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“Os cristãos estão usando a tecnologia para transformar o mundo ou

é a tecnologia que está transformando os cristão de uma forma


pouco saudável? Desde a época de Benjamin Franklin e Thomas
Jefferson, especialmente, quando as invenções e as formas de
organizar as coisas tecnologicamente tornaram-se um estilo de vida,
os cristãos precisam estar atentos a essas questões. As reflexões
de Tony Reinke sobre o uso de celulares oferecem conselhos úteis
sobre o modo como as pessoas devem estar vigilantes nos dias
atuais no que diz respeito ao impacto de suas tecnologias favoritas.”
George M. Marsden, Francis A. McAnaney
Professor de História Emérito, Universidade de Notre
Dame

“12 maneiras como seu celular está transformando você é uma


leitura incrivelmente convincente e profundamente perspicaz. Os
celulares tornaram-se parte de nossas vidas, e Tony explora a
devastação que o culto à tecnologia causa à mente e à alma
humana. Ele nos convida a analisar não apenas o uso de nossos
celulares, mas também a motivação que inspira esse uso. Este é um
livro necessário à nossa geração, para nos recordar que os hábitos
de uso do nosso telefone podem tanto amplificar como atrapalhar o
que deve ser nosso maior anseio: a glória de nosso Salvador, que
realmente satisfaz a alma.”
Jackie Hill Perry, poeta e artista de hip-hop

“Em contraste com a televisão, que domina o ambiente da sala de


estar moderna, o celular normalmente tem presença muito menos
evidente. Talvez por causa dessa presença sutil e discreta, poucas
pessoas têm dedicado uma reflexão consistente sobre o efeito
dessa tecnologia, que se faz onipresente em nossas vidas. Neste
livro, Tony Reinke arranca esses dispositivos da penumbra de nossa
consciência crítica, sujeitando-os à luz da sabedoria cristã. O
resultado é uma avaliação muitas vezes preocupante do efeito que
estão tendo em nossas vidas, acompanhada de um aconselhamento
prudente e prático para dominá-los. Trata-se de um tratamento
oportuno e criterioso de uma questão extremamente importante; é
um livro que deveria ser recomendado a todo cristão que tenha um
celular, pelo bem de nossa saúde espiritual.”
Alastair Roberts, teólogo e blogueiro

“O livro 12 maneiras como seu celular está transformando você, de


Tony Reinke, é um dos livrinhos mais importantes que um cristão do
século XXI pode ler. Altamente recomendado.”
Bruce Riley Ashford, reitor e professor de Teologia
e Cultura, Southeastern Baptist Theological Seminary

“Para muitas pessoas, o telefone é um objeto de crescente


ansiedade, esgotamento e dependência. Tony Reinke, sabiamente,
nos conduz a encontrar a libertação do telefone de forma prática,
sem nos obrigar à clausura em um monastério de algum lugar no
meio do estado de Montana. Se você quer saber como administrar
sua tecnologia e sua vida em Cristo e em seu reino, você precisa ler
este livro.”
Russell Moore, presidente da Comissão de Ética e
Liberdade Religiosa da Southern Baptist Convention

“Se você se sente desconfortável em seu relacionamento constante


com seu telefone (e mesmo que não se sinta, mas se pergunta se
deveria), descobrirá que Tony Reinke é um guia confiável para a
forma como devemos avaliar o impacto de nossos telefones sobre
nós mesmos e nossos relacionamentos. Este é um livro maravilhoso
que aborda um tema gigantesco com uma linguagem clara e
envolvente.”
Trevin Wax, editor-chefe, The Gospel Project; autor
de Counterfeit Gospels e Holy Subversion

“Ocorrem-me duas coisas acerca deste livro. Em primeiro lugar,


Reinke escreve com bastante humildade, incluindo-se na narrativa
para que o vejamos não somente como um professor, mas também
como alguém que luta, assim como nós lutamos. Em segundo lugar,
este não é um trabalho árduo, guiado pela culpa sobre o que não
fazer. Tony sempre nos traz de volta às glórias de Cristo e até
mesmo nos ajuda a sonhar com novas maneiras de glorificar a Deus
por intermédio de nossas tecnologias. Útil, esperançoso, humilde e
inspirador, este livro, 12 maneiras como seu celular está
transformando você, é voltado para esta era, consistindo em
sabedoria para as gerações futuras.”
Trillia Newbell, autora de Enjoy, Fear and Faith e
United

“A imagem é tudo, e uma mulher que tenha construído sua


identidade no terreno arenoso de como é percebida online
eventualmente terá uma decepção, que cairá sobre ela como um
choque. Mas há um caminho melhor a seguir, uma maneira de usar
nossos telefones de forma altruísta, com o propósito de glorificar a
Deus em nossa conectividade e refletir Cristo em nossos hábitos no
celular. Dessa forma, devemos avaliar nossas telas brilhantes e
treinar nosso discernimento para perceber a diferença entre os
hábitos de nosso tempo que são guiados pelo visor do telefone e o
caminho da fé iluminado pela Escritura. Cada capítulo deste livro é
como um tipo correto de aviso de notificação em nossas vidas. Pare,
leia, processe e aplique com cuidado.”
Gloria Furman, autora de Sem tempo para Deus

“Eu precisava deste livro tanto em minha adolescência quanto


preciso hoje, por ser usuária de celular. Tony Reinke é convincente e
incisivo, mas faz isso com graça. Minha geração precisa deste livro,
porque precisamos usufruir da tecnologia da forma correta. Se não o
fizermos, o custo será alto. 12 maneiras como seu celular está
transformando você é leitura obrigatória para qualquer usuário de
celular, especialmente os mais jovens.”
Jaquelle Crowe, autora de Isso muda tudo

“Levou mais de uma geração para a pitoresca ‘carruagem sem


cavalos’, com toda a sua magia e horror, se tornar o comum e
despercebido ‘carro’. Mas, uma vez que um dispositivo chamado
smartphone atingiu status de ‘telefone’ — algo inevitavelmente
comum e cotidiano — com uma velocidade de tirar o fôlego, pouco
tempo nos restou para refletir sobre o verdadeiro poder que ele tem
em nossas vidas. Tony oferece um olhar claramente cristão acerca
das pequenas maravilhas que estão em nossos bolsos, percebendo
sua bondade, beleza e poder, mas também aplicando sobre elas
sabedoria divina e cuidados bem fundamentados para ajudar os
leitores a usar seus telefones sem que sejam usados por eles.”
John Dyer, autor de From the Garden to the City:
The Redeeming and Corrupting Power of Technology

“Experimente a melhor forma de teologia prática; Tony aplica uma


compreensão profunda da Escritura a uma compreensão profunda
de nossa cultura, e isso resulta em um guia muito bem escrito e
equilibrado acerca dos perigos e das oportunidades que estão na
palma de nossa mão. Sim, nossos telefones nos tornaram piores,
mas este livro mudará para melhor tanto a nós mesmos como nosso
uso do telefone.”
David Murray, pastor, autor e professor de Antigo
Testamento e Teologia Prática, Puritan Reformed
Theological Seminary

“Quanto mais difundido e influente algo for, mais os cristãos devem


pensar a respeito. Neste livro repleto de sabedoria, Tony Reinke nos
ajuda a fazer isso com o celular. Sem cair na tecnofobia ou na
paranoia, ele apresenta as várias maneiras como nossos telefones
estão transformando nossas vidas, destacando tanto os problemas
como as soluções disso. É um livro oportuno e criterioso.”
Andrew Wilson, autor, palestrante e pastor-docente
da King’s Church London

“Dificilmente um livro é tão impactante na prática quanto é


teologicamente rico. Numa era em que somos diretamente atraídos
para um turbilhão digital, Tony Reinke nos alerta para as implicações
disso, desafiando-nos a examinar se nossos telefones deslocaram
nossas prioridades espirituais de Cristo. Reinke compartilha suas
próprias batalhas contra a tecnologia com uma honestidade
inabalável e, ao fazê-lo, leva-nos a uma postura reflexiva, de oração
e até mesmo de arrependimento. Bastante envolvente e de
aplicação imediata, 12 maneiras como seu celular está
transformando você é leitura obrigatória para o nosso tempo.”
Kim Cash Tate, autora de Cling: Choosing a
Lifestyle of Intimacy with God
Copyright © 2017 por Tony S. Reinke
Traduzido do original em inglês: 12 Ways Your Phone Is Changing You
Publicado por Crossway
a publishing ministry of Good News Publishers
Wheaton, Illinois 60187, U.S.A.

As citações bíblicas foram retiradas da Almeida Revista e Atualizada (ARA), da Sociedade


Bíblica do Brasil, salvo indicação contrária.
Citações bíblicas com a indicação (BKJ) foram retiradas da Bíblia King James Fiel 1611.
Citações bíblicas com a indicação (NVI) foram retiradas da Nova Versão Internacional
Todas as ênfases nas citações bíblicas foram adicionadas pelo autor.

É proibida a reprodução deste livro sem prévia autorização da editora, salvo em breve
citação.

1a edição eletrônica: junho de 2020

Edição
Yuri Freire

Tradução
Maryssa de Oliveira Caetano

Revisão
Shirley Lima – Papiro Soluções Textuais

Projeto gráfico e diagramação


Argemiro Neto

Capa
Luis Henrique de Paula
Catalogação na publicação: Mariana C. de Melo Pedrosa – CRB07/6477

R372d Reinke, Tony, 1977-


12 maneiras como seu celular está transformando você /
Tony Reinke ; [prefácio por John Piper ; tradução: Maryssa
de Oliveira Caetano]. – Niterói, RJ: Concílio, 2020.

Tradução de: 12 ways your phone is changing you.


Inclui referências bibliográficas.
ISBN 9786587263007 (brochura)
9786587263014 (epub)

1. Tecnologia – Aspectos religiosos – Cristianismo.


2. Smartphones. I. Título.

CDD: 261.56

Publicado no Brasil por EDITORA CONCÍLIO


Copyright © 2020 Editora Concílio
www.editoraconcilio.com.br
contato@editoraconcilio.com.br
Para Karalee
“Tudo me é permitido”,
mas nem tudo convém.
“Tudo me é permitido”,
mas eu não deixarei que nada me domine...
“Tudo é permitido”,
mas nem tudo edifica.
— Apóstolo Paulo
SUMÁRIO

Prefácio por John Piper


Prólogo
Introdução: um pouco de história da tecnologia
1. Estamos viciados em distração
2. Ignoramos nossa carne e nosso sangue
3. Desejamos ter aprovação imediata
4. Perdemos nosso letramento
5. Alimentamo-nos do que é produzido
6. Tornamo-nos parecidos com o que “curtimos”
7. Tornamo-nos solitários
8. Sentimo-nos confortáveis com os vícios secreto
9. Perdemos o sentido das coisas
10. Tememos estar perdendo algo
11. Tornamo-nos duros uns com os outros
12. Perdemos nosso lugar no tempo
Conclusão: usando o celular com inteligência
Epílogo
Agradecimentos
PREFÁCIO
Por John Piper

Os celulares são perigosos, assim como são o casamento, a


música e a boa comida — ou qualquer outra coisa que possa tornar-
se um ídolo. Mas esses aparelhos também são muito úteis, da
mesma forma que as armas, as lâminas de barbear e a cannabis
medicinal — ou tantas outras coisas que podem arruinar sua vida.
Pessoalmente, gosto muito de ser casado e uso lâminas de barbear
diariamente. Por isso, estou nessa com Tony Reinke, em seu
moderado entusiasmo acerca das constantes mudanças no mundo
da tecnologia moderna.
Mas eu nunca poderia ter escrito este livro. Não teria a paciência
necessária para isso, e não leio rápido o suficiente ou com tamanha
amplitude. Tony fez mais pesquisa para este livro do que para
qualquer outra coisa que ele já tenha escrito. E esses outros livros
não foram lançados juntos. Seu compromisso em se manter
informado e, ao mesmo tempo, ser justo, exigiu que ele prestasse
notável atenção às sutilezas e tivesse um compromisso persistente
com reedições cada vez mais claras. Adicione isso ao dom de
perspicácia teológica e este livro torna-se uma obra que
pouquíssimas pessoas poderiam escrever. Eu certamente não
conseguiria.
Mas, de fato, eu tenho uma pequena vantagem ao refletir sobre o
celular. Tenho 70 anos. E isso é uma vantagem por duas razões.
Uma delas é que eu já era adulto durante toda a revolução dos
computadores — desde seu início. A outra é que já posso avistar os
raios da eternidade bem ali no horizonte.
Consegui meu primeiro emprego como professor em 1974. Na
época, eu tinha 28 anos. O primeiro computador pessoal foi
introduzido em 1975. Era um verdadeiro trambolho. E não me dou
bem com trambolhos. Por isso, costumo esperar. Em 1980, deixei a
vida acadêmica e me tornei pastor. Praticamente nenhuma igreja
usava computadores em 1980. Eles mais pareciam brinquedos
caros e calculadoras extravagantes do que qualquer outra coisa.
Mas logo as coisas começaram a ficar sérias. A IBM produziu o
primeiro computador pessoal em 1981 e, no ano seguinte, a revista
Time considerou 1982 “o ano do computador”. O preço era
proibitivo. Mas eu queria ter um por uma razão principal:
processamento de texto. Para escrever. O preço já era menor em
1984 e a anotação de 16 de junho em meu diário dizia: “Eu comprei
um computador ontem. Um PC da IBM, 256 KB de RAM, leitor duplo
de disquete, por US$1.995”. O monitor era à parte. O sistema
operacional de disco (DOS 2.1) custava US$60.
Vinte e três anos mais tarde, foi criado o iPhone. Computador e
celular agora são a mesma coisa. Eu entrei nessa onda no prazo de
um ano. Fazendo ligações. Enviando mensagens de texto.
Mantendo-me atualizado em relação às notícias. Jogando palavras
cruzadas com minha esposa. E lendo a minha Bíblia, salvando
versículos — e memorizando-os em qualquer lugar. No meio de
todos os abusos e toda a devastação da distração, das horas
desperdiçadas, da autopromoção narcisista e da degradação
pornográfica, ainda consigo ver o computador e o celular como
dádivas de Deus — da mesma forma que o papiro, o códice, o papel
e a imprensa.
Se você viver o suficiente, orar fervorosamente e mantiver o foco
na incorruptível Palavra de Deus, poderá ser poupado da escravidão
da inovação. E, com o passar do tempo, poderá ver algo
maravilhoso acontecer. Você verá o fascínio cheio de vaidade dar
lugar a um uso sóbrio. Você poderá observar a transformação do
brinquedo em uma ferramenta; de uma mania em um parceiro de
trabalho; de senhor em servo. Usando as palavras de Tony — e seu
objetivo — você pode observar o triunfo do uso eficiente sobre um
hábito desprovido de sentido.
Eu gostaria de proporcionar a cada jovem adulto o gosto da
eternidade, que se intensifica quando você entra na oitava década
de vida. Uma alegre consciência da realidade da morte e do porvir é
um elemento libertador e maravilhoso do modismo e do deslizar
impensado das telas. Refiro-me a uma “alegre consciência” porque,
caso tudo que você possui seja medo, seu celular provavelmente é
um dos meios que você usa para escapar de pensar sobre a morte.
Mas se você se alegrar na esperança da glória de Deus porque
seus pecados estão perdoados por meio de Jesus, então seu celular
se torna uma espécie de mula de carga no caminho para o céu. E
mulas não são mantidas por sua boa aparência. Elas simplesmente
fazem seu trabalho.
O trabalho não é impressionar ninguém. O trabalho é valorizar
Cristo e amar as pessoas. Nós fomos criados para isso. Então, não
desperdice sua vida enfeitando sua mula. Faça-a carregar o peso de
mil obras de amor. Faça-a acompanhá-lo às alturas das montanhas
de adoração.
Se isso soa estranho para você, mas também atraente, Tony vai
atender bem às suas expectativas nas páginas seguintes. Onde
mais você vai ver um iPhone ser relacionado à Nova Jerusalém?
Onde mais alguém será sábio o suficiente para dizer que “nossa
maior necessidade na era digital é contemplar a glória do Cristo
invisível no fraco brilho azulado de nossas Bíblias pixelizadas”?
Onde mais ouviremos louvor adequado aos aplicativos da Bíblia ao
lado de uma confissão honesta de que “nenhum aplicativo pode
soprar vida à minha comunhão com Deus”? Quem mais tem escrito
sobre celulares com a convicção de que “a imaginação cristã tem
padecido de muita fome por uma alimentação teológica sólida”? E
quem mais vai confrontar o suposto ocultamento de nossos pecados
privados com esta verdade: “Não existe real anonimato. É só uma
questão de tempo.”?
Sim. E o tempo é curto. Não o desperdice desfilando com sua
mula. Faça-a trabalhar. Seu Criador ficará contente.
PRÓLOGO

Este maldito celular! Enfado da produtividade. Uma praga de bipes


e vibrações. Um dispositivo sem alma e com fome insaciável de
energia. Conjurador de truques digitais. Pulseira de vigilância. Poço
de dinheiro. Inescapável roteador de trabalho. Ditador, armadilha,
inimigo!
Mas também é meu incansável assistente pessoal, companheiro
de viagem insubstituível e minha forma de conexão ultrarrápida com
meus amigos e familiares. Tela de realidade virtual. Dispositivo de
jogos. Lastro para a vida diária. É meu amigo inteligente, meu alerta
e colaborador sempre a postos. Este bendito celular!
Meu telefone é uma janela para o que é inútil e para o útil, para o
que é artificial e também para o que é autêntico. Algumas vezes,
sinto que meu telefone é um vampiro digital, sugando todo o meu
tempo e toda a minha vida. Outras vezes, sinto-me como um
centauro cibernético — parte humana, parte digital — à medida que
meu telefone e eu vamos nos fundindo perfeitamente em um
complexo conjunto de ritmos e rotinas.
IPHONE 1.0
Steve Jobs, o mago da tecnologia, apresentou o iPhone na
Macworld Expo, em 9 de janeiro de 2007, como um “gigante” de 3,5
polegadas com tela de alta resolução, que não exigia teclado físico
ou caneta. Ao contrário dos desajeitados celulares de até então, ele
anunciou: “Vamos usar o melhor dispositivo de seleção que existe
no mundo todo. Vamos usar um dispositivo com o qual todos nós
nascemos — e nascemos com dez deles. Vamos usar nossos
dedos”. Desse momento em diante, a magia da tecnologia
multitoque introduziria reconhecimento de toque altamente preciso
em um dispositivo de bolso, trazendo o homem para uma
proximidade mais íntima com sua tecnologia computacional, de uma
forma jamais vista. Quando, mais tarde, Jobs anunciou, como um
elemento adicional, “Você agora poderá tocar sua música”, a
magnitude da declaração foi mística demais para ser compreendida
naquele momento.1
A Apple lançou oficialmente o primeiro iPhone em 29 de junho de
2007, e eu comprei um no outono desse mesmo ano. Fiquei
maravilhado com a tecnologia dentro daquele telefone portátil
reluzente: um sistema operacional legítimo de computador, um iPod
recém-projetado para minha música, um mecanismo rápido de
enviar mensagens para amigos, um vídeo de alta definição
combinado com um novo navegador móvel para preservar a
visualização da web, um acelerômetro para monitorar como toco,
giro e inclino meu telefone, tudo em uma tela com controles táteis
intuitivos guiados por movimentos de tocar, deslizar e ampliar.
Em uma viagem de carro, poucos dias após a sagrada aquisição,
fui para a parte externa de uma área de descanso em um estado de
Iowa cheio de neve, desbloqueei meu novo iPhone e respondi ao
meu primeiro email bem no meio do campo. Sem precisar de fios.
Sem esforço. E fiquei viciado, assim como milhões de outras
pessoas. Em dez anos, quase um bilhão de iPhones foram
vendidos.
O dispositivo celular da Apple logo foi seguido pelo Android, de
modo que os smartphones se disseminaram pelo globo e por todos
os cantos de nossas vidas. Nós agora verificamos nossos celulares
a cada 4,3 minutos de todo o nosso tempo acordados.2 Desde que
comprei meu primeiro iPhone, tenho um celular ao meu alcance 24
horas por dia: para me acordar pela manhã, para organizar minha
biblioteca de músicas, para me entreter com vídeos, filmes e
televisão ao vivo, para registrar minha vida em fotos e vídeos, para
me permitir jogar o jogo mais recente, para me guiar por ruas
estranhas, para exibir minha mídia social e para me assegurar todas
as noites que ele me acordará novamente (desde que eu o coloque
para carregar). Eu uso meu telefone para manter nosso cronograma
familiar, que está em constante mudança, sincronizado em tempo
real. Eu usei meu telefone para pesquisar, editar e até mesmo
escrever seções deste livro. Eu uso meu telefone para praticamente
tudo (exceto para ligações, aparentemente). E carrego meu telefone
comigo aonde quer que eu vá: ao quarto, ao escritório e, sim,
também ao banheiro.
O celular aliou várias tecnologias3 que ainda estavam sendo
desenvolvidas ao dispositivo manual mais poderoso de
conectividade social já inventado. Com nossos telefones, tudo na
vida é imediatamente fotografável e compartilhável. Portanto, eu não
me surpreendi quando os editores da revista Time nomearam o
iPhone o dispositivo individual mais influente de todos os tempos,
dizendo que ele “mudou radicalmente nossa relação com a
computação e a informação — uma mudança que possivelmente
repercutirá nas décadas seguintes”.4
Ah, sim, as repercussões. E qual é o preço de toda essa magia
digital? Eu também descobri que meu onipresente iPhone está
corroendo minha vida com distrações — algo involuntariamente
reconhecido pelos executivos da Apple na véspera do lançamento
do Apple Watch, anunciado como uma tecnologia mais nova e
menos invasiva para corrigir todo o ruído digital trazido às nossas
vidas pelo iPhone.5
O que eu não sabia quando desembalei meu primeiro iPhone é
que Jobs já estava protegendo ativamente os próprios filhos de suas
máquinas digitais.6
Eu não deveria estar me protegendo também?
A GRANDE QUESTÃO
Os criadores e publicitários do celular exercem grande poder sobre
nós, e eu quero saber qual é o efeito dessa tecnologia em minha
vida espiritual. Assim como em todas as áreas da vida cristã, quero
aprender com a história da igreja e com os cristãos mais antigos.
A primeira entrevista feita por mim, enquanto ainda percorria o
caminho de produção deste livro, foi uma ligação telefônica para
David Wells, um teólogo de 75 anos. (1939–). Seu livro mais recente
sobre a santidade de Deus foi surpreendentemente preenchido por
uma discussão sobre tecnologia (um subtópico relevante em
qualquer conversa na atualidade).7
“Foi somente a partir de meados de 1990 que a web passou a ser
amplamente utilizada em nossa sociedade, então estamos falando
de cerca de duas décadas apenas”, disse Wells. “E assim nós —
todos nós — estamos tentando descobrir o que é útil e o que nos
prejudica. Não podemos escapar dela, e provavelmente nenhum de
nós quer escapar. Não podemos nos tornar monges virtuais.” Para
minha surpresa, Wells pareceu pessoalmente familiarizado com as
tentações: “Não há dúvida de que a vida se torna muito mais
distraída, porque recebemos notificações, bipes e mensagens de
texto. Estamos, de fato, convivendo com um universo paralelo e
virtual, um universo que pode ocupar todo o tempo que temos. O
que acontece conosco quando somos constantemente estimulados,
ou melhor, quando ficamos quase viciados ao estímulo visual
constante? O que isso está fazendo conosco? Essa é a grande
questão”.8
Wells está absolutamente correto — nossos telefones são
variáveis constantes, sempre mudando e transformando novos
comportamentos em nós. Muitos anos atrás, Jacques Ellul (1912–
1994) nos alertou, de maneira profética, do perigo da era
tecnológica, escrevendo que “a imprevisibilidade é uma das
características gerais do progresso tecnológico”.9 A
imprevisibilidade da era tecnológica carrega consigo certo nível de
insegurança inabalável que nos conduz para longe de uma resposta
à pergunta de Wells. Não sabemos o que nossos celulares estão
nos causando, mas estamos passando por mudanças — e isso é
nítido.
Depois enviei um email a Oliver O’Donovan (1945–), um
especialista em ética cristã de 71 anos da Escócia, para lhe
perguntar se os cristãos deveriam sentir-se desconfortáveis com a
ascensão da tecnologia de comunicação digital. “As comunicações
eletrônicas são uma questão mais direcionada à geração mais
jovem do que a mim”, admitiu. “São eles que têm de aprender a
compreender os poderes e as ameaças que elas incorporam, em
parte por meio de tentativa e erro, mas também, e muito importante,
lembrando-se do que era mais importante antes da revolução das
comunicações tomar conta de tudo.”
“Nunca ninguém teve de aprender isso antes”, disse ele sobre as
questões que agora encaramos. “Ninguém é capaz de ensinar a tal
respeito a essa nova geração. É um enorme desafio para a
inteligência consciente, entregue exclusivamente a eles. O perigo
que enfrentam, naturalmente, é que as ferramentas definem a
pauta. Uma ferramenta de comunicação é uma ferramenta para
comunicar alguma coisa.” Em seguida, ele repetiu a indagação de
Wells: “As mídias não ficam simplesmente por aí de forma passiva,
à espera de que nos juntemos a elas e encontremos nelas alguma
utilidade para algum projeto que temos em mente. Elas nos dizem o
que fazer e, de forma mais significativa, o que devemos querer
fazer. Há um fluxo na maré e, se não soubermos nadar, seremos
carregados por ela. Vejo alguém fazer algo e logo quero fazer a
mesma coisa. Então eu esqueço o que quer que seja que achei que
gostaria de fazer.”
O’Donovan concluiu a entrevista com um impressionante aviso:
“Essa geração tem uma tarefa ímpar: a de discernir para o que os
novos meios de comunicação são realmente bons e, também, para
o que eles não são bons. Caso falhem, as gerações posteriores
pagarão o preço”.10
MINHAS TENSÕES
Eu queria escrever este livro dialogando com os anciãos da igreja,
mas minhas perguntas a Wells e O’Donovan ricochetearam uma
pergunta diretamente para mim: como nós, aqueles que estão mais
familiarizados com celulares, podemos dar nosso melhor para nos
aprofundarmos nas respectivas consequências?
Eu também me vejo em uma situação complicada, tendo de me
perguntar de que maneira meu telefone está me transformando, ao
mesmo tempo que trabalho online em tempo integral e tento
aproveitar minhas habilidades e experiências para cativar a atenção
de um público virtual. E, à medida que o universo online está cada
vez mais se globalizando, novas oportunidades para o evangelho
também estão sendo abertas.
De modo geral, o poder da era digital para agrupar a inteligência
humana e os dados reais não tem precedentes (a Wikipédia é
apenas um exemplo do que está por vir). Oportunidades inigualáveis
são agora dadas a todo cristão para um ministério online. Hoje,
nossos mais proeminentes pregadores podem alcançar centenas de
milhares de pessoas por meio das mídias sociais. Até mesmo o
cristão mais comum pode falar para uma audiência imediata de
duzentos ou trezentos amigos no Facebook, um alcance sem
precedentes na história humana.
Dessa forma, eu sinto o cerco se fechando. Quero me tornar hábil
em atrair atenção online (para Cristo), mas também quero fazer
perguntas críticas sobre meus próprios impulsos, hábitos e
suposições em relação ao meu telefone.
MINHA INTENÇÃO
Este livro sobre celulares poderia facilmente tornar-se mais grosso
que uma lista telefônica, então, para mantê-lo pequeno, vou abordar
apenas o que é essencial e navegar com cuidado e concisão.
Enquanto alguns escritores afirmam que nossos telefones estão
nos tornando cognitivamente mais apurados e relacionalmente mais
intensos,11 outros nos alertam para o fato de que nossos telefones
estão nos tornando rasos, limitados e menos competentes no
mundo real.12 Ambos os argumentos soam verdadeiros algumas
vezes, mas “as mídias sociais são, em grande parte, aquilo que
fazemos delas — um meio de escapismo ou transformação,
dependendo do que esperamos delas e de como as usamos”.13 A
pergunta deste livro é simples: qual é o melhor uso do meu celular
no desenvolver da minha vida?
Com esse propósito, meu objetivo é evitar ambos os extremos: o
otimismo utópico dos tecnófilos e o pessimismo distópico dos
tecnofóbicos. O’Donovan tem toda a razão quando diz que nossa
tentação é a de ver alguém fazendo algo e, em seguida,
simplesmente copiar o comportamento e perder de vista nossos
chamados pessoais e objetivos de vida. Em outras palavras,
precisamos nos perguntar: quais tecnologias atendem aos meus
objetivos? E quais são os meus objetivos, antes de qualquer coisa?
Sem respostas claras a esse respeito, não podemos fazer qualquer
progresso em pensar sobre os prós e contras dos celulares na
condição de cristãos.
Ainda assim, se você tem um celular, é provável que já tenha
abusado dele. Esse abuso é alvo de inúmeras matérias em revistas,
livros de lamentação e vídeos poderosos que revelam que o uso
excessivo do nosso celular influencia nossas vidas em um nível
absurdo. Um momento de culpa pode ser um poderoso motivador,
mas não vai durar muito. Assim que a motivação se esvai e a culpa
diminui, retornamos aos antigos comportamentos. Isso ocorre
porque nossas convicções fundamentais são demasiadamente
frágeis para sustentar novos padrões de comportamento, de modo
que aquilo que parece imediatamente “certo” (desligar nossos
telefones) não é nada mais do que o produto de um simples
momento de vergonha. O que precisamos, de fato, é da disciplina
de uma vida nova, oriunda em um novo conjunto de prioridades e
capacitada pela liberdade de nossa nova vida em Jesus Cristo.
Então, eu não posso simplesmente falar para você deixar seu
telefone de lado, largá-lo ou pegá-lo novamente após um período de
estafa. Meu objetivo é, antes de tudo, explorar por que você deveria
tomar atitudes desse tipo.
BREVE IMPRESSÃO
Aqui está um punhado de observações para você ter em mente à
medida que vamos apresentando o assunto.
Em primeiro lugar, este livro é escrito tanto para mim como por
mim. Eu não apenas preciso dessa mensagem, como também
carrego seu fardo. Se o título sugere que estou pregando para você,
eu não estou. Estou pregando para mim mesmo. Poucos de vocês
se tornarão autores, mas nós, que escrevemos livros sobre ética,
somos mais rigorosos com o que escrevemos do que qualquer outra
pessoa.
Em segundo lugar, para manter o título deste livro curto, deixei
implícito que tudo o que está nele é relevante para cada um dos
leitores. Na verdade, nunca estive tão familiarizado com a variedade
de hábitos relacionados ao celular. Nós pegamos nossos celulares
como criadores ou consumidores de conteúdo e focamos em
conteúdos atemporais ou atuais. Da mesma forma, nosso
relacionamento com o celular tende a certas direções: ou como
parte de comunidades virtuais ou como complementos aos nossos
relacionamentos face a face. E essas conversas permeiam
constantemente entre a edificação e o papo furado (veja a Figura 1).
Todos nós transitamos constantemente entre essas categorias, e
cada tendência apresenta seus próprios pontos fortes e fracos, a
serem abordados nas páginas seguintes. Mas nenhum de nós se
enquadra exatamente da mesma forma que outra pessoa. Eu
menciono isso logo agora, no começo do livro, como uma forma de
pedir que você seja paciente quando discutirmos sobre hábitos que
podem não ser diretamente aplicáveis a você.
Figura 1. Relacionamentos e hábitos relacionados ao celular

Em terceiro lugar, este livro não é anticelular; ele foi escrito para
pessoas que, como eu, se beneficiam do uso do celular e o usam
diariamente. Provavelmente vocês vão ouvir a respeito deste livro
nas redes sociais em seu celular, e alguns de vocês vão ler o
presente conteúdo em seus telefones, publicar citações no
Facebook — e isso não é oximoro, irônico ou paradoxal; é o
cumprimento da razão pela qual escrevi e de como pretendo passar
a mensagem.
Em quarto lugar, este livro também não é pró-celular. Eu quero
que este livro seja equilibrado, embora o equilíbrio não seja minha
principal preocupação. Pouco importa se alcançarei ou não o
equilíbrio completo entre pró-celular e anticelular (até mesmo na
divisão das seções), porque sei que, no final das contas, os leitores
estarão divididos. Ressalto esse ponto previamente com a intenção
de falar de forma mais direta aos meus leitores que pretendem rever
os padrões de suas vidas (e também para evitar que este livro fique
inchado com um milhão de condições, ressalvas e qualificações).
Prossigo sob a suposição de que todos nós precisamos parar e
refletir a respeito de nossos hábitos impulsivos no celular, pois, em
uma época em que nossos olhos e corações são capturados pelo
mais recente e brilhante dispositivo, precisamos de mais autocrítica,
e não de menos.
Em quinto lugar, já que você está lendo um livro intitulado 12
maneiras como seu celular está transformando você, presumo que
provavelmente seja o tipo de leitor que acolhe, corajosamente,
essas autocríticas. Por isso, eu o parabenizo. O antigo filósofo
Sêneca estava completamente certo quando disse: “Algumas vezes,
seja duro consigo mesmo”.14 Algumas vezes. Nem sempre. Em
certos momentos importantes da vida, observe-se no espelho do
banheiro, aperte bem os olhos e projete pessimismo na pessoa que
você vê. Todos nós precisamos de crítica saudável. Mas, se tudo o
que você faz é ser duro consigo mesmo, deixe-me dar um alerta.
Este livro terá falhado se, ao lê-lo, você apenas passar a se odiar
ainda mais, e terá sido bem-sucedido caso o tenha conduzido a
desfrutar mais de Cristo. Então, se você se pega facilmente
sobrecarregado com culpa e insegurança, eu oro para que este livro
ensine e prepare você a desfrutar liberdade na vida, de modo que
você prove mais profundamente a infinita alegria que temos em
Cristo, deixando as indulgências medíocres para trás ao avistar os
prazeres mais profundos e mais satisfatórios no porvir.
Em sexto lugar, eu citarei teólogos, filósofos, professores,
pastores, papas, não cristãos notáveis e ateístas conhecidos — e a
inclusão deles neste livro não é um completo endosso às suas
respectivas teologias ou um endosso por atacado às menções
adiante de links, aplicativos, livros ou filmes de mafiosos.
Por último, como sugere o título, este livro se concentra mais no
diagnóstico e na cosmovisão do que na aplicação. Não vamos
ignorar aplicações importantes, mas elas serão implícitas
genericamente em todo o texto e abordadas especificamente no
final.
UM CHAMADO À HUMILDADE
A insegurança é marca registrada das criaturas sábias.15 E
conversas autocríticas sobre nossos comportamentos individuais
requerem uma grande dose de humildade. Com frequência,
conversas acerca de nossos celulares não levantam novos
questionamentos; ao contrário, reconduzem-nos às eternas
perguntas que todas as gerações são forçadas a fazer.
Veja, por exemplo, o Snapchat, o fenômeno mais recente sobre a
“forma de expressão instantânea”. Em uma de minhas entrevistas,
um teólogo sugeriu que é difícil que seu “sim” seja sim quando suas
palavras desaparecem em poucos segundos.16 Mas os defensivos
especialistas de TI vão imediatamente combater esse argumento
com um fato simples: enquanto palavras efêmeras compartilhadas
no Snapchat desaparecem em segundos, nossas palavras
vocalizadas desaparecem no ar em centésimos de segundo. A
tecnologia não torna nossas palavras mais temporárias — se é que
faz algo, a tecnologia as torna mais duráveis. Se tivermos de
contabilizar toda palavra vã, somos provavelmente a primeira
geração que pode verdadeiramente vislumbrar o volume de palavras
vãs, já que as publicamos mais do que qualquer grupo da história
humana.
Portanto, embora possamos examinar nossa autenticidade
quando falamos por meio de mensagens que se autodestroem
(como o Snapchat), nossos telefones não tornam nossas palavras
mais transitórias ou vazias; eles simplesmente levantam questões
que são feitas em todas as gerações. E somente quando
reconhecemos essas questões, podemos voltar a examinar o
Snapchat.
É assim que as conversas nos meios digitais geralmente ocorrem.
Dessa forma, começo o livro pedindo uma trégua. Podemos
concordar que algumas das questões mais importantes acerca do
celular também se aplicam às conversas travadas em meios não
virtuais? Só porque uma luta que enfrentamos em nossa vida virtual
também se relaciona com contextos não virtuais, isso não significa
que a conversa em meio digital tenha de ser evitada —
simplesmente significa que a Escritura se prova atual e relevante na
era digital.
QUEM SOU EU?
Como você pode ver, essa jornada para desembaraçar o
relacionamento com meu telefone é muito pessoal (ou seja,
autocrítica a mim), razão pela qual você precisa saber quem eu sou
desde o início.
Eu sou um “pioneiro na adoção”17 — uma maneira sutil de dizer
“um viciado convicto em iPhone e tecnologia”. Também sou um
cristão que entende a Bíblia como autoridade irrevogável e definitiva
sobre a minha vida há quase duas décadas. Tenho educação em
negócios, jornalismo e artes liberais, e atualmente trabalho como
repórter investigativo da complexa dinâmica da vida cristã em
confronto com as atuais pressões da conformidade cultural.
Pesquiso e escrevo em conjunto com muitas outras vozes da igreja,
tanto de pessoas vivas como mortas.
Sou casado há quase duas décadas. Minha esposa e eu temos
três filhos, e estamos tentando criá-los para que sejam competentes
no uso de tecnologia e, ao mesmo tempo, autocontrolados.18 Em
nossa casa, atualmente temos um desktop, três notebooks, três
tablets, três celulares e um iPod.
No momento em que este livro foi publicado, compilei 32,6 anos
de experiência em quatro plataformas: blog, Twiter, Facebook e
Instagram.19 Eu trabalhei online para ministérios sem fins lucrativos
por uma década e nunca sem possuir um iPhone. E esses trabalhos
não me isolaram das questões prementes da era digital — na
verdade, amplificaram-nas. Ao mesmo tempo, meu trabalho me
colocou em contato com vários dos mais ponderados filósofos,
teólogos, pastores e artistas cristãos que estão cuidadosamente
pensando sobre como ajudar a igreja a responder com sabedoria à
era digital, e eu vou compartilhar alguns dos melhores insights de
minhas conversas com eles.
Simultaneamente, escrevi este livro em um diálogo com uma
variedade de cristãos: estudantes, solteiros, casais casados, pais,
construtores, profissionais de negócios e líderes de ministérios.
Cada um de nós enfrenta questões similares sobre como viver de
forma saudável e equilibrada na era digital.
DESEJOS FUTUROS
O teórico de mídia Marshall McLuhan (1911-1980) lembrou à sua
geração que tecnologia é sempre uma extensão do próprio
indivíduo. Uma faca é simplesmente uma extensão da minha mão.
Meu carro é uma extensão dos meus braços e pés, basicamente
nada mais do que o carro do Fred Flintstone.
Da mesma forma, meu smartphone amplia as minhas funções
cognitivas.20 Os neurônios ativos do meu cérebro são um
emaranhado crepitante de impulsos elétricos dentro do crânio, e
meus pensamentos vívidos são como uma tempestade no
Kansas.21 Essa pequena tempestade elétrica no espaço
microscópico do meu sistema nervoso estende-se naturalmente aos
meus polegares para criar minúsculas fagulhas digitais de
eletricidade dentro do meu telefone, que são emitidas por ondas de
rádio para o mundo inteiro.
Isso tudo significa que meu telefone ocupa um lugar no tempo e
no espaço — fora do meu corpo —, espaço no qual posso projetar
meus relacionamentos, meus anseios e o escopo completo da
consciência de minha existência. Na verdade, segure a palavra
“desejo” em frente a um espelho, e você poderá ler “ojesed”, que é o
nome do espelho mágico nos livros do Harry Potter.22 No antigo
Espelho de Ojesed, você verá os mais profundos desejos de seu
coração revelados em imagens vívidas. As telas brilhantes de
nossos celulares fazem o mesmo.
Por demasiadas vezes, meu telefone não expõe os santos
desejos do que eu sei que deveria querer, nem o que eu acho que
quero, muito menos o que eu quero que você pense que eu quero.
A tela do meu telefone divulga em pixels precisos como uma
navalha o que meu coração realmente quer.23 A tela brilhante do
meu telefone projeta aos meus próprios olhos os desejos e as
afeições que habitam nos recantos mais abstratos do meu coração
e da minha alma, os quais encontram expressão visível em pixels de
imagens, vídeo e texto, para que eu veja, consuma, digite e
compartilhe. Isso significa que tudo que acontece no meu celular,
especialmente sob o disfarce de anonimato, é o que
verdadeiramente habita em meu coração, refletido aos meus olhos
em pixels coloridos.
Honestamente, isso pode explicar até mesmo as senhas. Acessar
um telefone é dar uma espiada no interior da alma de outra pessoa.
Temos muita vergonha de que outras pessoas vejam o que
clicamos, olhamos e procuramos online.
O que poderia ser mais inquietante?
Se formos honestos o suficiente para enfrentar nossos hábitos no
smartphone, e se usarmos as páginas a seguir como um convite à
comunhão com Deus, podemos esperar encontrar graça para
nossos fracassos virtuais e para nosso futuro digital. Deus nos ama
profundamente, e ele está ansioso para nos dar tudo aquilo de que
precisamos na era digital. O sangue derramado por seu Filho é
prova disso.24 Precisamos de sua graça quando avaliamos o lugar
que os celulares devem ocupar — os prós e os contras — na
trajetória de nossas vidas eternas. Se formos complacentes, não só
sofreremos agora, como também as gerações futuras pagarão o
preço.

1. Mic Wright, “The Original iPhone Announcement Annotated: Steve Jobs’


Genius Meets Genius”, The Next Web, thenextweb.com (6 set. 2015).
2. Jacob Weisberg, “We Are Hopelessly Hooked”, The New York Review of
Books (25 fev. 2016).
3. Este livro é muito pequeno para recontar a história fascinante do celular.
Para saber mais a esse respeito, consulte o livro de Majeed Ahmad,
Smartphone: Mobile Revolution at the Crossroads of Communications,
Computing and Consumer Electronics (North Charleston, SC: CreateSpace,
2011).
4. Lisa Eadicicco et al., “The 50 Most Influential Gadgets of All Time”, revista
Time (3 maio 2016).
5. David Pierce, “iPhone Killer: The Secret History of the Apple Watch”, Wired
(abril de 2015).
6. Em 2010, logo após a Apple lançar seu tablet (iPad), um repórter
perguntou a Jobs: “E, então, seus filhos também amam o iPad?”, ao que ele
respondeu: “Eles nunca o usaram. Nós limitamos a quantidade de tecnologia
que nossos filhos usam em casa”. Nick Bilton, “Steve Jobs Was a Low-Tech
Parent”, The New York Times (10 set. 2014). Mais tarde, o vice-presidente de
design da Apple, Jonathan Ive, admitiu estabelecer “regras rígidas sobre o
tempo em frente às telas” para seus filhos gêmeos de 10 anos. Ian Parker,
“The Shape of Things to Come”, The New Yorker (2 mar. 2015).
7. David Wells, God in the Whirlwind: How the Holy-love of God Reorients Our
World (Wheaton, IL: Crossway, 2014).
8. David Wells, entrevista com o autor por telefone (9 jul. 2014).
9. Jacques Ellul, The Technological Bluff (Grand Rapids, MI: Eerdmans,
1990), p. 60.
10. Oliver O’Donovan. Entrevista com o autor por email (10 fev. 2016).
11. Clive Thompson, Smarter Than You Think: How Technology Is Changing
Our Minds for the Better (New York: Penguin, 2013); e Steven Johnson,
Everything Bad Is Good for You: How Today’s Popular Culture Is Actually
Making Us Smarter (New York: Riverhead Books, 2006).
12. Nicholas Carr, A geração superficial: o que a internet está fazendo com
nossos cérebros (Rio de Janeiro: Agir, 2019); e Mark Bauerlein, The Dumbest
Generation: How the Digital Age Stupefies Young Americans and Jeopardizes
Our Future (Or, Don’t Trust Anyone Under 30) (New York: TarcherPerigee,
2009).
13. Andy Crouch, Strong and Weak: Embracing a Life of Love, Risk & True
Flourishing (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2016), p. 87.
14. Seneca, Letters from a Stoic: Epistulae Morales ad Lucilium, trad. Robin
Campbell (New York: Penguin, 2015) p. 67.
15. Provérbios 3.5-8; 12.15; 26.12.
16. Tiago 5.12.
17. “Early adopter”. Uma pessoa que adquire uma nova tecnologia, produto
ou serviço assim que é lançado. (N. do E.)
18. Tony Reinke, “Walk the Worldwide Garden: Protecting Your Home in the
Digital Age”, Desiring God, desiringGod.org (14 maio 2016).
19. Escrevo para blogs há 565 semanas, posto no Twitter e Facebook há 441
semanas cada e uso Instagram há 248 semanas.
20. “Se a roda é uma extensão do pé, e as ferramentas são das mãos, costas
e braços, então o eletromagnetismo parece ser, em suas manifestações
tecnológicas, uma extensão de nossos nervos e torna-se, principalmente, um
sistema de informação.” Marshall McLuhan, entrevista em vídeo, “O futuro do
homem na era da eletricidade”, marshallmcluhanspeaks.com (BBC, 1965). Ao
longo do livro, vou distinguir nossas vidas como encarnada e desencarnada.
Tais termos não são tão precisos, mas são palavras úteis para estabelecer
contraste. Claro que nós sempre usamos nossos corpos em nossos telefones:
nossos olhos, polegares, orelhas, cérebros e até mesmo nossos nervos, para
sentir as vibrações. A utilidade dos termos ficará clara mais adiante no livro,
quando discutirmos sobre a influência dos telefones em nossa saúde física,
algo que, com frequência, ignoramos. Eles também servirão como um bom
contraste para a vida encarnada, termo que uso em referência a cenários nos
quais nossa personalidade como um todo (corpo, alma e emoção) é mostrada
e usada simultaneamente (como em uma conversa face a face).
21. Uma metáfora de N.D. Wilson, “Palavras encarnadas: estórias contando
histórias e as bonecas russas de criatividade divina”, Vimeo, vimeo.com (25
abr. 2015).
22. J. K. Rowling, Harry Potter e a Pedra Filosofal (Rio de Janeiro: Rocco,
2017), p. 140.
23. A realidade de um coração assombrado descrita vividamente por James
K. A. Smith em Você é aquilo que ama: o poder espiritual do hábito (São
Paulo: Vida Nova, 2016).
24. Romanos 8.32.
INTRODUÇÃO
UM POUCO DE HISTÓRIA DA TECNOLOGIA

