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Copyright ‘Traducic® Titulo original Corpo editorial Dados Endarags Telefone/Fax E-mail Site Hedra zeo7 _ Fernando de Moraes Barros _ Cher Wahrheit und Litge in aupiermoratiwhen Sine André Fernar Brune Costa Juri Pereira Jorge Sallum Oliver Tolle Ricardo Martins Valle Ricarde Vhusse — Dados Internacionais de Catalogagie ablicagan (CIP) Direitos re ados em lingua para o Brasil portuguesa somes EDITORA HEDRA LTDA — BR. Fradique Courinho, 1159 (subsolo) » Paulo SP Brasil (or) 30097-8504 05416-0181 Sa — editora(@jhedra.com.br www hedra.com,.br Foi feito depésito legal. Friedrich Nietszche (Ricken, 1844-Weimar, (goo), fildsofo « filélogo alemao, foi um eritico mordaz Mura ocidental e uum dos perisaderes mais influentes da medernidade. Descendente de pastores protestantes, opta no entanto. por arreira académica. Aos 25 anos, torna-se professor de letras classicas a Universidade da Basiléia, onde se aproxima do compositor Richard Wagner. Serve come enfermeiro- voluntirio Hu guerra franco. prussiana, mas contrai difteria, a qual prejudica a sua savide definitivaraente. Retorna a Basiléia passa a freqtientar mais a casa de Wagner, Em 1879, devido a constantes recaidas, deixa a universidade e passa a receher uma ronda anual. daf assume uma vida erra dedicando-se nie & reflexito & redagio de suas obras, dent se desiacam: O nascimenta da irugédia (872), desir falana Zaratustra (1885-1885), Para além do bern € mat (1886), Pare a gencaloxia da morat (S87) e Qanticrsto (0895). Em 188g, apresenta us primeires sintoras de problemas meniais, provayelmente decorrentes de sililis, Falece em sgn0. Sobre a verdade ea mentira no sentido extrasmoral (ber Wabrhoit und Lage im aufiermoratisehen Sinn) um opuscule que investiga o aleanee efetivo da linguagem, sobre a qual se assenta todo o conheciraento da eivilizacio ocidental. Para Nietasehe, a con do hormem maderno ne poder das palavras se funda no esquecimento de que algo que « evidente quando as criou: elas so apenas uma metifora para as coisas ¢ jamais paderiam enearnar 0 seu significado. Constata-se, portanto, um desacerte entre o conherimento: intuitive e as abstracées conceituais. A obra foi ditada pelo autora um amigo no verso de 1875, mas saiu a lume apenas apés a sua morte, A presente edighe contem ainda uma seleta aportuna de Fragnentas pistamnos Fernanda de Moraes Barros ¢ doutor em filosofia pela Universidade de Sao Paulo (Use) ¢ professor da Universidade Estadual de Samta Crux (vrse), E autor de A maleicda trunsvatorada ~ 0 problema da civilizacao em O auticristo de Nietzsche (Discurso,/Unijui, 2603) © O pensamento musical de Nietzsche (Perspectiva, 2007), SUMARIO Introduce, por Fernando de Moraes Barros 9 SOBRE VERDADE E MENTIRA NO SENTIDO EXTRA-MORAL 23 FRAGMENTOS POSTUMOS 53 INTRODUGAO De todos os textos de Nietzsche, Sobre verdade ¢ mentira no sentido extra-maral & decerto um dos mais singulares © pregnantes, Ditado ao colega K. von Gersdorff em junho de 1873, 0 escrito é fruto ualidade, mas nao apenas de uma refinada espi também de um importante redimensionamento tedrico-especulativo, A diferenga de ponderagées anteriores, nele o filésofo aler o — a época, pro- fessor na Universidade da Basiléia — j4 nao toma a palavra a fim de earacterizar o despertar da gédia ati dla por novos planos resses, abandona-se agora a novas auto-satisfagées. ‘a. “Tom. © inte Pensador livre e laico, debruga-se sobre as as: chamadas ciéncias da natureza, comprazendo-se na leitura de textos tais como, por exemplo, Phi- POW losophiae naturalis Theoria de KR. J. Bos Luz a eliminar preconceites e intolerancias, o espirito contido nos _método: ntificos talvez ajude a desanuviar as sombras metafisicas que 3 sé acumulam em torne do conhecimento. M até. No w tiomar mento em que aprende a que a si mesma, a verdade talvez termine por revelar alguma r »-verdade A sua base, prestando wm 9 INTRODUGAO, testemunho inteiramente inesperado sobre si pré- pria. pree mente ssa Suspeita que vigora em Sobre verdade ¢ mentira no sentido extra-moral. Movida pela crenga de que a forma fundamen- tal do pensamento & a mesma de suas manifesta- gées por palavras, desde cedo, a filosofia nao he sitow 1 identificar discurso e realidade. Conce- bendo o pensar como uma inequivoca atividade de simbolizagio enunciativa, ela parece ter sempre to aten a dimen > apofantica da > espe linguagem, tomando enunciados verbais por yer- dadeiros on falsos, em fang o de desereverem cor. retamente ou nado o nde. O que ocerreria, po rém, se a verdade dos enunciados nao passasse de um tipo de engano sem o qual o homem nao pode- ria sobreviyer? E se condigiio da verdade fosse a m yieo ma da mentira? Revelar-se-ia, entao, 0 at earater dissimulador do intelecto humano e, com ele, a suspeita de que entre o “refletir” e o “di zer” nao vigora nenhuma identidade estrutural. E justamente a essa conclusio que Nietzsche espera conduzir-nos. © caminho encontrado pelo filésofo alemao para abordar @ questao nio se inscreve num regis tro adicional. Negando- * a separar o homem da natureza, sua abordagem procura mostrar tas de que foi para satisfazer as injungées imedi s forjaram e& sobrevivéncia que os seres humar FERNANDO DE, MORAES BARROS aprimoraram o conhecimento. Servindo ao desejo de conservagao imposto pela gregariedade, o in- telecto priorizaria nogdes aptas a assegurar a vida em conjunto ¢, pelo mesmo trilho, seria obrigada a produzir falsi entido, li cages. } Como um meio para a conservagio do individuo, o in telecto desenrola suas principais forgas na dissimulagao; desenrole sues prinsi pasa forgasne dissmnnlapio; duos mais pois esta constitui a meio pelo qual os indi como aqueles fracos, menos vigorosos, conscrvam-se, aos quais 6 denegado empreender uma luta pela © as afiads téncia com chifres e pre No homern, e: No homer, eas me.! arte da dissimulagao atinge seu Por ser criada sob a pressao da necessidade de comunicagao © sociabilidade, a consciéncia de si nao faria parte, em rigor, da existéncia do indi viduo enquante tal, mas de sua interagdo com o meio e aqueles que o rodeiam, referindo-se Aquilo que nele ha de comum e trivial. Admitir isso, po rém, implica aceitar que os recursos de que o pen- samento se serve para ganhar forma e conteido sao pré-formados pela coletividade, de estariamos fadados a exprimir nossos raciocinios prte que sempre com as palavras que se acham & disposigaio de todos. A esse respeito, Nietzsche escreve: ' Friedrich Nietzsche, Sditliche Werke. Kritische Studie nausgabe, Giorgio Collie Mazzino Montinari, Berlim / Nova York, Walter de Gruyter, 1999, p. 876. ii 4 INTRODUGAO- quando justamente a mesma imagem foi gerada mi Ihdes de veres ¢ foi herdada por muitas geragées de ho- mens [...] entio ela termina por adquirir, ao fim e ao se fosse cabo, o mesmo significado para o homem, com a 2 imagem exclusivamente firia (...] assim como um sanho que se repete eternamente seria, sem davida, de, # sentido ¢ julgade como efetivie Reincidentes, as experiéneias em comum com © outro terminariam por se sobrepor aquelas que ocorrem com menor freqiiéncia no seio da coleti vidade, Sem ter acesso, em principio, a outras pa lavras, o individuo tampouco teria facilidade para liberar aquelas de que dispde para outras aplica gdes. Resignado a tal inacessibilidade, ele é livre somente para falar e pensar como os outros. Com efeito, dizer que sio as palavras cor scientiza mente partilhadas que possibilitam a cor gio do préprio sentir ¢ pensar impele, ao menos, a uma relevante conseqiiéncia: a de que aquile que se encontra condicionado pelas mais elementares estruturas da linguagern. Para Nietzsche, todavia, as palavras nos iludem quando as tornamos a risca e deixamos de perceber, por meio delas, aconte- nentes que clas mesmas nao podem assimilar. A seu ver, o pensamento tornado consciente seria apenas um produto acess6rio do intrincado pr 2 Id. ibid., p. BRA, BARROS cesso psiquico que 0 atravessa e constitui. Quando 13. é vertida em palavras de come e gno: atividade reflexiva jA se acharia circunscrita 4 esfera da calculabilidade, e estaria inserida e esquemas longamente consolidades de simplt ficagtio e abstragio, com vistas ao nivelamente 0 ser eda identificador do fuxo polimorfo do vir- natureza Visto como um epifenémeno de nossas fun gOes organicas fundamentz , oO pensamento adquire, ent&o, um sentido ligado a um universo infra-consciente bem mais recuado, que engloba processos vitais cujo sentido ultimo sempre nos escaparia, Ao dispensar uma subjetividade que os estabelecesse e determinass e, ta processes reguladores assumem um significado assoviado a Ss operagdes do corpo, no mais de w consciéncia pensante detentora de suas representa- goes, que, de resto, ndo passaria de um mero vetor auxiliar ou instrumento dire lé-se ainda: reeéndit ©. A esse respeilo, © que sabe o home, de fate, sobre si mesm« (eed Nao se lhe emudece a natureza acerca de todas as autras jisas, até mesmo erca de seu o ai-lo e& po, para trancafialo num consciéncia orgulhosa c enganadora, ao largo dos novimentos intestinais, do veloz fluxo das correntes sangilineas e das camplexas vibragdes das fi bras! Ela jogou fora