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Cultura Brasileira - AP2 Cederj
Cultura Brasileira - AP2 Cederj
Aula 10: Festas populares e turismo cultural – inserir e valorizar ou esquecer? O caso de
Moçambique de Osório, Rio Grande do Sul
As manifestações populares, sejam de cunho religioso ou não, possuem um caráter ideológico
uma vez que comemorar é, antes de mais nada, conservar algo que ficou na memória coletiva. Tais
manifestações culturais podem formar parte de um produto, desde que sejam conectados de
forma direta ou complementaria aos serviços turísticos.
O turismo a partir de sua implantação pode “redefinir realidades sociais”, criando expectativas a
partir de imagens projetadas e adaptando as localidades a estas expectativas. O que pode ser uma
descoberta como novo destino ou nova atração, ou mesmo uma reciclagem de um antigo destino.
As manifestações culturais correm o risco de sofrer mudanças quando tratados de forma massiva,
repetitiva e acatando o gosto do visitante, neste caso operadores turísticos e turistas. Em muitos
casos, com apoio de poderes locais, as manifestações turísticas perdem sua função original para
atender a demanda de novos participantes.
O interesse de exploração turística de determinada manifestação cultural se deve a fatores como
o potencial, a originalidade do evento e de uma divulgação consistente da mesma através da
imagem que se queira projetar no caso das festas religiosas a sua concepção está nos devotos e
nos grupos de atores sociais que permeiam o universo sacro e ao mesmo tempo profano de tais
manifestações.
Para que seja considerado como um produto turístico, a festa será analisada como um evento
apto a atrair não somente devotos, como outros segmentos.
É importante fazer a devida distinção entre o evento/espetáculo e a festa popular, feita para
acelerar um acontecimento, agrícola ou religioso que faz parte do cotidiano, possui sua
organização no seio da comunidade, a partir da arrecadação de recursos e da ajuda do poder
municipal.
Patrimônio intangível, festas populares e o turismo
Prats – o patrimônio como recurso turístico pode ser apresentado em 3 formas: a) o patrimônio
pode se constituir em um produto turístico por ser, capaz de integrar junto a oferta hoteleira, um
motivo de compra autônoma. b) o patrimônio pode ser apresentado como “associado” a um
produto turístico integrado, sendo parte integrante do produto. c)o patrimônio pode se constituir
em um valor agregado para destinos turísticos que não possuem no patrimônio atrativo principal
ou o motivo de compra básica.
O patrimônio passa a ser algo passível de atrair espectadores desde que seja de interesse a
determinados segmentos turísticos capazes de transformá-lo.
As festas populares expressam as formas identitárias de grupos locais, onde o motivo de encontro,
de fé ou simplesmente de celebrar atrai e identifica a devotos e indivíduos de mesma identidade.
No caso específico das festas populares, sua realização forma a expressão simbólica mais fiel da
vida social de uma comunidade.
As festas populares do Brasil se divide em: - Religiosos: ministrados por sacerdotes ou por pessoas
autorizadas pela igreja, como missas, procissão, benção, novena e reza. – Profano-religiosos:
ministrados por leigos com a aprovação do sacerdote homenageando as figuras sacras, de modo
alegre e festivo, etc. – Festas profanas, com caráter de diversão. Com o propósito de segurar os
visitantes o maior tempo possível nas festas com leilões, danças, comidas, etc.
O caso de Moçambique de Osório, Rio Grande do Sul
Festa de Nossa Senhora do Rosário – elegemos tal manifestação pela incidência de material de
divulgação de Osório e região litorânea onde aparecem a imagem dos reis Congos e de alguns
componentes.
Foram realizadas entrevistas com turistas e veranistas que circulam nos meses de verão na região.
Se buscou saber se conheciam tal manifestação e se tinham interesse em participar ou conhecer.
Os Moçambiques são cortejos, constituídos por guias, pajens, capitães, etc.
O perfil do grupo possuem laços de parentesco, avós, tios, primos, irmãos e pais e sua tradição é
oral, passada de geração e geração de novos dançantes.
