You are on page 1of 19
Eireann carer CIDADES PATRIMONIO RFABIIITACAO Monumentos — #30! pezzveR0 2009 Luts Macedo © Sous CCONSELNO EDITORIAL vane Aves Cost Jost Ear Hort Cos ‘oe Mave Ferandee aul Mosse ro Ports no Teta Perera Paulo Perera Faq enines d Sa Vr Seo oonDenacho aces Cardoso neoaceho Nar 050 i arts Paul Teena rexr0s. aio Goncabes ane Aves Cost ast Ober bis foto (bert Gomes Jodo Pai Maras Jone Gusto cara ‘Vio eal e aroha, Praca arts de Peal omer ds bertras ds dios pombalros sia de Nossa Seaton a Eneanac, 2003. (© Sistema de tormario para Patni Nrataténco/A BU, Joab Ear Horta Coes Sat Nove Ferandet ase Mere era Miguel Reindo Costa Race Henrines 6 Sve ute Fuereco Teresa Valet Veter Mestre or bro ‘Water Rosso sau ber (@xcepco ds ue se econsem er or rae S0 na ge) ‘Trapu¢lo 00s Resumos Insti Espace Ligias TW Desires execuglo cnArica 1p romotgo — cia de Aes esas, a I =-Disrbuitoe Comeciszaio a Pocos Cras, Lda bicho € pRoPRiEDADE Isto do Habeac$o ca eabitaia ara ‘Cumbia Bord Peder, 085 1099019 Los Redagin 21-723 15 12/ 2172317 6 mak deceit. ret wo nonuments ot Peadcdade Seneca Pega pr ner: 25 €1VA chi) “rage: 4000 exenpares ISS 08728747, Dass Legain# 79253794 0s teas ce ra ressaase tos respenes are Cetera ape et tio ‘so paton septs sam ebb sted ttre de Rebeca Ui. orapecimenros rest Morurertoe ara 2 clear peestada pla Chora Mea de il Res Sato An, i a Mem cia on tee nnc ncn mentee manamontan in noanaent Wig Renta Cosa ME] votes ry | sei cos ce Ona Vite ‘eae es Coss eal ones ors tit One Jesters Raut Heo co si ey Jobo Paco Martins [ED it ones Hl ‘ae Feveredo I vossié: Vila Real de Santo Anténio, a cidade ideal ‘A paisagem de Vila Real de Santo Ant6nio. Dos areals da orla as vertentes da serra Cidades da razio: Vila Real de Santo Ant6nio e arredores Vila Real de Santo Ant6nio: reabilitagdo do edificado e do espaso pliblico Vila Real de Santo Anténio. Planeamento de pormenor e salvaguarda em desenvolvimento Casa da Camara de Vila Real de Santo Anténio Levantamento arqueologico “Restaurar o urbano” através da reabilitacéo da camara pombalina. AA procura da “particula de Deus” O novo edlfcio da Camara Municipal. Problemas, questées, engulhos © cementerio de Vila Real de Santo Ant6nio 0 debate setecentista sobre a Inumagso extramuros Da “casa portuguesa” ao “Portugués Suave” fu algumas variagées sobre o tema dos telhados pombalinos Hotel Guadiana: da meméria & refundicio ‘A indstria conserveiravilarealense. Um caso peculiar de urbanizacio industrial e de patriménio| O edificio de passageiros da estagdo ferroviéria de Vila Real de Santo Ant6nio. CottineliTelmo e 05 novos edifcies publicos © tenitério e os transportes em Vila Real de Santo Anténio. Notas acerca das infra-estruturas de transporte no século XX Vila Real de Santo Ant6nio: uma tnica grande casa. Entrevista a José Eduardo Horta Correa conduzida por Raquel Henriques da Silva INVENTARIO DO PATRIMONIO ARQUITECTONICO Bairro da Caixa Bairro do Farol NNicleo pombalino de Vila Real de Santo Anténio / CConstrucées pombalinas de Vila Real de Santo Anténio VARIA ‘As metamorfoses de Psique na casa da Rua de Alcolena. Em busca da obra de art total ‘Mapeando o invisivel, 0s espélis de arquitectura do arquivo do SIPA Publicacées 16 BEI monunentoso Cidades da razao: Vila Real de Santo Antonio e arredores WALTER ROSSA 1. VRSA, uma dimensio pragmiética de utopia Vila Real de Santo Anténio constitui 0 climax da escola portuguesa de arquitectura, urbanismoe enge sharia alta” Sendo dlscutivel a aplicacio do con. celta de “escola” a esse contexto discipinar no Por tugal dos sdculos XVII e XVI, afigura‘e-me como seguro o facto de, em valor absolut e universal, aque la cidade ser um “caso limite” enquanto reaizasio urbanistca, © que a primeira vista pode oferecer-se como ainda mais polémico Foi concebida e concre tizada enquanto cidade nova, com a funelo prim ria e comum de afirmagdo da soberania através da imarcagio e colonizagio do tertério, mas também e explorapio das suas potencialidades