A história deste livro não começa no momento em que meu primeiro


celular recebeu um email na área externa daquela parada de
descanso, nos tempestuosos campos de milho em Iowa. Tampouco
o lançamento do iPhone na Macworld 2007 é suficiente para
retroagir no tempo. Nem mesmo é o começo da Apple ou o
nascimento de Steve Jobs. Para observarmos a linha do tempo do
celular, precisamos lançar um rápido olhar sobre a história da
tecnologia, uma vez que remonta a séculos atrás. Nossa era digital
não é um acidente cósmico.
A HISTÓRIA DA TECNOLOGIA
No princípio, Deus criou Adão a partir do barro, e criou Eva a partir
de uma costela. Yahweh se curvou e exalou sopro em seus
pulmões, e eles acordaram em um mundo estranho com oceanos,
luz solar, montanhas, frutos, animais sem nome, solos não
identificados e matérias inexploradas, como diamantes, ouro, prata
e ferro.1 A primeira ordem de Deus foi para que suas criaturas
gerassem filhos, recolhessem alimentos e governassem os animais.
Mas, nesses comandos iniciais, Deus já havia traçado o fim do jogo
em seu grande plano. O jardim era apenas o começo. O objetivo era
um globo de avanço tecnológico, conduzindo a uma criação tão
refinada que as ruas das cidades serão pavimentadas com uma
grossa camada de ouro cristalino; uma criação tão radiante e
luminescente que dificilmente conseguimos imaginar como parecerá
no fim.2 Então, quando Adão e Eva acordaram e caminharam no
jardim, um plano invisível e muito maior também foi posto em ação.
O jardim sem nome se tornaria uma cidade gloriosa.
Encontramo-nos bem no meio desse desenrolar da história, de
passarmos de um jardim a uma cidade, e Deus está governando
todo esse processo de variadas formas. Entre as grades de
proteção da lei natural, amparada pelos corrimãos da abundância e
da escassez de certas matérias-primas na terra, e levados adiante
pelos portadores da sua imagem, cada um deles ligado à inovação,
a trajetória do progresso tecnológico — desde o jardim até a cidade
— foi colocada em ação. Esse processo é integralmente iniciado,
direcionado e guiado por Deus.3
Mas entre o enlameado início rural do jardim e o reluzente fim
urbanizado, precisamos preencher a história, porque esse é o ponto
em que nos encontramos: a leste do Éden e a oeste da Grande
Cidade, em uma jornada da história feita por Deus e soberanamente
guiada por Ele, segurando celulares. E à medida que a história
ampliada da tecnologia vai-se desenvolvendo, a Bíblia nos ensina
nove realidades fundamentais que precisamos repetir para nós
mesmos na era digital.
1. A TECNOLOGIA MODIFICA A CRIAÇÃO
A comissão de Deus para o primeiro casal, que era cuidar do mundo
e dos animais, deixa implícita uma série de avanços tecnológicos
que possibilitariam todo esse trabalho por meio de ferramentas de
pedra, depois de cobre e, mais tarde, de ferro.
Ao contrário de suas outras criaturas, os portadores da imagem
de Deus produziriam alimentos de forma estratégica. De modo
intencional, os avanços agrícolas rapidamente tiveram início —
numa trajetória de pás, foices, arados puxados por cavalos, depois
tratores, sistemas de irrigação e, agora, equipamentos guiados e
comandados por GPS. A tecnologia é usada para subjugar a criação
em prol do benefício humano, bem como para aumentar a eficiência.
A agricultura de hoje não é perfeita e levanta problemas morais,
mas o longo trajeto dos avanços tecnológicos é especialmente
esclarecedor e impressionante.
A agricultura também é um bom exemplo de tecnologia construída
a partir da inteligência do Criador (dada à humanidade) e da
abundância da criação (fornecida pela terra). A tecnologia é a
reordenação das matérias-primas com finalidade humana. Adão e
Eva reordenaram as matérias-primas do solo para fazer as plantas e
as flores frutificarem. Hoje, os chefes de cozinha e cozinheiros
reordenam as matérias-primas dos alimentos em refeições
deliciosas. Os carpinteiros da construção civil reordenam pregos e
madeira em vigas (matéria-prima) para construir casas. Os químicos
farmacêuticos reorganizam os elementos orgânicos e sintéticos em
drogas medicinais. Os músicos reordenam notas e sons em música.
Os romancistas reordenam a matéria-prima da experiência humana
em histórias. Como escritor de não ficção, eu reordeno a matéria-
prima das palavras em ideias, para que uma editora reordene polpa
de madeira, tinta preta e cola de liga em um livro para você segurar
e ler. Tudo isso é tecnologia.
2. A TECNOLOGIA COMBATE OS RESULTADOS DA QUEDA
Não muito tempo depois na história do mundo, Adão e Eva
cometeram o trágico erro — o inexplicável pecado — de ignorar a
única proibição de Deus. Satanás os tentou, e Adão e Eva
experimentaram tornar-se semelhantes a Deus. Nesse momento,
Deus derramou sua maldição sobre a criação, e o resultado
imediato foi a ruptura nas relações do homem com tudo e com
todos.4
A queda ainda nos afeta hoje — ervas daninhas nas plantações,
dor de parto e embaraço mediante a nudez. Os agricultores usam a
tecnologia para matar as ervas daninhas e minimizar espinhos e
cardos nas fazendas. As mulheres usam a tecnologia para suprimir
a dor no parto. Os estilistas de moda usam tecido para cobrir nossos
corpos. O avanço tecnológico é um presente gracioso de Deus para
nos ajudar a viver numa criação caída. Mas toda essa tecnologia
também nos faz lembrar de nosso problema fundamental — nós
estamos pecaminosamente alienados de Deus.
3. A TECNOLOGIA ESTABELECE O PODER HUMANO
Quando desatrelada do medo e da obediência a Deus, a tecnologia
rapidamente se torna um peão nos jogos de poder humanos. A
descoberta do cobre e a invenção do ferro, mais resistente e de
melhor fundição, tornaram a agricultura mais fácil, mas também
viabilizaram novos equipamentos de guerra.5 Possuir minas de ferro
e empregar ferreiros significavam controlar um fornecimento infinito
de novos armamentos, que, por sua vez, significava ter
superioridade militar — e isso significava exercer poder sobre as
nações rivais. Arcos, flechas, ferro e pólvora dão poder para
defender e conquistar. O mesmo acontece hoje. Poder e
superioridade apoiam-se na tecnologia: armas nucleares, navios de
guerra, drones, aviões de caça e mísseis. Quanto maior é o poderio
militar de uma nação, mais poder exerce no mundo. E tal poder só
pode ser quantificável e escalável por meio da inovação tecnológica.
4. A TECNOLOGIA AJUDA A EDIFICAR ALMAS
Na história bíblica, as inovações também servem aos adoradores.
Os instrumentos musicais foram inventados para que o povo de
Deus expressasse sua alegria em belas canções.6 Mais tarde, o
templo de Israel exibiu anos de avanço na tecnologia de construção,
metalurgia e técnica artística. A grandeza e a escala majestosa do
templo proclamavam às nações a glória, a grandeza e o esplendor
do Deus de Israel.
E conforme o plano de Deus mudou de uma religião do tipo
“venha e veja” (Antigo Testamento) para uma religião focada em “vá
e pregue” (Novo Testamento), o cinzel e a pedra deram lugar a
avanços primitivos em papel e tinta, tornando possível o avanço da
tecnologia da comunicação escrita. As palavras de Deus —
inicialmente marcadas em pedra, depois processadas em peles de
animais e, posteriormente, em produtos de árvores — se tornariam
o ponto central do Criador para reunir seu povo separado por
continentes, línguas e milênios. Com o tempo, os muitos
pergaminhos do Antigo Testamento e os muitos livros e cartas do
Novo Testamento foram reunidos em um códice, traduzidos e
publicados em massa como um único livro de autoridade unificada
que agora, convenientemente, carregamos em uma única mão.
Cada vez que abrimos nossas Bíblias, nossas almas estão sendo
alimentadas ao longo de séculos de avanço tecnológico.
De trombetas e templos a Bíblias com bordas douradas, foi
intencional da parte de Deus que a tecnologia desempenhasse
papel essencial para que pudéssemos conhecê-lo e adorá-lo.
5. A TECNOLOGIA DEFENDE E FORTALECE NOSSOS CORPOS
O avanço tecnológico também muda e refina nossos corpos de uma
forma bastante dramática. Óculos e aparelhos auditivos ampliam
nosso senso visual e auditivo. A tecnologia musical, tal como o
violino, afina habilidades motoras humanas e nos oferta novos
propósitos para os movimentos microrrefinados de nossos corpos. A
tecnologia industrial conecta nossas mãos aos braços hidráulicos de
máquinas de cavar. A tecnologia da medicina reanima corações que
já pararam e conserva corpos mortos em funcionamento. Os
avanços na medicina curam doenças e retardam doenças terminais.
Os avanços no vestuário possibilitam que adornemos nossos corpos
em formas que definem e modelam as identidades que projetamos
uns aos outros.7
A tecnologia aprimora nossos corpos, refina nossos movimentos,
amplifica nossas ações e modela a forma como nos apresentamos
para o mundo.
6. A TECNOLOGIA DÁ VOZ À AUTONOMIA HUMANA
O misto de bom-mau-feio na tecnologia alcançou uma expressão
particularmente detestável na Torre de Babel, em uma tentativa de
consolidar toda inovação da construção civil da época para construir
uma cidade rebelde.8 Mais do que um simples arranha-céu, Babel
foi um novo império com uma cidade unificada em torno de um
templo (a torre), totalmente dedicada ao culto do progresso humano.
Suprimindo a engenhosidade de Deus em todos os avanços
humanos, Babel foi a tentativa do homem de sequestrar a tecnologia
e fabricar uma sociedade e uma vida religiosa em rebelião ao
Criador.
Nesse contexto, Babel marcou a rejeição coletiva do homem à
ideia de que a tecnologia é um dom de Deus. Antes de construir
uma torre que tocasse os céus, o povo de Babel desenhou uma
linha na areia que dizia ao Criador que “a autonomia humana vai
tomar o crédito pela inovação tecnológica a partir de agora, muito
obrigado”. A zombaria desse ato de traição também é parcialmente
cômica — o homem constrói seu templo o mais alto possível e,
então, o Deus vivo do universo se inclina sobre seus joelhos e
coloca o rosto no chão para avaliar o progresso.9 Isso é o que
acontece quando a tecnologia é mal utilizada, ou seja, usada a
serviço da incredulidade. Deus é a gênese de todo o conhecimento
e de todo o avanço tecnológico, sendo também o autor e
consumador de uma cidade glorificada por vir. Por que um arranha-
céu de barro iria impressioná-lo?
A tecnologia não é inerentemente má, mas ela tende a se tornar a
plataforma de escolha para expressar a fantasia da autonomia
humana.
7. DEUS GOVERNA CADA TECNOLOGIA HUMANA
A Torre de Babel foi realmente a Torre da Ignorância. Esse arranha-
céu de orgulho foi montado com matéria-prima terrena e moldado
pela engenhosidade humana — e todos esses produtos provêm de
Deus. Ao construir um arranha-céu ímpio, usando os recursos de
Deus colocados na terra e a criatividade de Deus colocada naqueles
que carregam a sua imagem e semelhança, a arrogância humana
atingiu seu ápice, como veremos adiante, assim como a total
distorção do propósito humano.
Então, Deus espalhou os construtores da torre por todo o mundo,
em uma variedade de línguas (reunindo-as de volta no dia de
Pentecostes, quando o evangelho estava pronto para ser
proclamado no mundo inteiro).10 Deus não estava ausente durante a
construção de Babel. Ele era o encarregado cósmico no local,
anulando a tecnologia humana, a fim de atender ao seu objetivo
final de proclamação do evangelho.
Mas o reinado soberano de Deus, acima dos mais terríveis males
da tecnologia, fica mais evidente do que nunca na cruz romana. Um
poste de madeira vertical com uma viga transversal. A cruz era a
marca do criminoso, pregado contra a madeira por três pontas de
ferro e, em seguida, elevado para que todos pudessem vê-lo,
enquanto a cruz estivesse presa ao chão. A cruz foi desenvolvida
para matar lentamente, pelo cansaço e por asfixia, criminosos,
rebeldes e escravos desobedientes.
A morte lenta era uma tortura pública, um outdoor de intimidação:
“Contemple o destino dos insensatos que desafiaram a lei romana e
ameaçaram a estabilidade social”.11
Mas esse terrível instrumento de tortura curvou-se como uma
dobradiça quando o plano redentor de Deus se revelou. Deus criou
as árvores a serviço do homem, mas foi o homem quem inventou as
cruzes para destruir a si mesmo. Na escuridão desse terrível
momento, todo o plano de Deus deu um passo decisivo para a
frente, rumo à nova cidade gloriosa. Com a má utilização dos
recursos tecnológicos, o homem matou o Autor da vida, mas Deus
foi soberano durante todo o tempo.12 Por um paradoxo cósmico que
nunca será eclipsado, na vergonhosa tortura diante de olhos
humanos, Cristo expôs todas as forças do mal à vergonha da
derrota despojada e nua.13
O mal foi derrotado pela tecnologia, pelo design soberano de
Deus. A tecnologia, mesmo quando é usada pelo homem com as
intenções mais malignas, nunca estará fora do plano soberano de
Deus. E, nesse caso, o Calvário foi hackeado. Deus invadiu a
tecnologia da cruz “e, com uma pequena mudança, inverteu sua
função e significado”.14 Deus faz isto: uma paródia de nossas más
tecnologias por meio do seu hackeamento soberano.
8. A TECNOLOGIA MOLDA TODO RELACIONAMENTO
A linhagem do avanço tecnológico é longa: arcos e flechas, rodas e
eixos, ferramentas de ferro e armas, tipos móveis e prensas de
impressão, relógios de parede e de pulso, máquinas a vapor e
ferrovias, carros e aviões, computadores e celulares. Cada nova
tecnologia abre a humanidade a novas esperanças, sonhos e
aspirações. Toda tecnologia muda as dinâmicas sociais
fundamentais de como nos relacionamos com o mundo, uns com os
outros e com Deus.
Primeiro, a tecnologia altera a forma como nos relacionamos com
a terra. Com um aplicativo de GPS, consigo ver meu lugar exato na
terra de uma forma que era quase impossível vinte anos atrás, além
de impensável aos meus antepassados.
Em segundo lugar, a tecnologia altera a forma como nos
relacionamos com nossos semelhantes. Se eu me aproximar de
você na rua e puxar conversa, nossa relação será
fundamentalmente aberta. Mas se eu convidar você para um chat
com minha câmera ligada, e eu estiver segurando o telefone bem na
minha frente, nossa interação será fundamentalmente diferente se
você decidir fazer contato visual comigo ou com o público invisível
do outro lado da minilente da minha câmera.
Em terceiro lugar, a tecnologia pode tornar-se uma metáfora que
Deus usa para revelar seu trabalho no mundo. Depois de ter feito
avanços primitivos em metalurgia, por exemplo, Deus poderia
revelar seu trabalho na humanidade como um fogo consumidor a
fundir toda a raça humana — com o propósito de julgar a escória de
rebelião e purificar sua obra, sua nação, de ligas metálicas falsas. O
desvelar da nova tecnologia cria novas metáforas para Deus revelar
como se envolve conosco, os mortais.15
9. A TECNOLOGIA MOLDA NOSSA TEOLOGIA
Finalmente, usamos a tecnologia para manifestar as metáforas de
Deus (para o bem ou para o mal). Veja, por exemplo, a tecnologia
mais recente do relógio de bolso — molas espirais em miniatura,
rodas, engrenagens precisas, tudo organizado em batidas rítmicas.
Com a invenção do relógio, poderíamos manter o tempo com
precisão e coreografar nossos cronogramas. O avanço tecnológico
em relógios também levou ao nascimento de duas novas metáforas
para explicar o relacionamento entre nós e Deus: uma perspicaz e a
outra enganadora.
Em primeiro lugar, o relógio forneceu uma metáfora útil para
Deus. Uma vez que as várias peças do relógio são reunidas com
uma finalidade, o objeto carrega em si as marcas de um “design
inteligente”, a obra de um artesão. Isso também é válido para
nossos corpos. Em conjunto, as várias partes, os pedaços e as
interações químicas de nossa existência articulam-se em harmonia
para sustentar nossa existência coesa. Essa é “a analogia do
relojoeiro”. Deus não está somente perto; suas impressões digitais
estão em nós.
Mas o relógio também forneceu uma metáfora defeituosa para
Deus. Alguns começaram a imaginar um Deus que montou o
universo e se envolveu, colocando-o em movimento, e depois se
afastou. Essa é uma forma de deísmo, a ideia de que Deus se
encontra à parte e distante do mundo, nada mais fazendo do que
preservar as leis naturais.
Para melhor ou para pior, a tecnologia muda fundamentalmente a
forma como falamos de Deus. E a tecnologia molda a forma como
Deus se comunica conosco. Deus se faz claro para nós através de
metáforas sobre a tecnologia, e nós entendemos que é possível
defini-lo, e também distorcê-lo, ao projetar nele metáforas sobre a
tecnologia.
TEOLOGIA DA TECNOLOGIA
Eu só arranhei a superfície de algo mais profundo. Defendo aqui
que toda inovação tecnológica é um novo convite teológico ao povo
de Deus para uma contemplação bíblica renovada. Isso significa
várias coisas.
Primeiro, a vida na era digital é um convite aberto ao pensamento
claro e bíblico sobre o impacto de nossos telefones em nós
mesmos, naquilo que criamos, em nosso próximo e em nossos
relacionamentos com Deus. A adoção impensada de novas
tecnologias é mundanismo.
Em segundo lugar, tecnologia é tecnologia, seja conectada a uma
tomada, seja amarrada a um cavalo. Para esse projeto, eu não vou
fazer uma distinção dura e rápida entre ferramentas e tecnologia,
desconectando as ferramentas primitivas não elétricas das novas
tecnologias elétricas. Em parte, porque os deuses domésticos de
pedra esculpida ou de madeira e os ídolos portáteis de prata e ouro,
comuns no mundo antigo, não eram ferramentas. Esses ídolos eram
mais como nossas tecnologias: oráculos divinos do conhecimento e
da prosperidade, usados por adoradores em uma tentativa de
controlar e manipular os eventos da vida em benefício pessoal. A
estatueta e o iPhone apelam para o mesmo fetiche.
Em terceiro lugar, independentemente de como meu celular esteja
me afetando, também está me apontando na direção de uma
gloriosa cidade vindoura. Não depositamos nossa confiança em
coisas portáteis. Não depositamos nossa confiança em coisas feitas
à mão. Em vez disso, ansiamos por estar na presença de nosso
Deus trino em uma nova criação, a qual não foi construída por mãos
humanas engenhosas e pecaminosas, mas pelo próprio design e
inovação de Deus — a criação sem pecado, sem morte e sem
lágrima que Deus sempre planejou.16
NOSSO LUGAR NA HISTÓRIA
Então, aqui estamos nós, na “era digital”, uma era tão inundada de
inovação que deixamos de percebê-la. E estamos adotando e nos
adaptando às novas tecnologias mais rapidamente do que qualquer
outra geração na história do mundo. Desde 2015, 86% dos adultos
americanos de 18 a 29 anos possuem um celular, muito acima dos
52% de quatro anos antes. Nessa mesma pesquisa demográfica,
50% possuíam um tablet, contra apenas 13% de quatro anos antes.
Concomitantemente, no mesmo grupo, a posse de computadores,
MP3 players, consoles de jogos e leitores de ebook diminuiu.17
Nossos telefones estão engolindo essas funções.
Talvez tenhamos nos adaptado tão rapidamente porque somos
uma geração talentosa, facilmente treinável e moldável. Ou talvez
nossa adaptação seja tão rápida porque, como sugere Jacques
Ellul, nossa tecnologia exerce uma espécie de terrorismo sobre
nós.18 Vivemos sob a ameaça de que, se falharmos em acolher as
novas tecnologias, seremos postos de lado, numa espécie de
obsolescência cultural, considerados sem competências-chave para
conseguir um emprego, desconectados de conversas culturais e
separados de nossos amigos.
Quaisquer que sejam nossos motivos, o fato é: estamos adotando
as novas tecnologias, estamos online e estamos cada vez mais
móveis. As capas dos celulares funcionam como carteiras porque
não ousaríamos sair de casa sem eles. Na verdade, 36% dos jovens
norte-americanos entre 18 e 29 anos admitem estar online
“praticamente o tempo todo”, um fenômeno possibilitado pelo
smartphone. O perfil mais provável do adulto que vive online é
aquele do jovem que ganha mais de US$75 mil ao ano, é graduado,
vive em um ambiente não rural e tem entre 18 e 29 anos, em
média.19 Nosso vício em internet no celular pode ser novo, mas veio
para ficar. Nunca estamos offline.
Então, meu celular é um inimigo hostil? É uma bugiganga
cultural? Ou é uma ferramenta legítima? Essas são algumas das
questões que vamos examinar nas páginas seguintes. Nossos
telefones concentraram uma tecnologia poderosa em um pequeno
dispositivo que podemos controlar com nossos polegares. Temos
total acesso a essa tecnologia e, por alguma espécie de mágica
digital e elétrica, estamos potencialmente conectados o tempo todo
com todos os outros telefones do planeta.
Todas essas realidades estão nos transformando; não há
controvérsia a esse respeito. Assim, as maiores questões persistem:
como nossos celulares estão nos transformando? Devemos estar
preocupados com isso?

1. Gênesis 2.10-14.
2. Apocalipse 21.18-21.
3. Essa inevitabilidade explica o que os historiadores chamam de fenômeno
das “descobertas múltiplas” ou “invenções simultâneas”. Veja Clive
Thompson, Smarter Than You Think: How Technology Is Changing Our Minds
for the Better (New York: Penguin, 2013), pp. 58-66.
4. Gênesis 3.1–24.
5. Gênesis 49.5; Juízes 1.19; 4.3.
6. 1Crônicas 15.16; 23.5.
7. 1Pedro 3.3-4; 1Timóteo 2.9; Apocalipse 17.4-5.
8. Gênesis 11.1-9.
9. Gênesis 11.5.
10. Atos 2.1-13.
11. Martin Hengle, Crucifixion (Mineapolis: Fortress Press, 1977).
12. Atos 3.15; 2.23.
13. Colossenses 2.15.
14. Martin M. Olmos, “God, the Hacker: Technology, Mockery, and the Cross”,
Second Nature, www.secondnaturejournal.com (29 jul. 2013).
15. Isaías 1.22-25; Jeremias 6.27-30; Salmos 119.119. Veja também Paula
McNutt, The Forging of Israel: Iron Technology, Symbolism and Tradition in
Ancient Society (Sheffield, England: Bloomsbury T&T Clark: 2009). Podemos
dizer que Deus cunhou novas metáforas sobre tecnologia para si mesmo até
o fechamento do cânon.
16. João 14.1-7; Atos 7.49-50; Hebreus 9.11-28.
17. Monica Anderson, “Technology Device Ownership: 2015”, Pew Research
Center, www.pew internet.org (29 out. 2015).
18. Jacques Ellul, The Technological Bluff (Grand Rapids, MI: Eerdmans,
1990), pp. 384-400.
19. Andrew Perrin, “One-Fifth of Americans Report Going online ‘Almost
Constantly’”, Pew Research Center, www.pewinternet.org (8 dez. 2015).
1 ESTAMOS VICIADOS EM DISTRAÇÃO

Costumamos verificar nossos celulares cerca de 81.500 vezes por


ano ou uma vez a cada 4,3 minutos enquanto estamos acordados;
isso significa que você será tentado a checar seu telefone três vezes
antes de terminar este capítulo.1
Não é difícil entender esse impulso. Nossas vidas estão
consolidadas em nossos telefones: nossas agendas, câmeras e
imagens, nosso trabalho, nossos treinos, nossa leitura, nossa
escrita, nossos cartões de crédito, nossos mapas, nossas notícias,
nosso clima, nosso email, nossas compras... Tudo isso pode ser
gerenciado por meio de aplicativos atualizados, instalados em
pequenos e poderosos dispositivos que levamos conosco a todos os
lugares. Até mesmo o aplicativo GPS do meu telefone, que hoje me
conduziu a uma nova cafeteria, tem trinta mil vezes a velocidade de
processamento do computador de bordo de navegação que guiou a
Apollo 11 à superfície lunar.
Não causa admiração que tenhamos o hábito de pegar nossos
telefones assim que acordamos, não só para desligar nossos
alarmes, mas também para verificar emails e mídias sociais, em um
estado semiconsciente de inércia do sono, antes mesmo de nossos
olhos grogues se abrirem totalmente. Se o universo em constante
expansão é o limite externo do horizonte da humanidade, nossos
telefones nos levam a uma viagem sem limites ao interior dessa
mesma humanidade, e nós reiniciamos essa jornada todas as
manhãs, bem cedo.
Não me causa estranheza esse instinto de estender o braço e
pegar o telefone, mas eu queria saber se outras pessoas
compartilhavam esse padrão. Desse modo, questionei oito mil
cristãos sobre suas rotinas em mídias sociais.2 E mais da metade
dos entrevistados (54%) admitiu checar seu celular nos primeiros
minutos ao acordar. Quando indagados se eles eram mais
propensos a verificar emails e mídias sociais antes ou depois de sua
disciplina espiritual em uma manhã típica, 73% responderam antes.
Essa realidade é especialmente preocupante porque a manhã é o
período no qual preparamos espiritualmente nossos corações para o
restante do dia. (Observaremos mais de perto esse hábito e outras
de minhas descobertas nos capítulos seguintes.)
Nossos telefones são viciantes e, como se fossemos viciados,
buscamos esse vício imediatamente pela manhã. E, sim, há um
aplicativo para isso.
FACEBOOK
O aplicativo ao qual mais recorremos para alimentar nosso vício é o
Facebook. Em 2013, 63% dos usuários do Facebook fizeram check-
in diariamente. Apenas um ano depois, esse número subiu para
70%. Se você fizer check-in no Facebook diariamente, vai se juntar
a mais de um bilhão de outras pessoas com a mesma compulsão
cotidiana. E, atualmente, o usuário médio gasta cinquenta minutos
diários na linha de produtos do Facebook (Facebook, Messenger e
Instagram), um número que continua a crescer por causa do design
estratégico que eles adotam.3
A ascensão do Facebook coincide com um pico na tecnologia
móvel e no aumento de usuários que estão adotando smartphones a
cada momento público de suas vidas. Agora, o Facebook viaja
conosco, e essa mobilidade está rapidamente nos viciando a todos.
Poucos de nós conseguem ter autocontrole a esse respeito. Ofir
Turel, psicólogo na California State University, em Fullerton, adverte
que viciados, ao contrário de toxicodependentes compulsivos, “têm
a habilidade de controlar seu comportamento, mas não contam com
a motivação necessária, pois não veem as consequências como
graves”.4
Mas as consequências são reais. À medida que as distrações
virtuais passam a se intrometer em nossas vidas em um ritmo sem
precedentes, cientistas e psicólogos comportamentais dão provas
estatísticas disso, estudo após estudo: quanto mais viciado em seu
telefone você se torna, mais estará propenso à depressão e à
ansiedade, e menos será capaz de se concentrar no trabalho e de
dormir à noite. Distrações digitais não são brincadeira. Por estarmos
tão interconectados, centenas de pessoas (amigos, familiares e
estranhos) podem nos interromper a qualquer instante. E, quando
estamos entediados, ao toque de um polegar, podemos percorrer
uma lista interminável de diversões e esquisitices online.
As consequências psicológicas e físicas de nossas distrações
virtuais são interessantes, mas este livro vai se concentrar nas
dimensões espirituais de nossos vícios em celulares —
consequências quase inteiramente ignoradas em muitos artigos e
livros cristãos. À medida que formos progredindo, vou apontando
algumas descobertas científicas. Entretanto, elas funcionarão
apenas como uma catraca para deslocarmos a discussão dos
efeitos biológicos de nossos hábitos diante das telas para a questão
mais importante: o puxa e empurra espiritual entre nossas ações
online e as consequências infinitas de nosso comportamento no
dispositivo. A eternidade, e não a psicologia, é minha maior
preocupação. Então, se o estudo de tendências online mostra um
tsunami de distrações virtuais devastando nossas vidas, precisamos
de sabedoria situacional para responder a três perguntas espirituais:
por que nos sentimos atraídos para essas distrações? O que é uma
distração? E o mais fundamental de tudo: o que é uma vida sem
distrações?
POR QUE AS DISTRAÇÕES NOS ATRAEM?
Vícios digitais insalubres encontram terreno fértil em nós porque não
conseguimos perceber suas consequências. Por isso, vamos
começar este estudo descobrindo as três razões pelas quais
sucumbimos às distrações com tanta facilidade.
Primeiro, usamos as distrações virtuais para fugir do trabalho. O
Facebook é um meio de escapar da pressão profissional.
Procrastinamos as coisas difíceis: prazos de trabalho, conversas
difíceis, pilhas de roupa para lavar e projetos e trabalhos escolares.
O estudante americano universitário médio desperdiça 20% do
tempo de aula mexendo em um dispositivo digital, fazendo coisas
não relacionadas à aula (essa estatística me parece inferior à
realidade).5 Quando a vida se torna mais exigente, queremos fazer
alguma outra coisa — qualquer coisa.
Em segundo lugar, usamos as distrações virtuais para manter as
pessoas afastadas. Deus nos chamou para amar o próximo; no
entanto, usamos nossos telefones para nos retirar da presença das
outras pessoas e também para que todos saibam que preferíamos
estar em outro lugar. Em uma reunião ou sala de aula, quando meu
telefone é posto de lado, é mais provável que eu seja visto como
alguém comprometido. Quando meu telefone não está em uso, mas
está virado para cima sobre a mesa, eu me apresento como
envolvido naquele momento, mas eventualmente distraído caso
alguém mais importante, de fora da sala, precise de mim. Caso meu
telefone esteja em minha mão, e eu esteja respondendo a textos e
olhando as mídias sociais, eu projeto abertamente desprezo, porque
“dividir a atenção é uma expressão típica de desdém”.6
Na era digital, somos especialmente vagarosos em “nos associar
aos humildes” que nos rodeiam.7 Em vez disso, retiramo-nos para
junto de nossos telefones, projetando nosso desprezo em relação a
situações complexas ou a pessoas chatas. Em ambos os casos,
quando pegamos nossos telefones, transmitimos certo senso de
superioridade em relação aos outros, muitas vezes até mesmo
inadvertidamente.
Em terceiro lugar, usamos as distrações virtuais para manter
afastados os pensamentos sobre a eternidade. Talvez, de forma
mais sutil, seja fácil cair nas armadilhas das distrações virtuais, pois
encontramos nos aplicativos mais novos e atraentes um meio de
fuga de nossa autopercepção mais verdadeira, mais crua e mais
honesta. Essa foi a visão de um cristão do século XVII, também
matemático e sábio criador de provérbios, Blaise Pascal. Ao
observar as almas distraídas de seu próprio tempo (não muito
diferentes destas de nosso tempo), ele percebeu que, se “tirarmos
sua distração, você as verá secar de cansaço”, porque são
conduzidas à sua própria infelicidade, “já que estão reduzidas a
pensar em si mesmas, sem nenhuma escapatória”.8 A percepção de
Pascal é um fato perene: o apetite humano por distração é grande
em todas as faixas etárias, porque as distrações nos proporcionam
uma fuga fácil do silêncio e da solidão, por meio dos quais nos
familiarizamos com nossa finitude, nossa mortalidade inevitável e a
distância de Deus em relação a todos os nossos desejos,
esperanças e prazeres.
Conduzir cada distração, de estado de guerra a turismo
internacional, é a promessa para escapar do tédio em casa, disse
Pascal em seus dias: “Descobri que toda a infelicidade dos homens
surge de um único fato: de que eles não podem permanecer em
silêncio em seus próprios aposentos”.9 Encarar o teto de nossos
quartos silenciosos, somente acompanhados dos pensamentos
sobre nós mesmos, sobre a realidade e Deus, é algo insuportável.
“É daí que provém o fato de o homem amar tanto o barulho e a
agitação; daí provém o fato de a prisão ser um castigo tão horrível;
daí provém o fato de o prazer na solidão ser incompreensível.”10
Estar sem uma constante disponibilidade de distração é uma
espécie de confinamento solitário, a espécie mais temida de
punição. Por essa razão, nos momentos em que nos damos conta
de que esquecemos nosso telefone, de que o perdemos ou de que
deixamos a bateria acabar, experimentamos o cativeiro de uma cela
de prisão — e isso pode ser assustador.
Embora tenhamos mil razões para ficar sóbrios e, assim, fazer
uma autorreflexão, procuramos divertimentos, como “jogar bilhar ou
lançar uma bola”,11 ou, no nosso caso, baixamos um novo jogo de
99 centavos. Nossos telefones sempre presentes oferecem
diversões intermináveis, desde downloads de dez segundos até
compras de um único toque. Nossos bipes, alertas e notificações
redirecionam a atenção de nossas maiores necessidades e
realidades para a diversão virtual.
O Pascal de nossa geração diria isso da seguinte forma: “Nós
fugimos como insetos conscientes ou coelhos assustados, adulando
nossas máquinas, nossas escravas, nossos mestres” — clicando,
deslizando, tocando, curtindo, compartilhando... qualquer coisa.
“Nós pensamos querer paz, silêncio, liberdade e lazer, mas, bem lá
no fundo, sabemos que isso seria insuportável para nós.” Na
verdade, “queremos tornar nossas vidas ainda mais complexas. Não
precisamos disso, mas queremos. Queremos estar atormentados,
incomodados e ocupados. Inconscientemente, queremos a mesma
coisa da qual reclamamos. Se tivéssemos lazer, olharíamos para
nós mesmos, ouviríamos nossos corações, veríamos o grande
buraco neles e ficaríamos aterrorizados, pois o buraco é tão grande
que nada além de Deus pode preenchê-lo”.12
A fim de anestesiar a dor desse vazio, voltamo-nos para os
“novos e poderosos antidepressivos de variedade não
farmacêutica”: nossos celulares.13 Mas, mesmo que procuremos
escapar disso nas mídias sociais, a morte nos persegue e assombra
essas distrações virtuais de novas maneiras. “Eu amo a diversão e a
frivolidade da maior parte do que acontece no Twitter. Os GIFs. As
piadas. As conversas agrupadas”, admite um escritor honesto. “A
realidade é que, contudo, lá no fundo, há uma parte de mim que
está com medo de que, se eu estiver fora do campo de visão,
também estarei fora da mente das pessoas — e, dessa forma,
talvez eu não seja mais importante. Em certo sentido, essa é uma
dimensão do medo iminente da morte que a maioria de nós da
sociedade americana contemporânea nunca quer enfrentar ou
nomear.”14 Não, nós, não. Todos nos encontramos
desconfortavelmente próximos de passar para o mistério da
eternidade, deixando este lugar, e de ser esquecidos no único lar
que algum dia conhecemos. Por isso, todos os dias nos lançamos,
vez após vez, no carrossel de nossas conversas virtuais e abafamos
a realidade.
A máxima filosófica “Penso, logo existo”15 foi substituída pelo
lema digital “Me conecto, logo existo”,16 levando ao seguinte desejo
de status: “Sou ‘curtido’, logo existo”.17 Só que nossas conexões
virtuais e as marcas de aprovação são meros pixels cintilantes que
não podem fundamentar o sentido de nossas vidas. Mas, ainda
assim, procuro satisfazer esse desejo cada vez que me aproximo do
balcão do Facebook, para estar onde cada amigo sabe meu nome,
onde minha presença pode ser afirmada e reafirmada em pontos
virtuais ao longo do dia. Quero alguma coisa para quebrar esse
silêncio, que me leva a sentir o peso de minha mortalidade.
Então, aqui está um exercício para ajudar a fundamentar nossa
autopercepção. Uma vez ao dia, vire seu telefone para baixo por um
instante, vire a palma de sua mão direita aberta com os dedos
apontados para o céu e imagine a linha temporal da história
alcançando um quilômetro à sua esquerda e uma eternidade à sua
direita. Seu tempo na Terra cruza aproximadamente a largura de
sua mão (mais ou menos).18 Nada põe a mídia social e os hábitos
no celular mais em perspectiva do que a dura realidade de nossa
mortalidade. Deixe-o de lado um pouco. Dê-se conta da brevidade
da vida, e isso fará com que você se sinta plenamente vivo.19
DEFININDO DISTRAÇÕES
Isso tudo é muito pesado, eu sei, mas, se formos honestos,
estaremos cientes de que precisamos de uma dose de avisos
proféticos de Pascal nos dias de hoje. “Vivemos em uma cultura
muito loquaz, barulhenta e distraída”, diz o filósofo Douglas
Groothuis, que vem acompanhando a influência do mundo digital
sobre os cristãos por mais de vinte anos, desde que escreveu The
Soulin Cyberspace (1997). “É difícil servir a Deus com nosso
coração, alma, força e mente quando eles estão desviados,
distraídos e funcionando em modo multitarefa o tempo todo”.20 O
historiador Bruce Hindmarsh acrescenta: “Hoje, nossa condição
espiritual é a de um viciado espiritual”.21
Se parece que Pascal levou a discussão longe demais, o fato é
que ele não a levou suficientemente longe. Suas advertências
quanto à distração das diversões intempestivas apenas imitam a
urgência das advertências bíblicas sobre as distrações. As
advertências bíblicas ampliam ainda mais as categorias até que a
“distração” cubra todos os detalhes prementes de nosso cotidiano,
de nossos relacionamentos e deveres aparentes, bem como o
cuidado com nosso dinheiro e nosso bens — qualquer coisa que
nos cause preocupação neste mundo e na vida. Uma distração pode
surgir de várias formas: uma nova diversão, uma preocupação
persistente ou uma aspiração vã. É algo que desvia nossa mente e
nosso coração do que é mais significativo; qualquer coisa “que
monopolize as preocupações do coração”.22 O coração funciona
melhor quando não é dominado por preocupações e demandas.
Em seis ocorrências, o Novo Testamento nos adverte para os
efeitos na alma dessas distrações desmedidas. Podemos resumir
essas distrações em três grandes categorias:
1. Distrações desmedidas que cegam a alma para Deus. Essas
são as distrações mais perigosas: preocupações mundanas,
ansiedade, perseguição de riqueza, preocupações egoístas com a
segurança pessoal que sufocam a alma por arrebatar as sementes
da verdade, sufocando o fruto do evangelho e tornando sua
esperança irrelevante. A vaidade do efêmero rouba nossas vidas do
que tem valor infinito.23
2. Distrações desmedidas que cessam a comunhão com Deus.
Essas distrações são exemplificadas por Marta, que estava tão
distraída em servir a mesa para os outros que deixou escapar a
importância das palavras de Cristo em sua própria vida.24 Podemos
nos tornar tão sem foco na vida que nos perdemos na implacável
roda das tarefas diárias e falhamos em ouvir a voz de Cristo.
Deixamos de orar e deixamos de percebê-lo escutando atentamente
e aproximando-se de nós. Sentimo-nos distantes de Deus porque
estamos distraídos. No entanto, ele nos busca; e busca nossa
atenção plena.25
3. Distrações desmedidas que silenciam a urgência de Deus. O
casamento é uma dádiva maravilhosa, mas também vem carregado
de rotinas e obrigações domésticas — e também de certas
distrações — que demandam muita atenção. Ao abraçarem as
bênçãos do casamento, os cônjuges também aceitam, de bom
grado, as distrações da vida conjugal e abandonam o que Paulo vê
como vida “sem distrações” — o dom do celibato.26
O casamento não é a prioridade máxima da vida, nem mesmo o é
o amor romântico ou sexual. O casamento é um dom precioso, e a
intimidade no casamento é uma bela expressão do projeto de Deus,
mas a Escritura nos chama para temporadas em que até mesmo a
prática sexual deve cessar para que os cônjuges recalibrem sua
vida de oração e redefinam sua prioridade maior de comunhão com
Deus.27
Tanto o casamento como o celibato são grandes presentes. O
casamento afirma a bondade da criação,28 projeta uma bela
metáfora do amor de Cristo por sua igreja29 e antecipa um
casamento cósmico no porvir.30 O celibato, por outro lado, direciona
nossa atenção para a bela vida de Cristo na Terra, apontando para a
magnificência de nosso momento futuro de glorificação pessoal.31
Prenunciando tal momento de metamorfose, Cristo retrata um
celibato tão profundo e suntuoso que se descobre uma urgência
transcendente e uma dignidade inquestionável em todo celibato
terreno. Cada qual à sua maneira, o casamento e o celibato são
dons divinos, validados por Cristo e celebrados por Paulo.
Em 1Coríntios 7 encontramos a teologia bíblica mais detalhada
sobre a distração e a busca da não distração. E quando
entendemos o que isso significa para o casamento, estamos bem
posicionados para aplicar essas mesmas categorias em nossa vida
virtual. As distrações verdadeiras incluem qualquer coisa (até
mesmo as coisas boas) que encubra nossos olhos espirituais da
brevidade do tempo e da urgência das expectativas elevadas,
enquanto aguardamos o abreviar de toda a história.
A data do retorno de Cristo é secreta, mas se aproxima tão
rapidamente que apela a todo cristão para que fique nas pontas dos
dedos de tanta expectativa.32 A morte e a ressurreição de Cristo
marcaram o início do fim, o desenrolar, o momento em que o
cronômetro do jogo de futebol passa dos noventa minutos e
continua insistindo por algum tempo de acréscimo desconhecido,
próximo de finalmente expirar. O relógio da linha redentora de Deus
já passou dos noventa minutos, e ainda está correndo. De agora em
diante, sempre que tentarmos definir distrações, especialmente nas
áreas mais complexas da vida, como, por exemplo, namoro, sexo e
casamento, devemos procurar fazê-lo por meio do vislumbre do
cronograma de Deus para esta criação, o qual é urgente e está
prestes a acabar.
Todas as distrações são aferidas pela realidade de que “o tempo
determinado está acabando”.33 Somos chamados à vigilância,34 pois
tudo na vida cristã é condicionado por esse senso de urgência
escatológica do retorno de Cristo.35 Para aqueles que têm olhos
para ver, o retorno de Cristo é tão iminente que, potencialmente,
desentulha nossas vidas de tudo que é superficial, tornando
irrelevantes todas as nossas vãs distrações. Dito de outra forma,
nossa batalha contra as distrações deste mundo — especialmente
aquelas desnecessárias, com nossos telefones — é uma guerra no
coração que somente podemos travar se nossas afeições estiverem
firmemente travadas na glória de Cristo. A resposta ao nosso mundo
hipercinético de distrações é o esplendor de Cristo, o sedativo que
tranquiliza a alma ao ser contemplado com a mente e apreciado
pela alma. A beleza de Cristo nos acalma e enraíza nossos anseios
mais profundos em esperanças eternas que são muito maiores do
que nossos celulares podem esperar entregar.36
A VIDA SEM DISTRAÇÕES?
Então, deveríamos retroceder as horas do relógio e voltar à
simplicidade da era pré-digital, “sem distrações”? Não! Pode ter
havido uma era pré-digital, mas nunca houve uma vida sem
distrações. Não importa se você tem um smartphone, ou um celular
mais básico ou nem tenha celular, você não pode escapar de uma
vida que divida sua atenção. No entanto, a Bíblia deixa bem claro
que essas distrações estão em um espectro. Nós enfrentamos
distrações santificadas e não santificadas. Nós enfrentamos
distrações que enchem nossa alma e que esvaziam nossa alma.
Nós enfrentamos interrupções necessárias e mundanas. Nós
enfrentamos distrações inevitáveis de casamentos piedosos e
distrações evitáveis da cultura de consumo. Desde o início deste
estudo, devemos abandonar a ideia de que uma vida sem distração
é possível — não é e nunca foi. A vida santa é piedosamente
complexa, o que significa que devemos aprender a forma de
gerenciar as distrações em cada situação.
Aqui vai uma advertência: como cristãos, se falharmos em
gerenciar as distrações da vida com sabedoria, perderemos nossa
urgência e — nas palavras sóbrias de uma mãe de crianças
pequenas que é viciada em celular — poderemos “esquecer a forma
de caminhar com o Senhor”.37 O gerenciamento da distração é uma
habilidade crítica para a saúde espiritual, e não menos crítica nesta
era digital. Mas se meramente exorcizarmos uma distração digital de
nossas vidas sem substituí-la por um hábito novo e mais saudável,
outras sete distrações virtuais ocuparão seu lugar.38 Ao longo do
tempo, podemos até perder nossos corações com o poder erosivo
da diversão não contida. Eventualmente, podemos ignorar Paulo, à
medida que vamos perdendo o senso de nossa posição no
cronograma de Deus.
PROPOSITALMENTE NÃO DISTRAÍDO
Ainda que nossas relações com nossos telefones não sejam uma
aliança para toda a vida (embora os contratos com nossas
operadoras façam parecer que sim), eu não seria o primeiro a
sugerir que ter um celular é similar a ter um namorado ou uma
namorada, alguém que exige muito e é faminto por atenção.39 O
celular é carregado de comandos, bipes e atrativos. Muitos desses
estímulos (talvez a maioria) não são pecaminosos, mas são
inescapáveis.
Quanto mais distraídos estamos digitalmente, mais
espiritualmente deslocados nos tornamos. Seguindo as palavras de
Paulo dirigidas aos casados, precisamos ter como objetivo limpar
nossas vidas de toda distração desnecessária e inútil. Uma vez
perguntaram online ao pastor Tim Keller: “Por que você acha que
jovens adultos cristãos lutam mais profundamente em ter Deus
como uma realidade pessoal em suas vidas?”, ao que ele
respondeu: “Barulho e distração. É mais fácil tuitar do que orar!”40
(respondido nada menos que no Twitter!). A facilidade e o
imediatismo do Twitter não são páreo para o trabalho paciente de
oração, e a negligência na oração faz com que sintamos Deus
distante em nossas vidas.
Assim como em todas as outras idades, Deus chama seus filhos
para que parem, estudem aquilo que desperta sua atenção neste
mundo, analisem as consequências e lutem por corações não
distraídos diante dele. Com essa finalidade, aqui vão dez perguntas
diagnósticas que podemos fazer a nós mesmos na era digital:

1. Meus hábitos no celular expõem um vício subjacente em


divertimentos fora de hora?
2. Meus hábitos no celular revelam o desejo compulsivo de ser
visto e de autoafirmação?
3. Meus hábitos no celular me distraem de uma comunicação
genuína com Deus?
4. Meus hábitos no celular oferecem uma fuga fácil a um
pensamento sóbrio acerca da minha morte, da volta de Cristo e
de outras realidades eternas?
5. Meus hábitos no celular me tornam mais preocupado com a
busca de sucesso neste mundo?
6. Meus hábitos no celular calam a liderança esporádica do
Espírito de Deus em minha vida?
7. Meus hábitos no celular me deixam preocupado com namoro e
romance?
8. Meus hábitos no celular ajudam na edificação de outros cristãos
e da minha igreja local?
9. Meus hábitos no celular centralizam o que é necessário para
mim e benéfico para os outros?
10. Meus hábitos no celular desviam meu empenho quanto a
necessidades das pessoas que Deus colocou bem na minha
frente?

Sejamos honestos: nossos vícios virtuais (se é que podemos


chamá-los assim) são bem-vindos. Aqui, o principal é mover-se do
estado de “estar distraído de propósito” para outro estado cada vez
menos distraído, com um propósito eterno. As perguntas martelam e
atingem cada área da vida: Deus, cônjuge, família, amigos, trabalho,
lazer e autoprojeção. Mas essa martelada pode conduzir-nos a
realizar mudanças saudáveis.
Nossos celulares amplificam as distrações mais desnecessárias à
medida que elas nos amortecem acerca das “distrações” mais
significativas e importantes: as necessidades de nossas famílias e
do nosso próximo. Meu telefone me condiciona a ser um observador
passivo. Meu telefone é capaz de me conectar a muitos amigos,
mas também me afasta da expectativa de engajamento na vida real.
Quando navego nas marés da mídia social, muitas vezes uso o
Facebook para me isolar das necessidades concretas de meus
amigos. O Facebook, então, torna-se um espaço seguro e
higienizado, no qual posso ver os altos e baixos das vidas alheias
como um espectador anônimo, sem nenhum impulso compulsivo de
responder e cuidar deles de maneira significativa. E, conforme faço
isso, torno-me cada vez mais cego para a carne e o sangue à minha
volta. Essa mudança é o próximo item da lista.

1. Jacob Weisberg, “We Are Hopelessly Hooked”, The New York Review of
Books (25 fev. 2016).
2. Essa foi uma pesquisa não científica feita online com os leitores de
desiringGod.org, através de canais de mídia social (abril de 2015). Voltaremos
a essas descobertas mais adiante neste livro.
3. James Stewart, “Facebook Has 50 Minutes of Your Time Each Day. It
Wants More”, The New York Times (5 maio 2016).
4. Rebecca Strong, “Brain Scans Show How Facebook and Cocaine
Addictions Are the Same”. BostInno, www.bostinno.streetwise.co (3 fev. 2015).
5. Leslie Reed, “Digital Distraction in Class Is on the Rise”, Nebraska Today,
www.news.unl.edu (15 jan. 2016).
6. Oliver O’Donovan, Ethics as Theology, v. 2, Finding and Seeking (Grand
Rapids, MI: Eerdmans, 2014), p. 4.
7. Romanos 12.16.
8. Blaise Pascal, Thoughts, Letters, and Minor Works. Ed. Charles W. Eliot.
Tradução de W. F. Trotter, M. L. Booth e O. W. Wight (New York: P. F. Collier &
Son, 1910), p. 63.
9. Ibid., p. 52.
10. Ibid., p. 53.
11. Ibid., p. 55.
12. Peter Kreeft, Christianity for Modern Pagans: Pascal’s Pensées Edited,
Outlined, and Explained (São Francisco: Ignatius, 1993), p. 168-69.
13. Andrew Sullivan, “I Used to Be a Human Being”, revista New York (18 set.
2016).
14. Derek Rishmawy, “Forget Me Not (Twitter and the Fear of Death)”,
Reformedish, www.derekzrishmawy.com (6 abr. 2016).
15. René Descartes, The Philosophical Works of Descarte. Tradução de E.S.
Haldane e G.R.T. Ross (New York: Cambridge University Press, 1970), p. 101.
16. Kevin Vanhoozer, entrevista com o autor por email (26 fev. 2016).
17. Donna Freitas, The Happiness Effect: How Social Media Is Driving a
Generation to Appear Perfect at Any Cost (New York: Oxford University Press,
2017), p. 33.
18. Salmos 39.4-5.
19. Salmos 90.12.
20. Douglas Groothuis, entrevista com o autor por telefone (3 jul. 2014).
21. Bruce Hindmarsh, entrevista com o autor por telefone (12 mar. 2015).
22. Horst Robert Balz e Gerhard Schneider, Exegetical Dictionary of the New
Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1990), v. 2, p. 409.
23. Mateus 13.22; Marcos 4.19; Lucas 8.14.
24. Lucas 10.38-42
25. Lucas 21.34-36.
26. 1Coríntios 7.32-35.
27. 1Coríntios 7.1-5.
28. Mateus 19.4-6; 1Timóteo 4.1-5.
29. Efésios 5.22-33.
30. Apocalipse 19.6-10.
31. Marcos 12.25; 1Coríntios 7.29. Nas perguntas complexas sobre
casamento, divórcio e celibato em 1Coríntios 7, as respostas precisam ser
“elaboradas no contexto das prioridades do evangelho e da visão
transformada provocada pelo alvorecer da era escatológica e pela
antecipação do fim”. D. A. Carson, sermão, “The Gospel of Jesus Christ; 1Co
15.1-19”, The Gospel Coalition. Disponível em thegospelcoalition.org (23 maio
2007).
32. Mateus 24.36-25.13; 1Tessalonicenses 5.1-11.
33. 1Coríntios 7.29.
34. Mateus 24.42; 1Coríntios 16.13; Colossenses 4.2.
35. Romanos 13.11-14.
36. Veja John Owen, Meditations and Discourses on the Glory of Christ, em
The Works of John Owen, ed. William H. Goold (Edinburgh: Banner of Truth
Trust, 1965), v. 1, pp. 277-279, 402-403. Nesta vida, em que frequentemente
lutamos contra o amor-próprio, o mundanismo, os cuidados e os medos sem-
fim, e também lutamos contra “uma avaliação excessiva das relações” —
pense aqui nas mídias sociais —, em contraste, nossas almas devem ser
alimentadas com “meditações tranquilas em Cristo e sua glória” (v. 1, p. 403).
37. Tracy Fruehauf, “Airing My Dirty Laundry”, One Frue Over the Cuckoo’s
Nest. Disponível em onefrueoverthecuckoosnest.com (18 ago. 2015).
38. Mateus 12.43-45; Lucas 11.24-26.
39. Trip Lee, entrevista com o autor via Skype, explicando sua faixa “iLove”
(25 mar. 2015). A mesma metáfora aparece em Freitas, The Happiness Effect,
p. 224.
40. Tim Keller (@timkellernyc), Twitter, twitter.com (21 dez. 2013).
2 IGNORAMOS NOSSA CARNE E NOSSO SANGUE

Sabemos que não devemos negligenciar os outros, mas


costumamos ignorar nossa consciência e fazemos isso de qualquer
forma. Essa negligência assume a forma mais perigosa no
fenômeno da direção distraída.
O ato de enviar mensagens enquanto se dirige é um hábito tão
comum que as estatísticas quase o canonizaram. Falar ao telefone
enquanto estiver dirigindo um veículo torna você quatro vezes mais
propenso a se envolver em um acidente de trânsito, mas enviar
mensagens de texto durante a condução torna sua chance de se
envolver em um acidente vinte e três vezes mais provável.
Considerando que um motorista não olha para o percurso durante
o tempo médio que leva para enviar uma mensagem de texto (4,6
segundos), caso esteja a 90 km/h, ele percorre o equivalente ao
tamanho de um campo de futebol sem visualizar o trajeto. Mandar
mensagens e dirigir é algo tão absurdo que 46 dos cinquenta
estados americanos já proibiram essa prática.1
Mas citar esses fatos frequentemente não traz um fim a essa
distração totalmente imprudente. Não faz nem cócegas. Da mesma
forma, as leis contra o envio de mensagens de texto na condução
de veículo têm tido pouco impacto. Um estudo da Universidade de
Michigan concluiu que as leis que proíbem mandar mensagens na
condução de veículo podem, na verdade, estar causando um
aumento nos acidentes mais graves causados por escrever e dirigir
ao mesmo tempo.2
POR QUE AS LEIS NÃO FUNCIONAM
Por que não as leis funcionam? E por que os acidentes mais fatais
decorrentes de enviar mensagens e dirigir ao mesmo tempo estão
aumentando?
O jornalista Matt Richtel escreveu A Deadly Wandering [Uma
distração mortal] para responder a essas perguntas depois de
investigar um acidente de 2006 causado por um estudante
universitário que estava teclando enquanto dirigia, momento em que
seu carro se desviou da rota e colidiu com outro veículo, matando
duas pessoas.3 Ele reconta o trágico acidente, acompanha o
julgamento e levanta perguntas relevantes sobre nossas obrigações
legais de manter a concentração em um mundo digital.
No final, Richtel despeja certa dose de culpa pela direção
distraída nos profissionais de marketing das telecomunicações.
Somos alimentados com mensagens contraditórias, diz ele. Por
exemplo, em 2013, a gigante das telecomunicações AT&T lançou o
comercial Dizzy, um vídeo de trinta segundos contando com a
participação de quatro crianças pequenas sentadas à mesa e
respondendo à mesma pergunta feita pelo moderador. “O que é
melhor?”, pergunta ele. “Fazer duas coisas ao mesmo tempo ou
apenas uma coisa de cada vez?” Claro, as crianças deram a
resposta óbvia: “Duas”. Dizem-nos que não é uma questão
complicada. Até mesmo as crianças sabem que é melhor fazer duas
coisas ao mesmo tempo.
Simultaneamente, a AT&T também estava financiando um filme
do famoso documentarista Werner Herzog acerca de “não mandar
mensagens enquanto dirige”, intitulado “De um segundo a outro”,
como parte da impressionante campanha e do website da AT&T
“Isso pode esperar”. Quase oito milhões de motoristas acederam ao
juramento online de “manter seus olhos na estrada, e não no
telefone”.4
Portanto, temos de perguntar: a realização de duas coisas ao
mesmo tempo deve ser mesmo uma resposta padrão impensada, à
qual toda criança pode chegar? Não, isso não é tão simples assim.
Mas eu acho que há uma explicação ainda mais simples para a
razão pela qual as leis não funcionam. Qualquer professor do ensino
médio pode dizer quanto somos seres criativos quando se trata de
converter o uso de nossos telefones. Leis que proíbem o envio de
mensagens de texto são praticamente inexequíveis, mas os estados
que reprimem mais fortemente só conseguem tornar essa prática
mais clandestina. Em um carro, você pode enviar textos com um
polegar ao se manter fora do campo de visão alheio, abaixo do nível
da janela. Quanto mais pesadamente a polícia reprime o envio de
mensagens de texto, mais abaixo do campo de visão os celulares
são posicionados, e, quando isso acontece, mais para baixo os
motoristas olham, tornando o tempo que eles levam para ler e
mandar textos um pouco maior — e, assim, mais tempo leva para
que eles reorientem sua atenção à direção. Assim, quanto maior for
a tentativa de conter o ato simultâneo de “escrever e dirigir”, mais
escondido (e perigoso) será o ato de enviar mensagens e mais
acidentes sérios resultarão disso.
Se as leis, a fiscalização da polícia e as multas não podem conter
o envio de mensagens enquanto se dirige, a solução deve ser
sangrenta — e é. Gráficos e campanhas mostram quão rápido um
motorista distraído teclando mensagens pode trazer uma
devastação indescritível à vida de outras pessoas que trafegam.
Anúncios de serviços públicos reencenam colisões em câmera
lenta, com vidros se quebrando, metais amassando e corpos
humanos sendo lançados para fora dos veículos. Esses anúncios
abordam a causa real de as pessoas teclarem enquanto dirigem —
a falta de consciência de que somos feitos de carne e sangue, a
realidade que nos apressamos em ignorar todos os dias.
A PERSPECTIVA CRISTÃ
Dirigir um veículo em meio ao tráfego sempre é algo perigoso.
Estamos no comando de um bloco de aço e vidro de mil e
quatrocentos quilos (ou uma SUV de dois mil quilos) em alta
velocidade, separados dos outros carros muitas vezes por uma
simples faixa pintada na estrada. Erros de uma fração de segundo
rapidamente se tornam tragédias irreversíveis e arrependimentos
que assombram uma vida toda. Os instrumentos que usamos em
nossas vidas põem outras pessoas no caminho do dano, e um
pequeno deslize pode mudar vidas para sempre.5 O ato de teclar
enquanto dirigimos e o fato de viver o resto de nossas vidas com o
sangue de inocentes em nossas mãos estão muito mais facilmente
relacionados do que desejamos admitir.
O que as leis não conseguem conter, a Escritura aborda como
questões do coração. Jesus resumia a vida cristã a duas questões
básicas: “Como amar a Deus?” e “Como amar meu próximo?”.6
Quando Jesus foi convidado a definir quem era esse “próximo”,
apontou para uma estrada.7 Na era digital (assim como acontecia na
era pré-digital), as pessoas e as preocupações distantes podem
tomar nossa atenção de forma indevida, cegando-nos às
necessidades imediatas no entorno. Se, enquanto dirigimos, nossos
telefones apitam, nossos cérebros recebem uma dose de dopamina;
com frequência, nossas decisões relacionadas ao som do telefone
expressam nossa própria negligência com o próximo. Assumimos
que podemos ignorar as pessoas que vemos para cuidar de
pessoas que não estamos vendo, mas essa visão é totalmente
distorcida.8
Pecamos com nossos telefones quando ignoramos os próximos
que estão na rua, os estranhos que compartilham conosco a mesma
faixa na rodovia.
RAIVA VIRAL
Alguém teclar ao mesmo tempo que dirige um veículo é um bom
exemplo do ponto principal deste capítulo. Somos rápidos em
acreditar na mentira de que podemos viver simultaneamente uma
existência dividida, mantendo-nos envolvidos com nossos telefones
enquanto negligenciamos as pessoas à nossa volta.
O segundo exemplo desse rompimento é nosso conflito online.
Nossos corpos nos distinguem uns dos outros e marcam nossa
existência no mundo. No mundo digital, perdemos esse ponto-chave
de referência.9 Perdemos de vista uns aos outros e, quando isso
acontece, a raiva nos invade mais rapidamente.
Somos mais propensos a fervilhar de raiva quando estamos tela a
tela do que quando estamos face a face, e os pesquisadores
chamam esse fenômeno de “raiva anônima”. O vapor da raiva
encontra rápida liberação em palavras digitadas em nossos
telefones. É bem conveniente despejar nossa raiva em público
agora. Além disso, há três outros culpados: “Anonimato relativo,
falta de autoridade, falta de consequência e introjeção solipsista — a
teoria de que, inconscientemente, falar com um computador pode
parecer mais com estar falando consigo mesmo do que com
pessoas reais”. Em outras palavras, “é muito difícil relacionar
palavras em uma tela com a realidade de que há um ser humano
vivo que respira do outro lado da conexão”.10 A raiva online é uma
consequência da divisão em nossas vidas: nossa atenção é dividida,
nossas mentes estão divididas, nossas personas virtuais são
separadas de nossa condição de carne e sangue.
Essas divisões conduzem a equívocos e estopins online que
seriam facilmente evitáveis. Nossos dedos que digitam não sentem
empatia na ausência de rostos vivos diante de nós. É mais fácil
caluniar um avatar online que um irmão na vida real.
Mas a raiva online não é apenas generalizada; também é
contagiosa. Já estou imerso no mundo da mídia social há tempo
suficiente para saber que o fator mais determinante, aquele que
define se algo que eu publico vai se tornar tendência, tornando-se
viral e alcançando novos leitores, é meu sucesso em acender um
debate acalorado. Alguns estudos apontam isso em um nível mais
pessoal, mostrando que é provável que um comentário alegre
abençoe um seguidor, porém não irá muito mais longe que isso,
enquanto um comentário furioso é muito mais passível de se
espalhar para além de seus seguidores e enfurecer muitas outras
pessoas. “A raiva é uma emoção que acende os ânimos, e isso leva
as pessoas a agir”, disse um pesquisador dessa tendência. “Faz
você se sentir inflamado, o que o torna mais propenso a passar as
coisas adiante.”11
A raiva se espalha.
A ALEGRIA DA COMUNHÃO
Se a raiva é a emoção viral da desencarnação online, então a
alegria é a emoção cristã da comunhão encarnada, e dois apóstolos
provam isso: João e Paulo. João encerrou uma de suas antigas
cartas manuscritas com uma frase de relevância duradoura para
aqueles dentre nós que agora escrevem com os polegares: “Tenho
muito que escrever a vocês, mas não é meu propósito fazê-lo com
papel e tinta [tecnologia moderna para João]. Em vez disso, espero
visitá-los e falar com vocês face a face, para que a nossa alegria
seja completa” (2João 1.12, NVI). João usou a tecnologia para se
comunicar, mas sabia que sua carta era apenas parte da
comunicação. Foi uma maneira de expressar a antecipação; a
comunhão face a face teria de acontecer. Paulo usa o mesmo
argumento em duas de suas cartas.12
Então, por que dois apóstolos nos contam que sua alegria está
associada à comunhão presencial encarnada? “Eu acho que tem a
ver com envolver a personalidade”, responde-me Douglas
Groothuis, professor de filosofia no Denver Seminary. “Nossa
personalidade fica aparente até certo ponto em uma mensagem de
email ou um tuíte. Mas nós somos seres holísticos: temos
sentimentos, pensamentos, imaginação e corpos.” Quando
removemos parte de nossa personalidade encarnada, é mais fácil
haver mal-entendidos. Quando trocamos nossos braços físicos que
podem ser cruzados, olhares que hesitam, ouvidos que detectam
sarcasmo e tons de voz que reconhecem a paciência por um avatar
bidimensional, abrimos a porta a desentendimentos e tensão.
“Assim, acho que a ‘plenitude da alegria’ vem da interação de uma
personalidade com outras em termos de voz, toque, aparência e
tempo de resposta. Às vezes, é um tempo só para ficar quieto na
presença de alguém, ou chorar com as pessoas ou rir com elas.”13
Além disso, o contato visual é uma das formas mais poderosas de
se criar vínculo pessoal, construindo confiança entre as pessoas em
um fenômeno complexo, por meio do qual as pessoas podem
sincronizar suas mentes e conquistar a compreensão mútua,
aprender e afiar-se de maneiras impossíveis através de dispositivos
virtuais.
Certamente, há muitas outras razões para se desejar ter
encontros face a face, porém essas passagens dos apóstolos nos
lembram um ponto importante acerca de toda essa tecnologia de
comunicação digital. Toda escrita que seja remota — como, por
exemplo, a antiga carta, a mensagem de texto da atualidade ou este
livro — é mais uma comunicação de fantasma a fantasma do que
uma interação interpessoal. Sim, há algo de nós nas palavras
escritas, mas nem tudo da verdadeira comunhão pode ser digitado
em telas do telefone e enviado à velocidade da luz, através de
cabos de fibra ótica. Essa é a realidade da comunicação. A alegria é
uma emoção preciosa de nossa existência integrada. A alegria
reúne atenção, mentes, corpo e carne em uma comunhão face a
face — amor olho no olho. O desafio do cristão é amar não apenas
em tuítes e textos, mas também — e ainda mais — em obras e
presença corpórea.14
COMPOSIÇÃO ENCARNADA
Na era do smartphone, em que nossas ações cognitivas são
separadas de nossa presença física, tendemos a supervalorizar as
interações desencarnadas com relativa facilidade no mundo online e
a subestimar a natureza encarnada da fé cristã.
Desde o início da narrativa de Deus tornando-se carne, o Novo
Testamento carrega a ideia da encarnação. Prossiga em sua leitura
e você verá que a Escritura descreve a natureza do povo de Deus:
somos membros individuais da igreja e nossa unidade em meio à
diversidade encontra expressão em metáforas da natureza
multissensorial e multifuncional do corpo humano.15 Prossiga em
sua leitura e você verá que Paulo encoraja os beijos santos
(esquisito!).16 Ele também nos adverte para não negligenciarmos
nossas reuniões17 e focarmos em duas celebrações comuns na
igreja: o batismo e a Ceia do Senhor. Ambos os sacramentos são
essenciais para nossas reuniões e contêm várias camadas de
composição encarnada. Não podemos ser batizados nem participar
da Ceia do Senhor em nossos telefones.
É um ato de obediência para um seguidor de Cristo ser imerso em
água. Isso aconteceu comigo, em uma banheira quente improvisada
num púlpito, em pleno inverno, quando minha morte para o pecado
e a vida nova em Cristo foram reencenadas. Em um nível, tratava-se
de algo puramente metafórico: assim que fui deitado sob a água,
minha união com a morte física de Cristo foi simbolizada. Quando
vim à tona, minha ressurreição espiritual por causa da ressurreição
física de Cristo foi retratada. O significado espiritual do meu batismo
nas águas não seria possível sem a morte e a ressurreição física de
Cristo. Mas ficar encharcado no meu batismo não simboliza apenas
uma realidade espiritual presente ou passada em mim. Estou certo
de que quando minha morte física chegar e meu corpo voltar ao
solo, ele será plantado como uma semente, esperando para
florescer eternamente na ressurreição física. O ato metafórico de
meu batismo simbolizou algo que só se torna possível por meio da
realidade física de Cristo, e minha união espiritual com ele garante
meu futuro físico.18
A Ceia do Senhor é outra prática da igreja reunida, organizada em
unidade física, e não entregue a grupos específicos. Nessa unidade,
imitamos Cristo. Na noite em que foi preso, Jesus partiu o pão e
serviu o cálice, e disse que era seu corpo partido e seu sangue
derramado pelos pecadores. Todas as vezes que reencenamos o
exemplo de Jesus, lembramo-nos de Cristo (agora invisível) e
proclamamos sua morte até que ele retorne (o que é visível) —
afirmando que ele é tão real quanto o cálice e o pão em nossas
mãos. E se algum de nós aproximar-se da mesa do Senhor de
forma egoísta ou indigna, enfrentará o risco de adoecer ou até
mesmo de morrer fisicamente como consequência!19
Carregamos em nossos corpos a morte de Jesus para que
possamos dar nossa vida por nossos irmãos e irmãs em Cristo.20
Cada realidade espiritual invisível na vida cristã — e também cada
prática física da igreja — está enraizada na realidade física de
nosso Salvador — de que ele era e é Deus encarnado. Ele viveu,
andou, ministrou, foi crucificado, morreu, foi sepultado, ressuscitou
para uma nova vida, está assentado no céu e retornará em breve.
Se essas realidades físicas são mera ficção, então nossa esperança
e nossa fé — da cabeça ao dedo do pé — são completamente
fúteis.
O mantra dos dias modernos que escutamos com frequência —
“seguirei Cristo, mas não me aborreça com religião organizada” — é
um sintoma dos pressupostos desencarnados da era digital. Na
realidade, a vida cristã não poderia ser mais encarnada. Ignorar
todos esses fatos, priorizando nossa existência desencarnada
online, nada mais é que ser “conivente com a desumanização”.21
PIXELS DE BARRO
As implicações de nossas vidas nesses corpos serão
reconsideradas no final do livro. Por ora, isso é suficiente para
voltarmos ao ponto no qual começamos: a epidemia de teclar e
dirigir ao mesmo tempo (entre outras epidemias) é uma tentativa de
escapar dos limites de nossa natureza, feita de carne e sangue.
Tentamos romper as fronteiras do tempo e do espaço, e acabamos
ignorando a carne e o sangue que nos rodeiam.
Na realidade, somos finitos. Assumimos que podemos dirigir
carros e ler e teclar em nossos telefones, tudo ao mesmo tempo,
mas somos mais fracos do que nossas próprias suposições. Existir
é estar murado por limitações físicas — limites e limiares físicos que
delimitam o que conseguimos perceber ou realizar. Quando olhamos
nossas vidas sempre através do vidro, esquecemos que somos
feitos de carne e osso.
Na verdade, somos carne e sangue finitos vivendo entre carne e
sangue finitos. E, se os estudos estiverem corretos, um grande
número de celulares apresenta vestígios de matéria fecal. Leio as
notícias e acho graça dos comentários nojentos. Somos criaturas
feitas de barro, segurando pedaços de vidro brilhantes e tentando
preservar sua limpeza cintilante com capinhas modernas e panos de
microfibra. É impossível fazer isso! Não somos a tecnologia. Não
somos lisos, limpos e indestrutíveis como o cristal feito pelo homem.
Não. Arranhamo-nos facilmente. Nascemos quebrados. Somos pó e
água, elementos químicos e germes, e em todos os lugares pelos
quais passamos, deixamos manchas oleosas em tudo o que
tocamos. É praticamente impossível perder a paródia justaposta
entre os empoeirados nós mesmos e os pixels brilhantes. Nós
sujamos a tecnologia porque não somos máquinas. Somos criaturas
feitas à imagem do Criador supremo, e somos feitos para
compartilhar juntos da alegria encarnada, em seu nome.
1. No Brasil é caracterizado como infração gravíssima o condutor segurar ou
manusear o celular enquanto dirige o veículo, conforme previsto no Art. 252,
parágrafo único, do Código de Trânsito Brasileiro – CTB (Lei 9.503/1997). (N.
do E.)
2. Johnathon P. Ehsani, C. Raymond Bingham, Edward Ionides e David
Childers, “The Impact of Michigan’s Text Messaging Restriction on Motor
Vehicle Crashes”, Journal of Adolescent Health (3 jan. 2014).
3. Matt Richtel, A Deadly Wandering: A Mystery, a Landmark Investigation,
and the Astonishing Science of Attention in the Digital Age (New York: William
Morrow, 2015).
4. Veja itcanwait.com
5. Deuteronômio 19.4-10.
6. Veja Mateus 22.37-40.
7. Lucas 10.29-37.
8. 1João 4.20.
9. Alastair Roberts, “Twitter Is Like Elizabeth Bennet’s Meryton”, Mere
Orthodoxy. Disponível em mereorthodoxy.com (18 ago. 2015).
10. Nick English, “Anger Is the Internet’s Most Powerful Emotion”, Greatist.
Disponível em greatist.com (18 set. 2013).
11. Matthew Shaer, “What Emotion Goes Viral the Fastest?”, Smithsonian
(abr. 2014).
12. Romanos 15.32; 2Timóteo 1.4. Isso está enraizado na esperança
escatológica de 1Tessalonicenses 2.19-20.
13. Douglas Groothuis, entrevista com o autor por telefone (3 jul. 2014).
14. 1João 3.18.
15. 1Coríntios 12.12-31.
16. Romanos 16.16; 1Coríntios 16.20; 2Coríntios 13.12; 1Tessalonicenses
5.26; 1Pedro 5.14.
17. Hebreus 10.24-25.
18. Romanos 6.1-11.
19. 1Coríntios 11.17-34.
20. 2Coríntios 4.10-11; 1João 3.16.
21. 1Coríntios 15.14.
3 DESEJAMOS TER APROVAÇÃO IMEDIATA