A Festa ocorre próximo ao dia 8 de outubro, data em que se celebra Nossa Senhora do Rosário.
Os participantes do grupo se autodenominam é uma “forma de dança ou cortejo, cujo motivo
principal é a representação de um combate simbólico, tendo a figurada Rainha Ginga como
personagem principal”.
A sendo também uma fonte de autoestima.
Quando nos referimos aos poderes públicos municipais, tanto legislativo como executivos, é
importante dizer que estes possuem relações de manutenção para com o grupo. Isso ocorre
através de uma lei de incentivo que é revertida em ajudas na manutenção das vestimentas e na
estrutura para as apresentações realizadas fora do município.
Turismo cultural – quem procura o que?
Se pode definir aquele turista que busca a cultura próxima da autentica daquele que busca o
espetáculo, cuidando de observar o perfil de cada grupo ou indivíduos e qual é sua intenção de
busca. Na tipologia dos tipos de turista, temos a definição do turista cultural como busca o
pitoresco ou vestígio do estilo de vida local tradicionais, que talvez possa coincidir com o passado
da cultura própria; incluíram-se a isso costumes e idiomas diferentes.
O que difere o turismo cultural do de massas é que o produto final é organizado e pensado de tal
fora onde se padronizam fatores sociais, financeiros e geográficos para tornar acessível a um
grande número de pessoas, a preços competitivos, importando a quantidade e a homogeinização,
baseando-se no volume e não na forma.
A importância da cidade ou do núcleo urbano onde são desenvolvidas tais manifestações contam
como valor agregado (paisagem natural e antrópica, patrimônio edificado, recursos cênicos e
serviços), e também como elementos de permanência de turistas e de visitantes que acorram ao
local da festa.
Políticas públicas e privadas para um turismo cultural
A formulação de políticas públicas onde se valorize e se aproveite os recursos culturais como
forma de valorizar e perpetuar a imagem da festa, respeitando suas mudanças, são desafios aos
setores responsáveis, sejam públicos e privados. Ocorre que para a valorização de tais
manifestações culturais dependem dos interesses de meios oficiais de apoio e de setores com uma
ampla visão cultural para tal proposta.
As políticas públicas são na maior parte das vezes resultada de imposição de elites que valorizam o
que se entende por alta cultura ou cultura elitista, esquecendo em muitos casos das minorias.
A elaboração de leis específicas de proteção ao patrimônio intangível pode significar muitas vezes
o não cumprimento e a posterior marginalização. Entendemos que políticas públicas de
valorização de tais manifestações onde os próprios atores sociais sejam chamados a participar, se
incluídos como elementos participativos e discutir suas necessidades é parte do caminho que se
possa seguir.
Barreto – “conservar significa manter, guardar para que haja uma permanência no tempo. Desde
que guardar é diferente de resguardar, preservar o patrimônio implica mantê-lo estático e
intocado, ao passo que conservar implica integrá-lo no dinamismo do processo cultural”.
Aula 12: A CIDADE E SEUS SOUVENIRES: O RIO DE JANEIRO PARA O TURISTA TER
Souvenires são um componente essencial e um significante eloquente da experiência de viagem
no mundo contemporâneo. É praticamente impossível inventariar todos os objetos ― marcos da
cidade em miniatura, chaveiros, pratos decorativos, bolsas, camisetas, esculturas, ímãs, canetas ―
que enfeitam paredes, estantes e geladeiras nas mais remotas partes do globo ou circulam
aderidos a corpos de diferentes gêneros, idades e etnias. Funciona, a um só tempo, como
testemunho da viagem empreendida, como recurso de memória e como suportes da dádiva
quando passam das mãos do turista para as de seus familiares e amigos na volta ao lar. Sem
falarmos em um “segmento especializado” de souvenires que preenchem o desejo de viajar de
maneira politicamente correta, uma vez que são produzidos por “segmentos desfavorecidos” e
comercializados através de ONGs positivamente acreditadas. Em última instância, garantem ao
turista a experiência da caridade pela via da compra.
