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As Três Vontades de Deus - Leslie D. Weatherhead
As Três Vontades de Deus - Leslie D. Weatherhead
Leslie D. Weatherhead
1
Digitalização e Revisão:
Dimasp
04/06/2007
HTTP://EBOOKSGOSPEL.BLOGSPOT.COM/
Weatherhead. Leslie D.
As três vontades de Deus: Como e quando Deus usa sua vontade intencional,
circunstancial e final. / Leslie D. Watherhead; traduzido por OswaldoRamos. -
SàoPaulo: MundoCristão. 1997.
ISBN 85-7325-129-8
1. Deus-Vontade I. Título.
97-4892 CDD-231.4
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Sumário
Prefácio..................................................... 06
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A Vontade de Deus...
Ou a do homem?
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Prefácio
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1
A Vontade
Intencional de Deus
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uma epidemia de cólera. Na outra extremidade da varanda estava a filhinha dele,
a única criança sobrevivente, que dormia numa cama tosca, recoberta por um
véu que a protegia contra os mosquitos. Andávamos de um lado para o outro.
Tentei, bastante sem jeito, confortar e consolar meu amigo. Disse-me ele,
contudo: "Bem, pastor, essa é a vontade de Deus. É isso. Nada mais: a vontade
de Deus".
Felizmente eu o conhecia bem o bastante para replicar sem que me
entendesse mal. Disse-lhe mais ou menos o seguinte:
— Vamos supor que alguém subisse os degraus desta escada até esta
varanda e, enquanto todos dormissem, deliberadamente pusesse na boca de sua
filhinha, que está dormindo ali, um chumaço de algodão embebido numa cultura
de germes da cólera. Que você diria disso?
— Meu Deus — exclamou ele — o que eu diria? Ninguém faria uma
crueldade dessas. Mas se tentasse fazê-lo, e eu apanhasse essa pessoa, eu a
mataria sem compaixão alguma, como se estivesse matando uma serpente, e a
atiraria varanda abaixo. Mas o que você pretende trazendo um exemplo desses?
— Muito bem, John — disse-lhe com tranquilidade — você acabou de
acusar Deus de fazer essa crueldade, ao afirmar que essa era a vontade dele.
Diga que a morte de seu filho é resultado da ignorância em grande escala, diga
que morreu por causa da insensatez, do pecado, diga o que quiser, que foi pela
precariedade do saneamento básico ou pelo descuido comunitário, mas não diga
que foi a vontade de Deus.
Sem dúvida não podemos identificar como vontade de Deus algo que levaria
um homem para a penitenciária ou um louco para o hospício.
Os que quiserem uma base bíblica para este sermão, a encontrarão no
capítulo 18 do evangelho de Mateus, no versículo 14: "Assim, pois, não é da
vontade de vosso Pai celeste que pereça um só destes pequeninos".
Vemos, mediante esses exemplos, que poderiam ser citados com outros
infortúnios diferentes da morte, como nosso pensamento é confuso e desconexo
no que diz respeito à vontade de Deus. Mas deixe-me dizer agora algo que possa
aliviar a tensão da sua mente; quero antecipar algo do que pretendo tratar nas
próximas mensagens desta série.
O raciocínio a que cheguei requer que o assunto seja dividido em três
partes. Estamos tratando agora da primeira delas. A vontade de Deus, na verda-
de, pode ser dividida em três aspectos:
1. A vontade intencional,
2. A vontade circunstancial,
3. A vontade última.
1. Terá sido a intenção de Deus, desde o início, que Cristo fosse para a
cruz? Creio que a resposta a essa pergunta deve ser NÃO. Não me parece que
Jesus tivesse isso em mente no começo de seu ministério. Ele veio com a intenção
de que o seguissem, não de que o matassem. A vontade intencional de Deus ou,
se preferir, seu propósito ideal, era que Cristo fizesse discípulos, não que
morresse. Que bom seria se "a vontade de Deus" fosse a expressão usada
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somente em referência à vontade intencional de Deus!
