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ee RESENHAS POR ENTRE AS PEDRAS: ARMA E SONHO NA ESCOLA Sonia Kramer ‘Sao Paulo: Editora Atica, 1993 Dispensdvel apresentar Sonia Kramer para. quem von acompanhando os bons acontecimentes na érea edu- cacional. Mals identificada com a pré-escola, Sonia, neste livro, explora, amplia ¢ ennquece horizontas, Confirmando que 0 profissional da educagao, mais do Que qualquer outro, precisa aprender, a um sé tempo, olhar cada arvore e toda a floresta. € ainda orer na fecundidade da terra dessa floresta ondo seu oficio & plantar, ‘Ao descrever a travessia que a levou a este tra: balho, a pretensao da autora ndo & iniciar ou chegar, mas ampliar a compreenséo e as possibilidades do que se escreve sobre a escola © 0 que a escola es- Creve, através dos’ seus alunos, professores, de todas aqueles que por ela passam e daqueles que por ela no passam. Olha cricamente a floresta das polticas educa- ionais, com sua experiéncia de professora, diretora © supervisora de pré-escolas e crechos, professora de primeiro grau em cursos de capacitagao para protes- Sores, assessora “andarilha’ e pesquisadora ‘Originalmente tese de doutoramento, a primeira parte do livro sa inttula “Nas dobras da reilexdo ted- fica, 0 cotidiano da escola’, © & composta por dois capitulos: no primeiro, “Ciéncias humanas @ educa- $40", Sonia recorre @ epistemologia, & sociologia cr ica do conhecimento @ a filosofia para compreender © espago da educagéo dentro das ciéncias humanas; no segundo, “Educagao e linguagem", Sonia escolhe {és autores: Benjamin, Bakhtin e Vygotsky, em cujas ‘contribuigées tedricas fundamenta seu pensar sobre a finguagem, a histéria @ 0 sujeito. Sob a inspiragdo desses autores, aprofunda a compreensao de um ‘marismo que recupera a posi¢ao do sujelto criativo nna histéria © valoriza sua arte © sua linguagem. Cad, Pesq., Sto Pauto, 1.88, p.81-84, fev, 1994 No “Interregno", parte que se localiza estrategica- mente entre as partes primeira e segunda do texto, afima que seu trabalho 6 antes de tudo uma busca de linguagem na, para e sobre a educagao, Insatisfeita com as abordagens que polarizavam ‘© fendmeno da educagio ora em uma totalidade ‘amorta, ora em uma particularidade restritiva, buscou ‘eunlr as bases filosdficas desses trés tedricos que, além de abrirem uma perspectiva histérico-diakética, critcam as interpretagées positivistas © estreitas do marxismo. Na segunda parte do livre: "Nas dobras do cot diano da escola, a reflexdo tedrica’, a autora “escova no contrapelo" (Benjamin) da primera parte do sou abalho, Segundo suas prépras palavras, saboreia, ‘esouta, experimenta o cotidiano da prética pedagéci- ca, do ser professor, da lingua falada e da lingua as- rita em diferentes escolas @ junto @ varios grupos de professores. Nartando esse cotidiano, demonstra sabadoria a0 localizar 0 momento certo para ler © aparentemente simples, mensurélo e valorizd-lo. Conversando sem tontar convencer (pois, para Sonia, “convencer & in- ‘rutifero”), aborda assuntos os mais televantes para os interessados no acontecer das nossas escolas, tals como a estigmagao, a violéncia, os valores, morais, preconceitos, mecanizagao e imobilizacao das agSes, @ a forga com que essas questtes determinam a vida escolar. A linguagem 6 vista como possibilidade de mos- ‘rar além do aparente, dizendo através do que nao ‘iz, tomando-se expresso e ganhando dimensao ‘riadora. E através da linguagem que retoma nova- mente os seus trés autores, que se entrecruzam ao ‘considerarem a importineia da tinguagem como ponto vital na construgdo do sujeito histérico © compartiha- rem a idéia de que a exneriéncia do homem contem- pordneo esta se empobrecendo e, com ola, a lingua gem, Sonia assume esse ponto de vista ¢ 0 estende para a prética da escola: “o trabalho do professor at ode ser entendide como 0 do homem qua esté sen- do privado de experiéncia na contemporaneidade ¢ fempobrecendo sua linguagem. Embriagado no seu cotidiano