a chave: ¢ coitada da desastrosa INTRODUGAO curiosidade que, através de uma fissura, fosse capaz de sair uma vez sequer da camara da consciéneia ¢ olhar para baixa, pressentinda que, na indiferenga de seu nao- saber, 0 homem repousa sobre o impiedoso, o voraz, 0 insaciavel, Para chegar a compreender melhor como a linguagem exerce seu efeito dissimulador sobre aquilo que o homem sente e pensa sobre si mesmo, impée-se saber 0 que sao as proprias palavras ide: Questio essa A qual se respo De antemao, um estimulo nervoso transposta em uma imagem! Primeira metAfora. A imagem, por seu turna, odelada num som! Segunda metafora. ee Duplo, 0 processo de formagio da palavra com- ren portaria a seguinte transposigio: uma excitagiio ag seguida, a transposigao de tal imagem num som m mental e, em 1 convertida numa nervos articulade. Heteréelita, a passagem operaria, em rem a esferas dis- rigor, com elementos que perte juntivas, de sorte que uma correspondéncia biu- nivoea entre coisas ¢ palavras s6 poderia ser ob- tida pela nm Ao experimentada pelo individuo e o som por ele emitido. Ao acreditar que cada palavra pronunc agaio da distancia que para a sensa- lgo bem definido ¢ acertado acerca ada designa > Id, ibid., pp. 877. * Id ibid., p. 879. NANDO DE MORAES BARROS do mundo exterior, ele mal pressente que se trata, aqui, de dominios desiguais. jada Mas, precisamente por que a palavra foi c para exprimir uma sensagao subjetiva, ela 6 pode refer s rela Acred: nes saber algo acerca das proprias c quando falamos de drvores, cores, neve ¢ Mores, mas, com isso, n Ja possuimos senfie metaforas das c gue nao correspondem, em absoluto, as s essencialidades originais.* Todavia, desejoso de encontrar correlatos para as palavras que veicula, o individuo abrevia aquilo que se Ihe apresenta conforme seus interesses, op tando, de modo unilateral, ora por este, ora por aquele aspecto da efetividade. Niveladora, a lin guagem da qual ele se serve depende da igualacao do ndo-igual para adquirir autovaloragao, o que se torharia patente, por exemple, na propria consti t igdo des conceitos: ‘Tae certe como uma folha nunca é¢ totalmente igual a uma outra, é certo ainda que o conceito de folha é for- mado por meio de uma arbitraria abstragho dessas di ferengas individu iS. por um esquecer-se do diferent vel.® * Id. ibid,, p. 879. * Id. ibid. , p. BBO 16 | INTRODUGAO ‘Tomada num sentido univoco e inabalavel, no entido que lhe foi dado em todas as épocas, a palavra mesma passa a ser vista como existindo ad aeternum. Instituida num tempo adamico, © falante talvez até acreditasse que ela adquire rea lidade num mundo supra-sensivel. Contrariando esse estado de coi as, 0 filésofo alemao empreende a pergunta pela produgao mesma do signa lingiiis- lico e, ac fazé-lo, termina por colocar a questao de_ se ias mento, Com isso, pretende conduzir-nos a idéia de que, na linguagem, o que vigora nao é a imobilidade de s tide ¢ tampouce uma estrutura invaridvel dotada de significagio idéntica, mas um exército mével de me foras, metontinias, antropo- huma, morfismes, numa palavra, uma soma de rela¢ nas que foram realgadas poética e retoricamente.? Porque passa ao largo dessa profusio de formas € figuras, a compressao essencialista da linguagem revela-se, desde logo, uma fonte inesgotvel de auto-enganos Ancias Tomando acidentes por subs e relagdes por esséncias, ela transpde e inverte as categorias que cla mesma se dedica a engendrar: substituindo ¢ sas por significados, faz crer que as designagées e as coisas se recobrem e, com isso, * Id ibid., p. S80, FERNANDO DE MORAES BARROS jlude quem nela procura fiar-se;> condicionando o homem ao habito gramati 1 de interpretar a realidade vendo nela apenas sujeites incite ¢ predicados, oa postular a existéncia de um autor por detras de toda ag: 0; enquadrando aquilo que os seres humanos pensam e falam nos padroes da causalidade, tal ce icepgao os impele, em suma, a negar 9 carater processual da existéncia. A exigéncia analitiea de um modo de expres. sdo perfeitamente adequado © objetivo, qual um decalque transparente da esfera que designa a efe- tividade, s6 poderia ganhar relevo, no fundo, pela falta de cautela critica, Dai a oportunidade des cerrada por Nietzsche de combater a idéia de que se possa obter, por meio das palavras, um acess ao nucleo indivisivel ¢ inquestionavel do existir. A seu ver, a verdade que as palavras nos coloc ram em mos seria de ordem tautolégica. Através delas, Sonn tos seria ce oreo sauce o homem apenas reencontraria aquilo que ele pré- prio teria intreduzido nas designagies, A fim de es- clarecer essa curiosa espécic de auto-ofuscamento, © fildsofo alemao prové o seguinte exemplo: Quando alguém esconde algo detras de um arbusto, alguém csconde algo detras de um arbusto * “Q conceito ‘lapis’ — escreve Nietzsche — “é trocado pela lapis.” (Id, Fragmento posture do vero de 1872, 1? 19 [242]; em Samuliche Werke. Krivis orgie Collie Mazain ne Studienausgabe, G Jontinari, Berlin / Nova York, Wal ter de Gruyter, 1999, vol, 7, p. 495). 17 INTRODUGAG volta a procuréi-lo justamente 1a onde o escondeu e além de tudo © encontra, nfo hA muite do que se vangloriar nesse procurar e encontrar [...) Se erio a definigdo de mamifero ¢, ai entao, apés inspecionar um camelo, declare: veja, eis um mamifero, com isso, uma verdade decerto é trazida A plena luz, mas ela possui um valor limitado.® © processo que consiste em definir o conceito de animal mamifero para, a partir de um animal particular, compor 0 enunciado “Veja, eis um ma- mifero”, teria como conseqiléncia a idéia de que © “ser” ma lifer. pertenceria essencialmente ao exemplo individual. © que j4 nao ocorreria no se guinte caso: Denominamos um homem honesto; perguntamos en to? tao: por que motive ele agits hoje dé modo tao her Nossa resposta costuma ser a seguinte: em fungdo de sua honestidade.'” A despeito de figurar como uma_proprie dade acidental do sujeito da proposign, o termo “honesto” da a entender, aqui, que a prépria “honestidade” pertence a esséncia do sujeito em questao, nie s6 como atribute, mas como subs. tancia, jA que foi em virtude de tal termo que a denominagio ganhou sentido, de sorte que a alardeada diferenga entre esséncia e acidente nao ® Id. ibid., p. 883, 48 Id. ibid, p. 880. FERNANDO DE MORAES BA seria nada inconcussa, mas inteiramente easual. © que também revelaria, uma vez mais, a tauto- logia s homem honesto estaria, no fundo, no fato de ele bjacente 4 propria linguagem: o ser do ser honest, Assim, se pela definigae geral — animal mami fero, por exemplo — ndo se tem acesso ao “verda- deiro em si”, tamponco cabera as palavras que se aplicam as propriedades particulares torn-lo aces vel a nés. Antropor fica, a opasigio entre un versal e particular nao proviria da esséncia das coi- sas, mas de um abuso: Nada sabemos, por certo, a respeito de uma qualidade essencial que se chamasse a honestidade, mas, antes do mais, de imimeras agées i ndividualizadas e, por conse- guinte, desiguais, que igualar i- os por omissiia do de: gual e passamos 5 designar, desta feita, como agdes ho- nestas."" Mas se, por ai, o homem nao faz sendo se en o: Homeni no fe sents scien redar na trama de suas proprias tices: seria permitido vislumbrar uma dimensao mais nao lhe eral, através da qual ele pudesse reencontrar nao a presenga imediata das coisas em si mesmas, mas aquilo que ha de “inexplorado” na_palavra? Na tent gunta, Nietzsche espera descobrir e afirmar um Nrenescheea pare. deseo bint 6: é Nicaea iva de responder afirmativamente a per- 1 Td. ibid. , p. 880, 19 INTRODUGAO moda de representagio anterior A propria palavra articulada, que viria 4 tona sob a forma de_uma metafora intuitiva. Acerca desta que poderia ser da como uma ancestral remota e fug' dia do préprio conceito, ele pondera: racteriza Mesmo 0 conceito, ossificado e octogonal como um dado ¢ tao rolante come este, permanece tao-somente da tran © residito de uma metdfora, sendo que a ilusi o yiesldiso de una: metajon tiea de urn estimulo nervoso em agers, se nfio ¢a mie, ¢ ao menos a avé de todo conceito.” Como inequiveca parédia da compreensiio do homem acerca da linguagem, a metifora intuitiva surge, se nao como a mae, pelo menos enquanto a mae da mae de toda representagao conceitual. Mas, evitando imvestigar a historia de seus “ante- passados”, a rede humana de conceitos jA niio re conhece as metaforas de origem, como metaforas, conhece-as-metaforas:de-origem,-comg metaforas © as to! 1a pe isas mesmas. FE, justamente per proceder dessa maneira que a linguagem renuncia ria A oportunidade de tomar para si ou ras fungdes soterrando o poder criador ¢ inaudito que traz con sigo. A esse propésito, o filésofo alemao escreve ainda: A partir dessas intuigdes nenhum caminho regular da acesso a terra dos esquemas fantasmagoricos, [...] © he ntao, fals mem emudece quando as vé, ou, por meio 8 Td. ibid., p, 882, FERNANDO DE MORAES BARROS de metiforas nitidamente proibidas ¢ combinagdes con ceituais inauditas, para ao menos carresponder criativa- mente, mediante o desmantelamento e a ridiculariza- eao das antigas limitacgdes conceituais, 4 poderosa intui gao atual.? Em vista disso, quem procurasse na linguagem um nove 4mbito para sua agde”,"* seja por meio de metaforas proibidas, seja por meio de arranjos conceituais imédites, cncontraria tal senda, “em gerais, na arte.7'> linhas Sao precisamente as conseqiiéncias dessa accitagdio que irao impelir Nietzsche, mais tarde, a tentar assegurar a lin guagem nfo um fundo sonore supra-sensivel, mas uma musicalidade atinente 4 propria palavra. E também por ai que se compreende o motive pelo qual a chamada linguagem dos gestos terminara por converter-se, como expressio derradeira e xistica do € p nie SC par ano, na propria “elogiiéncia tornada musica”. Razdes bastantes para que a ponderagio contida em Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral possa ser Vv sta como a semente a partir da qual nasce e cresce a oriemtagio filoséfica exigida pelo Nietzsche da maturidade. I. nao sé, Ao mostrar que a ilusao faz parte dos pressupostes da vida, seu autor faz ver 'S Id. ibid., p. 889. p. 887. 