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24 Homossexualidades Como todas as maes insatisfeitas, ela tomou o filhinho em lugar do marido e, pela maturidade demasiadamente precoce do erotismo dele, despojou-o em parte de sua masculinidade. S. Freud, referindo-se a Leonardo da Vinci © ato homosexual, em si, nao 6 desviante, mas sim quando deixa de ‘ser uma variagdo da sexualidade adulta e se transforma em sintoma, CONSIDERAGOES INICIAIS Aexemplo do que acontece na nosologia Psiquidtrica, também na literatura psicanaliti- ca nao é clara e univoca a conceituacao nem a inserg4o da homossexualidade. Na verdade, essa expressdo aparece de forma polissémica, ou seja, permite varias significagdes e sentidos, de tal forma que as concepgées dos miiltiplos autores a respeito da homossextualidade tanto se superpéem ou coincidem, como também sur- gem ambiguas ou divergentes entre si, enquan- to, muitas outras vezes, se complementam de forma frutifera, em uma ampla gama de varia- ges tedrico-técnicas. Igualmente o termo “homossexualidade” permite uma escuta polifénica, isto é, cada psicoterapeuta tem uma forma particular de entender e de escutar e, portanto, de interpre- tar 0 contetido ¢ a forma das mensagens ver- bais e nao-verbais emitidas por esses pacien- tes a respeito de sua conduta sexual. Destarte, cabe afirmar que a conceitua- cdo psicanalitica de homossexualidade, além de polissémica e polifénica, também é polimorfa (varias formas de apresentagao) e polideter- minada (diversas causas concorrem para uma mesma manifestacdo clinica). Em relagao a essa polideterminagio da homossexualidade, concorrem fatores diversos, como podem ser os de natureza bioldgica, so- ciocultural e os psicolégicas, sendo que, neste liltimo caso, tanto podem predominar elemen- Joyce MacDougall tos edipicos, quanto os pré-edipicos. Devido & impossibilidade de abarcar todas as dimensoes que esto presentes na determinagao da ho- mossexualidade, o presente capitulo pretende privilegiar a abordagem dos fatores pré-edipi- cos que séo inerentes a Posigdo Narcisista. Em primeiro lugar, é necessdrio deixar claro que, antes de ser enquadrada em uma linica categoria nosolégica — como perversio, por exemplo -, a homossexualidade deve ser compreendida como uma sindrome, ou seja, diversas causas etiolégicas podem manifestar- se por meio de uma mesma manifestacdo sin- tomética aparente. Cabe uma analogia com 0 surgimento de uma “febre”, a qual, por si sé, de forma nenhuma pode ser considerada como um quadro clinico especifico, mas, sim, como uma sindrome febril que tanto pode ser devi- da a um resfriado banal, como pode traduzir uma pneumonia ou qualquer outro proceso infeccioso, indo até a possibilidade extrema de um processo cancerfgeno ou de uma gravissima septicemia. Assim, é melhor falar em homossexuali- dades, no plural, ¢ admitir que existe um largo espectro que vai de um extremo natural até um outro psicopatolégico, e que 0 comporta- mento sexual “normal” é muito mais abran- gente que os concebidos pelas culturas em ge- ral e pela psicandlise elassica, em particular. Freud jé estabelecera uma distingao en- tre perversdo (fetichismo, sadomasoquismo, voyeurismo, exibicionismo, pedofilia...) ¢ in- d with the DEMO VERSION of CAD-KAS PDF-Editor (http://www, cadka: (© conteddo desta aula em POF 6 lcenciado para Marcio David Santos Silva, vedada, por quaisquer meios © @ qualquer tuo, ‘a sua reproducéo, cépia, divulgagao ou distrbicSo, sujeitando os inratores a resporsabilzagdo cv e criminal 276 DAVID E. ZIMERMAN versdo (cujo termo designava a homossexuali- dade). Embora seja evidente que entre os ho- mossexuais também se encontram muitos que apresentam caracteristicas perversas (que sio condenados pelos outros homossexuais, os quais constituem a maioria, e que néo ma- nifestam sintomas de perversdo pura), este termo deveria ser evitado por essa dupla ra- Jo: sugere uma generalizacao injusta, e, além disso, a palavra “perversio” em quase todos os idiomas tem um significado altamente pe- jorativo. Para evitar que 0 termo “homossexuali- dade” rotule a todas manifestacdes desta for- ma homoerética de sexualidade com um mes mo e generalizado significado, qualitativo e quantitativo, geralmente impregnado com uma significagao pejorativa e estigmatizadora, é que muitos autores preferem empregar o termo “conduta homossexual”, © qual condiciona a necessidade de um esclarecimento quanto & forma e ao grau desse tipo de conduta. A conceituagao de “conduta homossexual” ou, mais simplesmente, a de “homossexua- lismo” alude aos apegos emocionais que impli- cam em atragao sexual ou as relagdes sexuais declaradas entre individuos de um mesmo sexo. Como se sabe 0 termo homo, em grego signifi- ca “igual, semelhante”, assim como a expres- sio “lesbianismo”, que define a homossexuali- dade feminina, se origina de “Lesbos”, nome da ilha grega onde residia Safo, poetisa da Grécia classica, que se notabilizou por suas re- lagdes homoersticas. De um modo geral, os autores concordam que 0 emprego do termo “homossexual” deve- ria se restringir aos casos em que os individu- os, de uma forma mais crénica e compulsiva, em geral com alternancia de episédios de exa- cerbagées e de remissées, e como uma manei- ra de se aliviarem de fortes ansiedades para- néides ou depressivas, em distintos graus de qualidade e intensidade, atuam um desejo se- xual de forma muito predominante (isto é, nao requer exclusividade) para pessoas do mesmo sexo biolégico. Enquanto isto, 0 termo “homossexualida- de latente” deve aludir aos desejos homosse- xuais disfarcados ou ocultos, ndo-assumidos ¢ tampouco concretizados. E um termo ambiguo ¢ impreciso, requerendo cautela em sua nomi- nado, Da mesma forma, nao se justifica rotu- lar de homossexuais aquelas pessoas que, em= bora comumente casados e com filhos, ocasio- nalmente cometem actings de natureza homoe- rética, sem que a mesma guarde uma natureza compulséria e permanente. © mesmo vale para aqueles casos deno- minados “homossexualidade situacional”, isto é, a experiéncia homoerética fica restrita a determinadas situagoes circunstanciais (presi- dios, internatos, etc), nunca mais se repetindo. Na verdade, é muito dificil definir 0 que vem a ser uma sexualidade “normal” ou uma sexualidade “perversa”. A esse respeito J. McDougall posiciona-se que ocorre a compre- ensdo da perversdo a partir da destrutividade que 0 sujeito estabelece em relagao a sie ao ou- tro, mas nunca como uma forma de pratica se- xual ndo enquadrada naquilo que habitualmente échamada de normalidade. 