelho, mas se constituem na própria imagem da
sociedade”, salientando a íntima relação que se estabelece entre a alimentação e a cultura de uma
sociedade. A partir desta contribuição, pode-se observar que a própria ideia de gosto alimentar já
vem permeada pela fusão do biológico com o cultural.
O gosto alimentar extrapola o domínio do aparelho sensorial humano e se aproxima da ideia de
gosto defendida por BOURDIEU, para quem o gosto caracteriza uma propensão e aptidão à
apropriação material e simbólica de uma determinada categoria de objetos ou práticas
classificadas e classificadoras, constituindo a fórmula generativa de um estilo de vida. Como já foi
indicado anteriormente, na fusão do orgânico com o cultural o gosto alimentar caracteriza a
preferência por determinadas iguarias como sendo, mais do que um exercício do paladar
individual, uma expressão do arcabouço cultural que orienta as escolhas individuais.
Observa-se que a abrangência da relação alimentação/cultura não se restringe aos processos
relacionados com a manipulação da iguaria a ser digerida, mas se estende aos modos à mesa, bem
como aos locais e às maneiras com que a degustação ocorre, fazendo com que o complexo
fenômeno da alimentação humana tenha marcas de mudanças sociais, econômicas e tecnológicas.
Rolim - afirma que, se as escolhas alimentares são incorporadas ao processo de desenvolvimento
que as sociedades passam, os hábitos alimentares terminam por constituir “um elemento
bastante importante da identidade social de determinados grupos de indivíduos que, por isso
mesmo, ocupam determinados espaços sociais e expressam determinados estilos de vida”. Se no
âmbito da alimentação cotidiana alimentos tradicionais convivem com inovações gastronômicas
(de ordem tecnológica, de mistura de sabores provenientes de outras localidades, de
popularização de receitas estrangeiras), a maneira com que tais inovações são incorporadas
merece destaque, bem como a existência de determinadas permanências.
A denominação prato típico designa uma iguaria gastronômica tradicionalmente preparada e
degustada em uma região, que possui ligação com a história do grupo que a degusta e integra
um panorama cultural que extrapola o prato em si. Esta iguaria, por reforçar a identidade de
uma localidade e de seu povo, se torna muitas vezes uma espécie de insígnia local, fato que
ganha importância dentro do contexto turístico.
O interesse dos visitantes pela comida do outro – do visitado – é uma constante, e pode também
ser justificado pelas palavras de MINTZ, que ressalta: o comportamento relativo à comida liga-se
diretamente ao sentido de nós mesmos e à nossa identidade social, e isso parece valer para todos
os seres humanos. Reagimos aos hábitos alimentares de outras pessoas, quem quer que sejam
elas, da mesma forma que elas reagem aos nossos.
Muitos municípios, ansiosos por incrementar suas respectivas ofertas, terminam por oferecer aos
visitantes pratos criados recentemente, sem nenhuma ligação cultural, como sendo pratos
tradicionais. Ou ainda, como observa GIARD, terminam por oferecer versões adaptadas de receitas
tradicionais, oferecidas de forma completamente desconectada de seus sentidos originais:
No fim das contas cada cozinha regional perde sua coerência interna, aquele espírito de economia
cuja engenhosidade inventiva e rigor constituíram sua força; em sua vez e seu lugar, o que resta é
apenas uma sucessão de “pratos típicos” cuja origem e função já não temos possibilidade de
compreender, como aqueles lugares pitorescos que legiões de turistas percorrem, mas que não
podem conhecê-lo pelo o que foram.
Diante destas distorções, que têm se tornado cada vez mais populares, é imprescindível retomar a
relevância da gastronomia como atrativo turístico, justamente por se acreditar, como argumenta
REINHARDT que “o alimento é fonte de informações preciosas. Através do alimento, podemos
identificar uma sociedade, uma cultura, uma religião, um estilo de vida, uma classe social, um
acontecimento ou uma época”.