1 Td. ibid., p. 887. INTRODUGAO. 22 | que nés também, a despeito de nossas portentosas verdades, mentimos para viver. SOBRE VERDADE E MENTIRA NO SENTIDO EXTRA-MORAL SOBRE VERDADE E MENTIRA no sentido extra-moral T Em algum remoto reeanto do universo, que se desigua fulgurantemente em inumerdveis sis- temas solares, havia uma vez um astro, no qual animais astuciosos inventaram o conhecimento. crita da “histo- Foi © minuto mais audacioso ¢ hip ria universal": mas, no fim das contas, foi apenas um minute. Apés alguns respiros da natureza, 0 astro congelou-se, ¢ os astuciosos animais tiveram de morrer. Alguém poderia, desse modo, inventar uma fabula ¢ ainda assim nao teria ilustrado sufi cientemente bem quao lastimavel, quéo sombrio e efémero, quia sem rumo e sem motivo se des taca o intelecto humano no interior da natures houve eternidades em que ele nao estava presente; quando cle tiver passado mais uma vez, nada tera ocorrido. Pois, para aquele intelecto, no ha nenhuma missao ulterior que conduzisse para além da vida humana. Ele é ao contrario, hu mano, sendo que apenas seu possuidor ¢ gerador 0 mo se os eixe toma de maneira vo patética, c SOBRE V 26 | mundo girassem nele. Mas se pudéssemos pér-nos ito. apr laa de acorde com o deriamos e mosq que ele também flutua pelo ar com esse pathos ¢ natureza, nado ha nada tao ignébil ¢ insignifi rante que, com um pequeno sopro daquela forga do conhecimento, nao inflasse, de siibito, como um saco; e assim como todo carregador de peso quer ter seu admirador, 0 mais orgulhoso dos homens, o filésofo, acredita ver por todos os lados os olhos do universo voltados telescopicamente na direcaio de seu agire pensar! E curioso que isso seja levado a efeito pelo onte ele, que foi outorgado apenas fra ru vais infeli geis © evanescentes dos seres, para conservé-los um minuto na existéneia; da qual, do contrério, sem essa outorga, eles teriam todos os motives para fu- gir to rapidamente quanto o filho de Lessing* 1 Friedrich Nietzsche, her Wahrheit und Liige tn ausser Werke. Kritische Studie nausgabe, Giorgio Collie Mazzino Montinari, Berlim / Nova York, Walter de ter, 1999, pp. 873-890 2 ‘Tido por Nietysche como um “erudito ideal” (Cf. B. etzsche, Fragmento péstumo do inverno de 1869 ¢ da pri a de 1870, n® 2 [12]. Em Samsliche Werke. Kritis che Srudienausgabe, Giorgio Colli « Mazzina Montir lim / Nova York, Walter de Gruyter, 1999, vol. 7, p. 44), Gorthold Ephraim Lessing (1720-1781) pandera, muma re moralischen Sinne. Fan Séertlic Ni ri, Ber NIETZSCHE Aquela auddcia ligada ao conhecer © sentir, que se acomoda sobre os ollos ¢ sentides dos homens qual uma névoa ofuscante, ilude-os quanto ao va- lor da exi téncia, na medida em que traz em si a mais envaidecedora d valorativas so- bre o proprio conhecer. Seu efeito mais universal & engano — todavia, os efe tos mais particulares tam- bém trazem consigo algo do mesmo carter. Como um meio para a conservagio do indivi duo, o intelecto desenrola suas pi neipais forgas na dissimulagao; pois esta constitui o meio pelo fax isso de uma mar dos nomes, inclusiv ind vidualista ¢ ainda por cima nociva, en ciedade nao confiard mais nele ¢, com isso, tra lo. N tanto ser ludibriados quanto lesadas pelo engano. tara de excl so, os homens nao evitam Mesmo nesse nivel, o que eles odeiam fundamen talmente nao é o engano, n as conseqiiéncias ruins, hostis, de certos géneros de enganos. Num sentido sermelhantemente limitado, o homer tam bém querapenasa verdade. ~ Ble quer as consein frente ao p ) sem mised ii cle ¢ indiferente, frente as verdades possivelmente prejudiciais e destruidoras ele se indispde com hos- tlidad: las cony 2, inclusive. E. mais até: como ficam aque- ngdes da linguagem? Sao talvez produtos do conhes nento, do sentide de verdade: as desig- nagdes © as coisas se recobrem? Entao a lingua gem é a expressdo adequada de todas as realida des? Apenas por esquecimento pode o homem al guma vez chegar a imaginar que detém uma ver dade no g 1 ora mencionado. Se ele nao espera contentar-se com a verdade sob a forma da tauto logia, isto 6, com conchas vazias, entdo ira permu- lar etername! te ilusdes por verdades, O que é uma NIETZSCHE palavra? A reproducio de um estimulo nervoso em 34 sons. Mas deduzir do estimulo nervoso t ma causa fora de nds ja ¢ 0 re lado de uma aplicagio falsa © injustificada do principio de razto. Come pode- riamos, caso tdo-somente'a verdade fosse decisiva na génese da linguagem, caso apenas 0 ponto de vista da certeza fosse algo decisério 1 s designa ges, como poderiamos nos, no obstante, diz a pedra é dura; como se esse “dura” ainda nos fosse conhecido de alguma outra maneira € niio s6 como um estimulo totalmente subjetivo! Seccionamos as coisas de acordo com géneros, designamos a ar vore como feminina e 0 vegetal como masculino: mas que transposigdes arbitrarias! Quao longe vo- amos para além do cdnone da certeza! Falamos sobre uma serpente: a designagao nao tange se servir nao ao ato de serpentear e, portanto, poder também ao verme. Mas que demareagoes arbitra- —_aeeerrregs rias, que preferéncias unilaterais, ora por esta, ora —reeeeee eee por aquela propriedade de uma dada coisa! Dis- postas lado a lado, as diferentes linguas mostram que, nas palavras, 0 que conta nunea é a verdade, jamais uma expressio adequada: pois, do coutré rio, nao haveria t “coisa em si” ntas linguas. A (ela seria precisamente a pura verdade sem qua quer conseqiiéncias) também ¢, para o criador da li uagem, algo totalmente inapreensivel e pelo qual nem de Tonge vale a pena esforgar-se. Ble de- SOBRE VERDADE 32 | _ signa apenas as relagdes das coisas com os homens ©, para expressa-las, serve-se da ajuda das mais ou- sadas metiforas, De antemao, um estimulo ner- voso (ransposto em uma imagem! Primeira meta- fora, A imagem, por seu turne, remodelada num som! Segunda metifora. E, a cada vez, um com pleto sobressalto de esferas em diregao a uma ou- tra totalmente diferente « nova. Pode-se conce- ber um homem que seja completamente surdo e que jamais tenha tide uma sensagio do som e da mitsica: da mesma forma que este, um tanto es- pantado com as figuras sonoras de Chladni sobre a arcia,? encontra suas causas na vibragio das cordas 2 © texto faz meno ao experimento levado a cabo pelo fi sic alemio Ernst Chladni (1756-1827) que se destina a ve rificar a ocorréncia de certas formas vibratérias e que con vém, aqui, explicitar. Basicarnente, trata-se de cobrir a su perficic de uma placa circular de madeira, vidro ou metal, com leves particulas de areia — em realidade, cortiga em po para, com o auxilio de um arce de violino, provecar vibra gies em lugares especificos na borda do disco assim disposto. Em consegiiéneia das vibragdes, as particulas da plaea ter minam por se dividir em diversas segdes, movimentando-se aqui ¢ acoli, para cima e para baixo, formando tragas limi trofes ¢ linhas nodais entre as areas mais agitadas ¢ as xonas com menor intensidade vibratil. Ao longo de tal proceso, das tendem a espalhar-se em meio as extensdes mais Vibrantes ¢ acumularse | as particulas polvil onde a vibra menor, de sorte que, de acorda com a forma do disco e conforme local em que nele é provocade 6 movimente vi bratério, diferentes figuras sonoras vém A superficie, Aqui e jurara que agora nfo pode mais ignorar aquilo que os homens chamam de som, assim também sucede a todos nés com a linguagem. Acreditamos saber algo acerca das préprias coisas, quando fa- lamos de arvores, cores, neve e flores, mas, con isso, nada possuimos senda metiforas das coisas, que nao correspondem, em absoluta, as essenc o melhor mesmo ¢ recorrer as palavras do préprio fisico ale mao, Em sua principal obra, f aciustica, ele diz: pod Pode-se servir, inclusive, de plas ‘As placas m ser de vidre ou de um metal bastante sonoro {...) as de madeira, mas, nesse caso, as figuras nao serio regulares, ja que a clasticidade nia éa mesma nos diferentes sentidos, Normalmente, sirvo-me el encontra-las facilmente de placas de vidre, ja que ¢ pos sols a iesma espessura e porque sua transparéncia permite enxergar os locais nos quais so tocadas, com os dedos, por debaixe”. (Erust Chladni, Die Akustit, Leipzig, Breitkopt u, Hiriel, 1802, p. 118-19). Mais adic sobre as placas circalares, ele esclarece: “No que tange aos ti ate, especificamente pos de vibracie de uma placa cire diametrais on circulares|. jar, as linhias nodais sao ou .] Exprimirei o mimero de linhas PO: sicionande o ntimero atinente as linhas nodais nas diregdes diametrais antes do trago qu nodais da mesma forma que os das placas retangulare: separa os dois nimeros por mim indicades, ¢, depois de trago, © niimero de linbas no: dais paralelas 4 borda, sendo que estes tiltimo em algarismas romanos, A: a serio escritos im, por exemplo, 2/0 ira indicar fipo de vibragdo no qual nado ha sendo duas linhas diame trais; 0/1 ag [...] 