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Parte Il A vida social contemporanea Capituto I CoNDICAO POS-MODERNA E CIBERCULTURA A ideia de modernidade, como vimos, esta ligada ao proprio nascimento da filosofia ocidental. Modernidade significa um modo de pensar e julgar o tempo. O nascimento da razdo filos6fica nas ihas JOnicas no século V a.C. imp6s uma outra maneira de entender- ‘mos ¢ apreendermos a experiéncia temporal e, consequentemente, espacial. O nascimento da razio filos6fica, do logos como centro simbélico da civilizagao grega, é a possibilidade de ume revolugao na representagio do tempo”. A dimensdo filos6fica do presente 6, daqui em diante, o lugar privilegiado para entender e julgar 0 passado, preparando o futuro. ‘Amodemidade é uma maneira de estar no tempo eno espago, vivida de forma diferente pelas civilizagdes miticas tradicionais O simbolismo do mito, em sua estrutura repetitiva, perde, com 0 nascimento da razo filosGfica, a sua dignidade como principio legitimador e mobilizador da sociedade (Bartholo Jr"). Se a mo- demnidade é um conceito filoséfico, sua pregnancia se da a partir do século XIX, analisada poeticamente por Baudelaire” na sua descrigdo flaneuristica da sociedade industrial, e sociologicamente por Weber, na sua andlise da modernidade burocrat Max Weber define a modernidade como 0 processo de racio- nalizagdo da vida social no término do século XVII. Esse processo abriu as vias para a industrializagao e a modemizagao global do Ocidente, sendo um processo global, integrando a economia ca- pi sta, o Estado Nagao, a administracao cientifica do trabalho e da produc&o, o desenvolvimento industrial ¢ tecnolégico. Sao criadas, na sinergia de racionalidade e emancipagiio, as condigdes de uma administragao racional da vida social. Deve-se depreciar as tradigdes, gerando uma transformacio radi existéncia, Amodernidade é inexora: a esperanga (crenga?) no controle, dominio e domesticagao raci cientifica e técnica das forgas naturais, como afirma Habermas! Habermas, contudo, nao rejeita a modernidade. Ele pretende corrigir os rumos do racionalismo moderno, aceitando as criticas de Weber (burocratizagao da vida social), de Horkheimer e Adorno! (lado repressivo da razdo — dominaggo da natureza e do homem pelo homem) ou de Foucault (as estruturas do conhecimento/ poder). Para Habermas, a correcdio desse processo sé sera possivel com 0 nascimento de uma razo que possa reconduzir 0s excessos. da parte instrumental que a dominou na modernidade. Para 0 so- cidlogo alemio, o problema nfo é a razio, mas 0 predominio da razio instrimental sobre a razdo substantiva (Rouanet"). Através da razao comunicativa, conseguiriamos chegar ao consenso, tinica possibilidade de corrigir o processo filoséfico da modemnidade. A modemnidade seria um projeto inacabado". Para Habermas, “no lugar de renunciar modernidade e ao seu projeto, deveriamos tirar ligdes dos desvios que marcaram esse projeto e dos erros cometidos por abusivos programas de superagao”™. A modemidade é a expresso da existéncia de uma menta- lidade técnica, de uma tecnoestrutura e de uma teen: cratizagdo, na secularizagao da religido, no individu: diferenciagdio institucionalizada das esferas da um mecenato; a moral é enquadrada na secularizacao individualista da ética protestante e do espirito do capitalismo (Weber). No plano econdmico e politico, como mostra Rouanet, a sociedade moderna é, verdadeiramente, a sociedade industrial; de produco de bens e servigos massivos, da utilizagdo intensiva da energia, do trabalho qualificado dos especialistas da hierarquizago socioecondmica dos donos do capital. O espago divide-se em espago privado, de rdades individuais, e em espaco piblico, de dever civico. O iadao consumjdor deve circular nesse espago de universalidade e de igualdade. E no espaco piiblico que as agdes sao tomadas pela sociedade organizada (sindicatos, associagées, ONGs, partidos icos). A democracia representativa constitui-se como um jogo , como representacdo legitima da sociedade. O modo de producao capitalista requer um individuo que deve ajustar-se as novas exigéncias econdmicas, com normas universais de consumo. Na modernidade, 0 individuo é 0 consumidor, Pode- mos dizer que 0 individuo moderno é filho da filosofia das luzes, da ‘emancipagao ¢ da universalizagao da moral ocidental judaico-crista. A moral modema estabelece-se, assim, como secular, universal tae individualista, supervisionada pela raz4o, estando, daqui em te, em harmonia com as necessidades da sociedade capitalista industrial. E notavel como as artes e a arquitetura so investidas por essa racionalizaco do mundo, estando em rompimento com 0 ecletismo do século XIX. O passado ¢ e deve ser rejeitado!”