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Corpos que Comunicam -

a Expressão Corporal em Arte-Terapia/Psicoterapia

Trabalho Final do Bloco Teórico-Clínico


Magda Prata Simões

Maio de 2019
Índice

1. Sobrevoando a evolução histórica do mediador Expressão Pág.


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Corporal, de uma perspetiva artística e terapêutica

2. Mergulhando no caudal de potencialidades terapêuticas Pág.


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simbólicas e expressivas do mediador Expressão Corporal

3. Dançando com as particularidades do mediador Expressão Pág.


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corporal em termos do processo criativo, do fazer artístico
e do produto criativo enquanto objeto de significação

4. Cozinhando as características da utilização do mediador Pág.


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Expressão Corporal nos diferentes modos do Modelo
Polimórfico

Pág.
5. Abraçando o leque de possibilidades técnicas 56
proporcionado pelo mediador

6. Tocando as diferentes componentes da relação terapêutica e as suas particularidades face Pág.


62
ao mediador da Expressão Corporal

7. Esculpindo as Reflexões Finais Pág.


74

8. Referências Pág.
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Resumo

Era uma vez um mediador que se me afigurou distinto dos outros, trocámos olhares cúmplices, sorrimos, as nossas mãos
tocaram-se e os nossos corpos uniram-se e desenharam movimentos ondulantes no horizonte... Assim, este apelo distante
tornou-se irresistivelmente próximo e configurou-se na conceção deste trabalho sobre “corpos que comunicam” ... ou, mais
precisamente, sobre o mediador da Expressão Corporal. Este trabalho versa sobre uma odisseia aos meandros do corpo e da
sua expressão. Sobrevoando a sua evolução histórica de uma perspetiva artística e terapêutica, pretende-se encetar um
reconhecimento do terreno e um enquadramento do tema. Segue-se um atrevido mergulho no caudal das suas
potencialidades terapêuticas simbólicas e expressivas. Inspirada pelo refrescante mergulho, não recusei uma dança com as
suas particularidades, em termos do processo criativo, do fazer artístico e do produto criativo enquanto objeto de
significação. Com o corpo cansado e o estômago apertado a acusar a fome...decidi cozinhar as características da utilização
do mediador Expressão Corporal nos diferentes modos do Modelo Polimórfico. Já mais sossegada com a nutritiva e saborosa
refeição, decidi dar um passeio para fazer a digestão...abraçando o leque de possibilidades técnicas proporcionadas. Mas, o
sono não tardou e a necessidade de dormir acenou...fechei os olhos e descobri o caminho de volta tocando as diferentes
componentes da relação terapêutica e as suas particularidades. Por fim, o sono tomou conta de mim...e ao mundo onírico
cedi... esculpindo as minhas reflexões finais. No início da vida, a comunicação não verbal desenvolve-se como uma
linguagem vital. A primeira experiência de comunicação do ser humano é sensorial. Ainda no ventre materno, recebemos
estímulos que desencadeiam em nós uma série de reações. No nascimento, o primeiro contato com o mundo dá-se através
da pele, pelo tato. Nesse período, criamos vínculos, experimentamos sensações, preparamo-nos para nos tornarmos seres
independentes no futuro, capazes de desenvolver formas cada vez mais especializadas de comunicação. Porém, a linguagem
corporal continua a ser fundamental para uma vida sadia. A nossa linguagem corporal anseia por afirmar o nosso “Eu”. Os
gestos também fazem parte da expressão artística, assim como o instrumento é o prolongamento da mão, o mundo é o
prolongamento do corpo. O movimento é uma matriz de projeção, sobre a qual a experiência interior pode efetuar-se como
imagem. A linguagem do corpo brota de imagens internas e a expressão dessas imagens é importante no nosso
desenvolvimento como indivíduos (Zimmerman, 2009). Esse contato do mundo interior, das emoções, das necessidades e
desejos com as suas formas expressivas é que permite a transformação das ações físicas em ações simbólicas. O corpo (e os
seus movimentos) pode, então, ser vivenciado como simbólico, já que expressa o que se passa no nosso íntimo. O trabalho
corporal pode ser o fio condutor do processo terapêutico, uma vez que corpo e mente estão sempre ligados... Os nossos
sistemas psíquico, neurológico, endócrino e imunológico estão interligados - corpo e psique estão em constante inter-relação.
A Expressão Corporal é a manifestação de sentimentos ou de sensações internas, tanto quanto de conteúdos mentais,
através de movimentos representativos ou simbólicos do corpo. A linguagem do nosso corpo é a comunicação não-verbal,
pois utilizamos gestos, posturas e movimentos. Os instrumentos mais comuns da expressão corporal são: o corpo, a voz, o
som, o ritmo, o gesto, a postura, o movimento, o espaço, o tempo. O movimento corporal tem um significado profundo e
revelador da realidade somática interna, seja na sua realidade espacial, como projeção da imagem corporal ou na sua
expressão dinâmico-afetiva na ação, ambos influenciando decisivamente a experiência dos relacionamentos. Quando nós,
adultos, dirigimos a nossa atenção para o corpo, e procuramos restabelecer a ligação com ele, ocorre uma espécie de
regresso ao maternal arquetípico, para a relação entre mãe e filho na primeira fase da vida. A atmosfera afetiva daquela fase
em que a pessoa viveu quase que exclusivamente como corpo, bem como as sucessivas modificações posteriores, poderão
emergir e manifestar-se em muitas imagens. O encontro com o corpo no movimento poderá trazer, além da renovação das
forças, a ampliação da consciência e um fluir livre da energia vital. Pode-se dizer que os estados emocionais de uma pessoa
se expressam numa sensação espacial interior que se manifesta na postura do corpo e no padrão de movimento. O corpo
pode também tornar-se um arquivo vivo de experiências não assimiladas, sendo por isto, considerado sombrio e perigoso. A
expressividade espontânea, antes das artes, reside na linguagem corporal. O corpo é um canal de comunicação entre
consciente e inconsciente, tornando-se fundamental o reconhecimento da consciência corporal. Daí a importância da
sensibilização no trabalho arte-terapêutico, onde acedendo às vivências corporais a pessoa pode ganhar consciência do seu
corpo (ou partes do seu corpo) - através da dança, massagem, toque ou relaxamento pode tomar consciência da tensão ou
relaxamento da musculatura, antes e/ou depois de um movimento corporal. Existe também um corpo que se expressa
(movimento) silenciosamente, usando o olhar, uma contração facial, um sorriso, um mover-se para trás, um cruzar os
braços, etc., que não necessita de palavras para expressar a sua verdade mais íntima (por vezes desconhecida pela mente
consciente, mas não pela mente inconsciente). Assim, o conhecimento sobre o nosso corpo requer dedicação, atenção e
observação - consciência. Desta forma, podemos perceber o movimento do nosso corpo, inclusive o movimento da
consciência, porque a consciência também tem o seu movimento - é um processo de despertar os nossos sentidos. A Arte-
terapia utiliza a força da experiência criadora como forma de auto-conhecimento e de transformação do ser humano. Deste
modo, a criatividade ocupa uma posição central entre a arte e o processo terapêutico, pois o fazer criativo fornece a base
para a leitura do que pode ser transformado. O fazer criativo está carregado da subjetividade de quem o exerce, e esta é
expressa através dos diversos símbolos utilizados nas imagens criadas. Desta forma, através de uma observação mais
cuidadosa, possibilitada pela relação terapêutica, as construções e criações reveladas constituem-se meios de auto-
conhecimento que, bem compreendidos, podem auxiliar no desenvolvimento do ser. A criação artística ajuda a reforçar os
aspetos saudáveis, abre as portas da sensibilidade, possibilitando a construção de meios para a transformação pessoal.

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1. Sobrevoando a Evolução Histórica do Mediador Expressão
Corporal, de uma Perspetiva Artística e Terapêutica

Desde a alvorada da nossa história, os seres humanos têm empreendido


inúmeros esforços para compreender e expressar-se em relação ao
ambiente natural e social, mas também relativamente ao self (ou
sentimento de si mesmo). Este empreendimento tem estado a par e passo
com a necessidade de aliviar o sofrimento humano, de abordar as nossas
questões existenciais e de reafirmar a harmonia e a integridade. Nos
tempos antigos, esta demanda encontrou expressão no domínio das artes,
nas práticas de cura e nos rituais. Poder-se-ia dizer que a terapia, a cura, a
arte e o sagrado têm estado interligados desde há milhares de anos.

Tradicionalmente, os xamãs de uma tribo eram os responsáveis por responder e preservar as necessidades
psíquicas da sua comunidade. J. Meerloo (1968) escreveu (em criatividade e externalização):

“Há séculos atrás a interação do canto rítmico e do movimento rítmico tornou-se um rito religioso, que
pretendia libertar o Homem do medo e dos fardos da separação e da morte. A dança do Homem da
medicina, do padre ou xamã, pertence às formas mais antigas de medicina e psicoterapia, em que a
exaltação comum e a libertação das tensões conseguiam transformar o sofrimento físico e psíquico numa
nova alternativa de saúde.”

Na antiguidade, o processo de cura e a expressão artística eram ambos uma parte integral da vida diária
da comunidade. Durante séculos, e em todas as culturas, a utilização de rituais tornou-se aquilo que se
pode chamar de uma forma de arte, através da qual as pessoas evocavam o espiritual, confrontavam os
desafios ameaçadores, celebravam a força da vida, e passavam de geração em geração a sabedoria e as
tradições da cultura e do conhecimento humano.

As necessidades individuais estavam relacionadas com e eram parte da experiência coletiva, encontrando
a sua expressão na pintura, nos contos, na partilha de sonhos e na dança. A arte era uma parte intrínseca
do funcionamento individual e de grupo, e funcionava como uma linguagem para comunicar e reconhecer
todos os aspetos da vida. A arte tinha um papel significativo na integração do individual, familiar e
grupal - desde as cerimónias que marcavam as passagens para a vida, a morte, o casamento, a guerra e o

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tratamento da doença e a interação com as forças da natureza - mas, também como forma de oração e
relação com o divino.

Nas culturas orientais, os grandes místicos sufis usavam as histórias, a poesia e a dança como ferramentas
de educação e práticas espirituais. A cultura Japonesa é rica em exemplos onde a arte surge em todos os
aspetos da vida, incluindo a medicina, o teatro, a jardinagem, a arquitetura, a sexualidade, a
espiritualidade e os assuntos da guerra. Os filósofos gregos, como Platão, enquadraram a prática das artes
na sua procura filosófica pela verdade e significado. Na sua obra, A República, Platão baniu os poetas da
cidade quando estes direcionaram a sua arte para fins decorativos em detrimento dos assuntos reais e
mais profundos da existência humana (Levine e Levine, 1999). Sócrates, enquanto aguardava encontrar-
se com a sua morte, voltou-se para a poesia para a sua contemplação final e ensino.

A civilização ocidental, influenciada pela perspetiva cartesiana de separação corpo/ mente, humanidade/
natureza, “realidades” objetiva/ subjetiva, sucumbiu a séculos de pensamento dualista. Apesar de
filósofos e místicos continuarem a honrar os caminhos da sabedoria relacionados com a consciência e
com o espírito, a principal corrente de compreensão da condição humana estreitou-se e ficou amplamente
restringida à autoridade e controlo dos ditos especialistas - membros do clero, cientistas e médicos que
detinham uma visão mecanicista da existência humana. Os sistemas de valores refletiam uma relação
desintegrada com o corpo, as emoções e o espírito. As coisas ligadas aos sentidos, à cura e às artes do
povo eram consideradas superstição, heresia ou provenientes de primitivos ignorantes. As artes caíram no
controlo dos ricos e poderosos, que as utilizavam com o objetivo de representar a sua estrutura de poder,
de providenciar um entretenimento superficial, um canal sensual e uma forma de compensar a ausência
de realização e de liberdade de expressão.

Com o advento das descobertas na ciência e na medicina, que permitiram à humanidade exercer novos
níveis de controlo sobre o meio ambiente, e sob a crescente influência do cristianismo, a visão
mecanicista substituiu uma perspetiva mais holística. O sistema de crenças da ciência, da medicina, da
arte e da religião, compartimentalizaram as necessidades humanas e o conhecimento em áreas de
interesse separadas, privando o corpo de ser o locus da experiência.

A progressão da história humana foi marcada pela separação entre corpo, mente e espírito, e por
tentativas de identificar e curar cada uma das partes. A arte, e o seu papel nas nossa vidas, também foi
afetada por este contexto histórico de separação. Ao contrário dos nossos parentes tribais, nos tempos
modernos tem havido uma tendência para perceber a expressão artística como responsabilidade e
privilégio de uns poucos selecionados. Tal como o pensamento dualista privou o corpo, a arte foi

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considerada uma província especial dos artistas “profissionais”. Ou seja, nós entregámos ao artista a
tarefa de refletir a nossa sombra coletiva, de explorar e atribuir significado às nossas necessidades e
doenças sociais através da criação artística e da performance. Uma das tarefas do artista tem sido
confrontar a sociedade com os seus perturbadores dilemas e chamar a atenção para as necessidades
coletivas não expressas. No entanto, em grande medida, o poder curativo das artes perdeu-se.
Atualmente, a maior parte da nossa arte tornou-se outra mercadoria no mercado, baseada no critério do
entretenimento, das modas e da manipulação, em vez de promover consciência ou resolver dilemas
sociais.

Por um lado, podemos ver o nosso materialismo refletido tanto nas obras de arte como nos artistas dos
nossos tempos. Por outro, também podemos ver como a arte exige que nos confrontemos com o nosso
mundo, e como consegue evocar as aspirações mais elevadas. Ambas as facetas descritas da arte refletem
as nossas próprias dicotomias e o mundo que criámos a partir delas.

Perante a falta de recursos disponíveis para trabalhar criativamente com o conflito, a perturbação e a
doença são um problema crescente que precisamos de abordar no contexto dos nossos tempos pós-
modernos. As artes podem responder a uma importante necessidade psicológica e social do simbólico, em
vez do atual agir da agressividade. O processo de criação artístico e o agir simbólico redireciona as
nossas energias e impulsos destrutivos, permitindo-nos reconhecer e elaborar criativamente o conflito e
transformar a nossa própria perceção acerca do assunto. Este processo de descentração desloca-nos das
nossas posições e experiências estabelecidas, muda as nossas perceções e abre novas possibilidades. A
arte, como uma peça criada ou como um processo criativo, contém a energia e o material do conflito para
que possamos conscientemente “olhar para”, “dialogar com” e “transformar” em formas que sejam
construtivas, inspiradoras e uma afirmação da vida. Sob esta luz, as artes, devem, uma vez mais ser
reintegradas tanto na vida individual como na vida comunitária.

No início do século XX, pensadores pioneiros de diferentes campos de estudo começaram a reintroduzir e
a reconceptualizar a perspetiva holística dos nossos antepassados, reivindicando o propósito criativo e o
poder das artes para curar, educar e facilitar a consciência.

A procura de uma vivência mais integrada e de uma compreensão holística, num mundo altamente
tecnológico, requer uma reintegração da sabedoria ancestral com o conhecimento, competências e
desafios do tempo presente. A aliança entre a arte e a cura encontra as suas raízes teóricas em algumas
das maiores escolas da psicologia.

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Na cultura humana, a procura de compreensão do movimento corporal e da sua ligação com os processos
cognitivos, emocionais e relacionais remonta à Grécia antiga. O conhecimento de como o movimento
corporal reflete e afeta os processos cognitivos, emocionais e relacionais, tem aplicações práticas
abrangentes, como por exemplo no desenvolvimento de competências de comunicação, na aprendizagem
e ensino, no diagnóstico e nas terapias em diferentes contextos clínicos. Atualmente, a disseminação dos
meios de comuicação visuais em todas as culturas implica que não apenas a palavra escrita ou falada, mas
também o corpo humano em movimento, contribuem substancialmente para a transferência de
informações. Dada esta situação, torna-se cada vez mais importante construir um conhecimento
empiricamente fundamentado acerca de como o movimento corporal reflete e afeta a capacidade
cognitiva do indivíduo e os processos emocionais, de como promove a comunicação e regula a interação.

Não surpreendentemente, em numerosas disciplinas académicas, o potencial expressivo e comunicativo


do comportamento de movimento é um foco de interesse, como em psicologia, ciências da saúde
(incluindo medicina), linguística, antropologia, sociologia, desempenho físico humano e recreação,
estudos de meios de comunicação, artes, estudos culturais e étnicos, estudos de género e sexualidade,
ciências informáticas, educação, etc. Além disso, muitas formas de terapia, como a terapia do movimento
através da dança, a psicoterapia corporal ou a reabilitação neurológica, usam o movimento corporal como
meio terapêutico. No entanto, o interesse no movimento corporal e na sua ligação com os processos
cognitivos, emocionais e relacionais não é um fenómeno recente, mas tem uma longa tradição histórica.

É importante ressaltar que, apesar de terem sido realizados muitos estudos de investigação, não existiu
grande desenvolvimento de um corpo comum de conhecimento empírico sobre o movimento corporal e a
sua ligação com os processos cognitivos, emocionais e relacionais. Uma razão para isso é a escassa
partilha científica entre as disciplinas académicas atualmente vigentes e a falta de transmissão de
conhecimento de investigações realizadas em épocas anteriores. Entre outras, as diferenças na
terminologia e na metodologia são obstáculos relevantes para um discurso interdisciplinar sobre o
comportamento de movimento. Como um reflexo da diáspora científica na investigação sobre o
movimento do corpo, diferentes termos são utilizados, tais como comunicação não verbal (ex. Knapp &
Hall, 1992), comportamento não-verbal, linguagem corporal, cinética (Birdwhistell, 1952), movimento
expressivo (ex. Allport & Vernon, 1933), ou comportamento de movimento (Davis, 1972).

Apesar dos termos comunicação não-verbal e comportamento não-verbal serem os mais populares, eles
têm a desvantagem de definir um tópico por negação ("não verbal"). Os termos linguagem corporal e
cinética enfocam a função relacional e comunicativa do movimento corporal. Em contraste, o termo

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movimento expressivo do corpo sublinha que o movimento do corpo reflete os processos mentais de um
indivíduo. O termo comportamento de movimento foi introduzido por M. Davis (1972) na sua
bibliografia interdisciplinar para se referir à "antropologia e psicologia do movimento do corpo físico".
Além disso, inclui o aspeto do comportamento: "Comportamento é a gama de ações e maneirismos
realizados por organismos, sistemas ou entidades artificiais, em conjunto com o seu ambiente, que inclui
os outros sistemas ou organismos circundantes, assim como o ambiente físico. É a resposta do sistema ou
organismo a vários estímulos, sejam internos ou externos, conscientes ou inconscientes, manifestos ou
ocultos, voluntários ou involuntários ". (Web Page Wikipedia, 21 de maio de 2013).

Um primeiro testemunho do interesse em relacionar o comportamento do movimento aos processos


cognitivos e emocionais remonta à antiga escola filosófica grega de Pitágoras. Nessa escola, o
procedimento de inscrição incluía uma avaliação da marcha e postura do candidato para avaliar a sua
qualificação (Jamblichus, citado por J. B. Porta, 1593, citado por Kietz, 1952). Posteriormente, durante o
Império Romano, dado o importante papel do discurso político, foi elaborado o conhecimento sobre a
mímica e os gestos da oratória. Durante o Renascimento, o antigo conhecimento sobre a relação entre o
comportamento de movimento e a personalidade foi reavaliada na ideia da fisionomia. A obra "De
Humania Physiognomonia", de Porta (1593, citada por Kietz, 1952), documenta essa abordagem.

Em 1872, Darwin publicou a sua obra "A expressão das emoções no homem e nos animais" (1872,
reimpressão em 1955), na qual ele investigou a universalidade da expressão emocional nos movimentos
faciais e corporais. No início do século passado, os pensamentos de Darwin e as ideias do Renascimento
tiveram um reavivamento na expressão da psicologia (por exemplo, Klages, 1926; Allport e Vernon,
1933; Eisenberg, 1937; Eisenberg e Reichline, 1939; Buytendijk, 1956; Mason, 1957).

Fisionomia, expressão facial, gestos, postura, marcha, voz e escrita à mão foram interpretadas como
expressão de estados afetivos ou da personalidade (para uma revisão mais detalhada ver Asendorpf &
Wallbott, 1982). Naquela época, a investigação também começou a concentrar-se no comportamento de
movimento em pacientes com perturbações mentais, doença e dano cerebral. Na psiquiatria, as alterações
de comportamento de movimento foram relatadas em pacientes com perturbações depressivas e
esquizofrénicos (por exemplo, Kahlbaum, 1874; Wernicke, 1900; Kleist, 1943; Kretschmer, 1921; Reiter,
1926; Leonhard, 1957). Essas alterações foram classificadas em hipocinéticas e hipercinéticas.

Na neurologia, os distúrbios comportamentais do movimento foram analisados em relação a danos


cerebrais e doenças cerebrais, como paralisia, ataxia, distonia, etc. De interesse especial para a

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investigação do comportamento de movimento são os défices que estão relacionados com funções
neuropsicológicas, nomeadamente, a apraxia, que afeta ação e gesto (ex., Liepmann, 1907; Goldstein,
1908).

Na investigação psicomotora, foram aplicados os métodos da psicologia experimental (ex. Oseretzky,


1931; Luria, 1965). Os testes psicomotores, como o toque de dedo, destreza ou tarefas de ritmo,
permitem registar até mesmo défices motores finos em pacientes com distúrbios neuróticos e psicóticos
(Wulfeck, 1941; King, 1954; Manschreck, 1985, 1989, 1990; Günther et al., 1991). Em 1933, o psiquiatra
e psicanalista Wilhelm Reich publicou o seu trabalho "Charakter analyse", no qual delineou a relação
entre o caráter e o corpo, especificamente os padrões de tensão muscular. Muitos dos movimentos atuais,
incluindo as terapias psico-corporais referem-se às suas ideias. A terapia do movimento da dança
integrou o conhecimento da expressão pela dança alemã e a psicanálise (exemplo, Kestenberg, 1965,
1967; Espenak, 1985; Schoop, 1981; Bartenieff, 1991). Na análise do comportamento do movimento, os
terapeutas do movimento de dança aplicam a Análise do Movimento de Laban, uma elaborada notação
descritiva da dança (Laban, 1950, reimpressão de 1988).

Durante a década de 1960, refletindo a tendência geral para as ciências sociais, o foco da investigação
mudou do movimento expressivo para o papel do movimento do corpo na comunicação e interação, e nas
suas diferenças culturais (por exemplo, Efron, 1941; Hall, 1968; Birdwhistell, 1979 Ekman & Friesen,
1969; Davis, 1979, 1982; Kendon, 1990). Basicamente, os mesmos parâmetros do movimento aplicados
na psicologia da expressão foram investigados em relação à sua função nos processos relacionais: postura
/ posição, gesto, comportamento de toque / auto-toque, expressão facial, comportamento do movimento
ocular, espaço / espaço pessoal e características vocais.

As investigações sobre interações não-verbais também foram introduzidas na psicanálise e na


psicoterapia para a análise da interação paciente-terapeuta (por exemplo, Mahl, 1968; Freedman, 1972;
Krause & Luetolf, 1989). Na medicina psicossomática, com referência ao modelo biopsicossocial, o
comportamento do movimento do paciente foi considerado como um sintoma que reflete o seu estado
psicossomático (por exemplo, Uexküll & Wesiack, 1986). Verificou-se que uma redução da expressão
emocional não verbal estava associada a doença psicossomática e alexitímia (por exemplo, Birbaumer,
1983; Birbaumer et al., 1986; Berry e Pennebaker, 1993; von Rad, 1983).

No final do século passado, os linguistas começaram a interessar-se pelos gestos e pela linguagem gestual
como meios não-verbais de comunicação, refletindo processos cognitivos (eg McNeill, 1985, 1987, 1992;
Feyereisen, 1987; Müller, 1998; Kita & Zyürek, 2003). De acordo com a investigação psicolinguística

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sobre gesto e cognição, os psicólogos infantis estudam gestos para entender o desenvolvimento cognitivo
(exemplo, Goldin-Meadow et al., 1993). Além disso, as teorias evolucionistas recentes propõem que a
linguagem evoluiu de gestos manuais (por exemplo, Corballis, 2002). No campo da neurociência em
desenvolvimento, os neuropsicólogos investigam onde são produzidos os gestos cerebrais e a linguagem
gestual (por exemplo, Kimura, 1973; Corina et al., 1992; Corina et al., 2003; Lausberg et al., 2007).
Vários estudos examinam a perceção de gestos com neuro-imagem funcional (por exemplo, Gallagher &
Frith, 2004; MacSweeney et al., 2004; Holle et al., 2008). Mais recentemente, investigadores da
inteligência artificial começaram a desenvolver modelos de produção de gestos para agentes incorporados
(Kopp & Bergmann, 2012).

A baixa estima pelo corpo e respetivo movimento manifesta-se em vários domínios da nossa cultura. Por
exemplo, há uma menor consideração pelas formas de arte que usam o movimento do corpo como meio
de expressão, como a dança, enquanto formas de arte "não-corporais", como a música ou a literatura, são
mais valorizadas.

Esta situação pode estar relacionada com o estatuto do corpo e, portanto, do movimento do corpo, na
cultura cristã ocidental, que considera o corpo inferior à mente. Enquanto o aspeto materialista-funcional
do corpo é aceite, como o esforço para alcançar um corpo perfeito, funcional e de boa aparência, o aspeto
existencial do corpo é negligenciado (por exemplo, Dürckheim, 1981). Além disso, na nossa cultura, a
pesquisa sobre os aspetos expressivos do comportamento do movimento é frequentemente vista com
ambivalência. Isso deve-se ao fato de que o comportamento de movimento se manifesta, frequentemente,
de forma implícita, ou seja, para além da consciência do movimento. Isso leva à preocupação de que a
análise do movimento corporal possa revelar aspetos da personalidade ou sentimentos que podemos não
querer revelar. Esta atitude explica, por exemplo, porque apenas alguns psicoterapeutas concordem em
ter o seu comportamento do movimento analisado durante as sessões de psicoterapia.