repetitive, inebriado com as modas podagé- gicas, esse professor teria sido transformado, ¢ teria, 8e transformado, em um autémato”, ‘Som perder de vista sou propésite de sempre tra- zer as teorias para a pratica, a autora destaca dentro da educago a prética pedagégica. Sord que se poce nagar que as quesiées cruciais ue definam 0 hamem @ que © movem na histéria e na sua vida sto questdes mais da ordem do conhe- cimento cientifico do que conhecimentos da ordem da verdade? A educagao, principatmente no que diz res- peito & pratica pedagégica, pode sar entendida como um amo do saber € nao do conhecimento cientifico? Ou pode, de outro lado, ser considerada como uma ‘outra forma do conhecimento cientifion? A educagéo 6 ou nao ciéncia? Perguntas estimulantes @ importantes para uma longa e fecunda conversa mas que, segundo a autora, podem aguardar. Para ela, no momento deste sou tra- balho, & mals importante perceber que os textos pe- dagégicos @ os trabalhos cujos contoidos determinam 8 pratica pedagégica nao precisam necossariamente estar atrelados a padres cientifioos, a uma cientific- dade tida como neutra, “AS epistemologias tradicionais dicotomizam a re- lacdo sujeito/abjeto. Contrapdem individuos e socieda- de, consciénoia @ ago, teoria e pratica etc. Rompor com tal dualismo das tradigies empirista e idealista significa fundar uma epistemologia para a qual a ten- ‘so entra sujeito e objeto ndo é factual mas sim cons- ttulda, em que 0 sujeito no observa, mas se inter oga. E significa, também, entender a ciéncia como continuidade de rupturas, perpétua recusa, subito re- juvenescer-se." Ao ir em busca da objetividade e neutralidade, as ciéncias humanas buscaram sua legitimidade “cientifi- ca” baseadas nos paradigmas das ciéncias naturals, a2 apés se distanciarem da flosofia. Assim, os'fatos so- ciais passam a ser vistos como coisas. O conhecer © © agir distinguem-se mutuamente; as ciéncias hu- ‘manas tomam-se ciéncias do empreendimento técni- 0; © conhecimento & posto a servigo da ago. Ao ‘ratar os fenémenos humanos como coises, abando- ham as significagbes © valores. ‘Apés discutir 0s paradigmas da cientificidade, So- la tecoloca questées sobre 0 préprio. concelto de iénicla © no interior deste conceito © lugar das cién- sias humanas. Ela entende as cigncias em um pro- ‘esse. Como provocar a ‘uptura, a descontinuidade nas ciéncias humanas? Segundo Japiassu, autor bas- tante citado pela autora, esse rompimento € funda mentat: as ciéncias humanas nao esto condenadas a oscilar entre o modelo posttvista oxplicativo e o ‘erpretativo comproensivo. E esse rompimento passa, Necessariaments, pela linguagem. Romper com 2 ciéncia cristalizada significa destiuir 0 conceito crista- lizado de homem... ‘pois & ciéncia pettificada corres- onde um homem tornado pedra”. Esse rompimento acarreta, além da quebra de pa- Tadigmas, a introdugao da interdisciplinaridado. Diante da mudanga conceitual de homem, de saber, 0 co- nhecimento indisciplinar se torna inevitével, pois su- pe nova definigio de catagorias e métodos. Enquan- to o pluri ou o multidisciplinar indicam meras justapo- sig6es, a interdisciplinaridade funde, fecunda um cam- Po @ outro, desintegrando o saber cristalizado, indo a0 encontro de uma ciéncia do homem, Citando novamente Japiassu, a autora afirma que educapsio nao & ciéncia mas prética social. Envolve mattiplas dimensdes: econémica, politica, cultural, es- tética e ética. Exige uma outra forma cientifica de se. ‘entender conhecimento. A neutralidade, a racionalida- do @ a “verdade cientitica’ nublam o olhar, delxam Toucas as falas, sem tato e sem olfato para se per- ceber o real da prética social da aducagao, Esse real Procisa ser expresso nas suas contradigdes, ambigdI- esenhas dades, descontinuidades, rompende com o vicio de velar métodes e técnicas. Esse novo olhar sobre a educagéo ndo se limita ‘4 socializagao dos conhecimemtos historicamente pro-

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