econémicas. (© eumprimento integral eintegrado do seu totaltiio programa funcional e formal tonam incontornavel fe estimulante consideréla mais do que uma cidade “deal, uma utopia urbanistica — ou sea, uma cidade utdpioa — e, assim, umm paradoxo viswel do proprio conceit [Nao € possvel fix-las em simultaneo num pefodo ‘ou momento da hstéria de Vila Real de Santo Ant6- no, mas a cidade fdbrca fol uma realidade funcional desde a sua Tundacio até hi escassas décadast © a ‘idade formosa matrializou-se 20 ponto de te sido legivl a sua globalidade, Fo invidvel — seria impos- sivel e mesmo indesejvel face prépria natureza da condigio urbana ~ manter-e engessada nesse lim: bo formal. Terse-, contudo, ido longe demais nessa transformagio, sendo hoje multo dedua a percepedo 4a forma orignal. Subsiste, mesmo assim, a esperan- ‘ea possbilidade, no de regressdo, mas de cla agdo integrada,salvaguardandovse e desenvolvendo s¢ 0 multo que ainda subsiste, evidenciando limite entre 0 que é a érea do plano orginal e 0 que dele com igual dsciplinaortogonal se espraio’ ‘A ealidade urbanistica de Vila Real de Santo Ant6- rio preenche o tnico requisito verdadeiramente fr ‘mal da matrialidade fecionada das ckdades dos tex Giudades de la raz6n: Vila Real de Santo Anténio y alrededores CConjugando una serie de genealogias ideolieas,formales {ymetodogieas, Vila Real de Santo Anténo representa 1a materializacin de una ciudad ideal, ut6pica. ‘se hecho justia su excepcional valor e importancia cultural ‘y potencia el interés que revit la partcipacién en redes destinadas 2lasalvaguard, dlvulgacién y desarrollo integradosy racionales 4e su patrimonio y comunidades. En este texto se pretende ‘estimular esa vocaciény conuibur a la reflexén Sobre sus potencaldades. tos ut6pios, 0 de “espapo modelo", mas também persegue a constitulgd0 de wna “sociedade modelo" (Camo o refereFrangoise Choay na sua caraterizacio megrada das wopias em (..) sept tots discrimina toires(..) cumulative: (..) la société medele a pour support un espace modele quien est partie tuegante er nécessaire (.. Os outros eis rags identificadores da utopia nao s30 em caso algum concretizévels, pelo aque € através da constatagio daquele inspirado pelos demais que, na pritica, se pode verificar a condigso de cidade utdpca’”. Importa entéo fazer notar 0 quanto este “espago modelo" teve, de facto, implicta uma socledade pro- gramada, Vila Real de Santo Anténio no fol pensada ‘como uma cidade funcionalmeate mliplice, comple 1a, densa, mas sim como uma base de pesca e fabrica de salga de pescado, simultaneamente em frontelriga alirmario de soberania. Para iso necessitava das ins ttuigdes civisereligosas minimas (cimarae ire), das sedes das sociedades de pesca, dos espagos fabris (as salgas)e de armazenagem de produits acabados, mas também de um destacamento miltar e de uma alfandega Assim encontramos os programas funcionais dos eicios de mais de um piso adstrtos 20 espaco (raga) e fachada de aparato (Baixa-Mat), com ex cepgo para as salgas e para os armazéns (dispos tos ao longo da Rua da Princesa, a primeira paralela 2 Baixa-Mar) que, como of restantes edifcios — 0 casario habitacional — eram téreos, Tudo segundo ‘uma arguitectura de programa e, bem mais impor tante, segundo um eequema fabril em linha de pro ducdo: pesca, cais, companhias, salga ¢ armazéns (© que ndo sud a necessidade de investimento for: tal esimbélico numa praca, centrada num obelisco cuja densidade do mote iconoldgico tao relevante quanto o seu papel como razio algébrico-geomeética de todo o desenho da cidade. Era uma vila pensada para funcionérios (ivis, mi ltares ereligiosos)e artesios da india pesqueira ov, se assim o quisermos, operéios. Isso fou plas: mado, por exemplo, no riimera de pisos dos edificios fem que cada um desses grupos socials vviae taba hava. Para ali se previu © minimo, mas nada deveria faltar, sendo disso boa prova o cemitéio, (.) 