1. A primeira pode ser expressa como segue: Você poderia afirmar: "Sim,
está certo, mas não devemos esquecer que as pessoas se consolam ao i-maginar
que suas tragédias são da vontade de Deus. O sofredor suporta melhor suas
dores ao su-3or que são da vontade de Deus. É difícil suportá-as, se forem
resultado de erro humano grosseiro, e ião da vontade de Deus. Esse modo de ver
as coisas tira o consolo das pessoas. Mas quando elas icham que determinada
coisa é da vontade de Deus, conseguem suportá-la com serenidade de espírito".
Mas, apesar dessa contra-argumentação, eu :ontinuo firme nos meus
argumentos. Como se ;abe, existe uma época em que as coisas podem ;er ditas e
outra época em que não podem ser dias, ainda que sejam verdadeiras. Se
passamos por ima grande tragédia, muito pouco podemos di-^er acerca da
vontade de Deus. Mas de uma coisa \ão podemos nos esquecer: Jamais pode
existir :onsolo na mentira.
Apesar do quão intimamente tenhamos acalentado uma mentira, no
momento que a percebermos como tal, devemos ter a sabedoria de nos afastar
dela. Os que se refugiam numa mentira asseme-lham-se aos que se refugiam sob
um abrigo fraquíssimo, feito de ripas pintadas de modo que pareçam pedras.
Quando as pessoas mais precisarem desse abrigo, ele ruirá, expondo-as à
tempestade.
Quem se proteger numa falsa ideia a respeito de Deus, na hora da
necessidade ficará tão sem auxílio quanto o ateu. Se por recusar-se em ponderar
bem as coisas, a pessoa se vir num abrigo imprestável, incapaz de dar-lhe
proteção à alma, essa mesma recusa torna-se pecado, pois Cristo ordenou-nos
que o amemos de todo o coração. E ele é o nosso único abrigo. Sei quão penoso é
encarar a verdade, e as pessoas odeiam ser obrigadas a pensar, mas só pela
verdade é que seremos libertos.
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2
A Vontade Circunstancial de Deus
1. Sem dúvida não era a vontade intencional de Deus que Jesus fosse
crucificado. Antes, que as pessoas o seguissem. Se o povo tivesse aceito a
mensagem de Jesus, se tivesse se arrependido de seus pecados e entendido a
dimensão do reino que ele veio anunciar, a história do mundo teria sido muito
diferente. Os que afirmam que a crucificação foi da vontade de Deus precisam
lembrar-se de que ela foi da vontade dos homens perversos permitida pela
vontade circunstancial de Deus.
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Vamos, então, concentrar-nos na segunda divisão e tratar daquilo a que
chamo "vontade circunstancial de Deus". A questão poderá ficar mais clara ainda
se eu relembrar o exemplo anterior; imaginemos um pai que planeja a carreira do
filho com a colaboração do próprio jovem. Talvez fosse da vontade de ambos,
digamos, que o rapaz se tornasse arquiteto. Mas explode a guerra. O pai está
disposto a permitir que o filho se engaje nas forças armadas. Entretanto, a
carreira na marinha, no exército ou na força aérea é apenas a vontade provisória
ou circunstancial do pai para o filho, vontade gerada pelas circunstâncias da
guerra. Dizer que a intenção ideal do pai em relação ao filho era que o rapaz
passasse anos valiosos da juventude nas forças armadas não corresponde à
realidade.
Bem, há, de maneira semelhante, um propósito intencional da parte de
Deus para a vida de cada pessoa. Entretanto, por causa da insensatez e do
pecado humano; porque o livre-arbítrio do ser humano propicia circunstâncias
perniciosas que atravancam os planos de Deus; porque a nossa unidade com a
grande família humana implica em o mal entre os demais membros da espécie
humana poder criar circunstâncias que perturbam a intenção de Deus para
conosco — por tudo isso, existe uma vontade dentro da vontade de Deus, isto é, a
"vontade circunstancial" de Deus (como a chamo). Ao segui-la, a alma encontra
paz, a mente encontra equilíbrio e a vontade pode manifestar-se de tal modo que,
em última análise, o plano original de Deus é levado à execução plena.
No meu entender, há dois aspectos da vontade circunstancial de Deus —
um no reino natural, e o outro no espiritual.
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A Vontade Última de Deus
1. a vontade intencional de Deus não era que Jesus fosse crucificado, mas
que fosse seguido;
Nada caminha com pés errantes; Nenhuma vida pode ser destruída, Nem
jogada fora como lixo ao nada, Pois Deus importa-se com todos nós: guarda-nos
para si.