2/0.em que duas linhas diametr: [figura 99) é, dentre tod: vale ao som mais grave” je que n@o apresenta sendo mina linha circular am no centro se erur as figuras possiveis, aquela equi 33 SOBRE VERDADE EB MENTIBA lidades originais. ‘Tal como o som sob a forma de figura.de-2 reia, assim se destaca 0 enigmatico da coisa em si, uma vez como estimulo nervoso, em seguida como it gem, ¢, por fim, como som.* De qualquer modo, o surgin “nto da linguagem nao (lbid.p. 156-157.) * As figuras de Chladni sto oportunas a Nietzsche, porque servem para indicar, a partir do Ambito sonore, a tmpossibili dade de expressar adequadamente a “verdadeira™ realidade do mundo. Assim como tais figuras se incumbem de editar cépias dos sons noutre meio — na areia, no caso, assim tam bém se relacionariam as palavras cont as coisas, a saber, a par tir da transposigao de um estimulo nerves em imagem ¢, de is, em som. O homem, inflexivel em relagio ao enigmatico “x” por detras do que fala © escuta, contemplaria em vio os desenhos sonoros sem neles descerrar qualquer passagem ao legitimo “ser” das coisas. Afinal, come di ietesche alu res: “Nao podemos pensar as cois: s tais como elas so, pois nao deveriamos justamente pensi-las. ‘Tudo permanece as sum, tal como : iste é, todas as qualidades revelam uma ma térin indefinida ¢ absoluta. A relagio aqui se dé como aquela que as figuras sonoras de Chladni estabelecem cam as vibra goes” (F, Niewzsche, Fragmento péstumo do verio de 1872 e inteio de 1875, n° 19 [140], Em Sa@miliche Werke. Kritische procede, pois, logicamente, sendo que o inteiro ma- terial no qual e com © qual o homem da verdade, © pesquisador, o filésofo, mais tarde trabalha e ed fica, tem sua origem, e nao em alguma nebulo: euic a, em todo caso nado na essénecia das sas. Ponderemos ainda, em especial, sobre_a forma- cao dos conceitos: toda palavra torna-se de imedi- $80 Cos conceito: ato um conceit 4 medida que nado deve servir, a nao Ceve servir. 8 titulo de recordagao, para a vivéncia primordial completamente singular e individualizada a qual deve seu surgimento, sendo que, ao mesmo tempo, deve coadunar-se a inumeraveis casos, mais ou me nos semelhantes, isto é, munca iguais quando to- mados a risea, @ casos nitidamente desiguais, por- tanto. ‘Todo conceito surge pela igualagdo do nao igual. Tao certo como uma folha nunea é total- mente igual a uma outra, é certo ainda que o con- ceito de folha é formado por meio de uma arbi- traria abstragdo dessas diferengas individuais, por um esquecer-se do diferenciavel, despertando en lo a representacao, como se na natureza, além das folhas, houvesse algo que fosse “folha”, tal come uma forma primordial de acordo com a qual todas as folhas fossem tecidas, des ihadas, contornadas, coloridas, encrespadas e pintadas, mas por méos Studrenausgabe, Giorgio Galli ¢ Mazzino Montinari, Berlim Nova York, Walter de Gruyter, 1999, vol. 7, p. 464 SOBRE V ERDADE E MENTIRA ineptas, de sorte que nenhum exemplar resultasse correto e confiavel como copia auténtica da forma primordial. Denominamos um homem honest perguntamos entio: per que mativo ele agia hoje de modo tao honesto? Nossa resposta costu ra ser a seguinte: em funcao de sua honestidade. A ho nestidadet Uma vez mais, isso significa: a folha € a causa das folhas, Nada sabemos, por certo, a respeito de uma qualidade essencial que se cha de intime- masse honestidade, mas, antes do ma ras agdes individualizadas e, por conseguinte, de- siguais, que igualamos por omissao do desigual e passamos a designar, desta feita, como agdes hones tas; a partir delas formulamos, finalmente. uma quaittas accuita com 6 nome: honestidade. SSS inobservancia do individual e cfetivo nos for nece o cor eito, bem como a forma, ao passo que a natureza desconhece quaisquer formas ¢ conce tos, ©, portanto, também quaisquer géneros, mas tao-somente um “x” que nos é inacessivel e inde- nivel. Pois até mesma nossa oposigio entre in dividuo e género é antropomérfica, e ndo advém da essén cia das coisas, ainda que nio arrisquemos dizer que ela no lhe corresponde: isso seria, efeti- vamente, uma assercdo dogn .como tal indemonstravel quanto o seu contrario. O que 6, pois, a verdade? Um exército mével de metaforas, metonimias, antropom. NIETZSCHE numa palavra, uma soma de relagdes humanas que foram realgadas poética e retoricamente, transpostas ¢ adornadas, e que, apés uma longa utiliza flo, parevem a um pove consolidadas, cant nicas © obrigatérias: as verdades siio ilisées das quais se esquecen que elas assim 0 sio, metaforas ee e se lorna desg: adas e sem forca sensive moedas que perderam seu troquel e agora sao levadas em conta apenas como metal, e nado m: como moedas, Ainda nao sabemos donde provém © impulso a verdade: pois, ate agora, ouvimos falar apenas da obrigagdo de ser veraz, que a sociedade, para existir, institui, isto é, de utilizar as metiforas habituais; portanto, dito moral da obrigagao de mentir conforme uma convengio consolidada, mentir em rebanho num estilo a to dos obrigatério, O homem decerto se esquece que é assim que as coisas e lhe apresentam; ele mente, pois, da maneira indicada, inconscientemente e conforme habites seculares — e precisarmente por meio _dessa_inconscténcia, justamente mediante esse esquecer-se, atinge o sentimento da verdade. No sentimento de estar obrigado a in r uma coisa como vermelha, outra como fria e uma ter- ceira como muda, sobrevém u a emogio moral atinente a verdade: a partir da contraposicgio ao mentiroso, Aquele em quem ninguém confia e que todos excluem, o homem demonstra para si o 37 SOBRE VERDADE EF. M IRA que ha de veneravel, confiavel e util na verdade. Como ser racional, pie seu agir sob o império das abstragdes: }4 nado tolera mais ser arrastado por mpressées repentinas, pelas i igdes, sendo que universaliza, antes, todas essas impressdes em con ceitos mais desbotados e frios, para neles atrelar 6 veiculo de seu viver e agir. Tudo aquilo que sobreleva o homem ao animal depende dessa capa- cidade de volatilizar as metaforas intuitivas num esquema, de disselver uma imagem mum cenceito, portanto; no ambito daqueles esquemas, torna-se possivel algo que nunca poderia ser alcangado sob a égide das primeiras impressdes intuitivas: erigir uma ordenag: (0 piramidal segundo castas e gradagées, criar um novo mundo de leis, p vilégios, subordinagdes, delimitagoes, que agora faz frente ao outro mundo intuitive das primeiras impressties como o mais consolidado, universal, conhecide, humano e, em v irtmde disso, como o indo regulador e imperativo. Enquanto cada metafora intuitiva é indivi inal © desprovida de seu correlata, e, por isso, sabe sempre eludir a todo rubricar, 0 grande edificio dos conceitos exibe a inflexivel regularidade de um columbario romano e exala na logica aquela d za e Frieza que s o proprias 4 mateméatica, Aquele que é baforado por essa frieza mal acreditaré que mesmo o canceito, ossificado ¢ octagonal como um dado e tao rolante NIETZSCHE como este, permanece tio-somente o residuo de uma metafora, se artistica de um estimulo nerveso em imagens, se nao é a mae, é ao menos a avé de todo conceito. Zio ido que a ilusao da_transpo: Mas, no interior des denomina-se “verdade” a uti ites, jogo de dados dos con zagio de cada dado tal como ele é designado; contar seus pontos cc acuidade, formar rubricas corretas ¢ jamais aten- tar contra a ordenagao de castas, bem como contra a seqti@ncia das classes hic equ zadas. ‘Tal como os romanos e etruscos dissecavam o céu através de firmes linhas matematicas ¢ amente organ re ‘ado, avam um deus num espago assim deme como num templo, assim cada povo tem sobre si um equivalente céu conceitual matematicamente dividido e, sob a exigéncia da verdade, agora en tende que cada deus conceitual deve ser buscado apenas em sua esfera, Aqui, cabe muito bem admirar 0 homem como um formidavel génio da —E———————————eET—Eew construgaéo, capaz de erguer sobre fundamento ae instaveis ¢ como que sobre agua corrente um domo de conceito: infinitamente complicado; por certo. a fim de manter-se firmemente em pé sobre tais fundamentos, cumpre ser uma construgao como que feita com teias de aranha, suficientemente delicada que possa ser levada pelas ondas ¢ firme © bastante para mio ser despedagada pelo sopro do » da construcgdo, o homem eleva- vento. Como gé 30 se muito acima da abelha na seguinte medida: esta ltima consti tir da cera, que ela recolhe bi ay da natureza, ao passo que o primeire a partir da matéria muito mais delicada dos ¢ neeitos, que eee eee precisa fabricar a partir si mesmo, Aqui, cumpre