0 pr ‘mein eemitério moderno europe (..), também ele Inserido na ligica geométrica do plano, implantado, ‘ontudo, bem fora dee, ancorando-o segundo 0 eixo urbano paralelo ao rio que passa pela igrja, Este ino vador equ nto concretizou, deforma que ainda hase Gates Starnes reac 23, se nos afigura insta, série de requisites socials € higienistas que vinham sendo glosados etestados em textos tedrico-clentiicos portuguese, estrangeirados € estrangeios. Especulagies, propostas projectos {que ainda ndo haviam saido do papel. a prova cabal ‘do desenho de uma nova sociedade através das suas novas (ou restauradas) cidades. ‘Aquela ordenacio socal é bem mais evidente se in serida no contexto nacional. Na é, contud, este 0 local para desenvolver essa matéia. Talver baste ano- tar o quanto a sociedade portuguesa havia mudado nessas das décadas da governacio pombelina,prec- samenteno sentido da sua hierarquizago em fungi ‘a presiagdo na vida econémica e na sua modemniza- fo, Serd essa uma das resultantes essencials do "ter- Famoto politico” ocorrido com a ascensio 20 poder de Sebastio José de Carvalho e Melo (1699-1782), futuro marqués de Pombal, na sequéncia do terarno- lode I de Novembro de 175. Terramoto(s) que assim se faz(em) reconhecer enquanto mareo(s) do flores! ‘mento em poder da “raz3o das lzes",o Tuminismo. (2) Paine nest besoin de souligner combien la péndra- tion des Lurieres dans le XVI siete aconsttué un des plus puissant intruments de subversion finale de ordre abl (..)®. & uma nova order social — até ‘uma nova civillzagio, como utoplcamente o preten: deram os enciclopedistas® — que encontrana order ‘urbanistca de visias reaizagdes um instrumento e, talvez,a sua melhor e mais durévelexpressio, (Order urbanisticalevada ao climax em Vila Real 4e Santo Anténio pelo totalitério primado da geome- nia e pelo exercicio, ainda hoje de rarapritica, de se concretizar o ideal do urbanismo enquanto arquitec- tra a escala da cidade”, Toda essa raclonalidade de desenho urbanistico e social tem origem no escopo pollico-eformista do consulado do marqués de Pom- ‘al, aqui com dbviainsergdo na acgéo de “restaura ‘0” do Reino do Algarve, empreendida em 1773, da {qual Horta Correia tem desenvolvide a notiea™. € por essa via do primado geométrico do plano eda sua extensio at is sltimas consequéncias — 0 “limite” na prdpria deinigho dos mais bisicos ele. ‘mentos arquitecténicos — que Vila Real de Santo An- ‘énio acaba por também corresponder ao paradigm 4e cidade (den! desenvolvido desde a Antiguidade e consubstanciado em propostas e realizagbes no Re- nascimento, precisamente através da formalizagso fem desenho de modelos, de ideals de cidade em pla- ‘no. Em todos eles a forma urbis & considerada deter- ‘minante para a prépria vida esocledade, mas em to- as a ealizagSes nunca, como no caso em aptego, se ‘concretizou o todo edificado segundo um sistema que hharmonizou e anticulou o programa ideoldgco e fun- clonal com a ttalidade do seu desenho. Em plenitude atingiu-se alia convergéncia ene a cifade utdpica — fmralizvel, lugar nenhum — e a eidade ideal — um Ideal em que o contrbuto da ordem formal para 0 ‘bem-estargeral 6 possivel de ser concretizado" Cidade ideu! do lurunismo foi como de facto a classficou Horta Corea", relevando tambémn um as- pecio fundamental para 2 sua compreensio: o prag- ‘matismo, Pragmatism de programa, concepgio € ‘execuglo. Tudo isso estéplasmado na documentagio do process, dos ritmos de decisio e de execucio a0 ‘acionalismo dedutivo das justiicagbes, que no sio meramente de teorefinalidaderetricos, mas de for tmalizagao dindmica. A percepgao do (..)théme dit ragmatisme, ou si fon veut de Vincamnation des La imibres (..) 