Na era digital, podemos ignorar os corpos, mas também podemos


abusar deles.
Conheça Essena O’Neill, uma modelo australiana de 19 anos que
acumulou quinhentos mil seguidores no Instagram. Em 2015, às
vésperas de fazer uma carreira de contratos publicitários online, ela
abandonou tudo, apagou a maior parte de suas fotos e revisou as
descrições das fotos remanescentes para revelar os verdadeiros
motivos por trás daquelas imagens (principalmente as que
patrocinavam produtos). Por que essa mudança drástica?1 Essena
percebeu que sua vida online era vazia, falsa e autocentrada.
“Hipersexualização, fotos de refeições perfeitas, vlogs de viagens
perfeitas — essa foi a receita que eu segui para ficar famosa”,
admitiu.2 Mas era tudo parte de uma espiral descendente da qual
ela se arrependeu de fazer parte. “Todo mundo vive de maneira
diferente, e eu cresci com a comparação das mídias sociais, que
são de fácil acesso. Isso me consumiu. Passei dos 12 aos 16 anos
desejando ser outra pessoa. Depois, passei dos 16 aos 19 anos
constantemente me moldando, editando e autopromovendo as
‘melhores partes de minha vida’ — as quais se transformaram em
uma carreira enorme, baseada em números e em como eu estava
esteticamente”.3
Recentemente, Essena disse: “Simplesmente não quero mais
comparar minha vida com partes destacadas e editadas da vida de
outra pessoa. Quero redirecionar todas essas horas que passei
olhando alguma tela para meus objetivos da vida real, as relações
pessoais e as aspirações. Estou cansada dessa cultura e dessa
obsessão com celebridades. É tudo uma bobagem e, em sua maior
parte, algo solitário e falso”.4
Mais tragicamente, Essena admitiu que oferecera seu corpo de
maneira estúpida à admiração pública, postando selfies, a fim de
que dissessem que ela era bonita e atraente. “Ao nascer neste
mundo dominado pelas telas, somos ensinados a nos moldar de
modo a obter validação social máxima [curtidas, visualizações e
seguidores em toda a mídia]”, disse ela. “Eu simplesmente me retirei
do estúdio de esculturas. Não quero que os outros olhem para mim
pela forma como eu deveria viver, falar e criar”.5
No final, ela declarou: “Eu era um paradoxo vivo de constante
amor-próprio condicional e ódio a mim mesma. Basicamente, minha
autoestima dependia de aprovação social”. Ela assumiu que
conseguia satisfazer seu coração, tornando-se “famosa no
Facebook” ou “famosa no Instagram”, mas, à medida que sua fama
crescia, ela sentia que sua vida era cada vez mais superficial e
artificial. A popularidade fez com que ela se sentisse — em suas
palavras — presa em um ciclo que se tornou mais vazio, solitário,
cheio de ódio, inveja e desprovido de segurança.6 E nada aprisiona
mais as pessoas nos padrões nada saudáveis de mídia social do
que a insegurança pessoal.7
Ela não é a única. Conheça “Jasmine”, uma mulher de vinte e
poucos anos que aspira à fama no Instagram e abriu o jogo, mas
somente sob um pseudônimo, porque ainda participa desse jogo e
tem vergonha de admitir publicamente. A identidade que projetava
era cara, e ela se viu afundando em dívidas no cartão de crédito.
“Eu compro um monte de coisas para manter minha imagem”, disse
ela. “Eu pago para comer fora, compro novos biquínis (nunca tirei
foto com o mesmo duas vezes), lindos vestidos estampados
praticamente uma vez por semana, flores religiosamente uma vez
por semana etc. Gasto dinheiro para fazer minha vida parecer de
determinada maneira e fico animada por conseguir, mas meus
cartões de créditos não compartilham meu entusiasmo”. Sua dívida
no cartão de crédito de US$3.400 estava se avolumando. Ela não
podia pagar, mas não conseguia conter a compulsão de comprar.
“Enquanto escrevo isto, estou comendo o sushi que comprei no
caminho para casa; eu o fotografei cinquenta vezes, postei e
consegui 231 curtidas até agora. Estou pensando em contar isso
aos meus pais quando voltar para casa, no próximo fim de semana,
para que eles gritem comigo e me forcem a parar, porque eu sei que
eles, definitivamente, vão surtar. Eu sei exatamente quão estúpido é
o que estou fazendo, mas acho que preciso que alguém me diga
isso.”8
Essena e Jasmine são exemplos extremos das tentações que
todos nós enfrentamos diariamente em nossos celulares. Embora
possamos não ter meio milhão de seguidores ou uma montanha de
dívidas no cartão, podemos ficar igualmente obcecados com a
gestão de nossa imagem, e facilmente escorregar em
comportamentos que dificilmente notaremos antes de chegar ao
fundo do poço.
HERÓI VERSUS CELEBRIDADE
Essena, Jasmine e outras celebridades do Instagram ou do
YouTube são um ícone moderno do que o historiador Daniel
Boorstin nos avisou há cerca de 56 anos. Ele previu que, após a
chegada da “Revolução Gráfica”, que aumentou exponencialmente
a capacidade de produzir em massa e editar imagens de pessoas
em filmes e impressos (e agora online), nossos heróis seriam
substituídos por celebridades.9 Ele estava certo.
Os heróis são homens e mulheres de caráter, conhecidos por
seus atos de bravura e muito respeitados depois de suas mortes. É
o tempo — e não as imagens — que produz heróis. O heroísmo tem
estado especialmente invisível no presente, e nossos heróis, pelo
menos no caso de nossos presidentes, aparecem quase sem vida
na nossas moedas, intencionalmente banhadas de glamour. Toda
cultura tem seus heróis, porque queremos acreditar que a
humanidade é potencialmente grandiosa. Por isso, imortalizamos
nossos heróis cunhando-os em nossas notas, moedas e selos.
Mas perdemos nossa paciência na espera por novos heróis assim
que houve a Revolução Gráfica, razão pela qual cunhamos novos
ícones. O predomínio das imagens na mídia (e agora a
superabundância de imagens digitais) possibilitou que as ondas de
celebridades fossem criadas, rejeitadas e substituídas. Voltamo-nos
para celebridades que foram “fabricadas com o propósito de
satisfazer as nossas expectativas exageradas da grandeza
humana”. Ao contrário do herói, a celebridade é interessante
simplesmente por seu charme aparente, por seu espetáculo de
glamour, escreve Boorstin. Na verdade, “qualquer um pode tornar-se
uma celebridade, desde que vire notícia e continue sendo”. É tudo
uma questão de tempo, e esse é o maior contraste entre eles. “A
passagem do tempo que cria e estabelece o herói é a mesma que
destrói a celebridade. Um é feito e o outro é desfeito, por
repetição.”10
FÁBRICA DE IMAGENS DE WARHOL
Talvez nenhum outro artista tenha explorado mais esse fenômeno
orientado por imagens do que Andy Warhol (1928–1987), que
dedicou a vida a replicar imagens poderosas na arte pop. Ele era
um produto da Revolução Gráfica e um de seus mestres. Muito
antes de o celular tornar-se tecnologicamente conveniente (ou
socialmente normal), ele carregava gravadores de som e câmeras
Polaroid em público como uma espécie de amortecedor entre si
mesmo e o mundo. Quando ele virou a Polaroid para si próprio,
essencialmente inventou a selfie.
“Se for feita uma animação atual da obra de Warhol, veremos que
não se trata de desejo sexual, ou de Eros, como geralmente o
entendemos, mas sim do desejo de atenção: a força motriz da idade
moderna”, escreve Olivia Laing. “O que Warhol estava olhando e
reproduzindo em pinturas, esculturas, filmes e fotografias era
simplesmente o que todo mundo estava olhando: celebridades, latas
de sopa, fotografias de desastres, de pessoas esmagadas debaixo
de carros e arremessadas em árvores.”
Ao reproduzir imagens que captam os olhos, ele estava
explorando a atenção humana, e isso o conduziu ao meio definitivo
de reprodução de imagem do seu tempo: a televisão. Warhol
acreditava que, se pudesse entrar na televisão e replicar-se, em
cada sala, em imagens bonitas, iria se sentir aceito. “É o sonho de
replicação”, diz Laing com uma visão pungente, “de atenção infinita,
de estima infinita”.11 Mas é uma mentira da cultura de celebridades:
imagens replicadas de si mesmos nunca vão entregar a intimidade
que prometem.12
A replicação da imagem de Warhol foi um prenúncio do instante
em que todos nós poderíamos duplicar facilmente imagens de nós
mesmos de forma digital, através de selfies em nossos telefones e
de avatares que reaparecem sempre que conversamos online,
tornando possível que cada um de nós capte a atenção e prove da
fama, mesmo que em um piscar de olhos.
No entanto, escreve Laing, todas essas tentativas de repetição e
fama realmente tornam-se “substitutas e viciantes supressoras da
intimidade”.13 O mundo digital disponibiliza, por meio de nossos
telefones, ferramentas de autorreplicação e dá a esperança de que
podemos merecer atenção e estima infindáveis de outras pessoas,
alcançando, dessa forma, uma espécie de fama online. Mas a
atenção online se revela um substituto insuficiente de intimidade
real, e o vício por uma imagem construída online torna impossível
haver uma intimidade real.
O CONSOLO DOS AMIGOS ONLINE
Muitos cristãos evitam essas vaidades e provam-se hábeis em usar
a mídia social e seus telefones para construir relacionamentos com
pessoas que conhecem pessoalmente. Para eles, os domingos
representam uma doce oportunidade de se conectar pessoalmente.
Mas alguns de nós usamos com tanta frequência nossos telefones
para nos conectar com pessoas que, em geral, não vemos
pessoalmente que, aos domingos, sentimo-nos deslocados entre
estranhos. Alguma vez você já se perguntou por que parece tão
natural comunicar-se com os outros online, mas às vezes se sente
inábil para se comunicar com as pessoas na igreja, nas manhãs de
domingo? Muitos fatores estão influenciando.
Primeiro, no mundo online, podemos nos libertar de nossas
limitações físicas (caso seja esse o nosso desejo). Podemos nos
apresentar como mais velhos ou mais jovens do que realmente
somos. Podemos monetizar nossos corpos como um meio de
conseguir atenção e vender produtos online, se tivermos o físico
apropriado. Caso contrário, se estivermos acima do peso ou não
formos atraentes, nossos corpos podem ser protegidos dos olhares
virtuais. Caso sejamos deficientes físicos, podemos esconder
completamente nossas cadeiras de rodas de nossos amigos
virtuais. Os defeitos físicos, as limitações e as estranhezas que
nascem conosco, ou com que passamos a ter de conviver, podem
ser dissolvidos e camuflados na vida online. Esconder nossas
características desfavoráveis é algo bem natural e fácil de ser feito
online, porém é excruciantemente difícil e antinatural offline, em
igrejas locais saudáveis e amizades honestas. É menos possível se
autoeditar nas relações face a face genuínas. Não há filtro Valencia
para o você da vida real. Sem reconhecer francamente essas
tendências online, continuaremos a pensar que a estranheza em
nossas igrejas locais é um sentimento alheio a ser resistido, e não
um meio precioso para nos reformular.
Em segundo lugar, no mundo online, podemos nos separar das
pessoas que não pensam como nós e gravitar em torno daquelas
que pensam. Essa é a razão pela qual eu amo escrever online. Ler
e escrever no mundo digital instantâneo das redes sociais online é
um meio de aprofundar a comunhão cristã. Podemos divulgar
assuntos ligados a nossas emoções, nossos medos e convicções
intrínsecas, e algumas de nossas amizades mais próximas podem
ser forjadas e mantidas em nossos telefones com pessoas ao redor
do mundo. Mas, como já mencionado no último capítulo, pode haver
uma séria desvantagem para a comunhão exclusivamente online.
Por fim, minha pesquisa sobre esse ponto me conduziu ao norte
da Inglaterra, para encontrar Alastair Roberts, um estudioso, teólogo
e escritor eloquente de 36 anos que atua no campo da teologia
bíblica e das questões éticas contemporâneas, incluindo nossa
relação com as tecnologias em desenvolvimento. Roberts também é
um blogueiro de longa data que sabiamente adverte para um perigo
tóxico que ameaça nossas comunidades online:

A internet nos possibilita criar conexões com pessoas com as quais


temos coisas muito particulares em comum, permitindo interações
altamente estimulantes, enriquecedoras e profundas. Eu não estaria
onde estou nem seria quem eu sou hoje se não fosse por interações
online, sustentando e me ajudando a desenvolver uma perspectiva que,
com frequência, tem pouca relação com meus contextos imediatos ao
longo dos anos.
Dito isso, enquanto eu, sem dúvida, ganhei muito com elas, descobri
que, para mim, frequentemente elas representam um retiro do desafio
dos relacionamentos reais com os cristãos diferentes de mim, uma
tentação ainda maior, em virtude de eu ser naturalmente introvertido e
tender a ficar recluso. Quando você sabe que há um lugar no qual todo
mundo concorda com você na maior parte das coisas e o valoriza, pode
desenvolver certa relutância para ir à igreja, onde você não é tão
valorizado, compreendido ou estimado. O narcisismo, que pode ser tão
característico dos ideais românticos — os quais podem, de fato, afastar-
nos de nossos pares reais, em devaneios escapistas e emocionalmente
confortantes —, também pode fazer com que substituamos os
relacionamentos concretos de nossos contextos por comunidades
idealizadas nas quais podemos renunciar às lutas associadas à
transformação das comunidades reais e também à necessidade de nos
adaptar e ser vulneráveis aos outros.14

Facilmente nos estabelecemos em aldeias digitais de amigos que


pensam como nós e escapamos das pessoas diferentes. Nossos
telefones nos protegem da diversidade, adverte Roberts. Apesar de
“diferenças de geração serem fundamentalmente diferenças
constitutivas para a raça humana... os novos meios de comunicação
são uma forma de colocar os mais velhos na invisibilidade”.15 E não
só nossos idosos, como também os pobres, as pessoas com
deficiência cognitiva, as crianças, os menos instruídos, os menos
alfabetizados, os menos cosmopolitanos e os não ocidentais. De
fato, nossas comunidades online “tornam invisível a maior parte da
raça humana”.16
Na verdade, essas comunidades online de amigos com
mentalidades semelhantes são, muitas vezes, marcadas por um
“círculo vicioso de feedback positivo”, em que “afirmação e
assentimento meramente reforçam preconceitos existentes. Nesse
contexto, as comunidades tornam-se insulares, simples câmaras de
eco de opinião aceitáveis, fechadas às vozes de oposição”, o que
significa que reproduzem uma “sufocante homeostática do que é
diferente”.17 Comunidades que falham em aceitar os benefícios das
discordâncias e deixam de funcionar diante das tensões e das
diferenças tendem a se tornar homogêneas e insalubres, porque
“tendem a ter pontos cegos gigantescos e fraquezas não
tratadas”.18
Mas talvez possamos ir ainda mais a fundo. Assim como é difícil
crescer como time quando cada jogador está preocupado com seu
desempenho individual e sua popularidade,19 também é difícil
crescer como família quando as crianças trazem o clima de
superaprovação da escola para casa através de seus telefones
ubíquos.20 Reuniões chatas de equipe e tempos chatos em família
são verdadeiras oportunidades de crescimento pessoal em lugares
de amor incondicional, fornecendo à alma uma pausa das atuais
exigências incessantes de aprovação social.
Talvez essa seja uma função-chave da frequência à igreja na era
digital. Devemos nos retirar de mundos online para nos reunir como
um corpo em nossas igrejas locais. Reunimo-nos para que sejamos
vistos, para que nos sintamos deslocados e talvez até mesmo um
pouco não escutados, subvalorizados — e tudo isso
propositalmente. Em obediência ao mandamento de não deixarmos
de nos reunir,21 cada um de nós atua como um pequeno pedaço,
um membro individual, uma parte do corpo, a fim de encontrar
propósito, vida e valor em união com o restante do corpo vivo de
Cristo.
Esse sentimento de estranheza, esse deixar de lado a segurança
de nossas amizades online, essa mistura com as pessoas que não
conhecemos ou entendemos em nossas igrejas locais, tudo isso se
mostra incrivelmente valioso para nossas almas. A igreja é um lugar
para encontros reais com os outros e para mostrarmos quem nós
realmente somos entre outros pecadores. Numa igreja local
saudável, eu não temo ser rejeitado. Numa igreja local saudável,
posso buscar uma profundidade espiritual que requer agitação,
frustração e o desconforto de estar com pessoas que se moldam
não ao “meu” reino, mas ao reino de Deus. Para nós, o desafio é
“valorizar a adoração corporativa, a mais contracultural das práticas,
para a qual nenhum substituto virtual existe”.22
GLÓRIA VERSUS APROVAÇÃO
Essa discussão levanta a questão da aprovação. A cultura da
celebridade online é impulsionada por glória, louvor e aprovação,
mas a Bíblia também é assim. A história de Deus é carregada de
espanto, admiração e deslumbramento. O puxa e empurra da
existência é amarrado aos poderes e às pressões da glória.
Vivemos em uma história de concorrência entre prazeres e
desprazeres, entre a alegria da aprovação e a depressão da
desaprovação. Portanto, na condição de cristãos, como podemos
encontrar sentido nessas tensões da era digital?
Cristo nos ajuda a discernir entre a glória do homem e a glória de
Deus em uma história descrita em João 12.27-43. Esse foi um
momento de alerta de spoiler: Jesus tinha entrado em Jerusalém
como um Rei montado em um burro, depois de uma festa judaica ter
atraído uma grande multidão para a cidade. A fim de acalmar e
reunir todos, Deus falou dos céus. Então, Jesus se levantou para
contar de antemão qual seria o auge da história que estava prestes
a se desdobrar: ele seria levantado em morte de cruz e, depois,
erguido ressurreto. No fim de semana que se aproximava, todo o
cronograma do Criador para o universo atingiria o ponto de inflexão
e daria uma volta cósmica.23 Aqueles que compreendessem e se
inclinassem a crer em Cristo caminhariam na luz. Aqueles que não
cressem continuariam a viver em meio à escuridão. E a escuridão
dominaria.
Cristo é a revelação da glória de Deus, a imagem do Deus
invisível, porém a maioria dos líderes religiosos não conseguiu vê-lo
tal como era. Os poucos que o viram dessa forma foram
amaldiçoados com uma fé fraca.
Não importava a quantidade de milagres que Cristo havia
realizado (até mesmo ressuscitar os mortos), a maioria dos líderes
recusou-se, terminantemente, a celebrar o Messias. Por quê? O que
teria o potencial de calar bocas à beira do momento culminante na
história cósmica?
“Muitos dentre as próprias autoridades creram nele”, conta-nos
João, “mas, por causa dos fariseus, não o confessavam, para não
serem expulsos da sinagoga; porque amaram mais a glória dos
homens do que a glória de Deus” (João 12.42-43).
Por que era tão difícil para eles celebrarem Cristo? Por um motivo
simples: falta de aprovação pública. Se você seguir Cristo, o mundo
vai deixar de seguir você. Você será banido. Você será desprezado.
Se a glória que provém do homem for seu Deus, você não celebrará
a glória de Cristo. Ou, se você vier a Cristo e valorizar a glória dele
acima de qualquer outra glória, será forçado a desistir do zumbido
da aprovação humana. Os cristãos de hoje ainda enfrentam guerras
ligadas à glória na vida real e tensões no mundo digital. Então, o
que nós tememos mais: a desaprovação de Deus ou o
desaparecimento de nossos seguidores online?
A VERDADEIRA APROVAÇÃO
A aprovação e a afirmação que buscamos online são absurdas
porque interpretam mal a forma como a aprovação funciona na
economia de Deus.
Em primeiro lugar, essa coceira por aprovação humana torna a fé
sem sentido.24 Você sabe por quê? Porque a fé é o ato de estar
satisfeito em Cristo, diz John Piper, “e se estiver inclinado a obter
satisfação alimentando sua autoestima por meio da afirmação das
outras pessoas, você se virará para longe de Jesus, pois não pode
servir a dois senhores”. Em outras palavras, diz ele, “em um sólido
relacionamento com Jesus, estabelecido por Deus, a desaprovação
humana não poderá feri-lo, enquanto a aprovação humana não será
capaz de satisfazê-lo. Portanto, temer a primeira e buscar a outra é
pura tolice”.25 É incredulidade.
Em segundo lugar, o teste de autenticidade para nossas vidas não
é determinado pelo aplauso do homem, mas, sim, pela aprovação
de Deus.26 Não podemos recomendar a nós mesmos. Deus nos
recomenda.27 Ele nos busca. Ele conhece nossa motivação ou até
mesmo nossas motivações para o ministério.28
A triste verdade é que muitos de nós estamos viciados em nossos
telefones porque desejamos aprovação e afirmação imediatas. O
medo que sentimos em nossos corações quando estamos
envolvidos online é o impulso que direciona nossa
“autorrepresentação altamente seletiva”.29 Queremos ser amados e
aceitos pelos outros, por isso removemos nossas cicatrizes e
defeitos. Quando colocamos essa representação menos encardida
de nós mesmos online, tabulamos a aprovação humana em um
índice de “curtidas” e “compartilhamentos”, como se fossem
commodities. Postamos uma imagem e ficamos assistindo à
resposta imediata. Atualizamos a página. Observamos as
estatísticas subirem — ou estacionarem. Avaliamos as respostas
imediatas de amigos, familiares e estranhos. O que postamos
ganhou a atenção imediata dos outros? Sabemos disso em poucos
minutos. Até mesmo a promessa de aprovação religiosa e a
afirmação de outros cristãos são uma força gravitacional que nos
atrai em direção aos nossos telefones.
O CUSTO DA BUSCA POR APROVAÇÃO
Esse vício em aprovação deve ter sido o motivo para Jesus nos
advertir expressamente a não procurar o louvor humano por meio de
nossa obediência. Ele nos adverte para não exibirmos nossas obras
online caso a finalidade seja apenas o elogio dos outros: “Guardai-
vos de exercer a vossa justiça diante dos homens, com o fim de
serdes vistos por eles; doutra sorte, não tereis galardão junto de
vosso Pai celeste” (Mt 6.1).
Veja um exemplo. Imagine dedicar algumas semanas de suas
férias de verão para viajar por estradas poeirentas e chacoalhar por
todo o trajeto em jipes altos, embrenhando-se profundamente em
remotas aldeias selvagens na América Central. Você corre o risco
de contrair febres, doenças e insolação, tudo para ajudar a construir
um orfanato para vinte crianças carentes. No final do mês, você
para um pouco, tira uma selfie com sua obra ao fundo e posta com
orgulho no Facebook. E puf! — a recompensa desaparece. Pense
nisso. Em uma selfie de falsa humildade, a troca é feita — a
recompensa eterna de Deus é vendida por um misto de umas
oitenta curtidas e doze comentários de louvor. (O contexto não é o
ponto principal; fazemos o mesmo tipo de coisa com imagens de
uma Bíblia aberta numa cafeteria.)
Será que minha aplicação das palavras de Jesus é muito rígida e
não observa a intenção do coração no ato? Talvez, mas não
devemos examinar a nós mesmos por meio de exemplos concretos
como esse? Devemos concordar que, em algum nível, Jesus disse
que a publicação de nossas boas obras online para a contemplação
de nossos seguidores é toda a recompensa que vamos obter.
A troca é horrível. “Você perde algo grande e ganha em troca algo
lamentável”, explica Piper. “O que você ganha? Você ganha o louvor
do homem. Você quer isso? Você consegue. É como uma droga. Ela
dá um barato e, em seguida, acaba logo. Então, você precisa buscar
outra dose. E isso deixa você sempre inseguro. Você está sempre
carente de elogios alheios para ser feliz ou se sentir seguro. Você
nunca fica satisfeito.”30 Acordamos a cada dia mais famintos por
validação do que nunca.
O vício em aprovação social nos condicionou a consumir
“regulares microrrajadas de validação fornecidas por cada curtida,
marcação como favorito, retuíte ou link”.31 Esse novo
condicionamento fisiológico significa que nossas vidas se tornam
cada vez mais dependentes da aprovação de outras pessoas a cada
momento. No entanto, o problema não é apenas precisar afastar-se
dessas microrrajadas de aprovação, mas, sim, o fato de que é
preciso desprogramar-se dessa fome online.
Se não nos desintoxicarmos desses hábitos, continuaremos
buscando por intimidade ao nos reproduzir, consumindo a
aprovação humana e iniciando cada dia com uma ressaca de
aprovação. Assim, precisamos de uma nova dose de afirmação de
nossos amigos como um antídoto para nos manter convencidos de
que nossas vidas têm algum significado. É trágico. É um desperdício
da recompensa. O sólido elogio que esperamos de Deus se baseia
em ações que são, em grande parte, invisíveis no presente; o louvor
extravagante que buscamos online se baseia naquilo que
projetamos.32 Não podemos negligenciar esse contraste.
NÃO DESPERDICE SUA APROVAÇÃO
Os celulares acendem o impulso humano primitivo de apreciação —
que nada mais é do que a autorreplicação com a finalidade de ser
visto, conhecido e amado —, através do contato constante com
outras pessoas carentes de afirmação. Essa é uma das razões para
considerarmos tão difícil pôr nossos telefones de lado. Temos medo
uns dos outros, e queremos a admiração uns dos outros, por isso
cultivamos o desejo desordenado por aprovação humana através de
nossas plataformas de mídia social. Para aqueles de nós que
sofrem com isso, o aviso de Jesus é bem claro: “Quem ama [sua
rede social] mais do que a mim não é digno de mim” (Mt 10.37).
Ele consegue proferir uma verdade tão difícil porque a afeição que
realmente satisfaz o coração da forma que nos é necessária está,
em última instância, em Deus, em suas belas promessas, como, por
exemplo, aquela de Salmos 139, em que nossas almas são imersas
em camadas de verdades preciosas sobre a aceitação e o amor de
Deus por nós. Seu poder purifica nossas vidas, e sua presença
subjuga cada pequeno ganho de atenção digital e aceitação que
buscamos online. Ele nos lembra que nossas vidas não são
sustentadas pela aprovação caprichosa dos outros em resposta à
nossa autorreplicação; são sustentadas pela extensão soberana de
Deus sobre todas as coisas.
Não podemos perseguir continuamente nosso ímpeto por louvor e
afirmação públicos recorrendo à autorreplicação. Esse desejo vai
nos matar espiritualmente, e Paulo sinalizou o motivo: na economia
de Deus, a aprovação é algo que devemos esperar. Quem se
alimenta de pequenos aperitivos de aprovação imediata do homem
morrerá de fome na eternidade. Mas aqueles que buscam viver
inteiramente na direção da glória da aprovação de Deus encontrarão
a aprovação eterna em Cristo.33
Algo muito elevado está em jogo.
Se você quer tornar-se uma “celebridade de Instagram”, se você
almeja fama e procura-a através de autopromoção, rogo a você que
pare. A urgência que você está sentindo e que conduz seu
comportamento online é causada por seu medo de não ser
replicado, de não ser visto ou amado. A cada dia, você sente como
se estivesse perdendo o controle sobre seu status online, a menos
que forneça conteúdo que agrade a multidão. Pare de tentar
impressionar o mundo online com seu corpo ou sua inteligência,
tudo por causa de algumas curtidas de afirmação.
Vanglória não vai satisfazer seu coração; apenas intensificará seu
desejo por obter elogio humano.
Daniel Boorstin estava certo o tempo todo: devemos contar com o
tempo. Seu coração está determinado a se tornar uma celebridade
nesta vida ou um herói na próxima? Para você, o tempo é um
incômodo diário, ameaçando corroer sua significância, ou é seu
amigo? Você quer sua aprovação e fama agora ou pode esperar
pela coroa eterna? Nós todos devemos responder a essas questões
— e a forma como vamos responder vai determinar se nossas
almas encontrarão saúde em Cristo ou doença no centro das
atenções.
À medida que lutamos cada vez mais contra a atração de sermos
autoglorificados, tanto Jesus como Paulo e Pedro pleiteiam
conosco: Não desperdice sua aprovação. Não anseie pela
aprovação online do homem. Não exiba suas obras de justiça no
mundo cibernético. Se esquecermos de suas advertências,
cometeremos um erro cosmicamente tolo, seguido de
arrependimento eterno.

1. Alguns críticos dizem que foi uma jogada publicitária para chamar a
atenção. Neste projeto, eu confio nas intenções declaradas por ela.
2. Megan McCluskey, “Instagram Star Essena O’Neill Breaks Her Silence on
Quitting Social Media”, revista Time (5 jan. 2016).
3. Essena O’Neill, “Dear 12 Year Old Self (re-upload)”, YouTube. Disponível
em youtube.com (8 nov. 2015).
4. Ibid.
5. Essena O’Neill, “Social Media Addiction and Celebrity Culture”. Disponível
em letsbegamechangers.com (30 out. 2015). Essa e as citações seguintes de
Essena O’Neill apareceram em materiais de seu site,
letsbegamechangers.com, enquanto eu escrevia este livro. Antes da
publicação, o site foi tirado do ar. Os leitores interessados podem encontrar as
citações pesquisando letsbegamechangers.com através do web.archive.org.
6. Essena O’Neill, “Liked”, Disponível em letsbegamechangers.com (sem
data).
7. “Os alunos que entrevistei que sofrem de insegurança, que se mostram
ansiosos quanto à sua posição social e que se preocupam com a maneira
como são vistos pelos outros são os únicos que estão se afogando em mídia
social.” Donna Freitas, The Happiness Effect: How Social Media Is Driving a
Generation to Appear Perfect at Any Cost (New York: Oxford University Press,
2017), p. 20.
8. Jasmine, “The Financial Confessions: ‘My “Perfect” Life on Social Media Is
Putting Me in Debt’”, The Financial Diet. Disponível em thefinancialdiet.com
(12 abr. 2015). Este é o problema: aumentar a fama online pode não aliviar o
problema, mas simplesmente tornar as finanças ainda mais difíceis. Nas
palavras de um escritor: “Muitas famosas estrelas de mídia social estão em
evidência demais para ter empregos ‘reais’, mas também estão falidas demais
para não ter”. Gaby Dunn, “Get Rich or Die Vlogging: The Sad Economics of
Internet Fame”, Fusion. Disponível em fusion.net (14 dez. 2015).
9. Daniel J. Boorstin, The Image: A Guide to Pseudo-Events in America
(1961; repr., New York: Vintage, 1992), pp. 45-76.
10. Ibid.
11. Olivia Laing, The Lonely City: Adventures in the Art of Being Alone (New
York: Picador, 2016) [edição em português: A cidade solitária: Aventuras na
arte de estar sozinho (Rio de Janeiro: Anfiteatro / Rocco, 2017)], p. 245.
12. Veja Tony Reinke, “Selfies and Polaroids of Intimacy: Andy Warhol and My
Smartphone”, Desiring God. Disponível em desiringGod.org (7 abr. 2016).
13. Laing, The Lonely City, pp. 243-244.
14. Alastair Roberts, entrevista com o autor por email (23 jan. 2016).
15. Alastair Roberts (@zugzwanged), Twitter. Disponível em twitter.com (18
jan. 2016).
16. Roberts, entrevista com o autor por email (23 jan. 2016).
17. Alastair Roberts, “Twitter Is Like Elizabeth Bennet’s Meryton”, Mere
Orthodoxy. Disponível em mereorthodoxy.com (18 ago. 2015).
18. Roberts, entrevista com o autor por email (23 jan. 2016).
19. O treinador da NFL Sean Payton, quando indagado acerca de seus
maiores desafios no treinamento, apontou para as mídias sociais e o futebol
fantasia: as primeiras isolam performances individuais dos jogadores; o
segundo gera publicidade infindável para os jogadores de alto e baixo
desempenho. Em reuniões de equipe, os jogadores ficam se coçando para
olhar seus telefones. Consulte “Sean Payton: That’s the Biggest Challenge as
a Coach in Today’s Game...”, Coaching Search. Disponível em
coachingsearch.com (21 fev. 2016).
20. Veja Suzanne Franks, “Life Before and After Facebook”, The Guardian (3
jan. 2015).
21. Hebreus 10.24-25.
22. Oliver O’Donovan, entrevista com o autor por email (10 fev. 2016).
23. Hebreus 1.2; 9.26.
24. João 5.41-45.
25. John Piper, entrevista com o autor via Skype, publicada como “Gospel
Wisdom for Approval Junkies”, Desiring God. Disponível em desiringGod.org
(15 mar. 2016).
26. Romanos 2.29.
27. 2Coríntios 10.18.
28. 1Tessalonicenses 2.3-5.
29. Roberts, entrevista com o autor via email (23 jan. 2016).
30. John Piper, entrevista com o autor via Skype, publicada como “Incentives
to Kill My Love of Human Praise”, Desiring God. Disponível em
desiringGod.org (25 ago. 2014).
31. Alastair Roberts, email para o autor (22 fev. 2016). Usado com permissão.
32. Romanos 2.28-29.
33. Romanos 2.6-11.
4 PERDEMOS NOSSO LETRAMENTO

Toda a nossa fé é construída sobre um livro e, dentro dele, há 66


livros menores. Nossa vida espiritual é alimentada por livros dentro
de livros, como as rodas dentro de outras rodas de Ezequiel. E
novos livros cristãos são lançados todos os dias no mundo todo.
Livros são algo importante para os cristãos. Nós estimamos a
palavra impressa. Publicar faz parte da missão do evangelho. Por
onde quer que o evangelho se tenha espalhado, também o
letramento se espalhou.1
No entanto, na era digital, os livros tornaram-se mais vulneráveis
ao rótulo de chatos. Quando comparados aos jogos mais recentes
ou às séries transmitidas na TV, encarar formas em preto e branco
(como estas) por várias horas parece ser um investimento tolo.
Fomos apresentados a uma espécie de entretenimento de
conveniência que faz com que os livros pareçam absolutamente
antiquados, inconvenientes e por demais exigentes.
As estatísticas mostram que os cristãos que lutam para ler livros
estão lutando para se libertar dos hábitos ruins no celular, que é o
cerne da questão.
PERDEMOS NOSSO LETRAMENTO?
Na mesma pesquisa mencionada no capítulo 1, que realizei com
oito mil cristãos, perguntei: quantos livros de não ficção (de pelo
menos 150 páginas) você leu nos últimos 12 meses?2 Como
esperado, os resultados entre os cristãos ficaram um pouco acima
da média nacional:
Em seguida, perguntei: em geral, o uso de seu celular e o acesso
atual de mídia social o levam a ler mais livros ou menos livros, ou
não causam qualquer diferença notável no número de livros que
você lê?
Então, descobri dois fatos interessantes. Em primeiro lugar,
muitos cristãos que são usuários de smartphone estão se tornando
leitores mais vorazes de livros de não ficção. Nesse caso, nossas
comunidades online e a mídia social são forças poderosas para
incentivar o letramento cristão, um fenômeno que experimentei em
primeira mão. Eu leio mais livros do que nunca porque a mídia
social me conecta com leitores exigentes que também gostam de ler
e compartilhar grandes livros.
Em segundo lugar, descobri algo menos encorajador. Com uma
frequência muito maior, ouvi dizer que os usuários de smartphone
estão lendo menos livros. Uma grande porção da minha
amostragem (cerca de três mil dos oito mil entrevistados) afirmou
que o uso de seus telefones afeta negativamente o número de livros
lidos. A figura 2 na página seguinte resume os resultados da
pesquisa realizada, com os percentuais daqueles que responderam
que o uso do celular fez com que lessem menos (em preto) ou mais
(em cinza), discriminados por grupos demográficos de idade/gênero.
O meio-termo faltante entre essas duas respostas polarizadas é
ocupado por aqueles que não percebem conexão alguma entre a
leitura de livros e o uso do celular (que compreende cerca de 50%
de homens e mulheres).
Figura 2. Cristãos e a leitura

Ainda assim, o fato de que três mil entrevistados disseram que


agora leem menos livros devido ao uso de seus telefones e das
redes sociais (dos quais as mulheres representam 56,8% e os
homens, 43,2%) mostra que, à medida que os telefones vão
permeando nossas vidas, ler livros está se tornando cada vez mais
difícil para uma percentagem substancial de jovens cristãos.
UM COQUETEL INFINDÁVEL
É uma questão de atenção e, na era digital, nossa atenção é uma
mercadoria que vale dinheiro. Deixe-me ilustrar isso com uma
situação offline. Moro perto de um dos maiores shoppings do
mundo, e meu prazer em caminhar nesse shopping seria ainda
maior se não houvesse aqueles vendedores de quiosques. Poucas
pessoas vão aos shoppings para dar uma olhada nos quiosques.
(Eu, com certeza, não sou uma delas!) E os vendedores sabem
disso. A única esperança de fazerem uma venda é chamando a sua
atenção. Eles não conseguem vender nada a menos que consigam
distrair você, e eles não conseguem distraí-lo a menos que você
faça contato visual. (Isso significa que o segredo é evitar o contato
visual.) Shoppings são uma metáfora para nossos telefones:
movimentados centros comerciais que possuem artistas de rua (que
seriam as seduções digitais). À sua própria maneira, todas as
nossas mídias sociais estão competindo cada vez mais por atenção
de nossa parte, e isso nos custa o tempo de foco contínuo que se
faz necessário à leitura. Isso ocorre porque os textos, as fotos e os
tuítes fazem parte de um coquetel interminável de conversas
múltiplas, sugere David Brooks, colunista do New York Times. Você
já tentou ler no meio de um coquetel? E em uma festa que nunca
acaba?
“A lentidão da leitura ou do pensamento solitário vai significar que
você não está tão preocupado com cada parte individual dos dados
de que dispõe”, escreve Brooks. “Você está mais preocupado com a
maneira como as diferentes partes dos dados se encaixam. Como
isso se relaciona com aquilo? Você está preocupado com a forma
da narrativa, com a teoria da síntese ou com o contexto geral. Você
tem tempo para ver como cada camada se forma sobre a outra,
produzindo um misto de emoções, ironias e paradoxos. Você tem
tempo para se perder no complexo ambiente do outro.” Brooks
chama essa disciplina de “inteligência cristalizada” — “a capacidade
de usar a experiência, o conhecimento e os produtos da educação
ao longo da vida que foram armazenados na memória de longo
prazo. É a capacidade de fazer analogias e comparações sobre
coisas que você já estudou. A inteligência cristalizada se acumula
ao longo dos anos e conduz, em última análise, à compreensão e à
sabedoria”.3 Essa habilidade requer distância dos coquetéis digitais,
a fim de que possamos ativar a atenção linear e envolver nossas
mentes. E a natureza fragmentária do mundo online faz desse tipo
de concentração algo difícil de se manter — devido ao seu próprio
design.
Com tanta coisa em jogo, as corporações estão refinando a arte
de despertar a atenção, com um crescente campo de conhecimento
tecnológico chamado “captologia”, um apelido para “computadores
como tecnologia persuasiva”. Captologistas estudam maneiras de
usar smartphones para atrair a atenção e ajustar os padrões de
comportamento.
Um dos truques funciona assim: quanto mais curtidas e cliques eu
der, com mais precisão os algoritmos me alimentarão de imagens,
ideias e produtos relacionados às minhas interações anteriores.
Pode até parecer que estou simplesmente tropeçando em uma
ladainha de coisas aleatoriamente dispersas online, mas o que é
oferecido aos meus olhos hoje está cada vez mais alinhado com a
trilha de migalhas de pão que deixei enquanto me alimentava
digitalmente ontem (para o bem ou para o mal). Então, o que eu
vejo agora foi ajustado conforme aquilo que curtia no passado,
criando um vórtice de conteúdo construído de maneira customizada,
um turbilhão de novos objetos que enchem minha tela enquanto eu
a toco ou deslizo, tudo com o objetivo de manter meus olhos
grudados nela, alimentando os padrões de apetite bem específicos
de meu coração e, em última instância, reforçando minha obsessão
pelo celular.
“Os meios de comunicação tornaram-se mestres em embalar
estímulos de uma forma irresistível aos nossos cérebros, assim
como os engenheiros de alimentos tornaram-se especialistas na
criação de alimentos ‘hiperpalatáveis’, manipulando os níveis de
açúcar, gordura e sal”, escreve Matthew Crawford, escritor e
pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados em Cultura
na Universidade da Virgínia. “A distração pode ser considerada o
equivalente mental da obesidade.” Sem a capacidade de concentrar
nossas próprias mentes, nossa atenção é dirigida por outras
pessoas, e nós somos facilmente capturados pelos “fornecedores de
marshmallows onipresentes” — distrações sedutoras de nossos
telefones. Crawford pergunta: “Que tipo de ponto fora da curva você
tem de ser, qual espécie de aberração de autocontrole, para resistir
a esses marshmallows culturais tão bem desenvolvidos?”.4 É difícil
resistir (como veremos mais adiante).
PAPÉIS OU PIXELS?
Porém, este capítulo é sobre leitura de livros, e precisamos nos
esforçar e aprofundar em um grande debate. Qual é a melhor forma
de leitura: em papel ou pixels?
Para responder a essa pergunta, dois psicólogos compararam a
compreensão em meios digital e impresso utilizando um pequeno
artigo de cerca de mil palavras. Os participantes foram divididos em
dois grupos. Um grupo leu o artigo em uma tela; o outro grupo, em
papel. Exigiu-se que investissem uma quantidade idêntica de tempo
para ler o artigo. Em seguida, o experimento foi realizado uma
segunda vez com novos grupos, mas com uma diferença
fundamental: o tempo de leitura foi removido, deixando os leitores
livres para definir o próprio ritmo. Finalmente, todos os grupos foram
testados quanto à retenção do conteúdo. Os participantes do
primeiro experimento, a quem se fixou um tempo de leitura idêntica
na tela e no papel, tiraram praticamente a mesma nota no teste.
Mas, no segundo experimento, os leitores de versões impressas
visivelmente superaram as notas de suas contrapartes digitais. Por
quê? A razão é bem simples: os leitores de meios digitais,
naturalmente, liam rápido demais.
A lição que fomos capazes de extrair do estudo foi simples, porém
profunda: a leitura superficial no meio digital não foi resultado do
meio, “mas, sim, de uma falha do autoconhecimento e do
autocontrole: não percebemos que a compreensão digital pode
requerer o mesmo tempo de leitura de um livro”.5 Com o texto digital
em nossos telefones, somos condicionados a dar rapidamente uma
olhada. Com um livro impresso na mão, naturalmente lemos de
forma mais lenta, em um ritmo realista, para que haja retenção do
conteúdo. Simplificando, “se você quer internalizar algum
conhecimento específico, tem de gastar tempo nele”.6 Mas nós
fomos treinados a não gastar tempo com textos digitais.
A era digital nos apressa e fragmenta nossa concentração em um
milhão de pedaços pequenos, diz o especialista em ética Oliver
O’Donovan, e agora o maior desafio para o letramento é o breve
tempo de atenção, “interrompido a cada momento por uma pequena
explosão de surpresa atrás da outra. O conhecimento nunca nos é
exposto de maneira real quando é feito dessa forma. É preciso que
o busquemos e persigamos, conforme somos instruídos pelos
maravilhosos poemas de Sabedoria no início de Provérbios”.7 E é
sempre sábio contrastar nossos hábitos de mídia social com os
hábitos disciplinados de busca por sabedoria celebrados nos três
primeiros capítulos de Provérbios. Nossa falta de autocontrole com
os marshmallows digitais nutre, prejudicialmente, nossa
concentração linear contínua.
Fazer uma leitura profunda jamais foi algo tão difícil. Hoje, por
causa da quantidade de palavras escritas que entram em nossas
vidas em determinado dia, simplesmente nos tornamos desatentos.
“Antes, eu era um mergulhador no mar de palavras”, lamenta o
escritor Nicholas Carr. “Agora, deslizo na superfície como um cara
em um jet ski.”8 Mal somos capazes de submergir na tarefa séria de
ler um livro antes que o desejo de ficar na superfície digital e andar
de jet ski (deslizar) em águas mais fáceis nos acometa.
Mas, seja qual for a causa, o problema do letramento que
encontramos hoje não é a iliteracia9 mas sim a aliteracia10, um
navegar digital na superfície que nada passa de uma tentativa de se
manter a par do dilúvio de informações que chegam por nossos
telefones, em vez de diminuir o passo e absorver apenas o que é
mais importante. Aqueles na condição de aliteracia têm dificuldade
de separar o que é eternamente valioso do que é transitório. Eles
navegam no conteúdo, mas não com o objetivo de identificar e isolar
o que precisa ser estudado com mais cuidado e meditação. Como
eles não são capazes de fazer essa distinção, têm dificuldade para
extrair relevância dos textos escritos, especialmente textos antigos.
Será que, por fim, vamos nos treinar a ler textos digitais mais
lentamente e com mais cuidado? Essa resposta é desconhecida.
Nós sabemos que, quando se trata de textos digitais da atualidade,
tendemos a navegar em uma velocidade anormalmente apressada e
ansiosa. Não somos muito bons em nos debruçar sobre o texto
digital.
CONCENTRAÇÃO PACTUAL
A leitura digital é desnecessariamente apressada, e esse hábito
resvala em como lemos nossas Bíblias. O artista de hip-hop e pastor
Trip Lee admitiu para mim algo que eu acho que todos nós já
experimentamos: “Quanto mais tempo passo lendo tuítes de dez
segundos ou navegando online em artigos aleatórios, mais isso
afeta minha atenção, enfraquecendo os músculos que preciso para
ler as Escrituras por longas horas”.11 Mas, antes de deletarmos
nossos aplicativos da Bíblia, devemos considerar que os estudos
também nos informam que leitores cristãos são mais fiéis em seguir
planos de leitura da Bíblia em seus celulares (com avisos diários) do
que planos impressos e leitura offline.12
Então, seja qual for o meio (papel ou pixels), seja quais forem as
fraquezas dos leitores médios (esquecimento ou pressa), devemos
tornar-nos conscientes e diminuir o ritmo. A Bíblia é um documento
do pacto de Deus para conosco. Ela expõe o relacionamento que
desfrutamos com ele, ensina-nos as promessas que ele fez e que
foram compradas com sangue, bem como nos instrui em como
devemos viver neste mundo, de forma a mostrar nossa fidelidade à
aliança com Deus.
“O intercâmbio e a comunhão entre Deus e seu povo é um
fenômeno inerentemente textual. O Deus eternamente eloquente
inclinou-se para nos entregar uma consolação salvífica”, escreveu o
teólogo Scott Swain. “Como a Escritura é o locus supremo de Deus
para a comunicação de si mesmo ao mundo, os cristãos são ‘o povo
do livro’. O Senhor reúne, nutre, defende e guia seu povo através
deste livro; e seu povo se reúne ao redor dele, alimenta-se, encontra
abrigo e segue as palavras desse mesmo livro.”13
Deus nos deu poder de concentração para ver e evitar o que é
falso, falsificado e transitório — para que possamos olhar
diretamente para o que é verdadeiro, estável e eterno. É parte de
nossa condição de criaturas sermos facilmente distraídos; é parte de
nossa pecaminosidade sermos facilmente atraídos por aquilo que é
vão e trivial.
Nossa alegria em Deus está em jogo. Em nossa vaidade,
alimentamo-nos de bobagens digitais, nossos paladares são
reprogramados e nossas afeições atrofiam. “Para ser mais claro,
qualquer compulsivo, seja por compras, jogos ou Facebook, pode
estar tentando preencher o buraco do tamanho de Deus em sua
vida ou abafar seu chamado com um ruído branco de trivialidade
frenética. Mas, assim como acontece em todos os vícios e virtudes,
há uma espécie de ciclo de realimentação atuando aqui”, explica
Brad Littlejohn, um estudioso independente. “Quanto mais nos
refugiamos em distração, mais habituados nos tornamos a estímulos
e mais insensíveis nos mostramos ao prazer. Perdemos a
capacidade de parar e refletir profundamente sobre algo, de admirar
algo bonito por si só, de imergir completamente num jogo
apaixonante, em uma história ou uma pessoa.”14
Ao buscar o prazer trivial em nossos telefones, treinamos a nós
mesmos para querer mais desses prazeres triviais. No entanto, o
mais grave de tudo é que, “por causa do medo e da culpa, ou
perdemos nosso prazer em Deus — que é a fonte de todo o bem, e
assim perdemos o prazer por todas as coisas dadas por ele, até que
nos preocupemos cada vez menos com qualquer pessoa ou coisa,
perdendo-nos em diversões momentâneas (as quais se tornam os
únicos ‘prazeres’ que conhecemos) — ou começamos a nos
habituar inconscientemente aos ecossistemas de distração que nos
rodeiam, até que começamos a esquecer como nos sentiríamos ao
prestar atenção verdadeiramente em um poema ou uma pessoa”,
diz Littlejohn. “Assim, nossa capacidade de sentir prazer profundo é
destruída e, rapidamente, perdemos a capacidade de desfrutar
daquele que exige a atenção mais sustentada de todas.”15
CONCENTRAÇÃO NA BÍBLIA
Essas consequências para o coração nos atingem em cheio e com
pesar, mas é aí que o propósito cósmico se alinha com a disciplina
pessoal. Somos chamados a suspender nosso deslizar crônico das
telas para saborear a verdade eterna, pois a Bíblia é o livro mais
importante na história do mundo.
É possível dizer que o letramento diminuiu a tal ponto que, para
muitos cristãos de hoje (talvez a maioria deles), a Bíblia é tida como
o livro mais antigo, mais longo e mais complicado que vamos tentar
ler por conta própria. Simultaneamente, cada atração e cada
tentação da era digital estão nos convencendo a desistir desse
trabalho difícil e sustentado, substituindo-o por um conteúdo
imediato e impulsivo, pelo qual podemos navegar superficialmente.
A leitura da Bíblia é um trabalho incrivelmente exigente, mas eu
encontro muito conforto e esperança em saber que a Bíblia me
chama para um engajamento por toda a vida. A Bíblia não é um livro
para ser simplesmente lido de capa a capa e, em seguida, ser
colocado em uma prateleira; também não é um livro para se folhear
e ler de modo superficial. A Bíblia é a porta aberta para ouvirmos a
voz de Deus tanto individualmente quanto em comunidade. Ela é
destinada a ser infinitamente profunda e de uma relevância
infindável. É mais um mundo de revelação do que um livro; mundo
no qual vivemos, nos movemos e existimos. Esse livro nos dá vida;
ele move e impulsiona o plano redentor de Deus para a frente. Na
verdade, “todo o propósito de Deus para o universo está firmado ou
sucumbe neste livro. Se o livro falhar, tudo mais falha”.16
Assim, navegar superficialmente na Bíblia é descaracterizá-la,
conforme o teólogo do Novo Testamento Daniel Doriani aponta em
três pontos.
Em primeiro lugar, o objetivo da Bíblia é o discipulado, ou seja,
formar e reformar continuamente nosso pensamento, nossos
hábitos e comportamentos. Esse processo dinâmico nunca termina,
e, portanto, nossa leitura nunca termina, e não há nenhum benefício
em fazer isso de forma superficial.
Em segundo lugar, o autor da Bíblia nos adverte, repetidas vezes,
que o livro será rejeitado, distorcido ou mal interpretado de várias
maneiras. Avisos severos nos alertam para reduzir o passo e ler
com cuidado, com oração, precisão e urgência.17
Em terceiro, “o autor maior e os autores da Bíblia escolheram
alcançar seus objetivos não por meio de sermões objetivos,
elencando cada proposição, mas, sim, por meio de canções e
poemas, ditados obscuros e histórias semi-interpretadas”. Em outras
palavras, “nós, leitores, não acatamos simplesmente as ordens; nós
mergulhamos em metáforas”.18 E, para apreciar essas metáforas,
devemos mergulhar profundamente no texto por toda a vida.
FANÁTICOS POR (AUTO)CONTROLE
É na lenta leitura da antiga Bíblia que nos alimentamos de todos os
benefícios da escrita, diz O’Donovan. “O texto efêmero [do mundo
digital] não representa a força distinta da comunicação textual, da
qual emana poder para cobrir a distância, dar acesso a
compreensões históricas e locais não acessíveis ao intercâmbio
imediato”.19 As mídias sociais são novas demais, contemporâneas
demais, próximas demais, parecidas demais comigo para que sejam
capazes de explorar o maior benefício do letramento. Para sermos
mudados e desafiados, precisamos da brisa marítima pura dos livros
antigos, disse certa vez C. S. Lewis.20 Precisamos da rajada de
vivência da vida do Espírito do livro antigo. E quando se trata de um
letramento sério, a igreja fiel é posicionada contraculturalmente ao
sucesso, porque a pregação expositiva sólida é um modelo de
leitura saudável e lento.21
Na era do smartphone, somos diariamente bombardeados pelo
que é imediato: atualizações do Facebook, posts de blog e notícias
urgentes. No entanto, o livro mais importante para nossa alma é
bem antigo. A Palavra de Deus exige nossos mais altos níveis de
concentração literária, pois requer uma leitura relacional: não um
bate-papo superficial de um coquetel, mas, sim, a concentração
pactual de votos de casamento. A Palavra de Deus é um convite
para orientar nossos afetos e desejos.22 Nosso desafio é usar as
mídias sociais a serviço de uma leitura séria.
Então, que tipo de fanáticos por autocontrole devemos nos tornar
para resistir aos marshmallows de distração tão bem projetados?
Fanáticos que acreditam em 2Coríntios 4.18, que estão “fixando os
olhos não naquilo que se vê, mas no que não se vê. Pois o que se
vê é transitório, mas o que não se vê é eterno”. E esse desafio nos
leva à nossa próxima parada.