. Ao témino do quatirocento ¢ do Século das Luzes, o homem ocidental emancipa-se dos constrangimentos tradicionais, entrando em jogo uma concepedo linear e progressiva da historia. O progresso é uma consequéncia da propria existéncia da historia, A crise da linearidade histérica, como caminho inevitivel para o progresso, expressa a crise da ideia de modemidade e seus paradigmas fundadores. Nao ha modemidade se nfo é mais possivel falar de futuro. O fim da histéria € o fim da modernidade. advento da soviedade de consumo e dos mass media ajudou muito para 0 reconhecimento ou consciéncia (pés-modema?) de ruptura com a modernidade. A influéncia dos meios de comunicagao a dinimica da sociedade de consumo sao as principais razdes da crise da nogao de histéria e da crise das metanarrativas modernas, Contemporaneo pés-moderno? A ideia de pés-modemnidade aparece na segunda metade do século XX com 0 advento da sociedade de consumo e dos mass ‘media, associados & queda das grandes ideologias modernas e de ideias centrais, como histéria, razo, progresso. Agora, os campos da politica, da ciéncia e da tecnologia, da economia, da moral, da filosofia, da arte, da vida quotidiana, do conhecimento e da comu- nicagdo vao soffer uma modificagdo radical. O termo “pés-modemo” aparece, pela primeira vez, na esfera estética, mais precisamente no dominio da critica literéria, em uma antologia de poesia espanhola e hispano-americana de Federico de Osnis, em 1934. Em 1959, Irwing Howe pu 0 artigo “Sociedade de Massa e a Fico Pés-b onde fala da decadéncia da ficglio em meio a cultura de massa. Ihab Assan afirma que 0 termo “pés-moderno”, na literatura, aparece como critica e diferenciagao do movimento das vanguardas do alto modemismo™. Pés-modemidade a expresstio do sentimento de mudanga cultural e social correspondente ao aparecimento de uma ordem econdmica chamada de pés-industrialismo, nos anos 1940-50 nos EUA, ¢ em 1958 na Franga, com a 5*Repiiblica, Os anos 1960 sero um periodo de transigao, de reencaixe (Giddens™) das instituigdes a faléncia dos discursos. Aparecem, aqui e ali, sintomas desse mal- estar: contracultura, revolugao verde, informatizacao da sociedade, pés-colonialismo e pés-industrialismo. Para Daniel Bell", a pés-modemidade corresponde, exa- tamente, a fase pés-industrial da sociedade de consumo, onde a produgo de bens e servigos (ligados a grandes consumos de ener- gia) é modificada de acordo com as novas tecnologias (digitais) da informagao. O sociélogo americano explica sua teoria através, de estatisticas econdmicas que mostram a redugdo do namero de trabalhadores no setor secundario e o aumento deles no setor de servigos (terciério). A terceira fase do capital é aquela do capita- lismo multinacional, onde o planeta inteiro se tora uy) grande io, Entramos na terceira fase do Capital, na terceira fase da miquina, na fase da microcletréniea e da energia nuclear, A fase pés-industrial da sociedade no é uma ruptura com a dinmica monopolista de capitalismo, mas uma radicalizacao do desenvolvimento de sua propria légica. Embora essa nao seja uma ruptura com a sociedade capitalista, alguns autores aceitam a existéncia de uma nova ordem cultural. Jameson, por exemplo, considera que essa fase do desen- volvimento capitalista corresponde a cultura pés-moderna, visto estarmos diante de uma nova configuraco do Estado e da eco- nomia, trazendo, em seu bojo, uma nova forma de exercicio da politica. Para Rouanet, a politica pés-moderna seria uma “pi segmentéria, exercida por grupos particulares, politica microl6- gica, destinada a combater o poder instalado nos intersticios os mais imperceptiveis da vida quotidiana [...]”""'. A meta nao é mais a politica do universal, mas aquelas microsc6picas, politica das mi- norias, das massas que desaparecem em sua astuciosa indiferenga, como afirma Baudrillard", O sujeito busca, incessantemente, a Conquista do presente, como mostra Maffesoli, aqui e agora. Se 0 ano 2000 era “o” futuro para a geragio do comego deste século, 0 “aqui e agora” é a tnica saida para a geragdo do século que come- ‘vivemos a globalizagio do local ¢ localizacao do global. Entramos no ambiente social onde a dimensiio estética e hedonista impregna todos os aspectos da vida contemporinea. ‘A realidade social torna-se produto de processos de desma- terializacao e de simulagdo do mundo (Baudrillard), impulsionados pelo desenvolvimento de maquinas de informagio (os computado- res). Como afirma Rouanet, o homem histérico-paranoico modemo morreu, dando lugar ao homem esquizoconformista (Baudrillard) ou esquizoanarquista (Deleuze e Guattari'™), habitando um mundo de imagens hiper-reais: a sociedade do espetéculo, Como observa corretamente Lyotard, o homem pés-moder- no obedece as enunciagdes de varias ordens através de jogos de Jinguagem, escapando das formas totalitérias da razio instrumental moderna’. Lyotard vai mostrar que, na condigao pés-modema!"