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Acessar o controle de esfíncteres

Dra. Myrtha Chokler

O controle de esfíncteres é um dos indicadores de uma importante etapa do desenvolvimento


integral, integrado e, por sua vez, integrador de uma criança pequena.

Implica a captação, o registro e a discriminação-identificação sensitiva da tensão e incômodo


progressivo que vão inundando partes precisas de seu corpo.

Simultaneamente, requer o entendimento pessoal da responsabilidade, por escolha própria, de não


se deixar caminhar para a evacuação-satisfação imediata de suas necessidades biológicas. Escolhe-
se, portanto, encarregar-se de si mesmo para se integrar à ordem social e simbólica da cultura dos
adultos. A motivação fundamental desta decisão consciente é o desejo de ser e “fazer” como “os
grandes”.

Mas isto é possível porque a criança quer, pode – por sua maturação neurológica e seu
desenvolvimento emocional, cognitivo e social – e sabe contrair a musculatura precisa de partes não
visíveis de seu corpo em um instante preciso, com a força adequada, durante o tempo necessário
para reter e evitar a perda de produtos de seu próprio corpo – neste caso a urina ou as fezes – para
relaxar a mesma musculatura e deixá-los ir embora depois, em outro tempo, lá, em um local
socialmente aceito. Esta coordenação complexa, voluntária, esta “sinergia” sobre o que tensionar e
o que relaxar, onde e quando, não é de modo algum automática nem reflexiva, tampouco somente
voluntária.

A criança tem a capacidade também de decidir que, apesar de estar ocupada em outra atividade,
talvez em pleno instante apaixonado de sua brincadeira aqui e agora, pode e quer renunciar ao
prazer imediato, mudar o centro de interesse e focar a atenção em outro processo para organizar
uma sequência de ações que lhe permitirá chegar sem maior problemas ao destino antecipado: o
“lugar” preciso no tempo preciso.

Esta sequência de ações não é possível sem um grande domínio de seu próprio corpo, (integração
suficiente de seu esquema corporal, da imagem mental, consciente e inconsciente de seu corpo) em
todo o decorrer das situações de mudança. Deverá talvez selecionar, preparar e concretizar diversas
mudanças posturais: ficar em pé, tensionando e afrouxando certas partes do corpo em uma dinâmica
equilibrada, sem relaxar ao mesmo tempo os músculos de partes ocultas que devem reter um
instante ainda seus conteúdos.

Além disso, requer se sentir suficientemente seguro emocionalmente para não ter medo de se
distanciar do lugar onde está, de perder “coisas de seu corpo” – que são definitivamente “partes de
si mesmo”. E, sobretudo, não temer o “fracasso humilhante” de não chegar a tempo, o que acontece
muitas vezes como profecia autorrealizada. Quanto maior a ansiedade por não conseguir, maior o
risco de não conseguir.

Em síntese, significa que como sujeito competente a criança pode previamente integrar as regras
sociais, a ordem simbólica de sua cultura, que determina entre outras coisas que “isso” se faz “aqui
e agora”, ou “depois e lá”. Então, ao se identificar com os mais velhos, jovens ou adultos, já pode,
sente-se capaz e decide adotar suas normas de conduta, pelo menos esta, de maneira assídua e
praticamente para sempre.

Levando-se em conta tudo o que se vai conhecendo sobre os ritmos de amadurecimento –


absolutamente individuais – em cada criança, a multicausalidade e a complexidade dos processos de
desenvolvimento, valoriza-se cada vez mais a função que tem a confiança nas próprias capacidades
e competências para que cada um vá adquirindo – em seu tempo e em seu nível – as condutas
“socialmente qualificadas”. Ao mesmo tempo se reconhece a necessidade de respeito das
iniciativas, da autonomia e da qualidade afetiva que sustenta a evolução infantil. Por isso é evidente
que o controle de esfíncteres em uma criança não requer um treinamento, nem um
condicionamento, muito menos um ensino especial marcado por recompensas e punições, mas sim
implica para a criança o acesso a um status particular do processo de “humanização”, de
socialização e de inclusão nesta cultura particular. Constitui então uma etapa da ontogênese e da
psicogênese.

Por outro lado, a experiência e a literatura especializada reconhecem a quantidade de disfunções


posteriores em diversas áreas como consequência do sofrimento provocado à criança pela
impaciência ou desconhecimento dos adultos e pelos métodos coercitivos, mais ou menos forçados
ou violentos para “educar” o controle esfincteriano. Educação e/ou coação que comprometem zonas
muito íntimas do próprio corpo que estão ligadas à genitalidade, ao desenvolvimento da consciência
de “gênero” e também, claro, da sexualidade. Situações cotidianas vividas em uma trama relacional
carregada emocionalmente com outro ou outros que reconhece(m) e respeita(m) o corpo íntimo da
criança, seu nível de desenvolvimento e de integração egóica, suas decisões acerca de si mesma. Ou
outros, familiares, cuidadores ou professores que se apropriam do corpo da criança incitando-a,
seduzindo-a com prêmios ou atemorizando-a com castigos às vezes sutis mas não menos eficazes
para gerar uma dose de desolação, desamparo, desorientação. Outro(s) que a impelem a realizar
aquelas condutas para as quais talvez não se sinta suficientemente segura, enchendo-as de atributos
e juízos do que é bom ou mau, do feio, do sujo e asqueroso, de fazê-las para gratificar o adulto, para
ser por ele valorizada, com o medo e a ansiedade de não ser aceita se não cumpre com as
expectativas, de se sentir desqualificada e envergonhada perante os outros, culpabilizada por não ter
alcançado ainda as complexas condições fisiológicas e psicológicas para “controlar os esfíncteres”.
Como se ela realmente pudesse ser a responsável pelo seu próprio ritmo de amadurecimento.