0 ato homosexual, em si, nao é desviante, mas, sim, quando deixa de ser uma variagao da sexualidade adulta e se transforma em sintoma. O autor questiona se ha diferengas no contexto do processo analiti- co entre analisandos heterossexuais (os quais estdio mais relacionados com uma dificuldade de obter prazer) e os homossexuais (a queixa refere-se mais A dificuldade de dar prazer). Também é necessario considerar que a assim denominada fase perverso polimorfa, des- crita por Freud (1905) como uma etapa no curso normal da evolucao psicossexual, pode se manifestar na genitalidade adulta com ma- nifestagbes pré-genitais no curso das relacdes sextiais, que até podem simular uma pratica perversa, mas que nada tem a haver com a psicopatologia da perversao. Em termes socioculturais, dados estatis- ticos deixam claro que homossexualidade nao é um fenémeno inusitado, mas, pelo contra- rio, é bastante freqiiente em qualquer socie- dade. Algumas pesquisas apontam para um indice aproximado de 4% do total de homens cuja conduta homoerdética é a unica durante toda a vida, enquanto para as mulheres essa mesma conduta ocorre em 2% da populagao em geral. Os homens manifestamente efeminados, ou as mulheres de aspecto viril, constituem so- mente uma pequena percentagem da popula- gio homosexual. Algumas pesquisas apontam d with the DEMO VERSION of CAD-KAS PDF-Editor (http:/Mwww,cadkas.com). (© conteddo desta aula em POF 6 licenciado para Marcio David Santos Silva, vedada, por quaisquer meios @ @ qualquer tuo, ‘a sua reproducéo, cépia, divulgacdo ou distnbuicSo, sujeitando os inratores a resporsabilzagdo cw e criminal que somente 15% dos homossexuais masculi- nos e no mais do que 5% dos femininos so facilmente reconhectveis. Assim, ao contrario de uma difundida crenga popular, os homossexuais no se diferenciam do ponto de vista fisico (adi- posidade, quadris largos, érgdos sexuais peque- nos, pilosidade nas mulheres, etc.) dos indivi- duos normais. Nem todo efeminado é homosse- xual, ¢ a reeiproca é verdadeira. A importancia e a significacao, assim como a aceitagao ou reptidio da pratica de uma determinada modalidade sexual, varia muito de uma cultura para outra, e mesmo dentro de uma mesma cultura, também varia com o seu momento sociopolitico e econémico, Esta ulti ma afirmativa pode ser exemplificada com 0 extraordindrio aumento da prética homosse- xual, comprovadamente manifesta no apogeu da Alemanha nazista, talvez pelo entao incre- mento da pulséo de morte, com a respectiva agressdo sAdico-destrutiva e os temores corres- pondentes. Também é muito difundida a crenca de que, na Grécia cldssica, 0 homossexualismo nao somente constituia uma regra do comporta- mento sexual, como ainda era altamente valo- rizado e reconhecido pelos pares como um ideal estético. Falta acrescentar, no entanto, que isso era verdadeiro para a fase da puberdade, du- rante a qual uma entrega total do rapaz, aos cuidados de seu tutor, era considerada uma honraria e um sinal de uma aprendizagem com- pleta ¢ perfeita; entretanto, em contrapartida, na mesma Grécia, a homossexualidade adulta era severamente repudiada e punida. Em resumo, a cultura determina gran- des mudangas na maneira de encarar e abor- dar a homossexualidade. Na atualidade, exis- tem fortes controvérsias sobre alguns assun- tos essenciais que cercam os homossexuais, como a do direito legal de acasalamento; a permissiio, ou nao, de pertencerem aos qua- dros de organizagées militares e de cipulas politicas; a aceitagdo, ou nao, por parte da populacao, de nao encard-los como “doentes”, € assim por diante. O que nao resta duivida é o fato de que as medidas de legislagio represso- ra acarretam resultados negativos, porquan- to reforca a condicao de clandestinidade, com 6s inevitaveis problemas de culpa, vergonha, solidao e humilhagao, assim como propicia 0 MANUAL DE TECNICA PSICANALiTICA 277 favorecimento de chantagens — nada incomuns e extremamente persecutérias. Cabe perguntar se a homossexualidade est4 aumentando em nimeros percentuais. A resposta & muito dificil, pois os homossexuais no s6 esto assumindo essa sua condigéo com maior franqueza, como fazem inimeros movi- mentos puiblicos em defesa de seus direitos, 0 que pode dar uma falsa idéia de incremento, em ntimeros relativos, é claro. De qualquer for- ma, é incontestavel que a homossexualidade constitui-se em um problema de extrema rele- vancia individual e social, logo, um importante desafio para a psicanilise e para os psicanalistas. Mais particularmente em relagao ao cam- po da psicandlise, também existe uma polémi- ‘a quanto ao fato de se uma pessoa homosse- xual pode ter direito a fazer uma formacao psicanalitica regular e oficial; e mais: se essa sua condigao é compativel ou incompativel com 0 pleno € exitoso exercicio da profundeza da fungao psicanalitica Por outro lado, cada vez mais os pacien- tes homossexuais procuram atendimento psi: canalitico, e os psicanalistas esto muito mais bem preparados em conhecimentos teéricos relativos 8s primitivas etapas da evolucao psi cossexual, logo, estao mais bem equipados com os necessarios recursos técnicos. Como resul- tado desses avancos, fica-me a impressio de que os resultados analiticos com esses anal sandos tém sido mais exitosos ¢ promissores do que décadas atrs, POSSIVEIS ETIOLOGIAS Conforme jé foi tratado, séo muitos os fatores que concorrem para o surgimento da sindrome homossexual, sendo necesséris se destaquem aos seguintes: Biolégico-constitucionais A ciéncia atual ainda tem um conheci mento muito pequeno acerca dos aspectos ge- néticos, organicos ou glandulares, sendo que, até 0 presente momento, predomina a idéia de que eles tém uma participacdo minima na determinacao da homossexualidade. d with the DEMO VERSION of CAD-KAS PDF-Editor (http:/Mwww,cadkas.com). (© conteddo desta aula em POF 6 lcenciado para Marcio David Santos Silva, vedada, por quaisquer meios © @ qualquer tuo, ‘a sua reproducéo, cépia, divulgagdo ou distrbuigSo, sujeitando os inratores a resporsabilzagao cv e criminal 278 DAVID E. ZIMERMAN Socioculturais e familiares Ninguém contesta na atualidade os efei- tos condicionantes indiretos dos costumes e cédigos sociais, quais so ditados pela vigén- cia de uma determinada cultura, a qual, por sua vez, varia grandemente com as distintas geografias e épocas. Como ja foi menciona- do, o fator cultural determina grandes e deci- sivas mudangas na maneira de surgir, encarar e abordar a homossexualidade. Geralmente prevalece, por parte do ambiente, uma rejei- c4o franca ou dissimulada contra a homosse- xualidade, nos mesmos moldes persecutérios e humilhatérios que se processam contra to- das as minorias sociais. Pode-se dizer que os conflitos dos homossexuais estéo mais em re- Jaco aos costumes sociais do que propriamente consigo mesmo. ‘Adquire uma especial importdncia o dis- curso dos pais e da religido acerca da sexuali- dade, de tal forma que, muitas vezes, além de proibida, a sexualidade também € significada ‘como perigosa (cabe lembrar novamente o pa- ciente esquizofrénico, com fortes fantasias ho- mossexuais, que seguidamente lembrava a ad- moestacao de seu padre-professor de que “cada gota de esperma derramado na pratica da masturbagao correspondia a uma gota de sangue que se esvaia do corpo de Nossa Se- nhora”). Toda e qualquer familia esté inserida em um determinado contexto sociofamiliar € so- fre as suas influéncias, de modo que as mes- mas sio repassadas pelos pais aos filhos. Os padrdes da sexualidade nao sao inatos, mas sim eles sdo criados, logo, adquire uma importan- cia fundamental as identificagées dos filhos com 08 pais, assim como 0 discurso destes tiltimos acerca da sexualidade. Da mesma maneira, adquire uma especial importancia o aspecto da transgeneraciona- lidade, isto é, os conflitos edipicos ou pré- edipicos ndo-resolvidos nos pais serao neces- sariamente repetidos com os filhos, processo que pode ter uma continuidade ao longo de muitas geracdes de uma mesma familia. Para tanto, o habitual 6 que se estabeleca na fami- lia uma designagao de papéis, os mais diversos, a serem inconscientemente cumpridos por to- dos, dentro de um clima de veladas ameacas (superego) ou de fortes expectativas (ideal do d with the DEMO VERSION of CAD-KAS PDF-Editor (http://www, cadka: ego), cujo ndo-cumprimento gera culpa, medo, vergonha e humilhagao. Sexo e género sexual Na atualidade — gracas principalmente aos trabalhos de R. Stoller (1985), psicanalista americano (1924-1991) — atribui-se uma ex- pressiva importancia nao somente ao sexo bio- Iégico com que a crianca nasce, mas também A formagdo do seu género sexual, o qual vai de- pender fundamentalmente dos desejos incons- cientes que os pais alimentam quanto as suas expectativas e demandas em relagao 8 condu- ta e ao comportamento do filho, ou filha. Esta indugdo, por parte dos pais, na deter- minagio do “género sexual” das criangas costu- ma ser feita a partir de combinagao de fatores influenciadores, como sao alguns apontados por Grafia (1995), que destaca, por parte dos pais, a atribuigdo de nomes préprios ambiguos, 0 uso de roupas que provocam confusées e indefi ges no contexto social em que a crianca esté inserida, o tipo de brinquedos e de brincadeiras, a forma de como os pais designam os genitais, 0 tipo de esporte que estimulam nos filhos, a idealizagdo ou denegrimento de certos atributos masculinos ou femininos, etc. Costuma ser comum a formagéo de um contuio inconsciente na base de um “faz-de conta” que ninguém esta vendo nada, negan- do, assim, uma evidente cumplicidade entre duas ou mais pessoas de uma mesma familia, sendo que, muitas vezes, os pais nao sé deter: minam decisivamente o género sexual dos fi- Ihos, como também pode acontecer que cles atuem a sua posstvel homossexualidade laten- te através de seu filho ou filha. Alids, nao é nada raro que certas familias cultivem um conluio muiltiplo que se manifesta através de um determinado “segredo familiar”. Entendo que a estruturacao de um géne- ro sexual diferente do sexo bioldégico esta lon- ge de necessariamente significar uma homos- sexualidade atuante, porém pode ser um fator propiciador. Por outro lado, penso que se pode er que, em alguns casos, um casal com se- xos biolégicos diferentes, porém com um cer- to arranjo dos respectivos géneros sexuais, po- de estar configurando uma relagao de nature- za homossexual. (© conteddo desta aula em POF 6 lcenciado para Marcio David Santos Silva, vedada, por quaisquer meios © @ qualquer tuo, ‘a sua reproducéo, cépia, divulgado ou distrbuigSo, sujeitando os inratores a resporsabilzagdo cv e criminal Fatores psicolégicos Os referidos aspectos sociais, culturais familiares, intimamente inter-relacionados com as necessidades, desejos e fantasias inconsci- entes da crianca, vao determinar primitivos pontos de fixagdo conflitivos, nos quais ela vai estacionar em seu desenvolvimento psicos- sexual, ou para eles vai regredir quando, em- bora tenha alcancado a condic¢ao adulta, nao suporta surgimento de determinadas ansie- dades terriveis. Classicamente, os pontos de fixagao refe- rem-se & etapa oral (feldcio, sexualidade pos- sessiva e aditiva, etc.), anal (no imagindrio das criangas de ambos os sexos, a incorporacao anal do pénis do pai representa a aquisi¢ao de uma ilusdria completude e poténcia félica) etapa falica (inserida dentro do complexo de Edipo, com as mais distintas configuragées possiveis) Unicamente como um esquema didético de exposigo, pode-se considerar os fatores psicolégicos propriamente ditos na determina- Gao da conduta homossexual, a partir de duas vertentes: a edipica e a narcisica, que sero mais adiante abordadas de maneira individual. No entanto, deve-se sempre levar em conta o fato de que ambas costumam estar intimamente inter-relacionadas, e que, mais freqiientemen- te do que em geral se pensa, os conflitos narcisicos e pré-genitais podem estar masca- rados e representados por uma ruidosa facha- da edipica. Alias, foi o préprio Freud quem nos apon- tou separadamente os caminhos das duas ver- tentes. Assim, ao mesmo tempo em que a prin- cipal parte da sua obra gira em torno dos con- flitos psiquicos resultantes das pulsées libidinais investidas nas vivéncias e fantasias implicitas no conceito universal do complexo de Edipo, é a Freud que se deve a primeira compreensao das raizes narcisicas na determinagéo da ho- mossexualidade. Essa ultima afirmativa pode ser comprovada nos seus trabalhos de 1910 acerca de Leonardo da Vinci e uma lembranga de sua infancia (no qual fica claro que a ho- mossexualidade de Leonardo representava uma busca de recompor com a mae uma perdida unidade fusional primitiva) e, principalmente, no trabalho sobre Uma introdugdo ao narcisismo (1914). Neste ultimo, Freud aponta que a es- colha do objeto homosexual pode ser de na- MANUAL DE TECNICA PSICANALiTICA 279 tureza anaclitica (um retorno & situagdo pa- radisiaca do apego original com a mae, com a sensacao de ter a posse absoluta dela) ou narcisica, nas suas trés modalidades: busca no parceiro uma extensao daquilo que ele é (tem- po presente), ou do que ele foi (tempo passa- do), ou daquilo que almeja vir a ser (futuro) ‘A propésito, também é a Freud, tal como aparece no trabalho de 1911, sobre o célebre “Caso Schreber”, que se deve a postulagao de que existe no curso do desenvolvimento psicos- sexual da crianca uma posicdo homossexual normal e estruturante. No mesmo artigo, a partir do original e proibido desejo homosse- xual “eu o amo”, por meio de uma série de transformagées do verbo e do objeto, determi- nadas pela necessidade de negar tal oprdbrio, Freud mostra como o individuo pode construir tanto uma producdo delirante parandide (“nao, eu nao © amo, cu o odeio, ¢, logo, cle me odeia”); como pode ser um delirio de citime (“é ela que 0 ama”); ou uma erotomania Cela(s) é que me ama(m)); ou uma retirada narcisistica (“ninguém me ama ¢ cu nao amo ¢ nao preciso de ninguém”). Igualmente Freud contribuiu com um importante pressuposto de que inicialmente a crianga