Souvenires são o que o viajante traz consigo ― representam materialmente o vínculo entre o
lugar visitado e o lar para o qual se retorna. Souvenires funcionam como marca de uma certa
experiência cultural plena de capital simbólico capaz de conferir status àquele que o possui.
Passam por diferentes regimes de valor e seguem variadas trajetórias e, no processo, reforçam
fronteiras entre “aqui” e “lá”, entre “visitantes” e “hospedeiros”, entre presente e passado –
tempo em que a viagem de fato se deu, ou a temporalidade abstrata do Outro.
Não se trata de avaliar a qualidade estética dos souvenires ou de pontificar sobre sua natureza
falsificada, inautêntica, kitsch ou massificada.
Rio de Janeiro e seus Souvenires
A “natureza turística” de um lugar é uma construção histórica e cultural. Esse processo envolve a
criação de um sistema integrado de significados através dos quais a realidade turística é
estabelecida, mantida e negociada, e tem como resultado narrativas a respeito da cidade como
destinação turística. Estas narrativas, que se modificam com o tempo, em alguma medida
antecipam o tipo de experiência que o turista deve ter e necessariamente envolve seleções:
enquanto certos aspectos são iluminados, outros permanecem na sombra. Alguns elementos são
de longa duração e perduram apesar das mudanças na cidade, no trade turístico e no perfil dos
visitantes.
A “capital turística do Brasil” sintetiza o caráter nacional, é vista como espécie de vitrine do país.
As lojas de souvenires cariocas parecem reforçar essa lógica, tomando para si a tarefa de
condensar o Brasil e disponibilizá-lo como mercadoria para seus visitantes.
As lojas cariocas oferecem souvenires de todas as regiões brasileiras ― chimarrão, artesanatos do
sertão mineiro, carrancas, carros de boi em miniatura, bijuterias do Pará ―, sem lhes identificar a
procedência.
O exotismo possui uma longa tradição na cultura europeia ocidental, articulada em torno de três
aspectos básicos: alteridade, distância e desconhecimento (Todorov, 1984). O exótico substitui o
maravilhoso dos séculos XV e XVI. Ambos, no entanto, pressupõem a exclusão daquilo que é
familiar e conhecido.
A demanda pelo exótico encontra, nas lojas de souvenires, em diferentes partes do mundo,
possibilidade de plena realização. Nesse espaço heterotópico, para usar a expressão de Foucault5,
elementos culturais e eventos históricos são recombinados em arranjos improváveis e
transformados em mercadorias turísticas.
Não encontramos objetos que remetam a situações de conflito e disputa ou mesmo que celebrem
personalidades do mundo das artes ou da política.
Exotismo calcado na natureza facilmente se aproxima do erotismo, outro elemento presente no
conjunto de souvenires sobre o Rio. As curvas do Pão de Açúcar, traço econômico que
imediatamente evoca a cidade, aparecem ao lado de exemplos mais explícitos como as bonecas
de mulatas sensualmente curvilíneas e os cartões postais com abundantes mulheres de biquíni nas
praias cariocas ― uma representação da cidade o poder público estadual pretende impedir.
A lei estadual nº 4.642, de 17/11/2005, proíbe “a veiculação, exposição e venda de postais
turísticos, que usem fotos de mulheres, em trajes sumários, que não mantenham relação ou não
estejam inseridas na imagem original dos cartões-postais de pontos turísticos, no âmbito do
Estado do Rio de Janeiro”.
Sérgio Ricardo de Almeida, o objetivo era proteger a imagem do Rio: “O uso de cartões postais
com fotos explorando mulheres em trajes sumários sugere o turismo sexual, prática que em
passado recente, que ainda se reflete no presente, nos estigmatiza com rótulos indignos.”