admira-lo muito, mas néo somente por causa de thecime: seu impulso 4 verdade, ao ca to puro das coisas. Quando alguém esconde algo detras de um arbusto, volta a procura-lo justamente lA onde o ra, nado ha muito do que se _vangloriar nesse_procurar e encontrar: é assim que se dé com o procurar e encontrar da S assim que se da com o procurar ¢ encontrar da escondeu e além de tudo 0 encor “verdade” no interior do dominio da raziio. Se crio a definigdo de mamifero e, ai entdo, apds inspeci- onar um camelo, declare: veja, eis um marmifero, com isso, uma verdade decerto ¢ trazida 4 plena luz, mas ela possui um valor limitado, digo, ela conten é antropomériica de fio a pavio e nao nae Ceopceis um (mic ponto sequer que fesse “verdadeira em si, efetiva e universalmente valide, deixando de lado o homem. Em principio, o pesquisador dessas verdades procura apenas a metamorfose do mundo nos homens; esforga-s¢ por uma compreensio do mundo visto como uma coisa propria ao homem e, na melhor das hipéteses, granjeia para si o sentimento de uma assimilagio. A semelhanga do astrologo que observa as estrelas a servigo dos homens € em conformidade com sua felicidade e sofrimento, assim também um tal pesquisador observa o mundo inteiro come conectado ao ho- mem, como o ressoar infinitamente fragmentada de um som primordial, do homem, como a c6pia reduplicada de uma imagem primordial, do ho- mem, Eis seu procedimente: ter o homem por medida de todas as coisas partindo do erro de acreditar que teria tais coisas paring oo Sr como objetos puros diante de si. Ele se esquece, pots, das metaforas intuitivas origmais tais como algo que ele faz, porém, sdo, metaforas, e as toma pelas proprias coisas. Somente pelo esquecimento desse mundo me- taférico primitive, apenas pelo enrije: petrificagao de uma massa imagética que, qual um liquide fervente, desaguava originalmente em torrentes a partir da capacidade primitiva mento da fantasia humana, tdo-somente pela crenga imbativel de que este sol, esta janela, esta mesa sao uma verdade em si, em stima, apenas por que o homem se esquece enquanto sujeito e, com efeito, enquanto sujcito artisticamente criador, cle vive com certa tranqiiilidade, com alguma segurang © consegiiéncia; se pudesse sair apenas por un instante das redomas aprisionadoras dessa crenga, entao sua “autoconsciéncia™ de pareceria de ime- diato. Exige-Ihe esforgo, inclusive, admitir para si mesmo o fato de que o inseto ow o passaro per cebem um mundo totalmente diferente daquele EO Ww SOBRE VERDADE E MENTIBA percebido pelo homem, sendo que a pergunta por qual das duas percepgdes de mundo é a mais correta nao possui qualquer sentido, haja vista que, para respondé-la, a questio ter a de ser previa mente medida com o critério atinente a percepgdo correta, isto é, de acordo com um eritério que néo esté a disposicao, A mim me parece, em todo caso, que a percepcdo correta — que significaria a expressfio adequada de um objeto no sujeito — & uma contraditoria absurdidade: pois, entre duas esferas absolutamente diferentes tais como entre sujeito e objeto nado vigora nenhuma causalidade, nenhuma exatidae, nenhuma expresso, mas, acima de tudo, uma_relagdo estética, digo, uma transposigao sugestiva, uma tradugao balbuciante para uma lingua totalmente estranha. Algo que requer, de qualquer modo, uma_esfera interme- diaria_manifestamente poética_e inventiva, bem Maria _manitestamente pottica € inventiy como uma forca mediadora. A palavra aparéncia contém muitas tentagdes, dai eu evita-la sempre que possivel: pois ndo é verdade que a esséucia das coisas aparece no mundo empirico. L Ger pintor_ 1 © quisesse, ainda as cujas mios Ihe faltasse: sempre revelara, nessa troca de esferas, muito mais sobre a esséncia das coisas do que aquilo que revela o mundo empirico. A prépria relagio de um estimulo nervoso com a imagem gerada nao é, em si, algo necessdrio; mas, quando justamente de_vexes e foi herdada por muitas geragdes de homens, até que, per fim, aparece junto 4 humanidade inteira sempre na seqiiéncia da mesma ocasiao, a mesma imagem foi_gerada_milhi entao ela termina por adquirir, ao fim e ao cabo, o mesmo significado para o homem, como se fosse a imagem exclusivamente necessdria ¢ como se EARL Cxet nal Anen ie Ueteery aquela relagao da estimulo nervoso original com ada constite ma firme rel. a imagem ge causal; assim como um sonho que se repete eterna- mente seria, sem duvida, sentido e julgado como efetividade. Mas 0 enrijecimento e a petrificagao de uma metéfora nao asseguram coisa alguma a sua necessidade e justificagao exclusiva Sem divida, todo homem que possui familia ridade com tais consideragdes ja sentiu uma pro. funda desconfianga frente a todo idealismo desse tipo, logo que se convenceu de maneira suficiente mente clara da eterna conseqiiéncia, onipresenga e infalibilidade das leis naturais; dai extraiu a se guinte conclusdo: desde que penetremos em dire cdo as alturas do mundo telescopico ¢ ruma as pro fundezas do mundo micresedpico, aqui tudo ¢ se- guro, completo, infinite, regular e sem lacunas; a ciéncia cavara eternamente com éxito nesses po cos, sendo que todo seu achado concordara consigo mesmo € ndo ira contradizer-se. Quao pouco isso 13 SOBRE V RDADE E MENTIBA se assemelha a um produto da fantasia: pois, se fo: lugar, a aparéncia e a irrealidade. Fim contraposi- esse o caso, teria de tornar pate: em algum go a isso, cumpre dizer: se cada um de nos tivesse risiv para si uma percepgao diferente, poderia- mos par nés mesmos perceber ora como passaro, ora como verme, ora como planta, ou, entio, se al- gum de nos visse 0 mesmo estimulo como verme- Iho, outro como azul e um terceiro o escutasse até mesmo sob a forma de um som, entdo ninguém falaria de uma tal regularidade da natureza, mas, de maneira bem outra, trataria de apreendé-la ape nas como wma criagdo altamente subjetiva. As assim: o que é, para nés, uma lei da nature: nao se da a conhecer em si mesma, mas somente em seus efeitos, isto ¢, em suas relagées com outras leis natura a vez mais, so se dado a co- . que, t nhecer como relagées. Por conseguinte, todas essas relagdes referem-se sempre umas as outras, sendo que, quanto 4 sua esséncia, elas nos sao incompre- ensivets de ponta a ponta; apenas aquilo que nos Ihes acrescentamos se torna efetivamente conhe cido para nds, a saber, o tempo, o espago e, portanto, as relagSes de sucessiia e os niimeros. Mas, tudo o que ha de maravilhoso, que pr isamente nos as- sombra nas leis da natureza, que exige nosso escla- recimento © que poderia conduzir-nos 4 desconfi- assenta-se (nica € exclu- anga frente ao idealisme NIETZSCHI sivamente no rigor matematico, bem como na invi- olabilidade das represemtagdes de tempo @ espace. Estas, no entanto, sao produzidas em nds e a partir de nds, com aquela necessidade com a qual a ara- de'ngs, com aquela necessi¢ade com a nha tece sua tela; se somos compelidos a apreender todas as coisas apenas sob tais formas, entio nao mais de se admirar que, em todas as coisas, apre- endemos tao-somente essas formas: pois todas clas devem trazer consigo as leis do niimere, sendo que é exatamente o nimero o mais assombroso das coi- sas. Toda regularidade que tanto nos impressiona na trajetoria dos planetas e no processo quimico coincide, no funde, com aquelas propriedades que nés mesmos introdu: los nas © isas, de sorte que, 0, impressionamos a 16s mesmos. Disso se segue, por certo, que aquela formagao artistica com is de metaforas, que, em nds, da inicio a toda sensa- Gao, ja pressupée tais formas, e, portanto, realiza-se nelas; somente a partir da firme persisténcia des siformas primordiais\torna-se possivel esclarecer como péde, assim como outrora, ser novamente cri gido um edificio de conceitos feito com as proprias metaforas. ‘Tal edificio . pois, uma imitagio das relagdes de tempo, espago e niumeros sobre o solo das metaforas. RDADE FE ME SOBRE IRA i Como vimos, a finguagem trabalba na constru gio dos conceitos desde 0 principio, ¢, em periodos posteriores, a ciéncia, As m como a abelha cons- tri os favos ¢, ao mesmo tempo, enche-os de mel, assim também opera a ciéncia irrefreadamente so- bre aquele enorme columbario de conceites, ce- construinds novos & mitério das intuigdes, semp escorando, limpando e mais elevados pavimento renoyando os antigos favos, esforgande-se, sobre tudo, para preencher essa estrutura colossalmente aada em forma de torre e ordenar, em sen in- ar terior, o mundo empirico inteiro, isto ¢, o mundo ant aa vida a razao € a seus conceitos, para nao ser arrastado ppomértico, Se o homem de agio une e nao se perder a si mesmo, o pesquisador, de sua parte, constréi sua cabana junto a torre da ciéncia, para que possa prestar-Ihe assisténcia e encontrar, ele proprio, amparo sob 0 baluarte a sna disposigio. 