Do reconhecimento da gastronomia e seus saberes como patrimônio cultural
A UNESCO concebe como sendo manifestações de Patrimônio Cultural Imaterial as tradições, o
folclore, os saberes, as técnicas, as línguas, as festas diversas outros aspectos e manifestações,
transmitidos oral ou gestualmente, recriados coletivamente e modificados ao longo do tempo. O
Patrimônio Imaterial é transmitido de geração em geração e constantemente recriado pelas
comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua
história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para
promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana.
No Brasil, o órgão responsável pela preservar o patrimônio histórico e artístico é o IPHAN (Instituto
de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A atuação do IPHAN se dá através da realização de
inventários e diagnósticos de avaliação do patrimônio e de aspectos a ele relacionados, estudos
estes que fundamentam a realização dos tombamentos, a regulamentação das áreas tombadas e
do entorno, os registros e os planos de ação necessários.
Os bens culturais materiais (que ainda são divididos em duas categorias: imóvel e móvel) são
classificados de acordo com suas características em quatro livros do Tombo: 1) Livro do Tombo
Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; 2) Livro do Tombo Histórico; 3) Livro do Tombo das Belas
Artes; e 4) Livro das Artes Aplicadas.
Os bens materiais têm como objetivo viabilizar projetos de identificação, reconhecimento,
salvaguarda e promoção da dimensão imaterial do patrimônio cultural. Este programa caracteriza-
se como uma ação de fomento que busca estabelecer parcerias com instituições dos governos
federal, estadual e municipal, universidades, organizações não governamentais, agências de
desenvolvimento e organizações privadas ligadas à cultura, à pesquisa e ao financiamento.
Para que seja realizado o registro de um bem cultural de natureza imaterial, alguns requisitos
precisam ser preenchidos, dentre eles a apresentação na solicitação de abertura do processo de
uma manifestação formal de anuência com o processo de registro por parte da comunidade
envolvida, além do cumprimento das etapas de inventariação e de análise realizadas pelo corpo
técnico do IPHAN. Os bens que recebem parecer favorável para o registro são agrupados por
categoria e registrados em livros, classificados em: Livro de Registro dos Saberes (para
conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades); Livro de Registro de
Celebrações (para os rituais e festas que marcam vivência coletiva, religiosidade, entretenimento e
outras práticas da vida social); Livro de Registro dos Lugares (para mercados, feiras, santuários,
praças onde são concentradas ou reproduzidas práticas culturais coletivas).
Dentre os bens já registrados como Patrimônio Imaterial, pode-se citar a Arte Kusiwa dos Índios
Wajãpi, o Samba de Roda do Recôncavo Baiano; o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, a Viola de
cocho e o Jongo, etc.
O Ofício das Paneleiras de Goiabeiras foi o primeiro bem cultural inscrito no Livro de Registro dos
Saberes, em 20 de dezembro de 2002. A solicitação do registro foi feita pela Associação das
Paneleiras de Goiabeiras e pela Secretaria Municipal de Cultura de Vitória, Espírito Santo. De
acordo com o Livro de Registro de Saberes (IPHAN), a fabricação artesanal de panelas de barro em
Goiabeiras (também conhecido como Goiabeiras Velha), bairro de Vitória, Capital do Espírito
Santo, é uma atividade predominantemente feminina e constitui um saber repassado de mãe para
filha por gerações sucessivas, constituindo-se também no meio de vida de mais de 120 famílias.
As panelas de Goiabeiras são utensílios indispensáveis no preparo de peixes e mariscos,
especialmente para preparar e servir a Moqueca Capixaba, uma referência obrigatória da culinária
do Espírito Santo e um símbolo da identidade cultural regional.
O mesmo documento descreve que as panelas se constituem de produtos de cerâmica de origem
indígena (a técnica utilizada é reconhecida como legado cultural Tupiguarani e Una, com um
número maior de elementos identificados com a tradição Una) e que tais utensílios continuam
sendo modelados manualmente com o auxílio de ferramentas rudimentares (como a cuia e a
vassourinha de muxinga, uma espécie vegetal da região).