apresenta uma concepcdo imaginaria de que é possuidora de uma bissexualidade, sendo que esta sua idéia continua servindo de ponto de partida dos mais avancados estudos sobre a determinacao da sexualidade, portan- to, também da homossexualidade. No entan- to, foi em torno da triangularidade da conflitiva edipica que Freud fez. as suas mais importan- tes descobertas, que seguem aqui, extremamen- te sumarizadas. AFACE EDIPICA + Acrise edipica, quer tenha sido de re- soluco homo ou heterosexual, impli- ca para a crianga a condigo de renun- ciar & fantasia de que ela tem a posse de uma bissexualidade; por conseguin- te, também implica a rentincia de seu desejo imagindrio de que pode possuir sexualmente os dois genitores. + Essa remincia est ligada ao reco- nhecimento da existéncia de um ter- ceiro (0 pai) e esté intimamente liga- d with the DEMO VERSION of CAD-KAS PDF-Editor (http://www, cadka: (© conteddo desta aula em POF 6 lcenciado para Marcio David Santos Silva, vedada, por quaisquer meios © @ qualquer tuo, ‘a sua reproducéo, cépia, divulgagdo ou distrbigSo, sujeitando os inratores a resporsabilzagdo cv e criminal DAVID E. ZIMERMAN, da & cena priméria, com todas as fan- tasias daf decorrentes. As principais fantasias, tanto no me- nino quanto na menina, estao direta- mente ligadas & posi¢do e ao lugar que imaginariamente (ou concretamente em certas familias de estrutura perver- sa) as criangas ocupam nessa cena que tanto lhes pode sugerir uma idilfaca troca de benesses entre os pais, ou um, inferno no qual estes se destroem, fan- tasia esta que promove na crianga uma concepgao sadomasoquista do ato se- xual. Segundo M. Klein, a fantasia da crianga de que os pais esto fundidos no coito produz a imaginagio da “fi- gura combinada” responsével pela criagdo mitica da existéncia de figu- ras monstruosas. Ficar excluida da cena primaria gera na crianca uma sensacao de abando- no e traigao por parte de um dos pais, ou de ambos, e, por conseqiiéncia, produz sentimentos de édio, rivalida- de, curiosidade invasiva e arrogante, incremento de um controle possessi- vo e de sentimentos de vinganca. A rivalidade com o genitor do sexo oposto, por meio de um jogo de pro- Jegbes e introjegées dos referidos sen- timentos e fantasias, determina o surgimento do complexo de castragdo (€ titil lembrar que Freud restringiu 0 uso deste termo ao temor da castra- cdo dos érgaos genitais). Para evitar a castrago, 0 futuro adulto pode renun- ciar & heterossexualidade. O complexo de fidipo pode tomar uma configuragaio positiva (desejo pelo genitor do sexo oposto e uma rivalida- de com o do mesmo sexo) ou negativa (em cujo caso 0 complexo de Fidipo é invertido, ow seja, a crianga deseja 0 genitor do mesmo sexo). E itil levar em conta que a resolucao invertida do complexo muito comumente seja devi- da ao fato de que 0 género sextial dos pais esteja trocado, o que, por si sé, determina uma patogenia no proceso identificatério da crianga. * Assim, a elaboragao final da crise edipica acarreta duas conseqiiéncias fundamentais para a crianga, as quais esto entrelagadas: os modelos de iden- tificag@o e a formagdo do superego. Para © primeiro, entre tantas outras possi- bilidades de identificagdes patogénicas que concorram para a homossexuali- dade, pode servir de exemplo a iden- tificagao do menino com uma mae {falica, sendo que esta, por sua vez, possivelmente também esteja identi ficada com a sua prépria mae também félica, ou com a figura masculina do seu pai, ou de algum irmao cujo pénis ela invejava... Em relagdo a formacao do superego, basta lembrar o aforismo de Freud: o superego é 0 herdeiro dire- to do complexo de Edipo. * Edesnecessario destacar que, tal como. Freud nos ensinou, no processamento normal da crise edipica, ha uma dife- renga do que se passa no psiquismo do menino ou da menina. E suficiente lembrar que normalmente a menina entra na crise edipiana quando ela, devido ao complexo de castracao, afas- tase da mae e se aproxima do pai (para obter dele o pénis que lhe falta, ou um bebé, como um substituto fa- lico); enquanto o menino sai dessa cri- se quando, acuado pela angustia de castracdo, renuncia a posse da mae e se reaproxima e se modela com o pai. AFACE NARCISISTA + Em relac&o ao desenvolvimento nor- mal da psicossexualidade, as primei- ras formulagées de Freud postulavam aexisténcia de uma etapa de auto-ero- tismo, seguida de um narcisismo pri mério e finalmente uma posterior eta- pa do investimento libidinal em obje- tos externos. + Na atualidade, é consensual que des- de o nascimento o bebé jé estd inte- ragindo com o meio ambiente exterior e estabelecendo relaces objetais, mui- d with the DEMO VERSION of CAD-KAS PDF-Editor (http://www, cadka: (© conteddo desta aula em POF 6 lcenciado para Marcio David Santos Silva, vedada, por quaisquer meios @ @ qualquer tuo, {a sua reproducéo, cépia, divulgagdo ou distrbuigSo, sujeitando os inratores a resporsabilzagdo cv e criminal to particularmente com a sua mie. Importantes autores destacaram este inato relacionamento objetal. Inicialmente, na vigéncia da fase de indiferenciacdo e de indiscriminagao, 08 objetos externos so percebidos sem diferencas sexuais; por conseguinte, de uma perspectiva “homossexual”. Sabe-se que a etapa de simbiose com a mae é indispensavel e estruturante; no entanto, ela pode se tornar patogé- nica, tanto nos casos em que ha um precoce desligamento da mae quanto principalmente quando houver uma exagerada manutencao desse vinculo simbiético, fortalecendo e fixando uma relagdo de natureza diddica- fusional da crianga com a mie, desta forma excluindo a importancia do pai. Nesses casos, é facil perceber, na cli- nica, que esta mae simbiotizadora — que ndo renuncia ao seu desejo de manter uma eterna gravidez ~ tenta cimentar a posse exclusiva de seu fi- Iho, por meio dos seguintes recursos inconscientes: 1) Toma o filho como um mero prolongamento de seu pré- prio narcisismo (no dizer de Lacan, delega ao filho a obrigagao de cum- prir o papel de representar o falo, ou seja, 0 poder que ela almeja). 2) Por meio de uma precoce erotizacao, a mae fortalece a ilusdo onipotente do me- nino de que ele jé é uma pessoa adul- ta (isto estrutura um falso self) e que cle substitui, com vantagem, ao pai. 3) Esta exclusdo do pai no psiquismo da crianga — especialmente nos meni- nos ~ ¢ de fundamental importancia na estruturagdo de uma homossexua- lidade. 4) Para manter a garantia da posse do seu filho —com finalidade que costumo nominar seguro-solidao ~, essa mae utiliza intimeros recursos in- conscientes, como injegdo de culpas, chantagem afetiva, desqualificacao dos valores adultos, duplas mensa- gens, etc., a fim de perpetuar uma infantilizagdo de seu filho. 