Apesar de terem uma tradição igualmente longa e serem igualmente apreciados como eficazes pelos
pacientes (Olbrich, 2004), as terapias do movimento e do corpo eram menos aceites no sistema de saúde
do que as terapias psicanalíticas e psicoterapêuticas verbais (Bühler, 1981). Da mesma forma, por um
longo período de tempo, a linguagem gestual não foi aceite pela sociedade como um meio válido de
comunicação para a comunidade surda. Felizmente, e possivelmente também promovido pelo surgimento
de investigações sobre a linguagem gestual, o estatuto da linguagem gestual na sociedade melhorou.

A atitude cultural pode explicar porque, até agora, apesar da longa tradição e da ampla investigação e
interesse científico, o comportamento do movimento não se desenvolveu como uma disciplina académica

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por si só. A falta de uma identidade científica implica que, no decorrer da história, a pesquisa do
comportamento dos movimentos tenha sido substancialmente cunhada pela disciplina científica
dominante.

Esta situação dificulta o seguimento de uma linha condutora central de investigação do comportamento
do movimento ao longo da história. Como consequência, raramente são feitas referências a investigações
historicamente anteriores, mas relevantes, e em cada era científica histórica, o comportamento do
movimento expressivo e comunicativo parece ser descoberto de novo.

A falta de identidade científica do campo de investigação não é apenas um problema histórico


longitudinal, mas também um problema interdisciplinar horizontal. Hoje em dia, como exposto
anteriormente, a investigação sobre o comportamento do movimento está espalhada por muitas
disciplinas académicas diferentes. Embora o denominador comum dessas diferentes abordagens
científicas seja que o comportamento do movimento reflete e afeta os processos cognitivos, emocionais e
relacionais, dificilmente haverá uma partilha interdisciplinar. Esta lacuna é um obstáculo para o
progresso científico na pesquisa do comportamento do movimento. Os investigadores do comportamento
do movimento, muitas vezes, não estão cientes do corpo substancial de investigação que tem sido
realizado noutros campos até agora. Portanto, alguns investigadores têm-se dedicado a tornar o
conhecimento de outras épocas históricas e de outras disciplinas académicas disponíveis para os seus
colegas (por exemplo, Davis, 1972; Davis e Skupien, 1982; Asendorpf & Wallbott, 1982; Wallbott, 1982;
Kendon, 2004).

A evolução pela qual o bebé passa, desde a fecundação ao seu nascimento, efetua-se, sobretudo, através
do movimento: do movimento de crescimento e de reprodução celular, do movimento que é
sensorializado pelos órgãos sensório-percetivos, logo que estes começam a funcionar (aparelhos
vestibulares, táctil-cinestesico, audição, etc.) e dos próprios movimentos reflexos que o feto consegue
efetuar no seu reduzido espaço uterino.

“0ntogenética e filogeneticamente, as aquisições da motricidade estão primeiro que as aquisições do


pensamento”. (V. Fonseca,1989). Parece, portanto, ser evidente que quanto mais movimentação houver,
melhor será o desenvolvimento neuropsicológico da criança. No entanto, no útero, ela não tem grandes
possibilidades de se movimentar. Mas há possibilidades de ser movimentada, ou seja, não poderá dançar,
mas poderá ser “dançada”. Se a sua mãe dançar, deslocando-se ritmicamente no espaço, cantando ou ao
som de uma música, o bebé, não só percebe esta movimentação como ouve os sons que são produzidos
pela sua mãe ou externamente.

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As escolas psicanalítica e neopsicanalítica foram além do modelo médico. A descoberta da existência do
inconsciente funda a psicanálise. A contribuição mais significativa de Freud, do ponto de vista da
expressão corporal em Arte-Terapia, foi a introdução do inconsciente, da técnica de associação livre e do
trabalho dos sonhos como métodos para elaborar o material inconsciente. Estes desenvolvimentos
representaram um afastamento significativo dos diagnósticos e tratamentos lineares de causa-efeito das
perturbações psicológicas. Freud (1923) definiu as partes do self ou estrutura de personalidade no seu
modelo Id - Eu - Super-Eu. Freud considerava que o Id não era apenas herdado no nascimento e fixado na
constituição, mas que se baseava na organização somática dos instintos e das pulsões. Ele descrevia o Eu
como detentor do controlo do movimento voluntário, e como responsável pela tarefa de auto-preservação
relativamente às nossas perceções da realidade, e o Super-Eu como o controlador supremo formado pelas
figuras de autoridade externas (Freud, 1923). Para Freud (1901, 1915), as experiências armazenadas
através da memória resultam em padrões de adaptação, modificação e controlo, que permitem à pessoa
estar em contacto com o seu mundo.

Paul Antze (2001), na sua reflexão acerca do pensamento de Freud relativamente à significância da
memória como “cenas poderosas situadas no campo da infância precoce”, sublinha que a importância
destas memórias não se aplica somente a situações de trauma, mas também em relação à vida adulta. A
metáfora de Freud referente ao processo analítico como uma “escavação arqueológica” continua a ser
relevante em abordagens em que o encontro criativo com as memórias nos permite elaborar os distúrbios
do nosso dia-a-dia.

Alfred Adler (1870-1937) reconheceu a Freud o mérito de ter desenvolvido uma psicologia dinâmica, que
via para além dos sintomas e que explicava o significado dos sonhos. No entanto, a abordagem de Adler
era significativamente diferente. Enquanto Freud enfatizava o papel do desenvolvimento psico-sexual,
Adler focou-se mais nos efeitos da experiência da infância, do ponto de vista da perceção formada pela
criança acerca da sua constelação familiar e da sua luta para encontrar lá um lugar significativo. Adler
introduziu a ideia de considerar a pessoa holisticamente, como um ser criativo, responsável, em
desenvolvimento, capaz de prosseguir e atualizar os seus objetivos. A abordagem Adleriana sugere que a
incapacidade de prosseguir no sentido da auto-atualização, resulta de sentimentos de derrota - o processo
terapêutico, portanto, precisa de encorajar o movimento criativo e a tomada de decisões. Adler via o
inconsciente e o consciente, não como opostos, mas como colaboradores que permitem à pessoa
desenvolver um novo estilo de vida e envolver-se em tarefas de vida que instiguem a mudança e o
crescimento. Deste modo, para Adler a questão não era se o corpo afeta a mente ou vice-versa, mas como
é que a pessoa utiliza o corpo e a mente para atingir os seus objetivos de vida.

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Adler (1927), definiu o conflito em termos do movimento, como um dilema de um passo para a frente e
um passo para trás, que resulta na armadilha de “um centro morto”, com a pessoa incapaz de se mover.
Ajudar a pessoa a identificar, compreender e a reorganizar as suas respostas a este dilema desencadeia a
capacidade para se atualizar. Adler acreditava na significância do indivíduo para o corpo social - assim, o
conflito individual para se atualizar tem que ter em consideração o contexto ou a ambiência cultural.
Adler considerava que a capacidade de o indivíduo participar e colaborar para a sociedade era de uma
importância crucial, tanto a um nível psicológico como espiritual. Adler evocava o conceito de “força de
vontade” de Nietzsche, ao qual se referia como um esforço normal pela competência.

Tal como Adler, Jung (1875-1961) também se afastou de Freud e desenvolveu um modelo diferente para
definir o inconsciente de acordo com partes do self envolvidas de forma harmoniosa ou num jogo de
opostos em conflito. A sombra, de acordo com a psicologia Junguiana, é inconsciente e contém todos os
aspetos mais obscuros do self, que não queremos reconhecer (Jung, 1964). A sombra é expressa através
da projeção. O anima, que Jung denominou de fator projetivo do arquétipo feminino encontrado nos
homens, e o animus ou fator projetivo do masculino na mulher - revelavam e iluminavam o inconsciente.
Para Jung (1957, 1961, 1979), o inconsciente alberga tanto um potencial destrutivo como um potencial
criativo - a dinâmica entre os dois potenciais pode ser tanto uma fonte de perturbação como um meio de
alcançar uma maior consciência e transcendência, quando existe capacidade de reconhecer a projeção.
Portanto, Jung valorizava igualmente o consciente e o inconsciente. Se um for suprimido ou prejudicado
pelo outro, não podemos alcançar a totalidade. De acordo com a concetualização de Jung, a função
transcendência apela à necessidade de união entre os opostos.

Numa tentativa de estabelecer um paralelismo entre o eidos platónico e os seus arquétipos, Jung sugeria
que os arquétipos preservam energias e imagens coletivas pré-existentes. Jung acreditava que através do
mito e da realização do mito, e a um nível individual nos sonhos, este inconsciente coletivo ou material
universal é trazido à consciência e torna-se uma fonte de conhecimento e compreensão. Jung (1964)
sentia que a pessoa podia suprir melhor as elaborações da psique através dos arquétipos, dos mitos, dos
símbolos e dos sonhos, em detrimento da exploração das memórias reprimidas. Enquanto Freud concebia
os sonhos como os “esconderijos” do inconsciente e das pulsões, Jung via os sonhos como revelações
metafóricas dos dramas da vida. Para Jung, os símbolos e os sonhos têm significado não apenas
relativamente ao que reprimimos ou escondemos, mas também no que concerne ao que podemos
compreender ou almejar.

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Jung alargou o âmbito da prática da psicologia, mais restringida ao contexto da perturbação severa e
disfuncional, para uma arena de pessoas seriamente interessadas na sua investigação pessoal. As suas
técnicas de imaginação ativa serviram de ponte entre o material psíquico consciente e inconsciente. O seu
trabalho com a imaginação ativa, através da exploração dos sonhos, símbolos, arquétipos e mitos foi uma
inovação precoce no desenvolvimento da psicologia e do modelo da arte. Os primeiros trabalhos de Jung
descrevem a utilização de vários meios artísticos de expressão, incluindo a expressão corporal, a pintura e
a escrita como formas de trabalhar com imagens e símbolos. Ele sugeria, por exemplo, que uma pintura
de mandala se transformasse numa dança, e que “a expressão simbólica com o corpo é ainda mais
eficiente que a imaginação ativa normal” (Franz, 1980; Chodorow, 1997).

Karen Horney (1885-1952) foi muito influenciada pelos trabalhos de Freud e Adler. A autora era um
membro da “leal oposição” à comunidade psicanalítica, e desenvolveu uma nova perspetiva sobre a
psicologia feminina. Horney defendia que o empreendimento terapêutico visava potenciar a capacidade
das pessoas mudarem ao longo das suas vidas. Ela explorou conceitos de personalidade referenciados
numa estruturação com base num self falso ou idealizado, determinado pelas expetativas e valores do
ambiente social e cultural. Horney propôs um modelo baseado em inclinações contraditórias e tendências
relacionais definidas por três atitudes básicas: movimento em direção às pessoas, movimento contra as
pessoas e movimento de afastamento das pessoas.

Erich Fromm (1900-1980), tal como Horney, também foi influenciado por Adler e tentou humanizar os
conceitos freudianos, tendo em linha de conta as forças de impacto social e cultural no indivíduo. Ele
denominou a sua escola de pensamento de psicanálise humanista. Fromm (1941, 1955) alegava que as
forças mais poderosas que motivam o comportamento não se encontram na líbido, mas nas condições
existenciais, na condição humana. Fromm analisou as tensões entre as contradições internas e conflitos e
a procura de harmonia. De acordo com Fromm, a necessidade humana mais essencial é a de relação, que
está intimamente relacionada com a criatividade, a transcendência da passividade. O autor via o conflito
do individuo em termos de liberdade e submissão, não apenas do ponto de vista da narrativa pessoal, mas
também do ponto de vista da narrativa sociopolítica. A sua psicologia humanista investigou a capacidade
da humanidade e da sociedade para suportar o desafio muitas vezes doloroso de aceitar a progressão e
resistir à regressão. Fromm, sugere que esta orientação produtiva é melhor expressa através do trabalho
produtivo, tipificado pela arte.

William James (1842-1910), considerado o fundador da psicologia fenomenológica e existencial,


enfatizava a pluralidade da experiência como a forma de alcançar a compreensão do ser humano. O autor

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validava não só a perceção sensorial, mas também a experiência afetiva, intuitiva, imaginativa e
espiritual. James influenciou o movimento fenomenológico iniciado pelo filósofo Edmund Husserl
(1859-1938), abraçando uma abordagem verdadeiramente holística e interdisciplinar, na qual a ética, a
estética, o misticismo, a educação e a consciência tinham uma função vital e igualmente significativa na
investigação psicológica.

Otto Rank (1884-1939), foi um estudante de Freud que deu lhe continuidade e que realizou importantes
contribuições para a escola de psicologia fenomenológica-existencial. Rank (1958) fez um estudo sobre
mitologia e o artista, e estas inclinações artísticas conduziram-no a uma nova forma de trabalhar as
dimensões históricas do cliente. Rank sublinhou o encontro com o paciente no presente e a experiência
“no momento”, que foram percursoras da terapia gestalt e da arte-terapia. A teoria central de Rank (1936)
defende que a consciência humana é dirigida por duas preocupações básicas: o medo da vida e o medo da
morte. Estes medos têm a ver com a ansiedade que a pessoa vive em relação a estar por sua conta e a
vincular-se aos outros. Rank acreditava que da mesma forma que somos instigados por estes dois medos,
também o somos pelo desejo de independência/ aventura versus o desejo de segurança/ordem. De acordo
com o autor, a terapia ajuda as pessoas a adquirir um certo equilíbrio e liberdade relativamente a estas
forças opostas (medos e desejos).

Da psicanálise existencial emergiu a psicologia existencial-integrativa, representada pelo trabalho de


Rollo May (1976). Os pilares centrais da psicologia existencial-integrativa (May e Schneider, 1995) são:
1) o ser humano está suspenso entre a liberdade e a limitação (a liberdade é caracterizada pela vontade,
criatividade e expressividade/ a limitação é referente às constrições naturais e sociais, à vulnerabilidade);
2) o pavor da liberdade ou da limitação, geralmente devido a traumas do passado, promove disfunção ou
contrarreações extremas em qualquer das polaridades (opressividade ou impulsividade); 3) o confronto
ou integração das polaridades promove um estilo de vida mais vibrante e revigorante (maior
sensibilidade, flexibilidade e liberdade de escolha).

Rollo May considerava que o confronto com a crise era algo positivo, que pode alavancar a possibilidade
de crescimento. O autor explorou o papel do mito, da criatividade, da vontade (como a coragem para
viver de uma forma plena), e do amor no contexto da capacidade do ser humano para se auto-atualizar.
May (1969), usou o termo “daimonic” (que importou do modelo clássico grego) para se referir às
dimensões criativas, destrutivas e espirituais. Para o autor, uma vida plena requer a capacidade de
encontrar o “daimonic” e de lhe responder criativamente. May sugere ainda que o processo terapêutico
pode ajudar o paciente a integrar a energia dessas forças “daimonic”. Segundo o autor, o papel do

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terapeuta é ajudar o paciente a ter mais consciência de si mesmo e do mundo, de modo a desenvolver a
capacidade de fazer algo relativamente à sua condição.

A abordagem fenomenológica derivou de filósofos como Kierkegaard (1813-1855), Nietzsche (1844-


1900), Husserl e Martin Heidegger (1889-1976). Os filósofos-psicólogos desta abordagem propuseram
que não só devemos estudar a experiência da pessoa, mas também a nossa própria experiência. Esta
perspetiva conduziu a psicologia para além da realidade mais reducionista do comportamento observável
e das circunstâncias externas, para a experiência interna do sentir, para a imaginação e para o significado.
A questão central aqui é a natureza da existência em si, formada em grande parte pela necessidade de
sintetizar e integrar polaridades. Um aspeto crucial era a possibilidade de as pessoas desenvolverem a sua
capacidade de responsividade e expressão autêntica, de modo a puderem usufruir de vidas dinâmicas e
autênticas. Husserl formulou este pensamento numa nova disciplina, a que chamou fenomenologia.

As abordagens fenomenológicas requerem uma imersão na experiência presente, na forma como a pessoa
experiencia a realidade do momento (o que pensa, sente, intui e imagina). Para os humanistas, a forma
como a experiência interna adquire plena expressividade passível de ser partilhada com os outros é um
outro passo importante do processo terapêutico. Este aspeto é particularmente relevante para a arte-
terapia e para a expressão corporal, que tem raízes nas fundações fenomenológicas da filosofia e que se
expandiu com o movimento existencial-humanista. É central para o processo terapêutico entender este
conflito/ luta como uma oportunidade para um confronto criativo e mudança, tal como o
desenvolvimento de uma expressividade plena e a partilha dessa experiência com outros através do
produto criativo (seja um objeto de arte ou a expressão corporal/ movimento).

O campo da psicologia humanista desenvolveu-se a partir do trabalho desenvolvido por Kurt Goldstein
(1878-1965), Abraham Maslow, Carl Rogers e Fritz Perls. Inspirados pelas filosofias de James, de
Husserl e pela psicologia existencial, este movimento introduziu termos como “holística”, “atualização
do self”, “congruência”, “necessidades básicas”, “o aqui e agora”, “limites” e o “promulgar o vocabulário
terapêutico”.

O pensamento humanista conduziu a psicoterapia ainda mais na direção das chamadas “pessoas
normais”, que procuram as condições necessárias para uma maior compreensão psicológica, consciência
e crescimento pessoal. Kurt Goldstein foi influenciado por Jan Smuts (1870-1950) - que em 1926 cunhou
o termo “holismo”, e pela psicologia de Adler - que desenvolveu o conceito de uma abordagem holística,
em que cada parte só pode ser compreendida em relação com o todo do organismo.

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Goldstein (1940), defendia que qualquer choque ou interrupção de uma parte do organismo (ou da vida
de uma pessoa), deveria ser analisado no contexto global da pessoa. Este conceito coloca a psicologia
num caminho muito diferente da orientação sintomática da psiquiatria e da medicina daquela época, e
anunciou uma nova forma de pensar - a ideia de que em última análise tudo influencia e interage com
tudo.

Assim, a escola humanista alterou a orientação psicoterapêutica do estritamente patológico para uma
perspetiva de análise do potencial humano. Investigar o potencial humano significava identificar as
condições ótimas para promover a criatividade e o crescimento, desenvolvendo modelos para explorar o
que podia ser um funcionamento humano pleno, e criando métodos para investigar a dinâmica entre o
todo e as partes. Este movimento declarou que a psicoterapia já não estava limitada ao tratamento da
doença mental ou de pessoas em crise extrema, e que era relevante no seu contributo para que as pessoas
“normais” pudessem ter vidas mais saudáveis e plenas.

As considerações humanistas de Abraham Maslow (1954, 1968), desafiaram a psicologia freudiana (que
representava a “parte doente da psicoterapia”), e instigaram a promoção do “lado saudável” da
psicologia. Maslow (1968), defendia que os problemas de personalidade eram resultado do esmagamento
da verdadeira natureza interna da pessoa - argumentava ainda sobre a pertinência de examinar a
discrepância entre a pessoa atual e a pessoa potencial. O autor propôs uma visão revolucionária na
psicologia, que tomava em consideração o que o ser humano é, o que pode ser e o que gostaria de ser -
num processo integrativo que incluía tanto as alegrias como as angústias da experiência humana.

Carl Rogers, o fundador da terapia centrada no cliente, instituiu uma nova perspetiva da relação
terapeuta-cliente. Rogers acreditava que o terapeuta devia criar uma relação com o paciente pautada pelo
acolhimento, consideração positiva incondicional e por um cuidado genuíno. Estas características
tornaram-se intrínsecas ao sucesso da terapia e servem como modelo para um amplo espetro de relações
humanas. Outra qualidade central na terapia Rogeriana é a empatia, que significa que o terapeuta deve
compreender a experiência, e respetivo conteúdo emocional e significado, através do quadro de
referência do cliente. Rogers definia a psicoterapia como o processo de libertação de um potencial pré-
existente num ser humano potencialmente competente. As competências de escuta ativa serviam para
facilitar a expressão e enfase Rogeriana na importância das afirmações na 1.ª pessoa - “Eu...” (sinto,
penso, necessito, quero, ...) e tiveram uma aplicabilidade muito abrangente na resolução de conflitos
interpessoais, familiares e em grupo.

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A psicologia da gestalt providenciou uma riqueza teórica que serviu de fundação tanto para a teoria como
para a prática da arte-terapia. O conceito básico da psicologia da gestalt é que “o comportamento
expressivo revela o seu significado diretamente na perceção” (Arnheim, 1972). O princípio do
isomorfismo, central a esta abordagem, defende que os processos que têm lugar numa forma de expressão
(em qualquer mediador ou a qualquer nível de uma pessoa - físico, mental ou emocional) são semelhantes
a todos os outros na sua organização estrutural. Como um princípio da relação corpo-mente, isto significa
que a expressão corporal corresponde aos estados emocionais e mentais. Por exemplo, quando o
movimento numa dança expressa emoções e ideias, o ato criativo de formar um movimento
expressivamente é tanto um processo psicológico como cinestésico. A postura física comunica-nos algo
acerca da vida emocional e mental do corpo, o seu passado e presente. Esta situação salienta a
importância da realidade metafórica e demonstra o papel crucial das artes como meios de expressão. A
expressão através das artes revela a vida do “artista”, da mesma maneira que tem um impacto revelador
no observador. Em terapia, este significado do produto criativo tal como é percebido e compreendido,
desenrola-se no diálogo colaborativo entre o paciente e o terapeuta.

A psicologia da gestalt também articulou a teoria de campo, ou seja, o princípio da relação


correspondente e do impacto das partes e do todo, sugerida por James e Fromm. A teoria de campo
reconhece que um impacto em qualquer das partes afeta o todo da pessoa, e que a constelação ou
reintegração das partes afetadas informa a reorganização do todo. Em conjunto, o isomorfismo e a teoria
de campo, suportam as noções acerca da exploração e compreensão da experiência sensorial, da perceção
e da expressividade no trabalho com uma diversidade de meios artísticos na exploração dos processos da
psique. Os psicólogos da gestalt têm enfatizado, que a resposta sensorial ao ambiente e aos outros, é uma
ocorrência projetiva significativa e valorizável - uma reflexão de sentimentos, associações passadas,
respostas subjetivas e de interpretações metafóricas do observador. A psicologia da gestalt valida a
importância colocada no testemunhar deste processo, tanto no testemunhar pessoal como no testemunhar
relacional.

Fritz Perls (1969, 1971, 1973) fundou a terapia da gestalt, em conjunto com a sua mulher, Laura Perls,
que anteriormente era bailarina. Perls foi diretamente influenciado pela psicologia da gestalt e pelo
trabalho de Karen Horney e Wilhelm Reich (1897-1957). Perls foi para os Estados Unidos para
desenvolver uma terapia orientada para a ação, baseada no agir criativo. Perls praticava a sua terapia
experimental principalmente em grupo e no contexto de workshops, onde utilizando a presença do grupo,
enfatizava a interação criativa e o significado do campo social e relacional para o processo terapêutico.

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Na terapia da gestalt, o objetivo é promover a consciência e o insight, para que os clientes se tornem mais
consciente do que estão a fazer e de como o estão a fazer, e são orientados a explorar novas
possibilidades de mudança através do agir. Para Perls, os princípios do isomorfismo e da teoria de campo
são incorporados no vivenciar de experiências passadas e memórias no aqui e agora, como sugerido por
Rank (1958). Esta terapia mostra muitas vezes semelhanças com o agir do teatro, e a peça pode incluir
uma panóplia de personagens - mães, pais, irmãos, partes do self - que são exploradas e expressas através
dos sentidos, das emoções, da imaginação e do script, em que várias partes evidenciam a sua oposição e
dialogam entre si. O encontro é mediado por uma terceira força capaz de aferir o todo da situação, ou a
gestalt, e de encaminhar as várias partes para uma resolução.

A teoria da personalidade de Perls incluiu o conceito de independência ecológica, que compreende o


processo humano como interno e interpessoal. O autor propôs que os limites são tanto a forma como nos
diferenciamos como a forma como estabelecemos contacto com os outros. Perls usou a metáfora do
metabolismo mental para descrever o processo pelo qual nós ingerimos ou cuspimos as experiências de
vida, incluindo ideias, lugares e relações. Ele sugere que a natureza saudável ou não saudável dos nossos
limites, pode assistir ou interromper a nossa capacidade para digerir e assimilar o que incorporamos do
mundo à nossa volta. As perturbações nos limites provocam dificuldades ou distorções no contacto e na
consciência. Perls define a dinâmica da perturbação dos limites do contacto utilizando cinco protótipos:
confluência, ou fusão com o outro; retroflexão, ou fazer a si mesmo o que deseja fazer aos outros;
introjeção, ou engolir tudo e organizar o self à volta do que devia ser; projeção, ou confundir o self com o
outro e colocar nele o que na verdade é a sua própria experiência; e deflexão, ou evitamento.

As técnicas da terapia da Gestalt incluem o trabalho de consciência corporal, o diálogo e a explicação da


experiência através de formas não verbais de expressão, como a dança. A terapia da Gestalt sublinha a
experimentação, o processo e a descoberta, em vez da interpretação e do resultado final. Perls usava na
terapia Gestalt técnicas de ação como o role-play (desempenho de papéis), o movimento, e o diálogo
como formas de trabalhar com situações e relações mais pesadas. A ideia de Perls era que o que nos
estivesse a perturbar proveniente do passado, necessitava de ser revivido no presente, de modo a que
pudéssemos sentir e compreender o seu impacto na nossa vida, e encontrar uma resolução pertinente para
o que somos agora. Através deste enquadramento do “aqui e agora”, Perls trazia a atenção do cliente para
a sua postura corporal, tom de voz, gestos e sensações físicas. As situações de ação e os diálogos seriam
desenvolvidos como uma forma de estabelecer contacto, responder a, e trabalhar com a situação ou
memória.