Dentre as atividades que compõem o Ofício das Paneleiras constam: a extração da argila;
preparação das bolas e transporte até o local de trabalho; etc.
Deve-se mencionar também que o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial também prevê a
realização de Ações de Salvaguarda, que visam apoiar a continuidade de um bem cultural de
natureza imaterial de modo sustentável, atuando no sentido da melhoria das condições sociais e
materiais de transmissão e reprodução que possibilitam sua existência. O Plano de Salvaguarda
do Ofício das Paneleiras de Goiabeiras envolve ações voltadas para a organização e a
capacitação do grupo de paneleiras, além de ações relativas à sustentabilidade ambiental deste
ofício, tendo em vista a utilização de insumos ambientais escassos na produção das mesmas.
De acordo com o Livro de Registro dos Saberes (IPHAN), o Ofício das Baianas de Acarajé, em
Salvador, Bahia, consiste em uma prática tradicional de produção e venda em tabuleiro das
chamadas comidas de baiana ou comidas de azeite, em que se destaca o acarajé, um bolinho de
feijão fradinho, frito no azeite de dendê. O preparo do acarajé foi levado para a região pelas
escravas negras no período colonial e tem sido reproduzido no Brasil desde então, tendo na
transmissão oral sua principal forma de transmissão de receitas. De origem sagrada, associada ao
culto de divindades do candomblé, esta comida popularizou-se e passou a marcar toda a
sociedade baiana como um valor alimentar integrado à culinária regional.
Deve-se mencionar que os dois Ofícios aqui citados obtiveram seus registros depois que amplas
pesquisas atestaram a importância cultural das duas manifestações em relação aos grupos aos
quais estão vinculadas. A panela, diretamente relacionado com os pratos tradicionais capixabas,
encerra em sua produção uma gama bastante rica de saberes e práticas igualmente tradicionais. A
produção do acarajé também envolve elementos que transcendem o bom paladar proporcionado
pela iguaria. Trata-se de dois bens culturais de caráter gastronômico que possuem importâncias e
significados regionais bastante arraigados.
Confirmando a tendência de valorização do patrimônio gastronômico nacional, além dos registros
concretizados (Ofício das Paneleiras e das Baianas), se encontram em processo de registro a
Empada ou Empadão de Goiás – GO, o Arroz-de-cuxá – MA e os queijos artesanais de Minas – MG.
Considerações finais - Um olhar turístico sobre a questão
A atividade turística caracteriza-se como uma atividade socioeconômica e cultural que possui no
elemento humano um elemento indispensável. Não bastasse o fluxo turístico ser composto por
pessoas e o staff receptivo (pensando aqui nos responsáveis pelo planejamento e
operacionalização dos produtos e serviços turísticos) ter a mesma composição, não se pode
esquecer o fato de que o turismo trabalha com desejos, necessidades, motivações e
expectativas do indivíduo turista.
Seja em busca de uma complementação do seu cotidiano, seja em busca de algo que lhe é
desconhecido, o turista cultural muitas vezes se baseia em seu próprio contexto cultural, em seus
próprios valores para olhar o “diferente”. Buscando uma experiência turística que lhe acrescente
algo (conhecimentos ou simplesmente emoções), este turista muitas vezes deseja exercitar, mais
do que o olhar para o outro, uma experiência do outro.
A gastronomia, em especial a gastronomia típica, merece destaque não apenas por constituir um
bem cultural que deve ser valorizado como os demais, mas principalmente – aqui sob a ótica do
turismo – por proporcionar um importante ponto de contato do turista com a realidade visitada,
proporcionando, no sentido figurado e literal, uma degustação dos ritos, valores e tradições locais.