5) Um ou- tro custo é 0 fato de que a crianga — MANUAL DE TECNICA PSICANALiTICA 281 futuro adulto ~ hipertrofia o papel que Ihe foi imposto de ser o principal dese- jo dos desejos da mae, assim como tam- bém costuma haver um continuum confusional entre o corpo da mae e do filho, ou filha (J. McDougall alude a “um corpo para dois”). Se a mae simbiética nao for capaz de renunciar ao corpo do filho e & posse do seu pénis, resultard uma luta deses- perada - e ambigua— por parte do filho com o propésito de repelir a mae per- cebida como engolfadora e perigosa. A referida exclusdo do pai do campo afetivo do filho adquire tamanha im- portancia na determinacao de uma possivel estruturacao homosexual do filho pelas seguintes duas razées prin- cipais: o pai excluido néo funciona como uma necessaria cunha inter- ditora (a qual Lacan chama de Lei ou Nome do pai) no romance simbiético entre a mae e a crianca. A segunda razo, em se tratando de menino, é que faltard a ele um modelo de identifi- cagdo masculino, que possa ser intro- jetado com admiracao. Tais possibili- dades encontram respaldo em Freud, que em Leonardo... afirma que igual todas as mées insatisfeitas, sua mae tomou o filhinho em lugar do marido e, pela maturagdo demasiado precoce do erotismo do menino, despojou-o de parte de sua masculinidade. As principais causas que concorrem. para a exclusao do pai sdo as seguin- tes: o pai mantém-se fisica e geografi- camente muito afastado do lar; ele é exageradamente frdgil e dominado pela mulher; ou excessivamente tird- nico; no entanto, a principal causa & quando a imagem do pai, apesar de seus esforcos, & denegrida pelo discur- so da mae na determinaco dos valo- res do filho. Em outras palavras, a imagem que a crianga introjetaré da figura paterna é a mesma que esta tem do seu marido, Aconseqiiéncia maior da manutengao dessa diade fusional simbiética é 0 for- d with the DEMO VERSION of CAD-KAS PDF-Editor (http://www, cadka: (0 contado desta aula om POF ¢ lcenciado para Marcio David Santos Silva, vedada, por quaisquer meios © @ qualquer tuo, ‘a sua reproducéo, cépia, divulgagdo ou distrbigSo, sujeitando os inratores a resporsabilzagdo cv e criminal 282 DAVID E. ZIMERMAN, talecimento e a persisténcia do esta- do mental que propus denominar po- sigéo narcisista, na qual, entre muitas outras condigdes psiquicas, faz. parte a, assim denominada por Bion, parte psicdtica da personalidade. Nesta tiltima, vai acontecer que a cri- anga nao suporta frustragdes; em con- seqiiéncia, vai haver a hipertrofia das pulsdes agressivo-destrutivas, com a séria decorréncia futura da contracao de vinculos sadomasoquistas. Para li- vrar-se dos conseqiientes sentimentos e angiistias intolerdveis, a crianga utiliza excessivamente o recurso das identifi- cages projetivas. A um mesmo tem- po, ela desenvolve um horror ao co- nhecimento das verdades penosas, tanto as externas quanto as internas (‘-K", de Bion). Assim, a crianga incre- menta a onipoténcia por meio da qual ela faz. uma negagao dos limites, das limitacGes, do reconhecimento das di- ferengas, tendendo a abolir as dimen- sdes do espaco (confunde-se como ou- tro) e tempo (independentemente de sua idade cronolégica conservar a fan- tasia de seu privilégio de funcionar na vida com o primitivo principio do pra- zer-desprazer). Essa onipoténcia im- pede o ingresso na “posicao depres- siva” e, conseqiientemente, inibe a ca- pacidade para pensar e formar simbo- los. A necessdria “aprendizagem com as experiéncias” (termo de Bion) fica substitufda por uma onisciéncia, en- quanto a negagéo do sentimento de dependéncia, fragilidade e inermia cede lugar a uma prepoténcia (pré- poténcia), Pode-se ir mais longe e afirmar que & a aquisi¢ao da posicSo depressiva que determina e inaugura o complexo de Edipo. De fato, entre outros aspectos inerentes a essa posicdo, vale desta- car que é ela que possibilita a crianga discriminar e separar-se do objeto, ga- nhando para si e concedendo para 0 outro uma relativa autonomia, assim efetivando um reconhecimento da existéncia real do pai no contexto edipiano, * Nos individuos em que existe uma ma- nutengao predominante da “posicao narcisista”, vai acontecer um sério dis- ttirbio na construgio do sentimento de identidade, de tal modo que, na tenta- tiva desesperada de manter 0 amea- ado sentimento de identidade, 0 su- jeito pode usar a sexualidade, tanto a homo quanto a heterosexual, como uma droga, assim configurando aque- les casos que J. McDougall (1978) de- nomina como sexoadictos. + Da mesma forma, a angtistia de desam- paro (Hilflosigkeit & 0 nome original ut lizado por Freud) ~ a angtistia mais te- mida, ndo sé pela razao da falta de apoio e de extrema dependéncia que ela acar- reta, mas principalmente pela ameaca de uma desorganizacio do ego - esté intimamente ligada a estrutura narcis tica. Portanto, mais do que a angiistia de castragéo, aqui se esta enfatizando a presenca da angiistia de desamparo e desvalia; mais do que a problematica dos desejos, impée-se a das necessida- des basicas; mais do que uma dolorosa frustragdo decorrente da exclusio da crianga do triangulo edipico, esta se aludindo & questo essencial da sobre- vivéncia psiquica ¢ & constitui¢do do ego, com os seus limites e sua identi- dade primitiva e corporal. + Creio que se pode dizer que virtual- mente todos os pacientes homossexu- ais apresentam transtorno do narci- sismo, ou seja, eles necessitam do ou- tro (o seu duplo) para que esse fun- cione como um espelho, um suporte identificatério e como um reasse- guramento de que ele, de fato, existe! Em resume, cabe a afirmativa de que 0 narcisismo nao é apenas uma etapa do desen- volvimento do ser humano; ele é também um modelo de estrutura psiquica, uma modalida- de de vinculo em um registro imagindrio, que poder operar ao longo de toda vida, inclusive na escolha homossexual de objetos d with the DEMO VERSION of CAD-KAS PDF-Editor (http://www, cadka: (0 contaddo desta aula om PDF ¢ lcenciado para Marcio David Santos Siva, vedada, por quaisquer meios © @ qualquer tuo, ‘a sua reproducéo, cépia, divulgagdo ou distrbuigSo, sujeitando os inratores a resporsabilzagdo cv e criminal Da mesma maneira, a passagem pelo con- flito edipico promove a introdugao do registro simbélico, o qual podera atenuar ou modificar o registro das ilusGes imagindrias, porém nun- conseguird acabar totalmente com elas. © certo & que ambos os registros - 0 narcisico ¢ 0 edfpico ~ mantém-se em perma- nente interacio, em cuja interseccao ora hd a predominancia de um deles (a solucdo exitosa da conflitiva edfpica permitiré o ingresso na genitalidade adulta) ora de outro (uma fixa- cao predominante na posicao narcisista rete- 14 0 sujeito numa pré-genitalidade, que, por sua vez, pode condicionar uma estruturagao de natureza homosexual), Os exemplos que inter-relacionam Narciso e Edipo poderiam ser muitos (como o don-juanismo, por exemplo), porém o importante na pratica analitica é con- siderar a passagem, tanto a progressiva — de Narciso a Edipo — quanto a regressiva — de Edipo a Narciso -, e, muito particularmente, a observacio do oculto ¢ latente ego narcfsico que estd encoberto pela manifesta e As vezes enganadora e florida configuracdo manifes- tamente edipica. PRATICA PSICANALITICA A experiéncia clinica atesta que tem ha- vido uma significativa procura de tratamento analitico por parte de pacientes homossexu- ais, 0 que, na atualidade, empresta-Ihe uma importancia especial e requer assinalar alguns pontos essenciais. 