®, 0 conhecimento cientifico entra em crise das préprias metanarrativas. A ciéncia pos-modema (p6s-newtoniana) procura novas formas de consenso naquilo que o fildsofo francés chama de “paralogia”. A ciéncia moderna, segundo ele, foi construida na sintese do discurso e do empirismo, procurando 0 consenso, a eficiéncia, a certeza e ismo. Ao contrario, a ciéncia pés-modern: caos, as logicas nao denotativas, 0 paradigma cibemnético-infor- macional, a teoria dos jogos, a mecdnica quantica, a matemética fractal etc.) legitima-se pelo paradoxo e pela paralogia, revelando © heterogéneo ¢ a diferenga. A questo no é mais “de conhecer 0 que € 0 adversério (a natureza), mas saber qual jogo ele joga”", A ciéncia pés-moderna torna-se uma espécie de ciéncia do desconti- rnuo, do catastr6fico, do castico, do complexo e do paradoxal, Essa nova ciéncia, afirma Lyotard, ‘“‘sugere um modelo de legitimacaio que ndo é aquele da melhor performance, mas aquele da diferenga compreendida como paralogia Em termos filoséficos, Nietzsche é o primeiro a produzir uma critica significativa da razio modema e do projeto apolineo da modernidade, opondo a ordem moderna ao passado arcaico- dionisiaco da forga vital e do éxtase. O niflismo corresponde auma izago de valores vitais da sociedade contra 0 poder aneste- siante da razio ¢ da moral modemas, O culto a Dioniso representa o fim do principio de individualizagao, a vitbria do polimérfico. No mesmo sentido caminha a filosofia de M. Heidegger, a0 mostrar que o pensamento ocidental é uma maneira de esconder o ser em detrimento do ente, através da destruiglio da metafisica (a razio filos6fica) pela ciéncia objetiva (a razio cientifica). ‘Nos anos 1960, a filosofia de Nietzsche e de Heidegger so amplamente difundidas nos Estados Unidos, na Franca e na Ale- manha, dentro da corrente pés-estruturalista, onde autores como Derrida, Barthes, Foucault, Deleuze, Castoriadis ou Guaitari vio criticar a razdio moderna a partir de perspectivas diferenciadas. Critica-se a superioridade da razfo, da ciéncia e da técnica na mo- demidade ocidental ; No campo das artes, Jameson faz referéneia as mudangas em todas as dreas: a poesia de John Ashbery nos anos 1960 em oposi¢ao 4 poesia académica; a arquitetura de Venturi contra a arquitetura modetna ¢ 0 International Style, a arte Pop de Andy Warhol, a miisica concreta e minimalista de John Cage e Phillipe Glass, 0 punke a New Wave, o cinema da Nouvelle Vague, a literatura com ‘Thomas Pynchon, entre outros. A arte pés-modema aparece como um modo de protesto contra a arte do alto modernismo, que con- quistou galerias de arte, museus e academias. ; ; Uma das caracteristicas proeminentes da arte pés-modema é a quebra de fronteiras entre a alta cultura e a cultura popular ou de massa, © pés-modernismo dos anos 1960 ¢ fruto de uma vanguarda andrquiea, instituindo-se como uma ruptura com a institucionali- zagio oficial da cultura (entendida como artes e espeticulos). Os artistas comegam a descobrir as possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias a partir da videoarte, da fotografia, dos satélites, e dos computadores, como veremos mais adiante no capitulo sobre arte eletrénica. Como afirma E. Subirats, o fim das possibilidades revolucio- narias das vanguardas do comego do século XX, 0 pés-modernismo nio olha mais o passado sob 0 signo da parédia, mas sob 0 r6tulo do pastiche, Dessa forma, a cultura pos-modema nao se prende a dimensio historica do futuro, mas ancora-se no presente, revisi- tando 0 passado. Espirito da época, a arte da pés-modemidade é a arte do “aqui e agora”, performética, participativa, aproveitando 0s objetos do dia a dia. Para Jameson, a pés-modernidade caracteriza-se por uma inversto do milenarismo e pelo fim das grandes ideologias. Com a crise da ideia de futuro, as duas chaves para entender a mudan- 1a espacotemporal da pés-modernidade so, segundo o autor, 0 Festishe e a exquizof nia que os artistas na tem nada mais @ inventar, a tinica possibilidade esta nas combinagdes miiltiplas, nas colagens, nos happenings ¢ nas performances. ; ‘A partir de uma perspectiva lacaniana, mostrando que hoje estamos diante de uma desconexdo linguistica e de uma desconexio do individuo em relago a uma sucessdo temporal, Jameson propde a ideia de uma esquizofrenia pés-modema. Como a continuidade temporal esté quebrada, a experiéneia do presente fica mais forte, intensificando a frustracdo e o desespero. A experiéncia esquizo- firénica da pés-modemidade é a experiéncia de uma temporalidade descontinua, uma experiéneia temporal onde hé uma desestabiliza- fio acelerada das personalidades em ruptura com a fase inaugural de modernidade. Nesta, o poder valores, os prine{pios ideologicos ¢ co de coesiio social através do fortalecimento do individualismo e do racionalismo cego a complexidade. Maffesoli, por exemplo, mostra como a pés-modemidade & caracterizada pelo advento de tribos em franca oposigdo a figura, moderna do individualismo. Para Jameson, também a morte do sujeito, ou o fim do individualismo, é um dos cor importantes da pés-modernidade. E justamente 0 dualismo que dé forma a pos-modernidade social, Para dar conta das relagGes sociais contempordineas, nfo podemos falar mais a partir de uma perspectiva individ mecanica qu atentos aos multiplos papéis dos sujeitos sociais. Estes configuram- se como estruturas complexas ¢ orginicas qu formas, recusam-se a reconhecer-se em algum projeto politico, em qualquer finalidade ideolégica ou ut6pica, A preocupagao é com o aqui e agora, com um presente vivido coletivamente. Podemos falar Para Kroker, 0 contemporineo é marcado por cenas de panico. A cultura pés-modema é vista como excesso, desperdicio, despesa improdutiva, Ela é marcada por um pela sedugdo, sendo uma interface entre 0 éxta entre a melancolia das grandes narrativas ¢ o niilismo estatico, entre a pristio de corpo e o prazer de corpo, entre a fascinacdio € 0 Jamento, Essa cultura seria aquela do excremento (Kroker), uma cultura em ruinas, imersa na efemeridade das cenas de panico (panie scenes)!" Sinais dessa cultura so numerosos na moda, nos videoclipes, nas doengas sexuais, no fim da grande arte, nos novos uusos da informatica Para Kroker, esse ¢ 0 momento de implosio e de inversio, onde a sensagao mitica do primitivo é reconectada a sociedade tecnolégica, numa simbiose entre um hiperprimitivismo, expresso de mitologias (0 carnaval, 0 dionisiaco), e um hipertecnologismo, em diregao as tecnologias do virtual (imagens de sintese, realida~ de virtual, multimidia, ciberespaco etc.). Para Kroker, “quando a tecnologia e sua fase ultramodemista conectam-se de novo a0 tico radical do primitivismo, nio se trata mais do mundo baudrillardiano do simulacrum e hiper-realismo, mas de uma nova cena de tecnologia virtual e o fim da fantasia do Real A pos-modernidade é o terreno de desenvolvimento da ciber- cultura, Ela se caracteriza por uma codigo sociocultural que se insereve nessa cena de panico de que nos fala Kroker, instituindo uma nova forma de relago espagotemporal. O espago e o tempo pés-modernos nao podem mais ser percebidos como seus correlatos modemos. David Harvey desenvolve a tese de acordo com a qual ‘uma mudanga cultural (espagotemporal) est em marcha desde, pelo menos, a década de 1970 com a estabili Na modernidade, o tempo ¢ linear (progresso e histéria) e 0 espaco ¢ naturalizado e explorado enquanto lugar de coisas (direea0, distancia, forma, volume). Na modernidade, o tempo ¢ um modo de jé que o progresso, a encamagao do tempo linear, implica a conquista do espago fisico. Na pos-modemidade, o sen- timento € de compressio do espaco e do tempo, onde o tempo real (imesiao)e as redes telemiticas desterrtorializam (sep izam) © ambiente comunicacional contemporaneo Podemos dizer que a aventura das “novas tecnologias de comunicacio” (NTC) teve seu boom nao no século XX, como pensamos comumente, mas no século XIX. Aqui, por meio de artefatos eletroeletrdnicos (telégrafo, ridio, telefone, cinema), 0 homem amplia o desejo de agir a distancia da ubiquidade. A ideia de Brecht sobre o rédio parece ser bem esclarecedora desse desejo. Ele vai afirmar o potencial reliante, social e comunitario desse media, embora, na pratica, esse nunca tenha sido plenamente realizado. Essa utopia brechtiana esti transformando-se em uma verdadeira topia com 0 ciberespaco, Os media podem ser considerados como instrumentos de si- mulago, formas técnicas de alterar 0 espaco-tempo. Sera no século XIX que diversas inovagées medidticas aparecerdo, comegar em 1837 com 0 telégrafo elétrico, o telefone em 1875, o telégrafo por ondas hertzianas em 1900 ¢ um ano antes, o cinema, Em 1964, 0 de comunicag’o, o Telstar, revoluciona nossa visdo de mundo ¢ instaura um espaco de informago cobrindo todas as reas do planeta. A grande novidade do século XX seré as novas tecnologias digitais e as redes telematicas", que chamamos de novas tecnologias'™ de comunicagao e informaco surge a partir de 1975, com a fustio das telecomuni- cagBes analégicas com a informitica, possibilitando a veiculacao, sob um mesmo suporte ~ 0 computador -, de diversas formatagdes de mensagens. Essa revolugao digital” implica, progressivamen- te, a passagem do mass media (cujos simbolos sao a TV, 0 ridio, imprensa, o cinema) para formas individualizadas de produgiio, difusto ¢ estoque de informagao. Aqui a circulagto de informagdes, no obedece a hierarquia da arvore (um-todos), e sim & multiplici- dade do rizoma (todos-todos)'™. As novas tecnologias de informagao devem ser consideradas em funedo da comunicacao bidirecional entre grupos e individuos, escapando da difusdo centralizada da informagao massiva. Vérias tecnologias comprovam a faléncia da centralidade dos media de ‘massa: 0s videotextos, os BBSs, a rede mundial Internet em todas as suas particularidades (Web, wap, chats, listas, newsgroups, MUD3...). Em todos esses novos media esto embutidas nog&es de Pensar essa nova forma de comunicagao exige esforgos teéricos consideriveis. Alguns autores contemporaneos fizeram tentativas nesse sentido. Mas tudo comegou com McLuhan. Para opensador canadense, os media modificam nossa visdio do mundo. Ele mostrou como a imprensa transformouo mundo da cultura oral, da mesma forma como a eletricidade estaria modificando o que ele chama de media do individualismo e do racionalismo, a imprensa de Gutenberg. Para McLuhan, a eletricidade faz do mundo uma aldeia glo- bal, ao mesmo tempo que estaria retribalizando a experiéncia social Estariamos entrando na era da simultaneidade e da tactilidade, numa integragao total dos sentidos, deslocando-nos do paradigma meedinico a0 orginico. McLuhan mostra como a imprensa modificou as formas de nossa experiéncia do mundo, assim como nossas atitudes mentais. Se a invengao de Gutenberg encorajou o que ele chama de narcose dos sentidos, quer dizer, a exacerbago de s6 uma sensagao (a visio para a escrita e a imprensa), os novos media estariam favorecendo a tactilidade, o retorno 4 oralidade e 4 simultaneidade. Mais ainda, se as tecnologias sto prolongamentos de nosso corpo, préteses de rnossos sentidos'™, os media so extensao do nosso sistema nervoso central A