Aí está, pois! Tenho certeza de que você não vai ser defraudado. Quando
chegar ao fim da estrada não terá nenhum sentimento de injustiça, nenhum sen-
timento de perda. A vontade intencional de Deus era que você exercitasse
plenamente sua personalidade, por meio de algo que poderíamos chamar de
regato da montanha, os anos verdes de sua vida conjugai. O regato está agora
represado. Mas você tem certeza, segundo o lugar onde está, com visão tão
limitada, de que Deus não pode realizar sua personalidade por nenhum outro
meio? O propósito primeiro para o universo todo é o Amor, e Deus jamais falhará,
jamais desamparará nenhum de seus filhos, a menos que se lhe oponham para
sempre.
O mal pode fazer-nos coisas terríveis. Quanto mais leio e penso, mais
acredito no diabo.
— Deus está dando corda ao diabo nestes dias — disse um amigo, doutor
em teologia, à sua mãe.
— Sim — disse a senhora idosa — mas continua segurando a outra ponta
com firmeza.
Deus reina. Um Deus que é como Jesus, que morreu para que um sonho se
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tornasse realidade. Uma realidade melhor que nossos mais fantásticos sonhos.
Descanse nesta certeza da vontade última de Deus. "Nem olhos viram, nem
ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano, o que Deus tem
preparado para aqueles que o amam". Confie em Deus. Descanse na natureza de
Deus. Ele, que iniciou essa curiosa aventura a que chamamos vida humana, a
controlará até o fim. "Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim, o primeiro e o
último". A última palavra está com Deus.
Esse Deus, que vive e ama para sempre, Um só Deus, uma só lei, um só
elemento, Um só acontecimento divino e distante, Para quem a criação toda se
dirige...
"Um só acontecimento divino e distante" de natureza tal qual nenhum ser
humano pode sequer sonhar, mas a que podemos chamar de concretização da
vontade última de Deus.
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4
Como Discernir
a Vontade de Deus
Silêncio, eu imploro!
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Esse amigo pode muito bem ser... Deus!
e a outra:
Descubra um amigo com visão cristã, para que lhe empreste sua mente na
resolução de seus problemas, e Deus dará a você orientação segura. Não quero
dizer que há obrigatoriamente uma identificação entre o que o amigo aconselhar e
a vontade de Deus, mas o problema, visto sob novo prisma, se apresentará de
forma mais clara.
5. Não se deu ainda, creio, o devido valor à voz da Igreja. Certa vez Jesus
recomendou a seus discípulos que ouvissem a igreja (Mt 18:17). Acredito não
estar sendo demasiado severo se disser que nenhuma igreja funcionará como
deve se não mantiver grupos de comunhão fraterna aos quais o crente perplexo
possa levar seus problemas. Esse irmão pode até disfarçar, dizendo: "Conheço
um homem que...", sendo ele próprio a pessoa com problema.
Posso afirmar com certeza, baseado na experiência própria que tive no City
Temple, que às vezes a alma perturbada, em busca em discernir a vontade de
Deus recebe direção com clareza cristalina, quando recorre a um grupo de
crentes solícitos, prudentes, amorosos, perguntando qual seria a vontade de
Deus em determinada situação.
6. Nossos amigos quacres utilizam muito bem o que chamam "luz interior",
e apoio inteiramente as afirmações que fazem. Dizem que Deus pode falar
diretamente à alma humana e mostrar sua vontade aos que o buscam. Sem
dúvida isto é verdade. Desejo fazer apenas um alerta. Seguir a prática dos grupos
de Oxford, esforçando-se para que a mente fique inteiramente vazia e, a seguir,
considerar qualquer coisa que vier à mente como vontade de Deus, é prática de
todo temerária.
Corremos o risco de supor que esse método pelo qual recebemos a "luz" faz
que ela seja "divina". Mas o pensamento ou impulso que ocorre à mente vazia é
apenas o fruto de processos mentais anteriores como, por exemplo, do pen-
samento que ocorre à mente depois de longa discussão. Na verdade, ninguém
consegue desligar a mente, apagá-la a partir de certo ponto, impedir o fluxo dos
pensamentos. Isso é tão impossível quanto tentar isolar uma onda do mar, na
suposição de que nenhuma relação tem com as demais ondas que vêm atrás. No
entanto, se o método for usado com sabedoria e prudência e se o que "vier" à
mente naqueles momentos de tranqüilidade for testado de outras maneiras, como
as apresentamos acima, se tudo for "testado"por outras pessoas, ninguém pode
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negar que a vontade de Deus pode ser discernida desta maneira.