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Perls insistia que as pessoas permanecessem no presente, de modo a se experienciarem a si mesmas com
mais consciência e a trabalharem os assuntos mais experiencialmente, em vez de analiticamente. Por
exemplo, uma cliente que se lembra da sua relação com a mãe, pode começar a sentir-se fria e a tremer,
desenvolver movimentos mais amplos e falar para a sua mãe a partir desta experiência de tremer/ arrepio.
Ou, o tremer pode conduzi-la a outro sentimento, tal como o medo da sua mãe. A seguir, Perls poderia
pedir-lhe que agisse como a filha assustada ou como a mãe ameaçadora, usando movimentos e palavras.
Neste modelo de personalidade, Perls explorou ambos os lados da díade - a vítima e o agressor. A
abordagem da terapia da Gestalt requer o confronto e a resolução entre as duas forças de oposição. Perls
(1973) usava o trabalho das cadeiras, em que o cliente podia desempenhar ambas as partes, utilizando as
palavras e os gestos.

Para Reich (1989), a formação do caráter começa como um modo definido de superação do complexo de
Édipo, diretamente ligado às condições sociais predominantes, às quais a sexualidade infantil está sujeita.
Essas condições apresentam em comum desejos genitais intensos e um Ego frágil que, por medo de ser
punido, procura proteger-se através de recalcamentos que conduzem à repressão do instinto. Este, por sua
vez, passa a ameaçar aquela que seria uma simples barreira, com uma irrupção de forças recalcadas. Na
tentativa de manter tudo sobre controle, o resultado é uma transformação do Ego em atitudes destinadas a
amparar o medo, gerando uma restrição desse ego, ou gerando os primeiros sinais do caráter. Por amparar
situações perigosas, que poderiam estimular o que está reprimido, essas atitudes fortalecem o ego e se
tornam por ele estimadas. Contudo, as primeiras transformações do ego não são suficientes para dominar
a pulsão. O ego precisa de se enrijecer para ter a certeza de que as barreiras estão cimentadas, fazendo
com que a defesa assuma um caráter cronicamente operante e automático. A conceção de caráter será
fundamental na obra Reichiana. É a partir do caráter do paciente que todo o trabalho do analista será
desenvolvido, uma vez que, para ele, o modo típico de reagir torna-se a resistência à descoberta do
inconsciente.

Reich acreditava que as causas das reações típicas das pessoas, no dia a dia e durante o processo
terapêutico, são as mesmas que determinaram a formação do caráter, consolidaram e preservaram o modo
como elas reagem desde o seu estabelecimento, constituindo-se num mecanismo automático,
independente da vontade consciente. São, portanto, o encouraçamento, uma mudança crónica do ego, um
enrijecimento contra os perigos do mundo exterior e as exigências pulsionais reprimidas do id, ou mundo
interno, caracterizando-se como uma restrição à mobilidade psíquica da personalidade, a partir de uma
necessidade económico-libidinal, consequência do medo da punição. Através do trabalho sobre o corpo
dos seus pacientes, Reich chegou à descoberta das correntes vegetativas, sensações de correntes, que

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percorriam o corpo dos seus pacientes, em todas as vezes que ocorria um considerável desbloqueio dos
espasmos e das tensões, e permitiam ao paciente relaxar e respirar mais livremente, permitindo uma
sensação de bem-estar geral, sintomas de progressos terapêuticos (Raknes, 1988). Ao longo de sua obra,
Reich manteve a questão económico-energética no foco dos seus interesses, e, consequentemente, o
estudo da estase (ou retenção) energética e do encouraçamento, assim como a procura de uma forma de
restaurar esse fluxo pelo corpo e recuperá-lo no seu potencial.

Contemporâneo de Freud, Reich desenvolveu a teoria do orgasmo, que perspetivou o assunto dos
instintos sexuais e sua função a uma luz mais abrangente, mas muito diferente, que se relacionava com a
restrição ou libertação de energia psico-espiritual essencial. As teorias de Reich, ao tentarem capturar e
compreender a verdadeira natureza do Homem, abarcam campos como a biofísica, a psicologia, a ética, o
funcionamento social e o misticismo. A articulação meticulosa de teorias e técnicas orientadas para a vida
emocional e mental do corpo físico, realizada por Reich, instigou e inspirou o campo da psicologia
somática, nomeadamente, influenciou vários autores de terapias orientadas para o corpo.

Os desenvolvimentos no campo da psicologia somática, ao integrarem o verbal/ intelectual, o físico e o


psico-emocional, estabeleceram um enquadramento terapêutico contemporâneo que nos ajuda a explorar
e a resolver os conflitos. Desafiando o conceito de divisão mente-corpo, as práticas orientadas para o
soma consideravam que a mudança psicológica estava intrinsecamente ligada à vida do corpo.

Um número significativo de terapias orientadas para o corpo emergiu do trabalho alicerçado por Reich,
incluindo o trabalho de alguns dos seus discípulos, como John Pierrakos e Alexander Lowen (1975) que
desenvolveram a Bioenergética. Nesta linha, embora explorando um trilho diferente, está Moshe
Feldenkrais (1972, 1985), que começou por enfatizar o que denominou de “consciência através do
movimento”, em 1940. Feldenkrais (1972, 1985) desenvolveu uma abordagem - Integração Estrutural -
que se focava na relação entre o corpo físico e o emocional, mental e comportamental. O autor defendia a
existência de uma correspondência permanente e direta entre a forma como a pessoa funciona e
amadurece nos três níveis: físico, emocional e mental.

Para Feldenkrais, a construção de uma auto-imagem consistente e saudável está intimamente ligada a
todo o sistema nervoso e, através do sistema nervoso ao muscular e à ação esquelética e ao córtex motor
do cérebro. Feldenkrais salientou que é bastante mais fácil aceder à consciência dos músculos
voluntários, tal como é mais acessível termos consciência daquilo que já conhecemos e recapitularmos
padrões familiares. Assim, também é mais fácil manter uma postura incorreta apesar dessa situação
provocar angústia a todo o organismo, tal como é mais fácil repetir respostas emocionais familiares,

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independentemente de nos conduzirem a melhores condições. O autor acreditava que ao trabalhar ao
nível das funções físicas involuntárias, tornando consciente o desconhecido ou as áreas cegas, podemos
mudar os antigos padrões. Feldenkrais ilustrou este princípio em funcionamento, ao direcionar a nossa
atenção para a função da respiração, do comportamento espontâneo e compulsivo, para a postura correta/
incorreta, e para a conexão corpo-mente. O autor proporcionou uma ampla teoria sobre o viver do ser
humano, incluindo alguns tópicos como o amor, a motivação, o comportamento, a educação, a fisiologia
e a ordem social. Ele explorou, também, o funcionamento do sistema nervoso, da energia dos órgãos, da
postura, da tensão muscular e os princípios do alinhamento e a ação no movimento.

Feldenkrais, demonstrou que a investigação dos padrões habituais do corpo ajudava a facilitar a mudança.
O autor criou um mapa que propunha que as emoções e crenças se manifestavam em tipos específicos de
tensões localizadas em partes particulares do corpo. Para Feldenkrais, o corpo servia como uma metáfora
para toda a experiência de vida, não apenas como uma fonte do fenómeno sentido, mas também como
ação viva em movimento. Ele acreditava que a leitura do mapa corporal e a mudança da estrutura do
corpo padronizado, resultaria numa forma diferente de experienciar, de se movimentar e de agir na sua
vida pessoal.

A polinização cruzada entre campos que eclodiram na última parte do século vinte significou que, o
trabalho de Reich, Feldenkrais e de outros pioneiros na psicologia e na terapia orientada para o corpo,
teria um profundo impacto na arena artística, em particular na dança.

Nas culturas tribais, a dança tem proporcionado um meio de estabelecer e transferir a relação entre o
mundano e o espiritual, de integrar o individual e a comunidade, de refletir e promover a conexão entre o
humano e o mundo natural e, através de rituais míticos marcar situações importantes e preparar para os
desafios.

Nas culturas pós-tribais, a dança virou-se para a representação e para o entretenimento. Como exemplos
da visão vitoriana determinista, as formas clássicas de dança, como o ballet, eram pragmáticas - a mimica
dos passos formais dos bailarinos representava uma interpretação da “realidade” rígida e formal.

No início do século XX, a emergência da dança moderna transformou a forma da arte e conduziu a uma
série de novas abordagens à dança e ao movimento, que desconstruíram a orientação clássica.

Tal como a progressão no campo da psicologia revolucionou a nossa compreensão da separação entre o
corpo e a mente, e enfatizou a importância da expressividade humana total, no virar do século as novas

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abordagens à dança tiveram uma evolução semelhante. No cerne destes desenvolvimentos
revolucionários reside uma extensa investigação sobre a relevância da dança/ movimento como uma
forma poderosa de expressão criativa do self e como uma forma de psicoterapia. Os pioneiros deste
movimento começaram a articular sobre como a dança podia ser utilizada para trabalhar com o corpo e a
mente, e exploraram relações entre o movimento expressivo e o conteúdo psicológico, no sentido de
promover uma expressividade autêntica. Os professores de dança observavam o movimento como uma
forma de aprendizagem corporificada.

Os antropologistas chamaram a atenção para o significado cultural do mito e do ritual expressos na


dança. Os pioneiros desta nova forma de pensar foram François Delsarte (1811-1871) e Sir James George
Frazer (1854-1941). Delsarte foi um cantor de ópera francês que perdeu a voz e que começou a
interessar-se pela observação do movimento inconsciente no teatro, investigando e desenvolvendo um
sistema de gestos expressivos naturais para que os atores pudessem substituir a artificialidade da
gestualidade teatral. Com a publicação do seu livro “The Golden Bough”, em 1890, Frazer introduziu
uma perspetiva antropológica da dança, versando a sua investigação sobre o papel da dança ritual nas
culturas primitivas, que inspirou a renovação do mito, da magia e da espiritualidade na dança moderna
(Frazer, 1922; Levy, 1988).

Influenciados por estas primeiras inovações, os primeiros bailarinos modernos, como Mary Wigman
(1886-1973), Isadora Duncam (1878-1927), Martha Graham (1894-1991) e Ruth Saint-Denis (1877-
1968), focaram-se na ideia e na experiência da “dança corporal livre” - através da expressão emocional
associada ao mito, ao ritual e à espiritualidade. Assim, os artistas usavam a dança para despertar e
desafiar emocionalmente a sua audiência. Os bailarinos começaram a explorar a forma como o
movimento podia revelar o inconsciente, interpretar o comportamento e facilitar a mudança. O trabalho
de Mary Wigman, na Alemanha, conhecido como performance expressionista, tinha como objetivo
circunscrever a dança aos movimentos essenciais e à expressão intensa da emoção. Isadora Duncan e
Martha Graham procuraram encontrar no teatro clássico grego movimentos emotivos naturais associados
aos arquétipos e aos mitos. Ruth Saint-Denis explorou ideias e mitos das culturas orientais e
ensinamentos esotéricos. Todos eles procuraram devolver à dança tanto a exploração de sentimentos
pessoais como os temas universais.

No início do século XX, professores como Rudolph Laban (1879-1958), Margaret H’Doubler (1889-
1982), Mabel Ellsworth Todd (1891-1969) e Irmgard Bartenieff (1900-1981) desenvolveram métodos
para utilizar o movimento e a dança como um processo educativo. Estes pioneiros articularam o

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movimento/ dança como uma arte e ciência, analisando as relações entre o movimento estrutural,
funcional e emotivo. Eles consideravam o movimento/ dança como um processo de aprendizagem
criativo através do qual quem se movimenta pode expressar-se e adquirir uma melhor compreensão de si
mesmo e do seu mundo. Além do foco na esteticidade da dança, estes educadores enfatizaram a vida
interior, as emoções, as sensações e o desenvolvimento da pessoa.

Rudlph Laban (1960), desenvolveu um sistema de análise e registo do movimento baseado em quatro
fatores (espaço, peso, tempo e fluidez), que se tornou um modelo teórico utilizado por muitos danço-
terapeutas. Warren Lamb (1965), discípulo de Laban, acrescentou o conceito de modelagem, que
descreve como o corpo se forma/ modela a si mesmo no espaço. O modelo de esforço/forma
desenvolvido por Laban e Lamb tornou-se uma referência no campo da danço-terapia. Irmgard Bartenieff
integrou o modelo do esforço/ forma no seu trabalho como fisioterapeuta e desenvolveu a sua própria
abordagem à educação do movimento do corpo, focando-se na relação entre o movimento estrutural,
funcional e expressivo. Irmgard entendia o movimento corporal como um todo complexo e integrado, que
reflete a capacidade de integrar o sentir do corpo e o sentir emocional, assim como a relação com o
ambiente e com os outros.

Assim, o desafio ao conceito dominante da função da dança conduziu à evolução da terapia do


movimento/ da dança. Permeável às influências que tiveram lugar na cultura intelectual do início do
século XX, este novo campo desenvolveu-se com o contributo e de forma paralela às teorias psicológicas
de: Adler (que considerava a pulsão agressiva como uma força positiva em direção à independência e à
capacidade pessoal); Jung (que incorporava a imaginação ativa, o símbolo, o mito e a valorização do
inconsciente); Reich (a expressão psicossomática), Perls (a expressão não verbal); May, Rogers e
Maslow (motivação criativa e potencial humano); e J.L. Moreno (que desenvolveu o psicodrama,
incorporando a interação grupal e os diálogos dramáticos). Todos estes autores sublinharam a
importância da poderosa relação entre a psique e o soma, enfatizando os aspetos positivos e criativos do
inconsciente e da imaginação.

A dança-terapia juntou-se à vasta arena das abordagens não-verbais, não-analíticas e não-diagnósticas, à


saúde mental, em que a relação corpo-mente e o gesto criativo são pedras de toque centrais do processo
terapêutico. Ao colocar o seu foco na relação entre o movimento interno (sensações, sentimentos,
imagens) e o movimento externo expresso na dança, a terapia do movimento/ dança postula que o
movimento reflete estados emocionais e que pode levar ao insight e às mudanças comportamentais.

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Pioneiras como Marian Chace (1896-1970), Blanche Evan (1901-1982), Liljan Espenak (1905-1988),
Mary Starks Whitehouse (1911-1979) e Trudi Schoop (1903-1999), começaram como bailarinas
modernas, coreografas e performers, desenvolvendo posteriormente o seu trabalho em setting hospitalar,
como educadoras de dança criativa e mais tarde como terapeutas do movimento/dança. À medida em que
estas autoras foram articulando as suas teorias e métodos, o campo cresceu e os seus estudantes mais
seniores criaram departamentos universitários, conduziram workshops de formação e levaram a terapia
do movimento/dança para a sua prática privada.

Marian Chace articulou a utilização terapêutica do movimento/dança de acordo com as seguintes


classificações: ação corporal - desenvolvimento da mobilidade da musculatura esquelética,
reconhecimento das partes corporais, padrões de respiração e áreas de tensão que bloqueiam a expressão
emocional (para permitir o desenvolvimento de respostas emocionais que podem preparar a pessoa para
experiências de mudança); simbolismo (o processo de utilizar a imaginação, a fantasia e a recordação no
enactement); a relação do movimento terapêutico (como o terapeuta percebe, reflete e responde à
expressão do cliente, utilizando as suas próprias interações de movimento, voz e palavras); a relação
rítmica do grupo (a promoção da ação rítmica do grupo que permite organizar os elementos confusos ou
caóticos em danças significativas).

Blanche Evan denominou o seu trabalho de “dança criativa como terapia”. A autora acreditava que o que
não podia ser expresso por palavras podia ser expresso através do movimento e de metáforas, e o seu
trabalho especializou-se na dança criativa com crianças (Levy, 1988). Ela defendia que a terapia da dança
não se devia restringir aos doentes mentais, que deveria ser proporcionada ao resto da população, aos
“adultos urbanos neuróticos normais”. A sua metodologia, tal como a de Chace, era organizada de acordo
com o que ela identificou como as capacidades terapêuticas primárias do movimento: mudança funcional
(incluindo trabalho postural, coordenação, organização das partes corporais e ritmo) e improvisação-
enactment (através da qual a pessoa pode experienciar o equivalente físico da psique no corpo pela ação).
A improvisação - enactment de Evan, envolvia a utilização de: técnicas projetivas como fantasia e
imagens (por exemplo, movimente-se como se fosse uma cor ou expressar através do movimento um
conflito imaginado); sensibilização e mobilização de ação potencial do corpo como um meio para ampliar
o repertório de expressão da pessoa; e uma improvisação mais profunda ou complexa, onde é criada uma
estrutura para explorar um tema ou problema particular.

Mary Starks Whitehouse (1999) trabalhou primeiramente numa modalidade um a um com adultos
altamente funcionais. A autora começou por denominar a sua abordagem de “movimento em

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profundidade” e mais tarde alterou para “movimento autêntico”. Mary refere que um ponto de viragem
importante foi quando se apercebeu que não estava só a ensinar dança, mas a ensinar pessoas. Mais do
que a teoria ou a filosofia, o interesse principal de Mary era a vida interior da pessoa que está em
movimento. Para esta autora, o movimento era mais forma de tomar consciência. Influenciada pela
psicanálise junguiana, Mary enfatiza a revelação do inconsciente através do movimento e a atenção às
sensações e imagens que surgem tanto no não-movimento como através do movimento expressivo. Tal
como Jung, a autora acreditava que o movimento desencadeado pela profundidade interior conduzia a
uma experiência do “transcendente”.

Para Mary Whitehouse (1999), “o corpo é a personalidade no nível físico e o movimento é a


personalidade tornada visível”. A abordagem de Mary, foca-se no significado de desenvolver uma
consciência cinestésica, de modo a relacionar a expressão através do movimento com a emoção e a
resposta subjetiva. Para esta autora, a experiência terapêutica residia no estabelecimento de uma ponte
entre o movimento interior e o movimento exterior (expresso de forma autêntica). Para atingir este tipo
de experiência no movimento, Mary defendia que as pessoas teriam que abandonar todas as formas
padronizadas e estilizadas de movimento e de pensamento, e o trabalho estaria centrado num nível de
grande introspeção de modo a promover a consciência de sensações e imagens mais profundas.
Whitehouse também trabalhava com a polaridade, que acreditava estar presente em todas as coisas. Ela
defendia que o movimento proporcionava um poderoso caminho metafórico e literal para trabalhar os
opostos.

Uma das contribuições inovadoras de Whitehouse, diz respeito à esfera da sua intervenção terapêutica: a
autora baseava as suas respostas no feedback do que testemunhava em termos de movimento ou no
questionar acerca de onde é que o movimento os estava a levar, em vez de interpretar ou atribuir
significado ao que observava. Mary também sublinhava a importância de dialogar entre as improvisações
de movimento, para permitir a reflexão sobre a experiência de movimento. Ou seja, em vez de uma mera
catarse, o movimento autêntico encorajava a um encontro interior através do movimento natural não-
estilizado, em que a pessoa muitas vezes trabalha de olhos fechados e a terapeuta assegura o espaço ao
estar simplesmente lá, de forma não intrusiva e menos orientada para a ação. No seu ensaio “O Tao e o
corpo” (1999), Whitehouse descreve o movimento e a mudança de uma forma que captura a qualidade
esotérica do seu pensamento e abordagem.

Trudi Schoop, também, deu uma importante contribuição para este campo, ao integrar a sua experiência
como mimo no palco e ao introduzir o importante conceito de externalização do conflito. Tal como

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Whitehouse, Schoop acreditava que as pessoas são investidas por forças opostas. Schoop afirmava que o
movimento/ dança oferecia um meio de libertar essas emoções reprimidas e conflituantes. Schoop
utilizava a improvisação e a performance, orientando os seus clientes a exagerar a expressão da emoção
na postura e no movimento, e a agir as várias partes extremas de si mesmos como um elenco de
personagens. Esta autora usava o seu grande sentido de humor e de drama, criando uma atmosfera de
segurança e de distanciamento criativo. Schoop acreditava que depois das pessoas terem conseguido
conectar-se com a concretude da sua realidade através desta confrontação criativa e elaboração, a dança
poderia proporcionar uma forma de conexão com algo maior, como a energia universal e infinita da vida.

Em 1920, nasceu Anna Halprin, frequentemente referida como a primeira bailarina pós-moderna e a
pioneira orientadora da abordagem da dança como uma arte curativa. Bailarina, artista de performance e
professora, Halprin desenvolveu uma abordagem única e revolucionária da dança como arte curativa, ao
mesmo tempo que os criadores da dança-terapia desenvolviam o novo campo. Halprin explorou o corpo
nos seus estados mais orgânicos de movimento natural. Tal como Whitehouse, Halprin insistiu que
praticava uma abordagem e não um método, o que refletia o seu compromisso em quebrar com o
entendimento convencional da dança, e o seu investimento no foco sobre a criatividade como um
processo generativo em si mesmo. O seu trabalho envolve movimento não-estilizado conectado à
consciência cinestésica e a imagens internas ou à história do protagonista do movimento.

No início dos seus trabalhos, Halprin levava os seus bailarinos para fora do estúdio e do palco e
colocava-os em ambientes com cenários da natureza ou da cidade. Ela colaborava com artistas de
diversas disciplinas e desenvolveu uma das primeiras abordagens intermodais. Halprin procurava o
material temático mais relevante e focava-se em temas ou assuntos do tempo e cultura em que vivia.
Desafiando a divisão cénica teatral tradicional, que definia o espaço de performance e separava os artistas
da audiência, Halprin permitia que as suas peças de dança se entornassem para fora do palco, para o
auditório, para o hall e para a rua. Da mesma forma com que quebrou os limites da dança estilizada,
passou do corpo coberto ao corpo nu, do estúdio para os cenários do dia-a-dia, da divisão racial para a
mescla racial, e as linhas que separavam os artistas dos meios de uns e de outros, Halprin desenvolveu
performances que incluíam a participação da audiência. Esta autora trabalhou principalmente com
pessoas sem treino de dança, de etnia-culturas diversas, músicos, pintores, designers de iluminação,
atores e psicólogos. Ao longo do tempo, Halprin foi alterando o seu foco do trabalho de performance para
o ensino e desenvolvimento de workshops. Em 1971, quando lhe foi diagnosticado um cancro, o seu foco
moveu-se para a exploração da dança como cura pessoal e para rituais comunitários desenhados para
solucionar desafios sociais.

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Os novos paradigmas dos séculos XX e XXI procuram enquadrar a nossa compreensão das
complexidades da vida na era pós-moderna - incluindo a necessidade de nos movermos no caos e na
diversidade, a certeza da emergência de uma nova ordem e o movimento constante de tomada de
consciência. É como se retornássemos aos princípios e leis que regiam a vida das pessoas e comunidades
dos tempos mais antigos. No entanto, estamos a completar este círculo de uma nova forma, com novos
princípios e com desafios novos e mais complexos. No campo da psicologia, da filosofia, da arte, da
educação, da medicina e da ciência, estes novos paradigmas conduzem-nos a uma vida mais encorpada,
na qual a arte, a ciência, a psicologia e a espiritualidade já não estão separadas, mas sim reconectadas
através de metáforas partilhadas e de princípios e ideias universais. Durante o século XX testemunhou-se
uma expansão extraordinária de partilha de conhecimento, uma explosão de informação disponível e um
elevado nível de trocas e de polinizações cruzadas. Apesar de em alguns casos se correr o risco de perder
a integridade de um sistema particular, a síntese e a polinização cruzada assinalam a necessidade de uma
forma muito diferente de pensar. No desenvolvimento da nossa inteligência criativa, devemos afastar-nos
do ponto de vista de Descartes “Eu penso, logo existo” (que equaciona a nossa identidade total à
dimensão da mente). Em vez disso, devemos entender a inteligência criativa como pertencendo ao
organismo no seu todo e às várias dimensões da mente no processo de tomada de consciência.

O pós-modernismo ampliou a nossa perspetiva cultural, conduzindo a uma visão da realidade que
desafiou o pensamento dualista e mecanicista - um sistema moral rígido determinado por uma hierarquia
baseada no bom ou mau, no ter ou não ter, no corpo ou no espírito. Desafiou-se a apropriação que a igreja
tinha do corpo, da imaginação e do espírito. Foi atribuído um valor renovado à diferença, à diversidade e
à interpretação da experiência a múltiplos níveis. No entanto, apesar de todas as suas conquistas
significativas, o mundo pós-moderno ainda não solucionou completamente a perda da “alma” na nossa
cultura. O resgate da alma na nossa cultura requer que se liberte o corpo e a imaginação do controlo do
consumismo, que se reforce o compromisso com o estético, não apenas na vertente da beleza externa das
coisas que possuímos ou desejamos, mas no que concerne ao mundo interno para além das aparências.
Será necessário sacrificar o mundo material de forma a reencontrar a alma? Se assim for, então como um
corpo global estamos certamente perdidos...ou podemos beneficiar das fases moderna e pós-moderna do
nosso desenvolvimento e viver nesse limiar onde o mundo interno e o mundo externo se encontram, onde
a luz e a escuridão, o sofrimento e a liberdade são compreendidos e vividos cada um à sua maneira?

Inspirados em Platão, podemos também partilhar da sua visão da vida como um desafio às nossas
habilidades, do viver como uma arte em si mesma, que requer o desenvolvimento de ferramentas como a
sensibilidade, a atenção e a presença. A capacidade de viver de forma plena e expressiva no presente, de

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desenvolver uma relação madura com o passado e de “dançar com” a pressão das forças opostas dentro e
fora de nós, é essencial para a arte e habilidade de viver.