tipografia e a técnica de impressto estavam ligadas a0 ra- cionalismio e a perspectiva, pri 1d0 0 lado racional, esquerdo do cérebro. A escrita, e depois a imprensa, teriam destribalizado 0 homem. A eletrénica e, mais tarde, o que sera chamado de multimi- dia parecem ajudar a criag4o de novas formas de tribalizagao. Para McLuhan, a retribalizacdo engloba “a grande familia humana em aaldeia global. O individuo destribalizado nasceu ‘no momento em que a instituigdo da escrita fonética realizou uma dia, entendido tanto como sua vertente off-line (CD-ROM) como on-line (Intemet), & hoje o exemplo mais claro dessa simultaneidade e convergéncia. Com as tecnologias analégi- cas, a transmiss&o, 0 armazenamento e a recuperagao de informagao eram completamente inflexiveis. Com o digital, a forma de distri- buigio e de armazenamento sdo independentes, multimodais, onde a escolha em obter uma informagio sob a forma textual, imagética ou sonora é independente do modo pelo qual ela é transmitida. Nesse sentido, as redes eletrdnicas constituem uma nova forma de publicagdo (a eletrénica), onde os computadores podem produzir cOpias to perfeitas quanto o original. A ideia de original parece tornar-se problemitica a tal pon- to, que essa questdo esta embutida em problemas de copyright de obras eletrénicas, como as imagens digitais e a musica em formato 1, que 0s novos media eletrénicos . Por tecnologias da liberdade, Pool so “tecnologias da liberdade” entende aquelas que nao se pode controlar o contetido, que colocam em questo hierarquias, que proporcionam agregagdes sociais ¢ Jo no centralizada, Assim, por iberdade de navegagao do usuario iza distingSes classicas entre leitor e autor. Diante de uma obra multimidia em CD-ROM, ou diante das home pages da Internet, nao nos colocamos mais como leitores de uum livro ou espectadores das formas clissicas do espetaculo, Agora, devemos, para que haja acontecimento, vere interagir, simultanea- mente, com a obra. Esse agir se dé através da interatividade digital (licar em fcones dos mais diversos), como veremos adiante, Pode- ‘mos, também, manipular cada uma das formas medisticas & vontade, e de forma independente (som, imagens, textos). Tomamo-nos nfo mais leitores, no sentido estrito, mas atores, exploradores, navega- dores ou screeners como prefere M. Rosello'™, A aedo nfo obedece necessariamente a percursos detemminados a priori a linearidade), ‘mas pode ser feita por desvios, conexdes, adig6es (links), como uma forma de passeio pelo espago cibernético, como um fléneur digital, 0 ciber-flaneur. Voltaremos mais tarde a essa discussio. Como diziamos, para MeLuhan, a cultura do erente com 0 processo de racionalizago da modei século XV, resultando na organizacao do espago e do tempo sobre uma base filos6fica de tipo modera. Como vimos, a modemidade afasta a tradigfo, investindo numa visto utépica e racionalista do futuro. Essa tendéncia foi impulsionada pela imprensa, coma padro- nizagdo de caracteres que poderiam ser reprodutiveis ao infinito, e pela perspectiva, que coloca o olho humano como centro, ou ponto privilegiado da visao. ‘A cultura do impresso, que vinga do século XV até fins do século XX, separou a visualidade (a leitura silenciosa) da oralidade (a leitura em voz alta), como a separacao do texto da musica. Os caracteres de repetitibilidade, de continuidade e de légica, presentes za cultura do impresso, sao derivados dos mesmos caracteres presen- tes nas ciéncias matematicas ¢ na fisica classica. Isso caracteriza a propria tecnologia da modemnidade: homogeneizag4o, padronizaga0, enarcose (um s6 ponto de vista, como na perspectiva renascentista) Como explica McLuhan, “a homogeneizacio dos homens e dos objetos vai se tornar o grande objetivo da era de Gutenberg, como fonte de uma riqueza e de um poder que ndo conheceram nenhu- ma outra época e nenhuma outra tecnologia”. A tipografia seré, por sua vez, 0 instrumento do individualismo dentro da sociedade moderna. O impresso é a tecnologia de individualismo que se Ie (66), em siléncio, para si? (Os computadores em rede parecem ir na diregdo oposta aquela da cultura do impresso, estando mais proximos do tril ‘escrita e imprensa, Podemos dizer que a dinmica social atual do ciberespago nada mais é que esse desejo de conexao se realizando de forma planetéria, Ele é a transformagiio do PC (Personal Computer), © computador individual, desconectado, austero, feito para um n individuo racional e objetivo, em um CC (Computador Coletivo), os computadores em rede. Assim, a conjunedo de uma tecnologia retribalizante (0 ciberespaco) com a socialidade contempordnea vai produzir a cibercultura profetizada por McLuhan. Parece que a homogeneidade e 0 individualismo da cultura do impresso cede, pouco a pouco, lugar 4 conectividade e retribalizagdo da sociedade. Como mostraremos, a estrutura piramidal do poder medié- ico massivo torna-se disfuncional na emergente cibercultura. Nao & 8 toa que assistimos a fusdes das mais diversas entre os gigantes da telecomunicacao e os provedores de conteiido, como a recente compra da Times-Wamer pelo provedor de acesso americano AOL (American Online). Os gigantes buscam se recolocar na nova configuragao tecnossocial, percebendo