Dessa forma, então, a vontade de Deus, no momento que precisamos de
ajuda, pode ser discernida. Quero ressaltar a última parte do que acabei de dizer:
no momento que precisamos de ajuda. Já cometi o erro de tentar discernir a
vontade de Deus com anos de antecedência. Cheguei à conclusão de que Deus
não nos incentiva a ver as coisas à nossa frente se estiverem ainda longe demais.
Deve-se aceitar a realidade de que não sabemos onde e como a estrada vai
terminar. Basta saber que, ao chegar a uma encruzilhada, saberemos que
caminho tomar.
Embora gostemos de pensar que é de máxima importância não cometer
erros — e repito que jamais podemos ter certeza de não haver cometido um erro
—, creio firmemente no conceito expresso no capítulo sobre a vontade última de
Deus. Nossos erros, se cometidos de boa fé, não resultarão em ficarmos perdidos.
"Não perderemos nosso caminho providencial." Com freqüência Deus interliga
nossos erros ao elaborar seu plano para nós, da mesma forma que tece nossos
sofrimentos e pecados.
Entretanto, permita-me encerrar o capítulo com duas perguntas
desafiadoras que sempre me faço e desejo transmiti-la a você:
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3. A terceira razão por que na vontade de Deus reside a nossa paz é que
pela sua vontade nossos conflitos se resolvem. Estou certo de que um pouco de
conflito é essencial para o progresso da alma. A alma inconsciente do conflito não
consegue perceber o confronto do bem com o mal — está como que cega aos
impulsos da tentação por se entregar demais a ela; esta já não exerce seu poder,
e a ação desejada é efetuada sem conflito algum. Segue-se uma horrenda
deterioração da personalidade.
Ao mesmo tempo, como é fraco o homem que está constantemente pesando
as suas decisões: "Devo fazer isto? ou Devo fazer aquilo?". O princípio orientador
"farei a vontade de Deus no que puder discerni-la" responde a muitos de nossos
conflitos e traz-nos paz e forças. Se nos for dito: "Sim, mas você poderia fazer
cessar o conflito tomando uma decisão errada", minha resposta é que cometer
um erro sempre suscita uma dezena de conflitos quando antes havia apenas um.
Afundamo-nos cada vez mais no pântano do mal e perdemos as forças na tentati-
va infrutífera de safar-nos dali, pois o universo tende para o bem.
Para o direito eterno
As estrelas eternas são fortes.
Se esta fosse uma aula de psicologia, eu tentaria explicar com que
freqüência a personalidade se exaure nos conflitos internos. Ao escrever estas pa-
lavras, lembro-me de uma jovem oficial do Exército que certa vez me consultou,
queixando-se de fadiga tão grande que em certas ocasiões não conseguia erguer o
braço acima dos ombros para pentear os cabelos. Sua mente estava atormentada
pela obsessão de vir a adoecer. A verdade era que parte de sua mente desejava
adoecer, visto que a doença lhe traria compreensão, amor e segurança no lar, sob
os cuidados dos pais. Seu namoro havia sido rompido recentemente; a moça
sentia-se sem amor, e almejava o carinho da mãe. Mas outra parte de sua mente
temia a doença, para ela sem causa real, e essa doença resultaria em grande
sentimento de culpa por ter de sair do Exército. Ela odiava o Exército, porque
nele não havia a menor oportunidade de ser amada. A sede de amor e a ausência
de amor — como sabem muito bem os psicólogos — são importantes causas das
neuroses.
Tais conflitos nos deixam exaustos e enfraquecidos. A jovem sente o
conflito entre o dever para com sua mãe e o desejo de independência. O dr.
Hadfield nos conta que, na mente de certo soldado, o sentimento do dever era tão
forte, mas formava tão grande conflito com seu desejo de fugir, movido pelo
instinto de autopreservação, que lhe causou uma paralisia nas pernas, a qual
solucionou o problema imediatamente, embora fizesse dele uma vítima, uma
baixa no Exército.