1. O certo é que o analista que quiser tra- tar um paciente homossexual nao pode ter pre- conceitos arraigados contra o homossexua- lismo; também nao deve priorizar o seu desejo pessoal de que o objetivo precipuo da anélise serd o de conseguir que seu paciente reverta 0 “desvio” da sua sexualidade e ingresse no mun- do da heterossextualidade. 2. Creio que, antes desse desejo, o mais importante a obter-se na andlise é uma melhor qualidade de vida do paciente, 0 que nao ex- clui a necessidade de o analista estar atento a manifestagées desse analisando, ainda que su- tis, de que ele gostaria de adquirir uma plena heterossexualidade, de sorte que se torna im- portante que o terapeuta alie-se a esse lado do MANUAL DE TECNICA PSICANALITICA 283 paciente homossexual. Porém, também é ver- dade que, em certas situagées, pode caber a0 analista a tarefa de fazer uma alianca com 0 lado do paciente que quer reunir condicées para assumir a sua homossexualidade, porém esbarra numa barreira de panico. 3. E necessdrio que o analista diferencie os casos que evidenciam uma homossexualida- de manifesta daqueles outros casos em que existe um transtorno de género sexual, sem que haja uma atividade homossexual propriamente dita ou, quando muito, algumas atuacdes esporddi- cas em certos perfodos diffceis da vida. O referi- do transtorno da identidade de género sexual & especialmente importante — quer ele leve a uma homossexualidade, ou nao — porque ele nos re- mete as influéncias que os discursos e os dese- jos dos pais, manifestos ou ocultos, exercem sobre a determinacdo do género sexual 4. Assim, na minha experiéncia na préti- ca clinica e de supervisio, com relacao a tera- pia analitica com pacientes homossexuais mas- culinos, fica a impressdo de que, na totalidade dos casos, eles tiveram uma mae ambiguamen- te superprotetora, com uma excessiva estimu- lagdo narcisistica e/ou erdtica, enquanto a fi- gura do pai ficou sendo de pessoa ausente (ou fisicamente, ou por um distanciamento afetivo, personalidade por demais fragil..) e denegrida (por ele ser excessivamente tirano ou, 0 que é © mais comum, pelo discurso da mae que, em uma verdadeira catequese ao filho, constante- mente denigre a imagem do marido). 5. O preco pago na determinacao dessa forma de homossextalidade é duplo: tanto esse paciente afasta-se das mulheres sexuadas por- que ele esté impregnado de significagoes in- cestttosas, como também nao consegue se de- finir com homem porque Ihe faltou, na figura denegrida do pai, a possibilidade de ter um bom modelo de masculinidade. 6. Setting. A primeira pergunta que se impée é se faz alguma diferenga o psicanalista que vai tratar um caso de homossexualidade ter o mesmo sexo biolégico de seu paciente, ou se & mais adequado que seja 0 oposto. No caso do homossexual masculino, sempre pre- dominou a opinido de que seria mais indicado um psicanalista homem, pela simples razao de que ele funcionasse como um novo modelo de identificagdo masculina, virtualmente sempre faltante nesse paciente. Embora na atualidade d with the DEMO VERSION of CAD-KAS PDF-Editor (http://www, cadka: (© conteddo desta aula em POF 6 lcenciado para Marcio David Santos Silva, vedada, por quaisquer meios © @ qualquer tuo, ‘a sua reproducéo, cépia, divulgagdo ou distrbigSo, sujeitando os inratores a resporsabilzagdo cv e criminal 284 DAVID E. ZIMERMAN a maioria dos autores considere que o mais im- portante ¢ 0 estabelecimento de uma neurose de transferéncia e que essa vai independer do sexo do analista, eu particularmente inclino-me aacreditar na possibilidade de que a andlise com um paciente homossexual masculino progride, mais exitosamente, com uma psicanalista mu- Iher, pelas raz6es ja expandidas acerca da exis- téncia de um primitivo e esterilizador vinculo simbiético com a figura da mae. setting propicia um novo espaco no qual as primitivas experiéncias patogénicas com a mie possam ser reexperimentadas e ressigni- ficadas com a figura real de uma mulher. Da mesma forma, caberia perguntar se um analis- ta preconceituoso em relacao ao problema da homossexualidade retine condigdes para ana- lisar com éxito a um paciente homosexual. Ainda em relacao ao setting, & necessario destacar a importancia da preservacao das com- binacées instituidas, porquanto tais pacientes tendem a induzir alteracdes e busca de privilé- gios, enquanto o analista deve ter claro para si que é fundamental que o paciente desenvolva a capacidade para tolerar frustragdes e para acei- tar seus limites e limitagdes. Esta tiltima afir- mativa esta respaldada na habitual observacao de que a crianca nao suporta que nao haja o estabelecimento de limites; ela sente-se desam- parada e recai numa intensa angiistia. Assim, & fundamental a fungao do setting de definir os lugares e os papéis do analista e do paciente, estabelecendo as devidas diferencas. 7. Resisténcias. A principal resisténcia nos casos de homossexualidade parece nao ser tan- toa oposi¢ao a um acesso as repressées edipicas com as correspondentes fantasias ligadas & cena primaria, como habitualmente era entendido, quase que de forma exclusiva, pelos psicana- listas. Pelo contrario, nestes casos a resisténcia costuma estar muito mais ligada a um aferra- mento a essa suposta conflitiva edipica, como um véu encobridor e protetor das ilusdes pré- prias do mundo narcisista que esse paciente, inconscientemente (e muitas vezes também conscientemente) procura manter a todo custo. Para manter a autarquia de suas ilusbes narcisistas, uma das formas de resisténcia que este analisando utiliza com freqliéncia é a de um ataque aos vinculos perceptivos (termo de Bion), tanto os dele prdprio como os de sett analista, a servico de um “-K”, e, para tanto, é comum que 0 paciente consiga despertar um certo estado confusional no terapeuta. 8. Uma contra-resisténcia importante é a possibilidade de que o analista desenvolva uma atitude fébica em relagdo aos movimentos aproximatérios do paciente, que sejam de na- tureza homossexual, Uma outra contra-resi téncia temivel alude A contracao de conluios inconscientes com 0 paciente, como pode ser exemplificado com a construgao de — um nada incomum — vinculo baseado em uma reciproca fascinacdio narcisista. 