que a cibercultura (dis imediata, multimodal, rizomatica) requer a transversalidade, a des- centralizacao, a interatividade, Como afirma Lévy, ela é universal sem ser totalitéria™, tratando de fluxos de informagao bidirecionais, imediatos ¢ planetirios, sem uma homogenizagao dos sentidos, potencializando vozes e visdes diferenciadas. Com a contragao do planeta pelos novos media di transformamo-nos no numa tinica aldeia global, mas em varias € idiossincraticas aldeias globais, devido principalmente a imploso do mundo ocidental pelo efeito das tecnologias microeletrOnicas. Nao se trata de bens materiais, matérias-primas e energia retiradas da natureza, mas de informagGes traduzidas sob a forma de bits, imateriais, abstratas, lidas por uma metaméquina (0 computador, 0 ciberespaco). Atualiza-se, com o ciberespaco, o grande sonho enci- clopédico de, em um tinico media, armazenar todo 0 conhecimento zadoras do poder podem se estabeleve Para McLukan,aintrati- vidade (embora ele ndo utilize essa palavra) situa-se em termos de media quentes ou frios. Os media quentes sio aqueles que permitem pouca ou nenhuma interagdo do espectador. So media de alta defi- nigo onde nao existe possibilidade de intervengdo. Nesse sentido, 05 media quentes so 0 rédio, o cinema, a fotografia, 0 teatro € 0 alfabeto fonético. Por outro lado, os media frios so aqueles em que a interatividade é permitida, deixando um espago onde os usuarios podem preencher. Sa0 media frios a palavra, a televisdo, o telefone € 08 alfabetos pictogrificos. Nesse sentido, as tecnologias de ci- bercultura so media frios, interativos e retribalizantes. Nao é por aacaso que 0 tribalismo da socialidade contemporanea (Maffesoli) alimenta-se da poténcia reliante das tecnologias da cibercultura, A cibercultura ser uma configuracdo sociotéenica onde ha- veri modelos tribais associados as tecnologias digitais, opondo-se ao individualismo da cultura do impresso, moderna e tecnocratica. Com a cibercultura, estamos diante de um processo de aceleraco, i¢40 do espaco homogéneo e delimitado por ffon- ‘modemidade ocidental. No entanto, essa conect nfo ¢ isenta de criticas. Jean Baudrillard, por exemplo, tem uma visto muito menos encantadora que McLuhan e, de forma bastante pessimista, vai propor que, com as novas tecnologias digitais de comunicagao, estariamos diante nfo de uma retribalizacao, mas de uma mera circulagdo de informagdes. Esta nos faz individuos terminais que comutam entre si, sem nenhuma interago. Para Baudrillard, 0 erespago sé permite simulagdo de interago, e no verdadeiras interagdes. Para 0 polémico pensador francés, os novos media au- ‘mentam a espiral destruidora e autista da comunicagao, proximo, como veremos, das posigdes de Lucien Sfez.e Paul Vi O pensamento baudrillardiano € aquele do excesso: quanto mais trocamos informagGes, menos estamos em comunicagaio. Trocamos o real pelo hiper-real, a verdadeira comunicagao por sua simulacdo. Estariamos diante de uma encefalaco eletroni- ca, onde o real desaparece com a instituigdio do seu simulacro. No mesmo sentido, para Paul Virilio, as novas tecnologias do tempo real, do ao vivo (Jive), estabelecem uma institucionalizaga0 do esquecimento (industrialization de I'oubli), j4 que elas reque- rem respostas imediatas, nao privilegiando a reflexiio, o debate ou mesmo 0 exercicio da mem6éria. Na sua Esthétique de la Disparition™, Paul Virilio mostra que as novas tecnologias privilegiam o fluxo de dados que circu- lam no ciberespago de forma instantanea, sendo regidas, assim, elo reflexo, e ndo pela reflexdio ou a meméria. Virilio afirma que ‘mais 0 saber cresce e mais o desconhecido aumenta ou, melhor dizendo, mais se precipita a informagao-nimero, mais nés somos ientes de sua esséncia incompleta fragmenta com as computadores, é a informagio que é transportada, mas nao as sensagdes. O processamento dos dados é& sinal de uma apatheia, fazendo com que, quanto mais informado esteja em, mais, ao seu redor, cresga o deserto do mundo. Para Virilio, “o pensamento coletivo imposto pelos diversos media visava aniquilar a originalidade das sensacOe! im estoque de informagdes destinado a programar suas memérias”!™ Virilio afirma que o tempo real e a velocidade mudaram a relagdo do homem com o ambiente urbano, social e cultural. O usuario eqntemporaneo das tele ias tomnou-se um receptor passivo, tendo que responder a estimulos imediatos. Isso causaria uma compreensdo parcial das situagdes as quais ele estd exposto (imagens televisivas, informagdes do ciberespaco). Ele entra no conde o tempo real conduz “o desaparecimento da consciéncia como percepgdo direta dos fendmenos que nos informaram sobre nossa propria existéncia” Sob a batuta do tempo real, a sociedade contemporinea estaria imersa na pura circulagdo de informagao, gerando um pro- cesso de mera comutagdo™, No entanto, a circulagio da informa- go processa-se de forma entrdpica e virética e, talvez, seja essa virose digital o que possa impedir a destruigao total, como afirma Baudrillard. a existéncia contemporinea esté imersa em uma espi iva. Quanto mais meios de comuni- ‘cago temos ao nosso dispor, menos comunicamos. A informatizagao da sociedade seria a encamagio da