1. Neste capítulo, sustento o valor da leitura na vida cristã, mas o faço muito
rapidamente. Indicações bibliográficas mais completas podem ser
encontradas no meu livro Lit: um guia cristão para leitura de livros (Niterói, RJ:
Concílio, 2019).
2. Pesquisa não científica online, realizada com os leitores de
desiringGod.org, através de canais de mídia social (abr. 2015).
3. David Brooks, “Building Attention Span”, The New York Times (10 jul.
2015), ênfase acrescentada.
4. Matthew Crawford, The World beyond Your Head: On Becoming an
Individual in an Age of Distraction (New York: Farrar, Straus and Giroux,
2015), pp. 16-17.
5. Maria Konnikova, “Being a Better Online Reader”, The New Yorker (16 jul.
2014), resumindo o trabalho de Rakefet Ackerman e Morris Goldsmith,
“Metacognitive Regulation of Text Learning: On Screen versus on Paper”,
Journal of Experimental Psychology: Applied (17 mar. 2011), pp. 18-32.
6. Clive Thompson, Smarter Than You Think: How Technology Is Changing
Our Minds for the Better. (New York: Penguin, 2013), p. 135.
7. Oliver O’Donovan, entrevista com o autor por email (10 fev. 2016).
8. Nicholas Carr, The Shallows: What the Internet Is Doing to Our Brains
(New York: W. W. Norton, 2011) [edição em português: A geração superficial:
o que a internet está fazendo com os nossos cérebros (Rio de Janeiro: Editora
Agir, 2011)], p. 7.
9. Condição de quem é iletrado. Do inglês “illiteracy”. (N. do E.)
10. Condição de quem é letrado mas não tem o hábito de ler. Do inglês
“aliteracy”. (N. do E.)
11. Trip Lee, entrevista com o autor através do Skype (25 mar. 2015).
12. John Dyer, “Print Bibles Vs. Digital Bibles: Comparing Engagement,
Comprehension, and Behavior”, projeto inédito (mar. 2016). Seu estudo
também confirma as descobertas de Ackerman e Goldsmith.
13. Scott R. Swain, Trinity, Revelation, and Reading: A Theological
Introduction to the Bible and Its Interpretation (London; New York: T&T Clark,
2011), p. 95.
14. Brad Littlejohn, “The Seven Deadly Sins in a Digital Age: 4. Sloth”,
Reformation 21. Disponível em reformation21.org (nov. 2014).
15. Ibid.
16. John Piper, em uma conversa pessoal (18 mar. 2016). Usado com
permissão.
17. Exemplos incluem 2Pedro 3.15-16 e as declarações de Jesus “Vocês não
leram?” (Mt 12.3-7; 19.4-5; 22.31).
18. Daniel M. Doriani, “Take, Read”, em The Enduring Authority of the
Christian Scriptures, ed. D. A. Carson (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2016),
pp. 1.123-1.124.
19. Oliver O’Donovan, Ethics as Theology, v. 2, Finding and Seeking (Grand
Rapids, MI: Eerdmans, 2014), p. 133.
20. C. S. Lewis, Deus no banco dos réus (Rio de Janeiro: Thomas Nelson
Brasil, 2018), p. 250.
21. C. Christopher Smith, Reading for the Common Good: How Books Help
Our Churches and Neighborhoods Flourish (Downers Grove, IL: InterVarsity
Press, 2016), pp. 27-28
22. O Salmo 119 é um capítulo longo e prolífico sobre obediência, sendo
carregado com a linguagem de plenitude de coração, deleite, alegria, temor,
louvor e cântico. A chave para a obediência não é simplesmente ler a lei de
Deus, mas ter um coração cheio de alegria no legislador e em suas palavras
para nós. Nossa defesa contra o pecado é um coração cheio de afeição
centrada em Deus.
5 ALIMENTAMO-NOS DO QUE É PRODUZIDO

Assim como os peixes precisam de água para viver, as


celebridades precisam replicar imagens.
Para que as celebridades sobrevivam por mais um dia, precisam
encontrar meios de replicar as imagens de si mesmas várias e
várias vezes. Elas precisam aparecer em notícias — é disso que
vivem —, e as corporações que as bancam também precisam
continuar levando esses ícones adiante. Isso significa que a cultura
de celebridades sobrevive de câmeras — de muitas e muitas
câmeras: câmeras fotográficas, câmeras de vídeo, câmeras de
estúdio, câmeras de paparazzi e câmeras de fãs.
Nossos celulares não só possuem câmeras nítidas que registram
imagens e vídeos de qualidade: essas câmeras sempre estão
conosco. Com o tempo, desenvolvemos dedos inquietos que
sempre estão prontos a disparar o obturador para captar qualquer
coisa no momento. Unidos, passamos a não somente consumir a
cultura de celebridades, como também a alimentá-la.
UMA ICONOGRAFIA
Quando anunciaram que o superastro Johnny Depp e seus colegas
de elenco apareceriam em uma estreia de filme em Boston, os fãs
se aglomeraram espremidos contra a barra de metal que margeava
o tapete vermelho, o qual estava disposto ao longo de uma calçada
que levava até o cinema fechado. À medida que Depp e vários
outros atores e atrizes iam aparecendo no tapete vermelho,
centenas de câmeras disparavam seus flashes. Em um momento de
genialidade e paradoxo, um experiente fotógrafo de Boston desviou
sua atenção daqueles astros para a multidão espremida de
espectadores e fez uma fotografia que é um ícone de nossa época.1
No enquadramento, vemos 44 espectadores totalmente
espremidos e pelo menos trinta celulares visíveis levantados no ar,
com suas câmeras ligadas. Um homem de meia-idade na fileira da
frente parece inquieto com um aplicativo, sem dúvida tentando fazer
sua câmera funcionar. Quase todo mundo está pronto para aquele
momento, segurando seus telefones o mais alto que seus braços
alcançam, a fim de conseguir uma imagem ou de fazer um vídeo
daquele desfile o mais nítido possível. Isso significa que
praticamente todos na foto estão olhando para longe de Depp, para
seus celulares, que estão levantados, em uma postura cômica da
qual as gerações futuras certamente gostarão de zombar.
Mas, em primeiro plano, entre a multidão de celulares levantados,
está uma mulher idosa, com os braços tranquilamente dobrados
sobre o peito, encostada no corrimão da barricada. Ela olha
diretamente para os atores com uma pose despreocupada e um
ligeiro sorriso. Ela não está tentando capturar ou compartilhar
qualquer coisa, não está tentando captar uma imagem em
movimento para, mais tarde, compartilhar online. Ela está
simplesmente curtindo aquele momento.
À esquerda, está uma mulher mais jovem que segura seu telefone
para gravar a cena, mas cujos olhos estão fixos no evento à sua
frente, e não em sua tela. Ao contrário dos outros, ela tem o que
precisa para manter seu telefone, mas também para desfrutar o
momento com seus próprios olhos.
APRECIANDO O QUE É MEDIADO
A multidão representa um espectro de atitudes naquele momento
(apenas assistir, ver e capturar, apenas capturar), e nós precisamos
saber qual seria nossa própria reação dentro dele. Mas, antes de
voltarmos às compulsões por câmeras de celular, precisamos de
definições para o quadro geral, razão pela qual vou traçar
rapidamente um panorama.
O primeiro e mais fundamental aspecto é: tudo neste mundo que
podemos escutar, olhar, cheirar e experimentar existe porque Deus
ordenou. Ele falou — e todas as criaturas visíveis e observáveis,
recursos e forças passaram a existir.2 Ele falou — e a luz, os
animais, os oceanos, as montanhas, o nascer do sol, as luas cheias,
as florestas e um espectro de cores passaram a ser. Ele continua a
falar através das coisas que chamou à existência, e chama
adoradores humanos para se deleitar nele, assim como nós
desfrutamos o que ele fez.
Toda a criação é um caminho que volta para Deus. Então, se você
olhar para o sol ardente e perguntar: “O que é o sol?”, a resposta
completa não será “é uma bomba atômica em constante explosão
de gases voláteis”. Como cristãos, nós perpassamos a física e
indagamos: “Mas por que, antes de mais nada, o sol existe? Quem
colocou o sol no espaço? E o que isso nos diz sobre a pessoa que
formou e fez o sol se tornar real?”.
Nada no universo é arbitrário ou casual, pois nada existe por
acaso. Todas as coisas vêm de alguém, são causadas por alguém
e, portanto, contêm um significado que vai além de sua natureza.
“Pois dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a
glória eternamente. Amém” (Rm 11.36). Para quem tem olhos para
ver seu real significado, o sol ardente no céu é uma manifestação da
glória de Deus, servindo como um espaço reservado a uma glória
maior que será revelada no futuro.3 Assim, tudo que é real tem sua
origem em Deus, ou seja, toda criação é mediada.
Mas vamos adicionar outro nível, um intermediador — agora
falaremos sobre experiências intermediadas. Tudo o que lemos,
ouvimos e vemos ou tudo aquilo a que assistimos em nossos
celulares se enquadram nessa categoria. Nas telas de nossos
smartphones, encontramos apenas cópias do que existe no mundo.
Lemos mensagens apenas quando nos são intermediadas pelos
outros, pelos guardiões do mundo criativo — músicos, artistas,
produtores de filmes e até mesmo nossos amigos e familiares.
Isso talvez ainda não esteja fazendo sentido, então permita-me
explicar o que é mediado e o que é intermediado por meio de três
categorias distintas:

Revelação natural de Deus (mediada, parte 1)


Deus, que é invisível, ordenou a criação à existência4 e agora medeia a
presença entre ele e nós através de sua criação material e das leis
naturais que ele põe em ação, as quais, originalmente perfeitas, estão
agora contaminadas e caídas,5 embora nunca silenciadas.6

Revelação especial de Deus (mediada, parte 2)


Deus, que é invisível, comunica-se com o universo por meio de suas
palavras, suas obras e, em última instância, por meio do Verbo
encarnado, Jesus Cristo. Cristo é a Palavra definitiva de Deus e, hoje,
ele se torna conhecido por nós nas páginas da Escritura.7

Produções humanas (intermediadas)


Os portadores da imagem de Deus (nós) usam os materiais do mundo,
as palavras, as leis naturais e os valores da prosperidade humana,
estabelecidos pelo Criador. Então, voltamos a mediar tudo através de
nossos produtos culturais — arte, música, literatura e textos —,
adicionando uma camada de interpretação às nossas criações,
intencional ou inadvertidamente, para o bem ou para o mal.

As palavras e obras de Deus sempre precedem as palavras e


obras do homem. Deus ordenou a criação à existência e falou sua
palavra definitiva para nós na pessoa de seu Filho, Jesus Cristo.
Deus ordenou o mundo, a sabedoria e a redenção, e preparou o
palco para a arte humana.
Aqui está outra maneira de dizer isso. Deus nos criou para
derramar seus dons sobre nossas vidas, como, por exemplo, as
maravilhas naturais do ar, a luz do sol, o alimento, a água, a chuva,
as praias e as montanhas — isso só para começar. Conforme
recebemos esses dons (e muitos outros), paramos em momentos-
chave para responder a ele com alegre gratidão.8 E ele precisa
quebrar o poder do pecado para que essa gratidão opere
corretamente em nossas vidas, mas quando isso acontece, é-nos
dado o dom da gratidão centrada em Deus, para que possamos
compreender sua ordem natural, receber suas maravilhas cósmicas,
apreciar a “densidade” de seus dons materiais9 e nos deleitar com
nossos amigos e cônjuges — e, assim, receber de Deus nossa
existência plena: nossas vidas, nosso futuro, nossas almas, nossos
corpos, nossos gêneros biológicos e seu projeto surpreendente e
sem rubor para a sexualidade e a procriação humana.10
O Espírito nos torna espiritualmente vivos para que vejamos a
glória de Deus revelada nas Escrituras, e o Espírito abre nossos
olhos para possamos ver o Criador que está por trás de todos os
nossos dons naturais.11 A Bíblia revela um Deus que está ansioso
para nos abençoar física e espiritualmente: a prova suprema de sua
generosidade transbordante é o sangue derramado de seu Filho
precioso.12 Ao contemplarmos a glória de Cristo pela fé nas
Escrituras, nossos corações transbordam em ação de graças e
alcançam maiores alturas.13 Todas as coisas que nos foram dadas,
e tudo o que somos, ou temos a esperança de nos tornar, são dons
em Cristo, que é nosso Criador e Redentor.14 Em Cristo, podemos
ver através das chuvas de dons e contemplar a glória do Doador
enquanto esperamos por uma eternidade nas delícias
incomparáveis da presença de Deus.15 Ele é o dom mais supremo
de todos; dom para o qual todos os outros dons estavam apontando
e nos conduzindo!
Então, devemos passar nossos dias em silencioso anseio
enquanto esperamos por essa glória visível? Não, nem
conseguiríamos. Pela fé, devemos vangloriar-nos agora em Cristo,
nosso Salvador, Criador e o sustentador de todas as coisas.16
Nossas almas foram ressuscitadas para uma nova vida, para que
nos jactemos de Cristo, e, à medida que falamos, nossa alegria se
expanda e transborde, tornando-nos, assim, criadores e artistas. A
arte é espontânea. A arte é doxologia. A arte é o reflexo da beleza
de Deus para o mundo. É por isso que existimos!
Mas ao falar do propósito de nossas vidas, adiantamo-nos um
pouco demais (veremos mais no próximo capítulo). Vamos falar aqui
do propósito de nossa mídia.
Todo artista trabalha apenas com a matéria-prima da
generosidade de Deus, e isso nos conduz a duas conclusões, uma
positiva e outra negativa.
De maneira negativa, expressar uma arte que não glorifica a Deus
vai significar que não existe um propósito maior do que a fama do
artista. A arte sem Deus não se limita a se livrar de Deus ou a
inocentemente esquecê-lo — a arte sem Deus, de maneira ativa,
arranca-o da realidade por ele criada e suprime o reflexo de sua
glória com uma espessa camada de tinta preta.17
De maneira positiva, expressar uma arte que honra a Cristo vai
significar que tudo que criamos, compartilhamos e disseminamos
em nossos telefones — sejam pinturas, música, fotos, poemas ou
livros — pode amplificar a revelação natural e especial de Deus.
Assim, pretendemos produzir arte que reflete a glória de Deus sem
diminuir seu esplendor.
Em ambos os casos, em tudo o que fazemos, adicionamos uma
camada de interpretação. Por isso, sempre tenho de me perguntar:
será que minha arte digital ofusca a glória de Deus ou a reflete?
JEEP
Aqui está um exemplo simples. Imagine que você abriu o Facebook
e viu um vídeo lindo do Grand Canyon feito por um drone. Você
decide parar para assistir àquele clipe cinematográfico que capta
algo da profundidade e da abrangência da cena majestosa,
complementada por uma narração poética e uma música incrível. É
de tirar o fôlego.
Esse vídeo pode ser apresentado a nós com objetivos totalmente
distintos. Primeiro, pode ser usado para nos despertar para a
adoração, na medida em que observamos a majestade da glória
natural de Deus intermediada pela produção humana. Ou esse
mesmo filme pode ser usado para conduzir nosso amor a um novo
produto, como, por exemplo, um Jeep Off-Road. A primeira
interpretação amplifica a glória de Deus; a segunda, por sua vez,
amplifica a astúcia de uma empresa de marketing corporativo.
Em ambos os casos, assistir ao vídeo não se equipara à
experiência de chegar à borda do Grand Canyon e observar a
criação como um encontro direto com a imensidão de Deus. O vídeo
não pode acender totalmente esse temor.
Meu ponto é simples. Devemos estar conscientes de que todo
conteúdo na “telinha” de nossos telefones é intermediado. Isso não
é bom nem ruim; apenas uma realidade que requer discernimento e
critério. Em nossos telefones, temos portais de alta definição para
as vastas belezas e glórias da criação, mas cada mensagem que
recebemos foi cortada, editada e produzida com um propósito
específico. Essa distinção também mantém a tela do nosso celular
no contexto apropriado quando se trata das glórias massivas de
Deus — tanto visíveis como invisíveis — que cercam nossas vidas.
APONTAR, FOTOGRAFAR, ESQUECER
A essa altura, eu consegui instalar uma grande discussão sobre
arte, mas estávamos apenas falando sobre celulares. Então, para
manter este capítulo curto, vou resumir alguns pontos-chave e,
basicamente, apontar algumas sugestões e implicações,
começando pelo retorno ao tópico relacionado às câmeras dos
celulares.
As câmeras de alta resolução acopladas aos nossos telefones
são simplesmente uma das bênçãos mais incríveis da era digital,
por serem convenientes, portáteis e potentes. Mas isso também nos
conduz a três questões.
Primeiro, precisamos refletir sobre a capacidade social de nossos
telefones e como essa capacidade molda nossos impulsos. O que é
verdade sobre nossas câmeras também é verdade sobre todos os
hábitos no celular: o poder de compartilhar imediatamente qualquer
coisa que vemos ou fazemos, antes de mais nada, é o que
condiciona aquilo que registramos. No extenso estudo sobre hábitos
de mídia social de estudantes universitários, realizado por Donna
Freitas, uma aluna incisiva comentou: “As pessoas costumavam
fazer as coisas primeiro e só então publicá-las, e a aprovação que
você recebesse do que estivesse expondo era um subproduto da
atividade real. Agora, a aprovação antecipada é o que está dirigindo
o comportamento ou a atividade, então é como se tivesse havido
essa reversão”.18 Telefones com conexões sociais nos transformam
– e nossos amigos e filhos – em atores. Isso não é pouca coisa.
Em segundo lugar, precisamos repensar nossas memórias. E se
as câmeras em nossos telefones, que usamos para apontar e
fotografar com facilidade, tornam-nos menos capazes de reter
memórias pontuais? Um psicólogo chama essa amnésia induzida
pela câmera de “efeito prejudicial de tirar fotos”.19 Isso funciona
assim: ao terceirizar a memória de um momento para nossa
câmera, estamos achatando o evento em um 2D instantâneo e
seguimos ignorando seus muitos outros contornos — como, por
exemplo, o contexto, o significado, o cheiro, o toque e o gosto.
Se as câmeras em nossos bolsos relegam nossos momentos a
memórias 2D, talvez as mais ricas lembranças da vida sejam
“capturadas”, de modo mais significativo, por nossa consciência
sensorial completa naquele momento — e, mais tarde, relatadas em
um diário. Essa prática simples provou-se como um meio profícuo
de preservar memórias para as pessoas ao longo dos séculos. A
fotografia é uma bênção, mas se, por impulso, nos voltarmos para
nossos aplicativos de câmera rapidamente, nossas mentes podem
deixar de capturar os momentos verdadeiros e a riqueza de detalhes
de uma experiência, tudo em troca de memórias visuais achatadas.
O uso indiscriminado das câmeras pode, de fato, estar custando a
nós lembranças mais vívidas. Mas até que estejamos convencidos
disso, vamos continuar a buscar impulsivamente nossos telefones
quando acontecer algo extraordinário (ou menos que isso).
Em terceiro lugar — e o mais traiçoeiro de todos —, eu me
pergunto se esse impulso não contido de fotografar expõe, na
verdade, algo mais profundo e obscuro em nós; se não é uma
espécie de descrença que nos move, algo mais parecido com a
mentira de que talvez o dado momento seja nossa última
oportunidade de chegar perto da grandeza. Em essência, esse foi o
golpe que tinha como alvo Adão e Eva, e que tem estado no
coração de cada exemplar humano desde então.20
O pecado mente sobre o futuro. “Se eu não agarrar essa chance
de glória agora”, diz o pecado, “ela se perderá para sempre”. Então,
apontamos nossos telefones para as celebridades, que apenas
apontam para nosso esquecimento. Esquecemos a eternidade.
Costumamos perder tão facilmente a fé que nos esquecemos de
que, um dia, vamos herdar o mundo e ser mais conhecidos e mais
abastados do que o Johnny Depp sequer seria capaz de imaginar
nesta vida.21 Queremos nossa cota de glória agora, em vez de
esperar por nossa “glória a ser revelada”.22 E se, na verdade, nossa
quantidade de selfies no Snapchat e nossos feeds repletos de
estrelas do Instagram estão expondo a escuridão de nossa
esperança futura?23
LIBERTANDO-SE
Como, então, podemos caminhar (e clicar e compartilhar) com
sabedoria?
Primeiro, devemos, humildemente, admitir que somos alvos de
megacorporações digitais capazes de nos transformar em
consumidores inquietos com conteúdo estrategicamente
intermediado. Não podemos ser ingênuos a esse respeito. Nossos
tempos de atenção foram monetizados, e fazer com que nos
tornemos viciados em nossos telefones é uma mercadoria comercial
medida em bilhões de dólares, e não em um troco de quiosque.
Com frequência, o anzol vem em atrativos visuais. E, mais uma vez,
ressalto: o meio não é inerentemente errado. A arte digital e a troca
de mensagens podem ser feitas para a glória de Deus, e com
excelência. Mas temos de perceber que estamos sendo
condicionados a voltar aos nossos telefones quando queremos nos
sentir maravilhados e empolgados, e, em troca, estamos sendo
ordenhados para o lucro corporativo. Da mesma forma, as
plataformas de mídia social são empresas gigantescas com preços
de ações públicas, e só podem crescer em valor se nos
condicionarem a nos transformar em atores diante de nossos
telefones.24
Segundo, precisamos aprender a desfrutar nossas vidas
presentes em fé, ou seja, desfrutar cada momento da vida sem nos
sentir compelidos a “fotografá-lo”. Uma tendência crescente entre os
músicos em turnê é pedir aos fãs para não filmar seus shows.
“Mantenham os telefones nos bolsos e aproveitem o momento”,
dizem eles. Essa direção é, de certa forma, análoga ao prazer
cristão nas boas dádivas de Deus. Saia sem seu telefone, vá
acampar, admire as estrelas, caminhe na natureza... qualquer coisa
que traga a criação para mais perto e que seja mais
engrandecedora do que pixels.
Em terceiro lugar, devemos comemorar. Não podemos suprimir o
apetite de nossa alma pelo que é inspirador. O objetivo não é
silenciar toda a mídia do celular, mas sim nos alimentar da mídia
correta. Fomos criados para contemplar, ver, provar e nos deleitar
na riqueza da glória de Deus — e, com frequência, essa glória vem
refratada para nós através de artistas qualificados. Nosso apetite
insaciável por vídeos virais, memes e tuítes é produto do apetite por
glória, o qual foi dado por Deus. E Deus criou um mundo delicioso
de maravilhas de mídia para que pudéssemos desfrutar, abraçar e
valorizar tudo que é verdadeiro, respeitável, justo, puro, amável, de
boa fama, excelente ou digno de louvor.25 Isso nos manterá
ocupados com as maravilhas da Escritura, da natureza e da graça
de Deus nas pessoas que ele criou.
ALIMENTANDO A AUTENTICIDADE
Ao estarmos preenchidos com a realidade mediada por Deus,
tornamo-nos ansiosos em nossa celebração e perspicazes no
discernimento da arte intermediada. Tornamo-nos filtros em nossas
redes online — como sal e luz —, como um ato de amor em tudo o
que publicamos, compartilhamos e curtimos. Nós nos recusamos a
ser portadores sem cérebro do meme viral mais recente. No lugar
disso, vivemos como cristãos oferecendo “resistência dialógica”, ou
seja, filtramos as mensagens do mundo através de nosso
discernimento individual e, em seguida, compartilhamos online
através de uma robusta tecnologia de realidade, possibilidade e
significado em Deus.26
Para fazer isso, devemos escapar das armadilhas do que é
produzido pelo universo intermediado e nos afastar de modo que
possamos viver nossas próprias vidas. Em seu aniversário de nove
meses de sobriedade da mídia social — completamente fora do
Instagram, Pinterest, Facebook e Twitter —, minha esposa declarou:
“Hábitos compulsivos de mídia social são uma troca ruim: você troca
seu momento presente por uma série interminável de momentos
passados de outra pessoa”. Ela está certa sobre o custo. Nossas
vidas de mídia social podem parar nossa própria vida.
Ou, como diz Andy Crouch, nossa dependência de celulares
conduz a uma cegueira criacional. É apenas na ausência de elogios
digitais constantes que podemos nos sentir pequenos e menos
significativos, mais humanos, livres para encontrar o mundo que
somos chamados a amar.27 Nós nos tornamos inevitavelmente
cegos às maravilhas da criação quando nossa atenção está fixa em
nossa tentativa de criar a próxima cena de nossa “autobiografia
incessante”.28 Em vez disso, diz Crouch, “toda criatividade
verdadeira e duradoura vem de um engajamento profundo e
arriscado com a plenitude da criação”. Assim, “vá até a criação
gloriosa e aterrorizante, e deixe-a movê-lo e quebrar seu coração.
Aí, sim, você terá algo a oferecer no espelho turvo que é a ‘mídia
social’ — e no mundo completo e real, que exige nosso
envolvimento de todo o coração, mente, alma e força”.29 Sim,
afaste-se das telas e deixe as glórias da criação quebrarem seu
coração, permitindo que a obra do gênio criativo de Deus o lave
conforme você esquia em montanhas, caminha em trilhas e
mergulha em oceanos. Mas não pare por aí. Suba também aos
cumes da Escritura. Permita que a Palavra de Deus perfure suas
intenções e exponha suas motivações mais verdadeiras, e permita-
se ser condenado, quebrado e refeito — que é a sensação de estar
na deslumbrante presença de Deus.30
Em seguida, pegue todos os dons criados e revelados por Deus
para você e transforme todos em uma vida que mostre ao mundo
quão glorioso e satisfatório Deus realmente é. Esse é o segredo
para “criar” grande arte digital de todas as formas e de todos os
tipos.

UM CHAMADO A TODOS OS ARTISTAS (UMA DIGRESSÃO)


O capítulo está terminando e estávamos discorrendo
principalmente para consumidores de conteúdo. Entretanto,
preciso dirigir-me mais especificamente aos artistas digitais
sérios (de todos os níveis), e este parece ser um bom lugar
para fazê-lo. Dessa forma, começa agora uma espécie de
“barra lateral” para artistas, criadores e compartilhadores de
conteúdo.
Hoje, os cristãos que criam e compartilham mídia digital
têm mais portas abertas e oportunidades de expressão do
que em qualquer outro momento da história da igreja. Assim,
a postura da igreja não deve estar recuada e longe da mídia
digital, mas, sim, inclinada e aberta a novos usos da
tecnologia — produção de artigos, poesia, palavra falada,
música, filmes, vlogs, podcasts, romances, fotografia e
pinturas, e tudo com o propósito de refletir a glória de Deus,
envolvendo o mundo em uma cosmovisão bíblica e até
mesmo proclamando a esperança do evangelho.
A metáfora de Jesus para o trabalho evangélico é a de um
agricultor que espalha sementes por todo o solo, esperando
que algumas criem raízes, cresçam e vinguem em uma
cultura.31 Da mesma forma, os líderes e artistas cristãos são
chamados a disseminar a verdade em todos os lugares,
esperando, em espírito de oração, que algumas sementes
criem raízes nos corações. Não estou defendendo memes
religiosos melosos, mas, sim, reflexões profundas, sérias e
originais que possam emergir do lugar no qual a criação e a
verdade bíblica se conectam com sua vida e adoração. Os
artistas cristãos expressam essa interseção pessoal com
dons originais e expressivos. E todos nós dispomos das
ferramentas. Todo mundo que possui um telefone não é um
mero consumidor de conteúdo, mas também um produtor e
um consumidor — um prosumidor, como se diz por aí. Todos
nós somos apologistas, professores, defensores e profetas,
falando à vida de outras pessoas. Esses novos modos de
expressão cultural, ao serem afiados pelas mãos dos artistas
mais exigentes, tornam-se armas estratégicas para o
evangelho.
E essa oportunidade aterradora acende uma grande
questão: qual é o objetivo último da minha arte?
A tecnologia é pragmática; ela nos pressiona a perguntar
como, mas não por quê.32 Os mecanismos e as técnicas da
tecnologia naturalmente triunfam sobre as perguntas acerca
dos objetivos-fim. Assim, na era digital, temos de indagar
acerca do propósito cada vez com mais frequência.
Os cristãos que fazem essa pergunta (“Por que eu crio
arte?”) descobrem que “autoexpressão” é uma resposta
insuficiente. Somos ordenados à autoavaliação constante de
todo comportamento e de toda prática, sempre aferindo-os
por meio de sua finalidade, de seus objetivos e metas. O
apóstolo Paulo nos dá um padrão de ouro de ética cristã em
um debate antigo em molde do tipo “vai e vem”.
“Todas as coisas me são lícitas”, era o lema reinante da
antiga Corinto.
“Mas nem todas convêm”, retruca Paulo.
“Todas as coisas me são lícitas”, voltou a afirmar o lema,
talvez em um volume mais alto.
“Mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas”,
respondeu Paulo.
“Todas as coisas são lícitas”, disse o lema pela terceira
vez, de maneira ainda mais enfática.
“Mas nem todas edificam”, reiterou Paulo.33
A liberdade em Cristo não é uma liberdade para fazer o
que você quiser; ela serve para uma autorreflexão com os
pés bem firmes no chão e para evitar a escravidão cultural do
pecado. Minha liberdade em Cristo me dá olhos para que eu
veja que nem todas as coisas me edificam, edificam os
outros ou são aceitáveis ao meu testemunho no mundo.
Em tese, Paulo pressiona continuamente os cristãos que
são produtores de conteúdo a fazer três perguntas:

Finalidade: minhas arte e mídia social apontam outras


pessoas para Deus?
Influência: minhas arte e mídia social servem à minha
audiência e a edificam?
Servidão: minhas arte e mídia social me aprisionam em
um cativeiro insalubre para meu meio?

O PESO DAS MINHAS PALAVRAS SOBRE OS DEMAIS


Esses princípios sustentam a verdade em tudo que criamos,
mas especialmente nas palavras que proferimos. Até mesmo
nossas palavras nos meios digitais devem apontar os demais
na direção de Deus. Meras “palavras vãs” não podem fazer
isso, e Jesus nos disse que “toda palavra inútil” deve ser
posta de lado.34 Devemos eliminar de nosso discurso as
palavras que destroem.
Para usar uma metáfora bíblica notável, nossas línguas
são como fogo — capaz de bênção e destruição.35 Com
nossas línguas, bendizemos a Deus e amaldiçoamos os
portadores da imagem de Deus. Uma língua indomável é
como uma roda de fogo, rolando em seu curso e espalhando
chamas por onde passa. Estamos constantemente dando
força e impulsionando as trajetórias uns dos outros por meio
de nossas línguas (ou polegares).
Talvez a palavra mais profética de C. S. Lewis para a era
digital se ocupe desse tema. “É coisa séria viver numa
sociedade de possíveis deuses e deusas”, escreveu, não
elevando o homem a deus, como a Serpente fez em sua
mentira, mas como deuses e deusas em seu estado
glorificado na nova criação. Talvez consigamos imaginar a
nós mesmos sendo glorificados, mas, com frequência, não
somos capazes de imaginar nosso próximo assim. Na
verdade, “a pessoa mais chata e desinteressante com quem
você pode conversar poderá um dia ser uma criatura que, se
você a visse agora, seria fortemente tentado a adorar; ou,
então, um horror e uma corrupção tal qual você encontra
agora, se for o caso, apenas num pesadelo”.36 Sem dúvida,
todos os seres humanos se apresentarão diante de Deus
para dar conta de sua vida e suportar o peso eterno de sua fé
ou de sua incredulidade. Mas também é verdade que,
diariamente, estamos conduzindo uns aos outros em uma
das duas direções: (1) em direção a Cristo e à beleza eterna,
a qual, um dia, nos tirará o fôlego; ou (2) em direção à
rejeição de Cristo, com uma feiura eternamente distorcida e a
deterioração da alma — as quais são reminiscências do mal,
que é apenas fracamente insinuado nos filmes de horror
moderno. “É à luz dessas possibilidades irrefutáveis, é com a
reverência e a circunspecção que as caracterizam que
deveríamos conduzir nossas interações uns com os outros,
todas as amizades, todos os amores, todo a diversão, toda a
política” — e toda a nossa mídia social. “Não existem
pessoas comuns. Você nunca conversou com um mero
mortal. Nações, culturas, artes, civilizações — essas coisas
são mortais, e a vida dessas coisas é para nós como a vida
de um mosquito. No entanto, é com os imortais que nós
fazemos piadas, trabalhamos e casamos; são os imortais
aqueles a quem esnobamos e exploramos — horrorosos
imortais ou eternos esplendorosos”.37
É claro que esse aviso está diretamente relacionado ao
bullying virtual, mas o princípio se estende a todos os nossos
textos e tuítes. Por trás das palavras em nossas bocas,
encontramos os desejos de nossos corações, e esses
desejos estão sempre provocando novos desejos nos
corações dos outros.38 Em resumo: “As pessoas para quem
você escreve”, disse David Platt, “vão passar o próximo
quatrilhão de anos no céu ou no inferno”.39 E o cronograma
dele é só um eufemismo. Paus e pedras podem quebrar
ossos, mas meus textos e mensagens digitais estão
empurrando almas eternas em uma de duas direções. Deixe
essa verdade lúcida orientar sua arte.
O PESO DAS MINHAS PALAVRAS EM MIM
É nesse ponto que tudo isso se torna também pessoal.
Quando se trata de nossa língua, Jesus nos adverte que
falamos acerca daquilo que já está guardado em nossos
corações: “Mas o que sai da boca vem do coração, e é isso
que contamina o homem” (Mt 15.18). Já que a origem de
nossas palavras é o coração, isso, por si só, é uma boa
forma de verificação do uso de nossa mídia social, pois as
palavras digitadas por nossos polegares manifestam os
amores nucleares e os desejos de nossos corações. No
entanto, o que mais me assombra é a segunda metade do
versículo, em que Jesus deixa claro que nossas palavras não
se limitam a nos expor; elas nos definem — e não só nos
definem, como também podem nos destruir.
Jesus ecoa um paradigma encontrado por toda a Bíblia: “O
que guarda a boca conserva a sua alma, mas o que muito
abre os lábios a si mesmo se arruína” (Pv 13.3); “Nas
palavras do sábio há favor, mas ao tolo os seus lábios
devoram” (Ec 10.12). Observe a encarnação de nossas
palavras. Somos advertidos, repetidas vezes, de que, cada
vez que falamos, damos à luz palavras no mundo. Falamos
coisas que se tornarão um legado. Nossas palavras se
delongam ao nosso redor, crescem em poder e nos
melhoram ou — como fogo descontrolado — voltam-se
contra nós. Se tivermos autocontrole, as palavras que
usamos para edificar os outros também nos edificarão. Mas,
quando nos falta autocontrole, as palavras digitais que
comunicamos sem filtro através de nossos telefones serão
como a rusga de um exército saindo de nossas bocas,
guerreando contra nós e danificando nossas vidas em todos
os sentidos: relacional, social, financeiro, físico e espiritual.40
“A morte e a vida estão no poder da língua” (Pv 18.21).
Podemos destruir os outros e a nós mesmos com nossas
palavras digitais; podemos edificar os outros e também
abençoar a nós mesmos. A profunda ligação bíblica é
fundamental. Nossas palavras nos destroem caso tenham o
objetivo de destruir os outros, mas nos edificam quando têm
a intenção de abençoá-los. Isso significa que, para a maioria
de nós, que possuímos modestas plataformas de mídia
social, a maior influência das palavras proferidas por meio
dos celulares será encontrada no poder e na influência que
exercem sobre nós.
EMPUNHANDO PALAVRAS DIGITALMENTE
A distribuição ultrarrápida de palavras digitais, música e
imagens é uma ferramenta gigantesca, mas também requer
uma habilidade que podemos aprender ao retornar ao
paradigma ético tríplice de todos os cristãos vivos: (1) matar
os hábitos pecaminosos da vida que utilizam mal os bons
dons de Deus, enquanto (2) magnificamos o Doador pelos
dons em si, ao (3) empregar os dons com um propósito
missionário. Nesse caso, substitua “dons” por “dons de mídia
digital”. Matar os hábitos pecaminosos da vida que utilizam
mal os bons dons de mídia digital provenientes de Deus,
enquanto magnificamos o Doador pelos dons de mídia digital
em si, ao empregar os dons de mídia digital com um
propósito missionário.
Se tudo o que postamos no Facebook, Twitter e Instagram
e tudo que escrevemos em nossas mensagens de texto e
emails são um produto, isso significa que nós também somos
produtores. Então, o que estou produzindo, e, mais
importante, por que estou produzindo? Antes de escrever,
tuitar ou publicar sua arte digital online, pergunte
honestamente a si mesmo:

Em última análise, isso vai glorificar a mim mesmo ou a


Deus?
Isso vai ampliar ou ofuscar minhas afeições saudáveis
para com Cristo?
Será que isso não serve apenas para documentar que
eu sei algo que outras pessoas não sabem?
Isso vai me representar de forma deturpada ou
autêntica?
Será que, potencialmente, isso produzirá inveja nos
outros?
Será que isso vai fortalecer a unidade ou provocar uma
divisão desnecessária?
Será que isso vai edificar ou destruir?
Será que vai acrescentar culpa ou aliviá-la?
Será que isso vai alimentar o desejo de pecar ou vai
advertir contra ele?
Será que isso vai exceder em promessas e incutir falsas
esperanças nas outras pessoas?

Ao fazer essas perguntas, não quero me tornar tão


paralisado pelo medo a ponto de deixar de compartilhar, mas
também não quero ser tão ingênuo a ponto de me tornar
negligente com o que compartilho. Como produtor de
conteúdo online, eu preciso dessas perguntas para interrogar
meu coração sempre que posto ou publico algo.
E, em tudo isso, não descarto o valor do bate-papo online
ou da autodepreciação humorística. Essas podem ser
ferramentas poderosas para fins missionários. Até mesmo o
apóstolo Paulo não hesitou em se autodepreciar.41 Isso não o
paralisou; ao contrário, isso o afirmou e personalizou como
um pecador salvo. Há uma autodepreciação estratégica que
vem através de rir de nós mesmos e que faz com que nossa
plataforma seja mais acessível aos outros. Quanto mais Deus
usá-lo online e você construir relacionamentos online com
pessoas que não conhece pessoalmente, mais
persuasivamente você pode usar o humor para se humanizar,
e até mesmo para tornar sua mensagem de graça mais
pungente. Para os cristãos, o humor não é um fim em si
mesmo, mas sim um meio de tornar o evangelho mais real
para pessoas que o acompanham online (como veremos
adiante). Com ou sem humor, a autoexpressão, por si só,
nunca é uma razão suficientemente boa para os cristãos se
comunicarem online. Para qual destino eterno estou
influenciando os outros e a mim mesmo? Com esse forte
chamado em mente, Paulo implora que oremos. Cada um de
nós precisa saber quando falar, enquanto oramos como
Paulo, “para que me seja dada, no abrir da minha boca, a
palavra, para, com intrepidez, fazer conhecido o mistério do
evangelho” (Ef 6.19).
E também temos de saber quando calar. As virtudes de
nossa era são a hiperconectividade e a habilidade multitarefa,
e não a solidão e a meditação. Mas a verdadeira sabedoria
exige moderação da palavra.42 O mesmo evangelho que nos
dá as palavras nos ensina o que não dizer.43 No evangelho,
encontramos nossa mensagem e nossa comissão na era
digital. Por isso, oramos: “Senhor, não permita que qualquer
palavra de corrupção saia de meus polegares, mas apenas o
que é bom para a edificação, e é oportuno, para que meu
investimento em mídia social seja um meio de graça para
aqueles que a observam”.44

1. O fotógrafo assistente-chefe John Blanding, de The Boston Globe, fez a


foto em 16 de setembro de 2015. Para visualizar a imagem, veja Emily
Anderson, “This Boston Globe photo is perfect”, BDCwire. Disponível em
bdcwire.com (28 set. 2015). Depp atuou no papel principal em Aliança do
Crime (2015; classificação 16 anos), um filme sobre Whitey Bulger (1929–
2018), o infame chefe da máfia e assassino condenado em Boston.
2. Gênesis 1.1-31; Hebreus. 11.3.
3. Apocalipse 22.5.
4. Gênesis 1.1-31; Hebreus 11.3.
5. Gênesis 3.14-19; Romanos 8.18-25.
6. Romanos 1.18-23.
7. João 1.1-18; 2Coríntios 4.4-6; Colossenses 1.15-20; 2.1-8; Hebreus 1.1-3.
8. Romanos 1.18-23; 1Timóteo 4.1-5.
9. Conforme Douglas Wilson assinala: “A criação é um dom destinado a
trazer glória ao Criador. Todos os cristãos concordam nesse ponto. Mas, ao
longo do tempo, os cristãos têm colocado suas desconfianças em lugares
diferentes. Vejamos C.S. Lewis e Agostinho. Eu amo os dois, mas preferiria
tomar uma cerveja com Lewis. Lewis pediria uma cerveja muito boa, apenas
por se tratar realmente de uma cerveja muito boa, com sua compreensão de
que Deus está permeando o todo. Para ele, enquanto a densidade da criação
pode tornar-se um ídolo, um rival de Deus, ela é pretendida para nós como
um sermão de Deus a respeito de Deus. E você não pode honrar o pregador
ao ignorar o sermão. Mas Agostinho talvez pensasse que uma cerveja fina
nos ajudaria a pensar mais em Jesus, e não nos distrairia tanto assim, e que,
quando estivéssemos realmente avançados em graça, seríamos capazes de
obter o mesmo efeito com a água. Digo isso com pleno reconhecimento de
que eu não seria digno de ser um simples engraxate de Agostinho. Portanto, a
abordagem correta de uma criação densa honra o Criador de forma mais
plena; honramos sua obra porque ele a deu, em vez de tentar diluí-la em um
zelo mal orientado para sua glória”. Email para o autor (1o jul. 2016). Usado
com permissão. Intencionalmente ou não, a ilustração da densidade do álcool
de Wilson coincide com a exibição da glória divina ecoada no primeiro milagre
de Jesus (João 2.1-11). Ele não exerceu seu poder soberano para transformar
vinho em água, mas, sim, para tornar água de lavagem cerimonial em vinho
escuro e não diluído — o “vinho melhor”, aquele que chamou a atenção. O
adensamento de água para vinho não ofuscou a glória de Cristo: manifestou-
a. Veja também Douglas Wilson, “Creation Is Thick, I Tell You”, Blog & Mablog.
Disponível em dougwils.com (16 maio 2010); e Joe Rigney, The Things of
Earth: Treasuring God by Enjoying His Gifts (Wheaton, IL: Crossway, 2014)
[edição em português: As Coisas da Terra: Estimar a Deus ao Desfrutar de
Suas Obras (Brasília, DF: Editora Monergismo, 2018)], pp. 74, 95-115.
10. Salmos 15; Provérbios 5.18-19; Eclesiastes 9.9.
11. Herman Bavinck: “Se não tivéssemos ouvido Deus nos falando nas obras
da natureza, seríamos todos como os pagãos, para quem a natureza fala em
uma cacofonia e linguagem confusas”. Dogmática reformada, v. 2, Deus e a
criação (São Paulo: Cultura Cristã, 2012), p. 76.
12. Romanos 8.32
13. 1Coríntios 2.
14. João 1.3, 10; 1Coríntios 8.6; Colossenses 1.16; Hebreus 1.2.
15. 1João 3.2; e Salmos 16 novamente.
16. Romanos 11.36; 1Coríntios 8.4–6; Gálatas 6.14.
17. Romanos 1.18-32.
18. Donna Freitas, The Happiness Effect: How Social Media Is Driving a
Generation to Appear Perfect at Any Cost (New York: Oxford University Press,
2017), p. 4.
19. Jeff Jacoby, “Free Your Eyes from the Shackles of the Shutter”, The
Boston Globe (4 out. 2015).
20. Gênesis 3.4-5.
21. Salmos 37.11; Mateus 5.5; 25.21; 1Coríntios 3.21-23; 2Timóteo 2.12;
Tiago 2.5; Apocalipse 2.26; 5.10.
22. Romanos 8.18; 1Pedro 5.1.
23. Filipenses 3.19.
24. O empreendedor Seth Godin declarou: “A mídia social não foi inventada
para torná-lo melhor; ela foi inventada para que você dê dinheiro às
empresas. Por meio dela, você se torna um empregado da empresa. Você é o
produto que vendem. E eles o colocam em uma pequena roda de hamster e
jogam petiscos de vez em quando. As grandes empresas de mídia social
passaram do ponto de ser bens públicos profundamente importantes e úteis,
que criaram grande valor, para se tornar empresas públicas pressionadas
para fazer o preço das ações subir”. Tim Ferriss, podcast The Tim Ferriss
Show, “How Seth Godin Manages His Life — Rules, Principles, and
Obsessions”, The 4-Hour Workweek. Disponível em fourhourworkweek.com
(10 fev. 2016). A fim de desenvolver ainda mais a analogia, a roda de hamster
é também uma roda dentada, com seus dentes firmemente encaixados nas
engrenagens de outras rodas de hamster. Basta um hamster correr que todas
as outras rodas começam a girar, obrigando todos os outros hamsters a
também correr. A potência da mídia social (sua interconectividade) gera um
torque das máquinas interligadas que, uma vez iniciado, pode mover-se a
velocidades diferentes, mas torna-se inexorável. A máquina não vai parar.
Todos os hamsters devem correr.
25. Filipenses. 4.8.
26. Oliver O’Donovan, Ethics as Theology, v. 2, Finding and Seeking (Grand
Rapids, MI: Eerdmans, 2014), pp. 83, 87.
27. Andy Crouch, “Small Screens, Big World,” Andy Crouch, andy-crouch.com
(8 de abril de 2015).
28. Resumo de C. S. Lewis sobre a motivação de Satanás no poema épico
de John Milton Paradise Lost. Tendo percorrido o céu, inferno, e todo o
cosmos, Satanás finalmente torna-se focado apenas em si mesmo, em um
tédio infinito inevitável. Já Adão, nascido em um pequeno parque, é tão
rapidamente preenchido com espanto e admiração na criação que ele parece
quase esquecer-se na grandeza do lugar. Veja C. S. Lewis, A Preface to
Paradise Lost (London: Oxford University Press, 1961), p. 101–3.
29. Joshua Rogers, “Five Questions with Author Andy Crouch,” Boundless,
boundless.org (15 de junho de 2015).
30. Hebreus 4:12-13.
31. Marcos 4.1-20.
32. Veja Langdon Winner, Autonomous Technology: Technics-out-of-Control
as a Theme in Political Thought (Cambridge, MA: MIT Press, 1977).
33. 1Coríntios 6.12-13; 10.23.
34. Mateus 12.36.
35. Tiago 3.1-12.
36. C. S. Lewis, O peso da glória (Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil,
2017), p. 50.
37. Ibid., p. 50, ênfase original.
38. Acerca da potência do desejo mimético, ver René Girard, Deceit, Desire,
and the Novel: Self and Other in Literary Structure (Baltimore: Johns Hopkins
Press, 1965); e Shakespeare: teatro da inveja (São Paulo: É Realizações,
2010).
39. David Platt, sermão, “The Urgency of Eternity”, Radical. Disponível em
radical.net (10 mar. 2013).
40. Salmos 64.8; 140.9; Provérbios 10.14; 12.13; 13.3; 14.3; 18.6-7, 20-21;
Eclesiastes 10.12-14.
41. 1Coríntios 15.9; 1Timóteo 1.15.
42. Provérbios 10.19; 11.12; 12.23; 13.3; 15.28; 17.27–28; 18.13; 21.23;
29.20.
43. Tito 3.1-11.
44. Veja Efésios 4.29.
6 TORNAMO-NOS PARECIDOS COM O QUE “CURTIMOS”