Vale destacar a relevância das iniciativas do IPHAN que envolvem a pesquisa e a inventariação de
alguns saberes gastronômicos de nosso país, principalmente quando se pode atestar a
proliferação de pratos típicos feitos “sob encomenda” para a atividade turística em vários destinos
do país, produtos estes destituídos de significado e de conteúdo cultural que são empurrados para
os turistas como uma experiência genuína.
Fica a contribuição para que nós, turismólogos, pensemos a gastronomia de uma outra forma: não
como um conhecimento que se encerra no preparo de um prato ou na confecção de um utensílio,
mas sim como algo que agrega, por trás daquele produto final, um universo simbólico que envolve
conhecimentos, práticas e tradições das mais diversas.

Aula 17: TURISMO E ETNICIDADE


Turismo indica movimento de pessoas que não estão a trabalho em contextos diferentes do de
origem, seja este o lar, a cidade ou o país. Trata-se, geralmente, de visitação a lugares onde
poderão ser desempenhadas as mais variadas formas de atividades práticas e/ou subjetivas
desde que não o trabalho.
Pode-se afirmar somente que o turismo em larga escala emergiu no mundo ocidental no final do
século XIX e início do XX.
As origens do turismo são encontradas, além disso, em condições de alta produtividade,
especialmente na sociedade industrial. Mas é com as transformações socioeconômicas
experimentadas depois da II Guerra Mundial que o turismo se desenvolve como uma
manifestação do consumo de massa.
Nas ciências sociais, os estudos sobre turismo começam a se fixar entre os anos 60 e 70, quando
aparece um número significativo de trabalhos sobre turismo, com relevo especial para a obra de
Boorstin - que destaca o aspecto do simulacro no âmbito da atividade turística.
Se turismo é um fenômeno muito complexo, não só por se apresentar quantitativamente com
uma das maiores (se não a maior) indústrias do mundo, mas principalmente por uma enorme
diversidade de objetivos programáticos, além dos aspectos subjetivos que perpassam todos os
relacionamentos envolvidos nas suas múltiplas facetas, a antropologia do turismo não se
apresenta como homogênea em sua abordagem, mas muito diversificada internamente na medida
em que se constrói sob uma miríade de objetos temáticos.
Hoje, no princípio do milênio em que se inicia o turismo espacial, há uma procura cada vez maior
por sociedades em recônditos da Terra. Digo paradoxo aparente porque isso que se constrói como
foco da visitação turística está na procura pelo diferente, pelo exótico, pelo outro que, na verdade,
é buscado desde o início das jornadas turísticas. Perceber essa forma de experiência turística
caracterizada pela promoção do “outro” parece de extrema relevância para a antropologia
(inclusive a aplicada) na medida, principalmente, em que isso tem se configurado tanto como
alternativas econômicas valiosíssimas para as comunidades turísticas quanto para a própria
revitalização cultural dessas populações em si, muitas vezes apresentando declínio indesejável de
produção cultural em face dos problemas impostos pelo trabuco do capitalismo global – questão
de “desenvolvimento cultural” que, segundo Ryan, deve continuar sendo minuciosamente
investigada em termos de sua autenticidade, na medida em que isso é importantíssimo para os
próprios sujeitos nativos e turistas.
Essa não é a mesma perspectiva que se insinuava no início da antropologia do turismo, quando
as ideias de “impactos do turismo” e de “desenvolvimento turístico” começaram a receber
atenção não só das ciências sociais e econômicas como também dos próprios agentes
empreendedores que aplicam capital político, econômico e mesmo simbólico em certas
sociedades.
Mudanças ocorreram nestas e isso também se percebe pelo aspecto cultural e não meramente
econômico. Muitas vezes essas mudanças foram pensadas em termos de uma aculturação em
larga escala em face do impacto do turismo, isto é, o desenvolvimento turístico levaria os
nativos de pequenas sociedades hospedeiras a abandonarem um modo de vida tradicional e
independente do capitalismo global para se inserirem em negócios locais incrementados pelo
“efeito multiplicador” do desenvolvimento turístico.