Esta associação entre a cidade e suas mulheres, objetificadas para consumo, não é, por certo,
exclusiva aos postais cariocas. Os que encontramos nas lojas de souvenires em Atenas, por
exemplo, também operam dentro dessa mesma lógica, sendo ainda mais explícitos na nudez
revelada. Mas, se no caso destes cartões-postais, fica evidente que modelos profissionais foram
intencionalmente fotografadas, os postais que capturam os corpos de mulheres nas praias
cariocas buscam uma espontaneidade cuidadosamente construída. Sem rosto e sem a companhia
de homens ou crianças, as mulheres parecem flagradas em seu suposto cotidiano tropical,
evocando idealizações acerca do Rio de Janeiro as quais constituem, com incômoda frequência, o
imaginário estrangeiro:
Que situa a cidade como um “campo de diversões sexuais”; nele, as mulheres são por natureza
“bonita, exótica” e sexualmente “ativíssima” [...].
Mas há dois elementos onipresentes nas lojas de souvenires que buscam estabelecer pontes
simbólicas ente natureza e cultura: a estátua do cristo Redentor, no alto do Corcovado, e o Pão de
Açúcar.
São objetos que os turistas não podem deixar de comprar, por mais “óbvios”, “anacrônicos” ou
“deslocados” que sejam.
Os souvenires disponíveis nas lojas visitadas, independente da imagem da cidade que evoquem,
nos ajudam a problematizar a noção de autenticidade: muitos são intencionalmente “fake”.
Os souvenires do Rio vendidos nessas lojas são, na maioria das vezes, “falsos cariocas”, originários
de Minas Gerais e de outras localidades mais longínquas. Mesmo quando são “de fato” produzidos
por artesãos locais, podem estar referidos a “falsas” narrativas, falas míticas como as que elevam
as “baianinhas” a símbolo da mulher carioca. Mas, paradoxalmente, oferecem àquele que os
compra a marca da autoridade de “quem esteve lá”, de quem vivenciou uma experiência autêntica
de encontro com a alteridade.
Aula 15: Turismo e patrimônio histórico cultural em São João Del Rei/MG
COMO ESTA AULA FALA SOBRE O TURISMO EM UMA DETERMINADA REGIÃO NÃO A DIGITEI.
OBS: MAS ANEXE ESTA AULA AO RESUMO SE DESEJAR.
Aula 16: Patrimônio Gastronômico, Patrimônio Turístico: uma reflexão introdutória sobre a
valorização das comidas tradicionais pelo IPHAN e a atividade turística no Brasil
O turismo ganhou destaque não apenas sob o ponto de vista da iniciativa privada, mas também
nos âmbitos da administração pública e da discussão acadêmica.
Alimentação, cultura e identidade
Como alerta o historiador Carlos Roberto Antunes dos SANTOS “não é suficiente que uma coisa
seja comestível, para que efetivamente seja consumida. É necessária uma série de
condicionamentos como o biológico, o psicológico, o cultural e o social para que se dê um passo”.
Como observa o antropólogo Roberto DA MATTA nem todo alimento (considerado aquilo que
pode nos fornecer nutrientes) pode se transformar em “comida”, por não fazer parte dos nossos
hábitos: A “comida” é o alimento que vai ser ingerido. Só é “comida” aquilo que é aceito
socialmente e culturalmente dentro de um determinado grupo de indivíduos. Estes elegem o que
comer, quando, como, onde e com quem, dependendo de inúmeros fatores, como crenças,
valores sociais, cultura, costumes, etc..
Bonin e Rolim - argumentam que “os hábitos alimentares se traduzem na forma de seleção,
preparo e ingestão de alimentos, que não são o espelho, mas se constituem na própria imagem da
sociedade”, salientando a íntima relação que se estabelece entre a alimentação e a cultura de uma
sociedade. A partir desta contribuição, pode-se observar que a própria ideia de gosto alimentar já
vem permeada pela fusão do biológico com o cultural.