As palavras e as imagens que compartilhamos em nossos telefones


influenciam os outros (como vimos no último capítulo). Mas as
palavras e as imagens que consumimos nos transformam.
Você se lembra da história de Narciso? Ele era um cara atraente,
mas também era arrogante e incapaz de receber amor ou dá-lo a
qualquer pessoa. Por sua afeição frígida, a deusa Nêmesis o
amaldiçoou da maneira mais desanimadora, fazendo com que ele
se apaixone por sua própria imagem projetada. Dia após dia, ele se
inclinava e admirava seu reflexo na superfície espelhada da água,
desejando a imagem que via. Até que, um dia, ele notou seu reflexo
no fundo de um poço, pulou nele e se afogou.
É estranho dizer isso, mas, da mesma forma que Narciso olhava a
água lá embaixo, encantado consigo mesmo, inclinamo-nos sobre
nossos telefones — e o que capta mais rapidamente nossa atenção
é nosso próprio reflexo: nossas imagens replicadas, nossos
números de aprovação e a quantidade acumulada de “curtidas”. A
mídia social tornou-se a nova empresa de relações públicas da
marca “Eu Mesmo”. Assim, olhamos nossos feeds compulsivamente
e consideramos praticamente impossível deixar de olhar — e amar
— nosso “outro eu”.1
Então, quando falamos de “vício em celular”, muitas vezes
estamos nos referindo ao vício de olhar para nós mesmos.
ENCAIXANDO-SE
O narcisismo digital — esse foco constante em nos inclinarmos na
direção de nossos próprios reflexos — não pode definir nossa
identidade de maneira satisfatória, e há muitas razões para isso.
Fundamentalmente, encontrar nossa identidade não é apenas uma
questão de amor-próprio, mas também de conformidade.
Sabemos que os adolescentes se esforçam desesperadamente
para se encaixar e que, na busca por essa conformidade, tentam se
destacar. Por exemplo, um adolescente pode fazer isso ao pintar o
cabelo de preto, passar delineador escuro e ter um guarda-roupas
exclusivamente preto. Essa moda pode ser uma tentativa de se
destacar, porém, o que é ainda mais importante, é uma tentativa de
encaixar (na subcultura gótica).
Mas todos nós fazemos isso: usamos “fantasias” para conseguir a
aprovação de determinadas subculturas, porque nossa busca por
individualidade sempre é uma busca por conformidade. Há um velho
ditado que diz: “Não somos quem pensamos que somos; nem
mesmo somos os que os outros pensam que somos; somos o que
nós pensamos que os outros pensam que somos”. Em outras
palavras, o que achamos que os outros pensam de nós molda
profundamente nosso senso de identidade e a nossa busca por
pertencimento. Essa dinâmica social complexa prova ainda que não
encontramos nossa identidade em nós mesmos.
Muito antes do advento do smartphone, o pastor Tim Keller
explicou essa dinâmica à sua congregação urbana: “As pessoas em
Nova York gostam de pensar: ‘Somos indivíduos únicos. Aqui as
pessoas podem decidir e realizar o que querem ser’. Isso não é
verdade”, corrigiu. “Vocês todos têm seus uniformes. Alguns de
vocês estão vestindo uniformes de Wall Street. Alguns de vocês
estão vestindo uniformes da vizinhança de East Village. Alguns de
vocês estão vestindo uniformes próprios aos moradores do Soho.
Há uniformes! Você precisa se encaixar. Você tem de obter de
alguém sua validação. Você precisa ter um grupo de pessoas
dizendo: ‘Você é um de nós’”.2 No âmago de nossas vidas,
queremos nos encaixar para encontrar nossa identidade.
TAL COMO O MIKE
Quando procuramos “pertencer”, também nos voltamos às
celebridades. Elas fornecem modelos incrivelmente poderosos para
nossa admiração e concorrência coletiva. Na verdade, o desejo de
conformidade explica o valor comercial das celebridades. Um dos
maiores feitos do marketing esportivo foi realizado por meio da
honestidade brutal sobre essa busca por conformidade. Em 1992, a
campanha de um anúncio da bebida Gatorade em torno do grande
Michael Jordan era um jingle bem simples: “Tal como o Mike, eu
quero ser como o Mike”.3 Quem é que não quer usar os tênis do
Mike, adotar a vaidade do Mike e jogar basquete como o Mike?
Milhões de jovens atletas querem ser como Jordan, então, até hoje,
eles tentam reproduzir suas habilidades no basquete com o refrão
do jingle, “Tal como o Mike, eu quero ser como o Mike”.
Em 2016, surgiu um novo slogan para a linha de calçados de
Jordan na Nike: “Eu não sou Michael, sou Jordan” — uma tentativa
brilhante de dar mais espaço à individualidade sob o guarda-chuva
da conformidade à comunidade. Ainda hoje, muitos anos após sua
aposentadoria das quadras, muitas pessoas ainda querem o tênis
do Mike e o astro do basquete embolsa US$100 milhões com sua
linha de calçados.
E, às celebridades e aos atletas que ainda estão no auge, a
concorrência paga bem porque representa a glória que nós mesmos
queremos possuir. Contemplar a majestade é um fenômeno que
começa a lascar e esculpir os contornos de nossa identidade. O
desejo de imitar a glória que vemos nos outros é uma das
realidades psicológicas mais óbvias (e mais profundas) que a
publicidade almeja. Ansiamos por aceitação e sempre estamos nos
tornando parecidos com o que admiramos. Dessa forma, na
identidade de quem eu vou encontrar minha habitação?
TRANSFORMADOS POR AMORES
Somos compostos por partes das pessoas a quem queremos nos
moldar, e essa conformidade define uma das iscas mais poderosas
de nossos celulares. Hoje, a tecnologia digital acelera e torna nossa
busca por pertencimento ainda mais individualizada.
Para ajudar a explicar esse fenômeno, entrei em contato com o
teólogo Richard Lints, que estudou a forma como nos tornamos
parecidos com o que adoramos. Ele examina nossa conformidade
tanto no contexto negativo (idolatria) como no positivo (adoração e
santificação). “Somos como espelhos”, disse-me. “E, assim, toda a
metáfora do ser humano — refletindo seu ambiente, refletindo seu
contexto, refletindo seus deuses — é absolutamente central, do
início ao fim do cânon (da Escritura). Aquilo que chamamos de
adoração — adorar a Deus fiel e verdadeiramente — também é uma
questão pertinente à nossa identidade. É para isso que fomos
criados. É isso que somos.”4
Quer vejamos ou não, a adoração é a dinâmica fundamental da
maneira como somos moldados. Por isso nunca encontramos nossa
identidade dentro de nós mesmos, não importando quão
independente sejamos. Devemos sempre olhar para fora de nós
mesmos, a fim de encontrar nossa identidade, olhar para o grupo no
qual nos encaixamos e para nossos amores. Essas dinâmicas
revelam a verdade: estamos nos tornando parecidos com o que
vemos. Estamos nos tornando parecidos com o que adoramos. Ou,
para dizer isso diretamente, em termos de Facebook, estamos nos
tornamos parecidos com o que curtimos.
ADORAÇÃO ORIENTADA E MAL ORIENTADA
A Bíblia esculpe o ponto dessa dinâmica com a precisão de um
cinzel de marceneiro. Ou nós adoramos o que é criado (ídolos) ou
adoramos o Criador (Cristo). Essas são nossas únicas opções.
Se adorarmos ídolos, tornamo-nos como estes ídolos.5 A idolatria
é a tentativa vã de encontrar o sentido último das coisas finitas que
podemos construir e segurar em nossas mãos. Isso está
extremamente claro nas Escrituras: amar e adorar um ídolo morto é
tornar-se como o ídolo. Se nossos ídolos não têm mãos para nos
abraçar, nem olhos para nos ver, nem mesmo bocas para nos
animar ou ouvidos para nos ouvir, então nós, que adoramos ídolos,
tornamo-nos como eles: espiritualmente impotentes, cegos, mudos
e surdos. Nossos ídolos nos desumanizam; eles petrificam nossas
almas e calam, matam e amortecem todos os nossos sentidos
espirituais.6 Os ídolos são capazes de apenas nos distorcer (como
veremos em mais detalhes adiante). Portanto, adorar qualquer coisa
que não seja Deus implica viver, fundamentalmente, em confusão
de identidade.
Quando adoramos a glória de nossas celebridades (como Mike),
elas se tornam ídolos de nossa admiração e conformidade, elevadas
para “adoração, veneração e beatificação [humana], na expressão
de um sentimento propriamente religioso”.7 A era do espetáculo
produz as celebridades que se tornam ídolos culturais de adoração
e de imitação. Porém, apesar de se apresentarem para nós e de nós
os adorarmos como fãs, nossos ídolos não nos amam de volta. Eles
sequer serão capazes de nos ver algum dia.
Se adorarmos a Cristo, vamos nos tornar semelhantes a Cristo.8
Em oposição aos nossos ídolos, amar e adorar a Cristo implica
tornar-se como ele e, de forma poderosa, em conformidade com sua
bela imagem, a verdadeira imagem de Deus. Jesus Cristo é a
imagem completa do que você e eu fomos criados para expressar.9
Eu sou feito à sua imagem. Mas minha humanidade é pecadora,
distorcida e fragmentada. Ele me amou tanto que derramou seu
sangue por mim, a fim de me libertar de todas as armadilhas da
busca por conformidade.10 Nele, tornei-me espiritualmente vivo e
recebi esperança eterna e alegria duradoura; nele, encontro a
antecipação do momento em que vou vê-lo face a face e
experimentarei a restauração completa e perfeita de tudo que fui
criado para ser, na condição de portador da imagem de Deus. Essa
esperança e esse anseio é que me conduzem a vê-lo nas Escrituras
e a amá-lo, refleti-lo e me conformar à sua vida no presente (na
esperança de me tornar completamente moldado à sua imagem na
ressurreição).11
O objeto de nossa adoração é o objeto de nossa imitação. Deus
projetou esse padrão inseparável. Nós adoramos aquilo que
desejamos nos tornar. E o que adoramos molda aquilo em que nos
transformamos. Isso é o básico da antropologia.
FEITO À IMAGEM DE DEUS
Mas toda essa conversa sobre espelhos, ídolos e conformidade não
respondeu exatamente à pergunta áurea acerca de nossa
identidade: Por que eu existo?
Claro, sabemos que não vamos encontrar o propósito de nossa
vida à espreita de nossa validação na mídia social.12 Mas nos
voltamos à Bíblia para encontrar a resposta e, nela, lemos que
fomos criados por Deus à sua imagem.13 E espelhar a imagem de
Deus significa muitas coisas (espiritual, racional e emocionalmente),
mas para chegar à essência do que significa portar a imagem de
Deus, pedi a John Piper uma explicação, o que ele fez usando o
exemplo das estátuas de mármore: “Você ergue uma estátua de
Stalin porque você quer que as pessoas olhem para Stalin e
pensem sobre ele. Você ergue uma estátua de George Washington
para ser lembrado dos fundadores. Imagens são feitas para retratar
coisas”. O que isso significa para a humanidade de carne e sangue?
Isso significa que Deus “criou pequenas imagens de si mesmo para
que pudessem falar, agir e sentir de tal forma que revele a maneira
como Deus é. Então, as pessoas olhariam para a forma como você
se comporta, para sua maneira de pensar, para o modo como se
sente, e diriam: ‘Deus deve ser grande, Deus deve ser real’. É por
isso que você existe”.14 Em outras palavras, somos criados para
fazer oposição ao tecno-mundanismo que, inevitavelmente, faz com
que Deus pareça irrelevante no novo mundo dos dispositivos e da
maestria técnica.
Este é o ponto-chave: “Deus não criou você como um fim em si
mesmo. Ele é o fim; você é o meio. E essa é uma excelente notícia,
pois a melhor maneira de mostrar que Deus é infinitamente valioso é
sendo extremamente feliz nele. Se o povo de Deus está entediado
com ele, esse povo representa uma imagem bem ruim do Deus a
que serve. Deus não está descontente consigo mesmo. Ele é
infinitamente feliz com sua própria glória”.15
Ser feito à imagem de Deus significa que existimos por dois
motivos: (1) para sermos satisfeitos no valor infinito do Criador e (2)
para mostrar ao mundo quão precioso e profundamente satisfatório
Deus é. Nosso “encaixar-nos”, nossos “amores” e nosso
“pertencimento” convergem totalmente para Deus. Nossa identidade
depende dele e, nele, encontramos o poder dado pelo Espírito para
rejeitar todas as identidades projetadas em nós.16 Mas, se as
pessoas nos veem entediadas com Deus, absortas com nós
mesmos e conformados às celebridades mundanas, não verão a
imagem de Jesus refletida em nós. E, se não formos capazes de
refletir a Cristo, deixaremos de ser o que Deus nos criou para ser; e
perderemos nosso propósito.
O CULTO AO DISPOSITIVO
Isso nos leva de volta aos nossos telefones. Nossa adoração e
nossa idolatria são sempre atos de rendição, escreve Peter Leithart
sobre nossa tendência a nos submeter à tecnologia: “Idólatras de
tecnologia não consideram que suas tecnologias sejam divinas de
forma literal. Mas muitos se ‘rebaixam’ diante de suas tecnologias.
Em vez de usar sabiamente os produtos de seu trabalho e
criatividade, eles ‘se dobram’ até que o artifício mais recente esteja
governando suas vidas, determinando a forma como usam seu
tempo, como gastam seu dinheiro, seus interesses e valores”.17 A
submissão a uma coisa criada, tal qual um celular, é idolatria
quando essa ferramenta ou dispositivo determina a finalidade de
nossas vidas.
Essa forma de idolatria, que submete a finalidade humana aos
meios tecnológicos disponíveis, é chamada de adaptação reversa.18
Na era digital, idolatramos nossos telefones quando perdemos a
capacidade de perguntar se eles nos ajudam (ou nos prejudicam) a
alcançar nossos objetivos espirituais. Ficamos tão fascinados com o
brilho tecnológico que nos tornamos cativos aos meios maravilhosos
que eles representam — sua velocidade, organização e eficiência
—, e esses meios tornam-se fins suficientes. Nosso destino
permanece nebuloso porque estamos fixados na velocidade de
nosso trajeto. Submetemos erroneamente objetivos humanos e
espirituais às nossas possibilidades tecnológicas. Isso é adaptação
reversa.
Nossos impulsos idólatras fazem com que sejamos facilmente
capturados por esse mundanismo, pela perda de nosso propósito.
Com frequência, quando nos voltamos aos nossos telefones, não os
manuseamos lançando mão de nosso chamado de ser à imagem de
Deus como base; em vez disso, prostramo-nos a eles como mundos
de possibilidades digitais, sem jamais fazer as perguntas sobre
nossos objetivos finais. Quando os meios se tornam hábitos sem
propósito, trata-se de tecnoidolatria.
OS ÍDOLOS DAS MÍDIAS SOCIAIS
Se os ídolos nos moldam, os padrões não saudáveis de uso do
telefone também são obrigados a se refletir em nossos
relacionamentos.
Nossas interações digitais uns com os outros, que muitas vezes
são forçosamente breves e superficiais, começam a padronizar
todos os nossos relacionamentos. Quando nossos relacionamentos
são rasos online, também se tornam rasos offline. Douglas
Groothuis, professor de filosofia no Denver Seminary, adverte: “O
modo como interagimos online se torna a norma para a forma como
interagimos offline. A comunicação no Facebook e no Twitter é bem
curta, recortada e rápida. E essa não é uma boa maneira de ter uma
conversa com alguém. Além disso, uma boa conversa envolve
escuta e tempo, e essas coisas foram praticamente arrancadas das
comunicações via internet, porque você não está lá com a pessoa.
Então, você pode ignorar uma mensagem enviada por alguém, ou
alguém até mesmo poderia enviar-lhe uma mensagem, mas você só
a leria duas horas depois. Mas se você estiver em tempo real em
um lugar real, com corpos reais e uma voz real, trata-se de uma
dinâmica muito diferente. Você não deve tratar a outra pessoa da
mesma forma como você interage no Twitter”.19 No entanto, nossos
hábitos online mudam nossos hábitos relacionais: ambos se tornam
cortados e superficiais, e nos tornamos mais facilmente distraídos e
menos pacientes uns com os outros.
Nossos relacionamentos também sofrem quando nosso
pensamento fica preso no fluxo e no refluxo dos fiascos online. O
escritor Alan Jacobs passou sete anos em seu iPhone, sete anos
engajado no Twitter e mais de dez anos respondendo a comentários
de blog. Depois ele recuou, avaliou e abandonou tudo. Ele
abandonou o iPhone e as mídias sociais.20 “Eu considerei os custos
e os benefícios”, disse ele, “e firmemente decidi que não vou ser
mais refém dessas coisas”. Por que não? “A principal razão não é o
fato de as pessoas serem mal-humoradas ou estúpidas, embora
Deus saiba que essas características são verdadeiras para um
grande quantitativo de comunicação de mídia social. O problema
principal é que muitos são levados por todo vento de doutrina de
mídia social, têm sua atenção inundada pelos tsunamis do momento
e suas vontades são cativas à necessidade que sentem de
responder no exato instante em que todo mundo está comentando”.
Quando Andrew Sherwood, um estudante de pós-graduação,
decidiu fazer o mesmo (sair das mídias sociais e do smartphone),
sua esposa disse que esse era o maior presente que ela podia
receber. Por quê? “Quando você tinha um smartphone, era uma
máquina ambulante de venda automática de tudo o que tinha
consumido durante o dia”, disse ela. “Era difícil conversar sobre
coisas mais profundas que eram importantes, porque você estava
constantemente distraído por lixo digital. Agora, você é capaz de se
concentrar e dar a atenção necessária às questões mais profundas.
A maior parte das coisas que conversamos procede do seu coração,
e não de seu feed do Twitter.”21 Se é chegada ou não a hora de
abandonar completamente seu celular, essa é uma questão que
vamos deixar para depois, mas Andrew nos oferece uma ilustração
de como os ídolos digitais nos padronizam.
O AVISO E A ESPERANÇA
Como seres humanos, fomos feitos à imagem de Deus, o que
significa que nossa identidade é, por definição, moldável, e isso
significa que somos maleáveis. Somos como estátuas de cera,
alterados e remodelados pelo que fazemos em nossos telefones.
Mas essa flexibilidade também significa que podemos ser
resgatados, refeitos e restaurados pela graça soberana de nosso
Salvador escultor de imagens, para fazer o que fomos programados
para fazer: magnificar a Deus. E, à medida que vamos nos tornando
à sua imagem, convidamos o mundo a um Pai acolhedor, a um
universo no qual os perdidos podem encontrar refúgio e identidade,
e os pecadores sedentos vão encontrar a água viva que satisfaz por
completo.
Portar a verdadeira imagem de Deus nos liberta para sermos
honestos sobre quem nós somos digitalmente. Oramos por graça
para que evitemos o mesmo destino de Narciso, ou seja, evitar que
nos apaixonemos por nossa própria imagem. Também oramos por
graça e coragem, a fim de que possamos dar uma olhada mais
honesta aos reflexos digitais de nossas telas brilhantes e, assim,
reconhecer nossas falhas em refletir Cristo — dispondo-nos a
humildemente admiti-las. Oramos pela graça de um arrependimento
que nos conduza a mudanças — sobretudo quando o reflexo que
vemos ao nos olhar é o de um dragão.

1. Sherry Turkle, The Second Self: Computers and the Human Spirit
(Cambridge, MA: MIT Press, 2005).
2. Timothy Keller, sermão, “Built Together; Redeemer’s Organization Service”,
Gospel in Life. Disponível em gospelinlife.com (2 jun. 1991).
3. O nome da campanha em inglês é “Be like Mike”, e o vídeo está
amplamente disponível online na data de publicação deste livro. (N. da T.)
4. Richard Lints, entrevista com o autor, “Why We Never Find Our Identity
Inside of Ourselves”, Desiring God. Disponível em desiringGod.org (31 ago.
2015).
5. Romanos 1.18-27.
6. Salmos 115.4-8; 135.15-18.
7. Jacques Ellul, The Technological Bluff (Grand Rapids, MI: Eerdmans,
1990), p. 382.
8. Romanos 12.1-2; 2Coríntios 3.18; Colossenses 3.10.
9. 2Coríntios 4.4.
10. Romanos 5.8.
11. 2Coríntios 3.18; 1João 3.2–3; 1Coríntios 15.42-49.
12. Katie Couric: “Acho que gastamos muito tempo, nos dias de hoje,
procurando por validação externa — com nossos Instagrams cuidadosamente
construídos, postagens inteligentes, fotos perfeitas, contabilizando nossas
curtidas, os favoritos, seguidores e amigos —, tudo isso é fácil para que
evitemos as seguintes perguntas: quem sou eu? Estou fazendo a coisa certa?
Sou o tipo de pessoa que quero ser? ”, em “Katie Couric to Grads: Get
Yourself Noticed”, revista Time (18 maio 2015).
13. Gênesis 1.26-27; 5.1; 9.6; Tiago 3.9.
14. John Piper, entrevista com o autor via Skype, publicada como “What Does
It Mean to Be Made in God’s Image?”, Desiring God. Disponível em
desiringGod.org (19 ago. 2013).
15. John Piper, sermão, “The Story of His Glory”, Desiring God. Disponível
em desiringGod.org (10 set. 2008), ênfase acrescentada.
16. Romanos 12.2.
17. Peter J. Leithart, “Techno-god”, First Things. Disponível em firstthings.com
(27 set. 2012). “Ao abraçar continuamente as tecnologias, nós nos
relacionamos com elas como mecanismos-servos. É por isso que devemos
servir a esses objetos, essas extensões de nós mesmos, como deuses ou
religiões menores, para que possamos usá-los”. Marshall McLuhan, Os meios
de comunicação como extensões do homem (São Paulo: Cultrix, s.d.).
18. Langdon Winner, Autonomous Technology: Technics-out-of-Control as a
Theme in Political Thought (Cambridge, MA: MIT Press: 1977), p. 229.
19. Douglas Groothuis, entrevista com o autor por telefone (3 jul. 2014).
20. Alan Jacobs, “My Year in Tech”, Snakes and Ladders. Disponível em
blog.ayjay.org (23 dez. 2015).
21. Andrew Sherwood, “The Sweet Freedom of Ditching My Smartphone”, All
Things for Good. Disponível em garrettkell.com (21 jan. 2016).
7 TORNAMO-NOS SOLITÁRIOS

Um morador de rua, um homem de meia-idade, senta sozinho em


uma calçada ensolarada da cidade, cochilando com as costas
apoiadas em uma cerca. Karim, um transeunte generoso, aproxima-
se e estende, de pé, uma mão com dinheiro. O homem, então,
acorda assustado, recua em autodefesa e agarra sua própria
mochila de pertences. Conforme seus olhos vão-se ajustando à luz
solar, ele vê a mão estendida e pega o dinheiro com gratidão.
Eles começam a conversar, e o morador de rua se apresenta
como Mark. Em uma inversão de papéis, Mark pega sua mochila
suja, pede para Karim esperar por um instante, se levanta e sai com
o dinheiro, deixando Karim sozinho na rua. Mark retorna momentos
depois com um saco plástico e duas caixas de isopor. Mark usou a
esmola para comprar duas quentinhas — uma para compartilhar.
“Você poderia sentar e comer comigo por um momento?”, pede
Mark.
Karim surpreende-se, mas concorda e senta no concreto. “Fico
feliz que esteja comigo”, diz o homem sem-teto, enquanto eles se
sentam na calçada e abrem seus jantares ao mesmo tempo. “É
solitário aqui. As pessoas passam e me ignoram. Não se importam
se estou vivo ou morto. É muito bom poder sentar aqui com
alguém.”
O vídeo retratando esse fato foi feito por uma câmera escondida
e, sempre que o vejo no YouTube, meu coração se agita dentro de
mim.1
MIL CACOS DE VIDRO
Nunca se sabe qual é a real autenticidade de vídeos assim, mas
esse, em particular, se espalhou de maneira viral e é fácil perceber o
motivo. O vídeo expõe um lado da vida dos moradores de rua que,
em geral, é ignorado e raramente registrado. Amizade é mais
fundamental para a vida humana do que dinheiro, alimento ou
abrigo. Por sermos feitos à imagem do Deus Trino, somos feitos
para nos conectar com outros seres humanos por meio de uma
comunhão verdadeira. E é por isso que a solidão dói como uma
ferida aberta na pele.
J. H. van den Berg, um psiquiatra holandês que faleceu há pouco
tempo, escreveu a famosa frase que diz que “a solidão é o núcleo
da psiquiatria”. Ele também escreveu: “Se a solidão não existisse,
poderíamos razoavelmente supor que as doenças psiquiátricas
também não existiriam”.2 O teólogo Peter Leithart adiciona a
seguinte interpretação espiritual a essas citações impressionantes:
“Os seres humanos se conectam com outros seres humanos em um
nível tão básico que, quando nos desconectamos, nossas almas se
estilhaçam em mil pedaços”.3
Acho que consigo entender a ligação entre a solidão e a vida de
um morador de rua. O mais difícil de entender é por que tanta
solidão permeia a era digital hiperconectada.
ONLINE E SOLITÁRIO
Os celulares e as mídias sociais deveriam curar essa epidemia de
solidão. Estaríamos todos conectados, todos juntos o tempo todo,
de modo que nenhum de nós se sentiria sozinho. Mas a dura
verdade é que podemos sempre estar solitários, mesmo em meio à
multidão — e ainda mais agora, numa multidão digital.4
Nós enviamos textos, imagens e vídeos; tuitamos e atualizamos o
Facebook; atualizamos a tela e esperamos, muitas vezes olhando
para uma tela estática que evidencia falta de respostas ou uma
pequena quantidade delas. Quando atualizamos a página e
encaramos uma tela sem novidade, pode parecer que não há
ninguém do outro lado. Sentimos a dor da solidão no meio da
conectividade online. Às vezes nos sentimos como se estivéssemos
caminhando por um museu de relíquias relacionais e hologramas.
Na realidade, “é um negócio solitário, um vagar pelos labirintos das
identidades projetadas de nossos amigos e pseudoamigos,
enquanto tentamos descobrir qual parte de nós mesmos devemos
projetar, quem vai ouvir e o que vão ouvir”.5
É uma questão do tipo “o ovo ou a galinha”: o Facebook nos torna
solitários ou ele é mais apelativo para aqueles que já o são? É difícil
resolver essa controvérsia, mas há um ponto bem claro:
começamos a desistir da ideia de que o Facebook, o mapa de toda
a nossa rede de interação humana, pode dar fim à nossa solidão.
TECNOLOGIA E ISOLAMENTO
No panorama geral, a tecnologia nos oferece muitos benefícios, mas
também apresenta uma grande cilada: o isolamento. O isolamento é
tanto a promessa como o preço do avanço tecnológico. “O problema
é que convidamos a solidão para entrar, mesmo sabendo que ela
nos torna infelizes”, escreve o autor Stephen Marche. “A história do
nosso uso da tecnologia é uma história de isolamento desejado e
alcançado.”6
A longa história do isolamento desejado e alcançado é recontada
por Giles Slade em seu livro The Big Disconnect: The Story of
Technology and Loneliness.7 Nesse livro, ele mostra quantos fios de
tecnologia e solidão foram tecidos na história de várias inovações,
desde vendedores ambulantes e telefones até televisão e música.
À medida que a tecnologia se aprimora, as máquinas substituem
as pessoas e a automação substitui a interação. Vendedores de rua
deram lugar a máquinas de venda automática. Entregas de leite
fresco deram lugar a produtos lácteos preservados em geladeira.
Bancários foram substituídos por caixas eletrônicos. Há duzentos
anos, os trabalhadores se relacionavam em nível pessoal com seus
clientes. Na sociedade tecnológica de hoje, muitos trabalhadores
trabalham remotamente em parques industriais ou empresariais;
eles lidam com clientes sem rostos ou consumidores sem nome dos
quais estão separados ou geograficamente ou por uma longa cadeia
de produção.
Fisicamente falando, fomos nos afastando por outros motivos. A
reunião em torno de uma fogueira deu lugar ao aquecimento central,
que distribui o calor a todos os cômodos da casa. A reunião no
botequim para saber das notícias locais deu lugar à leitura de
jornais, construindo uma parede de papel que funciona como um
escudo contra a face das outras pessoas.
Posteriormente, o isolamento foi aprofundado por causa dos
avanços em vídeo. O cinema comunitário deu lugar a uma grande
televisão compartilhada em cada casa de família, dando lugar,
subsequentemente, aos televisores portáteis e, depois, aos
aparelhos de LED pessoais dentro de cada quarto.
Quando se trata de música, essa trajetória tecnológica é ainda
mais clara. Para muitas pessoas, a apresentação de uma orquestra
ao vivo no sábado à noite foi substituída por um fonógrafo
estacionário (ou toca-discos) na sala de casa, o qual, por sua vez,
foi substituído por um grande rádio transistorizado, que, a seu turno,
foi substituído por um rádio portátil, que foi substituído por uma
boombox com alto-falantes acoplados que era carregada no ombro,
a qual foi substituída por um Walkman que era preso ao cinto, que
foi substituído por um minúsculo iPod preso à manga da blusa. A
música era uma experiência social em comunidade que passou a
ser uma experiência familiar compartilhada e, posteriormente,
tornou-se uma experiência privada, com fones de ouvido.
A tecnologia está sempre nos afastando uns dos outros, por sua
própria definição. Nosso isolamento é algo que desejamos e
obtivemos.
NOSSOS ESCUDOS PORTÁTEIS
Muitas dessas trajetórias tecnológicas convergem para o celular —
a suprema invenção do isolamento pessoal. Nossos celulares são
escudos portáteis que erguemos em público para impedir o contato
e a interação humana. Quando entramos em um elevador ocupado,
agarramos nossos telefones como se fossem cobertores de
segurança.
Os fones de ouvido elevam esse princípio ao último grau. Por
definição, o fato de nos cerrarmos com nossos fones de ouvido é o
mesmo que nos recusar a ouvir o silêncio, e uma “recusa a ouvir o
silêncio é uma recusa a se encontrar consigo ou com os outros”.8
Por meio deles, fechamo-nos para o mundo exterior, mas também
nos fechamos de nós mesmos (à la Blaise Pascal). Os fones de
ouvido nos protegem tanto da introspecção saudável como da
conversa social.
“No século XXI, os pequenos fones de ouvido brancos e
chamativos da Apple informam a todos aqueles que nos observam
em público que estamos desinteressados, musicalmente inclinados
e que não representamos uma ameaça; já os fones auriculares
bluetooth transmitem uma mensagem um pouco diferente, mais
agressiva: eu estou muito ocupado, então não se atreva a me
perturbar”, escreve Slade. “Mais uma vez, a interação com um
dispositivo nos previne e é preferível às interações com estranhos,
as quais são arriscadas e consomem energia. Fomos
condicionados, por mais de cem anos, a arriscar contato
interpessoal somente através da mediação das máquinas.
Confiamos mais nas máquinas do que nos seres humanos.”9
Nossas máquinas, remanescentes dos gravadores de som de Andy
Warhol e das câmeras Polaroid, agora blindam (e intermedeiam) os
nossos relacionamentos.
Ao preservar nosso isolamento, despretensiosamente
caminhamos de maneira precisa rumo às mais brilhantes armadilhas
de marketing. “Para fabricantes e comerciantes, os seres humanos
são melhores quando estão sozinhos, pois os indivíduos são
forçados a comprar um item por consumidor, enquanto famílias ou
membros de uma comunidade podem compartilhar”, afirma Slade.
“O movimento da tecnologia em direção a essa miniaturização
atende a esse fim, ao transformar os dispositivos eletrônicos
pessoais apropriados aos usuários individuais. Para os
consumidores cuidadosamente treinados da atualidade, o ato de
compartilhar é uma intromissão do espaço pessoal.”10
INVERSÃO DE PAPÉIS
A miniaturização e a personalização da tecnologia, que é a
orientação de muitos dos nossos avanços tecnológicos, cortam
muitas de nossas interações comuns com as outras pessoas.
Tentamos exercer controle sobre outras pessoas ao usar a
tecnologia para mediar nossos relacionamentos. “Em uma cultura
tecnicista, os laços comunitários são facilmente cortados e
substituídos por relações técnicas ou organizacionais. O amor
morre; a empatia, a simpatia e o contato com o outro desaparecem.
O estranhamento e a solidão aumentam.”11 Isso é um exagero, mas,
como Slade mencionou, parece que confiamos menos nas pessoas
do que em nossa tecnologia.
É como se, da mesma forma que se conversa por uma parede de
vidro em uma visita de prisão, nossos telefones desempenhassem
esse papel, e muitos de nós agora nos aproximamos dos demais
por trás dessas barreiras seguras, com uma linguagem de sinais
digitais de toques, deslizar de telas e gestos multitoques. Mesmo
quando estamos com nossos melhores amigos e membros da nossa
família, somos atraídos de volta para nossas redes online.
(Naqueles momentos mais arrastados de férias ou reuniões,
quantas pessoas você encontra voltadas a seus telefones?)
O celular está causando uma inversão social: o desejo de estar
sozinho em público, mas nunca sozinho em reclusão. Podemos
ficar, ao mesmo tempo, blindados em público e cercados em
isolamento, o que significa que podemos escapar do
constrangimento da interação humana na rua e do tédio da solidão
em nossas casas. Ou pensamos dessa forma.
CONSTRUÇÃO DE CONFIANÇA FACE A FACE
Acima de tudo, a era tecnológica acelera o deslocamento físico, diz
o teólogo Kevin Vanhoozer. “Um dos problemas da globalização, do
transporte, da tecnologia de comunicação e da modernidade em
geral é que esses benefícios também vêm com um custo:
deslocamento. O resultado dessa nossa capacidade de falar
instantaneamente com as pessoas em qualquer lugar do mundo ou
de viajar para o outro lado do planeta em questão de horas, tudo
isso representa uma perda do sentido de pertencimento a um lugar
particular. A distância não é mais um impedimento. Isso,
certamente, tem potencial de uma coisa boa. Mas, por outro lado,
essa conexão facilitada a lugares próximos e distantes dificulta que
sintamos que algum lugar específico seja, de fato, nosso lar.”12
Mas talvez o mais preocupante sejam as implicações relacionais.
Se não temos cidades para considerarmos como nossos lares,
estamos mais propensos a nos isolar e esperar que as relações
distantes finquem raízes em nós. Mas se nossos relacionamentos
mais profundos e estimados são remotos, novamente somos
conduzidos às preocupações relacionadas à falta de atrito real dos
toques em nossas telas de celular, assim como à necessidade de
aparar as arestas nas interações face a face. É nesse aspecto que
as vantagens do constrangimento do relacionamento encarnado
entram em jogo. A maior parte das conversas que nos moldam de
verdade são repletas de atrito, e não podemos tê-las por meio de
telefones, os quais não são capazes disso.13
E, quando se trata de interagir com estranhos, a mídia social
emerge como um lugar seguro para fazer isso. Talvez não seja
divagar muito dizer que amamos a mídia social “porque é uma
alternativa que não traz os riscos e os compromissos de uma
comunidade no mundo real” ou porque realmente carregamos em
nós “um grande desapontamento com os seres humanos, que são
falhos e esquecidos, carentes e imprevisíveis, de uma forma que as
máquinas são projetadas a não ser”.14 É mais seguro aproximar-se
do outro por trás de uma máquina.
A mídia social parece uma forma segura de nos apresentarmos
aos outros. Em uma tela de telefone, testemunha um escritor, “eu
conseguia me expor à inspeção e à validação virtual enquanto
permanecia no controle, alheio à possibilidade de rejeição física”.15
Mas embora sejamos capazes de navegar entre os pretendentes em
um aplicativo de namoro com um simples deslizar de perfis,
sabemos que não podemos escolher um parceiro para a vida dessa
forma. Precisamos de tempo face a face e, ainda assim, estamos
despreparados para o atrito que Deus pretende usar, quando nós e
nossos cônjuges somos afiados no decorrer dos anos, com o
objetivo de nos tornar casais que refletem Cristo e sua noiva. Isso
faz parte da genialidade (e mistério) do casamento como um vínculo
estabelecido por meio de uma aliança entre duas pessoas
diferentes, de gêneros diferentes e, com relativa frequência, de
etnias, talentos e interesses distintos.
No meio online, apresentamos nossas vidas em stories forjados
por uma autointerpretação, e só raramente nossa interpretação é
posta em questão. Entretanto, quando nos encontramos
pessoalmente, nossas interpretações podem ser combatidas,
questionadas e desafiadas, tudo para nosso próprio bem.
O atrito é o caminho para a autenticidade genuína, e nenhuma
comunicação online pode superar a falta de integridade. Devemos
ser autênticos com as pessoas que Deus coloca em nossas vidas.
Devemos dizer a verdade. Temos de ser honestos na escola.
Devemos ser sábios com nosso dinheiro. Devemos ser amigos de
confiança. Devemos ser confiáveis no trabalho. O mundo precisa
daquilo que precisamos ser: pessoas centradas em Deus, cheias de
alegria, e homens e mulheres dignos de confiança. Não somos
imaculados; somos seres arrependidos e caídos que necessitam de
atrito relacional para crescer e amadurecer. Somos crentes
autênticos que estão comprometidos em substituir os
relacionamentos fáceis por relacionamentos autênticos.
A partir dessa autenticidade encarnada, o evangelho se
espalha.16 Onde quer que vivamos, os cristãos são chamados para
envolver o mundo face a face — um ponto crucial para todos nós
termos em mente, especialmente para aqueles que são pais. “Cada
vez conheço mais e mais crianças que não sabem como falar com
as pessoas e que nem mesmo querem tirar seus olhos das telas”,
disse-me Francis Chan. “Estamos criando soldados. Estamos
criando missionários. Nosso trabalho é levar essas crianças a um
lugar no qual elas possam interagir com o mundo, iniciar conversas
com pessoas e trazer a luz de Jesus e a mensagem do evangelho a
elas.”17 A autenticidade do olho no olho é a chave para a empatia, a
humildade e a confiança em nossos relacionamentos, e essas são
habilidades que todos nós precisamos ter.
PROTEGER A SOLITUDE
Ao mesmo tempo, para que haja autenticidade na interação face a
face, é necessária uma verdadeira solitude.
Sherry Turkle, uma respeitada psicóloga da era digital, afirma: “A
capacidade de estabelecer conversas empáticas caminha de mãos
dadas com a capacidade de desfrutar a solitude. Na solitude,
encontramos a nós mesmos; preparamo-nos para nos engajar em
conversas com coisas autênticas a serem ditas”.18 A solitude é uma
preciosa dádiva: todos nós a queremos, todos nós precisamos dela,
e todos achamos que a tecnologia é o segredo para tê-la. Mas não
é, alerta Alastair Roberts. “Temo que nossos ambientes audiovisuais
hipercinéticos, cacofônicos e tumultuados corroam a arte do silêncio
e da escuta silenciosa, e juntamente com ela, corroa nosso senso
de presença do que é invisível.”19
Então, o que vamos fazer com toda a solidão oferecida a nós
nesta era tecnológica? Muitas vezes nos atrapalhamos ao usar
erroneamente nossas tecnologias. Você deve se lembrar de que, no
capítulo 1, mencionei minha pesquisa realizada com oito mil cristãos
sobre suas rotinas na mídia social.20 Nela, observei que mais da
metade dos inquiridos (54%) admitiu checar seus celulares nos
primeiros minutos após acordar em uma manhã típica. Quando
indagados se estavam mais propensos a verificar email e mídias
sociais antes ou depois de realizar seus devocionais em uma manhã
típica, 73% responderam que antes.
Essa realidade é preocupante se John Piper estiver certo ao dizer:
“Sinto que preciso ser salvo todas as manhãs. Eu acordo e o diabo
está sentado bem na minha cara”.21 Essas primeiras horas da
manhã são vitais para a saúde espiritual e para progredir nas
batalhas espirituais que enfrentamos todos os dias.22 Satanás sabe
disso e quer destruir nossa vida devocional, e se ele não conseguir
levar-nos a simplesmente ignorar tal hábito, “distrairá [nossos]
pensamentos e depois os quebrará em mil vaidades”.23
Não é nenhuma surpresa renunciarmos às nossas horas matinais
ao nos voltarmos para nossos telefones, mas por quê? O que nos
atrai? Perguntei isso a Piper, e ele apontou seis razões instintivas —
três “motivos doces ao paladar” e três “motivos que nos permitem
esquivar-nos”.

1. O doce sabor da novidade. Queremos nos manter informados


sobre o que há de novidade no mundo e o que há de novo no
meio de nossos amigos, e não queremos ficar de fora de algo
que seja interessante ou digno de nota.
2. O doce sabor do ego. Queremos saber o que as pessoas estão
dizendo sobre nós e como estão respondendo às coisas que
dizemos e postamos.
3. O doce sabor do entretenimento. Queremos consumir o que é
fascinante, estranho, maravilhoso, chocante ou admirável.
4. Esquivando-nos do tédio. Queremos protelar as atividades do
dia, especialmente quando são chatas e rotineiras, e não têm
nada de fascinantes para atrair nosso interesse.
5. Esquivando-nos da responsabilidade. Queremos nos livrar dos
pesos dos papéis que Deus nos deu como pais, mães, chefes,
empregados e estudantes.
6. Esquivando-nos das dificuldades. Queremos adiar a lida com os
conflitos relacionais ou de dor, doença e deficiência em nossos
corpos.24

Talvez consultemos nossos telefones com as finalidades mais


nobres possíveis — para nos comunicar com amigos e membros de
família ou para confirmar nossas agendas do dia —, porém uma
onda de tentações nos atinge imediatamente pela manhã e nos
atrapalhamos em nossa preciosa solitude. É difícil resumir o
problema melhor do que isto: “O real perigo do Facebook não é o
fato de nos isolar de nós mesmos, mas, ao misturar nosso apetite
por isolamento com nossa vaidade, ele ameaça alterar a própria
natureza da solitude”.25 Essas equações parecem ser verdadeiras
para nossas primeiras horas da manhã:

Isolamento + alimentar-nos de vaidade = solidão de uma alma faminta

Isolamento + comunhão com Deus = solidão que alimenta a alma

Resultado: a tecnologia nos dobra em uma direção centrípeta,


puxando-nos para o habitat central da solidão e preenchendo
nossas vidas com hábitos que beneficiam as partes interessadas, as
quais procuram monetizar nossa atenção.
E, quando se trata das primeiras horas da manhã, Charles
Spurgeon estava certo: “Não permitam que suas mentes sejam
facilmente distraídas ou vocês, com frequência, terão sua devoção
destruída”.26 Escutar e ouvir a voz de Deus nos dizendo “Parem de
lutar! Saibam que eu sou Deus” (Salmos 46.10) é algo vital para
nossa saúde espiritual. Todas as manhãs devemos parar por um
instante e ficar quietos, a fim de sabermos que Deus é Deus e que
nós somos seus filhos. A tecnologia digital não deve preencher
todas as lacunas silenciosas da vida.
Por isso, como cristãos, devemos colocar nossos telefones de
lado pela manhã — a fim de proteger nossa solitude e, assim,
conhecer a Deus e refletir nele como seus filhos. Também devemos
colocar nossos telefones de lado durante o dia — para construir
confiança autêntica, olho no olho, com as pessoas em nossas vidas,
e para sermos aperfeiçoados pelos relacionamentos difíceis. Sem
esses cuidados, nossa sensação de deslocamento domina, o
isolamento nos protege e passamos a nos tornar cada vez mais
solitários, e nossa missão evangelística eventualmente ficará do
lado de fora de nossas vidas.
Mas há um hábito ainda mais escabroso que toma força sob o véu
do sigilo.

1. Karim Metwaly, vídeo, “Lonely Man Homeless”, YouTube, youtube.com (19


jun. 2015).
2. Citado por Peter J. Leithart, Traces of the Trinity: Signs of God in Creation
and Human Experience (Grand Rapids, MI: Brazos, 2015) [edição em
português: Vestígios da Trindade: sinais de Deus na criação e na experiência
humana (Brasília, DF: Editora Monergismo, 2017)], p. 17.
3. Ibid.
4. Katie Couric: “A mídia social pode ser algo grandioso: pode dar voz aos
que não têm, unindo pessoas de todo o mundo em torno de uma causa
comum. Mas é bom seguir com cautela. A conectividade constante pode fazer
com que você se sinta isolado e desconectado. Não se deixe seduzir pela
falsa intimidade da mídia social“. “Katie Couric to grads: Get Yourself Noticed”,
revista Time (18 maio 2015).
5. Stephen Marche, “Is Facebook Making Us Lonely?”, revista The Atlantic
(maio 2012).
6. Ibid.
7. Giles Slade, The Big Disconnect: The Story of Technology and Loneliness
(Amherst, NY: Prometheus, 2012).
8. Jacques Ellul, The Technological Bluff (Grand Rapids, MI: Eerdmans,
1990), p. 378.
9. Slade, The Big Disconnect, p. 160.
10. Ibid., p. 10.
11. Egbert Schuurman, Faith and Hope in Technology (Toronto: Clements,
2003) [edição em português: Fé, esperança e tecnologia: ciência e fé cristã
em uma cultura tecnológica (Viçosa, MG: Ultimato, 2016)], p. 101.
12. Kevin Vanhoozer, entrevista com o autor via email (26 fev. 2016).
13. Provérbios 27.17.
14. Jonathan Franzen, “Sherry Turkle’s ‘Reclaiming Conversation’”, The New
York Times (28 set. 2015).
15. Olivia Laing, The Lonely City: Adventures in the Art of Being Alone (New
York: Picador, 2016), p. 224.
16. 1Tessalonicenses 1.2-10.
17. Francis Chan, entrevista com o autor, “Dads and Family Leadership”,
Desiring God. Disponível em desiringGod.org (13 jan. 2015).
18. Sherry Turkle, “Stop Googling. Let’s Talk”, The New York Times (26 set.
2015).
19. Alastair Roberts, entrevista com o autor por email (23 jan. 2016).
20. Uma pesquisa não científica junto aos leitores do site desiringGod.org,
realizada online por meio de canais de mídia social (abr. 2015).
21. Aparentemente, essa declaração foi extraída de uma mensagem
parafraseada e espalhada online. O sermão original é desconhecido. Aqui,
meu texto foi confirmado e aprovado por John Piper, via email (2 jun. 2015).
22. Da mesma forma que era verdade para os salmistas — Salmos 5.3;
88.13; 90.14; 119.147-148; 130.6; 143.8.
23. John Flavel, The Whole Works of the Reverend John Flavel (London: W.
Baynes and Son, 1820), v. 4, p. 253.
24. Resumo de John Piper, entrevista com o autor via Skype, publicada como
“Six Wrong Reasons to Check Your Phone in the Morning: And a Better Way
Forward”, Desiring God. Disponível em desiringGod.org (6 jun. 2015).
25. Marche, “Is Facebook Making Us Lonely”.
26. C. H. Spurgeon, The Sword and Trowel: 1878 (London: Passmore &
Alabaster, 1878), p. 136.
8 SENTIMO-NOS CONFORTÁVEIS COM OS VÍCIOS
SECRETOS

Por natureza, somos consumidores carentes. Somos feitos para


pegar e comer, para receber as dádivas materiais voltadas à
sobrevivência e para beber da água da vida.
Entretanto, o consumismo é a ideia de que tudo na vida pode ser
transformado em mercadoria e, em seguida, controlado e
monetizado. O slogan “há um aplicativo para isso” é o lema reinante
para o espírito consumista na era do smartphone. Atualmente, todas
as nossas atividades e todos os nossos interesses (e até mesmo
nossos relacionamentos) podem ser processados em números
discretos, como, por exemplo, no Snapchat, onde as conexões
relacionais são reduzidas a pontuações e onde os “Foguinhos
(Snapstreaks)” podem ser mantidos pelo simples ato de se conectar
pelo menos uma vez a cada 24 horas com alguns amigos em
particular. Na verdade, “a tecnologia da mídia social está se
tornando mais ‘gameficada’ com o decorrer dos anos, conforme os
desenvolvedores aprendem como explorar a fome humana por meio
de simulações de autoridade e de vulnerabilidade”.1
Dentro de uma cultura que pode reduzir os relacionamentos a
uma pontuação pessoal de um jogo competitivo, cada experiência,
cada esperança e cada desejo na vida podem ser facilmente
transformados em mercadoria digital — até mesmo o que é mais
íntimo.
ASHLEY MADISON
Ashley Madison é um serviço canadense de assinaturas na web
destinado a homens e mulheres casados que buscam iniciar
conexões anônimas com outros aspirantes ao adultério. O slogan do
site não poderia ser mais simples (ou insípido): “A vida é curta.
Tenha um caso”. O site fez com o sexo e com os relacionamentos o
que a tecnologia digital tenta fazer com todas as áreas da vida —
tornou-os mercadorias de consumo. Ele transformou o adultério em
uma espécie de mercadoria que, mediante o pagamento de uma
taxa, os usuários podem discretamente inscrever seus endereços de
email em uma base de dados e tornar-se membros aptos a enviar
mensagens a outros membros, a fim de coordenar encontros
adúlteros secretos. Ao longo dos anos, dezenas de milhões de
pessoas secretamente registraram seus nomes, cartões de crédito,
endereços de email, endereços residenciais e até mesmo
descreveram suas fantasias sexuais.
Mas, ao longo do tempo, muitos usuários aparentemente
mudavam de ideia depois de se inscrever e voltavam ao site para
deletar suas contas e informações pessoais. Certa vez, uma
desconfiança relacionada à exclusão total dos perfis e das
informações de registro dos servidores da empresa foi motivo de
conflito. Assim, para descobrir se a exclusão dos dados era real,
uma equipe de hackers invadiu o site no verão de 2015 e descobriu
que nenhuma informação fora definitivamente excluída do banco de
dados. Em seguida, os hackers roubaram todos os registros e
expuseram publicamente os nomes e endereços de email. A notícia
da violação de dados provocou ondas de medo. Cônjuges
desconfiados de todos os lugares deram um temido passo adiante e
pesquisaram as bases de dados online para descobrir se os nomes
ou emails das pessoas amadas estavam incluídos nas listas.
Samantha, pseudônimo para uma esposa de 48 anos, relata que
descobriu o email do marido na lista de dados vazados quando
estava no trabalho. Atordoada, ela pegou sua bolsa e suas chaves,
e foi imediatamente para casa.

Meu marido estava na cozinha e ficou surpreso ao me ver em casa. Ele


sabia que algo estava errado.
Eu disse: “Olhe bem para a dor e o sofrimento estampados no meu
rosto, você consegue ver isso?”.
Ele respondeu: “Estou vendo. O que houve?”.
Eu disse: “Encontrei seu nome e email na lista da Ashley Madison”.
Ele retrucou: “Não, claro que não”.
E eu disse: “Você sabe exatamente do que estou falando”.
Ele estava empalidecendo. Ele estava engolindo em seco. Conheço
muito bem meu marido: ele estava em pânico.2

Pânico, nó na garganta, buraco na alma — esse foi o sentimento


de milhões de pessoas que não podiam explicar as intenções
sombrias de seus corações como se fossem “pequenos deslizes” ou
cliques equivocados. Suas intenções estavam expostas para o
mundo e para quaisquer entes queridos que tivessem qualquer
pitada de desconfiança. Em um único vazamento de dados, 32
milhões de adúlteros (ou aspirantes a adúlteros) foram expostos,
incluindo militares, celebridades de destaque e até mesmo pastores
e líderes de ministério. Alguns suicídios sucederam a isso (inclusive
o de um pastor e professor de seminário, de 56 anos).
O mais trágico de tudo isso é que parece que, na verdade, a
Ashley Madison era apenas uma grande empresa fraudulenta cujo
alvo eram os homens ingênuos. Algumas investigações mostraram
que, dos 32 milhões de perfis, apenas 12 mil eram contas ativas de
mulheres reais. Quando os dados vazados foram estudados com
mais cautela, uma tabela foi feita somente com os usuários que
checavam ativamente suas caixas de entrada. O detalhamento
revelou que havia 20,3 milhões de homens para 1,5 mil mulheres,
uma proporção de mais de 13 mil homens para cada mulher.
“Quando você analisa as evidências, é difícil dizer que a
esmagadora maioria dos homens que usam Ashley Madison estava
tendo casos. Eles estavam pagando por uma fantasia.”3 Era uma
mentira, e milhões de homens alimentavam esse sonho sob a falsa
capa de anonimato, mas foram apunhalados em cheio pela
realidade.
A tecnologia tem esse poder: faz-nos acreditar que podemos
ceder à indulgência de vícios anônimos, mesmo que apenas
conceitualmente, sem que haja consequências futuras. O anonimato
é onde o pecado floresce e também é a mentira mais difundida da
era digital.
Os cliques de nossos dedos revelam as motivações sombrias de
nossos corações, e todo pecado — todo duplo toque e todo clique
— será contabilizado.
O PREÇO DAS CURIOSIDADES BARATAS
Tragédias como a violação de dados da Ashley Madison são de
partir o coração, mas também são reveladoras: mostram-nos que
uma vida enganosa é algo conveniente na era digital. As barreiras
da inconveniência, que tornavam difícil ceder aos vícios nas
gerações anteriores, foram reduzidas ou eliminadas na era digital.
Primeiro, como já assinalado, os celulares tornam o pecado
sexual mais discreto, dando-lhe espaço para se agravar por trás de
um véu de privacidade. Exceto por esses hackers, os assuntos
ilícitos agora podem ser coordenados com um grau de anonimato e
de sigilo dificilmente imaginável antes dos smartphones. Para os
solteiros, quando essa cultura de encontros casuais está aliada aos
aplicativos de namoro, o sexo fácil torna-se uma mercadoria
amplamente disponível. “Aplicativos de flerte”, como o Tinder, usam
tecnologia de localização de GPS; com pouco mais do que uma
navegação por entre os perfis de pessoas que estejam nas
proximidades e disponíveis, um homem pode rapidamente deslizar o
dedo sobre a imagem de uma mulher para “informar” que ela é
atraente. Se ela responder, os dois podem iniciar um diálogo e
talvez até se encontrar pessoalmente. Conforme os aplicativos de
namoro vão ficando cada vez mais simples, mais visualmente
apelativos e mais geograficamente segmentados, eles alimentam
essa cultura de encontros casuais para obter sexo casual, talvez
confundindo a percepção do que homens e mulheres estavam
buscando inicialmente no aplicativo.4
Em segundo lugar, os celulares fazem com que a pornografia de
livre acesso e grátis seja mais fácil de ser encontrada do que a
previsão do tempo. A pornografia sempre foi o principal motor das
comunicações digitais visuais e é um problema generalizado. Na
minha pesquisa com oito mil cristãos, descobri que o consumo
contínuo de pornografia é um problema que afeta os cristãos
confessos, principalmente os rapazes, embora nenhum grupo esteja
imune.5 Mais de 15% dos homens cristãos acima de 60 anos
admitiram consumir pornografia; a taxa foi superior a 20% no caso
de homens na faixa dos 50 anos; de 25% para homens na faixa dos
40 anos; e de 30% para homens na faixa dos 30. No entanto, quase
50% dos homens cristãos entre 18 e 29 anos voluntariamente
reconheceram consumir pornografia com frequência. A pesquisa
constatou tendência similar entre as mulheres, mas em proporções
menores: 10% das mulheres entre 18 e 29 anos; 5% das mulheres
na faixa dos 30 anos; e porcentagens cada vez menores no caso de
mulheres em seus 40, 50 e 60 ou mais anos. Por um lado, agora, a
pornografia de fácil acesso e gratuita visualizada em um celular é
culturalmente “um risco público de seriedade sem precedentes”.6
Mais preocupante ainda é o fato de que, entre os cristãos, a
pornografia de fácil acesso visualizada em celulares representa uma
epidemia espiritual de gravidade sem precedentes na história da
igreja, custando a alegria em Cristo de uma geração inteira de
jovens cristãos e corroendo suas jovens almas com o ácido da
luxúria descontrolada.
Em terceiro lugar, os vícios do celular são capitalizados por nossa
interminável curiosidade. As taxas de gravidez antes dos 18 anos
caíram na Inglaterra e no País de Gales desde a introdução de
smartphones e mídias sociais, e ninguém sabe realmente o motivo
disso — embora alguns pesquisadores sugiram que a correlação
não possa ser explicada por um novo acesso a contraceptivos ou a
uma mudança repentina na educação sexual pública.7 Um
fenômeno cultural similar tem sido observado no Japão.8 A sugestão
é que, entre outros fatores, talvez a curiosidade que conduzia os
adolescentes a experimentar o sexo nas gerações anteriores agora
tenha sido pacificada com a troca de mensagens eróticas e
pornografia online.
Brad Littlejohn explorou essa dinâmica em uma palestra em 2016:
“Em vez de atiçar as chamas da luxúria para criar monstros sexuais
orientados por testosterona, a pornografia parece ser algo que serve
para castrar seus usuários, tornando-os passivos e impotentes”,
disse. “E eu digo ‘impotente’ tanto no sentido clínico como no
metafórico; nenhum sintoma do consumo de pornografia compulsiva
parece ser tão difundido quanto as queixas de disfunção erétil e
outras desordens sexuais. Muitos viciados em pornografia parecem
continuar virgens por muito mais tempo do que seus colegas, e têm
dificuldade para estabelecer relacionamentos profundos com o sexo
oposto ou para desenvolver entusiasmo em relação à atividade
sexual.” No fim das contas, a pornografia disponível no meio digital
“é impulsionada principalmente pelo que era a marca registrada da
curiosidade, a sede por novidade, em que o simples olhar objetifica
e devora seu objeto quase imediatamente, e em seguida precisa se
mover para a próxima experiência, sem jamais se satisfazer”.9
Em uma geração pornificada e insaciável, milhões de jovens
rapazes estão perdendo a capacidade de intimidade humana,
entregando-se voluntariamente a essa escravidão. Ao toque de um
dedo, a qualquer hora ou em qualquer lugar, uma mulher linda vai
se despir para você e se envolver em um ato sexual escabroso se
você quiser, e essa satisfação fácil de sua luxúria evita as tão
necessárias dificuldades que moldam um casamento saudável. O
custo final da pornografia livre nos futuros casamentos é enorme.
Em quarto lugar, se a curiosidade é o impulso que nos motiva a
encontrar, ver e ler o que é escabroso em nossos telefones, talvez
estejamos testemunhando um impulso antigo de atuar no mundo
digital. Na criação, Deus proibiu Adão e Eva de comer de uma única
árvore, chamando-os a autolimitar o que gostariam de saber e
experimentar. Eles falharam em seu autocontrole e forçaram um
caminho para o conhecimento proibido. Esse pecado — a busca por
satisfazer uma curiosidade proibida — é a marca da transgressão
por trás de todos os outros pecados, e não é menos intenso em uma
economia impulsionada pelo consumidor. Zombamos da
compreensão autolimitada deste mundo caído, mas Deus disse que
certos conhecimentos são proibidos a nós porque nos destruirão —
como acontece, por exemplo, com a curiosidade insaciável que nos
conduz cada vez mais e de formas cada vez mais escabrosas à
pornografia. Os celulares possibilitam que os usuários se sirvam do
fruto proibido fresco a qualquer momento de qualquer dia, e dessa
maneira destroem a si mesmos secretamente.
DEUS VÊ TUDO
A pornografia digital é catastrófica para as almas não só porque
degrada seus usuários, mas também porque (assim como o Espelho
de Ojesed) expõe as curiosidades, os ídolos invisíveis e os desejos
de nossos corações. Assim, passamos a ver o que Deus tem visto
durante todo esse tempo.
Enganamos a nós mesmos com o anonimato. Mas não importa se
é uma quantidade exagerada de sapatos, piadas sujas, mensagens
eróticas discretas, pornografia ilícita ou adultério anônimo: nenhum
vício de nossas vidas pode ser escondido dos olhos de Deus. Nosso
Criador não respeita as regras de privacidade. Sua onipresença
rompe com a falsa visão de anonimato que leva muitas pessoas a
recorrer aos seus telefones e assumir que podem pecar e ficar
satisfeitas sem consequências.
Não que sejamos completamente despreocupados com as
consequências: simplesmente tememos as consequências erradas.
Queremos controlar quais informações são colocadas online, mas
nossa incapacidade de controlar nossa presença online conduz à
insegurança pessoal. Uma das coisas que mais odiamos é
encontrar fotos nossas pouco lisonjeiras postadas por outras
pessoas. E há questões de segurança bem sábias relacionadas à
proteção de certos fatos de nossas vidas. Porém, os temores sobre
o que pode ser descoberto sobre nós online também podem
manifestar-se em tentativas de encobrir comportamentos privados
que são pecaminosos, como no caso de Ashley Madison.
A pornografia é a maior indústria da web, e o meio favorece esse
vício. Porém, o fato preocupante é que nossas práticas sexuais
privadas refletem nossa proximidade com Deus.10 Assim, os riscos
não poderiam ser maiores quando se trata da forma como lidamos
com as seduções online, até mesmo as mais difundidas, gratuitas e
livres.
Pois cada homem que olha secretamente para uma atriz pornô
nua já cometeu adultério em seu coração. Portanto, se seu olho
direito o fizer pecar, arranque-o e lance-o fora. É melhor perder uma
parte do seu corpo do que ser todo ele lançado no inferno. E se o
deslizar de sua mão o fizer pecar, corte-a e lance-a fora. É melhor
perder a capacidade de deslizar a mão e acessar a pornografia do
que ter todo o seu corpo lançado no inferno.11 Nas palavras de
alerta de Sinclair Ferguson, “é melhor entrar no céu tendo decidido
não usar mais a internet do que ir para o inferno clicando em tudo o
que você deseja”.12
Só a Escritura é capaz de nos dizer o que está realmente em jogo
a esse respeito. Violações de dados por hackers, descobertas
chocantes de cônjuges feridos e até mesmo suicídio de aspirantes a
adultério — cada uma dessas consequências do pecado secreto
serve como uma mera sugestão profética de um ajuste de contas
iminente. Um dia, todo pecador que já viveu em pecado considerado
“anônimo” estará diante de Deus. Não existe real anonimato. É só
uma questão de tempo. Cada detalhe escabroso, cada fantasia
desprezível, cada palavra inerte e cada clique sem propósito serão
exibidos na corte do Criador. Tudo o que for feito em oculto e nas
trevas será trazido à luz, e todas as intenções dos corações serão
manifestas.13 Será a humilhação final. Será a última exposição das
intenções de nossos corações. E isso vai desencadear o pânico
final. Essa humilhação gerará em nós o último nó na garganta da
alma e o desejo final de correr, se esconder e morrer de culpa e
vergonha de ser exposto.
Toda tentativa de removermos nossas pegadas digitais é vã. Você
pode apagar as imagens mais imaturas dos feeds de seu Twitter,
Instagram e Facebook. Mas nada do que você faz, fez ou fará em
seu telefone é segredo. O pesar eterno será para sempre um
resultado de cliques realizados neste momento em nossos
telefones. Diante de Deus, nosso histórico de navegação continua a
ser um registro permanente de nosso pecado e de nossa vergonha
— a menos que ele mostre misericórdia. Perante seus olhos
oniscientes, nosso histórico de navegação pode ser completamente
lavado somente mediante o sangue de Cristo.14
NÃO PELA VISÃO
O consumismo digital está diretamente em desacordo com muitas
das convicções mais fundamentais do evangelho. A autenticidade
espiritual é aferida pela fé na verdade invisível de Deus, e não pela
confiança no que é visivelmente consumível em nossa época. O
maravilhoso termo “pela fé” é sinônimo de confiança nas realidades
espirituais invisíveis.15 É naquilo que seu coração ama que seus
olhos repousarão.16 Essa é uma verdade que antecede a revolução
fotográfica e a revolução do vídeo. Muito antes do surgimento das
câmeras digitais classificadas por megapixels e telas de smartphone
classificadas em gigapixels, a Escritura já direcionava o foco de
nossa atenção para as coisas invisíveis.

“Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com Cristo,


buscai as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita
de Deus. Pensai nas coisas lá do alto, não nas que são aqui da
terra” (Cl 3.1-2).
“Não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se
não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se
não veem são eternas” (2Co 4.18).
“Visto que andamos por fé e não pelo que vemos” (2Co 5.7).
“Porque, na esperança, fomos salvos. Ora, esperança que se
vê não é esperança; pois o que alguém vê, como o espera?
Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o
aguardamos” (Rm 8.24-25).
“Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção
de fatos que se não veem” (Hb 11.1).
“Disse-lhe Jesus: Porque me viste, creste? Bem-aventurados os
que não viram e creram” (Jo 20.29).
“A quem, não havendo visto, amais; no qual, não vendo agora,
mas crendo, exultais com alegria indizível e cheia de glória,
obtendo o fim da vossa fé: a salvação da vossa alma” (1Pe 1.8-
9).
“Por isso, cingindo o vosso entendimento, sede sóbrios e
esperai inteiramente na graça que vos está sendo trazida na
revelação de Jesus Cristo” (1Pe 1.13).
“Porque tudo que há no mundo, a concupiscência da carne, a
concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não procede do
Pai, mas procede do mundo. Ora, o mundo passa, bem como a
sua concupiscência; aquele, porém, que faz a vontade de Deus
permanece eternamente” (1Jo 2.16-17).

Se você ignorar essas passagens, a vida cristã não faz sentido


algum.
Para esclarecer, não podemos pensar nisso como uma simples
transação em que o invisível torna o visível sem sentido. Não. Pelo
contrário, conforme os olhos da fé percebem as glórias invisíveis de
Deus e os corações nascidos de novo acolhem-nas, todas as glórias
visíveis de Deus no mundo parecem ser constituídas de uma
substância mais densa. Quanto mais abraçamos a Deus com afinco,
mais gratidão expressamos por suas dádivas criadas para nosso
desfrute,17 e mais claramente começamos a discernir as distorções
pecaminosas e as promessas vazias do pecado indiscriminado.
No entanto, os efeitos visuais chamativos são forças
especialmente potentes em nossas vidas, explica Alastair Roberts,
porque o olho é especialmente suscetível ao “imediatismo
espetacular” de uma impressionante fotografia online, por exemplo.
Os ouvidos são bem menos propensos a essa distração, pois a
realidade sonora mais poderosa é menos espetacular do que a
realidade visual, argumenta.18
Mais uma vez, a prioridade do cristão em relação ao que é
invisível não torna inútil a criação visível.19 Isso significa que o que
vemos passa a conter mais significado a partir daquilo que não
podemos ver. As dádivas físicas que desfrutamos são “mais densas”
por meio de nossa capacidade de ver e entesourar o Doador
invisível.
Tudo isso é um mistério para o mundo, porém as realidades
invisíveis governam nosso consumo. Estamos todos famintos,
sedentos e necessitados de um sustento que vem de fora de nós,
mas dispomos nossa atenção e nossa riqueza para tentar satisfazer
nossos anseios mais essenciais com os bens e os vícios que são
facilmente acessados por nossos telefones. O materialismo
terapêutico é uma farsa. Pedimos caixas de bens novos que nunca
vão nos curar e compramos pacotes de comida que nunca vão
realmente nos dar conforto, e tudo isso porque estamos cegos às
dádivas gratuitas de Deus oferecidas em seu Filho, Jesus Cristo,
cujo corpo e cujo sangue foram dados a nós para sustentar nossa
vida eterna e para alimentar o crescimento de nossa alegria
incessante.20 Jesus sacia a sede profunda que o consumismo não
pode saciar.
Como em uma colisão frontal de trens de carga, o evangelho do
consumismo e o evangelho de Cristo se chocam:

O evangelho do consumismo defende: tudo o que você pode


imaginar que pode garantir felicidade e conforto terrenos está
disponível em uma dúzia de opções, tamanhos, cores e preços.
O evangelho de Jesus Cristo diz: tudo o que você poderia
precisar para sua alegria suprema e seu conforto eterno é
invisível ao olho humano.

Em Cristo, sempre que pesamos a importância de qualquer coisa


em nossas vidas, colocamos na balança aquilo que é visto por um
lado, mas colocamos ainda mais peso do outro lado, na “glória do
peso eterno”.21 Usando um jargão teológico vívido, a vida de fé diz
respeito a compreender as realidades espirituais surpreendentes, as
quais “requerem uma imaginação escatológica robusta, baseada
numa visão de fé que percebe aquilo que ainda não está completo
— nossa salvação — como se já estivesse acabado, por causa de
nossa união com Cristo. É uma questão de ver o que é parcial no
tempo presente como sendo um futuro perfeito”.22 Em linguagem
comum, a vida de fé se resume a compreender o todo, quando tudo
o que podemos ver é uma mera fração dele. Esse é o papel da
imaginação.
Em uma época de vícios visuais abundantes e proezas visuais
digitais deslumbrantes e orientadas por imagens geradas pelo
computador, a imaginação cristã tem padecido de muita fome por
uma alimentação teológica sólida, adverte o teólogo Kevin
Vanhoozer. “As imagens são simplesmente a cereja do bolo da
imaginação, mas há pouco valor nutricional no que é feito de
açúcar”, disse-me. “A carne com batatas da imaginação, a parte que
realmente é capaz de nutrir, envolve palavras, principalmente
histórias e metáforas. E, para dar sentido a uma metáfora, ou
acompanhar uma história, é preciso fazer conexões entre as coisas
e, dentro desse limite, construir um mundo.”23
LETRAMENTO EM VÍDEO
O açúcar visual cai em forma de cascata em nossas vidas. Até o fim
de 2015, quase quinhentas horas de conteúdo em vídeo estavam
sendo carregadas no YouTube a cada minuto do dia. A cada minuto!
“Da mesma maneira que as eras anteriores experimentaram a
mudança da oralidade para o letramento, podemos estar
testemunhando uma mudança cultural tectônica rumo à
comunicação audiovisual. Podemos não ser programadores, mas
fazemos algo que podemos chamar de digitalidade; somos pessoas
feitas de pixels”.24
Estamos testemunhando uma transição sísmica de consumo
passivo de vídeo para filmagem, edição e compartilhamento ativos
(ou hiperativos) — tudo a partir de nossos telefones.25 O letramento
em vídeo está em ascensão e vem com uma força cultural
potente.26 Muitos cristãos estão encontrando novas maneiras de
distribuir conteúdo edificante nos canais do YouTube para atender
às necessidades espirituais de seus seguidores. Louvamos a Deus
por isso. Mas, na mesma medida que alguns cristãos salvam vídeos
para a glória de Deus, muitos outros simplesmente refletem as
aparências superficiais do mundo.
Vale a pena recordarmos que a substância de nossa esperança
não é encontrada nos mais recentes espetáculos visíveis nos
retângulos brilhantes. Em vez disso, nossos corações deleitam-se e
saboreiam um Cristo que ainda não podemos ver, um Cristo que nós
aceitamos pela fé, um Cristo que é tão verdadeiro e tão real para
nós que, nos momentos desta vida, somos preenchidos com uma
alegria repleta de glória, de forma periódica e expressiva. O que
imaginamos deve ser avivado em Cristo de maneira tal que
chegaremos ao ponto de “ver” que vivemos nele; chegaremos ao
ponto de tirar nossos olhos dos vícios digitais que os capturam; e
chegaremos ao ponto de viver pela fé e compartilhar a alegria
presente na medida em que antecipamos a alegria futura
inimaginável de sua presença.27
ESPERANÇA E TÉDIO
No fim das contas, eu me pergunto se a maioria dos padrões
autodestrutivos em nossas vidas — tanto faz se é comer
exageradamente, preocupar-se, a luta para não gastar mais do que
deve, ou se é o fato de pegarmos nossos telefones pela manhã
antes de qualquer outra coisa — resulta de imaginações famintas,
malnutridas de esperança. Quando vivemos por aquilo que é visível
e ignoramos o invisível, ilustramos a definição de falta de fé. A
verdadeira fé vive para o que é invisível e não revelado. Cada
geração da igreja enfrenta a própria luta para colocar seu foco em
Deus e nas coisas que não são vistas. A luta é real — seja contra o
iPhone mais recente, seja contra o ídolo doméstico antigo.
Quando fico entediado com Cristo, torno-me entediado com a vida
— e, quando isso acontece, geralmente me volto para meu telefone,
com vistas a uma nova emoção de consumo digital. Esse é o hábito
padrão. “Habituar-se a um iPhone consiste em tratar implicitamente
o mundo como algo ‘disponível’ para mim e ao meu dispor — é
constituir o mundo como ‘disponível’ para mim, é permitir que seja
selecionado, classificado, escaneado, explorado e desfrutado”.28 Em
nossos telefones, a era digital e a era consumista se mesclam, e
nossas telas nos oferecem tudo que somos capazes de ver ou
desejar, até mesmo as compulsões “anônimas” e as fantasias mais
escabrosas.
DESVICIADO
À luz do ritmo de todas essas tentações digitais, um jovem que
lutava contra vícios digitais perguntou se deveria abandonar seu
smartphone e voltar a ter um “dumbphone”29. John Piper aplicou
uma estratégia sábia: “Meu palpite é que algumas pessoas vão
dizer, ‘Veja bem, Piper, uma vez que o telefone não é o problema, e
sim o coração, é inútil abandonar o telefone’. Para essas pessoas,
eu respondo: ‘Não, não é inútil abandonar o telefone’”. Lutamos em
duas frentes na batalha pela santidade na era digital, explicou.
“Estamos lutando na frente interna do coração — a frente do
coração que busca estar tão satisfeita em Jesus, busca vê-lo tão
claramente e amá-lo tão profundamente e segui-lo tão de perto que
nada, nem mesmo um celular, possa nos controlar. Mas
biblicamente, também estamos lutando na frente externa para
remover ou evitar os obstáculos à nossa fé.”
Então, ele conclui: “O principal aspecto da verdadeira liberdade do
cativeiro tecnológico não vem do fato de jogar o celular no lixo, mas
sim de preencher esse vazio, esse vazio que você está tentando
preencher com os prazeres do dispositivo, com as glórias de
Jesus”.30
Nosso desafio na era digital é duplo:

1. Na frente externa: estamos nos resguardando e nos mantendo


em autonegação com o uso do celular?
2. Na frente interna: será que estamos, simultaneamente,
buscando satisfazer nossos corações com a glória divina, que,
por ora, é, em grande parte, invisível?

As seduções online sempre estarão conosco, em um dilúvio de


tentações baratas, imagens sexualmente carregadas e anúncios
chocantes. Mas, em vez disso, devemos preencher nossos
corações até a borda com glória, para que aprendam a,
sobrenaturalmente, passar “batido” pelas imagens insípidas que
naturalmente apelam aos desejos de nossos olhos. Para viver uma
vida abundante nessa insaciável sociedade de consumo, devemos
suplicar em oração pelo poder concedido por Deus para desviar
nossos olhos dos shows de lixo digital, oferecidos infinitamente em
nossos telefones, e para sintonizar nossos ouvidos no sentido de
ouvir os ecos sublimes dos fascínios eternos, com as belezas
transcendentes que “vemos” nas Escrituras.31
1. Andy Crouch, Strong and Weak: Embracing a Life of Love, Risk and True
Flourishing (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2016), p. 86.
2. Kristen Brown, “I Found My Husband in the Ashley Madison Leak”, Fusion.
Disponível em fusion.net (21 ago. 2015).
3. Annalee Newitz, “Almost None of the Women in the Ashley Madison
Database Ever Used the Site”, Gizmodo. Disponível em gizmodo.com (26 ago.
2015).
4. Usuários que buscam sexo fácil e usuários buscando novos
relacionamentos naturalmente se encontram por intermédio do mesmo
aplicativo, mas com expectativas bem diferentes. Para mais informações,
consulte Tony Reinke, “Tough and Tinder: Does Easy Sex Make Rude Men?”,
Desiring God. Disponível em desiringGod.org (12 mar. 2016).
5. Uma pesquisa não científica realizada online com os leitores do site
desiringGod.org, por meio de canais de mídia social (abr. 2015).
6. Rabino Shmuley Boteach e a ex-estrela pornô Pamela Anderson, “Take the
Pledge: No More Indulging Porn”, The Wall Street Journal (31 ago. 2016).
7. John Bingham, “How Teenage Pregnancy Collapsed After Birth of Social
Media”, The Telegraph (9 mar. 2016).
8. Abigail Haworth, “Why Have Young People in Japan Stopped Having
Sex?”, The Guardian (20 out. 2013).
9. W. Bradford Littlejohn, manuscrito de palestra, “The Vice of Curiosity in a
Digital Age”, The Society of Christian Ethics. Disponível em scethics.org (9
jan. 2016).
10. 1Tessalonicenses 4.3-5.
11. Mateus 5.27-30.
12. Sinclair Ferguson, entrevista com o autor por telefone (15 set. 2016).
13. 1Coríntios 4.5.
14. Colossenses 2.13-15.
15. Hebreus 11.
16. Esse é um tema recorrente no livro de Isaías, em que o verbo “olhar” é
simultaneamente aplicado à visão física e espiritual (fidelidade), a fim de
contrastar as categorias de ídolos/Deus, visão/fé e imediato/esperado.
17. Observe esse princípio em sentido inverso em Romanos 1.18-32.
18. Alastair Roberts, entrevista com o autor por email (23 jan. 2016).
19. Em certo sentido, as prioridades cristãs de fé, esperança e amor unem o
visível e o invisível. Em amor, somos aproximados daqueles que podemos
ver, como, por exemplo, nossos próximos. Mas, na fé e na esperança, nosso
amor está devidamente fundamentado na realidade de que aqueles que são
nossos próximos, no fim dos dias, estarão para sempre alienados de Deus ou
reconciliados com ele. Assim, nosso amor (visível) assume uma força especial
porque vemos nele a eternidade (invisível) que eles talvez não consigam
sequer imaginar. O que é encarnado/desencarnado, visível/invisível e
tangível/intangível, tudo coopera no ecossistema holístico de Deus para o
desenvolvimento de seus filhos. O Espírito, a água, e o sangue testemunham
juntos (1Jo 5.8).
20. Isaías 55.1-2; João 6.25-59; 2Pedro 1.3-4; Apocalipse 22.17.
21. 2Coríntios 4.17.
22. Kevin Vanhoozer, Pictures at a Theological Exhibition: Scenes of the
Church’s Worship, Witness and Wisdom (Downers Grove, IL: IVP Academic,
2016) [edição em português: Quadros de uma exposição teológica: cenas de
adoração, testemunho e sabedoria da igreja (Brasília, DF: Editora
Monergismo, 2017)], p. 237, ênfase original.
23. Kevin Vanhoozer, entrevista com o autor via email (26 fev. 2016).
24. Ibid.
25. A televisão e o vídeo evoluíram rapidamente de visualização linear ao
vivo (televisão tradicional) para programação sob demanda (filmes
arquivados, programas, eventos esportivos, vídeos de YouTube), depois para
programação parcialmente ao vivo (vídeos com data para expirar, como, por
exemplo, programas recentes, Snapchats e stories), até chegar à transmissão
em tempo real (esportes e televisão ao vivo, e vídeos pessoais ao vivo
transmitidos por telefones).
26. Veja Clive Thompson, Smarter Than You Think: How Technology Is
Changing Our Minds for the Better (New York: Penguin, 2013), pp. 83-113.
27. 1Pedro 1.8–9; Judas 24-25.
28. James K. A. Smith, Imaginando o reino: a dinâmica do culto (São Paulo:
Vida Nova, 2019), pp. 168-169, ênfase original.
29. “Telefone burro”. Em oposição ao smartphone (telefone inteligente), os
dumbphones são aparelhos mais simples, normalmente sem acesso a
internet, com apenas algumas funções básicas como telefonar e enviar
mensagem de texto via SMS. (N. do E.)
30. John Piper, entrevista com o autor via Skype, publicado como “When
Should I Get Rid of My Smartphone?”, Desiring God. Disponível em
desiringGod.org (25 ago. 2015), ênfase acrescida.
31. Salmos 119.18, 36-37.
9 PERDEMOS O SENTIDO DAS COISAS

A produção textual média em emails e mídia social é estimada em


3,6 trilhões de palavras, ou seja, o equivalente a 36 milhões de
livros digitados todos os dias! A título de comparação, a Biblioteca
do Congresso reúne 35 milhões de livros.1 Vivemos num dilúvio de
informações que somente os romancistas distópicos poderiam ter
previsto. Na introdução do livro que foi o marco de sua obra,
Amusing Ourselves to Death, Neil Postman contrastou duas
advertências culturais bem distintas, feitas no livro 1984, de George
Orwell, e em Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Orwell
argumentava que os livros desapareceriam por conta da censura;
Huxley pensava que os livros seriam marginalizados pela torrente
de dados. Postman resume bem esse contraste. “Orwell temia
aqueles que nos privariam de informação. Huxley temia aqueles que
nos dariam tanta informação que seríamos reduzidos à passividade
e ao egoísmo. Orwell temia que a verdade fosse escondida de nós.
Huxley temia que a verdade nos afogasse em um mar de
irrelevância”.2 Huxley parece ter ganhado.
Remanescente de Huxley e Postman, mais recentemente, o papa
Francisco deixou sua própria advertência sobre a sobrecarga de
informações em uma encíclica sobre a poluição global, advertindo
que, “quando a mídia e o mundo digital se tornam onipresentes,
suas influências podem impedir que as pessoas aprendam a viver
com sabedoria, refletir profundamente e amar generosamente.
Nesse contexto, os grandes sábios do passado correm o risco de
não ser escutados no meio do barulho e das distrações de uma
sobrecarga de informação”. Ele argumentou que as distrações
digitais devem ser postas em xeque, pois a verdadeira sabedoria é o
resultado de uma leitura profunda, de autoexame e do “diálogo e do
encontro generoso entre as pessoas”. O mero acúmulo de dados,
advertiu, “conduz a sobrecarga e confusão, uma espécie de
poluição mental”.3
ALIMENTANDO A ALMA COM PORCARIAS
Postman, Huxley e o papa compartilham uma espécie de
tecnopessimismo que eu não tenho. E, se a sobrecarga de
informações na era digital é um problema, parece-me ser um
problema secundário, que eu considero um pouco limitante e
insatisfatório como explicação completa; é como se ele não
conseguisse atingir o cerne do problema real.
Em primeiro lugar, as taxas em declínio de letramento tornaram-
se um problema notável depois que o Facebook foi inventado. É
bem como Oliver O’Donovan me confessou: “Minha impressão é
que o dano ao letramento é um fato consumado, do qual os meios
eletrônicos geralmente são responsabilizados. Aqui há outros
fatores em jogo. O letramento não estava indo tão bem das pernas
antes dos anos 1990”.4 Não devemos concluir que as gerações pré-
smartphone eram avançadas em letramento e, portanto, mais
qualificadas na análise da verdade suprema.
Segundo, nosso maior desafio na era digital não é a poluição
mental causada pela sobrecarga de informações, mas uma
deficiência nutricional do conteúdo que foi projetado — assim como
os aperitivos modernos — para abrir o nosso apetite. E as
informações online estão cada vez mais hiperpalatáveis, algo
semelhante às porcarias sedutoras que comemos. Notícias de
última hora, tabloides de fofocas, memes virais e as mais recentes
controvérsias em esportes, política e entretenimento nos atraem
para nossos telefones como se fossem bolinhos recheados e fritos
dispostos em palitos na feira. Iguarias digitais são atraentes aos
olhos, mas falta-lhes o aspecto nutricional.
Em terceiro lugar, diz Alastair Roberts, nossos telefones
possibilitam o compartilhamento e o consumo constante de uma
dieta repleta de informações inúteis, além de fazer com que nos
sintamos conectados com os outros. Isso é o que chamamos de
comunicação fática — um conhecimento trivial que é compartilhado
para manter algum tipo de laço social, mas que não transmite ideias
(veremos mais, no capítulo 12, sobre os prós e os contras das
“conversas fiadas” no meio digital). A mídia social vem com um
contrato implícito, uma espécie de código de aprovação mútuo que,
ao longo do tempo, pode corroer o valor da informação que
compartilhamos. Vou seguir você e “curtir” o que produz se você
fizer o mesmo por mim. Inevitavelmente, a substância de nosso
conteúdo pode diminuir, porque o ímpeto de dar curtidas e fazer
compartilhamentos passa a ser mais orientado pela reciprocidade
social obrigatória do que por qualquer outra coisa.5
Desse modo, nosso problema é mais profundo do que uma
sobrecarga de informações; na verdade, o problema é “nosso
apetite desgovernado por conectividade imediata e uma urgência
insistente do ‘grande drama comunicativo’ de nossa sociedade”.6
Nossos telefones não nos levam a hábitos ruins porque queremos
informações ilimitadas, mas, sim, porque queremos permanecer
relevantes e entretidos. Queremos humor e curtidas. Essa realidade
social faz minha preocupação com a sobrecarga de informações
parecer bem pequena.
“NOTÍCIAS DE ÚLTIMA HORA”
Nosso desejo de nos conectar é conduzido por nosso apetite por
novidades. Para que você entenda aonde quero chegar, imagine as
agências de notícias — que antes estavam restritas às suas
próprias regiões e distribuindo notícias às suas audiências por meio
de antenas de televisão, transmissores de rádio e feixes de revistas
e jornais. Na era digital, nossas notícias estão cada vez mais
confinadas à grande fortaleza de um castelo (a web), com alguns
poderosos guardiões que decidem quando vão publicar as notícias e
quem terá acesso a elas (gradativamente, nas plataformas de mídia
social). A mídia social não está substituindo os meios de
comunicação em massa; ela está se tornando o filtro por meio do
qual, agora, o conteúdo produzido pela mídia de massa precisa
passar para alcançar massas inéditas.
Se algo é digno de nota, o Twitter e o Facebook com certeza vão
nos informar. Entre 2013 e 2015, os americanos disseram que, cada
vez mais, sua principal fonte de notícias eram as plataformas de
mídia social; houve saltos entre os usuários do Twitter (de 52% para
63%) e do Facebook (de 47% para 63%).7
Tanto faz se é um alerta de “notícia de última hora”, a notificação
de uma mensagem direta, uma mensagem de texto ou um aplicativo
de notícias: nossos telefones tornam nossas vidas vulneráveis ao
imediatismo do momento, de uma maneira que era desconhecida
por todas as gerações e culturas anteriores. A mídia social e o
acesso à internet por meio de nossos telefones levam o imediatismo
dos eventos no mundo inteiro para dentro de nossas vidas. Em
consequência, sofremos de neofilia, um vício naquilo que é novo,
em qualquer coisa que seja novidade nos últimos cinco minutos.
Impulsionado pela mídia social, cada escoamento de mídia
compete pelas cenas dos eventos mais atuais. Isso alimenta a
natureza da notícia do tipo “acabou de acontecer e logo será”,
escreve O’Donovan. As ditas “notícias de última hora”, as quais são
hiperpalatáveis na mídia social, são a chave para chamar a atenção
de maneira bem-sucedida nas maiores plataformas: “Ao devotarmos
total atenção à onda do que é mais novo, as notícias ecoam seu
rugido para nós; procuramos essas notícias para que nos mostrem
um mundo novo a cada manhã, como se não tivesse havido o
ontem. Proverbialmente, as notícias foram criadas para nos
revigorar”, afirma ele, ecoando Provérbios.8 Boas-novas ocasionais
podem, de fato, nos revigorar, mas, com nossos telefones, até
mesmo as notícias mais trágicas chegam a nós em tempo real. E
nós as acolhemos bem. “O que mais surpreende sobre a
comunicação rápida e abrangente da notícia moderna é quão
próximos ficamos delas, como se estivéssemos constantemente
com medo de o mundo sofrer mudanças pelas nossas costas, caso
não estejamos a par de mil novos fragmentos de informação. Essa é
uma medida de nossa insegurança metafísica, a qual é o motor de
nosso desejo moderno por domínio”.9
Seja porcaria hiperpalatável ou não, odiamos ficar por fora de
qualquer coisa (e veremos mais a esse respeito no próximo
capítulo). Em nosso desejo de sermos “senhores” do mundo,
tornamo-nos especialmente suscetíveis às novidades e atualizações
— recebemos textos, lemos tuítes ou vemos notificações em nossos
telefones e todo o resto de nossas vidas deve esperar. Mas, em
contraste com esse imediatismo, e com as notícias mais quentes do
momento, “as misericórdias do Senhor são a causa de não sermos
consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; renovam-se
cada manhã” (Lm 3.22-23). É pela manhã que “olhamos para trás de
forma inteligente e olhamos para frente com esperança”, escreve
O’Donovan. Ainda assim, “‘cada nova manhã’ da mídia (que
rapidamente se transforma em ‘cada novo momento’) é, podemos
nos atrever a dizer, uma contradição clara à oferta diária de graça.
Ela serve mais para consertar nossa percepção sobre o agora
momentâneo, impedindo a retrospecção, desencorajando a
deliberação e mantendo-nos fascinados em um mundo presente
supersticioso, que, de forma similar ao inferno, perdeu seu futuro e
seu passado”.10
Esse alerta incrivelmente forte só é apropriado se nós, como
seres eternos, vivermos interrompendo nosso tempo por causa dos
ciclos de notícias diárias e estivermos desconectados de nosso
lugar na história de Deus. Perdemos nosso lugar na história (como
veremos mais adiante). E perdemos o jeito de perceber o sentido
último das coisas.
VALORIZANDO A SABEDORIA
Seja nosso problema o excesso de informações, seja a
hiperpalatabilidade do conteúdo, o que precisamos é não dar de
ombros (passivismo), nem nos curvar às nossas próprias reflexões
(narcisismo), tampouco cair no poço de desespero existencial ao
desconsiderar nosso passado e nosso futuro (niilismo).
As soluções para todos os três problemas centrais na era digital
são oferecidas pelo rei Salomão, com advertências proféticas para
uma era da informação que ele nunca poderia ter imaginado. Em
seus dias, como ele observava a proliferação da literatura de
sabedoria dos sábios de todo o mundo, ele vislumbrou nisso
benefício e valor, mas também viu uma espécie de inundação. Os
sábios nunca deixarão de escrever livros, e nós nunca vamos parar
de querer acompanhar esse ritmo. No entanto, se tentarmos ficar
atualizados o tempo todo, ficaremos cada vez mais cansados, pois
as bibliotecas do conhecimento acumulado não têm fim, e “o muito
estudar é enfado da carne”.11 A falta de autocontrole sobre nosso
volume de ingestão de dados gera fardos que nossos corpos físicos
não conseguem carregar.
É nesse ponto que as três soluções oferecidas por Salomão
entram.
A primeira é que, no meio de todo esse ruído, os cristãos devem
identificar e estimar a sabedoria. Antes mesmo de alertar seu filho
acerca da produção infinita de livros e do cansaço que o ato de
estudar muito causa, ele escreveu: “As palavras dos sábios são
como aguilhões, a coleção dos seus ditos como pregos bem fixados,
provenientes do único Pastor. Cuidado, meu filho; nada acrescente
a eles” (Ec 12.11-12a, NVI). Devemos atribuir juízo de valor a todas
as informações que consumimos. Não devemos buscar conteúdo
digital simplesmente para nos manter atualizados, informados ou
para nos conectar. Em vez disso, devemos aguçar nossos ouvidos
ao ruído da novidade para que possamos identificar o sentido das
coisas e abraçar a verdade, a bondade e a beleza. Hoje, vivemos na
era de ouro do conteúdo online de qualidade e edificante,
disponibilizado gratuitamente. Mas como reagimos a isso? Vamos
mais devagar e absorvemos esses sites com o valor que eles
representam, ou deixamos passar esse valor, no clamor do
imediatismo, da rapidez de alguma data de validade invisível e da
hiperpalatabilidade de outro ruído digital?
Estimar a sabedoria é uma disciplina de letramento. “O que o
letramento costumava significar era a capacidade de interrogar o
aparecimento de algo, incluindo o aparecimento de números. O que
significam? Qual é a experiência por trás deles?” O letramento
pergunta: qual é a utilidade disso? “Talvez a maior ameaça que
enfrentamos é a de viver com lapsos de atenção curta, sempre
diante de uma pequena explosão de surpresa diferente. O
conhecimento real nunca vem realmente dessa forma. Ele tem de
ser buscado e perseguido, da mesma forma que os poemas de
Sabedoria no início de Provérbios nos ensinam.”12 Sem sabedoria,
nos perdemos de maneira tola no desorientado agora, na explosão
da novidade. Sem sabedoria, ficamos tolamente desatrelados de
nosso passado e de nosso futuro.
Em segundo lugar, em meio a todo esse ruído, os cristãos devem
esforçar-se para uma obediência em temor sobre a informação
frívola. Depois de sua declaração sobre a imensidão da quantidade
de livros, Salomão escreveu: “De tudo o que se tem ouvido, a suma
é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque isto é o
dever de todo homem.” (Ec 12.13). A obediência direcionada a Deus
é mais importante do que o acesso à informação; é mais valiosa do
que a proeminência na mídia social.
Em terceiro lugar, em meio a esse ruído, precisamos abraçar
nossa liberdade em Cristo, afastando-nos das investidas da
publicação online e da proliferação dos sábios digitais. Pela graça,
somos livres para fechar nossas fontes de notícias, fechar nossos
aplicativos de produtividade, com o objetivo de simplesmente nos
regozijarmos na presença de amigos e desfrutarmos a convivência
com nossas esposas e famílias no mistério, na majestade e na
“densidade” da existência humana.13
TECNOLOGIA E SABEDORIA
Voltando à definição que usei no início deste livro, a tecnologia
abrange mais do que simplesmente nossos celulares. Adão e Eva
foram criados, nus, para viver em uma terra cheia de animais.
Dando um empurrão inicial para o progresso tecnológico, Deus
inventou os primeiros têxteis e a primeira espada.14 Começando
com o primeiro traje e a primeira lâmina, todo o resto que seria
tecido, extraído, fundido, transformado em máquina, polido e
produzido em massa se abriga no guarda-chuva da tecnologia.
Jó 28 é um poema que celebra a inovação tecnológica do homem.
Podemos vasculhar o planeta por matérias-primas como ferro e
cobre. Podemos ir aonde pássaros, animais e até mesmo viajantes
nunca foram. Podemos nos aventurar na escuridão, fazendo ecoar
galerias sob a terra e balançar nas extremidades das cordas para
frente e para trás à medida que somos baixados cada vez mais
fundo para extrair pepitas de ouro e diamantes. Podemos derrubar
montanhas de baixo para cima.
Se Jó 28 é um hino glorioso para celebrar a inovação humana (vv.
1-11), é também uma canção de advertência acerca dos limites da
sabedoria que podemos encontrar em nossos dispositivos (vv. 12-
28). Quando se trata de buscar o significado de nossa existência
neste mundo, nem toda a nossa tecnologia é capaz de nos levar a
uma profundidade ou a uma altura suficiente. A verdadeira
sabedoria está além do alcance de nossas picaretas e técnicas.
Podemos descer às galerias empoeiradas e escuras que vão aos
lugares mais profundos da terra, mas a sabedoria não está lá.
Podemos ir ao fundo do mar, mas a sabedoria também não está lá.
Todo ouro trazido à luz não revelará a sabedoria. Podemos ser tolos
especialistas em tecnologia.
Nesta era digital de conteúdo esmagador, não podemos ser
relegados à passividade ou ao egoísmo. E certamente não devemos
afundar em um mar de notícias e fofocas irrelevantes. Em vez disso,
devemos aprender a valorizar aquilo que é mais valioso no universo
— Deus. Quando nos voltamos para Deus, descobrimos que a
sabedoria e o conhecimento mais preciosos não estão ocultos sob
uma montanha ou incorporados ao mais recente dispositivo criado;
são encontrados em Jesus Cristo.15 Ele define o propósito e o
significado de toda a vida. Ele orienta o que é verdadeiramente
importante e valioso para nós na era digital, e em todas as épocas.

1. Clive Thompson, Smarter Than You Think: How Technology Is Changing


Our Minds for the Better (New York: Penguin, 2013), p. 47.
2. Neil Postman, Amusing Ourselves to Death: Public Discourse in the Age of
Show Business (New York: Penguin, 1985), pp. vii-viii.
3. Papa Francisco, “Carta Encíclica, Laudato Si’ do Santo Padre Francisco
sobre Cuidados da Casa Comum”, A Santa Sé. Disponível em w2.vatican.va
(24 maio 2015).
4. Oliver O’Donovan, entrevista com o autor por email (10 fev. 2016).
5. Cal Newport, Deep Work: Rules for Focused Success in a Distracted World
(New York: Grand Central, 2016), p. 208.
6. Alastair Roberts, entrevista com o autor por email (23 jan. 2016).
7. Michael Barthel et al., “The Evolving Role of News on Twitter and
Facebook”, Pew Research Center. Disponível em journalism.org (14 jul.
2015).
8. Oliver O’Donovan, Ethics as Theology, v. 2, Finding and Seeking (Grand
Rapids, MI: Eerdmans, 2014), p. 234. Veja Provérbios 25.13, 25, comparando
com 13.17.
9. Ibid., p. 235.
10. Ibid., p. 237.
11. Eclesiastes 12.12.
12. O’Donovan, entrevista com o autor por email (10 fev. 2016).
13. Eclesiastes 9.7-9. Dietrich Bonhoeffer observa: “É certo que um cultivo
excessivo de relacionamentos humanos (...) conduz a um culto à humanidade
que se mostra desproporcional à realidade. Em contraste, o que quero
simplesmente dizer aqui é que as pessoas são mais importantes em nossas
vidas do que qualquer outra coisa. Isso certamente não significa que o mundo
das coisas materiais e das realizações práticas tem menos valor. Mas o que é
o mais belo livro, imagem, casa ou propriedade em comparação à minha
mulher, aos meus pais e amigos? No entanto, a única pessoa que pode
afirmar isso é quem já realmente encontrou a companhia humana na vida.
Para muitos, hoje as pessoas não são mais do que parte do mundo das
coisas”. Dietrich Bonhoeffer, Letters and Papers from Prison, ed. Christian
Gremmels, trad. Isabel Best, vol. 8, Dietrich Bonhoeffer Works (Minneapolis:
Fortress, 2010), [edição em português: Resistência e submissão: Cartas e
anotações escritas na prisão (São Leopoldo, RS: Editora Sinodal, 2003)] p.
509.
14. Gênesis 3.21, 24.
15. Colossenses 2.3.
10 TEMEMOS ESTAR PERDENDO ALGO

Perder um cônjuge em potencial, perder a oferta de emprego


perfeita, perder uma dica de ouro ou perder uma festa com nossos
amigos — perder algo deixa em nós uma pontada de pesar que
todos odiamos. A visão que temos do futuro é embaçada, mas a
visão que temos do passado é perfeita, e isso significa que nos
lembramos de nossos erros passados com a clareza de um cristal.
Quando perdemos algo por diversas vezes, podemos começar a
temer exageradamente a próxima perda.
Assim, nossos telefones e mídias sociais servem como uma
atualização em tempo real de nossas comparações com a vida dos
outros, constantemente alimentando nosso “medo de perder algo”
(FOMO — Fear Of Missing Out). O FOMO e a mídia social
caminham de mãos dadas. Até mesmo a adição do termo no
Dicionário de Inglês Oxford confirma o link entre as duas coisas:
“FOMO — medo de perder algo, ansiedade causada pela
possibilidade de um evento emocionante ou interessante estar
acontecendo em outros lugares, geralmente despertada por
postagens em algum site de mídia social”.1
O FOMO pode ser diagnosticado pelos sintomas mais básicos de
“ansiedade por desconexão”, também conhecido como nomofobia
(“no-mobile-phone phobia”) — a inquietação que sentimos quando
nos encontramos impedidos de acessar o mundo digital. Essa
tensão do FOMO é altamente contagiosa e progride com muita
rapidez. Por exemplo, uma jovem que cresceu numa comunidade
Amish, offline por 18 anos antes de entrar no mundo online,
rapidamente pegou a febre da desconexão. Depois de se ajustar ao
estilo de vida não Amish e de se adaptar a uma América digital, ela
seguiu em uma viagem missionária offline. “Eu ficava pensando que
não via a hora de voltar aos Estados Unidos, onde eu poderia estar
conectada de novo à tecnologia e ver tudo o que estava
acontecendo. Acho que é porque me sinto como se eu estivesse
nua, por não estar sendo efetivamente atualizada do que está
acontecendo”.2
Se uma ex-Amish que não havia sequer tocado em um iPhone até
a idade adulta, e que mantém hábitos online relativamente
saudáveis, está suscetível a esse medo, suspeito que muitos de
meus piores hábitos no telefone são fruto do FOMO. Eu quero
saber, quero ver e não quero ficar de fora.
Meu desejo de não ser socialmente deixado de fora me custa um
preço de intermináveis toques, bipes e atualizações constantes de
feeds. Verifico constantemente meu telefone para ter certeza de que
não estou perdendo nada. Mas os outros também pagam um preço
por minha suposta “relevância”. Quando se trata de FOMO cultural,
estamos ansiosos para virar o jogo e despejar nos outros a
vergonha por ainda não terem consumido os filmes, as séries de
televisão, ou por não saberem das histórias virais que consumimos
antes deles. Sempre que alguém admite que está atrasado nesses
produtos culturais, rapidamente nós os expomos. “Por mais que
relutemos estar na ponta receptora da culpa, nós a distribuímos em
partes iguais.”3 Sim, temos sangue em nossas mãos — porque
tanto carregamos como disseminamos o vício da doença do FOMO.
É bom fazer alarde sobre nossa própria relevância ao usar a
irrelevância do outro.
A ironia doentia é que o nosso FOMO nos faz correr direto para a
natureza da notícia que “acabou de acontecer e logo será”, a qual
só agrava os problemas que abordamos no último capítulo e
alimenta nossos temores neste mundo. “Acredito que mais do que
nunca os cristãos estejam viciados em notícias”, disse-me o
conselheiro Paul Tripp. “Mais do que nunca, por meio da mídia
social e de um ciclo de notícias 24 horas, estamos o tempo todo
cientes do que está acontecendo ao nosso redor. E acredito que,
para muitos de nós, isso tem acentuado nossos medos.”4 Sim, ter
um celular é algo incrível, mas ter internet em nossos telefones
também significa ter acesso imediato a todas as maiores tragédias,
sofrimentos, bombardeios e atos de terrorismo do mundo. Estamos
preparados para carregar esse fardo?
OS PRINCIPAIS FOMOs
Podemos resumir nossos principais medos online em dois tipos de
ansiedade, defende o teólogo Kevin Vanhoozer: “Ansiedade de
status (o que as pessoas vão pensar de mim?) e ansiedade por
desconexão (‘me conecto, logo existo’).” Mas conectado a que
exatamente e a que custo? “Tenho medo de que, para muitos, a
resposta frequentemente seja: estar conectado ao império do
complexo industrial do entretenimento. Vivemos no que foi descrito
como uma ‘economia da atenção’, e o sermão de domingo de
manhã parece fraco em comparação com uma sessão de
navegação na internet. A última nos permite entrar nas ondas da
cultura e da opinião popular”. Assim como tantos pontos ao longo
deste livro, é tudo uma questão de sentido das coisas. “A questão
preocupante para o discípulo é se nossa atenção está se voltando
para algo de valor. Espetáculos são efêmeros, e por isso quem sofre
de FOMO está sempre à procura da próxima grande tendência. Os
discípulos que estão de olhos abertos à realidade têm sua atenção
voltada para as últimas notícias que realmente são fundamentais, a
saber, a notícia de que o reino de Deus chegou ao nosso mundo em
Jesus Cristo. Essa notícia exige nossa atenção consistente e uma
imaginação bem viva.”5
Os cristãos, talvez como nunca antes, sentem-se tentados a
permanecer grudados no ciclo diário de notícias, nos vídeos virais,
nas previsões políticas e nas fofocas de entretenimento (como
vimos no último capítulo). Nossa hiperconectividade é alimentada
pelo FOMO. Odiamos ser deixados de fora, e por isso nos
concentramos em toda próxima grande tendência, como, por
exemplo, o próximo filme campeão de bilheteria. E esquecemos as
realidades grandes e gloriosas, como o surgimento de uma nova
criação de Deus.
TRISTEZA E SILÊNCIO
O FOMO em nossos celulares é uma experiência universal e, como
você pode ver, os cristãos não estão imunes a isso. Quando o
escritor Andy Crouch ficou quarenta dias offline — sem telas ou
mídias sociais —, disse que a experiência foi a mais deliciosa de
todas. “Porém, uma coisa eu digo: O FOMO — o ‘medo de perder
algo’ — é algo real”, admitiu. “O que eu mais tinha medo de perder
não era informação, mas afirmação. Descobri quão afeiçoado, ou
talvez viciado, eu estava às pequenas doses diárias de garantias de
que outras pessoas me ‘curtiam’ e me ’seguiam’ (...) Foi
preocupante perceber quão forte atração isso exercia sobre mim.”6
Esse desejo por afirmação pessoal talvez seja a atração mais
forte que o celular exerce sobre nós, e isso só é amplificado quando
sentimos uma fisgada de solidão ou sofrimento em nossas vidas. Ao
primeiro sinal de desconforto, instintivamente pegamos nossos
telefones para administrar uma dose de afirmação à dor. Esse
hábito não poderia ser mais prejudicial.
O que geralmente esquecemos é que, quando nos movemos
pelas mídias sociais, a “profissionalização” molda nossas
plataformas públicas. A maioria de nós sabe que nossos
empregadores atuais e futuros provavelmente vão consultar o que
publicamos no Twitter, no Facebook e no Instagram. Essa
onisciência dos empregadores é difícil e por vezes intimidadora,
mas significa que o quer que coloquemos em nossos perfis públicos
tende a parecer editado, polido e “com tudo em cima” — sob
controle, confiante e seguro. Nossas personas sociais estão cada
vez mais condicionadas pelas expectativas empresariais.7 Mas
quando o sofrimento nos atinge, esquecemos que a mídia social
exige uma projeção unidimensional e cuidadosamente arrumada de
nós mesmos. Então, arrastamos nossos pesares pessoais para a
mídia social a fim de confirmar quão terrível nossa vida é em
comparação a de todos juntos!
Em outras palavras, o FOMO faz jogos mentais insidiosos quando
nossas tristezas são prolongadas. Quando uma sensação de dor ou
sofrimento nos atinge, voltamo-nos para nossos telefones — e, ao
nos voltarmos a eles, agravamos nossa própria dor, explica o pastor
Matt Chandler, um sobrevivente de câncer no cérebro. Imagine
alguém passando por um sofrimento ou uma depressão prolongada,
sentado em casa de pijama. “Você se arrasta para a cama e pega
seu celular. Você começa a deslizar por sua conta do Instagram. E o
que você descobre? O casamento de todo mundo é maravilhoso. Os
filhos deles são incríveis. Eles estão bem de vida. Eles não têm
dificuldade alguma. Não há dor. Não há sofrimento. Enquanto isso,
você está passando pela provação. Você comeu um pote inteiro de
sorvete assistindo a séries no Netflix. Você começa a ficar
ressentido. Você começa a deixar a raiva crescer contra eles. ‘É isso
mesmo? Por que eu, Senhor? Por que eu que tenho de suportar
essa provação? E eles?’ Durante a provação, seu coração insidioso
e perverso será exposto, e ele se manifesta por meio da
comparação.”8
INVEJA CAUSADA PELO FOMO
A comparação com os outros é um mal social que se desenvolve
entre nossos equivalentes na esfera socioeconômica. Entre essas
pessoas, a inveja não é meramente querer o que os outros têm,
mas querer porque eles têm. Ou pode manifestar-se no desejo de
que eles não tenham o que eu não posso ter. Esse pecado visa, de
forma traiçoeira, destruir bens e dádivas de outras pessoas à luz de
minhas próprias perdas e carências.
Em outras palavras, a inveja prospera por existirem marcos
concretos de comparação, escreve Brad Littlejohn. Carregamos a
inveja para dentro do mundo da mídia social em nossos telefones,
onde “podemos facilmente contabilizar quantos ‘gostei’, quantos
comentários, quantos ‘favoritos’, quantos ‘retuítes’ ou ‘repins’ o
status/foto/tuíte/postagem de nosso amigo recebeu em comparação
ao nosso. Para o coração invejoso, cada um desses pequenos
ícones de aprovação é como ferro em brasa, atiçando o ardente
fogo da amargura e da inveja”, diz ele. “O coração invejoso vai, de
forma masoquista, guardar cada lembrança dolorosa do sucesso
dos outros, contabilizando e ensaiando cada uma delas, até que
pareça que o mundo inteiro está conspirando contra ele”.9
Isso pode ser um exemplo extremo, mas até mesmo as menores
formas de inveja esmagam nossa alegria e drenam a vida que há
dentro de nossas almas com o peso da comparação. Os
compartilhamentos, as curtidas e os amigos acumulados nos
oferecem um ambiente irresistível para que haja comparação.
Talvez não esteja tão longe da realidade dizer que “o Facebook é a
CNN da inveja, uma espécie de ciclo de notícias 24h por dia sobre
quem é legal, quem não é, quem está em alta e quem está em
baixa”.10 Com efeito, a mídia social torna-se um fole que bombeia
combustível para o fogo interno da nossa inveja.
Toda essa inveja conduzida pelo FOMO, provocada pelo
sofrimento pessoal e alimentada pelo desejo de afirmação pessoal é
um monte de palha inflamável.
O NASCIMENTO DO FOMO
O FOMO não é algo exclusivo, muito menos moderno. Ele antecede
a sigla criada em 2004, é anterior ao surgimento do Wi-Fi e é
anterior aos nossos celulares. O FOMO é uma fobia antiga, com
uma história que remonta a muito tempo antes de começarmos a
usar nossos polegares para digitar mensagens de fofoca. Podemos
dizer que o FOMO é o medo humano primitivo, é o primeiro medo
alojado em nossos corações quando uma Serpente rastejante falou
suavemente de uma oportunidade única que se mostrou boa demais
para não ser aproveitada. “Coma da árvore proibida, Eva, e ‘você
será como Deus’.”11
O que mais Adão e Eva poderiam querer — escapar da condição
de criaturas, tornar-se seus próprios senhores, preservar a própria
independência, definir a própria verdade, tornar-se onisciente e
deleitar-se em uma soberania autônoma. Eles poderiam manter toda
a glória para si ao tornarem-se deuses e deusas! Quem poderia
recusar a oportunidade irresistível de se tornar semelhante a Deus
apenas com uma mordida?
Essas palavras — essa mentira! — foram carregadas com uma
promessa suculenta que era boa demais para ser verdade. Foi uma
falsa bajulação. Foi a tentativa, feita por Satanás, de destronar
Deus, ao distorcer as palavras para fomentar uma insurreição nos
portadores da imagem do próprio Deus. Em outras palavras, o
FOMO foi a primeira tática de Satanás para sabotar nosso
relacionamento com Deus, e funcionou. E ainda funciona.
Por trás do primeiro pecado, havia o desejo de uma vida
“diferente”. Todos podemos imaginar uma vida melhor e, nas
palavras de um romancista, “às vezes posso ouvir meus ossos
sendo esmagados com o peso de todas as vidas que não estou
vivendo”.12 O peso de se viver apenas uma vida é suficiente, mas
dê a si mesmo algum tempo para pensar sobre todas as outras
vidas que você poderia estar vivendo, e o peso das possibilidades
vai esmagá-lo e atraí-lo para uma miragem de escapismo, assim
como foi com Adão e Eva. Isso é FOMO.
Mas o FOMO não acabou debaixo de uma árvore proibida no
Éden. Ele só começou lá, dando início a um incêndio florestal de
FOMO que nunca mais foi extinto na experiência humana.
Diariamente, os pecadores ainda estão animados pela promessa
vazia de alcançar algum nível de autossuficiência, no qual Deus
finalmente torna-se desnecessário.
Todos os dias, somos confrontados com a vida que não podemos
viver, com a vida que só os outros podem viver e com a vida que
Deus explicitamente nos proibiu de viver. Ao insistirmos que nós,
criaturas de Deus, estamos perdendo algo, as mentiras do FOMO
nos tornam alvos fáceis para os anunciantes; aguçam a dor de
nossas crises da juventude e da meia-idade; azeda os anos da
velhice, quando a realidade de estar “perdendo algo” torna-se mais
evidente.
O FOMO NA SEPULTURA
Uma das lições mais importantes em relação ao FOMO é dada por
nosso Salvador em Lucas 16.19-31, uma história de contrastes
entre a perdição eterna e a glória eterna. A história começa com um
homem rico (que não parece estar perdendo algo em nenhum
aspecto social ou financeiro) e Lázaro, um homem pobre (que
parece estar perdendo algo em todos os sentidos imagináveis).
Seus contrastes são meramente temporários, porque ambos
morrem e encaram a eternidade.
A narração sobre o homem rico e Lázaro é uma história grandiosa
de inversão de papéis. No final, encontramos um homem rico que
perdeu tudo e um mendigo que ganhou tudo. Agora, o homem que
era rico enfrenta tormento eterno como um mendigo que suplica por
uma gota de água para aliviar a agonia do julgamento. O mendigo
agora encontra prazer eterno como um pecador redimido cujos
arrependimentos e medos foram lavados na alegria eterna da
presença restauradora de Deus.
A essa altura, o homem rico (agora mendigo eterno) está
perdendo algo e teme que seus entes queridos também percam.
Seu apelo urgente a Abraão foi: ressuscitar o mendigo Lázaro e
mandá-lo de volta ao mundo para testemunhar aos seus cinco
irmãos sobre a vida eterna, para que eles pudessem ouvir e crer,
escapando, assim, dessa perda eterna e miserável. Esse é o clamor
desesperado do homem rico.
Jesus torna óbvia a moral da história. Onde a Palavra de Deus é
aberta, lida e abraçada pelo ouvinte, não há medo eterno — há
somente a promessa de restauração eterna por tudo que foi perdido
nesta vida.
UM FOMO LEGÍTIMO
Conforme essa história destaca, um FOMO legítimo resolve todos
os outros FOMOs da vida: o medo de perder algo eternamente. A ira
de Deus é real. E à parte de Cristo, há apenas a destruição eterna.
O homem rico da parábola de Jesus é um retrato da maior tragédia
— um homem que enche seus bolsos, sua barriga e sua vida com
prazeres fúteis. Ele comprou a antiga mentira que Satanás contou a
Eva, escolhendo o caminho tolo da autossuficiência que ignora a
Deus, e nunca abraçou a Deus como seu maior tesouro. Ele
amorteceu a realidade do julgamento com o anestésico da
autoindulgência e, ao fazer isso, destruiu a si mesmo eternamente.
Nessa condição de incredulidade, o homem rico enfrentou a
agonia mais apavorante da perda de algo, a perda de algo eterno, a
perda de algo que gera choro e ranger de dentes. “Temamos,
portanto, que, sendo-nos deixada a promessa de entrar no
descanso de Deus, suceda parecer que algum de vós tenha
falhado” (Hb 4.1). O medo de estar fora da vida eterna é o único
FOMO pelo qual vale a pena perder o sono — por nós mesmos, por
nossos amigos, familiares e vizinhos.
Mas se você está em Cristo, o aguilhão da perda de algo é
eternamente é removido. Pecadores amaldiçoados com FOMO
abraçam o evangelho de Jesus Cristo, e ele nos promete que não
haverá perdição eterna. Tudo o que perdemos será encontrado
nele. Tudo o que sentimos falta será resumido nele. A eternidade vai
compensar toda e qualquer opressão e perda que sofremos nesta
vida momentânea. A doutrina do céu comprova isso. A nova criação
é a restauração de tudo o que foi quebrado pelo pecado nesta vida;
a reparação de tudo o que perdemos neste mundo; o reembolso de
tudo o que perdemos ou daquilo que ficamos de fora em nossos
feeds de mídia social.
Lázaro aprendeu esta verdade abençoada: o céu é a resposta
eterna de Deus a todos os FOMOs desta vida. O céu vai restaurar
toda “perda de algo” milhares de vezes mais e por toda a
eternidade.13 Portanto, o lema para combater a sedução da era
digital fica estabelecido nas palavras de Paulo, com uma ligeira
adaptação: considero toda privação real em minha vida — e cada
privação temida por minha imaginação —sem custo algum em
comparação à suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus,
meu Senhor, por toda a eternidade.14

1. “FOMO”, Oxford English Dictionary. Disponível em oed.com (jun. 2015).