9. Transferéncias. Toda transferéncia tem, no mfnimo, um resto narefsico da primitiva uni dade da diade simbistica. A andlise da transfe- réncia visa a permitir a separacdo desse objeto de necessidade, para constitui-lo como um ob- jeto de desejo edipico. Ha, portanto, uma dife- renga entre a transferéncia narcisica de colori- do erético, que guarda uma natureza especu- lar (com a constante busca do seu duplo), ea transferéncia erética propriamente dita, com desejos de cunho edipico triangular, ndo sen- do incomum que ambas as formas se super- ponham e se alternem. Um aspecto particularmente importante & aquele que diz. respeito ao fato de que uma transferéncia positiva pode, na verdade, estar sendo nao mais do que uma transferéncia idea- lizada, em cujo caso a fé do paciente ocupa 0 lugar da confianca basica e a sugestdéo do terapeuta substitui o penoso ~ porém impres cindivel para o analisando — processo de pen- sar as experiéncias emocionais do vinculo ana- Iitico que esto reproduzindo similares expe- riéncias antigas e novas. Em contrapartida, a transferéncia de aparéncia negativa pode estar representando um movimento altamente posi- tivo para a anélise, isto & uma sadia e mais confiante tentativa de romper com os estereo- tipados vinculos de dominio, posse, especu- laridade e falsidade. ‘Tao importante como a atividade inter- pretativa ¢ 0 fato de que o analista consti- tua-se como um novo objeto para o paciente homossexual. Um novo objeto que, diferen- temente de seus pais originais, preencha no minimo as seguintes condigées basicas no vinculo analitico: nao seja demasiado frdgil ou “bonzinho” e tampouco por demais rigi- do e diretivo; que sobreviva (nao ficar depri- mido ou arrasado) aos ocasionais ataques de d with the DEMO VERSION of CAD-KAS PDF-Editor (http:/Mwww,cadkas.com). (© conteddo desta aula em POF 6 lcenciado para Marcio David Santos Silva, vedada, por quaisquer meios @ @ qualquer tuo, ‘a sua reproducéo, cépia, divulgado ou distrbuigSo, sujeitando os inratores a resporsabilzagdo cv e criminal édio, controle onipotente, triunfo e despre- x0; que nao se deixe enredar nas malhas de um envolvimento sedutério e, portanto, que no entre no jogo dos actings e contra-actings; nao proceda a retaliagdes, que muitas vezes estéo disfargadas por interpretagées supere- géicas ou ameacas veladas; propicie a for- macao de neo-identificacées e neo-significa- Ges; facilite o proceso de dessimbiotizacao, com vistas a desenvolver no paciente as ca- pacidades de discriminacao, diferenciagao, separac&o ¢ a aquisicao de um sentimento de identidade; que nao receie impor as ine- vitaveis frustragdes ao paciente, desde que essas nao sejam por demais escassas, nem excessivas e tampouco incoerentes; acima de tudo, no entanto, é imprescindivel que o ana lista possua a capacidade de réverie, de modo que tenha condigdes de conter as macicas cargas de identificagoes projetivas do pacien- te, ou a actings preocupantes, sem ter que apelar para uma medicacdo (quando esta é desnecessdria e sé serve para acalmar a ansie- dade do terapeuta) ou resistir a tentagao de encaminhar para um outro colega, ¢ assim por diante. Enfim, o analista no seu papel de um “novo objeto” deve exercer a fungao alfa, a qual, segundo Bion, visa a propiciar ao paciente que as suas fortes ansiedades inomimadas (0 “ter- ror sem nome”, de Bion) sejam acolhidas, pen- sadas, significadas, adquiram um sentido ¢ uma nominacao, para sé entao serem devolvidas ao paciente, em doses adequadas, sob a forma de interpretagées. ‘Um outro aspecto que julgo muito impor- tante no que diz respeito ao entendimento e manejo por parte do analista em relacao a transferéncia de um paciente homossexual & 0 fato de que ele tanto vai ocupar o lugar da transferéncia materna (exercendo uma mater- nagem nos moldes acima explicitados, comple- mentando e suplementando fungdes egdicas que faltam ao paciente), como também o terapeuta deve encarar a transferéncia pater- na, de modo a que se forme um curioso para. doxo: o analista, na fungao de pai, vai frustrar, interpor-se ¢ interditar o apego provisoriamen- te simbidtico que ele préprio aceita quando no papel transferencial de “mae-continente”, 10. Uma observagao mais atenta, em um grande ntimero de casos de homossexualidade MANUAL DE TECNICA PSICANALITICA 285 que tenho acompanhado em supervisdes, faz com que me incline pela hipétese de que nos casos masculinos acontece a constelagao fami liar antes referida quanto A exclusao do pai, enquanto que na homossexualidade feminina a predominancia é a de um pai sedutor — e seduzivel -, o que obriga a menina a fugir do horror do incesto e a refugiar-se na mae. 11. Habitualmente nestes casos, também © pai necessita fugir do pavor de um envolvi- mento edipico-incestuoso, o que ele faz por intermédio de um distanciamento da filha, fi- sico ou afetivo, e assim reforca o apego narefsico-simbidtico dela com a mae. Resulta dai uma dupla complicagao na relacao da filha com a mae, em moldes de um retorno a posi- Zo narcisista: assim, 0 erotismo da menina, que foi originado nas fantasias com o pai, fica incrementado por uma erogeneidade equiva- lente da mae, inclusive com disfarcadas carici- as fisicas por parte de ambas. Ao mesmo tem- po, este vinculo mae-filha fica impregnado de uma forte ambivaléncia, tingida com aspectos sadomasoquisticos, porquanto nesses casos 0 apego narcisistico é inseparvel da rivalidade edipica com a “mae-bruxa” na disputa pelo pai. 12. Contratransferéncia. As pessoas homos- sexuais, via de regra, notabilizam sua vida afetiva por vinculos carregados de uma extrema sensibi- lidade as frustragoes, um panico de abandono e uma forte ténica sadomasoquista, manifesta ou disfarcada, as vezes cabendo o papel de sddico a um do par eo de masoquista ao outro, ou mais comumente esses papéis se alternam entre eles. Embora nem sempre seja assim, e muitas vezes um casal homossexual adquira uma harmonia e estabilidade, nos casos mais extremos, hd um per- manente risco de atuagdes masoquistas de alto risco, por vezes trégicos. Por tudo isto, é facil perceber que tama- nhas cargas de necessidades, com subjacentes ansiedades primitivas de desamparo e aniqui- lamento e com actings por vezes muito graves, venham a provocar fortes impactos contra- transferenciais, os quais tanto podem se cons- tituir em enredamentos patolégicos, como tam- bém podem servir como uma excelente brisso- la empdtica para o psicanalista. Neste ultimo caso, pode servir como exemplo a possibilidade de o terapeuta enten- der que, através de atuacées, somatizages dificeis efeitos contratransferenciais, o seu d with the DEMO VERSION of CAD-KAS PDF-Editor (http://www, cadkas.com). (© conteddo desta aula em POF 6 lcenciado para Marcio David Santos Silva, vedada, por quaisquer meios © @ qualquer tuo, ‘a sua reproducéo, cépia, divulgado ou distrbuigSo, sujeitando os inratores a resporsabilzagdo cv e criminal 286 DAVID E. ZIMERMAN paciente homossexual esteja utilizando uma primitiva forma de comunicacao ndo-verbal, com a esperanca que o analista decodifique ¢ © ajude a pensar aqueles sentimentos e anguis- tias que ele nunca foi capaz de rememorar ou pensar. Um aspecto que me parece util consignar 0 que diz respeito ao fato de que esse tipo de paciente pode provocar no analista uma forte sensagao de desconforto, como se este 0 esti- vesse decepcionando e fraudando. Isto se deve a identificagao projetiva, dentro do psicanalis- ta, de uma mae narcisista que enganou o filho, por fazé-lo erer como sendo realidade aquilo que na verdade nao passava de meras ilusées infantis. 