6 determinante para a compreensio por ‘i, mas essencialmente enquanto fenémeno da ma ‘viz ut6pica luminista, de Vila Real de Santo Anténio, E esse aspecto, como ealizagio utbanisticaplena, 6, bem dizer, caso Unico, como também jé 0 havia deduzido Horta Correa”. No fundo, cidades t6picas s3o aquelas onde o en- sio de se proporcionar melhores condigSes de vida, maior eflesca, estabiidade e seguranca socials ab- solutas s30 08 objectivos da fundacio e do desenho, a procura incessante da felicidad, da "Ielicdade os povos”, que no idestio do luminismo compe. tia as elites luminadas, no limite ao déspota, que 86 assim poderia ver justiicado 0 seu mandato e 0 seu poder. Como se sabe, ej acima o afore a propésito os enciclopedista, o luminismo é uma corrente de ppensamento de mati2 ut6pica. Por outo lado, a sua ‘esttica ndo teve necessariamente de obedecer a umn estilo, 0 que adquire ainda maior pertnéncia em pre senga de realizagées arquitectOnias de plena dimen- so urbanistia (.) Se cabe a esse movimento das ideias wma das grandes fatias de responsabildade pela Revolugdo Francesa e plo abalo clizaconal que ea representa, ‘como dele nao esperar 0 ensejo de estabelecimento de tuna tebua rasa sobre a tradugno estéico-urbantstica da sua ideolgia? Nao seré que, na inka de Kaufmann fe de Ryckwert (ene outos), s6 com as propostas do ‘modenismo & que, de um ponto de vista esritamente urbanistco, se atingiram e até suplantaram os ideais esti do luminismo? (..!", Ou seja, a invocagio da tadigdo da “escola portuguesa", que logo no ii Cio refer, épertnente no sentido do desenvolvimento de um corpus humano € teérico-pético — um mo- dus operandi — nao tanto de uma escola no sentido formalistaestilistico do termo. Era uma escola cujos Posicionamento, reflexo ¢ evolugdo teérica se con- substanciavam de forma pragmatica nas intrupdes & memérias de casos coneretes — frequentemente em documentos emanados pelo poder — no tanto na es: peculagio absteacta Uma escola que singrou no tluminismo com uma formulagio estética inovadora, diel de detectar por que fundada numa tradicao metodolégica e porque Aiversa dos modelos formaisseguidos em outras sedes do ltuminismo. Como Pardal Montero pela primeita vvezo fez nota para 0 aso da reconstrio de Lisboa aps terramota de i de Novembro de 1755, mas mii ‘os om vindo a dealhar,aarguitectura que oresceu dos escombros assumiu-s¢ em rotua coma que desde © inicio do impéio, em todo ele se faa. Para Paral Montero, alls, essa arquitectura ¢ moderna avant la letre, que se compagina na pefeigfo com os estos de Kaufmann e de Ryckwertacima referdos. (Com a decisfo da sua crag por carta régia de 30 de Setembro de 1773, 0 langamento da primeira peda em 27 de Matgo de 1774 e a sua inauguracio 4213 de Maio de 1776 (dia do aniversitio do marqués de Pomba), Vila Real de Santo Anténio no poderia a > 20 EEE rorumentos0 ter deixado de integrar a experiéncia de Lisboa, entdo em plena execuco, Félo, ali, com a plenitude qe Spesar de tudo, os mltiplos nivels de preexisténcia ‘io permitam a Lisboa. Ou sea, até pela cronologia urge como corolério poltico-deoldgico do proces 0 que em Portugal intaou o luminismo no poder Frontera de Portugal e do império face Espanha®, Vila Real de Santo Anténio surgi, também, como nova e inigualavel fronteira esttica e ideolgica do uminismo, da utopia e, asim, da “razio 2. Mais longe Em 1772 culminou a reforma dos estudos empre endida em 1759 com o arranque da ambiciosa acy de reforma da Universidade de Coimbra e de todo 0 ‘seu espago, em especial a Alta da cidade. O muito que jente para que se tenha tornado possivel ler no terreno o alcance urbanitio retorma dor do plano e dos projectos, mas a centelha ilumi- rista € evidente, As obras concretizadas denotam a integracao da gramética neodéssica, segundo uma rmonumentalidade que ndo podemos comparar com 1 arguitectra de programa corrente da renovagio de Lisboa ou de Vila Real de Santo Antonio, a€ poraue (0s programas sio de ordem completamente divers tlitgdos & instalagdo da “razdo” na universidade (0 espaco que hoje designamos por Praga Marqués de ‘Pombal & uma muito plida imagem do que ento fo! projectado com vista a transformacdo do Pétio das Escolas na verdadeita praca da universidade. ‘Anda no tertério portugues, a acgdo empreendida sno Porto a pati de 1756 — com ramo claro a parir da criagdo da Junta das Obras Pablicas em 1762 — teve a