3, com efeito, cle necessita de amparo: pois ha for- gas terriveis que lhe irrompem constantemente e as verdades cientificas “verdades” de que opéen um tipo totalmente diferente com as mais diversas espécies de emblemas. ‘Tal impulso a formagio de metaforas, esse im pulso fundamental do homem, ao qual nao se pode renu renunciar-se-ia ao préprio homem, nao é, em ver- tante, ja qu ciar nem por um in , Com dade, subjugado c minimamente domade pelo fato de um novo mundo firme ¢ regular ter-lhe sido construido, qual uma fortificagio, a partir de seus produtos volatizados, o mesmo ¢ dizer, os concei- tos. Ele busea um novo fimbito para sua agio e um outro regato, sendo que © encontra no mite e, em linhas gerai na arte, Perpetuamente, mistur: as rubricas © as divisorias dos conceitos ao intro- duzir novas transposiges, metaforas, metonimia. perpetuamente, demonstra o Avido desejo de con- figurar 0 mundo a disposigao do homem desperto sob uma forma » coloridamente irregular, incon seqiientemente desarménica, instigante e eterna mente nova como a do mundo do sonho, Em si, 0 homem desperto adquire clara conseiéneia de que estA acordado somente por icio da firme e regular teia conceitual, ¢, precisamente por isso, chega as vezes A crenga de que esté a sonhar, caso alguma vez aquela teia conceitual seja despedagada pela arte, Pascal tem razdo ao afirmar que, se féssemos acometidos pelo mesmo sonho toda noite, iriamos ocupar-nos dele tanto quanto das coisas que vernos todo dia: “Se um _artesaio tivesse certeza de que a cada noite sonha, doze horas sem parar, que é rei creio” diz Pascal “que seria to feliz quanto um noites sonhasse, rei que tod 10 longo de doze horas, que é um artesie”. O dia desperto de um povo miticamente inspirado, como, por exemplo, —eeeEeeEeEeEeEeEeee az 48 SOBRE VERDADE & MENTIRA os antigos gregos. é, de fato, mais semelhante ao sonho do ue o dia do pe sador que se tornou.ci- entificamente sdbrio, devide ao milagre constan temente atuante tal como é aceito pelo mito. cada arvore é capaz de falar como ninfa, ou, entio, um deus, b a aparéncia de um tours, pode raptar donzelas, se a propria deusa Avena é subilamente vista ao passar, na companhia de Pisistrato, pelos mercados de Atenas com um belo par de cavalos € nisso acreditava o ateniense honesto —, entio, como no sonho,/tude)é possivel a cada momento, sendo que a inteira natureza se alvoroca em torno do homem como se fosse somente a mascarada dos deuses | Maskerade der Gotter], qu pode ae homens sob todas as formas, pregava-lhes apenas , enganando 6s uma pega, No entanto, o proprio homem tem uma inelin. cao imbativel a deixar-se enganar e fica como que encantado de felicidade quando o rapsodo narra mo se estes fossem verdadeiros, opr amente do que 0 exibe a cos © Ihe contos éy ou, entao, quando o ator, no espetaculo, senta, da mais soberar o rela’ efetividade. O)intelecto, esse mestre da d 0 lagio, acha-se, pois, livre e desobrigado de todo seu servigo de escravo sempre que pode enganar sem causar prejuizo, ¢ festeja, entao, suas Satur. Saas nais; nunca ele é mais opulento, rico, orgulhaso, BAS Potion mai : a, bara- versatil © arrojado. Com satisfagaio en NIETZSCHE lha as metaforas e desloca as pedras demarcatorias da abst agiio, de sorte que, por exemple, de rio como o caminho que se move e que carrega o homem em diregao ao local rumo ao qual, do con trario, ele teria de caminhar. Agora, ele apartou de antes, dedicando-se com alinco & mérbida ocupagdo de mostrar a um pobre individuo, avido de existéncia, o caminho e as ferramentas e, qual um servigal, empenhadoem roubar e saquear para o seu senhor, agora se nou senhore lhe 6 permitido remover de seu rosto a expressiio de indigéncia. Em comparagio com o que fazia antes, agora tudo o que faz traz em si a dissimulacio, assim come sua conduta anterior trazia em si a deformagio, Copia a vida humana, mas a toma por uma coisa boa ¢ parece estar ple namente sa enorme ent sfeito com ela. Aque blamento e andaime de conceitos, sobre o qual o homem necessitado se pendura ¢ se salva ao longo da vida, 6 para o intelecto tornado livre apenas um cadafalso ¢ um brinquedo para sets mais audacio sos artificios: e quando ele o estragalha, embaralha © ironicamente 0 reagrupa, emparelhando o que ha de mais diverso ¢ separando o que ha de mais proximo, ele entio revela que mio necessita daque- les expedientes da indigéncia ¢ que agora no é conduzide por conceitos, mas por intuigdes. A par- vhum eaminho regular da 49 ap SOBRE VERDADE BE. MENTIRA smagoricos, das avesso A terra dos esquemas fan! a palavra nao é feita para e s, senda abstragde: que o homem emudece quando as vé, ou, entdo, fala por meio de metaforas nitidamente proibidas nbinagdes conceituais inauditas, para ao me- nos corresponder criativamente, mediante o des limi- mantelamento e a ridicularizagao das antigas tagdes conceituais, 4 poderosa intuigao atual. Ha é¢pocas em que o homem racional_e o homem intuitive colocam-se lado a lado, um com medo da intuigao, outro ridicularizando a abstragdo; o Ultimo é tao irracional quanta o primciro é inartistico. Ambos contam imperar sobre a vida; este sabendo encarar as mais basicas necessidades mediante precaugdo, sagacidade ¢ regularidade, aquele, come “herdi sobreexaltado”, passando ao largo de tais necessidades e tomando por real somente a vida di mulada em aparéncia e beleza. Onde 0 homem intuitive, tal como na as armas antiga Grécia, alguma vez manipula mais violentamente c mais vitoriosamente do que ncias favordvei: seu oponente, entao, sob circuns| pode tomar forma uma cultura e fundar-se o dominio da arte sobre a vida; quela dissimulagao, aquele reptidio A indig@ncia, aquele brilho das intuigdes metaforicas e, em linhas gerais, aquela imediatez do engano seguem todas as manifesta- de tal vida. em a casa, nem a maneira de PZSCHE, andar, nem a vestimenta, nem a jarra de argila evidenciam que foi a necessidade que os inventou; tudo se passa como se em todos eles devesse ser declarada uma felicidade sublime ¢ um olimpico rie de jogo com a seriedade, Enquanto o homem conduzi desanuviamento, bem como uma esp por coneeitos e abstragdes apenas rechaga, por meio destes, a infelicidade, sem granjear para si mesmo uma felicidade a partir das abstragdes, en quanto ele se esforga ao max. da dor, o homem intuitive, situade no interior de no para libertar-se ‘es, além da uma cultura, j4 colhe de suas intuig defesa contra tudo que é mal, uma iluminagdéo continua e canudalosa, jubilo, redengao. Por certo, sofre com mais inter dade, quando sofre; sim, sofre até com mais assiduidade, porque nao sabe aprender a partir da experiéne sempre no mesmo buraco em que ja havia caido. , volrando a cair Ele é, assim, to irracional no sofrimento quanto na felicidade, grita alto e no dispée de qualquer consolo. Quao diferentemente ali se coloca, sob o , o homem estoico versado na expe s de conceitos! Ele, riéneia, que se governa atrav que de mais a mais s6 busca probidade, verdade, liberdade frente aos enganos ¢ protego contra as incursdes ardilosas, executa agora, na infelicidade, a obra-prima da dissimulagao, tal como aquele na el nulo dade; nao carrega um rosto humano, tré 51 52 | SOBRE VERDADE © movente, mas uma espécie de mascara com digna simet de tragos, nfo grita © tampouco muda sua voz uma vez sequer. Se uma vultosa nuverr » chuva desigua sobre cle, enrola-se em seu manto e, passo a passo, caminha lentamente para debaixe dela. FRAGMENTOS POSTUMOS NOTA LIMINAR Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral sdorff no foi ditado por Nietzsche ao colega G ve do de 1873 a partir de apontamentos que, em realidade, remontam ao yerio de 1872. Trate “se, é claro, de fragmentos ¢ anotagdes preparatérias 1 © dos a um horizonte hermenéutico incomum cujo léxico nao se coaduna perfeitamente con © vocabulario técnico convecional. ‘Todavia, con trariando a maxima estruturalista segundo a qual notas preparatorias nfo assumidas pelo autor onde © pensamento apenas se insinua e se experi- menta — devem ser vistas como “/érets sem erenga > acreditamos c, filosoficamente, irresponsivei que tais esbocos precisam ser levados em conside- ragio e compreendidos no registro especulativo a partir de qual se langam e ganham relevo. eles no podem adquirir uma ascendéncia inter- pretativa absoluta sobre os trabalhos publicados ou preparados para publicag&o, possibilitam, ao jaro acerca da ‘nos, um discernimento mais Victor Geldschmidi, “Tempo histérico © tempa logico na dficos”, Em A religida de Pla- interpr tao, Sao Paulo, Difel, 1963, p. 146. cao dos sistemas fil we & NOTA LIMINAR formulagio camalednica de certos problemas, isto urgem num dado contexto, 6, de questées que mas que ressurgem e amadurecem tdo-somente noutras ocasides, variando de forma ¢ contetido de acordo com os diferentes patamares reflexivos em que se inserem. Dai, a oportunidade das paginas que se seguem. Acompanhando as indica historico-filolégicas da edigéo critica das obras oes zada e estabele ecompletas de Nietzsche, orgar ino Montinari, a cida por Giorgio Collie Maz ordenagao numérica dos fragmentos é seqiien- cial e cronolégica, mantendo-se a paginagao da mencionada edigado. FRAGMENTOS POSTUMOS 19 [48], verao de 1872 — inicio de 1875; em Fri- edrich Nietzsche, Stimtliche Werke. Kritische Studicnausgabe, Giorgio Colli e Mazzino Mon- im / Nova York, Walter de Gruyter, 434 tinari, Ber! 1999) ¥- 7s 08 s0- A sentenga deve ser declarada: viven mente através de ilusdes, sendo que nossa consci éncia dedilha a superficie. Ha muita coisa que se esconde diante de nosso olhar. ‘Também nunca se deve temer que 6 homem termine por se conhecer inteiramente, que ele, a todo instante, penctre em todas as leis da impulsdo, da mec4nica, bem como em todas as formulas da arquitetura e da quimica que sao necessarias & sua vida. E bem possivel que tudo se torne conhecido por meio de quemas, Isso nfo altera em quase nada no vida. Ademais, trata-se apenas de formulas para forcas absolutamente desconhecidas. FRAGMENTOS POSTUMOS 19 [49], mesmo periodo, op. cit., p. 455. efeito, numa ilusio continua Vivemos, cor através da supertficialidade de nosso intelecto: para viver, precisamos da arte a todo instante. EE ee: ee Nosso olho nos prende as formas. Se, no entar oO, somos nés mesmos a adquirir, aos poucos, esse olho, entao vemos vigorar em nés proprios uma forza artistica, Vemos, pois, na natureza mesma, mecanismos contra o saber absoluto: a filésofo reconhece a linguagem da naturezae diz: “preci Samos da arte” e “carecemos apenas de uma parte do saber”, NIETZSCHE 19 [64], mesmo period, op. cit, p. 459. 