O objetivo atual poderá ser encontrar novas formas de honrar as tradições sagradas e os mitos dos nossos
antepassados tribais, pois eles representam as nossas raízes, a nossa primeira procura de significado.
Viajamos até aos nossos antepassados quando nos predispomos a este despertar da consciência e à
expressão criativa do self no nosso mundo presente. Na manifestação criativa do self, as nossas diferentes
partes podem começar a estabelecer boas relações entre elas. Aquilo que conseguimos incorporar em nós
mesmos também conseguimos trazer para as nossas relações com os outros e para o mundo. Existe um
poema indiano que diz o seguinte “Eu ri-me quando ouvi que o peixe na água tem sede...” - na verdade, a
nossa sede de “alma” não será saciada por viajar para o exterior, mas sim por uma viagem ao interior, que
ao permitir que nos encontremos a nós mesmos nos deslumbra com uma redescoberta do mundo.

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2. Mergulhando no Caudal de Potencialidades Terapêuticas Simbólicas
e Expressivas do Mediador Expressão Corporal

O movimento e a respiração significam o início da vida. Eles precedem a


linguagem e o pensamento. O gesto emerge imediatamente como forma de
expressar a necessidade humana de comunicação. Isto tem-se verificado ao longo
de toda a história da humanidade.

Nas primeiras comunidades tribais, a dança era vista como uma ponte para a compreensão e para o
controlo dos ritmos do universo, seja nas várias manifestações da natureza ou como uma afirmação do
self e do seu lugar no mundo. A dança permitia a cada um sentir-se como parte da sua tribo e
proporcionava uma estrutura para realizar rituais essenciais relacionados com o nascimento, a puberdade,
o casamento e a morte. Havelock Ellis escreveu: “se formos indiferentes à arte de dançar, falhámos não
só na compreensão da suprema manifestação da vida física, mas também do símbolo supremo da vida
espiritual.” (Ellis, 1923, p.36). Conseguimos reconhecer diferentes grupos culturais através dos seus
distintos movimentos e danças, que desenvolveram de acordo com a sua geografia e forma de vida.

A criatividade na arte, e em particular na dança, é uma procura de estruturas para expressar aquilo que é
difícil de afirmar. A Terapia através da dança ou do movimento baseia-se no fundamento de que, através
da dança, as pessoas podem relacionar-se com a comunidade de que fazem parte e, simultaneamente,
expressar os seus próprios impulsos e necessidades nesse grupo. A energia e a força são partilhadas com
os outros, o que lhes permite ir além das suas próprias limitações ou preocupações. Além da satisfação
do movimento em conjunto, também se aprecia a validação do seu próprio valor e o reconhecimento dos
seus conflitos pessoais.

O ser humano é uma unidade corpo-mente e a dança/ movimento é a sua manifestação. O gesto, a postura
e o movimento expressam a pessoa e permitem o auto-conhecimento e a mudança terapêutica. Todos os
elementos e componentes de um ser humano são um conjunto de sistemas relacionados. A mente é
objetivamente parte de um corpo, e o corpo afeta a mente. Muitas investigações, realizadas por
neurofisiologistas e outros cientistas, têm analisado estas inter-relações. Quando nos referimos ao corpo,
não estamos só a descrever os aspetos funcionais do movimento, mas também a forma como a nossa
psique e as nossas emoções são afetadas pelo nosso pensamento, e como o movimento em si mesmo
efetua mudanças na nossa perspetiva das situações, das relações e de nós mesmos.

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A cultura corporal do movimento pode ser entendida como um termo genérico para objetivações
culturais, onde os movimentos dos seres humanos são os mediadores do conteúdo simbólico e
significante, que uma determinada sociedade ou comunidade criou. Pode ser encontrado de forma
específica em quase todas as culturas: em danças, jogos de movimento, competições e teatro. A este
conteúdo cultural correspondem comportamentos de movimento específicos da cultura com orientações
dos sentidos determinados. Esse comportamento de movimento é geral, quer dizer não é ativado somente
na atualização das formas culturais. Mesmo absorvendo movimentos de outras culturas, eles serão
efetuados no esquema tradicional daquela cultura. Pode ser observado quando nós usamos formas de
movimentos da cultura asiática (leste) ou como Eichberg (1976) descreve a forma de jogar futebol das
pessoas da Indonésia, que é diferente da nossa. Neste comportamento é expressa ao mesmo tempo uma
consciência (ou compreensão) corporal. É a base como as pessoas se relacionam com o seu meio, como
pensam, agem, sentem e entendem. (Dietrich, 1985, p. 279).

Não se trata de pensar que ao mudar o lugar físico altera-se o referencial interno, mas sim, de acreditar
que, a partir de novas experiências e novas necessidades, há uma reorganização corporal a fim de
responder - e corresponder - a essa nova demanda de exigências técnicas e expressivas. Esse novo lugar
muda a perspetiva do mundo dessa pessoa, que vê as suas relações se modificarem à medida que ela
própria se modifica. Não é apenas a maneira de se vestir, de cortar os cabelos ou a maneira de andar ou
gesticular que se apresenta modificada, mas principalmente, a forma de se colocar diante do outro, diante
do seu próprio mundo de expectativas, sonhos e projetos.

Segundo Tavares (2003): “O nosso corpo responde muitas vezes diferentemente do que seria considerado
adequado em relação à demanda social. E até mesmo disforme em relação às nossas potencialidades
orgânicas. Isso com frequência gera tensão e sofrimento individual e coletivo. Onde estaria a origem
desse conflito, desse sofrimento? Muitas vezes a raiz desse conflito está relacionada com a negação da
nossa impulsividade, que não encontra em nós nem continência, nem consciência. O sentido de
homogeneizar proveniente da ordem social e incorporado em nós sob a forma de valores e ideias, tende a
abafar fragmentos originais dos nossos sentidos. É partindo da continência e consciência dos nossos
impulsos que validamos a nossa originalidade corporal e ampliamos o nosso sentido de identidade, aspeto
essencial e matriz da imagem corporal [...] As necessidades de ordem social com frequência operam de
forma a ofuscar as necessidades individuais, cuja raiz é a energia pulsional. Somos pressionados em
numerosas circunstâncias a concretizar, no nosso corpo, o corpo ideal da nossa cultura. [...]”

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Antes do século XX, foram realizadas algumas tentativas de identificar e analisar o movimento e o gesto.
O primeiro trabalho escrito conhecido, que abordou exclusivamente a linguagem corporal, foi a
Quirologia de John Bulwer: ou A linguagem Natural das Mãos (publicado em 1644). No século XIX, já
os diretores e professores de teatro instruíam os seus atores e estudantes acerca de como transmitir
emoções e atitudes através dos movimentos e dos gestos.

Na sua obra “A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais” (1872), Charles Darwin debate a
relação entre os humanos, os símios e os macacos. Estas espécies utilizam expressões faciais
semelhantes, provavelmente herdadas por um ancestral comum, para exprimir certas emoções. A partir
do trabalho de Darwin, emergiu um interesse em etologia, pelo estudo do comportamento animal. No
final de 1960, Desmond Morris criou um grande impacto quando as suas interpretações de
comportamentos humanos, baseadas em pesquisa etológica, foram publicadas em The Naked Ape and
Manwatching. Outras publicações e apresentações dos media continuam a revelar o quanto o nosso
comportamento não-verbal é baseado na nossa natureza animal.

Quando os Homens das cavernas descobriram como decifrar grunhidos e criar palavras para transmitir as
suas mensagens, as suas vidas tornaram-se muito mais complexas. Antes da comunicação verbal, eles
confiavam nos seus corpos para comunicar. Os seus cérebros simples informavam os seus rostos, torsos e
membros. Eles instintivamente sabiam que medo, surpresa, amor, fome e aborrecimento eram atitudes
diferentes que requeriam gestos diferentes. As emoções, na altura, eram menos complexas e os gestos
também. O discurso é uma introdução relativamente nova ao processo de comunicação e é usado
principalmente para transmitir informações, incluindo fatos e dados.

A linguagem corporal, tem estado presente desde sempre. Sem depender da palavra falada para
confirmação, os movimentos do corpo transmitem sentimentos, atitudes e emoções. Quer gostemos ou
não, a nossa linguagem corporal, ou comportamento não-verbal, diz mais sobre nós, sobre as nossas
atitudes, humores e emoções, do que nós podemos querer revelar. De acordo com um estudo realizado
pelo professor Albert Mehrabian da Universidade da Califórnia, Los Angeles, 55 por cento da mensagem
emocional, na comunicação face a face, resulta da linguagem corporal.

A forma como posicionamos a nossa cabeça, os ombros, o tronco, os braços, as mãos, as pernas, os pés, e
como os nossos olhos, boca e dedos se movem, dizem mais a um observador sobre o nosso estado,
incluindo a nossa atitude, emoções, pensamentos e sentimentos, do que qualquer palavra que possamos
dizer. Embora sejamos capazes de escolher gestos e ações para transmitir uma determinada mensagem, o
nosso corpo também envia sinais de que não possuímos consciência. Por exemplo, se notarmos que as

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pupilas dos olhos de alguém estão dilatadas, e sabemos que ela não está sob a influência de drogas, seria
correto assumir que está a sentir prazer. Esses sinais individuais podem ser facilmente ignorados ou mal
identificados se forem retirados do contexto social ou se não forem identificados como parte de um
conjunto de gestos envolvendo outras partes do corpo.

Mesmo sem verbalizar o que estamos a sentir, o corpo comunica algo sobre esse estado. Observando a
escultura do pensador, de Rodin, conseguimos aferir o seu estado de espírito: pensativo, sério e
contemplativo. Da mesma forma, uma criança a fazer uma birra bate com os pés, cerra os punhos e exibe
um rosto franzido, que nos permite saber que ela não está nada satisfeita!

Podemos pensar no nosso corpo como se fosse uma tela de cinema. A informação a ser projetada está
dentro de nós e o nosso corpo é o veículo para o qual a informação é exibida. Se estamos ansiosos,
animados, felizes ou tristes, o nosso corpo mostra ao mundo o que está a acontecer lá dentro.

O ser humano é dotado da capacidade de criar um vasto repertório de gestos e expressões, desde o topo
da cabeça até à ponta dos dedos dos pés. Os gestos podem mostrar intenção ou não. Alguns gestos
pertencem-nos, porque nos tornámos identificáveis através deles. Outros são gestos de deslocamento -
são realizados apenas para deslocar alguma energia. Alguns gestos são específicos de culturas locais e
outros são universais, porque todos os fazemos.

Em todo o reino animal, a linguagem corporal é uma forma constante e fiável de comunicação. O homo
sapiens e o resto do reino animal estão constantemente a medir-se mutuamente, enquanto se preparam
para um encontro amigável ou hostil. Devido à estrutura e programação do corpo humano, este é capaz
de enviar uma miríade de mensagens silenciosas, enquanto a maioria dos animais é limitada no número
de sinais que podem transmitir.

Charles Darwin, concluiu que a capacidade dos seres humanos de expressar emoções, sentimentos e
atitudes através da postura e dos gestos, teve origem nos símios pré-históricos que mais se assemelham
aos chimpanzés de hoje. Como os humanos, os chimpanzés são animais sociais que vivem em grupos.
Como os chimpanzés ainda não desenvolveram a capacidade de falar, eles dependem principalmente de
meios não vocais, como a postura, as expressões faciais e os gestos comoventes, que mostram quem é
que manda e onde existe perigo. Darwin publicou as suas descobertas em “A Expressão das Emoções no
Homem e nos Animais”, em 1872. Este influente estudo académico continua a servir como base para
investigações modernas sobre expressões faciais e comportamentos não-verbais. Decorridos 147 anos

32
depois da sua publicação original, as descobertas de Darwin sobre postura, gestos e expressão são
consistentemente validadas por especialistas no campo.

Podemos assumir que o movimento é, num contexto verbal, sempre definido ou interpretado de acordo
com uma ou outra das suas funções secundárias, tais como: a comunicação; o comportamento; a
morfologia ou a estética.

O movimento pressupõe uma mobilização de partes do corpo, algumas das quais, suportam o peso
corporal, outras coordenam-se em gestos que se aproximam ou afastam do tronco - e todas se deparam
com a necessidade de estabilização através de uma contínua regulação da força e da resistência. As
atividades motoras de mobilização, suporte, coordenação e regulação providenciam ao corpo um leque de
alternativas de movimento. Deste ponto de vista, a forma personalizada como alguém se move pode ser
observada como uma seleção distinta providenciada pelas alternativas de atividades motoras supracitadas.
Esta seleção pessoal, não só cria ou recria um sentido do self físico, mas também cria ou regenera uma
noção do self em relação com os outros. É esta predileção de movimento que forçosamente engendra a
proximidade alcançável na interação com os outros.

A localização analítica do movimento deste componente também demonstra quão facilmente, ou talvez
insidiosamente, uma fixação motora pode engendrar um contexto intersubjetivo específico com nuances
experienciais influentes na receção do self e do outro, assim como na relação entre os seus corpos.

As perceções cinestésicas, formais, funcionais e relacionadas com o género do próprio corpo elicitam
quatro opções de auto-corporalidade. Embora estas constituam conceções parciais do corpo, que se inter-
relacionam, inequivocamente, cada uma retém o seu potencial ao longo da vida como uma fonte
constituinte da corporalidade. Ao definir as conceções parciais do corpo como recursos, cada uma pode
ser vista para ativar uma constelação característica do fenómeno de movimento, que pode ser percebida
como síndrome de movimento. Como cada síndrome se relaciona com uma realidade particular do corpo,
cada uma gera uma conceção potencial de ser. Além disso, as conceções parciais de corporalidade, as
suas síndromes de movimento características e as conceções de ser que geram, correspondem às áreas
constitutivas de sentido de self, explicadas por Daniel Stern. O movimento do self emergente baseia-se
fortemente nos aspetos cinestésicos da corporalidade e de um esforço sensório-motor para se orientar no
decurso da interação de movimento recetiva.

A síndrome de movimento sensório-motor enfatiza o movimento como uma regulação da resistência ao


outro ou à sua ausência através da oposição ou da submissão. Este procedimento de movimento promove

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a familiaridade com o estado de mudança da presença sensual do self em resposta a mudanças palpáveis
na presença sentida do outro e / ou do meio envolvente. A conceção cinestésica do corpo, orienta-se pela
diferenciação sensual entre self e não self, e promove o sentimento de sustentação através da noção de
autenticidade.

O procedimento de movimento do self nuclear depende fortemente de aspetos formais de incorporação e


de um corpo-motor que se esfoça em direção a uma identificação através de uma interação replicadora de
movimento. A síndrome de movimento corpo-motor enfatiza o movimento como uma mobilização de
partes específicas do corpo e resultantes mudanças da posição corporal. Este procedimento de movimento
promove a reciprocidade entre o estado de mudança da aparência do corpo em resposta às modificações
gestuais que decorrem da aparência física do corpo do outro. Na sua luta pela identificação através da
aparente mutualidade do self e do outro, o conceito de corpo formal promove um conceito de ser
sustentada por uma noção de intimidade.

Para Lacan (Psicanalista francês), o corpo pode ser pensado a partir da sua conceção de três registros
fundamentais. Nessa perspetiva, o corpo pode ser estudado por meio de três pontos de vista
complementares: do ponto de vista do Imaginário, o corpo como imagem, do ponto de vista do simbólico,
o corpo marcado pelo significante, e do ponto de vista do Real, o corpo como sinónimo de gozo. Pensar o
corpo do ponto de vista do Imaginário implica levar em conta os primeiros momentos da teoria lacaniana
e a forma como a imagem do próprio corpo a partir do outro marca a constituição subjetiva e a imagem
assumida pelo sujeito. O corpo do ponto de vista do Simbólico aponta para a relação que se estabelece
entre fala-linguagem-corpo.

Tendo como referência o texto Função e Campo da Fala e da Linguagem, escrito por Lacan em 1953, e a
sua conceção da primazia da linguagem, ele refere-se ao corpo marcado pelo simbólico, no qual as
diversas partes podem servir de significantes, isto é, ir além de sua função no corpo vivo. O corpo do
ponto de vista do Real seria sinónimo de gozo, definido não como organismo, mas como pura energia
psíquica, da qual o corpo orgânico seria apenas a caixa de ressonância. É importante notar que a
introdução original do conceito de gozo, distinto da noção de prazer, define as diferentes relações com a
satisfação que um sujeito falante pode experimentar no uso de um objeto desejado, postulando que a
questão da satisfação também se inscreve na rede de sistemas simbólicos que dependem da linguagem.
Como paradigma do Imaginário, o estádio do espelho refere-se à forma como a imagem do corpo próprio,
a partir do outro, tem um papel fundamental na formação do eu e na imagem assumida pelo sujeito.

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Lacan (1975/1986) afirma que o estádio do espelho (...), não é simplesmente um momento de
desenvolvimento. Situado entre o sexto e o décimo oitavo mês de vida, o estádio do espelho é a expressão
cunhada por ele para designar o momento psíquico no qual a criança antecipa o domínio sobre a sua
unidade corporal através de uma identificação com a imagem do semelhante e da perceção da sua própria
imagem num espelho. (Roudinesco & Plon,1998, p.194).

Lacan (1975/1986), afirma que a apreensão imaginária da unidade corporal antecede a própria maturação
fisiológica e motora, pois o processo da sua maturação fisiológica permite ao sujeito, num dado momento
da sua história, integrar efetivamente as suas funções motoras, e aceder a um domínio real do seu corpo.
Só que é antes desse momento, embora de maneira correlativa, que o sujeito toma consciência do seu
corpo como totalidade. O estádio do espelho permite também especificar o momento original no qual, a
partir da imagem corporal, a criança estabelece uma diferença entre o seu corpo e o mundo exterior.
Segundo Lacan (1975/1986, p.96), é aí que a imagem do corpo dá ao sujeito a primeira forma que lhe
permite situar o que é e o que não é do Eu. Nesse sentido, afirma ainda que o estádio do espelho é a
aventura original através da qual, pela primeira vez, o Homem passa pela experiência de que se vê, se
reflete e se concebe como outro que não ele mesmo, dimensão essencial do humano, que estrutura toda a
sua vida de fantasia. Lacan aponta a imagem corporal como capaz de um efeito formador. É o
reconhecimento primeiro da criança da sua totalidade no espelho e a antecipação imaginária de um corpo
unificado, através de uma identificação primordial do sujeito com a imagem, que possibilita à criança
ultrapassar o momento pré-especular, marcado por uma imagem de corpo fragmentada, constituindo uma
subjetividade. Portanto, para se constituir, é preciso que a criança seja objeto do olhar e tenha um lugar
no campo do Outro, cujo reconhecimento, na medida em que a nomeia, permite a sua entrada no registo
Simbólico.

De acordo com Carvalho (2018), podemos salientar as seguintes potencialidades:

Expressão e comunicação não verbal - O corpo em movimento como um meio de comunicação crucial na
relação com o arte-psicoterapeuta. A forma como o paciente entra, se senta, a sua postura, podem
constituir indicadores a explorar na sessão. É importante estar alerta a eventuais incongruências corporais
com a expressão verbal.

Acesso ao prazer funcional - A tomada de consciência dos reflexos, da coordenação, da força ou energia,
da precisão ou mestria, da sensação de liberdade que o movimento pode proporcionar, permite o aceder e
desfrutar do prazer corporal (usufruído nas esferas da relação intersubjetiva consigo próprio, com os
outros e com o meio).

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Restabelecimento da unidade psico-corporal - Ao estabelecer-se uma ligação subjetiva entre os conteúdos
da mente e a dinâmica do corpo torna-se possível unificar os processos mentais e corporal, ampliando-se
o campo da consciência pessoal a um nível somato-psíquico.

Restauração do amor próprio - O trabalho corporal, incluindo a tomada de consciência do movimento e


do esquema corporal, bem como de sensações de alívio e bem-estar, pode ser promotor do reforço da
auto-estima. O desenvolvimento do sentido estético e da mestria corporal contribui para uma auto-
imagem mais consistente.

Individuação - Estar em contacto intenso e em diálogo permutador com o corpo delimitado pelas
sensações da pele somática favorece o reforço da “pele psíquica”. A Individuação, em si, é um processo
natural de amadurecimento inerente à psique. O seu objetivo é a integridade, ou seja, a realização da
personalidade original (potencial) do indivíduo. É o caminho da plenitude, em direção ao cerne e sentido
último do nosso ser psíquico: o si-mesmo ou self.

Simbolização corporal - O movimento e a dança, num contexto relacional terapêutico, podem favorecer a
atribuição de significações simbólicas.

Sublimação - Inclui a simbolização do gesto e a procura do sentido estético do Belo, que permitem
comutar os fins sexuais e expressivos implícitos na ação motora em descoberta da verdade dos desejos
fantasmáticos, à sua renúncia e ao seu canalizar para fins mais elaborados.

Criatividade Corporal - O corpo enquanto mediador criativo pode ser objeto e simultaneamente função do
processo criativo. Qualquer ato criativo necessariamente envolve o corpo. Assim, a criatividade é um
processo psicológico na fronteira do somático.

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3. Dançando com as Particularidades do Mediador Expressão Corporal
em termos do Processo Criativo, do Fazer Artístico e do Produto
Criativo enquanto Objeto de Significação

“Olhar para o processo criativo é como olhar para dentro de um cristal: quando
fixamos os olhos numa face, vemos todas as outras refletidas.” Nachmanovitch

“A criatividade deve ser explorada como o representante mais elevado de saúde


mental, como a expressão da auto-atualização das pessoas normais.” Rollo May
(1976)

A Arte-Terapia é poderosa em virtude da sua fundação no processo criativo. Quando alguém está
envolvido nos aspetos criativos de qualquer forma de arte, não é possível descartar a perspetiva pessoal e
individual - é a raiz da criação. A expressão corporal não é apenas um exercício a ser realizado, mas sim
uma declaração de sentimentos, energia e desejo de exteriorizar algo interior. A expressão corporal de
alguém é baseada num conceito, realista ou abstrato, que precisa ser comunicado aos outros. Esta
compreensão levou à incorporação intencional da expressão corporal no processo terapêutico de grupos
ou pessoas individuais que procuram a auto-integração.

A criatividade conecta-nos com o processo natural que existe em todas as coisas nos planos biológico,
emocional, mental e espiritual. Ao tocar na energia desta força vital que se move constantemente em nós
e ao nosso redor, podemos reconectar-nos com o impulso inato do ser humano para a criação e evolução.
Podemos desenvolver a capacidade de tolerar a tensão e abandonar as formas estáticas e restritivas que
bloqueiam o fluxo saudável e criativo da energia vital, o mesmo fluxo que torna a mudança possível. À
medida que esses impulsos e capacidades básicos em nós são despertados e fortalecidos, a nossa
inteligência inata também nos permite compreender as relações criativas entre o que muitas vezes
parecem ser uma forças contraditórias. Quando estamos imersos criativamente, sentimo-nos
apaixonadamente vivos, envolvidos e empenhados em participar na nossa vida. Sentimo-nos encorajados
a assumir riscos, a “nos colocarmos lá fora”, a explorar e considerar todas as nossas “coisas” como fontes
de aprendizagem. O nosso processo, e todo o seu conteúdo, torna-se interessante, esclarecedor e
produtivo. Quando estamos sintonizados no "fluxo criativo", experimentamos uma liberdade da nossa

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energia e expressão, e um aumento invulgar da nossa perceção. De facto, libertar essa energia criativa
liberta todo o nosso modo de ser.

Ao nível da psicologia, o processo criativo conecta-nos com o inconsciente, abrindo-nos para as


impressões da psique que estão fora de alcance durante as nossas rotinas diárias. Trabalhar de uma
maneira “não-linear”, que o processo criativo engendra, traz conteúdos do inconsciente - imagens,
memórias, sensações e fontes de conhecimento ou ideias que não alcançamos diretamente através do
pensamento analítico ou da mente censuradora. A falta de diálogo criativo com o inconsciente rouba-nos
a oportunidade de usar a vasta quantidade de energia e material de recursos da nossa vida interior para a
compreensão e expressão conscientes. O caminho entre a imaginação e o inconsciente possibilitado pelo
processo criativo é, portanto, tão significativo para todos os seres humanos quanto para o artista
declarado. Ao abrir o canal criativo, estamos a restaurar o acesso ao inconsciente e ao mundo interior do
eu intuitivo, permitindo que a nossa mente pensante flua livremente, vagueie e tropece no material que
mais quer emergir. O inconsciente e a imaginação são parceiros íntimos nesse processo criativo. A
imaginação é o ponto de encontro onde o velho e o novo se juntam - o que era, o que é e o que poderia
ser.

A imaginação, como Ellen Levine (Levine e Levine 1999) refere, “leva-nos para além e para trás da
rotina diária” e em direção a uma “transformação ativa da experiência”. Juntos, o inconsciente e a
imaginação formam uma ponte entre a nossa vida interior e a nossa expressão exterior no mundo. Se o
inconsciente é o detentor das impressões passadas, então precisa de imaginação para entrar no mundo
exterior. Através da imaginação, penetramos no mundo interior e moldamos os seus conteúdos em formas
significativas e visíveis. De facto, é a imaginação que nos permite viver como seres criativos no mundo.
Ao nos envolvermos com o inconsciente e a imaginação nos processos criativos, sentimo-nos
participantes ativos na vida, exploradores com o poder de reformular as nossas respostas às nossas
histórias de vida, em vez de vítimas das circunstâncias.