intencionalidade reformista e pragmatica que centao se implementava em Lisboa, mas com resulta: dos necessariamentediverss, Urbanisticamente mais 22 EB rrurnentos dos necessriamentediversos, Urbanisticamente mals Virada para o ensanche linear e nao de malha, no im- bito da expressdo aruitecténica Noresceu uma argu tectura de expressio propria — a dita “Arquitetura do Vinho do Porto” — onde se mesclaram requisites Ae core luz locals, com as invarantes de sempre, 0 ‘ococé do Norte e 0 neoclassicisme puro ou provindo {do neopaladianismo veiculado pela preponderante co ‘munidade inglesa. Também pelo império, por entre os processos re: formistas mais relevantes, encontramos importantes intengdes de acgdo na ordem urbanistica, por nem todas de sucesso. Goa e Pangim foram o& protagonis- tas de um diferendo ene os governos e tnicos da provincia eda metr6pole, corido ent 1774 € 1777, ‘acerca da restauragdo ou deslocagio da capitalidade do Estado da fndia Portuguesa. Uma referencia ainda para o Rio de Janeiro e Luanda, que década e mela an {es iniiaram processos de adapragio 20s seus novos extatutos administratives. £ uma matéria vasa, cua abordagem ndo tem aqui espaco” Importa,contudo, realgar como todos esses casos sto de reforma, nenhum de cidade nova, requisito ‘essencial para 0 estabelecimento de paralelos com ‘Vila Real de Santo Antonio € os traos de utopia que contém. Com excepedo para dots casos em teritério Portugués de que darei conta adiante, a acvidade ur- banizadora ex-nhil ow mesmo exrave no universo portugues ocorra entdo em grande escala no tertério ‘rallezo. Para aqui a anotar socorro-me de um texto e sintese de Renata de Araujo, elaborado com esse objectivo; através dele apercebemo-nos da quanta de de ocorténcias, em especial nas fixas da rontia, cuja dlimitaczo entretanto se disputava com a coroa espanhola, Mas apercebemo-nos tambérn que (..) nada da coeréncia, perfegdo de desenho controle da ‘obra que se encontra no projecto de Vila Real de Sarto ‘Anténio écompardve com qualquer dos exempos que vimos para o Brasil (..) 180, no essencial, por causa 4a adaprabitidade necessria pata (.) que estas cida- des crescessem fazendo do se projec, por principio © por métedo, uma obra aber.) Como j6 acima refer, fora do contexto portugues ‘também nao é possvel encontrar plenamente concre- tizado um caso com o qual se possa estabelcer wim paralelo com Vila Real de Santo Aat6nio, Contudo, {dando maior atengio 3s datas, verificamos come mui tas das acces urbanisticas acima directa ou indirec- tamente referidas ocorrem em toene do processo de fundagdo de Vila Real de Santo Anténlo: 1773-1776. isso faz lembrar uma coisa: é também essa a cro- nologia da fundacio da oélebre Saline Royale d’Are- “etSenans e da cidade que a deveriaacolber: Chaux (Pranga), inscrita na Lista do Patriménio da #umani- dade desde 1982. Em 29 de Abril de 1773 fol promul: {gado 0 éaito que ordenou a sua construgo. O primei- ro projecto que Claude Nicolas Ledoux (1736-1806) claborou para 0 efeito data do ano seguinte, mas foi abandonado, Foi a partir de uma segunda versio, |é de linais de 1774, que se iniciou a consteugio dessa outta cidade fabrica, aqui assumidamente uma cidade ‘em torn da fabrica com a casa do director eum vasto 24 EEE orumentos 0 ae indispensivel ao seu funcionamento. Nenhum au- tor resist a sugesto que a planimetia do conjunto coneretizado nos dé de um teatro elésico, programa: forma arquitecténico que Ledoux conhecta bem. ‘Além da fabrica e de alguns aojamentos (no ca ‘sa8) para 0s trbalhadores compondo uma das duas. semi-elipses do projecto, concluidos em 1779 com 0 dobro do custo do orgamento incial, nada mais se fez, sendo assim posta em causa a consubstanciagio fem urbano dessa outra magnifica cidadebrica do luminismo. Na sua fortuna erica, a extraorinaria valia arquitecténica do que se concretizou acabou por ofuscar a elevancia do programa e do projecto urbanistico, no qual efectivamente reside 0 cardter idealista e eventualmente utépico do