58 O ser sensivel precisa da ilusie para viver. sic é necessé para progredir na civ O que quer o insacidvel impulso ao conheci- Em todo caso, ele é barbaro. A filosofia procura domé-lo; constituinde, pois, um instrumento civilizatério. Os fi ofos mais antigos. 60 | concettos: isso significa que mos EN'TOS POSTUMOS 19 [66], mesmo periodo, op. cit, p. 440. Nosso entendimento 6 1 forga poco pro funda, € superficial. Qu, como também se lhe denomina, é “subjetivo”. Ele conhece através de msamento & um rubricar, um nomear. Algo, portanto, que re- sulta de um arbitrio da homem e qne nao remonta a propria coisa. Apenas mediante 0 cdiculo ¢ tiio- somente nas formas do espago possui 0 homem os Ultimos conhecimento absoluto, quer dizer, limites do que pode ser conhecide sio quantida des, sendo que ele [o homem] nao compreende nenhuma qualidade, mas apenas uma quantidade. Qual podera entio ser a finalidade de tal forga superficial? Ao conceito corresponde, em primeiro lugar, a imagem; imagens sio pensamentos primordi ais, isto ¢, as superficies das coisas abreviadas no espelho do olho, imagem @ wma coisa, 0 modelo matemético & outra, Imagens nos olhos humanos! Eis o que domina todo ser humano: a partir do o/éo! Sujeitot O ou- vido escuta 0 sor ! Uma concepgao maravilhosa e inteiramente diferente do mesme mundo, NIETZSCH. A arte baseia-se na inexatiddo do olhar. EK tam- 61 bém na inexatidao do ouvido para o ritmo, o tem- nisso se fia, uma v peramento | mais, a arte. FRAGMEN'TOS POSTUMOS 1g [81], mesmo periodo, op. cit, p. 44 O sonhar como o prolongamento seletivo das imagens dpticas. No Ambito do intelecto, tudo o que ¢ qualitativo nao passa de um quantitativo, As qualidades somos conduzidos pelo conceito, pela palavra NIETZSCHE 19 [97]: mesmo periode, op. cit, p. 451. © homem rei windica a verdade e a despende na relagio moral com outros homens, sendo que nisso se baseia toda vida gregaria. As conseqiién cias ruins das mituas mentiras so por ele anteci- padas, A partir dat surge, entio, a obrigacao da verdade. Ao narrador épico é permitida a mentira, pois, aqui, nfo se antevé nenhum efeito nocivo, As- sim, la onde a mentira parece agradavel, ela é per- mitida: a beleza e a agradabilidade da mentir desde que nao cause danos, Eis como o sacerdote forja os r ul itos de seus deuses: ela [a mentira] jus- sua sublimidade, incrivelmente dificil fa- zer com que 0 sentiment mitico da livre mentira volte a viver. Os grandes filésofos gregos ainda vi- vem nesse consentimento a mentira. Ta onde nao se pode conhecer nada de verda deiro, a mentira é permitida. A noite, ao sonhar, todo homem deixa-se enga nar continuamente, A aspiracio @ verdade & uma aquisigao infinita mente tardia da humanidade, Nosso sentimento histérico é algo totalmente novo no mundo, Seria possivel que ele reprimisse por completo a arte. A afirmagiio da verdade a todo custo é socrdtica. 63 FRAGMENTOS POSTUMOS 64 | 1g [106], mesmo periodo, op. cit. p. 454. Lutar por wma verdade é algo totalmente dis tinto de lutar pela verdade. 1g [121], mesmo periods, op, cit., p. 458. © conhecemos a verdadeira neia de wna causalidade tintca. Ceticismo absolut scessidade de arte e il FRAGMENTOS POSTUMOS 66 | 19 [242], mesmo periodo, op. cit, p. 464. Todo conhecimento surge por meio de sepa delimitagao © abreviagie; nao ha conheci mento absolute de uma totalidade! NIETZSCHE, 19 [157], mesmo periodo, op. cit., p. 4.68. 0 imenso consenso dos homens acerca das sas iprova a uniformidade de seu aparato pe ceptivo. 67 FRAGMEN'TOS POST 1g [158], mesmo periodo, op. cit., p. 468. Para o vegetal, o munde é tal e tal — para nos, tal ¢ tal, Se compararr sas duas forgas per ceptivas, a nossa concepcdo de mundo nos parecera mais correta, isto é, mais condizente com a ver- dade. O homem desenvolveu-se a passos lentos e o conhecimento ainda se desenvolve: a imagem do universo torna-se, pois, cada vez mais veraz ¢ completa. Evidentemente, trata-se apenas de uma imagen refletida, e cada vez mais nitida. O proprio unagent repelidd, © Cade Ver mals DGS espelho, porém, nao é de todo estranho e contra rio 4 esséncia das coisas, sendo que também veio a tona vagarosamente como esséucia das coisas. Ve- mos wm esforgo para tornar o espelho mais ¢ mais adequado: a ciéncia leva adiante o processo natu- ral, Assim ¢ que as coisas se refletem de modo eada vez mais transparente: libertacio gradual do que é demasiado antropomoértico. Para o vegetal, © mundo inteiro é vegetal, sendo que, para nds, ¢ huma NIE PzSCHE 1g [160], mesmo periodo, op. ¢ » Pp. 469. Cons! consciente da humanidade, Ela nado constitui um todo tal como um formigueiro. Pode-se talvez fa ro um equivoco falar de uma meta in- lar sobre uma meta inconsciente de uma cidade, dei love: Ghia que siaitifita fhlad navepeliada meta inconsciente de todos formigueiros da terra! FRAGMENTOS POSTUMOS 70 | 19 [165], mesmo periodo, op. p. 47h Conhecemos aj samrentos, E se isso fosse a esséncia das ¢ NIETZSCHE 1g [266], mesmo periodo, op. cit, p. 471. © pensamento fornece-nos 0 conceite de uma forma inteiramente nova de realidade: ele 6 com- posto de sensagiio e memoria, a PRAGMEN'TOS POSTUMOS 1g [175], mesmo periodo, op. cit. p. 475 Og Quando se acredita possuir a verdade, a vida a verdade faz com os homens! mais clevada e pura parece possivel. 4 crenga na verdade & necessaria ao homem. A verdade vem a luz como necessidade social: por meio de uma metastase, ela 6 posteriormente aplicada a tudo aquilo que dela independe. ‘Todas as virtudes surgem a partir de caréncias. Com a sociedade, nasce a necessidade de vera dade. Do contrério, o homem viveria em eterno ofuscamento. A fundagao do estado incita a veraci dade. © impulso ao conhecimento tem uma origem — moral, NIETZSCHE 19 [17g], mesmo periodo, op. cit., p. 4 A natureza acormodou 6 homem em flagrantes ilusbes. Eis seu elemento proprio. Ele vé formas e, em vez de verdades, sente estimulos. Sonha e ns divinos camo sendo a na- gina para si ho! tureza. O komem tornau-se actdentalmente um ser que conhece, por meio da unifio nfo intencional de du- plas qualidades. Algum dia, ele desaparecera e nada tera acontecido. Durante muito tempo eles [os homens! nao existir: ne, quando eles préprios tiverem deixado de existir, no terao aplicado-se a coisa alguma les nao tém nenhuma missio ou finalidade a cumprir, 0 homem é um animal extremamente patético e toma todas suas propriedades por algo de suma relevancia, como se os eixos do universo girassem nele. © semelhante lembra do semelhante_e, com $60, passa a se commparar: eis o conhecer, 0 apres. sado subsumir daquilo que é similar. Apenas 0 se- melhante percebe o semelhante: um processo fisio- logico. Aquilo que é meméria é também percepgao do novo, Nao pensamento sobre pensamento, 6 73 POS POSTUMOS 1g [181], mesmo periodo, op. cit. p. 476. © valor objetive do conhecimento — ele nao torna methor, Nao possui fins universais tltimos. Seu surgimento ¢ acidental. Valor da veracidade, Ela sim torna melhor! Seu fir é 0 declinio. F. sacrifica. Nossa arte ¢ copia do conhecimento desesperado. [=] NIETZSCHE 1g [182], mesmo periodo, op. p. 476. 75 A humanidade possui, no conhecimento, um helo meio para o declinio. B FRAGMENTOS POSTUMOS 19 [185], mesmo periodo, op. ¢ Que o homem tenha se tornado isso que ele é, © nao outra coisa, cis algo que se deve a ele mesmo: que tenha submergido na ilusao (sonho) e se tor nado dependente da superficie (olho), eis o que constitul sua esséncia, Seria entao de admirar se oimpulso 4 verdade resultasse, no fim das contas, de sua esséncia fundamental? NIETZSCHE 1g [204], mesmo periodo, op. p. 481. 7 As abstracdes sio metonimias, isto 6, permuta- gdes de causa ¢ efeito, Mas todo conceito 6 uma metonimia, sendo que, nos conecitos, o conhecer termina por se antecipar. A “verdade” converte-se num poder, assim que a liberamos como abstragao. FRAGMENTOS POSTUMOS 78 | 19 [218], mesmo period, op. cit. p. 488. O pathos da verdade num mundo da mentira. O mundo da mentira reencontrado nos mais elevados cumes da filosofia. O objetivo dessas elevadas mentiras ¢ oama mento do indelineavel impulso ao conhecimento. Surgimento do impulso ao conhecimento a par- tir da moral. 