No sentido terapêutico, o processo criativo mobiliza a vontade e cultiva a nossa capacidade de responder.
Olhando para a criatividade no contexto da terapia, a tomada de decisões ativa a vontade, pois o paciente
é chamado a prestar atenção ao que está a acontecer, a determinar o foco, a dar forma ao seu material e a
modular a sua expressão e ação de acordo com as condições em mudança. A “capacidade de resposta” é
desenvolvida e exercida em cada momento em que essas escolhas são feitas e expressas em ação. Nesses
“momentos de criação”, sensação, sentimento, imagem e “história” entram em cena, primeiro como
partes separadas e, eventualmente, como uma constelação ordenada de elementos, onde cada um é visto

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em relação ao todo. O paciente deve desenvolver a capacidade de sentir onde e como deve mudar o seu
foco de expressão de acordo com o elemento ou impulso mais apelativo em si. A pessoa torna-se
consciente do que está a acontecer em si mesma, e decide a quais elementos vai dar atenção e de que
forma. Assim, através do ato criativo o paciente forma uma imagem completa da sua experiência. A
capacidade de responder fazendo escolhas criativas é desenvolvida através do exercício deste diálogo
entre experiência sensorial interna e a perceção e a expressão externa. Nesse sentido, o processo criativo
na terapia serve como uma metáfora que nos permite trabalhar no desenvolvimento da vontade criativa
(“eu escolho”) e responsabilidade (“eu ajo” com consciência: “capacidade de resposta”). Os bloqueios no
processo criativo indicam uma perda de contato com essa energia vital, um desequilíbrio na capacidade
de responder através de atos de vontade e um corte com a imaginação. Essa energia bloqueada
transforma-se em sentimentos de depressão, ansiedade ou raiva e vincula-se a reações como colapso ou
deflação quando nos deparamos com possibilidades novas ou desconhecidas, estreitamento de visão
relativamente às opções existentes, constrição na capacidade de explorar todos os recursos disponíveis e
evitamento de envolvimento com o processo.

A forma como trabalhamos criativamente e como bloqueamos, reflete a nossa personalidade e os cenários
da nossa vida. Trabalhar do ponto de vista do processo criativo torna-se uma abordagem para a
exploração na terapia. O foco é no processo e não no resultado - na revelação através da experiência
sentida momento-a-momento. O desafio de nos envolvermos com experiências dolorosas, revisitando a
nossa história, abandonando as defesas padronizadas, e conhecendo o material do nosso lado sombra
acontece dentro deste contexto de exploração criativa. Esta abordagem vai além de um foco analítico,
orientado para o problema, para o reino da imaginação, onde a experiência é explorada metaforicamente
através das artes.

Criar arte em terapia tem a ver com experimentação, exploração e brincadeira. Trata-se de trabalhar com
a experiência sensorial e depois elaborar a partir do que surge. O material em que estamos a trabalhar fala
por si mesmo na linguagem poética do sentimento e da imaginação, que serpenteia e se desdobra de uma
maneira misteriosa e espontânea, e não de acordo com uma fórmula ou protocolo. Assim, como qualquer
processo criativo, o processo artístico convida e também exige que exploremos, experimentemos,
assumamos riscos e permaneçamos abertos ao que quer que surja. Fazer arte, como terapia, insiste em
que reconsideremos nossos modos “comuns” de pensar, agir e ser. Na criação de arte como na terapia,
estamos a tentar remodelar as nossas perceções de nós mesmos, para encontrar verdade e significado.
Pode-se dizer que nos procuramos reinventar a nós mesmos e à nossa relação com o mundo. Esta
descoberta conduzirá a ciclos onde nos defrontamos com as nossas limitações, bem como com a nossa

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capacidade de as superar. Uma consideração central e também uma metáfora, neste tipo de processo
terapêutico, é a forma como somos capazes de tolerar, trabalhar e confiar nessas forças existentes em nós
mesmos.

Na terapia, atende-se à forma como os nossos pensamentos, emoções e experiências de vida nos podem
restringir, mas para que a terapia facilite realmente a mudança, devemos entrar de bom grado nessa
procura inabalável por uma maior liberdade relativamente às nossas tendências e feridas incapacitantes.
De uma forma geral, o processo terapêutico inclui todas as formas através das quais as pessoas tomam
consciência de si mesmas e adquirem capacidade de mudança. O processo terapêutico requer o que
podemos chamar de mergulho interior, uma suspensão temporária do pensamento linear do dia-a-dia.
Este encontro tão profundo, ao qual não se acede facilmente, permite-nos explorar os nossos caminhos e
resgatar partes de nós que pensámos ter perdido.

Se ousarmos deixar o espaço familiar e desafiarmos os nossos padrões habituais, vamos precisar de
ferramentas que nos ajudem a conectar com a nossa energia criativa. As metáforas são essenciais para
iluminar e transformar. O processo criativo através da arte gera uma energia semelhante à da luz, para
que nesta viagem a lugares mais obscuros sejamos capazes de criar novas experiências da realidade e
novas formas de ser.

O sentimento de criação (inovação e unicidade) parece vir desse momento em que a pessoa se sente
ancorada ao presente, e consciente do que faz, e por isso “cria”, no instante presente. Na expressão
corporal a criação artística é produto e processo ao mesmo tempo.

O corpo oferece um amplo leque de possibilidades de trabalho expressivo e criativo, podendo o terapeuta
sugerir a utilização de qualquer parte do corpo do paciente. Pode-se considerar que todas as partes do
corpo podem ser tratadas como tendo uma mensagem/sabedoria sobre si próprio. As diferentes partes do
corpo podem dar a sensação de não se relacionarem facilmente, de não trabalharem em conjunto.
Frequentemente as pessoas desenvolvem bloqueios do fluxo energético no seu corpo. Podem ter
aprendido a bloquear a energia em zonas como o pescoço, cintura ou pélvis. Podem clivar o lado direito
do corpo, ou o esquerdo. Ajudar a desbloquear tais tensões e a recuperar o sentido de unidade do corpo é
um trabalho com imensas possibilidades de revelações ou insights, e também permite aceder a um grande
manancial criativo.

O terapeuta pode ter necessidade de se dirigir a diferentes partes do corpo e convidar a um diálogo verbal
e corporal ou sonoro. Outro foco de trabalho poderá ser explorar o significado dos bloqueios e clivagens

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de energia. Poder-se-á encorajar o enfoque da atenção no corpo como um todo ou nas suas partes. Outra
possibilidade também pode ser ajudar o paciente a integrar as partes do seu corpo e a dar-lhes suporte,
para que possa funcionar como uma pessoa total e cooperativa. A corporalização permite um trabalho de
fundo no corpo e no self nuclear.

A visualização, em todos os tipos de corporalização, pode ser uma forma efetiva e segura de trabalhar
com pacientes com um self frágil (e que podem não suportar um trabalho direto de corporalização). Pode
também ser útil promover apenas um pouquinho de movimento que não fragmente mais, permanecendo
lado a lado, respondendo à mais pequena iniciativa e reafirmando, aprovando ou fornecendo um espelho
empático. Outras formas de trabalhar aspetos corporais com este tipo de pacientes poderão ser o jogo da
areia, as marionetas, a pintura ou o barro, utilizados para representar aspetos corporais e integrados com
expressão corporal.

O movimento e a dança podem ser económicos e efetivos. Podem expressar coisas que as palavras não
conseguem, oferecem possibilidade para drama, têm um tremendo alcance afetivo e oferecem aos
pacientes a possibilidade de vivenciar coisas no seu corpo e self nuclear. Podem alcançar e expressar
aspetos não verbais do self.

As pessoas sentem-se melhor quando se movem. Têm uma ânsia por movimento e dança.
Frequentemente aprenderam a inibir o seu gosto e necessidade de movimento e dança, pelo que será
importante devolver-lhes essas apetências enfocando diretamente o corpo.

Quando se trabalha com movimento, pode haver necessidade de começar suavemente, pois até uma longa
viagem começa com um simples passo. Se começarmos por nos colocar em pé, dar pequenos passos ou
realizar pequenos movimentos, a partir daí o movimento ou a dança pode desenvolver-se. O movimento e
a dança podem começar com um movimento mínimo. Não se deve encorajar o paciente a ir mais longe
do que o terapeuta já foi.

A dança e o movimento ajudam a abrir novas possibilidades criativas e de elaboração. Assumir


personagens é uma forma agradável de explorar e desenvolver o movimento, encorajando-se, por
exemplo, os pacientes a assumir posições da personagem (da história ou da família). Em situações de
impasse ou corporalização bloqueada, corporalizar dois opostos ou corporalizar outro local que não o
bloqueado permite que o corpo mova a psique e que a psique mova o corpo. O próprio respirar é dança e
movimento em si e fomenta a tomada de consciência dos processos orgânicos e do componente
emocional associado.

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No centro da força vital está a presença de uma constante movimentação e criação de energia. Intrínseca
a essa “dança da vida” estão todas as variações de energia em movimento - fluída, fragmentada, gentil,
vigorosa, expansiva, contrátil, densa, leve, dissipadora e agregadora. Desse processo gerativo, todas as
formas de vida emergem e manifestam-se no mundo natural e na consciência e ação humanas. O jogo
criativo da força vital reside no fluxo entre a criação e a morte, a harmonia e o conflito, como elementos e
elementos opostos que se formam na relação de um com o outro.

Um indício poderoso da sabedoria do corpo é que o seu movimento, postura e fisiologia, se adaptam sem
intenção consciente, a fim de assegurar a sobrevivência e maximizar os recursos disponíveis. Como as
memórias que moldam a aprendizagem procedimental começam na infância (Tulving & Schacter, 1990),
elas normalmente não estão disponíveis para a recuperação verbal, para a reflexão e a avaliação. A
aprendizagem procedimental reflete modelos de representação internos. Estes modelos “baseiam-se nas
previsões que a pessoa tem de quão acessíveis e responsivas as suas figuras de vinculação serão, caso
procure o seu suporte” (Bowlby, 1973, p. 203). Estes modelos aprimoram o nosso conhecimento
relacional implícito ajudando-nos a perceber situações, prever o futuro e construir planos de ação
(Bowlby, 1973). Codificados em memória procedimental, os nossos modelos de representação restringem
o significado que atribuímos a cada momento e tornam-se estratégias não conscientes de regulação
emocional (Schore, 1994) e interação relacional. A construção de significado é geralmente considerada
um processo consciente e verbal, mas uma ampla variedade de capacidades e fenómenos humanos
influencia e expressa significados.

Tronick (2009) confirma: “Os significados incluem qualquer coisa relativa aos domínios linguístico,
simbólico, abstrato, mas também se podem aplicar a algo relativo aos processos e estruturas do corpo,
fisiológicas, comportamentais e emocionais.”

Os símbolos e a linguagem que expressam significados conscientes são talvez menos críticos para a
prática psicoterapêutica do que a variedade de padrões implícitos automáticos (como gestos, postura,
prosódia, expressões faciais, olhar fixo e hábitos de movimento) que refletem e sustentam modelos de
representação inconscientes. Os modelos de representação e as suas ações físicas ajudam as crianças a
lidar com o trauma e com a vinculação inadequada, além de maximizarem os recursos do ambiente e as
pessoas que o compõem. Por exemplo, se as figuras de vinculação esperam que sua filha seja obediente e
não-assertiva, ela pode encolher-se e manter o seu corpo pequeno para obter a sua aprovação. Por outro
lado, se as figuras de vinculação esperam que ela seja forte e confiante, ela pode inconscientemente
levantar o queixo e esticar o peito para que eles a aceitem. As crianças ajustam as suas necessidades

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internas às demandas e preferências dos pais, aprendendo desde cedo sobre o que é esperado nos
relacionamentos, e os seus corpos refletem e sustentam essas expectativas. Talvez um paciente tenha
abandonado uma postura afirmativa com um olhar direto nos olhos do outro, por uma postura
desmoronada com um olhar desviado que impede o envolvimento íntimo com os outros, ou impede que
ele seja visto.

O trauma estimula outro tipo de inteligência somática na forma de respostas defensivas instintivas
destinadas a assegurar a sobrevivência. Sob ameaça, o sistema nervoso simpático liberta adrenalina para
estimular o coração a bombear com mais força e aumentar a respiração, fornecendo aos músculos o
oxigénio e a energia necessários para abastecer as defesas animais de luta ou fuga. Todos os sentidos se
tornam híper alertas. Mas, muitas vezes, é impossível lutar ou fugir, ou iria apenas piorar o trauma, como
é o caso dos traumas de infância. A próxima linha de defesa é proteger, ficando dormente, congelada,
desmoronada e imobilizada. Essas respostas físicas e fisiológicas inatas ao trauma são essenciais para a
nossa sobrevivência.

Assim, as respostas que inicialmente eram adaptativas ao perigo e à sobrevivência das relações de
vinculação, prolongam-se no tempo, muito depois das condições se terem alterado. Décadas depois, os
pacientes ainda podem experienciar as mesmas reações físicas das situações iniciais. Aqueles que
sofreram traumas podem continuar a sentir-se congelados, dormentes ou tensos, ou estarem
constantemente prontos para lutar ou fugir. Podem estar híper alerta, excessivamente sensíveis a sons ou
movimentos e sentir-se facilmente assustados por estímulos desconhecidos. Ou podem ter reações
diminuídas a estímulos, sentir-se distantes da sua experiência e dos seus corpos e até mesmo ter uma
sensação de inércia (indiferença mortificada).

Os nossos pacientes também incorporam os hábitos posturais e de movimento que ajudaram a maximizar
os recursos que as suas figuras de vinculação podiam oferecer. Mas nem sempre os pacientes e os seus
terapeutas compreendem a sabedoria original dessas reações físicas, e não percebem que abordá-las na
terapia pode providenciar um caminho para ajudá-los a mover-se para além dos limites do passado.

Terapeuta e paciente, juntos, interrompem a automaticidade desses indicadores quando se apercebem


deles, “não como doença ou algo de que nos queremos livrar, mas num esforço para ajudar o cliente a
tomar consciência de como a experiência é gerida e de como a capacidade para experienciar pode ser
expandida ”(Kurtz, 1990, p. 111). É importante notar que a noção geral de atenção consciente recetiva a
quaisquer elementos que surjam na mente é diferente da atenção consciente direcionada especificamente
para indicadores não verbais. Em vez de permitir que a atenção dos pacientes se desloque aleatoriamente

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para quaisquer emoções, lembranças, pensamentos ou ações físicas que surjam, os terapeutas podem usar
a “atenção dirigida” para guiar a consciência do paciente em direção a indicadores específicos que
fornecem um ponto de partida para a exploração dos estados de self e dos seus modelos internos de
representação (Ogden, 2007, 2009). É preciso intenção, experiência e prática para o terapeuta “saber”
quais são as pistas não verbais que são indicadores e quais não o são. Esse "conhecimento" não é
cognitivo, em vez disso, o terapeuta sente-se atraído por uma pista não verbal específica, muitas vezes
sem saber porquê. Normalmente, as descobertas posteriores na sessão terapêutica revelam que a sugestão
foi um indicador significativo dos modelos internos de representação, de uma resposta defensiva e da
história de vinculação que reflete e sustenta os estados do self.

Na pintura, temos que chegar a um acordo com o material - com a tela, a tinta, cor, os objetos
encontrados. Que cores escolhemos? Como é que a tinta contacta a superfície? A nossa imagem interior
está a emergir? No movimento / dança, temos que lidar com o ritmo, a força e com a forma como nos
movemos no espaço. Quando trabalhamos com o corpo no movimento criativo, há um processo interno
de mediação que ocorre constantemente entre sensação, sentimento e imagem, entre as várias partes do
corpo e entre tensão e relaxamento. Como lidamos com esse fluxo? Que impulso seguimos? Como
podemos articular melhor o nosso movimento para refletir a nossa experiência interior?

Lidar com o meio em si, as escolhas que se realizam, e as nossas respostas mentais e emocionais a esse
processo expressivo revelam-nos um encontro metafórico com o nosso ser, na medida em que todos os
nossos condicionamentos passados entram em ação. Durante esse processo, também descobrimos que o
“estilo” da nossa criação em arte reflete um estilo similar ao modo como lidamos com a vida quotidiana,
e ao modo como trabalhamos as nossas questões em terapia. Por exemplo, “permanecemos lá” quando as
coisas ficam difíceis? Saltamos para a frente para tentar obter um produto acabado? Fugimos quando
aquilo que surge não é o que queríamos? Julgamos, comparamos, apressamo-nos, bloqueamos? Que
diálogo interior é que surge?

Os meios artísticos em Terapia tornam-se os materiais concretos com que experimentamos e lutamos, que
agregamos, afastamos e reagrupamos à medida que encontramos os padrões relativos à forma como
posicionamos na nossa vida. Os momentos de viragem acontecem quando emergimos numa expressão
livre e sentimos que encontrámos a forma “certa”. Tudo faz sentido, o processo flui e conseguimos criar a
expressão que nos faz sentido ou é-nos revelada uma nova forma de ser - encontramos o sentimento
autêntico ou o insight. Esta viragem, parece requerer uma pré-vida, uma espera, uma luta com, e
posteriormente um deixar ir ou um desapego da intensidade do momento.

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Chegar a uma viragem ou experiência inovadora, geralmente, requer qualidades com as quais a maioria
de nós tem dificuldade na vida diária: abandonar o nosso apego ao resultado, tolerar o caos, permanecer
com ele, suspender julgamentos de certo-errado, prestar mais atenção à sensação interior do que à
aparência exterior, e cultivar as qualidades de aceitação e paciência, de prática e disciplina.

Outro princípio fundamental para tornar o processo de arte profundamente terapêutico é a resposta
estética. A experiência estética é baseada na perceção sensorial, na forma como percebemos o mundo e
na nossa compreensão do corpo como uma sensação, sentimento e um todo imaginário. A estética fala
com o nosso sentido de beleza independentemente de fórmulas ornamentais e prescrições convencionais.
Na resposta estética estão envolvidas a imaginação, a emoção e a sensação, há uma certa transcendência.
Ao trabalhar conteúdos dolorosos ou prazerosos, a experiência estética conduz, a pessoa que expressa e a
pessoa que testemunha, a encontros criativos e significativos. Na experiência estética, a substância e a
forma encontram-se, de tal maneira, que somos movidos, emocional e imaginariamente, pela expressão
apresentada. Princípios e teorias da estética sugerem que é através da nossa vida sensorial - através do
paladar, tato, visão, olfato, som - e através do nosso sentido cinestésico que experimentamos o mundo.
Como a experiência sensorial está tão profundamente enraizada em todas as artes, a experiência estética
desempenha um papel particularmente importante no cruzamento entre a Arte e a Terapia. A nossa
capacidade de responder esteticamente permite que a Arte entre no mundo da Terapia. Para facilitar esse
cruzamento, precisamos desenvolver e refinar a nossa capacidade estética. Assim como um músico
precisa de manter as cordas do violino devidamente afinadas para criar uma música ressonante, o nosso
corpo, mente e espírito precisam de estar sintonizados para manter os canais dos nossos sentidos,
emoções e imaginação totalmente abertos. Quando os canais estão abertos para a resposta estética, assim
como quando são abertos para o livre fluxo da expressão criativa, a arte provoca, revela e educa; isso
pode ser profundamente curativo.

Nas ligações entre Criatividade, Arte e Terapia, encontramos os temas, lutas e mitos que percorrem as
nossas vidas. O processo criativo, o processo de fazer arte e o resultado em si são todos meio, metáfora e
mensagem em terapia. O nosso trabalho liga a experiência interior de sensação, sentimento e imaginação
à expressão externa, na medida que brincamos com as dinâmicas de restrição, avanço e fluxo livre - e
descobrimos as narrativas presentes.

Há muito a analisar e sentir quando "observamos" o movimento, em nós mesmos ou nos outros. Nós
podemos prestar atenção à relação entre elevado e reduzido tónus muscular. Podemos observar a
presença e o grau de tensão e relaxamento, contração e libertação. Podemos reparar no fluir da respiração

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em relação ao movimento. Podemos seguir cuidadosamente as partes do corpo que se movimentam.
Podemos perceber que partes do corpo estão envolvidas no movimento e quais não estão, onde ocorre no
corpo a iniciação do movimento e como outras partes do corpo seguem ou respondem apoiando ou
resistindo. Podemos olhar para a postura e para a forma como o sistema músculo-esquelético determina
padrões idiossincráticos de movimento. Nós trabalhamos com gestos também com movimento motor
bruto e ciclos de movimento. À medida que deciframos o meio e as mensagens de movimento expressivo,
trabalhamos com o que está lá e com o que está em falta.

Usando um modelo muito básico, podemos observar, entender e desenvolver movimentos de acordo com
os elementos de espaço, tempo, força e forma. A utilização do espaço é vista observando como a pessoa
está a articular o seu movimento em relação ao ambiente imediato, incluindo a área imediatamente ao
redor do corpo, bem como em toda a sala. Podemos notar se a pessoa está a usar movimentos amplos ou
pequenos, ou se se move na periferia, nas diagonais ou no centro da sala. Notamos a organização do
tempo através da velocidade ou do ritmo, e através da aceleração e da diminuição de tensão no
movimento. Observamos, por exemplo, se o movimento é rápido, lento ou se muda de ritmo, se é
sustentado ou brusco, e se a pessoa é capaz de realizar transições entre estas qualidades. A força
manifesta-se variações de energia no momento em que a pessoa realiza o movimento, e relaciona-se com
o modo como o corpo responde à força da gravidade. O movimento é leve ou forte? O impulso aplicado é
suficiente para completar um movimento? Como Laban (1960) e Bartenieff (1963) sugeriram, vemos a
forma na forma do movimento, no modo como o corpo se adapta e se move no espaço - a qualidade da
forma pode ser circular, angular, direta e indireta. Podemos, também, falar sobre a forma em termos de
postura, e do modo como a tensão é mantida no corpo e no movimento. As qualidades posturais básicas,
podem ser descritas como colapsadas, contraídas, estendidas, híper-estendidas ou centradas. Cada uma
dessas posturas afeta a forma como uma pessoa articula o seu movimento, e determina o alcance do
movimento a que ela pode aceder. Essas qualidades posturais e de movimento, também, têm
correspondências em respostas emocionais e em estados mentais e atitudes.

Normalmente, concentramo-nos na forma como o movimento se desenvolve em torno de cada um destes


elementos: utilização do espaço, forma, força, postura, articulação das partes do corpo, e graus de
restrição e fluxo. No entanto, cada um tem uma influência sobre os outros; podemos concentrar-nos num
elemento de cada vez, mas, também, podemos mudar o nosso foco para os elementos relevantes que têm
impacto sobre o movimento, bem como para as relações entre os elementos. Ao notar movimentos
repetitivos, idiossincráticos ou restritivos, nos quais a utilização do espaço, tempo, a força e a forma
permanecem os mesmos, podemos assumir que os recursos são limitados e que outros padrões restritivos

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existem. O que não fazemos, no entanto, é combinar qualidades particulares com uma interpretação. Em
vez disso, chamamos a atenção para a qualidade do movimento - para a forma como a pessoa está a usar
o espaço, o tempo, a força e a forma, a postura ou o gesto - e fornecemos informações que espelham,
aumentam, intensificam ou apoiam a pessoa. Quando observamos e falamos com o movimento,
entendemos que estamos a observar e a falar com os sentimentos, imagens e narrativas internas.

Do mesmo modo que a pessoa transfere processos psicológicos, sentimentos e imagens na utilização do
espaço, do tempo, da força e da forma, os parceiros ou um grupo em movimento expressam dimensões
semelhantes. Ao observarmos essas interações de movimento, o mito relacional ou de grupo é revelado e
pode ser trabalhado. À interação entre e a junção de um número de ciclos de movimento conectados com
imagens ou sentimentos que juntos expressam vários componentes de uma experiência, ou história,
podemos chamar dança. Para encontrar esses componentes e explorar a sua interação, trabalha-se com um
conjunto de quatro fases específicas. Ao repetir, desenvolver, comutar e deslocar, gera-se uma maneira de
explorar e organizar nosso material. Quando um movimento começa, repeti-lo promove consciência,
atenção e clareza para a ação. A pessoa que se movimenta identifica o que está a fazer, sente e repara nas
imagens que o acompanham.

Desenvolver um movimento identificado introduz elementos que expandem, aprofundam e alteram tanto
o movimento como a experiência do seu autor. O autor do movimento amplia os seus recursos e a sua
capacidade de prosseguir "escutando ativamente" para onde o movimento quer levá-lo; respondendo à
resposta contínua e crescente do movimento, ele trabalha com o fluxo de sentimentos e imagens
evocadas.

A comutação introduz a consciência de diferentes elementos, que podem ser explorados em relação uns
aos outros, incluindo por oposição e contraste, bem como por partes semelhantes ou relacionadas. Como
a fase de desenvolvimento, a comutação enfatiza a variação e a mediação.

O deslocamento introduz a ação de eliminar elementos, enfatizando e mediando forças opostas, focando-
se nas transições, e explorando as conexões entre os vários elementos. O deslocamento aumenta a
capacidade da pessoa de escolher entre uma variedade de qualidades possíveis para que ela possa
expandir o repertório da exploração, enfatizar o confronto, a libertação ou a mudança.

Desenvolver uma interação e um ciclo exploratório de repetição, desenvolvimento, comutação e


deslocamento impede que o autor permaneça vinculado a movimentos isolados e que fique preso a uma

47
única maneira de explorar entre os movimentos. Quando se surge uma imagem global do movimento "a
dança de ..." emerge.

Os movimentos com potencial para serem bastante interessantes, desafiadores e significativos para o seu
autor são frequentemente interrompidos ou descartados antes da sua mensagem ser totalmente explorada.
Ao repetindo, desenvolver, alternar e mudar, estamos a praticar a ecologia do movimento. Desta forma,
podemos tirar o máximo partido deste mediador e das suas mensagens. Na prática, será algo deste género:

• Repetir: Fique com um gesto, movimento ou fase de movimento. Observe a forma do movimento, a
força e o espaço que você está a utilizar. Continue a fazer isso até que fique bem claro e encontre um
ciclo repetitivo de movimento.