caso. Sabe-se, contudo, que entre o fim da obra ea publieagSo, em 1804, do tratado de arquitectura no qual Ledoux Tegou 0 projecto, este reviu sucessivamente os desenhos © 2 sua descr, ampliando o seu conceit e tentando iludir a sua forte mazca absolutsta, pelo que nio se sabe bem até que ponto as componentes ut6pica e urbana fariam parte das intengesiniciaic ‘Apesar de incentivada pelo préprio arquitecto”, ‘administrativamente a iniclativa de Chaux pertenceu | Ferme Générale, um odiado potentado finance to e fiscal do Estado francés do Antigo Regime, que cvordenava e concessionava, ndo apenas a recolha de impostos, mas também a exploragdo de recursos naturals do pats. A fundacao e construgdo da Saline Royale 'Are-etSenans entre a flresta de Chaux e 0 rio Loic, teve em vista a insalagdo de wma unidade 4e evaporagdo de §guassalobras trazidas ao longo de 24 quilémetos por um aqueduto em madeira, no cio de um tertério com considerdvels recursos de lenha Localizada muito longe do mar numa época em que ‘sal era monopélio real e ainda um bem essencial, a ‘sua obtengéo era, n3o apenas uma necessidade, como um bom investimento, tendo, als, em vista a expor taco para a Sule. ‘Anda que tl se insinue, no é pelo sal que se po ‘dem estabelecerparalelos com Vila Real de Santo An- tonio, Menos pela arguitectura ou desenho urbano, de facto mais rico no caso francés, mas muito menos urbano, pragmatic e, assim, consequente,& essen clalmente pela atitude, pelo posicionamento politico e téenico face 20 desatio da exploracdo de recursos naturals para o bem comum e o desenvolvimento da economia. Também pelo rigor eidealismo colocados na formalizagzo do projecto e no seu desenvolvimen- to, E, assim, voltames ao racionaismo luminista, que ‘num caso € noutro acabaram por ser 0s possiveis™ ‘ho invés de Chaux, Vila Real de Santo Antnio, (ape- nas) arquiteconicamente menos ambicosa, pide ser realidad. Agora fica por estabeleer se a quase ‘igorosa sincronia resulta dos “ares do tempo" ou de algo mais concreto como uma univoca, ou biunivoca, ‘dreulagio de conhecimentos e informagdes. 86 assim serdpossivel desenvolver esta constatagio®. 3. Por perto Um pouco por toda a Europa, em cronologia pbx: ‘as eafastadas da do process de ria de Vila Real de Santo Antonio, decorreram processos de fundagio ‘de cdades nova, algumas delas de iniciativa privada, todas ainda sob o signo do ordenamento e/ou coloni- zapHo intema dos diverss teitorios, A sua grande maiora esteve directamente ligada ao aproveltamen- to de recursos agricolas, senda também considerdvel ‘© conjunto de novas cidades navais ou destinadas & ingialagdo de manufacturas. Os discursos de funda. mentagio S30, para os primeios casos e inevtavel- mente, de tot fisioerstico, Por razdes conheeldas, 0 terittio portugués nio sofreu esse processo, sendo aliés comparativamente escasso o ndmero de nicleos ‘urbanos criados em Portugal depois da Idade Média ‘Mas, curiosamente, pouco depois da fundacéo de Vila Real de Santo Anténio surgiram duas experiéncias muito diversas, ambas de iniciativa privada e ambas frustes: Manique do Intendentee Porto Covo™ “Manique do Intendente resulta dainiciativa do ma sistrado Diogo Indcio de Pina Manique (1733-1805) = comhecido por, entre outros cargos, ter sido Itendente-geral da Policia durante 0 reinado de D. Maria I(t 1777-1299) — de fazer brotar um nt: cleo urbano no seu dominio rural do Aleoentinke, hoje no concelho da Azambuja. O alvaré de vila € sede de concelho fol obtido em 11 de Julho de 1791, sendo de entiéo a sua designagio actual, Adminis ttativamente estabeleiase, pois, uma cidade nova, ainda que sobre uma aldeia preexistente que, no concreto, ali permaneceu e se desenvalveu, coexts Lindo e integrando-se. As obras terdo sido inciadas 26 EBB rronumentos.0 de imediato e decorreram com especial intensidade até ao final do século. 