racionalidade moderna, oni panopticom do Big Brother se insere na cultura contemporane real torna-se a vitima de um crime quase perfeito'™. Essa sociedade de comunicago generalizada é vivida sob 0 signo das obscenidades e da radicalizacao da sociedade do espe- téculo'®. A obscenidade comega mais precisamente com o fim da sociedade do espetdculo, onde ndo existe mais nada para ver, onde no hi mais ilusdo, pois tudo tomou-se transparente e visivel. Essa seria a maior de todas as obscenidades, tudo ver, quando nao hi mais nada para ser visto. Como mostra Baudrillard, “ndo estamos mais no drama da al este éxtase é obsceno”'**, Ainda segundo Baudrillard, “caminha- mos para um mundo inteiramente funcional, operatdrio, racional, 0, sem 0 minimo buraco, de uma transparéncia total, logo, tanto, a crit nalizacao técnica do so \guagem nao autorizam fetagao definitiva do fenémeno técnico. Segundo Mur- phy, € através dos jogos de linguagem que existe a possibilidade de escapar ao mundo téenico, unidimensional, pintado por Baudrillard e Virilio. Para Murphy “o que Baudrillard visivelmente esqueceu é que a técnica [...] ndo afeta os individuos de maneira causal. Dito de outra forma, um fenémeno no tem nunca um impacto direto sobre 0s individuos, e isso porque a imaginagao ¢ indissociavel da realidade. [...] arealidade é apenas uma interpretago que dura”, ‘A comunicagao mediatizada pelas novas tecnologias, como a Internet, por exemplo, criaria para Baudrillard um deserto soci assim como a velocidade cria para Virilio o deserto no espaco"”. Para Baudrillard, os modelos de simulagao se degradam na forma moderna, técnica e estéril, que ele chama de comutagao. Contudo, a atual efervescéncia das redes de computadores ndo pode, sob risco de uma simplificagdo grosseira, ser reduzida a simples comu- taco entre os usuarios. Na fria infraestrutura tecnolégica, parece infiltrar-se toda a dinémica da vida social contempordnea. Mas néo existe a circulagio pura, jé que o imprevisto, o excessivo, 0 cadtico sempre podem aparecer e trazer resultados inesperados. O caos é 0 carrasco do determinismo, Hoje, 0 ciberespago parece ser a consequéncia mais ébvia desta auséncia de pura circulaciio, Como veremos, o ciberespago info é s6 um espago de comutag3o, Exemplos pululam nesse senti- do: chats, MUDs, foruns, newsgroups. Todos de contetidos os mais diversos (académico, erético, revolucionério, marginal, politico ou de lazer). O ciberespaco nao € o deserto do real, assim como niio é © fim da comunicagao ou do social. Da mesma forma, os virus de computador, como também as piratarias dos hackers, so expressoes fortes dessa improvisagao tecnossocial. Baudrillard percebe esses fendmenos como possibilidade de escapar ao desastre total, ao crime perfeito, Os virus, como os hackers € suas invasées espetaculares, seriam a expresstio mais mortifera (e assim, vital) dessa transparéncia e circulagao pura da informagao. A assepsia poderia nos conduzir, de acardo com Bau- drillard, em direcdo a uma purificagao tecnolégica de nossos corpos e subjetividades. Essa assepsia pode tornar-se mesmo mortal, pois 6, justamente como nos organismos vivos, pela supressio da hetero- geneidade dos sistemas que eles s4o conduzidos & morte. Os virus, como as agées dos hackers, so desastres efémeros e infecciosos que vio tentar evitar o grande desastre, Para Baudrillard, “o virtual ‘al caminham juntos a recente irrupgo dos virus eletrénicos oferece uma anomalia remarcdvel: diriamos que existe um prazer moleque das méquinas em amplificar, ou em produzir efeitos perversos, em exceder suas finalidades pelas suas préprias operagiies. Existe ai uma peripécie irdnica e apaixonante. Pode ser que a inteligéncia artificial se parodie a ela mesma nessa patologia viral, inaugurando aqui uma espécie de verdadeira inteligéncia”™ O que mobiliza o imaginario social da cibercultura é essa viruléneia da informagao, que se di de varias formas: por virus de computador, pelos ataques dos hackers (estes gostam de atacar instituigdes que encarnam o espirito da modemidade), pelo erotismo do cibersexo, pelo transe dos diversos estilos da misica tecno, pelo excesso de informacdo no ciberespago. E devido a essas varias for- mas de viruléncias e de apropriagSes que a racionalidade do sistema, sua transparéncia total e mortifera, nao atinge completamente 0 apogeu. Vemos, assim, que é por essa atitude virulenta, presenteista e comunitéria que a vida social contempordnea evita sucumbir a0 deserto da técnica, Ai esté o que caracteriza a cibercultura do final de século XX. Como afirma Baudrillard: “A verdadeira catéstro- fe, a catistrofe absoluta, seria a onipresenga de todas as redes, a transparéncia total da informacdo, as quais, felizmente, os virus da informatica nos protegem”™, A ccibercultura é uma configuragdo sociotéenica de produgao de pequenas catistrofes que se alimentam das fusdes, impulsdes € simbioses contemporaneas: 0 usuério interativo da cibercultura nasce do desaparecimento do social (Baudrillard) e da implosio do individualismo moderno. Homens ¢ méquinas (nanotecnologias, préteses) tornam-se quase isomérficos, simbiéticos, indiferencia- dos. O tribalismo, o presentefsmo e o hedonismo das