Se o exótico, o outro, é procurado em lugares distintos do de origem do visitante, os habitantes
desses lugares, de acordo com a perspectiva turística, devem se promover como esse exótico, a
fim de ser atrativo no mercado turístico. Devem ter sinais diacríticos a exibir, a serem consumidos
nesse amplo mercado. A construção, promoção ou fortalecimento de sinais diacríticos que
caracterizam (que definem culturalmente) um povo é o próprio âmbito da etnicidade.
Etnicidade e turismo
Etnicidades são fenômenos sociais que refletem as tendências positivas de identificação e
inclusão de certos indivíduos em um grupo étnico. A distintividade dessa identidade, para
caracterizar um grupo étnico, deve se remeter a noções de origem, história, cultura e, até, raça
comuns. Originalmente, destacaram-se duas perspectivas teóricas para se abordar e definir os
grupos étnicos: uma essencialista, que se debruçava sobre a substância do patrimônio cultural e
histórico das populações para perceber sua distintividade étnica, e outra, mais construtivista,
que, focando as interações sociais entre as sociedades, notava suas fronteiras, que eram o que,
efetivamente, definiria os limites do grupo étnico, independentemente se os traços de cultura
ou raça fossem compartilhados com as sociedades vizinhas.
Mas como a etnicidade se relaciona com o turismo? Ora, existem inúmeras formas de turismo e,
embora algumas delas estejam totalmente despreocupadas com questões de história, cultura
própria, raça, origem, como o turismo recreativo, outras formas tomam por objeto aspectos de
identidade ou alteridade. No primeiro caso temos, por exemplo, o turismo histórico dentro da
nossa própria sociedade, e, no segundo, a busca pelo exotismo ou simplesmente por outras
culturas. Van den Berghe já sustentava que turismo é sempre uma forma de relações étnicas, e
isso seria duplamente verdadeiro, segundo van den Berghe e Keyes, no caso do chamado turismo
étnico, onde a própria existência da fronteira étnica criaria a atração turística.
Turismo étnico
Graburn - percebia a etnicidade como uma construção identitária num mundo plural, onde
comunicação, educação e viagem apareceriam como fundantes de conhecimento e de e acesso
aos mais variados outros. Em tal cenário, “identidades ameaçadas” muitas vezes poderiam buscar
uma renovação das tradições de um grupo, em apoio a um sentido de identidade única que,
muitas vezes, pode unir as pessoas a um passado talvez mais glorioso que o presente.
Para ele, símbolos de identidade podem ser emprestados, roubados ou mesmo trocados.
Grupos podem desejar realçar seu prestígio aos seus próprios olhos ou ao dos outros ao aceitar
materiais, símbolos e insígnias de outros grupos como se um poder mágico pudesse passar por
imitação; […].
De fato, seria difícil selecionar qualquer cultura ou subgrupo cujos símbolos culturais fossem
totalmente de sua própria criação ou de sua própria história. Além disso, tais identidades
“emprestadas” são frequentemente úteis ou funcionais num mundo onde velhos grupos são
degradadas ou novas categorias e etnicidades estão sendo criadas.
Graburn aponta para a possibilidade de as percebemos em constante mudança em face dos
contextos de interação dos grupos sociais no cenário mundial. E é justamente ao abordar a
mudança cultural que os temas da etnicidade, da identidade ou, em suma, do turismo étnico
entram em cena ao se privilegiar uma análise da dinâmica em que os grupos se renovam
objetivando a interação com o turismo. Mas trata-se de formas de etnicidade não generalizáveis a
todos os contextos interétnicos, dada sua necessidade de envolvimento específico com sistemas
globais (e fluxos culturais transnacionais).