0 processo politico e a mor- te do promotor inviabilizaram definiivamente a sua prossecucio, 0 propésito insere-se com muita clareza nas preo- ‘cupagdes ideoligcase civicas de Pina Manique, co hecido, entre ouras,pelas suas acgdes como fisio- ‘rata, filantropo, mecenas,gestor de inraestuturas urbanas e higinista miltante, tanto como pelo seu autortrismo. Conhecem-se bem as suas acgdes em pro! do ontenamento populacional do pais, promo- vendo diversas aogSes de (e)colonzagio interna. No ‘aso da sua Manique do Intendente fez preceder a Iniiativa de urbanizarao de uma distrbuicio de foros do territéxio em redor. Assim se pode vislumbrar a contextualizao da “razio™ para Manique do Inten dente e como esta poderia ter sido um produto do lluminismo" Mas de facto ndo o & porque foi coneretizado mul to pouco do que teré sido 0 plano original, que no 6 conhecido. Contamos apenas com tr elementos: ‘oeixo de acessodirectamenteorientado para Lisboa, ‘uma praga e parte do algado principal do que teria sido um conjunto palécio-grea. Este rematara, @ norte, o eixo de acesto e 0 seu eleito perspéctico & acentuado pelo facto de aquela via vencer com sua ves dealves simétricos oIeto do ribeio do Judeu, que delimitaria a cidade por sul. A gramatica argu {ecténea a como a da Casa da Cimaraimplantada na praca é tipca da transigdo do arquitetura por tuguesa ene o baroco (nos detalies) eo nencis- sico (no pane geval), als, extraodinaiamente signiticativo dos pontos de vst ideolégico, etic fe iconolgico obelsco que encima o front se- Iieieular 20 censo da composieso do algado do palécioigreia ‘Algo a nascente do eixo enconra-se a Praga dos Imperadores.£ um espago hexagonal no qual se ins- reve uma circunferéncia com 300 palmos (66 me- tro) de dismetro. A designagio advém do facto de dali safrem ses ruas — que no tém mais desenvol- ‘mento que a profundidage dos edifiios da raga — com os nomes de imperadoresromanos. Ao cen tro egue-seo pelourinto. A Casa da Cimaraatinge uma monumentaidade que nos demas edificios, todos de dos pisos, fl raconalizada 20 extreme de mokduras simples para vos genersose berado simples, muito na lia composiiva eproporcional, ‘mas decorativamente ainda mais sustera, da au tectora dita pombalina (© que encontrames em Manique do Inendente ¢ pouco pata Ihe podermos aivinaro plano. Masta vez sufciente para, conjugado com 0 contexto da sua tiagdo, a podermos filiar na “escola portuguesa" e na rede de eolénias rurais fundadas tm pouco por toda 4 Europa no tluminismo. As povoagdes fundadas por Carlos (61759-1788) na Sierra Morena e Andalusia ‘lo, obviamente, os casos que ocorem deforma mais mean. Potto Covo ¢ outro caso com tanto de interessante ‘como de irelizado, Foi Jacinto Fernandes Bande! a — um dos comercantes em metesrica ascens3o 8 partir da reconstcugdo de Lisboa, bardo de Porto Covo em 1805 — quem fundou esta vila porturia, ‘io apenas para pescadores, mas também para oes. coamento de produtos do interior alentejan, desig. ‘nadamente minérios. Tal facto ocoreu entre os anos de 1789 e 1794", © plano, que comentarel de imediato, no foi Seguido, talvez por ser excessivamente ideatista € ambicioso, deverto que no pelo facto de 0 de. senho no se adaptar bem 3 realidade do terreno, A verdade que também aqui exstiam preexistén las, ainda que escassas e frigeis. Sem contarmos com dados que expliquem a opedo (um plano alter. ‘ativo, por exempio), a vila surgi algo mais para o Interior, com alguma regra, a partir de uma praca si. tuada no seu extremo nascente, Nela a constatacio mais relevante € o facto de corresponder a uma mi Ilaturizagdo da praga de Vila Real de Santo Anténio, sendo a qualidade arguitecténica geral e de detalhe ‘muito inferior, com uma clara expressio vernécula, Tal como o seu modelo formal, & a Praca Marqués de Pombal meee ora a 28 EEE morumenios.0 ‘Ao nvés, 0 plano expime um considerivel grau de cerudigio, mas ndo contém quaisquer dados que nos permitam ter uma ideia acerca da arqutectura pro ‘gramada, Seguindo o eix principal de norte para sl, Paralelos ao mar, encontrariamos num “U* aberto a0 temitrio, apés © ponte de convergéncia das estradas de acess, o