Um ambiente afetivo e a confiança nas potencialidades da criança permitem a ela desenvolver por si
mesma um sentimento de eficácia e autoestima que geram alento não só na exploração de suas
próprias características, de seu funcionamento e do seu entorno, e que a torna capaz por imitação da
assimilação e da identificação com os pares e os adultos significativos, de se apropriar das regras da
sociedade, de seus sistemas de valores, de suas normas, assim como dos limites e das proibições
que conformam a ordem simbólica organizadora de uma comunidade.

As crianças, em um ambiente acolhedor e interessante, estão atentas às demais e se regozijam de


poder imitá-las.

Não é preciso portanto um treinamento para seu controle de esfíncteres, mas sim um
acompanhamento no caminho da aquisição de novas competências, como esta, quando ela se sinta
intimamente preparada para se decidir por renunciar à comodidade da fralda e da satisfação
imediata das necessidades, manifestando interesse e desejos de aceitar e exercer um comportamento
indubitavelmente muito mais difícil, identificando-se com o mundo dos mais velhos.

É importante levar em consideração que a lógica do pensamento e as emoções de uma criança são
diferentes da de um adulto. Mas além disso, o que sentiria um adulto que,de repente vê saírem e se
desprenderem e caírem algumas coisas impensadas de seu corpo? Objetos sobre os quais têm um
diferente nível de percepção, de consciência, porque antes ficavam retidos na fralda e nem sequer
podia associar as sensações corporais aos produtos que não pode reter. Para a criança, é preciso um
nível importante de organização do esquema corporal e de aceitação de suas próprias mudanças, de
segurança em si mesma e no outro e no ambiente e na consequente diminuição do medo da perda. É
difícil “deixar sair coisas de si”, depositar partes de si em um lugar desconhecido e ameaçador.
Várias pesquisas confirmam que o verdadeiro controle voluntário dos esfíncteres não é resultado
simplesmente do amadurecimento neuromuscular – requisito indispensável – nem um aprendizado
condicionado de um hábito. É necessário que a criança tenha atingido a consolidação de uma
consciência especial de si que lhe permita identificar sensações difusas. Quão semelhantes ou quão
diversas na intensidade, na localização em lugares diferentes, internos, não visíveis, não acessíveis,
de um corpo próprio e mutante e tão desconhecido? Requer-se que possa prestar atenção suficiente,
deslocá-la do brincar ou da ação que a ocupava para desviá-la e concentrá-la nessas sensações
irrefreáveis que abrem ou fecham orifício diversos do próprio corpo que, pelos avatares cotidianos e
“os valores culturais” estão ligados ao desprazer da tensão, ao prazer do alívio e às vezes à dor que
a aterroriza, ao permitido e ao negado, ao “sujo” que a envergonha, ao olhar ou à palavra adulta que
a julga e até a humilha.

Isto vai acontecendo, e não por acaso, em uma etapa de seu desenvolvimento em que coincidem
outros comportamentos que dão conta do processo de estruturação e integração de sua
personalidade, que requer certo nível de amadurecimento tanto fisiológico como emocional e
cognitivo. Os indicadores deste nível de integração psíquica são a) referir a si mesma na primeira
pessoa – aparece cada vez mais frequente o EU, o uso dos verbos em primeira pessoa –, o
reconhecimento de que quando outra pessoa disse “EU”, não se refere a ela mas a outro como si
mesmo. b) atingir o fechamento dos grafismos circulares que antecipa o esboço das primeiras
representações da figura humana, entre outros e c) o amadurecimento neurológico que permite o
domínio de certas coordenações motrizes alternadas e simétricas, como subir em uma série de
degraus, por exemplo.

As crianças necessitam seguramente de se sentirem acompanhadas com empatia e compreensão em


seus esforços – às vezes concluídos ou não – de modo sustentado durante bastante tempo. Tempo
que lhes é próprio, normalmente ao longo de pelo menos um ano, período que lhes permite adquirir,
passo a passo, novos conhecimentos de si mesmas, de ensaiar muitas vezes como se controlar e
assumir a responsabilidade de se conter aqui e agora, discriminando e recordando simultaneamente
a existência de outros espaços e de outros tempos pertinentes para deixar suas excreções mais tarde,
mas para lá no lugar apropriado.

O controle estável dos esfíncteres é então uma função do Eu, assim deve ser compreendida e
atendida. A possibilidade de estabelecer uma autorregulação em seu próprio ritmo, sim a coerção do
adulto, preserva as crianças de transtornos consideráveis a curto e longo prazo, concentrados ou
deslocados em distintas áreas da personalidade.

Buenos Aires, 2006

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