MacCannell - Mas “etnicidade construída” seria apenas um “trampolim conceitual para um
fenômeno mais complexo”: A difusão global da cultura branca, colonização interna e as
instituições do moderno turismo de massa estão produzindo novas e mais formas étnicas
altamente determinísticas do que aquelas produzidas durante a primeira fase colonial. O foco está
num tipo de etnicidade para- turismo no qual culturas exóticas figuram como atrações chave:
onde os turistas vão ver costumes folk no uso diário, loja para artefatos folk em bazares
autênticos, ficar alerta para forma de nariz, lábios, seios e assim por diante, aprender algumas
normas locais para comportamento, e talvez aprender algo da linguagem...
O turismo promove a restauração, preservação e recriação de atributos étnicos. Assim, essa
“etnicidade reconstruída” (essas identidades turísticas que emergem em resposta às pressões da
“cultura branca” e do turismo) se resume na manutenção e preservação de elementos étnicos
para persuasão ou divertimento, não de outros específicos como no caso da etnicidade construída,
mas de um “outro generalizado”. Mesmo que dependentes dos estágios anteriores de etnicidade,
as formas étnicas reconstruídas estão aparecendo como resultados mais ou menos automáticos
de todos os grupos no mundo que entram numa rede de relações globais de transações
comerciais. Dessa forma, os itens de cultura podem ser ressignificados como mercadorias, além de
servirem de armamento retórico, isto é, como forma de expressão simbólica com um propósito ou
um valor de troca num sistema maior.
No turismo étnico, o nativo não está simplesmente ‘lá’ para servir as necessidades os membros de
comunidades étnicas podem se inserir em atividades turísticas, formando, junto com outros membros da
comunidade étnica e outros que não o são, comunidades turísticas, que existem concretamente e cujas
fronteiras podem ser bem mais amplas tanto do que as da arena turística onde se desenvolve a experiência
turística quanto do que a da comunidade étnica. Mas se há uma etnicidade que é elaborada nessa arena e
visando os recursos turísticos, há então uma experiência de turismo étnico. Os membros da comunidade
étnica envolvidos nesse processo e mais todos aqueles de fora da comunidade, mas que também estão
envolvidos nessa promoção do turismo étnico forma todas as comunidade etnoturística. Todas essas
esferas são autênticas e legítimas em suas especificidades. Acredito ainda que a recorrência de menções a
termos como ilusório, virtual, falso, inautêntico, pseudo, simulacro, etc. para referência às experiências
etnoturísticas nessas arenas são inadequadas e emperram a concentração de esforços intelectuais para
aquilo que deve prevalecer: a atenção sobre a prática turística desenvolvida com a cumplicidade entre
atores e plateia. Estamos diante de três esferas que se sobrepõem e inter-relacionam necessariamente
num mesmo espaço social, aqui chamado de arena turística. Por fim, em termos metodológicos, acredito
que o foco das pesquisas pode recair sobre quaisquer dessas quatro esferas (as três comunidades ou a
arena), vistas como experiências concretas, exemplos de atividade humana com tendências e contribuições
específicas, e não rechaçadas ao hall das coisas impuras, poluídas. do turista; ele está ele mesmo ‘em
exposição’, um espetáculo vivo a ser escrutado, fotografado...” (van den Berghe; Keyes).
Para os autores, entretanto, a questão da autenticidade deve ser reforçada no turismo étnico, pois
a própria “busca pelo exótico está se autodestruindo por causa da influência esmagadora do
observador sobre o observado” (van den Berghe; Keyes). O turista não quer ver o que eles
chamam de tourees, isto é, um ator que modifica seu comportamento para lucrar de acordo com
essa percepção de que é atrativo para o turista. O turista quer ver “nativos intactos”, mas sua
própria presença mudaria os nativos ao torná-los menos exóticos e “tradicionais” (mais parecidos
com o próprio turista) e ao incentivar que eles transformem-se em tourees.