2. Olga Khazan, “Escaping the Amish for a Connected World”, revista The
Atlantic (17 fev. 2016).
3. Kate Hakala, “There’s a Special Kind of ‘FOMO’ Stressing Us Out — And
We’re Doing It to Ourselves”, Mic. Disponível em mic.com (21 maio 2015).
4. Paul Tripp, entrevista com o autor por telefone, publicada como Paul Tripp,
“God’s Glory Must Enchant Us”, Desiring God. Disponível em desiringGod.org
(1o fev. 2016).
5. Kevin Vanhoozer, entrevista com o autor via email (26 fev. 2016).
6. Citado em Joshua Rogers,“Five Questions With Author Andy Crouch”,
Boundless. Disponível em boundless.org (15 jun. 2015).
7. Veja Donna Freitas, The Happiness Effect: How Social Media Is Driving a
Generation to Appear Perfect at Any Cost (New York: Oxford University Press,
2017); Ariane Ollier-Malaterre, Nancy P. Rothbard e Justin M. Berg, “When
Worlds Collide in Cyberspace: How Boundary Work in Online Social Networks
Impacts Professional Relationships”, Academy of Management Review (2 jan.
2013).
8. Matt Chandler, sermão, “James: Trials/Temptations”, The Village Church.
Disponível em thevillagechurch.net (15 fev. 2015).
9. Brad Littlejohn, “The Seven Deadly Sins in a Digital Age: V. Envy”,
Reformation 21. Disponível em reformation21.org (dez 2014).
10. Freitas, The Happiness Effect, p. 39.
11. Veja Gênesis 3.5.
12. Jonathan Safran Foer, Extremely Loud and Incredibly Close (Boston:
Mariner Books, 2005) [edição em português: Extremamente alto &
Incrivelmente perto (Rio de Janeiro: Rocco, 2006)], p. 113.
13. At. 3.21.
14. Veja Filipenses 3.8.
11 TORNAMO-NOS DUROS UNS COM OS OUTROS

O que devo fazer com os podres que sei a respeito de você? Essa
é uma pergunta que todos nós temos de encarar em algum
momento.
Embora existam muitos “uns com os outros” na Bíblia, o dito
“comparar uns com os outros” não é nenhum deles e, ainda assim,
essa é a direção à qual estamos inclinados no meio online.
Louvamos as celebridades. Desdenhamos de quem não é ninguém.
Com aqueles mais parecidos conosco, tornamo-nos invejosos e
duros. Vivemos entre fachadas de confiança online que se
assemelham a cenários frágeis de teatro. “A mídia social — como o
atual sistema de números e dinheiro determina — não é a vida real”,
escreve Essena O’Neill, a ex-modelo de Instagram que conhecemos
anteriormente. “Nada mais são do que imagens inventadas e clipes
editados competindo uns com os outros. É um sistema baseado em
aprovação social, em curtidas e não curtidas, na validação pelo
número de visualizações e no sucesso com base no número de
seguidores. É um julgamento perfeitamente orquestrado.”1
Ficamos online para nos comparar uns aos outros.
Repreendemos uns aos outros. Passamos a ter inveja uns dos
outros. E, quando sabemos os podres uns dos outros, caímos em
um julgamento perfeitamente orquestrado, uns contra os outros.
E sempre há um aplicativo para isso.
PEEPLE
O aplicativo Peeple, cujo nome é medonho, foi originalmente
projetado para oferecer aos usuários a chance de avaliar as
pessoas conhecidas com classificações de uma a cinco estrelas —
amigos, colegas de trabalho e ex-parceiros românticos. Não se trata
de comentários críticos de restaurantes ruins ou de produtos
defeituosos; estamos falando de avaliações públicas de indivíduos
privados. O que poderia dar errado? Bom, muita coisa. O
Washington Post chamou Peeple de algo “inerentemente invasivo”,
“objetificador”, “simplista”, e uma fonte de estresse e ansiedade “até
mesmo para uma pessoa pouco consciente de si”. Além disso, o
aplicativo Peeple produziu uma plataforma que incentiva invasão de
privacidade e até mesmo assédio. No mínimo, criou a sensação de
“estarmos sendo observados e julgados, em todos os momentos,
por um olhar objetificado que você não consentiu”.2
Assim, os desenvolvedores do Peeple voltaram às suas
pranchetas e repensaram suas políticas e procedimentos para
garantir que o site funcionasse mais para promover boas pessoas
do que para denegrir vilões. As avaliações em plataformas abertas
sempre tendem à destruição, como sabemos de maneira instintiva.
Além de aplicativos como Peeple, nossos telefones oferecem
muitas janelas para essa dura realidade. Vemos comentários
condescendentes em artigos. Vemos observações julgadoras e
sarcásticas no Facebook. Vemos tanques de guerra solavancando
no Twitter. Vemos acusações sobre líderes evangélicos em
publicações de blogs. Não importa onde as batalhas começam,
sempre evidenciam uma guerra infinita (e desprovida de amor).
Quer nos encontremos à margem ou na linha de frente desses
debates, enfrentamos uma questão vital: como lidar com os pecados
e as fraquezas das pessoas ao nosso redor?
Felizmente, nosso roteiro está escrito em Mateus 18.15-20, e é
bem claro: se um irmão ou irmã em Cristo pecar contra ti de maneira
séria, vai e repreende-o em privado. Se ele se arrepender, uma
restauração incrível se terá desdobrado aos olhos de Deus, e a
reconciliação acontece. Se ele não se arrepender, contudo, você
deverá levar consigo uma ou duas testemunhas para confrontar o
transgressor. Se, ainda assim, isso não funcionar, você deve
compartilhar o erro com os líderes da igreja e, em seguida, em
último caso, com toda a igreja local. Se o transgressor se recusa a
se arrepender, não deve mais ser tratado como um irmão em Cristo.
Há um processo para essa disciplina, fundamentado no amor
fraternal, e não em táticas de guerrilha. De forma semelhante, há
um processo para confrontar os líderes da igreja que pecaram — e
esse processo tem início com um método para autenticar as
acusações e, em seguida, apelar para que os pecados sejam
abordados em conformidade com os julgamentos e os processos
denominacionais.3 Em todos os casos, as Escrituras — e não as
ferramentas de mídias sociais — orientam o processo.
O CHAMADO
Quando se trata de confrontar o pecado de qualquer crente ou
pastor, o processo privado e escritural deve ser respeitado, mesmo
quando se desdobra lentamente. A chave para o processo inteiro
está relacionada ao chamado — poucas pessoas próximas são
chamadas para tratar de determinado caso.4 No tocante a pecados
e falhas, deve-se lidar face a face com o transgressor e o
injustiçado, com o acompanhamento de testemunhas, e tudo sob a
discrição da igreja local.
Para aqueles que não são “chamados” a uma situação (a maioria
de nós), o roteiro nos chama a assumir uma postura contracultural
de autodomínio, de não falar sobre os pecados em questão.5 Nós
acobertamos pecados, não para que eles apodreçam em silêncio,
mas para que aqueles que são chamados à situação possam lidar
com esses pecados à luz do roteiro de Deus. E, de fato, como o
roteiro esclarece, as conclusões de dois ou três crentes que são
chamados a uma situação particular carregam muito mais peso aos
olhos de Deus do que aquelas de duas ou três centenas de pessoas
espumando de raiva em comentários no Facebook.
Nossa prioridade em honrar o desígnio de Deus aqui nos impede
de mandar mensagens aos nossos amigos para compartilhar os
podres que sabemos dos outros. Esse autocontrole não é intuitivo,
mas, sim, imperativo — e é como protegemos a honra de nosso
próximo e de nossos irmãos e irmãs em Cristo.
DENÚNCIAS QUE DERAM ERRADO
Em uma sociedade de smartphones, a mídia social continuará a
servir como uma ferramenta poderosa para expor fraudes, derrubar
ditadores, denunciar crimes e gravar e expor injustiças raciais. Para
nós, cristãos, essas ferramentas nos oferecem meios de defesa e
justiça social,6 e, quando necessário, servem em momentos nos
quais é essencial expor o pecado contínuo e as doutrinas falsas,
que, de outra maneira, apodreceriam em silêncio nas igrejas e
denominações. Mas o que, a princípio, parece ser uma tentativa
nobre de expor o pecado passado pode ir muito longe e levar a uma
vingança online coletiva, até mesmo impetrada por cristãos.
Há uma tentação bem real para aqueles que não são chamados
para uma situação: a de tentar julgar os casos a distância, tirando
conclusões prematuras e, em seguida, atraindo uma onda de apoio
online. Mas buscar os veredictos da maioria e disseminar
conclusões infundadas online são atitudes que podem destruir a
reputação de um cristão. É aí que o roteiro passa a estar
satanicamente errado.
Numa época em que qualquer pessoa com um celular pode
publicar os podres de outra pessoa, devemos saber que espalhar
mensagens de antagonismo pela internet, com a intenção de
provocar hostilidade sem qualquer desejo de resolução, é o que o
mundo chama de “trollagem” e o que o Novo Testamento chama de
“calúnia”.7 A forma verbal da palavra grega usada no Novo
Testamento significa, literalmente, “falar contra”. A calúnia online
inclui espalhar informações falsas e rumores sobre os outros. Mas a
calúnia bíblica é difamatória por causa de seu resultado final:
reputações feridas.
TIAGO 4
Em um capítulo carregado de sabedoria sobre como os cristãos
devem lidar com os podres que sabem uns sobre os outros,
encontramos a calúnia como um pecado que “viola o mandamento
cristão primitivo mais por sua falta de bondade do que por sua
falsidade”.8 Esse é o ponto principal. Tim Keller e David Powlison
definem calúnia como “não necessariamente uma informação falsa,
pode ser apenas uma ‘desinformação’. A intenção é menosprezar o
outro. Despejar desprezo. Zombar. Machucar. Magoar. Destruir.
Alegrar-se no suposto mal”.9
A calúnia não é um debate público sobre ideias ou uma
repreensão pública de um ensino falso (mais adiante, abordaremos
isso). Podemos certamente debater ideias e doutrina em público,
desde que nos comportemos com justiça e imbuídos de princípios, e
desde que apresentemos as opiniões de nossos oponentes com
clareza e tolerância.10 Aquilo contra o qual Tiago 4.11-12 adverte é
“atacar os motivos e o caráter de uma pessoa, de modo que o
respeito e o amor dos ouvintes para com a pessoa sejam
prejudicados”.11
Em seus comentários sobre Tiago 4.11-12, escritos muito antes
do advento do iPhone, o pastor R. Kent Hughes disse:
“Pessoalmente, consigo pensar em alguns mandamentos que vão
mais contra as convenções comumente aceitas [calúnias] do que
este. A maioria das pessoas acha que não há problema em
transmitir informações negativas se elas forem verdadeiras.
Entendemos que a mentira é imoral. Mas passar adiante uma
verdade danosa é imoral? Parece quase uma responsabilidade
moral!”. É por isso que a definição bíblica de calúnia é contracultural
à geração smartphone. “Por esse raciocínio, a crítica feita pelas
costas de outra pessoa é entendida como algo que não está errado,
contanto que seja verdadeira. Da mesma forma, a fofoca que
denigre (é claro que nunca é chamada de fofoca!) não é errada se a
informação for verdadeira. Assim, muitos crentes usam a verdade
como uma licença para diminuir, de maneira justa, a reputação dos
outros.”12 O que é feito em nome de “expor a verdade” com o
objetivo único de minar o caráter de alguém é uma expressão da
calúnia.
A não ser que sejam confrontados, Tiago 4.11-12 adverte que
aqueles que apontam o dedo e disseminam culpas eventualmente
assumem seus lugares como juízes desonestos que estão acima da
lei. Em sua impaciência e em seu cinismo a respeito dos padrões e
processos, aqueles que apontam o dedo podem tornar-se a lei,
funcionando como juiz e júri, com o objetivo de pronunciar culpa e
administrar o castigo contra o transgressor. Tais impulsos atraem
mobilizações online e podem rapidamente escalonar para,
coletivamente, envergonhar alguém. O ato de expor os podres de
alguém raramente acaba com denúncia e exposição, mas
tipicamente se move, de maneira natural, para uma vingança
coletiva que aproveita a indignação online em massa para
testemunhar um dano documentável ao transgressor.
Mas Deus impede que os feridos se tornem os causadores de
feridas. Para fazer isso, seu roteiro muitas vezes vai na contramão
da sabedoria convencional e sempre vai contra os impulsos de
nossa carne. A humildade nos chama a seguir um roteiro de
contrarrevolução no meio de uma geração de Wikileaks. Numa
época de avaliações no Peeple, de denúncias e de exposições de
fatos ocultos, foi-nos dado um roteiro contracultural que devemos
seguir ao lidar com os podres que sabemos dos outros.
NONO MANDAMENTO
Tiago 4 realmente é apenas uma reafirmação do nono
mandamento,13 um mandamento necessário para combater o ato de
proferir mentiras sobre o nosso próximo em um tribunal, e um
mandamento ousado que nos chama a ser “mais dispostos a
encobrir a sujeira do próximo do que a divulgá-las”14, e isso fora do
tribunal. Como o Catecismo Maior de Westminster explica, é um
chamado para uma “estima tolerante de nosso próximo; uma que
ama, deseja e se alegra em sua boa fama; que se entristece e
encobre suas fraquezas; que livremente reconhece seus dons e
graças, que defende sua inocência; que imediatamente recebe um
bom testemunho e se recusa a admitir um mau testemunho a
respeito dele; desencorajando contadores de história, bajuladores e
caluniadores”.15 Mais uma vez, ele nos impede de esguichar por aí
meros palpites sobre os motivos e as intenções alheias.16 Há um
chamado para termos extremo cuidado e domínio próprio quando
lidamos com os podres de nosso próximo na internet.
Deus quer que pratiquemos a disciplina de encobrir os pecados
dos outros em amor,17 conforme lhes damos espaço para que
aconteçam a disciplina (quando necessário) e o arrependimento
pessoal.18 Reconhecemos o trabalho muitas vezes despercebido e
invisível do Espírito Santo no mundo para trazer a convicção do
pecado. E, assim, andamos pela fé, sabendo que Deus está
trabalhando em seus filhos.
Com essa finalidade, considero útil recordar a franca confissão de
Charles Spurgeon: “O trabalho mais fácil do mundo é encontrar
culpa”.19 Sim, e as ferramentas para espalhar nossas descobertas
nunca foram tão simples e poderosas. Um “homem briguento” que
deseja inflamar conflito e levá-lo a uma chama de contenda
certamente vai encontrar, na mídia social, uma forma de acendê-los.
“Com a mídia social, podemos agora prejudicar, constranger e
estigmatizar as pessoas com mais força do que em qualquer outro
momento da história da humanidade”, adverte o pastor Ray Ortlund.
“O domínio próprio nunca foi tão importante quanto é hoje”.20 Cada
um de nós tem um troll interior, um caluniador interior— e uma parte
de nós adoraria escrever sobre os podres de alguém, publicar esses
podres na internet e, anonimamente, consumir esses podres na
internet. “Se ‘as palavras do difamador são como deliciosos
bocados’, então os comentários na internet são como um bufê
livre”.21 E quem pode jejuar diante de um bufê?
Nosso fascínio glutão pelas falhas dos outros é bem anterior ao
advento da mídia social. Apontar o dedo para as falhas dos outros é
um hobby antigo, destinado a escorar uma fachada de
autoimportância, mesmo entre os cristãos. Apontar o dedo para as
falhas alheias destrói nosso amor por eles. Apontar o dedo para as
falhas alheias é o oposto do Calvário. Em Cristo, nossos pecados
perdoados são lançados em uma sepultura — o caluniador, porém,
continua visitando-a durante a noite para exumar os pecados do
próximo e arrastar à praça pública as ofensas que estão em
decomposição.22 É por isso que, quando o puritano Richard Baxter
disse acreditar que a calúnia havia atingido proporções epidêmicas
na igreja de seu próprio tempo, ele confrontou o pecado — e pagou
o preço. “Minha consciência, tendo me levado ao costume de
repreender os fofoqueiros [caluniadores], sou normalmente
censurado por fazê-lo, como se estivesse defendendo o pecado e a
iniquidade”.23 Ai-ai! Censure quem aponta o dedo para as falhas dos
outros por sua conta e risco.
Devemos ter coragem para nos afastar da difamação online ou
para enfrentá-la como calúnia. Devemos ter olhos para ver através
da acusação vazia, na qual nosso silêncio é uma passividade que
permite que o pecado não seja contido. Deus sabe que sabemos os
podres dos nossos próximos e de outros cristãos, e é por isso que
ele nos diz o que fazer em seu roteiro. Sua Palavra nos diz que é
errado caluniar, que é errado consumir conteúdo de calúnia e que é
correto confrontar o predomínio do pecado na internet (mesmo que
incitemos a calúnia ao agir assim!).
DEVEMOS CONFRONTAR O PECADO DE UM CRISTÃO NA INTERNET?
Ao lidar com pecado pessoal sério e ensinamento falso, vemos dois
cenários distintos nas Escrituras: pecados dentro de uma igreja local
e heresias fora de uma igreja local. Vou colocá-los juntos:
*. Mateus 18.15-20; 1Timóteo 5.19-20; Tito 1.9.
†. Gálatas 2.7-14.
‡ . D. A. Carson, “Editorial on Abusing Matthew 18”, Themelios.
Disponível em themelios.thegospelcoalition.org (maio 2011). Estas são as
três categorias que se qualificam para o confronto citadas em Mateus 18:
grande erro doutrinário (1Tm 1.20); grande falha moral (1Co 5); e
provocar divisões de maneira persistente (Tt 3.10-11).

Na minha opinião, essas são as duas categorias bíblicas mais


claras. Mas, na era da mídia social, em que as vozes digitais podem
ser coletivizadas, uma terceira categoria emerge — e é usada para
expor as alegações de encobrimentos das igrejas e repreender os
líderes cristãos proeminentes por alegações de falhas morais. Essa
terceira categoria exige estruturas de prestação de contas públicas
que suplantam a autoridade de uma igreja local ou de uma
denominação.
Um escândalo público pode exigir censura pública, e a Bíblia não
esconde de nós o fato desconfortável de que pastores envolvidos
em escândalos sempre existiram e existirão. E quando um
escândalo estoura, uma autoridade capaz de conduzir a situação
deve entrar ativamente em ação com uma investigação oportuna,
justa e imparcial, com o objetivo de absolver ou punir, não
importando a repercussão.24 Quando o escândalo envolve
acusações criminais, as autoridades civis devem ser chamadas para
proteger e investigar. A igreja precisa cumprir o primeiro processo
no temor de Deus e em privado (em respeito a Tiago 4). Ela deve
permitir que o segundo processo proceda com a cooperação e sem
prejuízo à verdade (em respeito ao nono mandamento). No entanto,
em um mundo caído, ambos os processos são falhos e, algumas
vezes, quando as autoridades eclesiásticas e civis estão
conscientes e engajadas, a divisão entre os cristãos não pode ser
evitada. Perguntas sem respostas e frustrações não resolvidas
podem pairar sobre alguma situação por muitos anos, causando
mágoas e tensões que vão exigir a maior forma da fé — a profunda
confiança na vontade soberana de Deus, em seu tempo perfeito e
em seu veredicto futuro.
TUITAR OU NÃO?
Nesse contexto, qual é o meu papel nas mídias sociais quando
surgem escândalos da igreja? Por compreender a complexidade
dessas situações25 e conhecer minha própria propensão à calúnia,
antes de pegar meu telefone, preciso perguntar a mim mesmo com
cautela:

De alguma forma, minha ação violaria Tiago 4 ou o nono


mandamento?
De alguma forma, minha ação obstruiria ou tornaria inúteis as
estruturas de prestação de contas a Deus em uma igreja local?
Essa ação desrespeitaria o ritmo lento e cauteloso de uma
denominação já alertada para a situação?
Em face de minha proximidade ou de meu distanciamento da
situação, por acaso Deus me chamou para escrever, comentar
ou espalhar acusações na internet?
Será que minhas ações ajudariam a expor os pecados, outrora
invisíveis, que agora ameaçam ativamente o bem-estar dos
outros que não sabem deles?26
O fato de eu apontar o dedo criou suposições sobre os motivos
alheios? Cegou-me para a graça de Deus operando na vida da
pessoa? Colocou-me na posição de uma presunção arrogante
diante dessa pessoa?
Qual será o suposto desfecho do fato de eu falar? Será que o
ato de levar isso a público conduz a um diálogo sem termo e
insolúvel que, inevitavelmente, resultará em hostil falta de
reconciliação e retaliação?
Será que posso servir melhor a igreja ao advogar soluções e
resoluções a uma fraqueza especial emergente na igreja (de
maneira proativa), em vez de abordar alguém ou uma situação
específica (de maneira reativa)?

A conveniência da mídia social significa que devo ser diligente,


evitando priorizar demais as estruturas de poder do mundo,27
cuidadoso para não ignorar o poder sobrenatural de dois ou três
“ditos” cristãos em uma situação e zeloso para agir com o devido
respaldo dos motivos puros. Devo orar pedindo a ajuda de Deus
para ser pacífico, aberto à razão, ansioso por oferecer misericórdia
e imparcial em todas as situações complexas.28
De fato, a mídia social pode ser usada para confrontar os grandes
padrões de pecado e heresias públicas. Mas, quando se trata dos
podres que sabemos a respeito dos outros, devemos caminhar com
o máximo possível de cuidado. Os cristãos, entre todas as pessoas,
deveriam ser os mais vigilantes em não expor os podres uns dos
outros de modo público.29
SEMPRE EM REFORMA
Espero que a esfera digital se torne um ambiente mais humano ao
longo do tempo, mas estou certo de que o pecado da calúnia não
vai desaparecer tão cedo — ele está entranhado demais na carne
do pecador, embutido demais no coração pecador, apressado em
caluniar. Precisamos aprender a desconfiar das reações que vêm do
nosso âmago e respeitar as instituições que Deus estabeleceu na
igreja e, quando necessário, na aplicação da lei civil.
Conforme recuamos para dar uma olhada honesta em nossa era
digital, percebemos que nossos celulares e as mídias sociais
ajudam a alimentar a indignação de nossa geração. A maioria de
nós sabe, em primeira mão, como é participar de uma calúnia. A
emoção mais viral é a raiva; a história mais viral é o escândalo.
Uma vez que Deus estabeleceu um procedimento bíblico para
que lidemos com as acusações de pecado na vida dos pastores,30
acredito que não deveríamos nos surpreender quando,
eventualmente, surgirem em nossas igrejas escândalos envolvendo
pastores. Há um procedimento estabelecido para isso, e espero que
não se faça frequentemente necessário para os pastores,
certamente menos de um a cada doze (a taxa de erro dos apóstolos
originais). Seja qual for a percentagem, devemos nos entristecer,
mas não nos surpreender. Igrejas e líderes de igrejas, por vezes,
vão cometer pecados graves e, quando isso acontecer, a importante
tarefa de reunir fatos, dissipar mitos, julgar acusações, confrontar
pecadores e cuidar de vítimas é importante demais, complexa
demais e demasiadamente sensível para ser conduzida pela
“conveniência” das técnicas das mídias sociais. Mas nem mesmo a
necessidade desse trabalho deveria nos surpreender. Precisamos
uns dos outros para nos ajudar mutuamente a resplandecer a luz da
verdade sobre as nossas fraquezas internas, para nos ajudar no
arrependimento dos pecados cometidos uns contra os outros e para
orar juntos pela graça de Deus em nossa busca interminável por
maturidade através da repreensão. Ecclesia reformata, semper
reformanda — a igreja reformada necessita constantemente de
reforma. E essa autocensura importante acontece quando a igreja
insiste em ir adiante com a missão evangélica no mundo.31
OTIMISMO NA ERA DA PORNOGRAFIA DO ULTRAJE
Tiago 4 e o nono mandamento repreendem nosso apetite por
“pornografia do ultraje” — um apetite cultural alimentado por
caçadores de cliques que cedem aos nossos “impulsos para julgar,
punir e nos irritar com uma indignação justa”.32 Em vez disso, Deus
escreveu um roteiro para nos ajudar a honrar, amar e cuidar uns dos
outros — porque todos nós somos pecadores que falham uns com
os outros e que precisam uns dos outros. Humilhados embaixo da
presença impressionante de Deus, de Cristo Jesus e dos anjos
eleitos do céu, somos chamados a parar de fazer prejulgamentos
sobre a condição moral dos outros — julgamentos que, com mais
frequência, são motivados por nossos preconceitos pessoais e por
nossos espíritos facilmente provocáveis de partidarismo do que por
qualquer outra coisa.33
Em situações nas quais não somos chamados a intervir, devemos
nos calar. Em situações nas quais somos chamados a intervir,
devemos falar e confrontar, a fim de promover o arrependimento de
maneira privada. Em todas as situações, em todos os momentos, na
condição de representantes de Cristo, temos de estar ansiosos para
resolver conflitos e ser fomentadores da paz. Nosso objetivo deve
ser “dar honra aos outros mais do que a si próprio” (Rm 12.10).
Quando somos insultados, abençoamos; quando caluniados,
suplicamos; quando verbalmente perseguidos, suportamos.34 Custe
o que custar, não nos tornamos irreconciliáveis. Não nos tornamos o
tipo de homem ou mulher que inflama controvérsias na igreja sem a
intenção de buscar cura ou reconciliação oportuna.35
Neste mundo confuso, Paulo e Silas são modelos do otimismo
centrado em Cristo. Eles foram caluniados com acusações
destinadas a destruir suas reputações e foram sujeitados a
espancamentos físicos destinados a agredir repetidas vezes seus
corpos. No entanto, quando se viam sentados em uma cela de
prisão na escuridão da meia-noite e com dor latejante, eles eram
encontrados orando e entoando hinos a Deus.36
“Nossa cultura está procurando algo para ter raiva, frustração e
indignação”, disse o pastor Matt Chandler sobre as discussões de
Facebook. “Nosso pessimismo só faz aumentar. Queremos estar
bem cientes da fragilidade das coisas e dos outros, e isso revela
algo sobre nós — que Deus nos ajude! Mas, à luz disso, os cristãos
não deveriam ser irritantemente otimistas? Choramos com os que
choram. Lamentamos com os que lamentam. Somos um povo cujo
coração é facilmente partido. Mas não somos atingidos de súbito por
um frenesi.” E isso é verdadeiro porque “nosso Deus nunca entrou
em pânico”.37 Ele está no soberano controle.
Podemos até viver em uma época de “pornografia do ultraje”,
mas, como filhos do Rei soberano, que já conquistou a vitória
culminante no universo, não temos motivo algum para pessimismo.
E temos todos os motivos para “seguir o roteiro” de maneira alegre e
otimista.

1. Essena O’Neill, “Social Media Addiction and Celebrity Culture”. Disponível


em letsbegamechangers.com (30 out. 2015). Essa citação de Essena O’Neill
apareceu em materiais de seu site, letsbegamechangers.com, no momento da
escrita deste livro. Antes da publicação, esse site foi retirado do ar. Os leitores
interessados podem encontrar a citação ao pesquisar
letsbegamechangers.com através do web.archive.org.
2. Caitlin Dewey, “Everyone You Know Will Be Able to Rate You on the
Terrifying ‘Yelp for People’ — Whether You Want Them to or Not”, The
Washington Post (30 set. 2015).
3. 1Timóteo 5.19-21.
4. O chamado é um ponto importante, reforçado pelo sábio conselho do
puritano Richard Baxter, e boa parte de sua escrita é usada como base para
este capítulo, especialmente The Practical Works of the Rev. Richard Baxter
(London: James Duncan, 1830), v. 6, pp. 386-413.
5. Provérbios 10.12; 11.12-13; 17.9.
6. Veja em Heidi A. Campbell e Stephen Garner, Networked Theology:
Negotiating Faith in Digital Culture (Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2016).
A defesa de hashtags pode ser uma ferramenta poderosa, mas não é
desprovida de limitações. Veja Malcolm Gladwell, “Small Change: Why the
Revolution Will Not Be Tweeted”, The New Yorker (4 out. 2010). É mais
importante doar sangue, fazer voluntariado, ajudar um vizinho e visitar os
órfãos e as viúvas nas suas tribulações (Tiago 1.27). Seja qual for o valor de
advogar na mídia social, devemos nos conter aos padrões mais elevados de
advocacia de Cristo (Mt. 25.31-46).
7. Ver 2Coríntios 12.20; 1Pedro 2.1.
8. Sobre “λαλέω”, veja Gerhard Kittel, Geoffrey W. Bromiley e Gerhard
Friedrich (eds.), Theological Dictionary of the New Testament (Grand Rapids,
MI: Eerdmans, 1964), v. 4, p. 4.
9. Tim Keller e David Powlison, “Should You Pass on Bad Reports?”, The
Gospel Coalition. Disponível em blogs.thegospelcoalition.org (4 ago. 2008).
10. Para uma discussão mais aprofundada sobre as características desse
humilde debate, veja os princípios de John Newton na obra de Tony Reinke,
Newton on Christian Life: To Live Is Christ (Wheaton, IL: Crossway, 2015)
[edição em português: John Newton e a vida cristã (São Paulo: Cultura Cristã,
2018)], pp. 256-259.
11. Keller e Powlison, “Should You Pass on Bad Reports?”.
12. R. Kent Hughes, James: Faith That Works, Preaching the Word
(Wheaton, IL: Crossway, 1991), p. 194.
13. Êxodo 20.16; Deuteronômio 5.20. Para uma abordagem completa,
consulte John M. Frame, Doutrina da vida cristã (São Paulo: Cultura Cristã,
2013).
14. Michael Horton, Calvin on the Christian Life: Glorifying and Enjoying God
Forever (Wheaton, IL: Crossway, 2014) [edição em português: Calvino e a
vida cristã (São Paulo: Cultura Cristã, 2017)], p. 178.
15. Pergunta 144.
16. Consulte Thomas Boston, The Whole Works of Thomas Boston, vol. 2, An
Illustration of the Doctrines of the Christian Religion, Part 2 (Aberdeen: George
and Robert King, 1848), p. 323.
17. Provérbios 10.12; 11.12–13; 17.9; 1Pedro 4.8.
18. Provérbios 28.13; 1João 1.8–10.
19. C. H. Spurgeon, The Metropolitan Tabernacle Pulpit Sermons (London:
Passmore & Alabaster, 1910), v. 56, p. 408.
20. Ray Ortlund, entrevista com o autor por email (1o mar. 2012).
21. Sammy Rhodes, This Is Awkward: How Life’s Uncomfortable Moments
Open the Door to Intimacy and Connection (Nashville: Thomas Nelson, 2016),
p. 196. Consulte Provérbios 18.8.
22. Baxter, The Practical Works of the Rev. Richard Baxter, v. 6, p. 408.
23. Ibid., v. 6, p. 393.
24. 1Timóteo 5.17-21.
25. Para um bom resumo das complexidades, consulte Baxter, The Practical
Works of the Rev. Richard Baxter, v. 6, pp. 89-90.
26. Efésios 5.8-13.
27. 1Coríntios 1.18-31.
28. Tiago 3.17.
29. 1Coríntios 6.1-8.
30. 1Timóteo 5.17-21.
31. Karl Barth, Geoffrey William Bromiley e Thomas F. Torrance, Church
Dogmatics, v. 4, arte 3.2, The Doctrine of Reconciliation (London; New York:
T&T Clark, 2004), pp. 779-780.
32. Tim Kreider, “Isn’t It Outrageous?”, The New York Times (14 jul. 2009). A
expressão “pornografia do ultraje” foi cunhada aqui.
33. 1Timóteo 5.21.
34. 1Coríntios 4.12-13.
35. Segundo Paulo, a irreconciliabilidade (ἄσπονδος, aspondos) é um pecado
que aumentará nos últimos dias (2Tm 3.3). Essa condição surge em alguém
que não esteja disposto a conciliar, que não tenha vontade de estar em paz
com os outros, nem disposto a negociar a solução para um problema
envolvendo uma segunda parte. Alguém assim é “implacável” (ARA) e
“irreconciliável” (NVI). Paulo escolhe um antigo termo grego usado em
contexto de guerra, em sua raiz, que significa a recusa de aceitar um tratado,
de assumir uma postura em que não se permite a passagem de nenhuma
bandeira de paz entre as partes, nenhum termo de reconciliação é ouvido. A
parte irreconciliável recusa a mover o estado de guerra para um desfecho
equitativo. Mesmo em um impasse, a pessoa não vai abaixar a arma. Como
Paulo deixa claro para o pastor Timóteo, essa pessoa não só vai prosseguir
na luta, como também alegará que está agindo de acordo com a fé cristã,
sustentando que sua incompatibilidade é biblicamente justificável. Mas, de
fato, não é, razão pela qual devemos evitar pessoas assim — ou bloqueá-las,
silenciá-las ou fazer o que quer que seja necessário para evitá-las na internet
(v. 5).
36. Atos 16.16-25.
37. Matt Chandler, sermão, “Who Was Conceived by the Holy Spirit, Born of
the Virgin Mary”, The Village Church. Disponível em thevillagechurch.net (13
set. 2015).
12 PERDEMOS NOSSO LUGAR NO TEMPO

Quer percebamos ou não, sempre que estamos acordados, ficamos


nos perguntando: o que devo fazer? O que devo dizer? O que devo
parar de fazer? O que devo começar a fazer? Existimos no tempo e
no espaço, e a responsabilidade de aproveitar o momento
inestimável que está diante de nós é nossa. Neste exato instante,
você está lendo este livro (e eu sou grato por isso), mas eu não
estou mais o escrevendo. Quando escrevi esta sentença, você
provavelmente nem estava ciente de que eu estava em um
processo de escrita. Minhas decisões de vida no passado e suas
decisões de vida no presente convergem nesta sentença. É assim
que as vidas se cruzam, em investimentos momento após momento.
Todos nós somos criaturas feitas por Deus, seres eternos com
existências conscientes infindáveis. Você e eu existimos
eternamente, somos chamados para fazer com que Deus pareça tão
satisfatório quanto realmente é, e isso para todo o sempre (veja o
capítulo 6). Isso significa que nos foi dado o dom deste momento
para que vivamos por meio da fé, da obediência e da confiança em
Cristo.
No entanto, vivemos em uma cultura orientada à tecnologia, e
estamos condicionados a responder de maneira reflexiva às “últimas
notícias” de nossos feeds, em vez de conectar reflexivamente nosso
passado ao nosso futuro eterno (veja capítulo 9). Esse registro
descalibrado de tempo é a introdução da última maneira como
nossos celulares estão nos mudando. Da mesma forma que
tentamos nos concentrar em flashes de imagens à medida que
vamos deslizando pela tela de nossa mídia social, transformamos os
fragmentos da vida em microtarefas: um novo fragmento em uma
discussão de email, outro novo fragmento em uma conversa de
texto e mais outro em um diálogo no Twitter. Ao perseguir todos
esses novos fragmentos, simplesmente perdemos nosso lugar no
tempo.
TEMPO PARA TUITAR
Nenhuma outra geração na história do mundo teve mais capacidade
de acolher as distrações em sua vida diária, ou de se mostrar mais
suscetível a ser puxada em várias direções, e mais propensa a se
comunicar em vários diálogos simultâneos. O mecanismo de 280
caracteres do Twitter para compartilhar pensamentos breves tornou-
se uma metáfora cultural de quão amplificado esse efeito passou a
ser na era digital. No espírito de Eclesiastes 3.1-8, para cada
estação, há um tuíte:

Um tuíte para anunciar nascimentos,


E outro para anunciar mortes.
Um tuíte para criticar.
Um tuíte para incentivar.
Um tuíte para chorar
e um tuíte para rir.
Um tuíte para lamentar
e um tuíte para dançar.
Um tuíte para abraçar
e um tuíte para repelir.
Um tuíte para quebrar
e um tuíte apara consertar.
Um tuíte para a guerra
e um tuíte para a paz.

O que é insípido, encantador e desejável — todas essas estações


agora são empilhadas em uma tabulação linear com uma
alimentação vertical infinita. Ao serem compactados para caber em
nossos telefones, todos esses tuítes nos atingem em uma
cronologia de rolagem. Em algum momento, somos chamados a
chorar com os que choram e, em outro, a nos alegrar com os que se
alegram.
A vida na internet é uma chicotada entre profunda tristeza, alegria
inesperada, risos fáceis, pensamentos profundos e memes tolos. Os
feeds de nossas mídias sociais nos oferecem o que, por vezes, é
descomedido; outras vezes, surpreendente; e, outras ainda,
estonteante ou deprimente. Só que essa desarticulação é algo que
temos acolhido dentro de nós de bom grado.
O rei Salomão observou, cuidadosamente, que nossas almas
devem lidar com o fato de serem sacudidas de um lado para o outro,
porque a vida é uma série de mudanças de estações que requerem
respostas de nossa parte. E Deus nos criou para carregarmos várias
emoções simultaneamente, como, por exemplo, alegria e tristeza.1
Mas, na era digital, o tempo de cada coisa chega e vai muito
rapidamente, e por nos atingirem e nos deixarem tão rápido,
raramente sentimos o peso de nossas emoções. Por trás da
segurança de nossas telas de telefone, podemos nos proteger mais
facilmente “do contato direto com a dor, com os medos, com as
alegrias dos outros e com a complexidade de suas experiências
pessoais”. Isso não nos faz suprimir a emoção; faz-nos expressar
uma “emoção artificial”.2
Passamos a ficar emocionalmente distantes de nossas
expressões. Tornamo-nos satisfeitos ao rir com os nossos dedos ou
ao chorar lágrimas de emoticons para expressar nossa tristeza, pois
não podemos (nem iremos) separar um tempo para investir
genuinamente em lágrimas reais de tristeza. Nós usamos nossos
telefones para fazer de nossas emoções algo multitarefa. Na era do
smartphone, estamos, ao mesmo tempo, tentando escapar da
emoção e “plugar a necessidade de contato com a droga viciante da
atenção perpétua”.3 Essa justaposição, por necessidade, nos torna
amplamente conectados, mas emocionalmente superficiais.
PERDENDO A NOÇÃO DO TEMPO
No cerne disso está um pressuposto fundamental sobre qual é, para
nós, a quantidade saudável de tuítes, atualizações pessoais e feeds
de notícias, com seus padrões fraturados. Se tomamos atalhos para
nossas respostas emocionais, e nos recusamos a diminuir o ritmo
de nossas vidas para sentirmos emoções apropriadas, então há
uma pergunta desconfortável que deve ser feita por um cristão em
uma cultura orientada pelo entretenimento, uma pergunta que nunca
me faz sentir mais assertivo depois que a faço: consumir
trivialidades fragmentadas pode ser considerado um direito meu?
Em outras palavras, eu tenho o direito de passar várias horas todos
os meses simplesmente navegando atrás de curiosidades
singulares?
Eu tenho a sensação distinta de que a resposta das Escrituras é
não. Eu não pertenço a mim mesmo. Pertenço ao meu Senhor. Fui
comprado por um preço, o que significa que devo glorificar a Cristo
com meus polegares, ouvidos e olhos, e também com meu tempo.4
E isso me leva ao meu pensamento: não tenho “tempo para matar”
— tenho tempo para remir.
No entanto, o abuso no uso de celulares nos faz desperdiçar
horas preciosas e quase nos apaga do nosso lugar no tempo de três
maneiras distintas.
A primeira e mais comum é que simplesmente perdemos a noção
de tempo. O rapper e pastor Trip Lee me disse: “Vou admitir que
houve momentos em que eu levantei os olhos e percebi que estava
olhando para meu telefone havia quinze minutos e meu filho estava
jogando bem na minha frente, ou que percebi que eu não estava
prestando atenção à minha esposa como deveria. Isso requer
intencionalidade, e essa é uma luta contínua para mim”.5 Perdemo-
nos no mundo virtual, tornamo-nos alheios ao mundo de carne e
sangue que nos cerca e, assim, perdemos nosso senso temporal.
Em segundo lugar, é da natureza da tecnologia nosso
deslocamento histórico. Em tese, descreve Craig Gay, “o hábito
tecnológico da mente é antiteleológico. Ele é, em grande parte,
desinteressado, e de fato incapaz, de apreciar as noções de
causalidade ou o objetivo final”.6 Nossos dispositivos digitais não
podem ser nosso líderes, não podem mapear nossa história, não
podem estabelecer nossas prioridades — todos esses propósitos se
tornam insignificantes quando comparados ao tempo presente da
inovação.
Em terceiro lugar, e o mais importante de todos, quando usamos
nossos telefones para ter acesso ao pecado, estamos nos
colocando fora do cronograma de Deus. Na Bíblia, o potencial
destrutivo da idolatria em nenhuma outra parte se mostra mais
proeminente do que quando se trata de lembrar, e isso acontece
porque os ídolos culturais são a expressão mais pungente do fato
de que nos esquecemos de Deus.7 Os ídolos nos impedem de
lembrar a misericórdia de Deus no passado e nos cega para sua
graça futura. A idolatria distorce por completo a maneira como você
enxerga a si mesmo dentro da história escrita pelo Criador.
A pornografia digital é um exemplo específico de como a
fragmentação sexual — um momento reservado de luxúria idólatra
— corrói nossa identidade humana, desconectando-nos da história.
“Sim, a pornografia objetifica e transforma o corpo humano em uma
mercadoria”, explica o historiador Carl Trueman. “Sim, isso altera os
caminhos neurais. Sim, isso dificulta estabelecer relacionamentos
saudáveis. Mas também cultiva uma compreensão do ser humano
que é profundamente desconectada do contexto histórico, desde o
contexto cósmico, percorrendo todos os outros, até chegar ao
contexto individual”.8 A sexualidade humana é uma realidade criada,
projetada por Deus, destinada a confecção do tecido da existência
humana, gerando novas unidades familiares e criando novas
gerações. A pornografia arranca a sexualidade de seu contexto
criacional e de seu significado histórico.
Todo esse esquecimento e toda essa fragmentação são o motivo
pelo qual nunca devemos parar de regressar à nossa identidade em
Cristo. Nele, os poderes do pecado foram quebrados. Não somos
mais forçados a obedecer à luxúria de nossos olhos, nem obrigados
a buscar a aprovação do homem, muito menos obrigados a
encontrar nossa relevância em memes virais ou ficar viciados no
que é tendência no Reddit. Meu apetite diário por distrações e
novidades foi crucificado com Cristo, e não é mais o velho “eu” que
vive online, pois Cristo vive em mim, e a vida que vivo online agora
é pela fé em Cristo, que me amou de tal maneira que derramou seu
sangue por mim.9 Tudo isso tem um objetivo histórico, porque, em
Cristo, eu tenho um passado, um presente e um futuro, e agora
tenho minha identidade como um daqueles “sobre quem os fins dos
séculos têm chegado” (1Co 10.11).
CORRA!
O sol é o centro do nosso sistema solar físico, mas a Terra é o
centro do cosmos espiritual — isso significa que o fato de ser
humano, um ser moral vivo no tempo e no espaço, implica existir
espiritualmente na etapa central da corrida mais importante que está
em curso. Não podemos nos atrever a descuidar e cair nas sombras
da letargia. Todos os olhos estão fixos em você e em mim.
A adrenalina espiritual está pulsando. Esqueça, por um instante, a
multidão virtual de seguidores que você tem e imagine todos os
seus antepassados espirituais na fé assistindo na arquibancada. O
tempo deles já se tornou lendário; seu tempo é agora. Esteja você
esperando ou não, o bastão da fé, transmitido de geração em
geração, agora foi entregue em suas mãos.10
Corra!
Corra com diligência! Livre-se de tudo que distrai você, liberte sua
vida das correntes que fazem seus tornozelos falharem e dispare
com liberdade e alegria ao seguir Cristo. É aqui e agora que o
espírito trabalha de forma incansável. É aqui e agora que a obra de
Cristo se prova triunfante no mundo. É aqui e agora que os
principados e as potestades, derrotados no Calvário, estão sendo
expostos em derrota por meio da unidade da igreja.11 A corrida está
em curso — a nossa corrida! Nós temos uma chance, um evento —
uma vida. Devemos nos livrar de todo hábito pecaminoso e de cada
gota de distração desnecessária. Devemos correr.
BATE-PAPO VIRTUAL
Remir o tempo — e recapturar o sentido de nosso lugar no tempo —
levanta finalmente a questão do bate-papo virtual. Sejamos
honestos: nós sabemos que usamos a maior parte do tempo ao
telefone, compartilhando piadas, GIFs, imagens e vídeos, e falando
sobre esportes, clima, humor e entretenimento com nossos amigos
e familiares. É muito comum usarmos nossos telefones para um
“papo furado” virtual, e é importante pensar nisso com cuidado.
Um exemplo crescente desse bate-papo virtual aparece na
plataforma apropriadamente chamada de Snapchat. Essa
plataforma quebra o estereótipo de que a mídia social é o lugar
adequado para reunir um álbum crescente de imagens de nossas
vidas que são excessivamente editadas. Em vez disso, o Snapchat
é projetado para dar espaço a fotos mais cruas, abertas, honestas,
sem filtro e sem edição. Construído para o compartilhamento de
“expressões instantâneas” e “selfies descartáveis”, o Snapchat
possibilita aos seus usuários capturar instantaneamente um
momento da vida com uma câmera. A imagem — ou vídeo — é
compartilhada e, depois de aberta, somente existe por alguns
segundos. O aplicativo foi projetado para tornar discreto um
momento no tempo, separá-lo da história mais ampla da internet e
deslocá-lo de qualquer contexto maior acerca da vida para que,
então, seja compartilhado e logo seja apagado para sempre.12
O Snapchat amplia nossa discussão acerca do bate-papo virtual,
mas também nos ajuda a ver o poder que nossos telefones exercem
ao prover pontos de contato convenientes com nossos amigos e
familiares; é um poder inquestionável. É bom ver como os outros
estão, oferecendo também um pequeno vislumbre de nossas vidas
com um pouco de humor — é claro que nossos telefones tornam
isso incrivelmente conveniente.
Um aplicativo como o Snapchat é vital para compreendermos
nossos smartphones, escreve Alastair Roberts. “Embora alguns
tenham tido a expectativa de que a internet e os celulares seriam
utilizados principalmente para a comunicação de informação, seu
significado primordial na vida da maioria das pessoas é a disposição
para a comunicação da presença. Com frequência, parece que a
internet é menos uma ‘via expressa da informação’ e mais uma
aldeia virtual, onde, através de incontáveis linhas de relacionamento
interconectadas, cada um está cuidando da vida do outro.”13
E isso é verdadeiro. Adicionado a esse fenômeno moderno, temos
o antigo alerta de Jesus sobre as palavras que proferimos uns aos
outros a cada dia: “Digo-vos que de toda palavra frívola que
proferirem os homens, dela darão conta no Dia do Juízo; porque,
pelas tuas palavras, serás justificado e, pelas tuas palavras, serás
condenado” (Mt 12.36-37).
Nesse contexto, uma “palavra frívola” é literalmente uma palavra
“proferida sem qualquer reflexão sobre o efeito que terá sobre as
outras pessoas”.14 Temos de estar dispostos a dar um basta em
nossos textos preguiçosos e impensados de conversas fiadas, tuítes
de humor e postagens ridículas no Facebook. Mas e se o nosso
bate-papo no celular tiver um propósito?
C. S. Lewis estava incrivelmente correto em sua advertência de
que nossas palavras nos empurram uns para os outros ao longo de
uma das duas trajetórias eternas (capítulo 5). E ele antecipa a
pergunta que eu fiz. O aviso de Jesus nos ordena a limitar nossas
conversas para interações relativamente breves, somente quando
devemos passar adiante informações essenciais? Existe algum
espaço para nos divertirmos uns com os outros?
Sim! “Devemos brincar uns com os outros”, diz Lewis sobre
nossos relacionamentos. “Mas a nossa alegria deveria ser do tipo
(e, de fato, é a mais alegre possível) que existe entre as pessoas
que, desde o início, levam-se mutuamente a sério — sem
leviandade, sem superioridade, sem presunção”.15 Nunca devemos
gracejar sobre o pecado, e não fazemos piadas para ser arrogantes
ou ferir os outros.
Aqui, podemos levar o conselho de Lewis um passo adiante e
perceber que a piada e o bate-papo virtual podem ser feitos com um
propósito maior. “De fato, Jesus disse que cada palavra conta”, diz o
conselheiro bíblico David Powlison sobre o tema mais amplo do
papo furado. “Mesmo que estejamos conversando casualmente,
essa conversa é, dentro do meu coração, uma maneira de mantê-lo
a distância ou de construir uma ponte entre nós. O papo furado
pode estar passando a seguinte mensagem: ‘Não quero conhecer
você e não quero que você me conheça’, então vou manter a
conversa o mais superficial possível, o mais rápido possível, e ‘até
logo’. Ou pode ser uma forma de dizer que ‘eu me importo com você
e eu gostaria de conhecê-lo’. Podemos começar falando sobre
futebol ou clima — mas a conversa está caminhando para algum
lugar mais honesto”, diz ele. “Nosso papo furado será julgado por
Deus por sua intencionalidade mais profunda.”16
A sabedoria de Powlison aqui é fundamental: Deus julgará nossas
conversas digitais, nossos textos privados e tuítes públicos através
das intenções de nossos corações. Então, eu me pergunto: meu
papo furado tem um rumo ou não? É prudente ou imprudente? É
estratégico para o bem eterno de outras pessoas ou um desperdício
de autoexpressão? Meu papo furado se tornou um hábito em
minhas conversas online e reduziu minhas palavras a nada mais
que humor pastelão?
Se eu considerar meu telefone apenas uma ferramenta para
“expressar instantaneamente” a minha vida, então o uso do meu
telefone é inútil. Devo perguntar a mim mesmo: sou preguiçoso e
descuidado com as almas, e ignorante em relação ao poder das
palavras, imagens e links sobre os outros? Ou estou usando o bate-
papo virtual como uma maneira de integrar alguém (ou alguma
comunidade online) com um objetivo relacional maior de edificação?
Essas perguntas determinam se meus textos, tuítes e imagens são
fragmentos impensados ou estratégias intencionais para apontar
aos outros o caminho da alegria, do significado e do propósito em
Deus. Isso é bate-papo virtual com propósito histórico (e eterno!).
UMA TEOLOGIA DA LEMBRANÇA (E DO ESQUECIMENTO) NOS
SALMOS
Estamos falando sobre tempo, história e sobre encontrar nossa
alegria, significado e propósito em Deus — e também em ajudar os
outros a caminhar em direção a essas metas não somente como
objetivo de vida cristã, mas também como uma disciplina espiritual
muito importante.
Os Salmos têm mais a ensinar do que qualquer outro livro na
Bíblia sobre a disciplina espiritual de lembrar (e os perigos
espirituais de esquecer). Os Salmos 42 e 77 são luzes para iluminar
a bondade de Deus no passado, quando nossas realidades do
presente parecem obscuras. Quando a dor entra em nossas vidas e
sentimos um duro golpe deste mundo, recorremos à fidelidade de
Deus. O Salmo 78 é uma alegação de que cada nova geração de
crentes será ensinada a se lembrar da bondade de Deus, mas
também é um aviso para que não se prendam às distrações da vida
a ponto de se esquecer das grandes obras de Deus. Lembrar é
também o tema do Salmo mais otimista, o Salmo 105.
Por outro lado, o povo de Deus suplica-lhe para que se lembre
deles no Salmo 74. O Salmo 9 nos garante que Deus não se
esquecerá de nós.
Ao longo do Antigo Testamento, os crentes encontram força e
segurança apenas no ato de se lembrar de Deus. “Uns confiam em
carruagens e outros em cavalos, mas nós lembraremos do nome do
Senhor nosso Deus” (Sl 20.7, BKJ).
O ato de lembrar-se dos livramentos de Deus é uma disciplina
espiritual.

Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e tudo o que há em mim bendiga ao


seu santo nome.
Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e não te esqueças de nem um só
de seus benefícios.
Ele é quem perdoa todas as tuas iniquidades; quem sara todas as
tuas enfermidades; quem da cova redime a tua vida e te coroa de graça
e misericórdia; quem farta de bens a tua velhice, de sorte que a tua
mocidade se renova como a da águia. (Salmos 103.1-5)

Não negligenciaremos a preciosa Palavra de Deus, porque nos


deleitamos nela e por ela temos apreço.17 Lembramo-nos das
grandes obras de Deus de outrora como um hábito bem enraizado,
e essa disciplina atiça o desejo de nossas almas em provar ainda
mais da preciosa beleza de Deus.18
Lembrar-nos de Deus é satisfazer nossa alma e recalibrar nossa
percepção sempre inconstante da realidade. Mas esquecer-nos de
Deus é o mesmo que abandoná-lo. Essa praga espiritual do
esquecimento não é um esquecimento físico ou demência mental.
Esquecimento espiritual é pecado, um pecado que assola a
juventude19 e infesta qualquer grupo demográfico.
TEOLOGIA DA LEMBRANÇA (E DO ESQUECIMENTO) NO NOVO
TESTAMENTO
A disciplina de se lembrar é transportada para o Novo Testamento.
Todas as dimensões da vida cristã parecem ser definidas de alguma
forma pelo mandamento de lembrar. Por exemplo:
Lembramo-nos do corpo e do sangue de Cristo quando
partimos o pão e bebemos do cálice na Ceia do Senhor, e
fazemos isso regularmente “em memória” dele.
Lembramo-nos de todo poder, toda bondade e toda presença
de Jesus Cristo, que são essenciais para o nosso cumprimento
da Grande Comissão.
Lembramo-nos da história de nossos pecados obscuros para
que a beleza da graça de Cristo brilhe em nosso presente (e
futuro) perdão.
Lembramo-nos da mulher de Ló, e desviamos nossos olhos
para bem longe dos ídolos sem valor desta vida.
Lembramo-nos da longa história de perseguição do povo de
Deus, para que nos recordemos que as tensões que sentimos
em nossa própria cultura não são estranhas.
Lembramo-nos da graça operante em nossos irmãos e irmãs
mais próximos, a fim de agradecer a Deus por eles.
Lembramo-nos das necessidades de nossos irmãos e irmãs
imediatos, a fim de orar sinceramente por eles.
Lembramo-nos das necessidades físicas de nossos irmãos e
irmãs cristãos nos lugares mais remotos, para que possamos
cuidar deles a distância.
Lembramo-nos de que Deus nos disciplina porque nos ama, e
assim podemos crescer em graça, humildade e alegria.

A Escritura nos diz que, assim como Deus não é injusto para
esquecer nossas obras e demonstrações de amor ao servir aos
santos,20 em Cristo ele não se lembra mais de nossos pecados.21
O que é verdade no Antigo Testamento também é verdade no
Novo Testamento. Deus quer que nos lembremos do roteiro que ele
escreveu para nossas vidas, especialmente de seus atos de
redenção.22 Isso porque Cristo inaugurou o tempo,23 agora o está
sustentando24 e tem o poder soberano para desenrolar os
acontecimentos que darão fim ao tempo.25 Em cada momento da
história, Cristo fala de si mesmo: “Eu sou o Alfa e o Ômega, o
Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim” (Ap 22.13). É ele quem
guarda todo o tempo e a história, e somente ele sustenta com
segurança minha história eterna.26
JAMAIS ESQUECER
Seja o que mais estiver em jogo na era digital, os cristãos são cada
vez mais ordenados a lembrar. Não devemos perder nosso passado
e nosso futuro com textos e tuítes a toda hora em nossos telefones.
Mas nosso lembrar não é como folhear um álbum empoeirado de
memórias com recortes. A Bíblia penetra os nossos corações com
uma memória vívida e ativa da vida diária na era digital. A Palavra
nos chama para lembrar a fim de obedecermos, da maneira como o
apóstolo Pedro explicou quando disse que nosso objetivo é atingir a
maturidade cristã que cresce da fé à virtude, do conhecimento ao
domínio próprio, da perseverança à piedade, e, finalmente, da
fraternidade ao amor. “Pois aquele a quem estas coisas não estão
presentes é cego, vendo só o que está perto, esquecido da
purificação dos seus pecados de outrora” (2Pe 1.9). Todo
crescimento espiritual está arraigado na lembrança do que Cristo fez
em mim.
Lembrar é o verbo-chave da vida cristã. Recordamos nosso
passado, corrigimos nossa miopia, comovemo-nos, recuperamos a
força mental, encontramos a paz na Palavra eterna. Lembrar é uma
das disciplinas espirituais fundamentais que devemos proteger com
vigilância em meio à fragmentação da mente e às tentações de
esquecer o passado, atitude típica da era digital.

1. 2Coríntios 6.10.
2. Papa Francisco, “Carta Encíclica, Laudato Si’ do Santo Padre Francisco
sobre Cuidados da Casa Comum”, A Santa Sé. Disponível em w2.vatican.va
(24 maio 2015).
3. Olivia Laing, The Lonely City: Adventures in the Art of Being Alone (New
York: Picador, 2016), p. 247.
4. 1Coríntios 6.19-20.
5. Trip Lee, entrevista com o autor via Skype (25 mar. 2015).
6. Craig M. Gay, The Way of the (Modern) World: Or, Why It’s Tempting to
Live as If God Doesn’t Exist (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1998), p. 92,
ênfase original.
7. Êxodo 20.22-24; Salmos 135.13-15; Isaías 44.19-22; 46.6-9; 57.11-13;
Jeremias 14.21-22; Ezequiel 16.20-22; Jonas 2.7-8; 1Pedro 4.1-6.
8. Carl R. Trueman, “Sex Trumps History”, First Things (15 mar. 2016).
9. Gálatas 2.20.
10. Hebreus 12.1-2.
11. Efésios 3.7–4.16.
12. Conforme foi explicado pelo CEO do Snapchat Evan Spiegel, “What Is
Snapchat?”, YouTube. Disponível em youtube.com (16 jun. 2015).
13. Alastair Roberts, “Twitter Is Like Elizabeth Bennet’s Meryton”, Mere
Orthodoxy. Disponível em mereorthodoxy.com (18 ago. 2015, ênfase original).
14. Leon Morris, The Gospel according to Matthew, The Pillar New Testament
Commentary (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1992), p. 322.
15. C. S. Lewis, O peso da glória, pp. 50-51.
16. David Powlison, email para o autor (13 maio 2016). Compartilhado com
permissão.
17. Salmos 119.16.
18. Salmos 143.5-6.
19. Eclesiastes 12.1-8.
20. Hebreus 6.10.
21. Hebreus 8.12; 10.17.
22. Efésios 2.11-13.
23. Apocalipse 4.11.
24. Hebreus 1.3.
25. Apocalipse 5-6.
26. Judas 24-25.
CONCLUSÃO
USANDO O CELULAR COM INTELIGÊNCIA

Nos últimos doze capítulos, adverti contra as doze maneiras como


nossos celulares estão nos transformando e minando nossa saúde
espiritual:

Nossos telefones amplificam nossa dependência de distrações


(capítulo 1), fragmentando, assim, nossa percepção de lugar no
tempo (12).
Nossos telefones nos impelem a evadir os limites da
encarnação (2) e, assim, fazem com que tratemos os outros de
forma áspera (11).
Nossos telefones alimentam nosso desejo por aprovação
imediata (3), prometendo nos proteger contra o medo de estar
perdendo algo (10).
Nossos telefones minam nossas principais habilidades literárias
(4) e, por causa de nossa falta de disciplina, tornam cada vez
mais difícil identificar o sentido último das coisas (9).
Nossos telefones nos oferecem um bufê de mídia produzida (5),
tentando-nos a nos deleitar com vícios visuais (8).
Nossos telefones ultrapassam e distorcem nossa identidade (6),
tentando-nos ao isolamento insalubre e à solidão (7).