1g [220], mesmo periodo, op. cit. p. 488. 79 ‘Todo infimo conhecimento tem em si uma FRAGMENTOS POSTUMOS 19 [228], mesmo pe O imitar é,a propdsito, o oposto do conhecer, jé odo, op. cit., p. 4.go. endo pretende fazer valer ne- e justame nhuma transposigie, mas reter a impressdo sem metifora e sem conseqiiéncias. Para tanto, ela [a impressao] é petrificada: por meio de conceitos, a impressfo ¢ capturada e isolada, e, depois de morta icada e conservada e esfolada, mur iquanto conceita, Nao ha, porém, quaisquer expressGes “pro prias”, assim como, sem metdfora, néo ha nenhim conhecer propriamente dito. Mas nisso consiste o engano, quer dizer, a crenga nun impressdo sensivel. As metaforas mais habituais, verdade da usuais, agora servem como verdades e medida para as metaforas mais raras. vigora aqui a diferenga entre o familiar e 0 novo, o freqiiente e o excepcional. © conhecer @ téo-somente um operar com as metiforas prediletas, e, a ser assim, nada mais que uma imitagae do imitar sensivel, [le nao pode, evi dentemente, penetrar no 4mbito da verdade. O pathos do impulso A verdade pressupde a ob- agdo de que os diferentes universos) metafori cos sfio diserepantes e permanecem em luta, como, se por exemplo, 0 sonha, a mentira etc. € a versio NIETZSCHE usual e comum: eis por que uma é a mais rara e a outra a mais freqiiente. O habito luta, pois, con- o regular contra o mabitual, Dai a indo dos autela da efetividade diurna diante do sonhos, O raro e inabitual é, porém, a mats pleno de esti mufo— a mentira é sentida como estimulo, Poesia, 81 RAGMENTOS POS1 MOS 19 [229], mesmo periodo, op. cit. p. 491. Na sociedade politica, um rigido acordo faz necessario, ja que ela se funda no uso comum de metaforas. ‘Tudo o que foge ao costumeiro desestabiliza-a, aniquila-a inclusive. Utilizar cada palavra tal como a massa a utiliza ¢, pois. o mesmo que moral e conveniéncia politica. Ser verdadeiro significa apenas nao se desviar do sentido usual das coisas. O verdadeiro é 0 existente, em contra- posigao 20 ndo-efetivo, A primeira convengio é aquela concernente aquilo que deve valer como tente™. Mas, transposto a natureza, o impulso que constrange a ser verdadeiro produz a crenga de que também a natureza circundante deve ser verdadeira, O impulso ao conhecimento baseia-se nessa transposigdo. Por “verdadeiro” compreende-se, antes de mais nada, apenas aquilo que usualmente consiste na metafora_ habitual — portant, somente uma ilusiio que se tornou familiar por meio do uso i nde ¢ mais sentida coma ilusdo; etafora esquecida, isto é, uma metafora da qual freqiiente ¢ que se esqueceu que é uma metafora. NIETZSCH 19 [230], mesmo periode, op. cit, p. 492. na forte obser- O impulso a verdade comega c vagao de quao antipédicos sao o mundo efetivo eo mundo da mentira, bem como de que quiio incerta se torna a vida humana, se a verdade convencio- nalmente estabelecida nao valer de modo incondi- cional: ha que se ter uma conviegao moral acerca da nec ssidade de uma firme convengio, caso 1 sociedade humana deva existir, Se em algum lu- gar o estado de guerra deve cessar, entéo isso tem que se dar com a fixagao da verdade, isto ¢, com uma designacao valida ¢ impositiva das coisas. O mentiroso emprega as palavras para fazer com que o irreal venha a luz como algo ef ivo, quer dizer, ele abusa do firme fundamento. Por outro lade, o impulso em diregao a metadforas sempre novas permanece presente, descarregando-se no poeta, no ator ete, 6, em especial, na religido. O filé vigoravam as religides, o “efetivo”, a permanente, cofo também bu » no ambito em que isto 6, no sentimento do eterno e mitico jogo da mentira. le quer uma verdade que permaneca. Estende, pois, a necessidade de firmes convengoes verdadeiras sobre novos ambitos, 83 AGMENTOS POSTUMOS 84 | 19 [254], mesmo periodo, op. cit., p. 493- Gostaria de tratar da questi acerca do valor do nento tal como um anjo frio que penetra na inteira escumalha. Sem ser maldoso, mas sem conheci coracho. NIETZSCHE 19 [235], mesmo periodo, op. cit., p. 495. ‘Todas as leis naturais sao tao-somente relacées de um xX com ¥ ez, Definimnos as leis naturais como relagdes entre X, Ye Z: eis por que tudo se ros torna novamente conhecido apenas Como relacdes entre ros X, Ye Z. FRAGMENTOS POSTUMOS 19 [256], mesmo periodo, op. cit., p. 4g Em rigor, 0 conhecer possui apenas a forma da tautologia e é vazio, Todo co thecimento por nds promovide consiste numa identificagdo do nao igual, do semelhante, quer dizer, trata-se de algo essencialmente ildgico. Somente por esse trilho adquirimoes um con ceito, sendo que, depois, agimos como se 6 conceito “homem™ fosse algo real, quando, no entanto, ele odos € por nés formado mediante a abstracao de os tragos individuais. Pressupomos que a natureza procede de acordo com tal conceit: mas, aqui, a natureza, bem como o conceito, ¢ antrapomértica, A falta de consideragao pelo individual fornece-nos © conceito e, com isso, tem inicio o nosso conhe- cimento: no rubricer, nas tabulagdes de género: A essém das coisas nao corresponde, porém, a isso: é um processo de conhecimento que nao se coaduna com a esséncia das coisas. Muitos tragos partic fio to ares podem defini uma co! a, mas das: a igualagao desses tragos nos da o ensejo para agrupar muitas coisas sob um sd conceito. Enquanto portadores de propriedades, produz mos esséneias ¢ abstragSes como causas de is pro priedades, Que uma unidade — co no, por exemplo, uma NIETZSCHE, arvore se nos apresente como uma multiplicidade de propriedades, de relagoes -, eis algo antro- pomérfico num duplo sentido: antes de mais “ nada, essa unidade delimitada, “arvore”, naa riamente existe, trata-se de algo que foi arbi seccionado (de acordo com o olho, corm a forma); e, ademais, nenhuma relago constitui a rela verdadeira ¢ absoluta, senio que ¢, novamente, colorida antropomorficamente 87 FRAGMENTOS POSTUMOS 19 [240], mesmo periodo, op. cit., p. 4: O mundo é aparéncia — mas ndo somos tin exclusivi nente a causa de seu apareeer, Ele bém é irreal a partir de um outro lado. 19 [242], mesmo periodo, op. cit, p. 495. A esséncia da defin 0: 0 lapis é um corpo alongado ete. A éB. Aqui, aquilo que é alongado é, ao mesmo tempo, colorido. As propriedades contén apenas relagies, Um corpo determimado equivale a tais ¢ tais re- lacSes, Estas jamais podem ser a esséneia, mas ape as da esséne’ © juizo simtéti conseqiiéne descr eve uma coisa de acorde com suas conseqilén- clas, isto é, esséneia e consegiténcias sio identifica- das, quer dizer, uma metonimia, Assim, na esséncia do juizo sintético acha-se uma metonimia; ou seja, trata-se de uma identifi- cagao enganosa. sintéticas sda té- (outros termos, as inferéncias gicas. Quando as empregamos, pressupomos a me- tafisica popular que toma efeitos por causas. O coneeito “lpis” O “e uma transposica: distintas sfio colocadas lado a lado, sendo que entre é trocado pela “coisa” Kipis contide no juizo simtético é falso, encerra por meio da qual duas esferas ambas jamais pode dar-se uma igualagio. efeitos Vivermos ¢ pensamos sob indisfargave do i/6gico, na ignorancia e no falso saber. so FRAGMENTOS POSTUMOS 90 | 19 [244], mesmo periodo, op. cit., p. 496. De onde vem, no inteiro universe, o pathos da verdade? Ele nao aspira a verdade, mas a crenga, 4 confi nem algo. NIETZSCHE, 19 [249], mesmo periodo, op. cit, p. 498. Metéfora significa tratar como igual algo que, num dado ponto, foi reconhecido como semethante. OL “NTOS POSTUMOS 92 | 19 [254], mesmo periodo, op. cit., p. 499. O filésofo busea Nao, pois, nesse caso, esperar-se-ia dele mais a verdade? seguranca, A verdade é fria, a crenga na verdade é pode- rosa. “TZSCHE 19 [258]. mesmo periodo, op. cit, p. 500. A verdade é indiferente ao homem: isso revela a tautologia como sendo a tinica forma acessivel da verdade, Pois, busear a verdade também significa rubri- car com exatidao. isto é, subordinar corretamente os casos individuais a um conceito existente. Aqui, porém, o conceito é um feito que nes pertence, tal como as épocas passadas. Subsumir 0 mundo in teiro em conceitos precisos significa to-somente enfileirar as coisas particulares sob as formas de re- lagio mais gerais e primordialmente humanas: a ser assim, os conceitos 86 avestan aquilo que intro- duzimos neles e que, mais tarde, procuramos nova mente sob eles — o que, no funda, também é¢ uma tautologia ot | PRAGMEN'TOS POSTUMOS 29 [14], veraio — outono de 1875, op. cit. p. 651. Nao ha um i ipulso ao conhecimento e a ver- dade, mas te-somente um impulso a crenga na verdade, O conhecimento puro é desprovido de im- pulso. Edigdo _ Co-edigéo — Capa @ projet grifico Programacio em LaTeX — Diagramacio em LaTeX Imagem de caps Revisio _ Colefio Jorge Sallum ndré Fernandes io Duie Renan Costa Lima Marcelo Freitas André Fernandes € Jorge Sellum lo, Lua de Jupiter (Nasa) André Fernandes e Brune Costa Adverte se aos curiasos q niu esta obra nas oficinas da grafiea Vida & Consciéncia ein 7 de novembro de 2007, em papel off-set go gramas, composta em tipologi Walbaum Monotype de corpo ito a treae e Courier de corpo sete, em plataforma Linux, com 08 softwares livres LaTeX, SVN e Trac.

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