• Desenvolver: Aplique velocidades diferentes ao movimento. Dê diferentes graus de força a diferentes


partes do movimento. Execute-o pelo espaço de maneiras diferentes. Use ritmos diferentes. Faça maior,
menor. Envolva diferentes partes do corpo. Continue até que tenha ido o mais longe possível. Elimine ou
altere algumas partes e adicione novos elementos. Prossiga com cada movimento.

• Interruptor: Ir e voltar entre duas qualidades diferentes no movimento, pesado e leve, com movimentos
muito pequeno e movendo-se expansivamente, movendo-se enquanto segura a respiração e libertando a
respiração. Faça as suas trocas lentamente, rapidamente.

• Deslocamento: À medida que usa qualidades diferentes ou desloca o seu foco do espaço para a força ou
de uma imagem para outra, explore as transições de movimento que o conduzem de um elemento para
outro, prestando atenção aos “movimentos intermediários”. Pode utilizar este ciclo de repetição,
desenvolver, trocar e deslocar quantas vezes forem relevantes, e em qualquer combinação, para aumentar
e expandir os diálogos entre movimento, imagens e sentimentos. Significativamente, com este tipo de
modelo, desenvolve-se a capacidade de testemunhar, gerar criatividade e de realização das suas próprias
escolhas.

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4. Cozinhando as Características da Utilização do Mediador Expressão
Corporal nos Diferentes Modos do Modelo Polimórfico

Em Arte-Psicoterapia Intensiva o corpo, enquanto mediador com


potencialidades de perceção, movimento, relação, plásticas, criativas e
estéticas, para além de outras, constitui um dos focos possíveis da
intervenção de facilitação. Aliás a corporalidade está envolvida em todas as
dimensões do trabalho arte-psicoterapêutico integrativo. Na utilização de
outros mediadores o corpo está necessariamente envolvido com a
expressão musical, pictórica ou dramática. Na relação dialógica o corpo é
componente ativo de comunicação. Por exemplo a transferência envolve
frequentemente a dimensão psicossomática. Certos sentimentos
transferenciais podem ser traduzidos pelo sistema nervoso neuro-
vegetativo. Daí a importância do arte-psicoterapeuta intensivo estar atento
à comunicação não-verbal, corporal, envolvida na relação terapêutica e na
expressão mediada. Ao focalizar-se o corpo na Arte-Psicoterapia Intensiva
está a privilegiar-se que as transformações possam ocorrer precisamente no
interstício entre o somático e o mental. (Carvalho, 2018)

É importante que o arte-psicoterapeuta intensivo esteja atento aos ritmos do desenvolvimento dos seus
pacientes. Esses ritmos refletem mudanças no livre ou limitado fluxo de energia, e pode ser ilustrado em
qualquer parte do corpo, ou em séries de partes corporais. Um paciente adulto que use um determinado
ritmo dará indicação de regressão a um ponto de fixação, ou a uma origem em fase incompleta do
desenvolvimento psico-sexual, relacionada com esse ritmo. (Carvalho, 2018)

A perceção da imagem corporal compreende quatro representações major: cinestésica, formal, funcional
e sexual. Eu acrescentaria a estas a dimensão da estrutura corporal.

A representação cinestésica corresponde àquela que é formada a partir das sensações físicas…
“determinando… não apenas a perceção da sua respetiva situação e disposição, mas também a vivência
da separação do corpo e não-corpo”. (Dania Newman) A consciência da individuação implica também
uma referência bem integrada da noção de separação do meio e do outro, com perceção bem definida dos

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mundos interno ou do Self e externo ou não Self, para além do lugar ocupado no mundo real e físico a
cada momento, permanecendo orientado posturalmente.

A representação formal é relativa ao conceito imagético em si, do próprio corpo, determinando o modo
como tal se torna manifesto na ação e vivência do indivíduo, com implicações nomeadamente na
organização e ordenamento do seu esquema corporal. O movimento quer espontâneo, quer volitivo ou
pré-determinado, não é apenas consequência de esquemas cognitivos e comportamentais organizados,
mas também compreende uma tonalidade afetiva, que o impregna de significação. As manifestações da
representação formal do movimento poderão ser descritas como “movimentos isolados ou específicos”
relativos a áreas corporais específicas, que podem estar adstritas, por exemplo, aos quadrantes superior,
inferior lateral direito e lateral esquerdo, como tendo características próprias de “direção” e
especificidades de “amplitude”. Tais manifestações poderão ser mais ou menos conscientes para o
indivíduo.

A representação funcional do corpo manifesta a avaliação adquirida do potencial de ação pessoal. Nele
encontram-se implicados igualmente conceitos definitivos de potencial de ação. O conceito funcional do
corpo subdivide-se na sua referência à dinâmica sujeito/objeto em quatro síndromes de análise de
movimento. Cada um deles tematiza quer motor quer existencialmente uma confrontação complementar
necessária para o relacionamento inter-pessoal: “polarizar” ou “distanciar-se”; “cooperar” ou “realizar”;
“co-decidir” ou “co-determinante” e “decidir” ou “determinante”. A interação polarizadora baseia-se na
conceção de que os opostos, como por exemplo “rápido e lento”, se relacionam como forma entre si –
neste exemplo a velocidade. Na interação do movimento, a relação define-se pela capacidade de através
do auto-controlo realizar autonomamente as exigências do parceiro. Esta definição de ligação será
obrigatoriamente conflituosa na perceção das próprias tentativas autónomas. A proximidade causa
insegurança através da sua relação com a dependência. A distância, pelo contrário, origina medos de
perda. Na interação cooperadora surgem fenómenos motores, os quais determinam proximidade e
distância ou “amplitude”: - “movimentos de abertura e fechamento” dos membros ou dos seus segmentos
“do corpo para fora” ou do “corpo para dentro”, a utilização das articulações, “fletir e esticar” assim
como “retorcer”. Quanto à interação de movimento co-determinante, nesta é superada a ideia de que a
continuidade da relação consiste apenas na realização das exigências do parceiro. A capacidade para
negociação e compromisso é aqui consequentemente um pressuposto. Característica motora desta
síndrome é a acentuação de movimentos do corpo que unem o emprego de energia e tempo, como por
exemplo “puxar e empurrar”, “correr, saltar” assim como “acelerar” ou retardador. A imposição dos
próprios desejos é manifestação da última síndrome de movimento no conceito funcional do corpo: a

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interação através da determinação. Ela condiciona a capacidade para rivalizar e para concorrer.
(Carvalho, 2018)

A representação sexual do corpo consiste na combinação dos três conceitos do corpo acima mencionados.
Ela pressupõe a identificação positiva com o próprio sexo e baseia-se na compreensão das suas
características cinestéticas, formais e funcionais. Carvalho (2018)

A representação estrutural corresponde à noção interna do peso, volume e potencial de ação do corpo. A
forma como o corpo utiliza o espaço proporciona informações específicas sobre a pessoa: o equilíbrio, a
direção, as inflexões do movimento ou da direção no espaço, os sentidos preferenciais (frente, lado, trás)
ou evitados, são diferentes componentes da ação do corpo no espaço. Carvalho (2018)

De acordo com Carvalho (2018), os elementos básicos do movimento a atender em AT Intensiva são: a
respiração; o alinhamento; a centralização; a tensão e o ritmo. A respiração funcional realça a expressão
do corpo em conformidade com os seus sentimentos: a contenção do ar, por exemplo na surpresa e no
medo; a expulsão do ar; em soluços de desgosto; a respiração rítmica e profunda, no amor; a fluida e
ampla respiração do jogo; o suspirar da saudade ou do desejar. O alinhamento refere-se ao desenho
corporal do paciente (alto, baixo, gordo, magro) e representa a sua afirmação como pessoa, refletindo a
mais elevada forma de existência funcional, manifesta na atitude corporal das suas ações e reações.
Também está intimamente relacionado com a estrutura corporal. Relativamente à centralização, é o
centro que torna possível a unidade física-funcional que atua como um estabilizador para o equilíbrio, um
compasso para a orientação, um coordenador para o movimento O centro é o ponto de referência que
define as fronteiras corporais, permitindo-lhe manter a representação de onde começa e acaba. Assim, a
forma como o paciente organiza posturalmente a sua centralização reflete o grau de equilíbrio, coesão e
diferenciação do seu Eu. No que concerne à tensão, cada pessoa possui o seu próprio grau de tensão ou
tónus muscular, aquele que lhe é mais confortável e familiar. É a partir deste nível básico que a energia
poderá subir ou descer. Por fim, o ritmo é uma constante existencial, que pode ajudar a expressar as
emoções.

Os movimentos que podem ser focalizados na intervenção de Arte-Terapia Intensiva são: o movimento
locomotor (composto por movimentos físicos, de precisão e movimentos grosseiros, são os movimentos
envolvidos na execução de diferentes tarefas); os gestos (que acompanham a comunicação verbal ou que
contêm em si intencionalidade de comunicar); os movimentos posturais (que envolvem uma mudança da
posição da coluna vertebral); as expressões faciais (relacionadas com estados emocionais); os
micromovimentos (são muito ténues e geralmente não têm uma direção específica ou intenção); os

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movimentos preparatórios (que precedem a intenção de um movimento); os movimentos do Sistema
Nervoso Autónomo (constituído pelo sistema nervoso simpático e parassimpático - responsáveis pelo
ritmo cardíaco e respiratório, pela sudação, movimentos peristálticos, tremores, acomodação visual, etc.);
os movimentos arquetípicos (representam qualidades arquetípicas, mas também expressões e gestos
universais próprios a comunicação não verbal do ser humano); a respiração (a nossa atitude para com a
vida é refletida pela respiração); a sonoridade do movimento (diferentes zonas do nosso corpo podem ter
uma ressonância específica).

Pode-se trabalhar com esses diferentes tipos de movimento com o objetivo de: promover a consciência
pelo movimento (observando os movimentos espontâneos ou orgânicos, as sensações associadas e o seu
significado - pode-se pedir que o paciente os repita, faça mais rápido, mais lento, os iniba, etc.); educar
pelo movimento (alterando padrões estruturais ou psicológicos implícitos na componente funcional de
movimento); e de expressão pelo movimento (vivencia da experiência interna).

A Arte-Psicoterapia Integrativa integra os diferentes modos de expressão ou mediadores, permitindo ao


paciente recorrer a um igual número de formas de exprimir o que sente e o que pensa. Tem em conta que,
de facto, cada mediador apresenta as suas características e potencialidades particulares, o seu contexto da
sua utilização terá de se adequar aos objetivos específicos.

De acordo com Levy (1994, citada por Carvalho, 2018), ao observar o seu trabalho artístico, a pessoa está
a internalizar, a nível visual, o que foi exteriorizado, possibilitando ao paciente obter de volta aquilo que
projetou. Se o paciente puder interpretar o seu trabalho artístico através do movimento corporal, isto
poderá permitir que ele vivencie aspetos projetados do próprio também a um nível físico, ajudando a
organizar a experiência e a exprimir aspetos do self previamente inacessíveis.

Promover a experiência integrada com as artes visuais pode favorecer a evocação de representações
psíquicas manifestadas através do ato criativo visual e concreto, permitir ao paciente ir além do produto
final e refletir acerca do que vê. Deste modo, esta opção de integração permite organizar e tornar tangível
e acessível à reflexão o que é aflorado pela expressão corporal. Por outro lado, a imagem ou objeto criado
também pode servir de mote para a expressão corporal, permitindo uma exploração mais emocional.

Na Arte-Terapia Vivencial Polimodal, o enfoque é colocado nas potencialidades simbólicas e expressivas


do contínuo expressivo e coloca a possibilidade de colocar em ação os processos criativo e expressivo,
enquanto na Arte-Psicoterapia Integrativa o foco é a relação psicoterapêutica mediada. (Carvalho, 2018)

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A expressão corporal oferece ao paciente uma oportunidade para reintegração a nível corporal. Isto inclui
a vitalização, a unificação, a ativação e a motivação do paciente usando tanto movimentos de
aquecimento dirigidos, como movimento improvisado não diretivo. O movimento experimentado por
pacientes esquizofrénicos pode incrementar níveis de auto-sincronia, ou organização do movimento.
(Laudler, 1979) Outros objetivos importantes na expressão corporal com pacientes psiquiátricos incluem
a expansão do nível de movimentos expressivos e a abertura a novas formas de interagir com os outros a
um nível não verbal. Com crianças, a expressão corporal pode permitir criar um perfil mais adaptado de
movimento. (Carvalho, 2018)

Utilizar a expressão corporal em grupo possibilita aos pacientes uma experiência interativa de grupo, que
lhes permite manter ou melhorar o seu nível de funcionamento. Ao iniciarem o seu próprio movimento
expressivo num grupo, os pacientes tornam-se capazes de desenvolver um sentimento de capacidade e
autonomia pessoal. Seguindo o movimento dos outros, podem desenvolver empatia não verbal com os
outros. Para além disso, os membros do grupo cooperam ativamente para adquirir metas de movimento,
criando sequências de movimentos acompanhadas pelas suas próprias imagens criativas. (Carvalho,
2018)

O grupo de Arte-Terapia com integração de expressão corporal oferece uma dimensão não-verbal que
possibilita o desenvolvimento da técnica de socialização. Aprender pela imitação (espelhamento), ou
participar na coesão do grupo (através de movimentos sincronizados, rítmicos ou complementares).
(Carvalho, 2018)

A expressão corporal facilita experiências interpessoais e interpsíquicas no contexto da improvisação do


movimento no grupo. Cada movimento do paciente é refletido ou espelhado, e assim aceite pelo grupo e
pelo terapeuta, organizando-se como um testemunho verbal que pode ser refletido de volta para o
paciente numa sessão de psicoterapia verbal. (Carvalho, 2018)

Num contexto seguro e contentor, destinado à emergência dos afetos, através do uso do movimento, do
imaginário, do simbolismo e da metáfora grupal, a expressão corporal permite a expansão e
externalização emocional. A expressão corporal mobiliza o componente cinestésico da vida emocional
infantil para explorar preocupações, fantasias ou memórias traumáticas muito precoces. (Carvalho, 2018)

Segundo Carvalho (2018), na Arte-Terapia proporciona-se uma experiência de não deceção ao paciente,
no sentido em que o que quer que o paciente faça, mesmo que mínimo, é suficiente e pode ser validado e
apreciado pelo grupo. O importante é que a expressão pelo movimento seja acompanhada por uma

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posterior verbalização, de forma a promover o insight relativamente aos impulsos ou sentimentos
associados ao movimento.

De acordo com Carvalho (2018), podemos elencar os seguintes objetivos da utilização da expressão
corporal no que se refere à Arte-Terapia vivencial Polimodal e à Arte-Terapia Intensiva: objetivos de
ação corporal (criação de uma imagem corporal realística, ativação e integração das partes corporais,
reconstrução da gestalt postural, consciência das próprias sensações, mobilização de energia,
desenvolvimento do domínio central dos movimentos e expansão do alcance expressivo); objetivos de
Simbolismo (integração da experiência e de palavras na ação, exteriorização dos sentimentos e
pensamentos, expansão do repertório simbólico, recordação do passado significante, resolução de
conflitos através da ação e aquisição de insights); objetivos na Relação Terapêutica/Psicoterapêutica
(reforço da identidade pessoal, desenvolvimento da confiança e auto-estima, promoção da independência
e individualidade); objetivos da atividade rítmica (sentir a própria vitalidade, participação em
experiências partilhadas, canalização da energia dentro de uma estrutura, afirmação da consciência social
ou interativa, desenvolvimento e manutenção da integridade própria, aceitando influências sociais ou
dialógicas).

No que se refere à estrutura de uma sessão de Arte-Terapia Intensiva, com utilização de expressão
corporal, é crucial atender aos seguintes passos: 1) Identificação do Tema; 2) Expressão; 3) Integração; 4)
Assimilação; e 5) Encerramento.

Na Identificação do Tema, pode logo ser colocada a tónica no corpo, sugerindo-se ao paciente: - “Dê
atenção ao seu corpo, de que sensações é que se apercebe?”, ou pode-se espelhar ou realçar a postura ou a
gesticulação que acompanha o que está a ser comunicado verbalmente pelo paciente.

Na Expressão, pode-se propor um aquecimento, ou seja, exercícios que incrementem as possibilidades


funcionais do corpo, e que simultaneamente preparam o corpo para a expressão do que tiver sido
escolhido. A expressão é focalizada no trabalho corporal: com tomada de consciência das sensações; com
tomada de consciência das características posturais e de motilidade; com tomada de consciência de
vivências e dinâmicas internas afloradas pela expressão corporal. O foco inicial também pode ser a
expressão corporal mista com outra técnica, por exemplo dramatização ou improvisação musical.

Na Integração, o foco inicial é a expressão corporal, seguida de integração de outro mediador. O tema
inicial é explorado através de outro mediador, após o que é sugerida integração de expressão corporal.

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A Assimilação refere-se à associação das vivências afloradas pelo corpo (e outras manifestações
criativas) a um insight ou a uma significação, para promoção do sentido interno da pessoa.

Por fim, o Encerramento consiste na preparação da separação e da saída do paciente, promovendo a


reflexividade por si próprio.

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5. Abraçando o Leque de Possibilidades Técnicas proporcionado pelo
Mediador da Expressão Corporal

A expressão corporal pode ser um ponto de partida para integrar outro


mediador:
• Ao propor-se a criação de uma imagem a partir da corporalidade;
• Ao associar-se a expressão corporal com uma música escolhida pelo
paciente, ou dando-lhe a possibilidade de dançar a partir do suporte
sonoro de uma improvisação musical criada por ele;
• Ao incentivar-se o paciente a estar atento às sensações corporais que
uma imagem criada por ele desperta;
• Ao promover-se que a sensação de movimento implícita numa imagem
seja corporalizada, e por exemplo, dançada.
• Ao pedir-se que o paciente amplifique os movimentos implícitos na
elaboração de uma construção plástica ou musical;
• Ao sugerir-se que o paciente corporalize uma escultura de barro ou
outro material ou ao contrário que fixe no barro a experiência corporal.

Na Arte-Psicoterapia Intensiva é importante atender ao processo corporal, ao fluxo de energia, à estrutura


corporal; à vivência corporal e à imagem corporal. O processo corporal do paciente durante a sessão deve
ser enfatizado (por exemplo, relativamente ao fluxo de gestos, expressões faciais, à respiração:
“Apercebo-me que...”; “Estou a notar que...”). O Terapeuta deve: apoiar o paciente a vivenciar o seu
corpo como um veículo de comunicação - a mente ganha voz através do corpo; convidar o paciente a dar
atenção à sua respiração enquanto fala; espelhar ou devolver ao paciente o que observa no corpo deste;
recorrer ao toque para proporcionar suporte, continente e contenção suficiente.

Em Arte-Psicoterapia Intensiva, a expressão corporal é frequentemente utilizada para ajudar o paciente a:


identificar as partes específicas do seu corpo que têm sido menos usadas por si e focalizar os seus
movimentos para as funções destas partes; estabelecer a relação unificada e interativa entre corpo e
mente, entre fantasia e realidade; conduzir a subjetividade do conflito emocional para uma forma física
objetiva, onde possa ser percebido e manuseado construtivamente; promover a utilização de todos os
aspetos do movimento que incrementam as competências do paciente para se adaptar adequadamente ao
seu meio e para se experienciar como um ser humano total.

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A Arte-Psicoterapia Intensiva utiliza, principalmente, técnicas de comunicação não verbal extraídas de
movimentos artísticos e terapêuticos. As técnicas podem ser agrupadas em cinco categorias: 1) Toque; 2)
Espelhamento; 3) Exagero; 4) Improvisação; 5) Sequências de movimento organizado. Distinguiram-se
estas cinco técnicas para facilitar a sua descrição e compreensão, mas na prática clínica elas são,
frequentemente, utilizadas em conjunto.

O toque é uma técnica mais utilizada na Arte-Psicoterapia Integrativa do que nos outros modos de Arte-
Terapia/Psicoterapia, com o propósito de fomentar a relação psicoterapêutica dialógica. O toque com
propósito psicoterapêutico, pode pertencer a duas categorias: conforto ou de provocação. O toque para
confortar parte geralmente do terapeuta para o paciente ou entre pacientes de um grupo. Inclui o abraço e
pode servir de apoio, bem como para confortar. O toque para confortar afirma a presença do paciente e
do Arte-Psicoterapeuta e apresenta um paralelo com a interação entre os pais e a criança.

O Arte-Psicoterapeuta também pode recorrer ao toque provocatório de modo a facilitar a interação ou a


trabalhar um bloqueio corporal do paciente, provocando a emergência de material emocional. Este tipo de
toque pode incluir empurrar ou puxar, ou criar estruturas de luta, na qual o paciente tem de se libertar de
restrição física, ou é convidado a empurrar ou afastar de si um corpo resistente. Aquando a utilização
deste último tipo de toque, a estrutura é apresentada ao paciente antes de se dar início à interação. Deste
modo, a provocação já é esperada, e encoraja-se o paciente a reagir ao que lhes é exercido com um som
ou grito.

Em termos de desenvolvimento, existe um paralelo que remete para a importância do toque na primeira
fase de vida. O toque é o primeiro contacto que a criança tem com o mundo e é feito usualmente com a
mãe. Informa a criança acerca do amor, proteção e limites. (Montague, in Payne, 1992) O toque pode
ainda fomentar a transferência e contratransferência pois elicita-a mais rápida e frequentemente do que se
for mantida a distância física. Com o contacto de confortar está presente o bom progenitor. Com o tipo de
toque de provocação pode desenvolver-se mais rapidamente a transferência negativa, dado se aflorar a
representação do mau objeto. No entanto, alguns pacientes não toleram o toque de forma alguma, e nesta
situação devem ser utilizadas outras técnicas.

O espelhamento, na sua forma pura consiste num indivíduo colocado em frente a outro, que imita os seus
movimentos como se fosse um espelho. Esta técnica necessita de toque e exige uma grande concentração
da parte dos participantes. O objetivo é construir um diálogo de movimento com a outra pessoa. Esta
técnica pode levar, também, a outras formas de improvisação. O Arte-Psicoterapeuta promove sempre o
contacto com o paciente ao refletir os seus movimentos. Os temas que podem ser abordados com esta

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técnica incluem a experiência de ser um líder ou um seguidor, e pode ser um início de uma grande
brincadeira ou de uma interação muito séria. O lado de brincadeira da técnica apresenta um paralelo com
a mãe ao refletir os movimentos da criança. Tal como a mãe espelha o primeiro sorriso da criança,
também outras expressões, gestos e sons são imitados mais tarde.

O exagero é uma técnica simples, que provém da Terapia Gestalt, e consiste em exagerar os movimentos
de alguém. Encontramos um paralelo com esta técnica na fase do brincar espontâneo entre crianças: uma
faz algo e a outra imita a ação, tornando-a mais forte ou expansiva, por vezes transformando-a em algo
diferente.

A improvisação é uma técnica que resulta da espontaneidade e da necessidade do momento. Podemos


distinguir três tipos de improvisação, a improvisação ao nível corporal, sendo uma improvisação
individual; a improvisação interativa, entre terapeuta e paciente ou pacientes; e a improvisação que parte
de um movimento específico. Os vários tipos de improvisação têm como finalidade abordar determinado
tema ou situação, relevante para o paciente, e possibilitam uma maior integração ou compreensão. As
brincadeiras dos grupos de crianças apelam a esta técnica. No jogo simbólico a improvisação relaciona-se
com o inventar de brincadeiras e regras. Nem todos os pacientes podem participar logo à partida numa
improvisação, para isso tem de existir algum tempo em que o Arte-Psicoterapeuta apoia o paciente a
desenvolver auto-confiança. Assim, o paciente adquire progressivamente a capacidade de se sentir
confortável ao fazer coisas disparatadas, tornando-se mais livre para participar na improvisação.

A improvisação requer uma presença momento-a-momento. Quando improvisamos, a nossa atenção é


firmemente ancorada no “aqui e agora”. Na improvisação, tudo é trabalhável. Não existem julgamentos
acerca do que é bom ou mau, não existem erros. Tudo pode ser utilizado como material para criar a partir
de, quer tenha surgido ao nível do soma ou da psique. Não estamos à procura de nos livrar, de consertar,
de nos apegar ou analisar qualquer coisa, pois isso impediria a espontaneidade e iria contra a verdadeira
natureza da improvisação. Na improvisação, conectamo-nos ao inconsciente e permitimos que ele se
apresente sem censura. Na verdade, a improvisação permite que o inconsciente e o consciente se
encontrem no processo criativo. À medida que desenvolvemos competências de improvisação, desenrola-
se um processo de “educação mútua” entre os dois - inconsciente e consciente. (Chodorow, 1991, 1997).

No seu melhor, a improvisação é como um teatro encorpado de livre associação, no qual as coisas são
reveladas em muitos níveis, sem intenção preconcebida ou apego ao resultado. As crianças quando
brincam são ótimas improvisadoras, no entanto, muitos adultos perderam essa forma mais intrínseca e
básica de expressão criativa. Donald Winnicott (1971) sublinhou a importância do brincar na cura

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psicológica, afirmando que é no brincar que tanto a criança como o adulto podem ser criativos e recorrer
ao todo da sua personalidade, e que é no exercício da sua criatividade que o individuo descobre o seu
Self. Neste sentido, compreendemos a improvisação, não como uma atividade frívola e insignificante,
mas como um exercício muito rico e, por vezes, desafiante para os nossos músculos criativos. A
improvisação, em si mesma, pode fazer emergir vários obstáculos e medos nas pessoas. Aprender a
brincar outra vez desta maneira, pode oferecer oportunidades tremendas para libertar áreas em nós, que
têm estado bloqueadas, e para desencarcerar aspetos que têm estado escondidos por trás destes bloqueios,
para que possam ser trabalhados.