13. Atividade interpretativa. A primeira observagio que necessita ser feita é a de que comumente o psicanalista deixa-se atrair ¢ se- duzir pelo belo e convincente “material sexual” trazido pelo paciente, que parece estar “pedin- do” para ser interpretado em um plano edipico. E possivel que em muitas ocasides essas inter- pretacGes satisfagam a ambos do par analitico, porém é possivel que elas resultem inférteis porquanto a aludida sexualidade edipiana pode estar fortemente ancorada em fixacdes narci- sistas ndo-resolvidas. Da mesma forma, creio ser recomenda- vel que o psicanalista nao se detenha de modo prioritario e sistematico na interpretagao tini- ca dos conflitos resultantes dos desejos e fan- tasias sexuais, com as angtistias corresponden- tes. Também é desejavel que a atividade inter- pretativa se dirija & forma de como o analisan- do utiliza os seus recursos de ego, de como ele pensa as suas experiéncias emocionais, mais diretamente aquelas que esto associadas com aangiistia do desamparo, de como ele utiliza a sua fungdo “K” ou “-K” diante das penosas ver- dades internas e externas; o seu juizo critico; a sua capacidade de fazer discriminagées; as cone- xGes que ele estabelece entre partes contradi- térias de sua personalidade, e assim por diante. Desse modo, cabe dizer que necessidades pulsionais podem ser satisfeitas; conflitos incons- cientes podem ser resolvidos por meio de in- terpretagdes; porém, os vazios existenciais exi- gem algo mais do que unicamente interpreta- Ges: exigem o preenchimento dos “buracos negros” emocionais, além da suplementagao de fungées do ego que nao foram suficiente- mente desenvolvidas em decorréncia do fra- casso da fungao de réverie da mae. Em relacao A interpretacdo propriamen- te dita, é util destacar o risco de o analista fu- gir da paixdo homossexual do paciente do mesmo sexo através de interpretagdes que pre- cocemente remetem as figuras do passado edi- pico aqueles sentimentos e desejos sexuais que esto sendo diretamente dirigidos para o tera- peuta, Pelo contrario, 0 psicanalista deve reu- nir condigées de “conter” todas as demandas passionais de seu paciente homossexual, ve- nham elas como vierem, e “sobreviver” to- das, de uma forma bem diferente daquela que os pais do paciente utilizaram. Portanto, as interpretacées para os pacien- tes homossexuais devem visar, acima de tudo, a auxiliar no processo de des-simbiotizagdo, por meio das des-identificagées, seguidas de neo- identificagdes, a partir do modelo da fungao alfa do seu analista, para a construgao de um ver- dadeiro senso de identidade. Igualmente convém assinalar que eventuai atuagées, ou homossexuais, podem fazer parte do espectro dos transtornos narcisistas, ndo de- vendo ser rotulados como perversdes. 14, Elaboragéio. & muito dificil para esse tipo de analisando a aquisicao de um auténtico crescimento mental e de uma s6lida identidade de género sexual, como fruto de um trabalho de elaboracio de sucessivos insights parciais, porquanto tudo isso implica sentir uma profun- da dor psiquica. Talvez. nao haja dor mais dificil de suportar do que aquela que implica ter de renunciar as ilusGes do mundo do “faz-de-con- ta” e, assim, ingressar na posicao depressiva. Nao se trata unicamente de sentir a dor, mas sobretudo, conforme ensina Bion, da capa- cidade de sofrer a dor, tendo em vista que 0 paciente homossexual radicado na posi¢ao nar- cisista deve substituir a sua habitual atitude de evadir as verdades pela de enfrenté-las. Da mesma forma, deverd fazer a reposicao dos papéis dos pais (no caso da homossexualidade masculina, provavelmente nem a mae era tao virtuosa como inicialmente costuma estar ins- crita na realidade psiquica do paciente homos- sexual e nem o pai era to tirano, devendo os seus aspectos positivos serem resgatados). Igualmente, a costumeira onipoténcia destes pacientes deverd ser substituida pela ca- pacidade para pensar; a onisciéncia deve ce- d with the DEMO VERSION of CAD-KAS PDF-Editor (http://www,cadkas.com). (© conteddo desta aula em POF 6 lcenciado para Marcio David Santos Silva, vedada, por quaisquer meios © @ qualquer tuo, ‘a sua reproducéo, cépia, divulgagdo ou distrbuigSo, sujeitando os inratores a resporsabilzagdo cv e criminal der lugar ao “aprendizado com as experién- no lugar da prepoténcia, 0 paciente de- vera reconhecer que a mesma mascara uma pré-poténcia, ou seja, ele ter que fazer um doloroso contato com a sua parte frdgil, de- samparada e cheia de crateras emociona Somente a partir destas transformacées é que © analisando homossexual poder substituir a dfade simbidtica com o seu “duplo” por uma triangularidade edipica em que ha o reconhe- cimento e valorizacao de um terceiro, e, a par- tir dai, fazer livremente a sua opcdo de esco- Iha do objeto de sua sexualidade. Para os leitores que queiram estudar a evolugao do pensamento de Freud ao longo de sua obra, permito-me recomendar os seus se- guintes textos basicos: 1) Trés ensaios sobre a teoria da sexualidade, de 1905, no qual ele con- cebe “a neurose como o negativo da perver- MANUAL DE TECNICA PSICANALiTICA 287 so”, e que, por exceléncia, existe uma fixa- 40, pré-genital, a etapa perverso-polimorfa da sexualidade infantil. 2) Uma crianga é espan- cada, de 1919, no qual Freud mostra que a perversao pode radicar em uma reedigao de um jogo sadomasoquista que a crianca pode ter tido com seus pais. 3) O Fetichismo, de 1927, destaca o fato de que, diante da anguistia de castracio, surge o mecanismo defensivo de “re- cusa” (de reconhecer a suposta castracdo), por meio de uma clivagem do ego que, assim, permeia os dois lados em que a personalidade fica cindida: a que contém os desejos proibi- dos que estao recalcados e a outra parte que & a que esta adaptada & realidade. 4) Clivagem do ego no processo de defesa, escrito em 1938 e publicado em 1940, Freud descreve com mai- or profundidade a clivagem do ego aludida no d with the DEMO VERSION of CAD-KAS PDF-Editor (http://www, cadka: (© conteddo desta aula em POF 6 lcenciado para Marcio David Santos Silva, vedada, por quaisquer meios © @ qualquer tuo, ‘a sua reproducéo, cépia, divulgagdo ou distrbigSo, sujeitando os inratores a resporsabilzagdo cv e criminal

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