No turismo étnico teríamos então o seguinte: o touree é o nativo quando ele começa a interagir
com o turista e modificar seu comportamento conformemente. O touree é o nativo que virou
ator, quer consciente ou inconscientemente – enquanto o turista é o espectador. O
intermediário é o mediador no exotismo étnico que media e lucra pela interação de turista e
touree, e quem, no processo, muito frequentemente manipula a etnicidade para ganhar,
organiza “autenticidade”, distribui valores culturais, e assim torna-se um agente ativo ao
modificar a situação na qual e da qual ele vive.
Pode-se perceber, por tudo isso, o quanto o turismo étnico se distancia do turismo cultural, que
pode ser definido “em termos de situações onde o papel da cultura é contextual, onde seu papel
está para moldar a experiência do turista de uma situação em geral, sem um foco particular sobre
a singularidade de uma identidade cultural específica”, ou seja, sem o engajamento de grupos
étnicos que buscam produzir uma identidade a ser comprada pelos turistas.
MacCannell - turismo étnico é especialmente vulnerável a uma forma de desordem social. Grupos
étnicos turistificados são frequentemente enfraquecidos por uma história de exploração […],
limitados em recursos e poder, e eles não têm grandes prédios, máquinas, monumentos ou
maravilhas naturais para desviar a atenção dos turistas para longe dos detalhes íntimos de suas
vidas diárias.
Quando um grupo étnico começa a se vender, ou é forçado a se vender, ou é vendido como uma
atração étnica, ele cessa de se desenvolver naturalmente e os membros do grupo começam a se
pensar “não como um povo, mas como representantes de um autêntico modo de vida.
Repentinamente, qualquer mudança no estilo de vida não é mera questão de utilidade prática,
mas um assunto pesado que tivesse implicações econômicas e políticas para o grupo inteiro”.
Chambers - mostra que o rótulo turismo étnico tem sido usado para se referir a atividades que
engajam os turistas na experiência de eventos e situações culturais que são distintas da sua
própria.
De uma maneira geral, penso que o turismo étnico pode ser percebido sob duas perspectivas: uma
voltando-se para o que se busca no turismo, e, no caso, o nativo seria o foco da viagem (visitação).
Mas outra perspectiva seria ver o turismo étnico pelo que o turista vê (encontra) durante a
visitação. Talvez se possa contra-argumentar dizendo que toda visitação a outra nação já admitiria
o fato do turismo étnico. Mas o que deve estar para defini-lo é o movimento de construir uma
etnicidade específica para exibição na arena turística. A ideia de turismo, inclusive, parece recair
sobre a perspectiva daqueles que viajam. Se o ângulo for mudado e se perceber sob o olhar do
nativo, é justamente a etnicidade acionada em termos de produção cultural de tradições a serem
exibidas com sinais diacríticos em arenas turísticas que vai ressaltar o caráter étnico destas — e
mesmo que isso ocorra sem plena compreensão do processo pelos nativos e, consequentemente,
sem um planejamento para o desenvolvimento dos fluxos turísticos para suas aldeias.
Comunidades étnicas e comunidades turísticas
Nesse momento em que o foco da investigação torna-se, de fato, a “fronteira étnica que define o
grupo” e não a “substância cultural que ela encerra” é que se deve olhar para o grupo étnico como
uma forma de organização social, onde interessa menos o traço cultural atribuído do que a própria
característica de auto/atribuição e atribuição por outros: a atenção recai sobre um conjunto de
membros que se identifica e é identificado por outros como uma população distinta. Ainda no que
concerne às relações interétnicas, gostaria de ressaltar que não apenas a interação é, em si, um
fator gerador de cultura e de limites para cada grupo, como os contatos externos a um grupo são
também constitutivos da estrutura desse grupo. Mas a comunidade é também uma construção
simbólica. Para Cohen: cultura — a comunidade como experimentada por seus membros — não
consiste em estrutura social ou “no fazer” do comportamento social. Ela é inerente “no pensar”
sobre ela. É nesse sentido que podemos falar de comunidade como um construto simbólico antes
que estrutural. Ao se procurar compreender o fenômeno da comunidade, nós temos que
considerar suas relações sociais constituintes como repositórios de significado para seus
membros, não como um conjunto de elos mecânicos.