terreiro do mercado, arborizado, equipa- do e centtado numa font, tendo no melo do algado a base um Hospital para os vals e exposos dots do de ermida publica, Nas suas cosas e esruturando ‘a praga aberta 20 ribeiro — uma praca da ebelra em ‘versio miniaturizada da Praga do Comérci de Lisboa = Sicaria a igreja que pariharia esse espago com a ‘casa da Camara e Cadel, a Fazenda (alf2ndega) e 0 pelourinho, Na frente fluvial uma réplia do Cals das CColunas lisboeta remataria © eixo esiruturante, em tomo do qual se desenvolverla uma malha ortogonal funcionalmente ordenada por quarteirGes destinados a habitagées, 2 estalagem e aos armazéns das arma: es de pesca, do sal, do carvio, do trgo, et ‘Sbo evidentes © reas as citagdes programticas € turbanisticas fetta neste desenho: (..) um rasso na franja rura/urbaro dotodo do acolhimento ¢ confor tw necessiios as fasts; 0 relatvamente elevado mH nivel dos equipamentos; uma praga onde se integra (0s poderes tradicionais eo da nova ordem econdimica: 4 inearidade como mote; 0 quadrado como eleraerto- -tase de wma rigoosa eomposigdo geomdtria: 0 cais Uisboet; 0 zonamento funcional; a refeéncia. aos Invalides parisienses; a wopia; enfin, a forte carga de significadoscutarais ea desconeerante simplicdade e pragmatism de wma cidade portuguesa (.)*,Além do ‘mais teria sido uma bela cidade do uminismo. A sua tara, contudo, pela evocago da intengdo da fundagio « mimetismo com a de Vila Real de Santo Antio, faz com que virtualmentendo deixe de o set. 4, Havers razdo? inequivoca a sustentagdo do facto de o nucleo pombalino de Vila Real de Santo Anténio correspon- der a algo tinico,espectico e do mais elevado valor cultural. Porém, © seu reconhecimento tem sido tio “rduo quanto a sua descaracterizagSo que, ais, é sin ‘nica e durante anos fo} oficialmente sancionada (© proceso de classifcago como patriménio cultural rmonents 20 AIEEE 29 pelo Estado conta mais de tts décadas e a entrada em eficicia do plano de salvaguarda foi extaordina rlamente morosa. Espera-se que a montagem do ss tema de gestdo e dos instruments ali preconizados lo sigam esses exemplos, Apesar de tudo o essencial resiste © a consciéneia coleciva estaré a mudas, per ‘ebendo que, para além de um compromisso entre 0 passado e o futuro, o patriménio urbanistico € wm activo econémicoinestimavel. Este nimero monogrs: fico da Monumentos poders ser um contributo impor ‘ante para essa mudanga e reconhecimento, 6 alguns anos arés, no auge da descaracterza 680, a cidade passou aintegrar a Associacio Interna ‘onal de Cidades e Entidades do Férum do Iuminis ‘mo, o que Ihe proporcionou algum reconhecimento internacional, essencalmente no universo hispini- co. Porém, hoje em dia a constituigso de redes de ‘idades tem objectivos materialmente mais activos, proficuos ede coesio. Aids essa orienta foi cons. tituida em politica pela Comunidade Europea e pelo Estado Portugués no ambito do Quadro de Referéncia Estratégica Nacional e, espeifiamente, na Potica de Cldades Polis XXI, Nesse Ambito, @ municipio de cseosataee Ser ate 30 EEE ronumenis ‘Vila Real de Santo Anténio iniciou um processo de associagdo com outros municfpios com vista 3 apre- sentagio de uma candidatura ao financiamento de acgoes de promocso. Por razBes de ordem formal a iniciatva ndo teve seguimento. Contudo, mais do ‘que designago — cidades da razao — fcou aideta, ‘ou melhor, a 13230". ‘Mais do que uma designacio, cidades da razdo (Cites of Reason, Cindades de la Razin, Ctées de ta Raison, et.) pode ser uma marca. Obviamente Ls boa da reconstrugdo pombalina — cujo processo de candidatura aPatriménio da Humanidade tem vindoa sganhar novo flego com a afrmario dos designios de reabiltagio — nio est nos “arredores" de Vila Real ‘deSanto Ant6nio, Ambas 8300s pélos galvanizadores ‘de um terstsio cultural que seré esmagadoramente vasto economicamente promissor se, para 0 eelto, consttuldas em rede. Um caso no flea completo sem ‘outro, E claro, 36 téma ganar se agregarem outros

You might also like