O gosto alimentar extrapola o domínio do aparelho sensorial humano e se aproxima da ideia de
gosto defendida por BOURDIEU, para quem o gosto caracteriza uma propensão e aptidão à
apropriação material e simbólica de uma determinada categoria de objetos ou práticas
classificadas e classificadoras, constituindo a fórmula generativa de um estilo de vida. Como já foi
indicado anteriormente, na fusão do orgânico com o cultural o gosto alimentar caracteriza a
preferência por determinadas iguarias como sendo, mais do que um exercício do paladar
individual, uma expressão do arcabouço cultural que orienta as escolhas individuais.
Observa-se que a abrangência da relação alimentação/cultura não se restringe aos processos
relacionados com a manipulação da iguaria a ser digerida, mas se estende aos modos à mesa, bem
como aos locais e às maneiras com que a degustação ocorre, fazendo com que o complexo
fenômeno da alimentação humana tenha marcas de mudanças sociais, econômicas e tecnológicas.
Rolim - afirma que, se as escolhas alimentares são incorporadas ao processo de desenvolvimento
que as sociedades passam, os hábitos alimentares terminam por constituir “um elemento
bastante importante da identidade social de determinados grupos de indivíduos que, por isso
mesmo, ocupam determinados espaços sociais e expressam determinados estilos de vida”. Se no
âmbito da alimentação cotidiana alimentos tradicionais convivem com inovações gastronômicas
(de ordem tecnológica, de mistura de sabores provenientes de outras localidades, de
popularização de receitas estrangeiras), a maneira com que tais inovações são incorporadas
merece destaque, bem como a existência de determinadas permanências.
A denominação prato típico designa uma iguaria gastronômica tradicionalmente preparada e
degustada em uma região, que possui ligação com a história do grupo que a degusta e integra
um panorama cultural que extrapola o prato em si. Esta iguaria, por reforçar a identidade de
uma localidade e de seu povo, se torna muitas vezes uma espécie de insígnia local, fato que
ganha importância dentro do contexto turístico.
O interesse dos visitantes pela comida do outro – do visitado – é uma constante, e pode também
ser justificado pelas palavras de MINTZ, que ressalta: o comportamento relativo à comida liga-se
diretamente ao sentido de nós mesmos e à nossa identidade social, e isso parece valer para todos
os seres humanos. Reagimos aos hábitos alimentares de outras pessoas, quem quer que sejam
elas, da mesma forma que elas reagem aos nossos.
Muitos municípios, ansiosos por incrementar suas respectivas ofertas, terminam por oferecer aos
visitantes pratos criados recentemente, sem nenhuma ligação cultural, como sendo pratos
tradicionais. Ou ainda, como observa GIARD, terminam por oferecer versões adaptadas de receitas
tradicionais, oferecidas de forma completamente desconectada de seus sentidos originais:
No fim das contas cada cozinha regional perde sua coerência interna, aquele espírito de economia
cuja engenhosidade inventiva e rigor constituíram sua força; em sua vez e seu lugar, o que resta é
apenas uma sucessão de “pratos típicos” cuja origem e função já não temos possibilidade de
compreender, como aqueles lugares pitorescos que legiões de turistas percorrem, mas que não
podem conhecê-lo pelo o que foram.
Diante destas distorções, que têm se tornado cada vez mais populares, é imprescindível retomar a
relevância da gastronomia como atrativo turístico, justamente por se acreditar, como argumenta
REINHARDT que “o alimento é fonte de informações preciosas. Através do alimento, podemos
identificar uma sociedade, uma cultura, uma religião, um estilo de vida, uma classe social, um
acontecimento ou uma época”.
Do reconhecimento da gastronomia e seus saberes como patrimônio cultural
A UNESCO concebe como sendo manifestações de Patrimônio Cultural Imaterial as tradições, o
folclore, os saberes, as técnicas, as línguas, as festas diversas outros aspectos e manifestações,
transmitidos oral ou gestualmente, recriados coletivamente e modificados ao longo do tempo. O
Patrimônio Imaterial é transmitido de geração em geração e constantemente recriado pelas
comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua
história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para
promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana.