A técnica da improvisação, quando bem sucedida, ativa vários elementos chave: 1) pleno
comprometimento com o que se está a realizar; 2) atitude de abertura; 3) capacidade de resposta ao que
possa surgir; 4) trabalhar com o que nos atrai; 5) atender aos detalhes relevantes; 6) desenvolver o que
quer que surja para que possa ser plenamente expresso; 7) repetir as coisas até que se tornem claras e
compreendamos o que estamos a fazer; 8) permanecer com alguma coisa porque é interessante ou até que
termine; 9) trocar de uma coisa para outra para aumentar a diversidade e criar transições; 10) alternar
entre elementos diferentes e contrastantes como uma forma de trabalhar com a oposição; 11) descartar
coisas que não estão a funcionar ou que estão terminadas para que haja espaço para algo novo; 12)
maximizar a utilização de todos os recursos disponíveis.

Estes pontos mostram como a improvisação pode ampliar as nossas limitações e tonificar as nossas
capacidades criativas. Desenvolver a capacidade de ser espontâneo, focalizar no que está a acontecer no
momento, imergir no material em questão e responder com os sentidos, emoções e imaginação é
essencial para a improvisação. Além disso, a improvisação exige que cultivemos a disposição de sermos
desafiados e de nos abrirmos no que concerne às nossas limitações internas e externas. Quando
improvisamos, concordamos em deixar-nos surpreender e a trabalhar com a mudança como um elemento
constante. A improvisação no domínio da criatividade ensina-nos a deixar o apego ao modo como as
coisas são ou deveriam ser. Como resultado, temos a oportunidade de cultivar uma atitude de
independência, que surge quando permanecemos desapegados de intenções ou resultados específicos e,
em vez disso, permanecemos presentes e responsivos a tudo o que ocorre.

Voltando às nossas noções de estética, a improvisação proporciona-nos um palco para explorar a relação
entre experiência e imaginação. Ao cultivar a capacidade de improvisar como artista ou como criança,
desenvolvemos e exercitamos a resposta estética. Podemos encontrar os “demónios da performance”
(ansiedades, medo do palco, medo do fracasso, etc.) no palco da improvisação, e que melhor maneira de

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os enfrentar do que tocá-los ou brincar com eles? Convidar o sem censura e o absurdo distancia-nos um
pouco mais da mente e das emoções controladoras, e liberta-nos de certas limitações sobre o que é
permitido ou o que nós próprios podemos permitir.

O quê e o como da improvisação revela padrões e tendências interessantes que, de outra forma, poderiam
permanecer disfarçados ou simplesmente falados, em vez de agidos. Brincar também sugere uma atitude
de que tudo é possível e vale tudo, permissão para entrar nas coisas ou, do ponto de vista das
testemunhas, ver as coisas reveladas e refleti-las de volta ao improvisador. As estruturas musculares e
anatómicas, assim como a psique e a imaginação, precisam de ser realinhadas em torno dessa impressão
positiva. Alguma forma de documentação, como criar um poema, uma carta ou um desenho, ajuda a
afirmar, concretizar e registar as alterações ocorridas.

Por fim, a técnica das sequências de movimento organizado, implica a formação de sequências de
movimento a partir de material emocional, estruturas de interação anteriores, sensações corporais, sonhos
ou memórias. O paralelo desenvolvimentista reside aqui na fase da afirmação intelectual, e a técnica é
uma forma mais complexa de improvisação. É pedido ao paciente que capture e expresse uma memória
ou sensação corporal numa sequência de movimento que seja visível e reproduzível. O resultado destas
danças pessoais é uma forma única, reveladora dos processos internos.

Também é importante mencionar algumas técnicas de Arte-Terapia de grupo com integração de dança,
nomeadamente: a mudança de papéis de liderança no grupo; a alteração das constelações do grupo
(díades e tríades, pequenos grupos, grande grupo, roda – com ou sem as mãos dadas, várias formações
em fila); a promoção de relações de grupo rítmicas; a promoção da interação de grupo empática e de
suporte (verbal e não verbal); e o suporte da satisfação de várias necessidades de papel através do acting-
out controlado.

Resumindo, relativamente às técnicas utilizadas no trabalho corporal em Arte-Terapia Polimodal e em


Arte-Psicoterapia Intensiva, é importante sublinhar os seguintes recursos técnicos artísticos de expressão
corporal: 1) Aquecimentos; 2) Sensitização e tomada de consciência do processo corporal,
nomeadamente da respiração (pode ser sugerido ao paciente que associe a dinâmica corporal ou sensação
corporal a uma imagem ou que dê voz ao corpo ou área corporal envolvida); 3) Improvisação espontânea
de dança ou movimento e imaginação ativa; 4) Improvisação a partir de um tema (por exemplo um relato
de uma situação ocorrida, uma sensação corporal, uma história dançada, etc.); 5) Exploração de
polaridades no movimento; 6) A expressão (tradução) pelo movimento de conteúdos afetivos
verbalizados ou sensações corporais; 7) A expressão (tradução) pelo movimento da ação imbuída numa

60
imagem ou outra criação; 8) Espelhamento; 9) Espelhamento reformulativo; 10) Diálogo corporal ou
improvisação interativa; 11) Amplificação ou exagero; 12) Toque; 13) Confrontação; 14) Catarse; 15)
Bounding ou aconchego; 16) Dança de Roda; 17) Dança integrada com pintura ou desenho; e outras
possibilidades.

61
6. Tocando as Diferentes Componentes da Relação Terapêutica e as
suas Particularidades face ao Mediador da Expressão Corporal

Atualmente, é comumente aceite que a relação terapêutica é um


encontro de subjetividades, de duas perspetivas que se encontram com o
objetivo de compreender uma delas. Em Arte-Terapia, podemos
considerar as seguintes componentes da relação terapêutica: a relação
real (pessoa a pessoa); a aliança terapêutica; a transferência /
contratransferência; e, a transferência trans-mediador ou de bode
expiatório.

“O terapeuta não deve ter apenas um vocabulário de movimento rico como também deve estar ciente das
suas próprias respostas e das mensagens com as quais se relaciona através do seu próprio corpo.” Sharon
Chaiklin in Freedman and Dyrud, 1975.

Paul Tosey afirma a propósito da utilização terapêutica da dança e do movimento, que a comunicação
não verbal é algo relacional, é um mundo de processos e de ligações intangíveis e invisíveis, mas reais,
entre pessoas e seus mundos. É importante que tal comunicação relacional se mantenha involuntária,
pois, de outra forma, a aparência de intenção consciente e racionalizada existiria em todos os aspetos do
nosso comportamento. Por exemplo, a incongruência entre o que é dito e a linguagem não verbal
associada pode ser uma fonte rica de dados acerca do paciente e indicadora de processos transferenciais.

A transferência é assim comunicada, também, pelo corpo, ganhando dimensão de transferência


transmediada. É importante dar atenção à forma como o paciente reage corporalmente ao Arte-
Psicoterapeuta e o que pode ser transmitido simbolicamente no corpo acerca deste, inclusive do ponto de
vista psicossomático, para além do movimento ou postura.

As vivências do paciente também provocam sensações corporais no Arte-Psicoterapeuta. Ou seja, a


contra-transferência também tem uma dimensão corporal. Sentimentos de tristeza e desalento do
paciente, por exemplo, podem provocar no Arte-Psicoterapeuta sensações de peso, ou outras, e é nesta
medida, que a contra-transferência se torna estética.

A Terapia é sempre uma dança misteriosa entre a segurança e o risco. Bromberg (2006) sublinhou que o
que caracteriza a atmosfera da relação terapêutica é “uma segurança não demasiado segura”. Através dos

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vários momentos de encontro e proximidade, entre terapeuta e paciente, é possível descobrir níveis mais
elevados de organização e integração. Bromberg (2006) afirma que o caminho para o inconsciente do
paciente é sempre criado de forma não-linear pela própria participação inconsciente do analista na sua
construção, enquanto este está conscientemente envolvido, de uma maneira ou de outra, com uma parte
diferente do self do paciente.

Bowlby (1982) afirma que o sistema de vinculação psicobiológico organiza, os comportamentos de


procura de proximidade para assegurar a proximidade das figuras de vinculação, de duas maneiras
principais: comportamento de sinalização, que é projetado para aproximar a figura de vinculação; e o
comportamento abordagem, que é projetado para trazer o indivíduo para mais próximo da figura de
vinculação. Este sistema inato ajusta-se ao comportamento das figuras de vinculação. Se a figura de
vinculação não é confiável, os comportamentos de procura de proximidade podem tornar-se hiperativos.
Se a figura de vinculação for negligente ou indisponível, ou punitiva face à necessidade ou
vulnerabilidade, os comportamentos de procura de proximidade podem tornar-se hipoativos. Os
comportamentos de procura de proximidade, como o contato visual, o chegar ao outro, ou a diminuição
da distância, podem ser ações conflituosas e emocionalmente dolorosas para um paciente com uma
história de vinculação conturbada, repleta de significados e representações internas. Frequentemente, à
medida que a relação paciente / terapeuta se desenvolve, podem emergir nas sessões, insinuações de
ações de procura de proximidade, mas são bloqueadas antes de serem executadas por completo, porque
foram implicitamente impregnadas de dor e medo acerca do que poderia acontecer se a proximidade
fosse alcançada. Os exemplos podem ser uma ligeira abertura da mão, a tentativa inicial de estender a
mão, contato visual fugaz e inconsistente, ou uma inclinação quase impercetível em direção ao terapeuta,
sutilmente diminuindo a distância física entre eles. Ou os pacientes, também, podem demonstrar ações de
distanciamento de proximidade, como afastar-se fisicamente do terapeuta, prosódia plana sem afeto,
ausência de contato visual ou gestos habituais que transmitem uma mensagem de “mantém-te distante”
ou “fica longe”, como levantar os dedos ou mãos, com as palmas voltadas para fora. Quando o terapeuta
tem um vislumbre de tal movimento, o movimento pode ser cuidadosamente explorado.

Paralelamente à narrativa, a codificação implícita e a decodificação vão ocorrendo, numa conversa não-
verbal significativa, entre os estados de self do terapeuta e do paciente. A codificação "envolve a
capacidade de emitir mensagens não verbais precisas sobre as necessidades, sentimentos e pensamentos",
enquanto a decodificação "envolve uma capacidade de detetar, perceber com precisão, compreender e
responder apropriadamente às expressões não verbais de necessidades, interações, sentimentos,
pensamentos, papéis sociais” (Schachner, Shaver e Mikulincer, 2005, p. 148). O processo interativo

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contínuo de codificação e decodificação, refletido em mudanças no movimento e na expressão, molda o
que acontece dentro do relacionamento sem pensamento ou intenção consciente. Os estados de self
implícitos do paciente e do terapeuta estão envolvidos nessa dança. É através da navegação do corpo-a-
corpo, conversas carregadas de múltiplos estados de self, juntamente com a narrativa verbal, que as
“surpresas seguras” (Bromberg, 2006) de negociações relacionais podem surgir.

O terapeuta quando mimetiza o movimento espelha o que percebe usando palavras ou movimentos,
fornecendo recursos que intensificam a experiência do paciente do seu próprio movimento, e adicionando
novas ferramentas para ampliar as possibilidades e permitir que os sentimentos e imagens se tornem
congruentes com a ação. O espelhamento é uma forma de promover consciência do que está a ser
expresso, de modo que o paciente possa confrontar o material presente na sua narrativa através do próprio
movimento. Através de uma cuidadosa articulação e desenvolvimento do movimento, os sentimentos são
libertados e as mudanças ocorrem através de uma repadronização da expressão do movimento. Quando o
movimento muda, o mesmo acontece com a psique. Novos movimentos trazem novos estados físicos e
novas imagens que atuam como símbolos na formação de uma nova experiência. A testemunha (o
terapeuta ou os outros membros do grupo) desempenha um papel vital e colaborativo na experiência
terapêutica.

Ao prestar atenção, a testemunha (terapeuta/ elementos do grupo) cria um ambiente de contenção, no


qual o paciente sente-se visto e cuidado. Os olhos da testemunha trazem intensidade ao processo de
desdobramento, enquanto que quando uma pessoa está a trabalhar sozinha, toda a intensidade deve ser
auto-gerada. Ao contrário de ter uma audiência, onde a preocupação é com a entrega, com o impacto e o
desempenho de um trabalho a apresentar, a relação entre o paciente e o terapeuta requer aceitação
incondicional e confiança para mergulharem juntos no desconhecido. O terapeuta detém a qualidade
simbólica de parceiro e guia, aquele que está totalmente presente, mas capaz de observar de fora. O
terapeuta traz sua capacidade de ver, escutar, sentir e imaginar como a base para suas respostas e
intervenções estéticas. O terapeuta concentra-se no aspeto da narrativa da pessoa que está a surgir, mas
também na forma como o material está a ser moldado expressivamente. O terapeuta organiza as suas
intervenções ou feedback em torno de cinco intenções: reconhecer o que está lá, aprofundar a
experiência, expandir os meios de expressão, desenvolver novos recursos e sugerir possibilidades de
mudança.

O terapeuta pode transmitir a resposta estética de várias maneiras diferentes. O terapeuta pode dançar o
desenho da outra pessoa, responder a uma exploração com um gesto ou oferecer um desenvolvimento

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adicional de movimento, sugerindo o que pode acontecer a seguir. O terapeuta pode devolver um poema
ou uma canção falada improvisada. As respostas estéticas do terapeuta podem espelhar, adicionar,
intensificar ou combinar com o que o paciente já compartilhou. O feedback do terapeuta também pode
envolver a introdução de um elemento completamente novo, contrastante ou ausente que redireciona a
exploração. Agora paciente e terapeuta são mutuamente envolvidos na experiência de explorar e moldar o
material. Nesse processo colaborativo, o terapeuta pode chegar à riqueza das suas próprias emoções,
imagens e insights, que pode devolver ao outro, abrindo lugares de sentimento e possibilidade, confiança
e troca criativa, que potencializam o material e a relação de trabalho. Ao devolver uma dança ou um
poema, por exemplo, o terapeuta presenteia o paciente com a riqueza da sua própria vida interior, que
também fala de como ele é movido pelo trabalho do paciente.

O terapeuta, tipicamente, utiliza frases que começam com "eu vejo", "eu sinto" e "eu imagino" no seu
feedback verbal, para manter a perspetiva compartilhada baseada em respostas físicas, emocionais e
imaginárias. O terapeuta reflete o que está a acontecer, falando sobre o que vê ou percebe. O terapeuta
entra no reino emocional, sondando o que o paciente está a sentir, e compartilhando as suas próprias
reações de sentimento. O terapeuta devolve imagens e histórias em vez de pensamentos, julgamentos ou
conselhos analíticos. Esse fluxo amplia o campo estético da interação, colocando intervenções no campo
do jogo criativo. Ao dar feedback desta maneira, o terapeuta pode abrir uma parte invisível ou
subdesenvolvida que o paciente é então capaz de ver, sentir e apreciar-se a si mesmo.

O terapeuta entende que também está envolvido num processo criativo de arte, quer esteja a dar um
feedback estético, a trabalhar verbalmente a partir da atitude de observar / sentir / imaginar, ou a orientar
uma exploração de movimento.

As oportunidades que a expressão artística e os processos artísticos criam dentro de um espaço e dentro
de um relacionamento terapêutico oferecem possibilidades únicas para os pacientes. No coração do
encontro estão as maneiras pelas quais sentimento, criatividade e pensamento se combinam explorar
passado, presente e futuro vivendo no potencial entre cliente, terapeuta e forma de arte. Qualquer
descrição só pode ser uma metáfora do verdadeiro processo.

Os terapeutas refletem através dos seus próprios movimentos a experiência dos pacientes. O terapeuta de
dança, agindo como um parceiro, começa um diálogo de movimento. A comunicação é estabelecida
através de todos os canais sensorio-motores disponíveis, favorecendo tanto a expressão verbal como a
não verbal. O terapeuta é envolvido na experiência subjetiva do paciente, juntando-se a este no “onde e
como ele estiver”. Em conjunto, criam um ambiente de confiança e segurança que a ajuda a desarmar os

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comportamentos defensivos, a explorar os aspetos em conflito da vida do paciente, e a permitir que surja
uma expressão de movimento espontânea. Deste modo, o terapeuta consegue facilitar uma comunicação
fluida com os aspetos mais difíceis da vida do paciente, facilitando a consciência de se sentir
gradualmente mais vivo e permeando o processo de socialização.

Enação (ou comprometimento) é uma palavra significa “começar a fazer”, assim como “realizar” ou
“atuar” (Varela, 2002). Implica uma epistemologia da complexidade que considera o conhecimento como
uma experiência orgânica construtiva; em um único ato, algo é percebido, criado e transformado. Essa
perspetiva integra ação, perceção, emoção e cognição. O termo enação sintetiza a eficácia da terapia
através do movimento, a forma como opera no repertório dos padrões de movimento do paciente,
trazendo-os a um nível consciente e oferecendo uma oportunidade sem precedentes para expandir este
alcance através de novas experiências intersubjetivas.

Os padrões de movimento humano envolvem tonalidades emocionais que possuem um significado


intrínseco. Laban (1987) e Bartenieff (1980) sustentam que os movimentos ou dinâmicas de esforço que
foram desenvolvidos por diferentes espécies animais moldaram a sua estrutura corporal, limitando e
possibilitando um repertório de ação, enquanto a estrutura do corpo determina os hábitos de movimento
da espécie. da mesma forma, os corpos humanos terão sido moldados pelos hábitos de esforço que têm
desenvolvido na sua relação com o meio ambiente através dos tempos. De acordo com Maturana (1984),
a experiência subjetiva está indissoluvelmente ligada à sua própria estrutura. A nossa prática clínica
endossa esta teoria, de cada vez que nos deparamos com pacientes cujos limites e possibilidades estão
ancorados às suas experiências passadas, à sua história. Os seus modos de ser atualizam-se em cada ação,
e cada nova experiência torna-se uma oportunidade de encontrar algo diferente através de um novo
entrelaçamento entre o eu, o outro e o meio Ambiente. Também sabemos que a mudança é genuína
quando se torna parte do nosso próprio repertório de movimento espontâneo, e isso pode acontecer
quando temos as nossas necessidades de segurança atendidas.

A terapia através do movimento, é uma modalidade terapêutica em ambos, paciente e terapeuta


compõem, tendo em conta as necessidades de desenvolvimento do paciente. Esta co-determinação não
significa ausência do sentido de auto-determinação, mas sim um reconhecimento do sentido de agência
de cada participante da díade. Ambos sabem o seu papel, necessidades e intenções e, ao mesmo tempo,
regulam os seus comportamentos intersubjetivamente. Isso significa que eles se afetam um ao outro,
conscientemente e inconscientemente.

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Os padrões relacionais iniciais são influenciados pela forma como essas operações são realizados e
podem ser descritos de acordo com o tempo, espaço, intensidade, grau de ativação e tom hedónico. O
cuidador participa ativamente na auto-regulação da própria díade.

Winnicott (1979) acredita que as falhas introduzidas pelo comportamento errático podem produzir
hiperatividade no funcionamento mental que se torna reativo. A oposição mente-corpo nasce aqui. A
cognição começa a afastar-se da relação íntima que tinha com o psicossoma. Cada criança tem qualidades
diferentes. Portanto, observando a díade como um todo, pode-se ver como eles se afetam mutuamente e
regulam reciprocamente interação (Stern, 1996).

O sentido do self como um ser separado é determinado pelas nossas experiências primárias. Stern afirma
que a capacidade de reconhecer-se como o agente das suas ações implica: 1) Ter vontade, ter controle
sobre a ação gerada; 2) Para ser consistente, ter uma sensação de ser uma entidade física não
fragmentada, com fronteiras e ações integradas tanto quando se move como quando está parado; 3) Ter
afeições, experienciar qualidades; 4) Ter uma história pessoal, uma sensação de permanência e
continuidade com o passado, para que se possa mudar e ao mesmo tempo permanecer-se o mesmo. Esse
sentido central do self como agente é a base de todo os outros domínios mais elaborados do self, tais
como a consciência da nossa própria subjetividade e a dos outros.

O self primordial é moldado nos estágios pré-verbais de desenvolvimento, mas a possibilidade de nomear
e contar a história das suas experiências só surge mais tarde com a adição do domínio verbal (Stern,
1996). A exploração das diferentes combinações de modos de intervenção, como amplitudes de
movimentos, sons, toques, e palavras, tornam a terapia através do movimento uma abordagem
interessante para aceder a aspetos não-integrados ou não-desenvolvidos do domínio do self, que precisam
ser restaurados.

Falhas e mal-entendidos ocorridos na díade original mãe-bebé moldam o self, e resultam num self
parcialmente desenvolvido ou falso. Winnicott (1979) refere-se ao sentimento de não-existência. Esta
descrição relaciona-se com os fenómenos de dissociação, personalidade clivada, não-integração e
desintegração do self. Quando o sentido da continuidade existencial é interrompido ou ausente, a
perceção da temporalidade manifesta-se de formas particulares: uma vida atemporal, um mundo de
sonhos, descontínuo, acelerado ou retardado. Na despersonalização os processos corporais e as suas ações
podem ser experimentados como algo estranho, como um inimigo. As ações podem não ser reconhecidas
como suas.

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A terapia através do movimento, ao possibilitar um observador que participa, proporciona a relação
necessária, para que novas experiências emocionais possam se desenvolver num ambiente seguro de
respeito e confiança. A terapia através do movimento postula que a integração de sensações, perceções,
tonalidade afetiva e cognição promovem o desenvolvimento no sistema intrapessoal, e nos domínios
interpessoal e transpessoal. Durante a prática clínica com crianças, adolescentes e adultos, a
especificidade operativa da terapia através do movimento está relacionada com mensagens implícitas. A
terapia através do movimento alcança e satisfaz as necessidades daqueles aspetos do self que estão
desfavorecidos, divididos ou congelados. O terapeuta compreende dentro do seu corpo como este ecoa
com o do paciente. Os terapeutas estruturam a exploração do movimento de acordo com as qualidades
particulares de mobilidade do paciente para provocar movimentos, sons, e sensações que estavam em
falta na experiência original do paciente.

O espaço de transição, como Donald Winnicott o descreve, é uma área desenvolvida entre o self e outros
mundos internos e externos, mãe e bebé, que permite a criatividade primária, ou seja, a sensação de auto-
existência. É um espaço potencial em que não é importante quem faz o quê, é um lugar para relaxamento,
de liberdade, onde a espontaneidade surge. Através das interações de movimento, na terapia através do
movimento, criam-se espaços de transição entre a dança, o terapeuta e o paciente, através dos quais o
mundo interior é desdobrado e compartilhado. Receber as qualidades de movimento do paciente torna-se
a chave para chegar a espontaneidade movimento. A terapia através do movimento, opera processando, a
um nível corporal, experiências do passado que podem ter sido profundos mal-entendidos intersubjetivos.
Desta forma, cuida dos aspetos do self que foram negligenciados e, portanto, feridos.

As interações relacionais podem ser analisadas como padrões relacionais. Reconhecendo as categorias de
análise do movimento de Laban e o resumo de Stern (1996, 1998) das qualidades transmodais envolvidas
na sintonização emocional, podemos enumerar e agrupar qualidades da seguinte forma: 1) relacionadas
com o tempo (velocidade, ritmo, duração); 2) relacionadas com o espaço (origem-caminho-meta, arestas
ou limites, eixos e coordenadas); 3) relacionadas com a energia (intensidade, força, peso, fluidez); 4)
relacionadas com o suporte (graus de rigidez e flexibilidade); 5) relacionadas com o contato físico e
diferentes modos de manuseio; 6) relacionadas com as formas como os objetos são apresentados (falta ou
excesso de estimulação, espectro de qualidades apresentadas); 7) relacionadas com a gama de ações e
efeitos concomitantes (regulação emocional intersubjetiva).

Esta abordagem foca e sublinha características intersubjetivas pré-simbólicas em relação à transferência.


Além de reconhecer as teorias psicanalíticas clássicas dos impulsos, modelos simbólicos,

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representacionais e verbais, o modelo do comprometimento na ação(“enacting”) alude a processos
emergentes que incluem repetição e contenção. A terapia através do movimento argumenta que, quando
ocorrem mudanças contextuais, um quantum de modificação acontece no self - quando esse valor
aumenta, ocorre uma transformação comportamental qualitativa. Os novos procedimentos desestabilizam
a organização comportamental preexistente e trabalham como um mecanismo de mudança para criar
formas mais coerentes e flexíveis. Os encontros repetidos dão origem ao aumento da complexidade e à
articulação de procedimentos relacionais.

A psicanálise relacional foca a sua atenção nas formas implícitas de conhecimento que envolvem
procedimentos, ações e competências. Esta abordagem sugere que além da verbalização e da recuperação
de memórias para trazer o inconsciente ao consciente, também é importante atender às experiências
afetivas-percetivas e às espaciais-temporais. As mudanças nesta modalidade operacional nem sempre são
simbolizadas. Isso não nega a importância das palavras e da narrativa das experiências vividas. Mantém-
se a asserção de que existem duas formas paralelas e interligadas de operar, uma verbal e outra pré-
verbal, e a não tradução de uma na outra (Lyons-Ruth, 1999).

Stern (2004) defende que as mudanças que ocorrem no plano intersubjetivo acontecem devido aos
momentos de encontro. O conceito de momento captura a experiência subjetiva de uma mudança
repentina (no aqui-e-agora) no conhecimento relacional implícito de ambas as partes da díade. A
regulação mútua deste estado baseia-se na interação ou troca de informação através dos sistemas
percetivos, da demonstração de afeto e da forma como são apreciadas e correspondidas neste processo
que implica uma influência bi-direcional (Stern, 1998).