Mas os capítulos não se tratam apenas de alertas. Ao longo do


processo, também tentei recomendar doze disciplinas necessárias à
vida, para que possamos preservar nossa saúde espiritual na era do
smartphone:

Minimizamos as distrações desnecessárias na vida para ouvir a


Deus (capítulo 1) e para encontrar nosso lugar na história
revelada de Deus (12).
Abraçamos nossa natureza encarnada (2), e lidamos uns com
os outros com graça e gentileza (11).
Temos como objetivo a aprovação final de Deus (3) e
descobrimos que, em Cristo, não temos arrependimentos finais
a temer (10).
Valorizamos o dom do letramento (4) e priorizamos a Palavra
de Deus (9).
Ouvimos a voz de Deus na Criação (5) e encontramos uma
fonte de prazer no Cristo invisível (8).
Exaltamos a Cristo para sermos moldados à sua imagem (6) e
procuramos atender às necessidades legítimas de nossos
próximos (7).

O livro é organizado em um quiasmo para que tudo se centralize


internamente nos capítulos 6 e 7, os quais focam nos mandamentos
maiores que emolduram nossa identidade e definem nosso
propósito na Terra: amar a Deus (6) e amar o próximo (7). A
Escritura torna o foco na vida algo possível na era digital, e faz isso
quando Jesus resume o propósito e a finalidade de nossas vidas em
duas metas: entesourar Deus com todo o seu ser e, em seguida,
despejar essa alegria centrada em Deus na forma de amor pelos
outros.1 Nesses dois mandamentos é que todas as outras leis
relativas ao celular se respaldam.
A ESTRATÉGIA DO “NADA” DE SATANÁS
Em algum momento, devemos deixar as páginas deste livro para
lutar com as leis do mundo real.
Hoje, eu estava cansado depois de trabalhar, por isso abri o
Facebook no meu telefone em busca de diversão. Dei uma olhada
em um vídeo de um gato que mia como uma criança chorando;
depois vi um novo estudo sobre o controle de armas; em seguida, vi
um teclado inovador para tabletes; depois li uma história sobre a
última fofoca relacionada às celebridades; após, foram-me
oferecidas vinte fotos de atores que envelheceram mal (que eu
ignorei); depois vi uma notícia de última hora sobre um grupo de
milícia no Oregon; em seguida, li que a Coreia do Norte
aparentemente detonou, para efeito de teste, uma bomba atômica;
após, assisti a um vídeo viral de um “triturador monstruoso” que
esmaga geladeiras, sofás e carros com dentes metálicos de grandes
dimensões; então, vi fotos de um amigo e sua esposa de férias na
Islândia. Assim por diante, fui dando uma olhada numa lista de itens
desconexos e fragmentados, e a maioria só um pouco importante ou
interessante. Não fui edificado ou servido; só fiquei mais fatigado
por não ter tirado o cochilo que eu deveria tirar ou não ter feito a
caminhada que eu poderia fazer, e facilmente fui atraído de volta
para meu telefone. Então, lembrei que não havia realizado as
minhas disciplinas pessoais essa manhã. A minha batalha contra
todas as tendências indolentes do celular que vejo em meu próprio
coração apenas havia começado.
O que estou começando a entender é que esse impulso de puxar
a alavanca de uma máquina caça-níqueis aleatória de conteúdo viral
é a tática milenar de Satanás. C. S. Lewis chamou-a de estratégia
do “Nada” em seu livro Cartas de um diabo a seu aprendiz. É a
estratégia que, eventualmente, faz um homem no fim de sua vida
olhar para trás em lamento: “Vejo agora que desperdicei a maior
parte da minha vida sem fazer o que deveria nem o que desejava”.2
E a estratégia do “Nada” é “bem forte: forte o bastante para roubar
os melhores anos de uma pessoa, não em doces pecados, mas
num sombrio devaneio da mente sobre sabe-se lá o quê nem por
que, na satisfação de curiosidades tão débeis que o homem se
torna apenas semiconsciente delas [...] ou em um longo e turvo
labirinto de fantasias que não dão nem prazer nem satisfazem a
ambição para lhe dar algum sabor, mas que, tendo sido iniciadas
pelo acaso, a criatura estará fraca e inebriada demais para se livrar
delas”.3
Rotinas cheias de nada. Hábitos desnecessários à nossa
vocação. Uma roda de hamster daquilo que nunca vai satisfazer
nossas almas. O aviso de Lewis sobre o “devaneio da mente” diante
de nossos olhos é um alarme profético para a era digital. Estamos
sempre ocupados, mas sempre distraídos — diabolicamente
distraídos daquilo que é verdadeiramente essencial e
verdadeiramente gratificante. Ao sermos conduzidos por nosso
apetite digital não contido, conseguimos transgredir ambos os
mandamentos que prometem trazer foco para nossas vidas.
Falhamos em desfrutar de Deus. Falhamos em amar o nosso
próximo.
Em meio a esses hábitos de “fazer nada”, encontramo-nos
perambulando meio sonolentos nessa ociosidade digital, propensos
a deixar nossas responsabilidades digitais para nos tornar
intrometidos e enxeridos nos meios digitais.4 Entregamos nosso
tempo ao que não é explicitamente pecaminoso, mas que também
não é capaz de nos dar alegria ou nos preparar para o
autossacrifício. A estratégia do “Nada” de Satanás visa alimentar-
nos das palavras pelas quais deslizamos infinitamente, de imagens
e vídeos que entorpecem nossas afeições — em vez de revigorar
nossa alegria e preparar-nos para nos entregar em amor.5
ÍDOLO?
A tecnologia torna a vida mais fácil, porém a imaturidade torna a
tecnologia autodestrutiva para nós. Com meu telefone, sempre me
pego oscilando entre uma eficiência útil e um hábito sem sentido.
Com frequência, sou lembrado de que meu telefone pode ser um
monte de coisas, mas ele não é um brinquedo. Um mágico e um
portador de um celular são primos próximos,6 e o crítico literário
Alan Jacobs sugere que o motivo é o fato de a nossa tecnologia
moderna nos oferecer um poder fascinante não muito diferente da
magia contida na série de fantasia Harry Potter: “Frequentemente
divertida, frequentemente surpreendente e emocionante, mas
também sempre potencialmente perigosa (...) Os tecnocratas deste
mundo têm em suas mãos poderes quase infinitamente maiores do
que os de Albus Dumbledore e Voldemort”.7 Em nossas mãos, são
colocadas essas varinhas, esses celulares, esses poderes de
idolatria, carregados de expectativas de redenção.
A era digital pode enfeitiçar e capturar nossos corações de
maneiras insalubres. Nossos avanços na tecnologia têm uma
maneira própria de tornar Deus cada vez mais irrelevante para
nosso mundo e em nossas vidas — a própria definição de
mundanismo.8 E se nossa tecnologia digital se torna nosso deus,
nossa varinha de poder, inevitavelmente nos moldará em
especialistas que ganharam domínio sobre um mundo morto de
conveniências. Ao deslizar sem rumo por entre feeds e imagens por
horas a fio, sentimos que estamos controlando nossos dispositivos,
quando, na verdade, somos fantoches controlados por uma indústria
lucrativa.
Embora nossas técnicas de controle não nos tornem ateus, elas
fazem a adoração parecer cada vez mais irrelevante, a medida que
deslocam Deus cada vez mais de nossas vidas. Esquecemo-nos de
como encontrar Deus e ainda defendemos nossos celulares, não
querendo admitir que estamos mais preocupados com o controle
dos mecanismos de nossas vidas do que em adorar ao Deus cujo
poder soberano dirige cada respiração nossa.
Devemos prestar atenção aos sinais de que nossa adoração está
fora do curso devido. Não podemos mais simplesmente adorar a
Deus com admiração ou orar sem uma inquietação compulsiva por
nossos telefones. Falamos mais sobre Deus do que falamos com o
próprio Deus. Nossos corações estão mais interessados em seguir
padrões vazios de adoração do que em encontrar o Espírito. Nossa
adoração no domingo parece rasa, e nossa semana é preenchida
com uma procura incessante por conselho cristão para corrigir o que
sabemos estar errado. Buscamos uma relação mecânica com Deus,
em busca de novas técnicas para preencher o vazio espiritual em
nossas vidas. Sinais assim revelam como a tecnologia degrada
nossas prioridades. Mas a adoração exige redirecionamento em
nossas vidas.
TÉCNICAS DE SANTIDADE?
“Cem anos atrás nenhum cristão teria pensado em escrever um livro
chamado Três passos fáceis para ser cheio do Espírito”, disse o
pastor Tim Keller. “Veja, por um lado, temos sido tão afetados pela
nossa sociedade tecnológica que queremos transformar tudo em
mercadoria. Vamos reduzir tudo a procedimentos. Eu quero estar no
controle”.9 É assim que a vida funciona agora.
Keller dá um sinal de alerta crítico aos peregrinos cristãos na era
digital. Em nosso amor por mecanismos, técnicas e poder,
perdemos nosso caminho e perdemos nossa adoração e nossa
oração, pois Deus se tornou secundário em relação à nossa
tecnologia. Mas Deus é o Rei soberano que não vai se curvar à
nossa maestria em um dispositivo. Aplicativos podem me ajudar a
permanecer focado em meus planos de leitura da Bíblia e ajudar a
organizar minha vida de oração, mas nenhum aplicativo pode soprar
vida à minha comunhão com Deus.
A autocrítica na era digital é uma disciplina necessária — e um
ato de coragem. “É por meio de nossa capacidade de criticar que
vamos mostrar a nossa liberdade. Essa é a única liberdade que
ainda temos, se pelo menos tivermos coragem de agarrá-la”.10
Nossa liberdade pessoal em relação ao mau uso da tecnologia é
medida por nossa capacidade de criticá-la cuidadosamente e de
limitar o que esperamos que ela faça em nossas vidas. Nossa
escravidão à tecnologia é medida por nossa incapacidade de
realizar cuidadosamente a autocrítica. Pois o que aproveita ao
homem ganhar todos os mais recentes dispositivos digitais e
dominar todas as técnicas em telas sensíveis ao toque e perder a
sua alma?
Temos coragem suficiente para fazer essa pergunta?
Na verdade, a voz automatizada do meu celular pode encontrar
um restaurante local para mim ou me dizer quando sair, a fim de
evitar o tráfego intenso. Mas meu telefone nunca poderá preencher
minhas maiores necessidades na vida. Meu telefone (como qualquer
tecnologia) não pode explicar por que eu existo, não pode definir o
termo nem o objetivo da minha vida, não pode me dizer se me
desviei do caminho, não pode organizar minhas prioridades e não
pode me dizer quais escolhas na vida são moralmente certas ou
erradas.
Em um ato de uma autocrítica corajosa, devo fazer três
perguntas:

Fins: meus hábitos no celular me movem em direção a Deus ou


para longe dele?
Influência: meus hábitos no celular edificam a mim e aos outros,
ou nada constroem de valor duradouro?
Servidão: meus hábitos no celular expõem minha liberdade em
Cristo ou minha escravidão à tecnologia?

OUVIR COM HUMILDADE


Dessa forma, os cristãos devem trocar seus smartphones por
dumbphones? Essa decisão deve ser tomada por cada um de nós
conforme escutamos a direção do Espírito Santo em nossas vidas.
Nós prestamos mais atenção aos nossos telefones do que à terceira
pessoa da Trindade e, ainda assim, o Espírito Santo cuida de nós
mais do que cuidamos de nós mesmos. Talvez você acredite que se
beneficiaria espiritualmente em se afastar do seu telefone por um
tempo. Ou talvez você se sinta conduzido a repensar melhores
limites em sua vida digital. Ou você pode estar farto de seu
relacionamento de amor e ódio, de “desativar, deletar, reativar” a
mídia social, e esteja pronto para se livrar de seu smartphone por
completo. Eu não posso te dizer o que fazer, mas posso incentivá-lo
a prestar atenção à convicção do Espírito, o que vai ajudá-lo a dar o
próximo passo de obediência.
Alguns usuários de smartphone se provam hábeis em equilibrar
seu uso e não cair nas iscas e armadilhas poderosas explicadas
neste livro. Alguns misturam os pontos fortes das bênçãos digitais
em suas vidas, assemelhando-se, assim, a centauros digitais
saudáveis. Mas nem todos nós somos capazes de manter esse
equilíbrio.
Para todos nós, o desafio reside em estender graça uns aos
outros. O orgulho tecnofóbico diz: “Deus, eu te agradeço porque não
sou como este viciado em eletrônicos, que se distrai com seus
dispositivos e se alimenta das trivialidades banais do mundo de
mentira”. O orgulho do tecnófilo diz: “Deus, sou grato porque não
sou como este desprezador de tecnologia, que é muito
indisciplinado para gerenciar as distrações digitais do mundo real”.
Ambos os pontos de vista são arrogantes.
DIVERSIDADE NO USO DO CELULAR
A igreja precisa tanto de cristãos que usam o celular como daqueles
que não o usam. Como eu disse no prólogo deste livro, os hábitos
no celular expõem o coração, e isso significa que a solução para os
hábitos não saudáveis no celular não é encontrada no simples
abraçar da utopia pré-digital de máquinas de escrever e discos de
vinil. Simplesmente chamar todos os cristãos para que abandonem
seus smartphones não é uma solução mágica, porque, sem
humildade genuína, sem verdadeira confissão do pecado e sem
mudança sobrenatural do coração, não estaremos livres das
distrações banais, nem das seduções infinitas e adocicadas no
mundo offline (veja essa história).11 Na condição de cristãos
convencidos pelo Espírito a dar um passo tão ousado, devemos ser
humilhados pela graça de Deus e abençoados com uma visão de
como novas prioridades saudáveis podem substituir nossos hábitos
nada saudáveis (veja essa história).12
No começo deste projeto, o teólogo David Wells disse que não
podemos nos tornar monges digitais. Não, pelo menos não todos
nós. O historiador Bruce Hindmarsh foi o primeiro a sugerir que a
igreja precisa de alguns jovens cristãos que, voluntariamente, vivam
fora da rede digital, para que os crentes que estejam enredados no
mundo digital possam encontrar neles um contraste e uma
comparação, com vistas a uma reflexão pessoal. Em suas palavras,
aqueles que estão fora da rede meio que funcionam como um
astronauta vivendo no espaço sideral, alguém que pode retornar e
informar como é a vida em um ambiente diferente.13 Ou, se me
permite inverter a metáfora (para aqueles que se opõem ao termo
“monge digital”),14 precisamos de pessoas que levam vidas
desconectadas na Terra, para que nós, que estamos ligados à era
digital e agora suspensos no espaço sideral da inovação técnica,
possamos olhar para trás, para ver se nossos celulares realmente
aceleraram nossas vidas — ou se estamos apenas flutuando sem
rumo.
De qualquer forma, nós precisamos deles — cristãos que podem,
tanto quanto possível, viver offline (mesmo que muitos prevejam que
os termos distintos online e offline em breve serão coisas do
passado).
Para usuários de smartphones, um monasticismo digital sazonal
vai, sem dúvida, tornar-se uma disciplina essencial para a vida cristã
saudável. Eu não conseguiria ter escrito este livro sem que
houvesse desligado meu telefone várias vezes. E, quando o
processo de escrita foi especialmente intenso, desliguei o Wi-Fi do
meu computador. Parecia-me bem isolador a princípio, mas, com o
tempo, tornou-se terapêutico e libertador, pois eu consegui atender
a alguns de meus chamados sazonais.
Vamos nos beneficiar ao retornar frequentemente ao desafio de
Francis Schaeffer, que disse: “Os cristãos têm duas condições-
limite: (1) O que os homens podem fazer e (2) o que os homens
deveriam fazer. O homem moderno não possui este último limite”.15
A questão essencial que devemos nos perguntar constantemente
na era da rápida evolução da tecnologia digital não é o que posso
fazer com o meu telefone, mas o que devo fazer com ele? Essa
resposta, como vimos, pode ser obtida apenas ao entender por que
existimos em primeiro lugar.
DEVO ABANDONAR MEU SMARTPHONE?
Se houve uma época na história do celular em que fomos
confrontados a decidir se deveríamos ou não “aderir”, esse período
foi curto e já passou. A única questão agora é saber se vamos
“abandonar”. Então, chegamos à pergunta gigantesca: devo
abandonar meu celular? Primeiro, temos de perceber que nossos
telefones são o agregado de todos os nossos mecanismos digitais,
tanto que muitas vezes não pensamos sobre o que usamos e o que
precisamos em nossos telefones. Com frequência, é possível
sermos beneficiados em desagregar nossos smartphones,
desmembrando nossa tecnologia em custos, recursos e funções.
Por exemplo, de vez em quando, faço a mim mesmo as doze
perguntas a seguir:

1. Quanto o meu celular custa por ano se eu somar o preço do


dispositivo, do seguro, das capinhas e da mensalidade?
2. Eu preciso de acesso à internet móvel para cumprir meu
chamado vocacional ou ministerial?
3. Enviar mensagens é essencial para demonstrar meu cuidado
pelos outros? Essas mensagens de texto precisam ser
visualizadas em tempo real? A única maneira de fazer isso é
por meio do celular?
4. Preciso de acesso à internet móvel para legitimamente servir
aos outros?
5. Preciso de acesso à internet móvel para navegar em cidades
desconhecidas? O dispositivo é uma parte essencial das
minhas viagens?
6. Preciso do meu celular para aproveitar os cupons de desconto
nas lojas? Quanto eu economizaria se não tivesse um plano de
dados no celular?
7. Meu acesso à internet pode esperar? A conveniência do acesso
à internet móvel é algo que eu possa funcionalmente substituir
com um tempo estruturado em um notebook ou computador
posteriormente?
8. Posso viver bem tendo um celular simples, um ponto de acesso
de Wi-Fi, um iPod ou um tablete?
9. Posso ouvir áudio e podcasts de outras formas (por meio de um
iPod, por exemplo)?
10. Será que eu simplesmente me tornei viciado em meu telefone?
Se for o caso, o problema pode ser resolvido com moderação
em seu uso ou eu preciso abandoná-lo de vez?
11. Será que as atrações do meu telefone me isolam das pessoas e
das necessidades reais que me rodeiam?
12. Eu quero que meus filhos me vejam olhando excessivamente
para uma tela portátil enquanto crescem? O que esse hábito
projeta para eles e para os outros ao meu redor?

Essas são perguntas importantes.


Atualmente, abandonar um smartphone não é apenas um dos
atos desafiadores mais corajosos e contraculturais possíveis; é um
presente para os outros. Se eu sou um viciado em mídia social,
minha falta de autocontrole alimenta o vício da mídia social em
você. E quanto mais eu mando mensagens, escrevo tuítes ou faço
stories, mais arrasto você e os demais ao vórtice digital da
obrigação recíproca. Esse é o segredo de como gigantes de mídia
social aumentam seu valor em bilhões. Eles precisam de mim para
atrair você. Até mesmo algo tão simples quanto arrancar seu celular
do bolso no meio de uma multidão é “o novo bocejo” — todas as
outras pessoas ao seu redor sentirão o desejo imediato e a atração
para verificar seus próprios telefones.16 Raramente pensamos em
como nossos próprios vícios digitais impactam os outros
(especialmente nossos filhos), e raramente vemos isso como um
dos mais assustadores desafios em abandonar o smartphone. A
qualquer viciado corajoso o suficiente para largar de vez o
smartphone: eu o aplaudo. Você vai servir às pessoas ao seu redor
de formas invisíveis que nunca serão notadas ou celebradas.
USANDO O CELULAR COM INTELIGÊNCIA
Por ora, nesta temporada de ministério, eu vou possuir um
smartphone. Mas, como nunca antes, consigo ver quão
desnecessário o telefone é na maior parte da minha vida. Sou
desafiado a ser muito mais disciplinado do que eu imaginava que
algum dia seria. A escrita deste livro marca uma nova era em minha
relação com a tecnologia digital.
Talvez a revelação mais clara desse projeto seja bem simples:
para obter benefício do meu telefone, não devo usar todos os
recursos o tempo todo. Isso é verdadeiro porque meu telefone é
uma plataforma aberta para os desenvolvedores preencherem de
aplicativos brilhantes que me prometem produtividade ou diversão.
Contrariamente à sabedoria de Schaeffer, nós compramos nossos
telefones com o pressuposto inquestionável de que qualquer coisa
que nossos dispositivos possam fazer, eles devem fazer. Ou, para
dizer isso de maneira mais pessoal, tendemos a encher nossos
dispositivos com um monte de aplicativos não essenciais. Se isso
soa estranho, é porque fomos condicionados a nunca fazer a
pergunta minimalista: quais funções meu celular deve ser capaz de
realizar que são verdadeiramente essenciais?
Fazemos essa pergunta acerca de outras tecnologias. Imagine
que estou dirigindo minha minivan. Com base na inscrição do painel,
minha van pode andar a 220 km/h (não confirmados). Então, eu
poderia correr com a van todo fim de semana numa pista local para
me divertir. Mas não foi para isso que a van foi adquirida. Não a
adquirimos com o objetivo de ganhar corridas ou para exceder os
limites de velocidade. Ela existe para oferecer um transporte seguro
à minha família. Para obter o maior benefício da minha van, não há
necessidade de eu usar todos os seus recursos em capacidade
máxima. Se, de fato, minha van consegue atingir 220 km/h (o que
eu duvido!), é para que possa viajar a 110 km/h, dentro da lei, com
segurança e conforto. Há limites omitidos acerca do que eu
demando da van. Algumas funcionalidades servem bem à minha
família — outras, não.
A chave para termos equilíbrio na era do smartphone é a
consciência. A tecnologia digital é mais útil para nós quando
limitamos seu alcance em nossas vidas. O mundo sempre vai
esperar que a tecnologia salve a humanidade de seus medos mais
obscuros e, para esse fim, ela se submeterá cada vez mais às
inovações. Mas, ao evitar o alcance demasiado desses anseios de
tecnorredenção mal direcionados, podemos simplesmente abraçar a
tecnologia pelo o que ela é — uma ferramenta frequentemente útil e
funcional para atender a uma necessidade legítima em nossas
vidas.
Toda tecnologia exige limites, e o celular não é exceção. Se você
descobrir que o celular é absolutamente necessário à sua vida e ao
seu chamado, estabeleça regras que regulem seu uso. Considere
estes doze limites:

1. Desligue todas as notificações não essenciais.


2. Exclua os aplicativos expirados, que não são essenciais e
desperdiçam tempo.17
3. Durante a noite, mantenha seu telefone fora do quarto.
4. Use um despertador real, e não seu alarme do telefone, para
manter o telefone fora de alcance na parte da manhã.
5. Proteja suas disciplinas matinais e os padrões de sono noturnos
usando as configurações do celular para silenciar notificações
entre uma hora antes de deitar até um horário que você
considera razoável o suficiente para terminar suas disciplinas
pessoais durante a manhã (das 21h às 7h, para mim).
6. Use aplicativos autorrestritivos para ajudar a limitar as funções
de seu celular e a quantidade de tempo que você investe em
várias plataformas.
7. Reconheça que boa parte daquilo a que você responde
rapidamente pode esperar. Responda em um momento
posterior que seja mais conveniente.
8. Mesmo que você precise ler emails em seu celular, use
momentos estratégicos durante o dia para responder em um
computador (por trinta minutos, às nove da manhã e às quatro
da tarde, no meu caso).
9. Convide seu cônjuge, seus amigos e seus familiares para
comentarem acerca de seus hábitos no celular (mais de 70%
dos cristãos na minha pesquisa disseram que ninguém mais
sabia quanto tempo eles gastavam online).
10. Ao fazer as refeições com seus familiares ou amigos, deixe seu
telefone fora do campo de visão.
11. Quando for passar o tempo com familiares ou amigos, ou
quando você estiver na igreja, deixe o seu telefone em uma
gaveta ou em seu carro, ou simplesmente desligue-o.
12. Em momentos estratégicos na vida, desintoxique digitalmente
sua vida e recalibre suas prioridades. Afaste-se da mídia social
para frequentes paradas estratégicas (pelas manhãs), Sábados
(Shabat) digitais (um dia offline por semana) e períodos
sabáticos digitais (duas paradas de duas semanas por ano).18

TESTE A SI MESMO
Este livro não pode terminar sem considerar o impacto de nossos
celulares sobre a totalidade de nossos corpos. É imperdoável que
nos preocupemos mais com a carga de nossos telefones do que em
calcular as horas de sono de que nossos corpos precisam. Nós
somos criaturas encarnadas, e isso significa que a forma como
usamos a tecnologia digital muda a todos nós — mental, física e
espiritualmente. Salomão nos alertou para não divorciarmos nossas
mentes de nossos corpos como um todo, o que nada mais é do que
a própria tentação da era da tela sensível ao toque.19
Estudos após estudos têm mostrado que passar muito tempo em
nossos telefones tem efeitos profundos sobre nossa saúde física,
incluindo (mas não limitado a) sedentarismo, obesidade, estresse,
ansiedade, insônia, agitação, má postura, pescoços doloridos,
cansaço visual, dores de cabeça, hipertensão e padrões de
respiração pouco profunda induzidos por estresse. As
consequências físicas de nossos hábitos imprudentes no celular
muitas vezes passam despercebidas, porque, na matriz do mundo
digital, simplesmente perdemos a noção de nossos corpos, de
nossa postura, de nossa respiração e de nossos batimentos
cardíacos.
A sobrecarga de nosso foco em imagens projetadas provoca
negligência em relação aos nossos corpos. Vá ao YouTube e
procure por “acidentes com distraídos no celular”. Você encontrará
uma crescente coleção de vídeos de usuários de celular tão
absortos com seus telefones que, inconscientemente, caminham
para o meio do tráfego ou batem em paredes, caem em fontes de
água pública ou escorregam e ficam presos em grades no chão da
calçada. Nossos telefones nos tornaram tão fisicamente alheios a
outras pessoas nas áreas públicas que “passamos de segurar a
porta por cortesia a ficar de pé diante dela em esquecimento”.20
A falha em nos concentrar nas consequências físicas de nossos
hábitos virtuais desencarnados é um descuido que muitos estão
tentando corrigir.21 Uma de minhas esperanças relacionadas a este
livro é que as pessoas tenham uma consciência renovada de como
a tecnologia nos influencia — por completo. Quero que você seja
consciente de si mesmo. Mas, embora eu seja capaz de delinear
alguns dos seus possíveis sintomas, não posso diagnosticá-lo e
certamente não posso dizer para você se livrar de seu telefone por
completo.
Você precisa testar seu uso da tecnologia tal como faria com uma
dieta física. Se você não se sente bem depois de comer, pergunta a
si mesmo se foi porque comeu demais, se foi porque é alérgico ao
que você consumiu, ou porque você comeu besteira, comida
estragada ou contaminada. Faça perguntas semelhantes sobre seu
celular. O que acontece com seu corpo e com sua mente quando
você fica fora do Facebook por uma semana, quando você não
responde aos emails remotamente em seu telefone, quando você
não dorme perto do seu telefone, ou quando você limita o Twitter a
determinados momentos? E, quando usar seu telefone, observe sua
respiração, seus níveis de ansiedade e sua postura.
E faça a mesma coisa espiritualmente. Mude suas rotinas no
celular e veja o que acontece com sua vida devocional. Suas
manhãs são mais frutíferas e focadas? O que acontece na igreja
quando você deixa seu telefone no carro?
Ouça seu corpo e ouça sua alma, e use essas avaliações para
estabelecer princípios para seus hábitos no celular. Considere os
impactos negativos para avaliar suas práticas, e permita que os
impactos positivos estabeleçam princípios para estratégias futuras.
As perguntas que fazemos sobre nossos celulares são urgentes.
Muitos de nós gostariam de responder a essas perguntas com uma
lista de regras de uso de smartphones, mas não podemos
simplesmente copiar e colar uma mesma lista na vida de todo
mundo. Conforme você determina seus limites no celular, faça uma
dieta de rodízio, ore, use seu smartphone com a sabedoria de Deus
e, por todos os meios necessários, permaneça vigilante para evitar a
armadilha de Satanás, a estratégia do “Nada”.

1. Mateus 22.34-40.
2. C. S. Lewis, Cartas de um diabo a seu aprendiz (Rio de Janeiro: Thomas
Nelson Brasil, 2017), p. 72.
3. Ibid.
4. 1Tessalonicenses 4.11; 2Tessalonicenses 3.11; 1Timóteo 5.13; 1Pedro
4.15.
5. Esse mesmo princípio é bem explicado pelo puritano Richard Baxter em
The Practical Works of the Rev. Richard Baxter (London: James Duncan,
1830), v. 3, pp. 535-536.
6. C. S. Lewis, A abolição do homem (Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil,
2017), pp. 73-74.
7. Alan Jacobs, A Visit to Vanity Fair: Moral Essays on the Present Age
(Grand Rapids, MI: Brazos, 2001), pp. 147-148.
8. Veja Craig M. Gay, The Way of the (Modern) World: Or, Why It’s Tempting
to Live as If God Doesn’t Exist (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1998).
9. Timothy Keller, sermão, “Be Filled with the Spirit — Part 1”, Gospel in Life,
gospelinlife.com (16 de junho de 1991).
10. Jacques Ellul, The Technological Bluff (Grand Rapids, MI: Eerdmans,
1990), p. 411.
11. Paul Miller, “I’m Still Here: Back Online after a Year without the Internet”,
The Verge. Disponível em theverge.com (1o maio 2013).
12. Andrew Sherwood, “The Sweet Freedom of Ditching My Smartphone”, All
Things for Good. Disponível em garrettkell.com (21 jan. 2016).
13. Bruce Hindmarsh, entrevista com o autor por telefone (12 mar. 2015).
14. Alan Levinovitz, “I Don’t Have a Cellphone. You Probably Don’t Need One,
Either”, Vox. Disponível em vox.com (15 mar. 2016).
15. Francis A. Schaeffer, The Complete Works of Francis A. Schaeffer: A
Christian Worldview, v. 1, A Christian View of Philosophy and Culture
(Westchester, IL: Crossway, 1982), p. 369, ênfase original.
16. Donna Freitas, The Happiness Effect: How Social Media Is Driving a
Generation to Appear Perfect at Any Cost (New York: Oxford University Press,
2017), p. 218.
17. Veja as dicas de gerenciamento de aplicativos de Tristan Harris,
“Distracted in 2016? Reboot Your Phone with Mindfulness”. Disponível em
tristanharris.com (27 jan. 2016).
18. Veja em Tony Reinke, “Know When to Walk Away: A Twelve-Step Digital
Detox”, Desiring God. Disponível em desiringGod.org (30 maio 2016).
19. Eclesiastes 12.12.
20. John Dickerson, “Left to Our Own Devices”, Slate,. Disponível em
slate.com (24 jun. 2015).
21. Veja David M. Levy, Mindful Tech: How to Bring Balance to Our Digital
Lives (Nova Haven, CT: Yale University Press, 2016).
EPÍLOGO

Ao final deste estudo, encontro-me castigado pelos tempos de


abuso de meu iPhone e motivado a definir melhores parâmetros
para mim (e para minha família).1 Estou preso entre as ansiedades
sobre como meu telefone religa meus hábitos e impacta meu corpo.
Eu me pergunto se posso ser reprogramado, ou se é tarde demais.
E ainda fico maravilhado, com gratidão, quando vejo a forma como
meu telefone aumenta minha produtividade e alcance do ministério.
Quando entrei em contato com Oliver O’Donovan, respeitado
especialista em ética cristã, perguntei-lhe: os cristãos deveriam
sentir-se desconfortáveis com a ascensão da tecnologia de
comunicação digital?
“Sentir-se desconfortável não é uma resposta boa o suficiente”,
sabiamente advertiu ele. “Tudo o que pode ser recebido de Deus
com ações de graças deveria ser recebido com ações de graças.”
Trata-se de uma boa resposta em oposição ao que perguntei. Ele
continuou: “Minha geração tinha 50 anos, e era muito ocupada,
quando os primeiros computadores pessoais foram lançados, então
possivelmente nunca superamos a ambivalência da ruptura e da
perturbação que eles nos causaram, pois tínhamos de reaprender
todas as nossas habilidades já aprimoradas — e aprendê-las
novamente quando a primeira onda de software deu lugar à
segunda”. Ele disse que foi forçado a aprender a digitar o alfabeto
grego de cinco ou seis maneiras diferentes, de acordo com as novas
atualizações e mudanças dos softwares ao longo dos anos. Apesar
desses inconvenientes da tecnologia, ele segue: “Ainda assim,
consigo agradecer a Deus por algumas coisas que essas inovações
me ofereceram, e quero que meus netos sejam capazes de
agradecer a Deus por mais delas. Mas como aprender a agradecer
a Deus? Não se pode agradecer a Deus por algo que não se
consegue entender. É uma pergunta real e difícil, e não é apenas
uma questão de ser otimista e acreditar em progresso”.2
Então, como podemos dominar nossos celulares? Como podemos
agradecer a Deus por eles, permanecendo em oração e sendo
autocríticos acerca de nossos hábitos?
MARAVILHAS MODERNAS
“Tenho idade suficiente para lembrar como o mundo era antes dos
telefones”, escreveu G. K. Chesterton (1874–1936), perto do fim de
sua vida.3 Chesterton era uma criança pequena quando Alexander
Graham Bell registrou a patente de um dispositivo de replicação de
voz, e na época da morte de Chesterton, as chamadas através do
Oceano Atlântico já estavam sendo feitas. Talvez seja estranho
terminar um livro sobre o celular lembrando como ocorreu com o
telefone no passado, mas uma vez que a vida de Chesterton
abrangeu da invenção a proliferação desse dispositivo
revolucionário, ele pode ter algo a nos dizer.
O ataque da tecnologia digital em nossos dias parece uma
mágica, uma espécie de encantamento que deveria aumentar o
temor e a admiração de nossas almas. Mas normalmente isso não
acontece. A mágica fracassa, nos alertou Chesterton.4 Mas de
modo contrário, a revolução tecnológica “traz consigo a rapidez da
obsolescência das coisas; uma corrida em ladeira abaixo ao mundo
plano e triste do prosaico; uma pressa de coisas maravilhosas
perderem seu caráter maravilhoso; um dilúvio de admirações para
destruir a admiração. Esse pode até ser o aperfeiçoamento das
máquinas, mas não é possível que seja o aperfeiçoamento do
homem”.5
Por fim, nossas maravilhas tecnológicas falham em conquistar a
nossa admiração; elas simplesmente se tornam engrenagens mais
frias nos processos mecanizados da vida diária que nós,
inconscientemente, dominamos. A partida elétrica dos motores dos
nossos carros são um bom exemplo disso. Pense bem: com o
simples fato de girar uma pequena varinha mágica de metal, as
faíscas inflamam um explosivo líquido refinado de um lodo orgânico
antigo — um lodo que, de alguma forma, está situado nas
profundezas da terra, completamente coberto, liquefeito pelo tempo
e pela pressão, tornando-se uma poção que, mais tarde, seria
sugada das cavidades subterrâneas e processada em combustível
inflamável, o qual, então, é bombeado para os tanques e,
finalmente, para cilindros lisos esculpidos em aço sólido, onde se
encontra com aquelas faíscas — causando erupções coreografadas
que explodem tão poderosamente, tão perfeitamente e tão
consistentemente que podemos, com fogo e um pé estendido, nos
lançar suavemente por toda a cidade em um tapete mágico de
quatro rodas.
No entanto, quando giramos a varinha e o produto do lodo antigo
irrompe em uma série de bolas de fogo, simplesmente nos
deslocamos. Claro que, se a bateria acaba ou a mistura clara
termina, e a varinha mágica se mostra impotente, nós xingamos e
esbravejamos. Mas, de modo geral, quando tudo funciona bem, não
nos damos conta de nada.
NOSSA INDIFERENÇA ÀS MARAVILHAS
É nosso dever notar essas maravilhas e, por isso, em janeiro de
1935, Chesterton confrontou a amnésia tecnológica em uma coluna
sobre as maravilhas modernas, intitulada “Nossa Indiferença às
Maravilhas”.6 Essa ainda continua a ser uma das mais importantes
contribuições para os cristãos na era digital. Em sua coluna,
Chesterton se ocupa de desenvolver seu ponto de vista sobre o
paganismo pungente:

Diga-me que o homem de negócios apressado é impelido à oração ao


mero som da campainha do telefone, tal como os camponeses de Millet
são no Angelus; diga-me que ele se curva em reverência quando se
aproxima do santuário da cabine telefônica; diga-me que ele o saúda
com um ritual pagão, e não cristão, que ele oferece seu ouvido ao
receptor como ao oráculo de Delfos, ou pensa na jovem telefonista em
uma banqueta de escritório como uma sacerdotisa sentada sobre uma
trípode em um templo distante; ou até mesmo diga-me que ele tem uma
apreciação poética ordinária da ideia de que a voz humana chega
através de montes e vales — tanto apreço a ele quanto os homens
tinham sobre a canção de Rolando ou o grito de Aquiles — diga-me que
essas cenas de adoração ou agitação são comuns no escritório com o
recebimento de uma chamada telefônica e então (após a presunção
preliminar de que eu acredito no que você diz), só então, de fato, eu
seguirei seu homem de negócios movimentado e seu inventor científico
e ousado para a conquista de novos mundos e o dimensionamento das
estrelas. Pois então saberei que eles realmente descobrem aquilo que
querem e entendem o que descobrem; eu saberei que eles, de fato,
acrescentam novas experiências às nossas vidas e novos poderes e
paixões às nossas almas; que eles são como homens descobrindo
novas línguas, ou novas artes, ou novas escolas de arquitetura. Mas
tudo o que eles podem dizer é que conseguem inventar coisas que
geralmente são conveniências comuns, mas, na maioria das vezes, são
inconveniências comuns.7

Nesse excerto, Chesterton alimenta a mitologia pagã com uma


dose de esteroides. Resumindo isso em minha própria tradução, ele
parece estar dizendo que o pagão pré-moderno era mais adequado
à era tecnológica do que o materialista secular é atualmente.
Chesterton foi um profeta que viu a aurora de um mundo
desencantado e mecânico dominado pelas técnicas da tecnologia. E
ele viu os seres humanos responderem como se fossem robôs sem
afeto. Assim, nessa coluna, ele vem correndo em nossa direção
com as mãos para cima, acenando em sinal de protesto. E sua
discordância soa verdadeira nos dias de hoje: “O sistema moderno
pressupõe que as pessoas vão encarar o mecanismo
mecanicamente; e não que as pessoas o encararão misticamente”.8
Esse era o medo dele. Chesterton acreditava que o materialismo
estava por trás de ambas as ideias: o telefone nos condenará ou o
telefone nos salvará. É tão idólatra blasfemar contra um telefone
quanto é adorar um telefone. A solução é desfrutarmos, de maneira
sábia, do celular — de forma imaginativa, transcendental, como algo
que deveria aprofundar nossa admiração.
Assim, quando um sociólogo moderno diz que apenas aqueles
“capazes de dessacralizar a tecnologia são capazes de começar a
procurar significado e esperança em outros lugares”, está certo em
um sentido.9 Nossa esperança redentora final não repousa na
tecnologia. Nós usamos a tecnologia para fins específicos. Mas
Chesterton também nos impele a uma direção saudável. Embora o
tecnofetichismo, como um fim em si mesmo, nunca seja o objetivo, a
solução não é simplesmente ignorar o celular. Chesterton nos proíbe
de nos tornarmos cegos para esse poder de tirar o fôlego que
nossos telefones possuem, o qual pode ser rastreado à glória de
Deus. Assim nos achegamos ao bipe de uma mensagem não com
um tsk de irritação pela intrusão, mas como um lembrete para um
maravilhamento saudável.
GRATIDÃO ÀS LÁGRIMAS
Minha vida será regida por uma das duas perspectivas: um temor
centrado em Deus, em um mundo encharcado por sua glória e
governado por sua presença soberana, ou um ateísmo tecnológico,
alheio a Deus, com fé nas técnicas e nos controles corretos para
governar a realidade desencantada e mecanicamente conduzida do
mundo.10 Essa é a decisão que encaramos sempre que pegamos
nossos telefones.
Perto do final da minha pesquisa para este livro, perguntei a John
Piper como ele usa a tecnologia no cumprimento do propósito e da
vocação de sua vida, e ele foi rápido em despejar sobre mim todas
as maneiras como seus aplicativos e softwares da Bíblia têm
alimentado sua alma ao longo dos anos. Ao final, ele olhou para seu
notebook, iPad e iPhone, todos posicionados sobre a mesa, e disse
“eu quase choro de emoção de tão preciosos que são para mim”.
Sim, são ferramentas brilhantes, feitas principalmente por homens e
mulheres que não são submissos a Deus, ele reiterou, e também
são ferramentas que podem dar abertura a milhares de tentações
convenientes, mas se usadas com cuidado e disciplina, as
ferramentas digitais são, nas palavras de Piper, “um baú de tesouros
das glórias de Deus”.11
Desejo profundamente ter a disciplina dele — para usar meu
telefone como um meio de encontrar verdadeiramente a Deus, de
aproveitar com gratidão todo o seu valor eterno. Mas para muitos de
nós, que não têm essa maturidade, a tecnologia tende a alimentar
nossa vaidade e matar nosso maravilhamento.
Na pior das hipóteses, nossos telefones são varinhas de poder
empunhadas por nossas mãos e prometem proteger nosso
isolamento pecaminoso, evidenciar nosso autoengrandecimento,
sustentar nossas torres digitais de autoelogio, alimentar nosso
materialismo, atrair-nos para os chamados vícios “anônimos” e
oferecer-nos um “escape” de nossa condição de criaturas. Não
podemos nos maravilhar com a tecnologia ao abusar dela. O
verdadeiro maravilhamento requer humildade. O maravilhamento é
a alegria especial de Deus reservada àqueles que se tornaram
como crianças e se humilharam sob o temor de um Pai divino. Com
humildade, tornamo-nos “maravilhados”, libertos do desencanto
secular, das promessas conduzidas comercialmente que o
materialismo não consegue cumprir e das armadilhas temporais, a
fim de contemplarmos mais claramente a glória de Deus tanto em
nossa tecnologia como através dela.
Quando usamos nossos celulares da maneira correta, suas telas
brilhantes irradiam o tesouro da glória de Deus em Cristo e, nesse
brilho glorioso, temos uma amostra da era maior por vir.
O QUE ESTÁ POR VIR
Cristo reina soberanamente sobre toda a tecnologia, mas toda a
tecnologia ainda não foi submetida à sua vontade moral.12 Quando
esse dia chegar, Deus vai revelar sua cidade santa diante de nossos
olhos. Essa cidade estará livre de todo pecado e será repleta de
inovações que parecem quase inimagináveis agora. O apóstolo
João nos dá uma prévia:

A estrutura da muralha é de jaspe; também a cidade é de ouro puro,


semelhante a vidro límpido. Os fundamentos da muralha da cidade estão
adornados de toda espécie de pedras preciosas. O primeiro fundamento
é de jaspe; o segundo, de safira; o terceiro, de calcedônia; o quarto, de
esmeralda; o quinto, de sardônio; o sexto, de sárdio; o sétimo, de
crisólito; o oitavo, de berilo; o nono, de topázio; o décimo, de crisópraso;
o undécimo, de jacinto; e o duodécimo, de ametista. As doze portas são
doze pérolas, e cada uma dessas portas, de uma só pérola. A praça da
cidade é de ouro puro, como vidro transparente (Ap. 21.18-21).
Essa esplêndida nova cidade será construída com as melhores
matérias-primas da Terra, suas joias e materiais preciosos reluzirão
a luz brilhante da nova criação — Jesus Cristo glorificado — e tudo
será deslumbrante!13 O sol do nosso céu é um mero espaço
reservado a uma glória por vir que será sete vezes mais brilhante, e
toda essa nova criação será como verdadeira arte, que serve para
tornar o esplendor do Filho ainda mais brilhante e esplêndido.
Quão magnífica essa visão deve ter sido no tempo de João, em
Israel, onde as paisagens eram formadas por poeira, as casas eram
feitas de pedra, as ruas eram feitas de barro e a escuridão da meia-
noite era imbatível.
Talvez nossa imaginação centelhe com essas imagens? Séculos
de inovação tecnológica fazem a visão de João parecer mais
realista para nós. Podemos começar a imaginar um mundo sem
noite real, porque temos eletricidade para fazer brilhar a luz 24h por
dia, até mesmo para a realização de eventos esportivos ao ar livre.
Nossos arranha-céus urbanos de vidro são dourados, refletindo o
pôr do sol glorioso em um horizonte dourado. Podemos começar a
entender uma cidade sólida, radiante de glória e capaz de abraçar a
luz.
Mas nosso mundo ainda é apenas um reflexo pálido disso.
Nossas paredes mais fortes e nossas melhores estradas são de
aço, concreto e asfalto preto, e não de ouro transparente. O vidro
não pode suportar o peso de nossas cidades e, até que isso
aconteça, a glória não pode passar através do nosso mundo da
forma como passará no novo mundo sobre o qual acabamos de ler.
Por ora, somos constantemente iluminados pelos retângulos
oscilantes de nossos dispositivos, e não pela glória da presença
física de Cristo de maneira contínua.
O ponto da Escritura é que a cidade ímpia da Babilônia, com todo
o seu maquinário sem Deus, será arrancada e lançada fora para dar
lugar à cidade de Deus, a Nova Jerusalém, que brilhará com vistas
e tecnologias inimagináveis no agora e será superior a toda
engenhosidade e expectativa humanas.14
Nossa maior necessidade na era digital é contemplar a glória do
Cristo invisível no fraco brilho azulado de nossas Bíblias pixelizadas,
pela fé.15 Mas na nova criação, na cidade terminada por Deus,
apreciaremos o esplendor ardente de Cristo, por meio de nossa
própria visão. Esse momento marca o auge de nossas vidas,
quando somos transfigurados em portadores da imagem perfeita de
Deus.16 Nessa visão beatífica, nossas almas serão arrebatadas e a
alegria se alastrará a partir de nossos corações para sempre, em
uma eternidade sem noites. A nova criação cumprirá o desejo e a
oração de Jesus de que habitássemos com ele, e não apenas por
um mero momento esplêndido,17 mas permanentemente, na luz de
sua glória perene.18
DE VOLTA PARA O FUTURO
Portanto, não, não é estranho terminar nossa jornada usando o
telefone castiçal. Nossas tecnologias vêm e vão na moda como um
raio, e o smartphone ao qual nos apegamos com tanto apreço hoje
será, em breve, descreditado à luz de inovações mais novas e
melhores. No fim, todos os nossos dispositivos atuais serão
deixados de lado quando Deus revelar seu plano principal para onde
a tecnologia estava nos conduzindo durante todo esse tempo.
Eu não estou dizendo que a tecnologia é inútil; certamente não
estou dizendo que toda a tecnologia vai existir na eternidade; e
espero sinceramente que as tecnologias e as plataformas sociais
que estavam na moda quando escrevi este livro tenham entrado em
obsolescência, abrindo espaço para outras novas — e melhores —
ao nosso alcance. Nossos “eus” futuros vão olhar para trás, para
nossos “eus” do presente, e rir de nossos retângulos brilhantes,
fones de ouvido com fio, fios emaranhados de carregadores e
baterias limitadas. Os dispositivos desajeitados que agora
carregamos como inovações mais recentes serão quase tão
irreconhecíveis para nossos netos quanto fitas cassete são para
meus filhos. Estamos perdendo tempo com nossos celulares como
criaturas finitas que podem apenas viver no espaço e no tempo.
Podemos beliscar nossos próprios rostos com o temor de
Chesterton sobre o telefone castiçal, mas o fato permanece: o
celular é a tecnomaravilha de nossos dias. Ele é celebrado como o
dispositivo mais influente na história da humanidade. E, mesmo
assim, está falecendo. Está se tornando obsoleto. E somos
chamados a usar o nosso celular com inteligência, pois, em Cristo,
nos movemos em direção a uma cidade resplandecente, cheia de
glória e inovação, que vai ofuscar nossos celulares a uma memória
nebulosa.

1. Veja as conclusões para minha família em Tony Reinke, “Walk the


Worldwide Garden: Protecting Your Home in the Digital Age”, Desiring God.
Disponível em desiringGod.org (14 maio 2016).
2. Oliver O’Donovan, entrevista com o autor por email (10 fev. 2016).
3. G. K. Chesterton, The Collected Works of G. K. Chesterton, v. 35, The
Illustrated London News: 1929-1931 (São Francisco: Ignatius, 1991), p. 252.
4. Nas palavras de um romancista moderno, “Quanto mais atraentes as
coisas com alta tecnologia se tornam, menos sou capaz de sentir qualquer
coisa acerca disso”. Charles Yu, “Happiness Is a Warm iPhone”, The New
York Times. Disponível em nytimes.com (22 fev. 2014).
5. G. K. Chesterton, The Collected Works of G. K. Chesterton, v. 37, The
Illustrated London News: 1935-1936 (São Francisco: Ignatius, 2012), pp. 22-
23.
6. Ibid., 21-24.
7. Ibid., pp. 23-24, ênfase original.
8. G. K. Chesterton, The Collected Works of G. K. Chesterton, v. 5, The
Outline of Sanity; The End of the Armistice; Utopia of Usurers—and Others
(São Francisco: Ignatius, 1987), p. 152.
9. Richard Stivers, Shades of Loneliness: Pathologies of a Technological
Society (Lanham, MD: Rowman & Littlefield, 2004), p. 121.
10. Veja em Tony Reinke, “The Rise of the Modern Control Freak”. Disponível
em tonyreinke.com (16 mar. 2016).
11. John Piper, entrevista com o autor via Skype, publicado como “How Do
You Use Your iPhone and iPad in Christian Growth?”, Desiring God.
Disponível em desiringGod.org (1o abr. 2016).
12. Hebreus 2.8.
13. Isaías 60.19; Apocalipse 21.11, 23; 22.5.
14. Isaías 60.17-22. Será que a visão em Apocalipse sugere um avanço
tecnológico geral elevado na nova criação? Sim e não. Eu realmente acho
que João viu inovações que ele não poderia colocar completamente em
palavras, mas não estou sugerindo que as joias embutidas nas paredes sejam
realmente telas sensíveis ao toque, luzes de LED ou qualquer coisa parecida
com os avanços tecnológicos aos quais estamos familiarizados hoje,
simplesmente projetados em sua visão. Devemos nos abster tanto de
imaginar uma eternidade sem tecnologia que seja completamente
desvinculada da inovação humana como de pensar que o que torna o céu em
céu é a sua tecnocultura. A glória onipresente do Cordeiro será a peça central
da eternidade, e toda tecnologia futura servirá a ele. No entanto, também
acredito que a história redentora sugere que devemos esperar continuidade
entre os avanços tecnológicos na história humana e a tecnologia que
aparecerá na eternidade, incluindo coisas como viagens aéreas. Se o domínio
humano e o trabalho existem no mundo celestial, e eu acredito que eles
existam (Mt 25. 14-30), então também devo acreditar que a eternidade
continuará a nos fornecer um estágio em que descobriremos infinitos avanços
tecnológicos de uma forma muito superior a qualquer coisa que conhecemos
na Terra, mas não deslocados da trajetória tecnológica que estamos
testemunhando agora. A graça vai purificar e aperfeiçoar nossas intenções
tecnológicas, embora devamos deixar espaço para muita ambiguidade em
nossas previsões.
15. 2Coríntios 3.12–4.6.
16. 1João 3.2.
17. Mateus 17.1-8; Marcos 9.2-8; Lucas 9.28-36.
18. Owen, Meditations and Discourses on the Glory of Christ, in The Works of
John Owen, ed. William H. Goold (Edinburgh: Banner of Truth, 1965), v. 1, pp.
273-461.
AGRADECIMENTOS

Viver com sabedoria na era do celular requer desfazer um nó


extremamente complexo de questões, e eu precisei de ajuda para
isso. A urgência da tarefa exigiu uma união de muitas mentes cristãs
que, humildemente, trabalharam em conjunto para chegar a
soluções profundas. Este livro aconteceu porque uma equipe de
amigos contribuiu, e todos eles merecem menção especial. (Embora
o tempo exponha os erros e a visão míope deste livro, eles são de
responsabilidade minha.)
Um agradecimento especial aos teólogos que concordaram em
responder a perguntas sobre a tecnologia em entrevistas comigo, e
nenhum outro mais do que John Piper, que respondeu a centenas
de perguntas minhas no podcast diário Ask Pastor John [Pergunte
ao Pastor John]. Pastor John, sua disposição de enfrentar uma
dúzia de perguntas sobre tecnologia para podcast (e, em última
análise, para os leitores deste projeto) foi muito apreciada. Eu amo
seu exemplo, aprecio sua amizade e agradeço a Deus pela maneira
como você modela as obras de exegese, teologia e ética com a
devida seriedade.
Seguem agradecimentos especiais a vários outros teólogos,
historiadores, filósofos, eticistas, pastores e artistas que
concordaram em ser entrevistados por mim sobre vários temas da
tecnologia: Francis Chan, Matt Chandler, Sinclair Ferguson, Craig
Gay, Douglas Groothuis, Bruce Hindmarsh, Tim Keller, Trip Lee,
Peter Leithart, Richard Lints, Oliver O’Donovan, Ray Ortlund, David
Powlison, Alastair Roberts, Kevin Vanhoozer e David Wells. (Eu não
citei todos esses homens nas principais entrevistas, mas as
transcrições estão reunidas em tonyreinke.com.)
Celulares e mídias sociais nunca vão parar de mudar, e isso
significa que a sabedoria para um viver cristão na era digital será
sempre o produto do diálogo em curso entre os líderes cristãos,
pais, amigos e igrejas locais. Espero que este livro ajude a
desencadear muitas novas conversas. Os amigos que dialogaram
comigo ao longo deste livro incluem Joe e Sylvie Osburn, que
investiram uma quantidade incrível de pensamento e interação
crítica, como fizeram John Dyer, Janice Evans, Tracy Fruehauf,
Gloria Furman, Jasmine Holmes, Brad Littlejohn, David Murray, Kim
Cash Tate e Liz Wann. Obrigado a todos vocês!
Obrigado a quatro editores-chave: Alastair Roberts, Paul Maxwell,
Jon Vickery e Bryan Dewire, o melhor amigo de um pesquisador,
que conseguiu o correspondente a um alqueire de artigos digitais
relevantes sobre tecnologia.
Um obrigado geral a toda a equipe Crossway, por sua excelência
continuada em cada nível de publicação, e um agradecimento
especial ao meu conselheiro e amigo Justin Taylor, por fazer este
projeto acontecer. E obrigado ao meu editor sábio e redator
estratégico Greg Bailey, que enriqueceu todas as páginas deste
livro. É uma honra trabalhar com você e contar com o benefício de
sua excelência editorial.
O design da capa requer um enorme agradecimento ao designer
visionário Josh Dennis, da Crossway, que imaginou o iPhone Guy; a
Don Clark, da Invisible Creature Inc., que a projetou; e a Curtis
Clark, um perito construtor de violões, que ganhou a vida com seus
conhecimentos de carpintaria. A imagem da capa nunca vai
representar plenamente sua escala (o iPhone Guy tem 1,83 metro
de altura e pesa mais de 130 quilos!). Josh, Don, Curtis — sou grato
a Deus pela experiência, inovação e gênio artístico de todos vocês.
Agradeço aos nossos três filhos preciosos — Jon, Christabel e
Bunyan. Quando escrevo livros em silêncio, muitas vezes imagino
que estou falando com vocês, ou, mais precisamente, escrevendo
para seus “eus” futuros. Então, quero agradecer a vocês (seus “eus”
atuais) por me suportarem e me amarem enquanto eu escrevia este
livro, e dizer olá e um muito obrigado a vocês (seus “eus” futuros)
por lê-lo. Amo vocês.
Acima de tudo, agradeço ao meu Salvador e meu Deus pela
graça que me concedeu. E logo em seguida, agradeço a você,
Karellee, minha esposa. Talvez eu não entenda como as
dedicatórias funcionam, porque este é meu terceiro livro dedicado a
você — e é difícil pensar em alguém mais merecedor. Você acredita
em mim, apoia meu trabalho de infinitas maneiras e edita cada frase
com grande habilidade de dar sentido ao que estou tentando dizer.
Eu só consigo escrever livros porque tenho você ao meu lado.
TONY REINKE é jornalista e atua como escritor sênior
no Desiring God (desiringGod.org). É o apresentador
do podcast Ask Pastor John, programa com o teólogo
John Piper, e autor do livro Lit!: um guia cristão para
leitura de livros (Editora Concílio, 2019). Também
escreve no blog tonyreinke.com.
A Editora Concílio nasceu em 2016 da amizade de alguns irmãos
que foram unidos pela cruz de Cristo no desejo de disponibilizar
mais obras cristãs de qualidade à igreja brasileira.

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www.editoraconcilio.com.br

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