No Brasil, o órgão responsável pela preservar o patrimônio histórico e artístico é o IPHAN (Instituto
de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A atuação do IPHAN se dá através da realização de
inventários e diagnósticos de avaliação do patrimônio e de aspectos a ele relacionados, estudos
estes que fundamentam a realização dos tombamentos, a regulamentação das áreas tombadas e
do entorno, os registros e os planos de ação necessários.
Os bens culturais materiais (que ainda são divididos em duas categorias: imóvel e móvel) são
classificados de acordo com suas características em quatro livros do Tombo: 1) Livro do Tombo
Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; 2) Livro do Tombo Histórico; 3) Livro do Tombo das Belas
Artes; e 4) Livro das Artes Aplicadas.
Os bens materiais têm como objetivo viabilizar projetos de identificação, reconhecimento,
salvaguarda e promoção da dimensão imaterial do patrimônio cultural. Este programa caracteriza-
se como uma ação de fomento que busca estabelecer parcerias com instituições dos governos
federal, estadual e municipal, universidades, organizações não governamentais, agências de
desenvolvimento e organizações privadas ligadas à cultura, à pesquisa e ao financiamento.
Para que seja realizado o registro de um bem cultural de natureza imaterial, alguns requisitos
precisam ser preenchidos, dentre eles a apresentação na solicitação de abertura do processo de
uma manifestação formal de anuência com o processo de registro por parte da comunidade
envolvida, além do cumprimento das etapas de inventariação e de análise realizadas pelo corpo
técnico do IPHAN. Os bens que recebem parecer favorável para o registro são agrupados por
categoria e registrados em livros, classificados em: Livro de Registro dos Saberes (para
conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades); Livro de Registro de
Celebrações (para os rituais e festas que marcam vivência coletiva, religiosidade, entretenimento e
outras práticas da vida social); Livro de Registro dos Lugares (para mercados, feiras, santuários,
praças onde são concentradas ou reproduzidas práticas culturais coletivas).
Dentre os bens já registrados como Patrimônio Imaterial, pode-se citar a Arte Kusiwa dos Índios
Wajãpi, o Samba de Roda do Recôncavo Baiano; o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, a Viola de
cocho e o Jongo, etc.
O Ofício das Paneleiras de Goiabeiras foi o primeiro bem cultural inscrito no Livro de Registro dos
Saberes, em 20 de dezembro de 2002. A solicitação do registro foi feita pela Associação das
Paneleiras de Goiabeiras e pela Secretaria Municipal de Cultura de Vitória, Espírito Santo. De
acordo com o Livro de Registro de Saberes (IPHAN), a fabricação artesanal de panelas de barro em
Goiabeiras (também conhecido como Goiabeiras Velha), bairro de Vitória, Capital do Espírito
Santo, é uma atividade predominantemente feminina e constitui um saber repassado de mãe para
filha por gerações sucessivas, constituindo-se também no meio de vida de mais de 120 famílias.
As panelas de Goiabeiras são utensílios indispensáveis no preparo de peixes e mariscos,
especialmente para preparar e servir a Moqueca Capixaba, uma referência obrigatória da culinária
do Espírito Santo e um símbolo da identidade cultural regional.
O mesmo documento descreve que as panelas se constituem de produtos de cerâmica de origem
indígena (a técnica utilizada é reconhecida como legado cultural Tupiguarani e Una, com um
número maior de elementos identificados com a tradição Una) e que tais utensílios continuam
sendo modelados manualmente com o auxílio de ferramentas rudimentares (como a cuia e a
vassourinha de muxinga, uma espécie vegetal da região).
Dentre as atividades que compõem o Ofício das Paneleiras constam: a extração da argila;
preparação das bolas e transporte até o local de trabalho; etc.