Kohut (1990), na perspetiva da psicologia do self, defende que a força motora do processo terapêutico é
determinada pela reativação das necessidades frustradas do self na transferência, através da repetição. Ou
seja, o paciente, inconscientemente, procura uma nova oportunidade para restaurar o seu self danificado,
através de um novo encontro com alguém que responda mais empaticamente do que as relações
significativas originais.

Essa ânsia de encontro empático evolui a partir do sofrimento de vazio, solidão e desvalorização.
Favorece o estabelecimento de um tipo de transferência que opera em um nível psico-corporal,
recuperando as experiências que foram congeladas no corpo através de espasmos e tensões que inibiram
o movimento, que ansiava intensamente por interações espontâneas e não as vivia. O espelhamento
empático ou empatia cinestésica facilita a expressividade do self e permite uma resposta que difere da
original, restaurando o self danificado e possibilitando o sucesso no desenvolvimento de interações mais

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ricas e significativas. Os terapeutas de dança / movimento desenvolveram movimento e comunicação
não-verbal, conscientes de que estes envolvem essencialmente emoção e cognição incorporada.

Espelhar e ressoar, duas faces da mesma moeda, a primeira orientada para o exterior e a segunda para a
direção interna, são implementadas durante as sessões de movimento como ferramentas principais para
entender profundamente a experiência dos outros. Através do movimento e da dança, perceção,
compreensão e intervenção, os terapeutas da dança são capazes de se relacionar com os mundos interno e
externo. Eles entendem que a empatia permite intimidade e proximidade humana. O processo envolve
elementos que são comuns nas experiências de ambos os indivíduos, de modo que o reconhecimento das
diferenças é, portanto, tolerável.

Freud (1982), em ePsychology for Neurologists, descreve um sistema psíquico que trabalha para procurar
identidades e estabelecer diferenças. O sujeito compara a experiência atual com o imprinting mnemónico
original e, através desse processo quase-matemático e profundamente inconsciente, constrói uma
realidade percetiva, fornecendo categorias para o mundo dos objetos significativos. Essa operação
acontece numa matriz intersubjetiva. Entender outros seres humanos, às vezes, implica superar a
distância através de mecanismos como: simulação, imitação, eco ou utilização da nossa imaginação,
através dos quais construímos teorias que correspondem às nossas experiências e às de outras pessoas.
Essa maneira de entender a empatia implica que nem todos sentem empatia por todos. É a
correspondência intersubjetiva que faz um casal terapêutico funcionar. Este conceito torna-se gráfico
quando perguntamos aos nossos colegas sobre a escolha da população com a qual eles preferem trabalhar.
Temos a certeza de encontrar afinidades comuns entre as experiências dos terapeutas e a dos seus
pacientes. A possibilidade empática é relacional e seletiva. Um dos objetivos básicos da terapia através
da dança/ movimento é expandir o repertório de movimentos para que ele leve a uma ampla variedade de
experiências e recursos que nos permitam aceitar, respeitar e compreender os diferentes sentimentos e
modos humanos de viver no mundo.

Tanto Chace quanto Whitehouse enfatizam a corporalidade do fenômeno empático. A primeira,


espelhando através do uso do seu próprio movimento e a segunda, ressoando o movimento interno,
sentido ou imaginário, enquanto testemunha a experiência da outra pessoa. Ambas as formas implicam
algum grau de comunhão com o grupo ou paciente através da experiência corporal do próprio terapeuta.

Whitehouse (1999), imbuída do pensamento de Jung, usa o conceito de imaginação ativa para criar uma
investigação introspetiva. O desdobramento do movimento expressivo espontâneo que aparece
impulsionado de dentro do ser humano em contato com o inconsciente coletivo fornece uma fonte de

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riqueza e sabedoria (Chodorow, 1991, 1997). Ela descreve o processo usando a imaginação ativa, que
torna possível que o inconsciente possa emergir através da livre associação, implementando diversas
formas expressivas, entre elas pintura, dança, escultura, jogos e palavras. Isso implica a interrupção das
faculdades críticas e racionais, com o objetivo de dar lugar à fantasia, entrar em contato com o vazio ou o
silêncio interior para alcançar o inconsciente. Por outras palavras, integramos os processos emergentes no
self. A descrição acima mencionada pode ser atribuída a um processo empático, onde na presença de uma
testemunha (terapeuta) que age como um outro vital, recebe o conteúdo do inconsciente, como uma
parteira atenciosa recebe o recém-nascido. Pegando na sua força vital e na sua fragilidade delicada, e
dando tempo para que ela se desenvolva, admite que em algum momento esse desenvolvimento terá a sua
própria forma, clara e consistente.

Janet Adler (1999) escreve em profundidade sobre os papéis de “aquele que se move” e “a testemunha”.
Ela defende que a empatia acontece nos corpos das testemunhas ao assistir à dança do dançarino,
enquanto se concentra em sua própria experiência corpórea. Os dançarinos ressoam com o que vêem,
ouvem, sentem nos seus próprios corpos, captando e compreendendo o outro a partir da sua própria
experiência sentida. O material registado por aquele que se move e pela testemunha, somado à
verbalização da experiência, engendrará um processo de acompanhamento empático ao revelar conteúdos
inconscientes.

A sintonia sugere trocas afetivas como as da mãe e do bebé. Tem a ver com um acompanhamento ativo
do zelador. Stern (1996) sublinha que esses modos comunicativos não se perdem, mas tornam-se modelos
de funcionamento do self durante toda a sua vida. A sintonia implica afetos que são sempre a moeda
transmodal envolvida em sons, movimento, tato e qualquer experiência relacionada ao prazer - desprazer,
o que leva à aproximação e ao evitamento como movimento básico humano. A consciência de si mesmo
como uma pessoa encarnada no mundo é fundada na empatia - na cognição empática dos outros e na
cognição empática de si mesmo (Thompson, 2001).

Os neurologistas validaram a empatia como um fenómeno físico. O conceito de “mente imitativa”


(Meltzoff, 2002) e as descobertas que descrevem a função dos “neurónios-espelho” explicam as bases
neurológicas da intersubjetividade e as raízes orgânicas da empatia. A capacidade de compreender os
outros está enraizada na natureza de nossas interações. Uma forma pré-reflexivo de entender os outros
baseia-se na forte identificação que nos une como seres humanos. Compartilhamos com os nossos
semelhantes uma multiplicidade de estados que incluem ações, sensações e emoções. Gallese (2003)
pensa que é através dessa diversidade compartilhada que a comunicação, a compreensão intencional e o

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reconhecimento dos outros como seres humanos companheiros são possíveis. As estruturas neuronais
semelhantes são ativadas no processamento e controle de ações, sensações percebidas e emoções quando
as mesmas são percebidas nos outros. Os neurónios espelho, originalmente descobertos em relação às
ações, pode ser considerada uma forma organizativa básica do nosso cérebro que possibilita a rica
diversidade de experiências intersubjetivas.

Através da imitação, somos capazes de sentir o que os outros sentem. Diferentes escolas de pensamento
investigaram a imitação, o contágio emocional e os fenômenos de analogia. (Iacobini et al., 1999;
Hatfield, Cacciopo e Rapson, 1994; Holyoak e Thagard, 1995). Estes fenómenos, apesar da sua grande
diferença conceptual, são aqui considerados num continuum, onde há uma variação no grau em que
características idênticas e diferentes se manifestam. A identidade total também é um ideal conceptual, já
que dois cães, dois canários ou duas colheres nunca são “absolutamente” idênticos. Mas, ver essas
diferenças pode ser causado por muitas circunstâncias, como a distância do observador, antecedentes
pessoais, experiências interativas anteriores, conhecimento e interesse particular no momento da
observação, o contexto, a atitude, o movimento, o estado do objeto e outros variáveis. Os conceitos de
semelhança e diferença são sempre relacionais.

A terapia através do movimento concentra-se nos aspetos mais elementares das interações através de
variações mínimas, doses quase homeopáticas das qualidades envolvidas no surgimento do fenómeno
comportamental, tais como mudanças na gestão concreta do tempo (velocidade, duração, ritmo,
continuidade-descontinuidade), do peso (grau de força - suavidade, força), de espaço (direção, níveis,
planos espaciais), fluxo (grau de atividade - quietude, alta energia) e partes do corpo envolvidas (corpo
inteiro, membros, tronco, cabeça). O fenómeno é complexo - enquanto um olhar é rápido e evasivo, as
mãos podem estar quentes e agarradas. Enquanto o abdómen está relaxado, o tórax pode estar tenso,
reduzindo a capacidade expansiva do plexo durante a inspiração e aumentando a do abdómen. O sistema
implementa múltiplas compensações para viver ou sobreviver de acordo com o contexto.

A empatia cinestésica implica identificação e diferenciação. A identificação basicamente conecta, liga,


reflete ou ressoa. A diferenciação traz novidade, singularidade, alteridade, distância, separação,
estranheza (Fischman, 2006). As sessões terapêuticas implicam a reunião de culturas: do terapeuta, do
paciente e da dança. Ao reconhecer as diferenças, a troca torna-se possível. É um processo complexo, no
qual um paciente às vezes resiste a mudanças, enquanto o terapeuta reserva o tempo e o espaço à espera
de que o paciente trabalhe através das defesas para permitir tal mudança.

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Incluir movimento e dança na psicoterapia lembra-nos que estamos continuamente a evoluir e, portanto,
somos, e vamos sendo. A dança, como uma metáfora, lembra-nos que estamos permanentemente a
mudar, mesmo que nem sempre, nem imediatamente, possamos alcançar as mudanças pelas quais
ansiamos. A empatia cinestésica é uma forma de conhecimento, de contato e de construção compartilhada
que pode assumir muitas formas. Pode aparecer através do espelhamento direto e sintonização afetiva nos
movimentos do terapeuta - as formas, qualidades e tons da linguagem corporal. Pode também fazer uso
de analogia, metáfora, contar uma história semanticamente isomórfica com movimento ou verbalização
do paciente.

As explorações do movimento são projetadas capturando temas ou questões que os pacientes mostram
nas suas posturas, gestos, atitudes, movimento e fala. O comportamento do paciente expressa-se de
diferentes formas. O terapeuta atua em formas transmodais - através de diversos canais sensório-motores
(auditivo, cinético, visual e tátil). Desta forma, começa um diálogo entre diferentes canais, onde a
similaridade e a correspondência de qualidades e significados prevalecerão. Inevitavelmente, as
diferenças que contribuem para facilitar a abordagem e o confronto com a realidade também surgirão
com um máximo de realidade compartilhada e um grau de diferença, uma diversidade nutritiva e
estimulante.

Qualquer novo elemento deve ser gradualmente apresentado para que não seja percebido como
inaceitável, estranho e perturbador. A identidade pode ser sentida em risco. Para se desenvolver, o self
requer passar pela experiência da omnipotência, o que implica sentir-se como o criador; ter a ilusão de ser
um e o mesmo com o objeto, e o sentimento de descobridor do seu mundo. Essa experiência deve ser
“boa o suficiente” para depois tolerar as deceções que estabelecem os limites do domínio pessoal
(Winnicott, 1979, 1982).

O processo terapêutico é visto como uma experiência afetiva - cognitiva - criativa, que implica uma
aventura compartilhada. Reconhecendo a necessidade de um paciente, o terapeuta está pronto para ser um
objeto disponível, conhecido pelas suas qualidades pessoais percetíveis. Os terapeutas autenticam as
perceções dos pacientes, restabelecendo a sua confiança básica como um organismo afetivo percetivo. É
na combinação tanto da virtualidade do movimento realizado, quanto da realidade de cada um dos
participantes que a mudança relacional ocorre.

73
7. Esculpindo as Reflexões Finais

“O movimento é vida. A vida é um processo. Melhore a qualidade do


processo e vai melhorar a qualidade da vida.” Moshé Feldenkrais

“Dance como uma flor que não pede licença para nascer”. Kazuo Ohno
“A maioria das pessoas cai num hábito mecânico de pensamento tão
facilmente como caem num hábito mecânico corporal, que é a
consequência imediata.” F. M. Alexander

“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas que já têm


a forma do nosso corpo, esquecer os nossos caminhos, que nos levam
sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia - e se não ousamos
fazê-la, teremos ficado para sempre à margem de nós mesmos.”
Fernando Pessoa

Algumas pessoas tendem a ser mais orientadas para a ação - sempre a certificar-se de que estão a fazer ou
a criar algo. Outros, são mais voltados para a consciência - refletindo, sentindo, percecionando. Alguns
levam a reflexão ao extremo e tornam-se altamente cognitivos. A harmonia envolve permitir que as
nossas ações informem a nossa consciência, e que a nossa consciência guie os nossos pensamentos e
ações. Podemos começar com ação, ideias, reflexão ou consciência, mas em algum momento do processo
terapêutico, o foco somático será crucial. Passa-se tanto no corpo! Oferecer apoio que seja mais
adequado, aceitável e eficaz para os pacientes significa que precisamos de consciencialização,
compreensão, habilidades e atividades, não apenas em atividades com foco no corpo, mas também na
compreensão de como o trauma foi absorvido pelo corpo. É importante entender a ligação entre emoção e
ação e como o campo de contato entre terapeuta e paciente pode influenciar as experiências sensoriais. A
qualquer momento, o corpo está a tentar processar uma ampla gama de informações internas e externas.
As tensões emocionais, psicológicas e fisiológicas não integradas, profundas tensões perinatais, choques
recentes - toda a nossa história é mantida no interior.

O terapeuta ideal tem sido descrito como aquele que valida a representação do mundo do paciente e
facilita o desenvolvimento de soluções que são conduzidas dentro da linguagem e dos limites lógicos

74
desse mundo (Roberts, 2004). No entanto, a leitura de uma amostra dos textos atuais sobre
aconselhamento e psicoterapia revela que algumas abordagens introduzem, em vários graus, construções
que podem tender a perturbar a representação do mundo do paciente em favor da orientação particular de
formação de um terapeuta. Os métodos que falam com o processo experiencial interno de um paciente,
em vez de exigirem que ele responda aos diagnósticos (externos) e interpretações do terapeuta,
possibilitam a resolução progressiva dos fatores somáticos e possibilitam o desenvolvimento de
habilidades de consciência corporal.

Utilizar uma linguagem não-diretiva, não-interpretativa, neutra e encorajadora, favorece que o paciente
possa aproveitar ao máximo a comunicação, o significado e a metáfora, que fundamenta um sintoma
somático (Lawley e Tompkins 2000). Um terapeuta expressivo pode envolver o paciente no seu processo
de cura ao: despertar o interesse do paciente em conhecer-se melhor; reconhecer influências significativas
na relação que o paciente tem com o mundo à sua volta; observar a forma como as interações do paciente
consigo mesmo e com o mundo que o rodeia, têm impacto no seu estado corporal.

Os resultados positivos, duradouros a longo prazo, dependem em parte da localização e da reparação das
causas dos sintomas. Compreender a nossa “linguagem emocional corporal” (Gelder, 2006) através do
reconhecimento dos sintomas corporais e dos hábitos posturais e do desenvolvimento de competências de
descodificação dos mesmos, é um primeiro passo crucial no percurso de decoberta das causas dos
sintomas e da sua reparação.

No pós-terapia, o possuir capacidade de consciência corporal pode proporcionar uma orientação valiosa
para as novas estratégias de cuidado pessoal, e impulsionar o desenvolvimento de alguma compaixão
pelas necessidades corporais.

Estar em sintonia com o próprio self e com o paciente envolve muita atenção, a vários níveis de
consciência. O terapeuta, muitas vezes, torna-se sensível à postura dos pacientes e ao modo como
ressoam dentro do ambiente de terapia. Refletindo sobre como melhorar os resultados dos terapeutas que
realizam trabalho corporal, Blackburn e Price (2007) elencaram áreas de consciencialização que se
podem desenvolver: visual (O que é que eu vejo no movimento corporal e na expressão do paciente?);
auditiva (O que é que está a ser dito e como está a ser dito?); emocional (O que é que eu reparo ao nível
emocional?); energética (Qual é a qualidade energética da experiência?); cinestésica (O que é que eu
sinto nas palmas das minhas mãos?); somática (O que é que sinto no meu próprio corpo?).

75
Quando a consciência somática é indicada, é importante proporcionar um quadro concetual (ou razões
para as atividades) antes de as sugerir ao paciente. Providenciar uma justificação para explorar sinais e
sintomas corporais fornece ao cliente fatos suficientes para fazer uma escolha informada. Alguns dos
conceitos mais úteis giram em torno da noção de que os sintomas corporais podem representar reações
emocionais não processadas ao passado, interações stressantes, recentes ou atuais. Entendendo que o
surgimento de sintomas é parte do movimento interno da psique em direção à integridade ajuda o
paciente a concordar em trabalhar com eles, em vez de desviar a atenção dos sintomas ou erradicá-los.
Garantir que o paciente está a participar numa investigação médica regular e completa de qualquer
sintoma persistente é também uma parte crítica do cuidado.

Reich, originalmente um protegido de Freud, desenvolveu o seu próprio estilo de terapia, que se
concentrava tanto na análise somática quanto na verbal (Reich, 1979). Ele desenvolveu o conceito de
armadura de caráter. "Armor" foi o termo cunhado por Reich para descrever a retenção muscular crónica,
que era parte da maneira como o corpo-mente continha emoção e energia. O termo refere-se a padrões de
tensão muscular e respiração restrita que mantinham fortes sentimentos da atenção consciente,
bloqueando a consciência e a expressão (Gilbert 1999). A compreensão de Reich dos estímulos
emocionais e das disfunções corporais, foi incorporada em muitas terapias modernas diferentes (Gilbert
1999). Na teoria reichiana, a retenção da expressão emocional e energética ocorre através de tensão
muscular e respiração reduzida (Gilbert 1998). Acredita-se que a tensão de sentimentos bloqueados leve a
uma situação de blindagem crónica, que Reich considerava poder resultar em problemas de saúde, e
dificuldades de caráter e comportamentais. Reich encorajou os pacientes a chutar e gritar, se necessário,
para libertar emoções, e respirar pesadamente ao ponto de ativar a expressão emocional. Reich trabalhou
a respiração em várias direções: dirigindo o respirar para facilitar a consciência emocional e a libertação;
usando as suas observações de respirar como uma ferramenta de diagnóstico; e estudando as flutuações
da qualidade respiratória como indicador de estados emocionais flutuantes (Gilbert 1998; Reich 1979).

Vários autores observaram repetidamente a aceleração do processo da terapia, como resultado da


capacidade dos pacientes se concentrarem na sua experiência. Giles et al. (2007) relatam a eficácia de um
programa intensivo de tratamento em grupo multi-modal que incluiu abordagens somáticas para mulheres
que recuperavam de situações de abuso. O tratamento para estas mulheres em recuperação de abuso
sexual desde a infância, utilizava o processamento corporal e emocional, e foi analisado por Price (2006).
O seu estudo revelou reduções significativas na perturbação de stress pós-traumático, número e gravidade
dos sintomas físicos, e uma tendência de diminuição da dissociação para o grupo experimental. O

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feedback das participantes que realizaram o tratamento revelou o impacto positivo da terapia corporal no
sentido da segurança interna e do progresso psicoterapêutico.

Rohricht e Priebe (2006) descrevem o primeiro estudo especificamente concebido para testar a eficácia
do que eles chamaram de Psicoterapia orientada para o corpo (BPT), em sintomas negativos em pacientes
crónicos com esquizofrenia. Eles observaram que as considerações neuropsicológicas e os relatos mais
antigos da literatura apontam para o seu benefício potencial. Eles compararam a BPT com
aconselhamento de apoio, oferecido em pequenos grupos. Os pacientes a receber BPT participaram em
mais sessões e tiveram pontuações nos sintomas negativos significativamente menores após o tratamento.

Leijssen (2006) também relatou que os efeitos das intervenções corporais no processo do paciente são:
maior consciência, maior envolvimento no presente, aprofundamento da experiência, acesso à memória
do corpo, libertação catártica, resolução de bloqueios exploração de novas possibilidades.

A auto-consciência do psicoterapeuta sustenta o seu auto-cuidado, fornece um modelo de foco calmo e


ajuda o paciente a experimentar a nossa presença e suporte. Weiss (2008) resume algumas das maneiras
como a "atenção plena" aparece na psicoterapia e medicina ocidentais. Este autor explora o papel e poder
do conceito budista de um "observador interno". Siegel (2007) discute o modo como novas redes
neuronais se podem formar através do foco da atenção. Focalizar a atenção internamente, argumenta
Siegel, pode construir novos caminhos neuronais. De maneira similar, Blackburn e Price (2007)
descrevem e defendem a prática de "presença" no terapeuta como suporte de cura e transformação. Eles
vêem o acompanhamento sensível do terapeuta como fundamental para o processo do paciente em
direção à auto-consciência. A sua experiência clínica indica que o estado de presença e a escolha de
praticar estar presente podem melhorar o processo terapêutico.

Shaw (2004) descreve pesquisas sobre a experiência somática dos terapeutas durante o encontro
terapêutico, que levaram ao desenvolvimento de uma teoria sobre "corporeidade do psicoterapeuta". Este
estudo revelou a importância da consciência corporal do terapeuta dentro do encontro terapêutico. Assim,
é recomendada uma atenção de duas vias, semelhante ao resultado de Lowen (1975), quando descreve co
objetivo da bioenergética. Lowen descreve a tarefa de dividir a atenção entre o mundo exterior e o mundo
interior. Ele descobriu que uma pessoa saudável pode alternar entre dois pontos de foco - interno e
exterior - fácil e rapidamente, de modo a que quase ao mesmo tempo haja consciência do eu somático e
do meio ambiente.

77
Berrol (2006) descreve os efeitos de neurónios-espelho e da empatia, como são transmitidos através da
dança e do movimento terapia. O espelhamento intencional tem sido usado como um aspeto significativo
de terapia de dança. Existe também um processo interno e inconsciente a trabalhar. Berrol discute estudos
recentes que revelam que num indivíduo que simplesmente observa outra pessoa, podem ser estimulados
conjuntos de neurónios idêntico àqueles que são ativos em quem está realmente envolvido numa ação ou
comportamento, ou na expressão de uma emoção. As áreas de comportamento e os neurónios-espelho sob
investigação abrangem o movimento, a área psicossocial e as funções cognitivas, incluindo aspetos
psicossociais específicos relacionados à sintonização, teoria da vinculação e empatia (Berrol 2006). A
área de significância do neurónio motor é especialmente importante para os terapeutas, cujos humores,
posturas e empatia podem ter um impacto direto sobre o paciente (Siegel 2005). A nossa responsabilidade
para com o paciente pode incluir estar num estado relaxado e aberto, para que possamos fornecer um
modelo útil. Assim, parece ser cada vez mais evidente a necessidade de cursos de formação experienciais
para apoiar os psicoterapeutas no desenvolvimento de uma maior auto-consciência e na utilização mais
aprimorada de si mesmos.

A investigação indicou que uma aliança positiva entre o terapeuta e o paciente é um dos melhores
preditores de resultados (Horvath e Symonds 1991), e uma aliança positiva pode começar com a
modelagem emocional que o terapeuta fornece. Esta aliança pode ser até sete vezes mais importante do
que o modelo de tratamento (Krupnick et al. 1996). Como somos como terapeutas às vezes pode ser tão
importante na formação de uma boa aliança quanto o que nós fazemos. A intenção de estar presente é um
bom ponto de partida para o desenvolvimento do uso do self e a prática de um estilo relacional mais
sensível. Podemos considerar seis conceitos fundamentais que informam o estilo relacional nas terapias
expressivas: desenvolver a disposição e capacidade de estar presente; aceitação e compaixão; praticar um
estilo de relacionamento convidativo; desenvolver a auto-consciência como praticante; promover um
interesse em sintonia ou ressonância empática; fluir com criatividade para responder às necessidades dos
pacientes.

Grand (2005) relatou a formação de estudantes de psicologia num programa baseado em somática. Ele
descreveu a maneira como, durante o trabalho clínico, os alunos são encorajados praticar o "tornar-se
incorporado": na utilização criativa de ambos os materiais inconsciente e consciente, à medida que se
aproximam do trabalho com os pacientes. Isso inclui trabalhar com sonhos, explorar sensações corporais
e expressão, e trabalhar com movimento, som, arte e outros meios criativos. Como temos encontrado ao
longo de muitos anos, Grand também descobriu que a capacidade dos alunos para estarem presentes com

78
os pacientes foi auxiliada pelo trabalho experiencial, em que participaram, em exercícios corporais que
afetaram a sua auto-organização e a sua presença na relação com os outros.

Para concluir, apraz-me dizer que o mediador da Expressão Corporal é omnipresente e omnipotente,
sendo que ao longo do processo terapêutico pode estar numa posição mais destacada (de figura) ou numa
posição mais discreta (de fundo). No entanto, o seu potencial está sempre lá, para facilitar a promoção de
consciência do si mesmo, a transformação e para simbolizar atribuindo significação às experiências. É
um mediador transversal a todas as abordagens terapêuticas e saber atendê-lo, estimulá-lo e decifrá-lo
torna-se crucial.

A realização deste trabalho foi de fato uma verdadeira Odisseia, que incluiu uma investigação muito
abrangente. No seguimento das pistas que me conduzissem a um maior esclarecimento deste tema,
percorri os desertos da história da humanidade, as florestas tropicais da função da Arte, mergulhei nos
lagos das várias correntes da psicologia/ psicanálise e descansei na cabana da consciência do meu próprio
corpo, acedendo não só às sensações e às posturas e movimentações, mas também ao seu significado e
impacto no meu devir relacional.

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