Em nossa clínica psicológica conheci o conflito que assolava um estudante.
Este tinha o desejo de sobressair-se nos estudos universitários, como fizera no
curso secundário, mas agora sofria a inferioridade que o agarrara com tanta
intensidade ao tentar fazer o curso universitário. Aqui ele se viu entre pessoas
com qualidade intelectual mais apurada que a dos de sua antiga escola. A
frustração de não ser mais o primeiro aluno da classe, o medo de ser
tachado de aluno mediano e o desejo de estar em primeiro lugar na
universidade causaram um conflito tão cansativo que o rapaz ficou doente. Diz
Hadfield sabiamente:
Quando enfrentamos nossos conflitos e de modo deliberado tomamos nossas
decisões, ao dirigir todos os nossos esforços a um propósito grandioso, cheios de
confiança e sem medo algum, nossa alma se restaura, cheia de harmonia e força.
Sempre imagino que o quadro que Jesus pintou com suas palavras
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—"Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e humilde
de coração; e achareis descanso para as vossas almas" (Mt 11:29) —, na verdade
está falando do jugo que une o boi forte a um animal mais fraco, distreinado. O
boi mais fraco contribui apenas com sua pouca força, como diríamos, mantendo-
se no nível do boi mais forte. Este carrega o peso maior, na extremidade do jugo.
É o responsável pelo sulco direito, em linha reta, e por atingir o outro lado do
terreno. Se o boi mais fraco ficar puxando o arado para outra direção, a de sua
escolha, o jugo lhe esfola o pescoço, e o peso se lhe torna grande demais. "Tomai
sobre vós o meu jugo", diz-nos Jesus, "e aprendei de mim, porque sou manso e
humilde de coração. Não sejais desobedientes, presos a vossas próprias opiniões,
orgulhosos e autoconfiantes, dizendo: 'farei o que eu bem entender'. Se vós
fizerdes isso, fareis que o jugo fique esfolando vossos pescoços. Caminhai
comigo, e o trabalho será fácil (é o verdadeiro sentido da palavra). A respon-
sabilidade será tirada de vós, e o vosso peso se tornará leve". (Em sua vontade
está a nossa paz.)
Quando adolescente, muitas vezes eu tirava férias numa fazenda na
Charnwood Forest. Perto da fazenda havia uma enorme pedra na qual eu gostava
de me sentar, principalmente no pôr-do-sol. Lá embaixo, no sopé do morro
íngrime, havia um reservatório d'água rodeado de juncos e arbustos. Ao lado, a
imensidão das águas. Do outro lado um bloco de granito imenso, vermelho,
soerguendo-se acima do lago. No alto do rochedo viam-se uns pinheiros soberbos.
Sentei-me naquela rocha em todas as horas do dia. Posso fechar os olhos
agora e recobrar a sensação de tranqüilidade e de paz que me sobrevinha naquele
lugar solitário. Quase posso ouvir o grito da gaivota ao sobrevoar as águas, o doce
sussurro do vento, o murmúrio das águas caindo nas pedras de uma pequena
praia em meio aos juncos.
Certo dia me sobreveio, quase como uma revelação, um pensamento que
pode ser algo banal para você, que me atingiu a mente com a força da verdade.
Não havia seres humanos, tampouco habitação humana à vista. Tudo que eu
enxergava cumpria totalmente e com perfeição a vontade de Deus. Concordo que
ali a vontade do Senhor era cumprida mecanicamente, e que a vida campestre,
selvagem, ao meu redor, não oferecia o peso de uma decisão. Mas eu parecia
estar aprendendo o segredo da harmonia e da paz daquele lugar. Ali a vontade de
Deus era executada com perfeição. Se pudéssemos executar a vontade de Deus
voluntariamente, como se faz na natureza de modo mecânico, acredito que
encontraríamos a mesma sensação de paz. "Reconhece-o em todos os teus
caminhos [como os pássaros fazem], e ele endireitará as tuas veredas."
Os poetas conseguem dizer essas coisas melhor do que nós. Permita-me
concluir com uns versos do poeta William Cullen Bryant, que os escreveu quando
contemplava um pássaro a voar — assim lhe pareceu — em direção do centro ao
pôr-do-sol:
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