Deve-se mencionar também que o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial também prevê a
realização de Ações de Salvaguarda, que visam apoiar a continuidade de um bem cultural de
natureza imaterial de modo sustentável, atuando no sentido da melhoria das condições sociais e
materiais de transmissão e reprodução que possibilitam sua existência. O Plano de Salvaguarda
do Ofício das Paneleiras de Goiabeiras envolve ações voltadas para a organização e a
capacitação do grupo de paneleiras, além de ações relativas à sustentabilidade ambiental deste
ofício, tendo em vista a utilização de insumos ambientais escassos na produção das mesmas.
De acordo com o Livro de Registro dos Saberes (IPHAN), o Ofício das Baianas de Acarajé, em
Salvador, Bahia, consiste em uma prática tradicional de produção e venda em tabuleiro das
chamadas comidas de baiana ou comidas de azeite, em que se destaca o acarajé, um bolinho de
feijão fradinho, frito no azeite de dendê. O preparo do acarajé foi levado para a região pelas
escravas negras no período colonial e tem sido reproduzido no Brasil desde então, tendo na
transmissão oral sua principal forma de transmissão de receitas. De origem sagrada, associada ao
culto de divindades do candomblé, esta comida popularizou-se e passou a marcar toda a
sociedade baiana como um valor alimentar integrado à culinária regional.
Deve-se mencionar que os dois Ofícios aqui citados obtiveram seus registros depois que amplas
pesquisas atestaram a importância cultural das duas manifestações em relação aos grupos aos
quais estão vinculadas. A panela, diretamente relacionado com os pratos tradicionais capixabas,
encerra em sua produção uma gama bastante rica de saberes e práticas igualmente tradicionais. A
produção do acarajé também envolve elementos que transcendem o bom paladar proporcionado
pela iguaria. Trata-se de dois bens culturais de caráter gastronômico que possuem importâncias e
significados regionais bastante arraigados.
Confirmando a tendência de valorização do patrimônio gastronômico nacional, além dos registros
concretizados (Ofício das Paneleiras e das Baianas), se encontram em processo de registro a
Empada ou Empadão de Goiás – GO, o Arroz-de-cuxá – MA e os queijos artesanais de Minas – MG.
Considerações finais - Um olhar turístico sobre a questão
A atividade turística caracteriza-se como uma atividade socioeconômica e cultural que possui no
elemento humano um elemento indispensável. Não bastasse o fluxo turístico ser composto por
pessoas e o staff receptivo (pensando aqui nos responsáveis pelo planejamento e
operacionalização dos produtos e serviços turísticos) ter a mesma composição, não se pode
esquecer o fato de que o turismo trabalha com desejos, necessidades, motivações e
expectativas do indivíduo turista.
Seja em busca de uma complementação do seu cotidiano, seja em busca de algo que lhe é
desconhecido, o turista cultural muitas vezes se baseia em seu próprio contexto cultural, em seus
próprios valores para olhar o “diferente”. Buscando uma experiência turística que lhe acrescente
algo (conhecimentos ou simplesmente emoções), este turista muitas vezes deseja exercitar, mais
do que o olhar para o outro, uma experiência do outro.
A gastronomia, em especial a gastronomia típica, merece destaque não apenas por constituir um
bem cultural que deve ser valorizado como os demais, mas principalmente – aqui sob a ótica do
turismo – por proporcionar um importante ponto de contato do turista com a realidade visitada,
proporcionando, no sentido figurado e literal, uma degustação dos ritos, valores e tradições locais.
Vale destacar a relevância das iniciativas do IPHAN que envolvem a pesquisa e a inventariação de
alguns saberes gastronômicos de nosso país, principalmente quando se pode atestar a
proliferação de pratos típicos feitos “sob encomenda” para a atividade turística em vários destinos
do país, produtos estes destituídos de significado e de conteúdo cultural que são empurrados para
os turistas como uma experiência genuína.
Fica a contribuição para que nós, turismólogos, pensemos a gastronomia de uma outra forma: não
como um conhecimento que se encerra no preparo de um prato ou na confecção de um utensílio,
mas sim como algo que agrega, por trás daquele produto final, um universo simbólico que envolve
conhecimentos, práticas e tradições das mais diversas.