Bourdieu - percebe, com relação aos grupos étnicos e sua formação, que os agentes e grupos de
agentes são definidos por suas posições relativas no “espaço social”. A partir de um tal quadro, o
objeto do pesquisador deve ser a disputa pelo privilégio de impor uma visão das coisas, pois a luta
pela imposição de uma visão legítima do mundo (onde se encaixam as lutas a respeito da
identidade étnica) é o próprio âmbito da etnicidade (ou é a própria etnicidade) — e é assim que se
dá a institucionalização de um grupo étnico, ou seja, pelas “lutas pelo monopólio de fazer ver e
fazer crer, de dar a conhecer e de fazer reconhecer, de impor a definição legítima das divisões do
mundo social e, por este meio, de fazer e de desfazer os grupos” (Bourdieu). Assim, deve-se evitar
uma percepção naturalizada das fronteiras de um grupo étnico, uma vez que essas passaram por
um processo político de legitimação, quando o grupo passou a ter sua existência conhecida e
reconhecida num amplo cenário social.
Mesmo quando uma etnicidade se alavanca em face do turismo, isso não quer dizer que os
limites da comunidade étnica sejam coincidentes com os da arena turística (ou seja, o espaço
social onde ocorrem interações geradas pela atividade turística), onde atores nativos constroem
uma encenação de si, e com a qual se identificam de fato, e se formando como uma
comunidade, a que chamo de turística. Ou seja, nem todos os nativos da comunidade étnica
estão engajados na etnicidade para o turismo, mas os que estão acabam por formar uma outra
comunidade, a turística, que, por se constituir e se apresentar por linhas étnicas, pode ser
chamada de comunidade etnoturística.
Há etnicidade aí e a identidade étnica construída nesse palco também é legítima e autêntica na
medida em que autênticos e legítimos são os turismos nesses espaços sociais. Esse é o mais
próprio turismo étnico, pois querer sair da fachada e penetrar nas profundezas da vida nativa é
coisa para antropólogo, e não para turista.
O termo “primitivo”, para este autor, seria assim apenas uma crescente resposta a uma
“necessidade mítica” para manter a ideia do primitivo viva no mundo e na consciência modernos
— e ela permaneceria viva porque existem vários impérios constituídos sobre a necessidade do
“primitivo”.
Os membros de comunidades étnicas podem se inserir em atividades turísticas, formando, junto
com outros membros da comunidade étnica e outros que não o são, comunidades turísticas, que
existem concretamente e cujas fronteiras podem ser bem mais amplas tanto do que as da arena
turística onde se desenvolve a experiência turística quanto do que a da comunidade étnica. Mas
se há uma etnicidade que é elaborada nessa arena e visando os recursos turísticos, há então
uma experiência de turismo étnico. Os membros da comunidade étnica envolvidos nesse
processo e mais todos aqueles de fora da comunidade, mas que também estão envolvidos nessa
promoção do turismo étnico, formam todas a comunidade etnoturística. Todas essas esferas são
autênticas e legítimas em suas especificidades. Acredito ainda que a recorrência de menções a
termos como ilusório, virtual, falso, inautêntico, pseudo, simulacro, etc. para referência às
experiências etnoturísticas nessas arenas são inadequadas e emperram a concentração de
esforços intelectuais para aquilo que deve prevalecer: a atenção sobre a prática turística
desenvolvida com a cumplicidade entre atores e plateia. Estamos diante de três esferas que se
sobrepõem e inter-relacionam necessariamente num mesmo espaço social, aqui chamado de
arena turística. Por fim, em termos metodológicos, acredito que o foco das pesquisas pode
recair sobre quaisquer dessas quatro esferas (as três comunidades ou a arena), vistas como
experiências concretas, exemplos de atividade humana com tendências e contribuições
específicas, e não rechaçadas ao hall das coisas impuras, poluídas.

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