comunidades virtuais abalam a rigidez. das formas soci classes, género). A cibercultura seria is modemas (partidos, incluso de pequenas catés- ica mundial. Tudo isso em tempo real, instantaneo. Como afirma Lévy, ‘a nogo de tempo real, inventada pelos técnicos em informatica, resume bem o espirito da informitica: a condensagao do presente sobre a operagao em curso. [...] Por analogia com o tempo circular da oralidade priméria e 0 ‘tempo toricas, poderiamos espécie de implosdo cron , de um tempo pontual pelas redes informaticas’ 192 Lucien Sfez'® vai acompanhar 0 pensamento de Vitilio ¢ Baudrillard. Para Sfez, estariamos vivendo o épice da faus- tiana, que ele prefere chamar de Sociedade Frankenstein. A questo da critica da comunicagao deve, com razo, se deslocar para uma critica da tecnologia através de trés formas: a metéfora do “avec” (a técnica é exterior ao homem e é com ela que o homem molda o real), a do “dans” (0 homem esté dentro de um ambiente de méquinas de comunicar e s6 existe ali) e a do “par” (o homem s6 existe pelo objeto técnico)!. E esta tltima metifora que ele chama de rautismo (neologismo entre tautologia e autismo) seria essa a metéfora mais apropriada para descrever a comunicag4o contemporinea. Como Baudrillard, Sfez pensa a comunicagio como uma moribunda morrendo por excesso. Com as novas tecnologias, es- tariamos vendo o nascimento de um Frankenstein tecnolégico que institui a repetigao e o isolamento, o tautismo. Lucien Sfez propoe que a comunicarao contemporinea é marcada pelo imperativo tecnoligico, agora sob a forma de fecnologias da mente. Essas produzem uma forma simbélica, o tautismo, como repetigo ¢ iso- lamento patologico do mesmo, tomando-se o simbolo da cultura contemporane: A sociedade da comunicagao, regida pela ameaga do Frankenstein, cria uma cultura tecnoldgica onde as tecnologia potencializam, ao mesmo tempo, a troca de informagdes e a de- bilitagao da comunicagao: “A comunicacao morre por excesso de comunicagiio e se acaba em uma interminavel agonia de espi Trata-se mesmo “do fim da comunicagao’ ‘No entanto, é essa troca de informagées entre individuos ou grupos ordinarios que compe a singularidade daquilo que Léo Scheer chama de Civilizagdo do Virtual, em oposigao as visdes de Baudrillard, Virilio e Sfez. Essa Civilizaggo é aquela onde a informagao ¢ privada de seu vinculo a um sentido (j4 que tudo é convertido em bits), perdendo toda referéncia a0 real, podendo cir- cular mensagens num jogo ilimitado de figuras caleidascépicas. As novas tecnologias eliminariam a opacidade do sujeito e do objeto, grande mito da modemnidade foi o sonho de uma socieda- de de comunicag’o transparente, em que a difustio da informagao se da através de redes cibernéticas. A ideia de uma comunicacio racional, instituindo uma sociedade iluminada e sem ambiguidades é,no fundo, um sonho totalitério. A transparéncia elimina 0 jogo de dualidades. Hoje, o mito da neutralidade técnica ¢ transformado pela apropriago didria e a dindmica da sociedade contempordnea. Esta nd nos permite falar de uma sociedade homogénea ou transparente, tautista ou Frankenstein. Léo Scheer, analisando 0 que ele chama de ci izagto do virtual, éxplica que entramos na crise da nogdo de histéria com a queda do muro de Berlim. Assim, se no hé uma histéria, 0 sujeito histérico desaparece, assim como a nog de Estado Nagao, afetando a dimensao politica, traduzindo-se numa desconexo entre esta ¢ 0 quotidiano. Para Scheer, os #élécitoyens so 0 simbolo mesmo do fim das grandes narrativas da modemidade e o comego das pequenas : ainformética, a historias, sustentando-se sob trés comutagdo e a comunicagio, subst representados pelo exército, pela familia/produgao e pela religiao. A sociedade virtual seria a sociedade de comunicagao (fun- dada na redundancia da difusio da mensagem); a sociedade da informagao (fundada no estereétipo do terminal) e a sociedade de comutagiio (de equivaléncia entre o emissor e o receptor na rede). Para Scheer, a sociedade virtual é a sociedade em que “a inteligén- cia do central coloca o usuério no desafio de produzir seu préprio espeticulo, seu proprio imaginério, seu préprio desafio. Assim, este modo reconstitui um tecido comunitario””. tual, para Léo Scheer, marca a cibercul- tura, criando ainda trés excessos que colocam as vises dos seus conterrineos franceses em desafio: um excesso de informagao, um excesso de tecnologia e um excesso do social. A desmaterializagao da ordem natural das coisas pela numerizagao generalizada pode set vista como uma transgress4o da realidade pela liberagao do exces so potencial ou virtual da informacdo, havendo um descolamento dos constrangimentos materiais (imagens de sintese, simulago, realidade virtual). A abundancia de informagdes e de tecnologias informacionais, criadas e geradas constantemente no ciberespaco, faz. enttar em jogo a dépense (Bataille). Por mais paradoxal que seja, a tecnologia microeletrénica co- loca a civilizago contempordinea no excesso, na despesa improduti- va, na orgia de eédigos'**, Nesse sentido, a sociedade da informagao nao se interessa mais pelo politico, havendo uma separagao entre contrato moderno e 0 tribalismo organico e grupal das sociedades contemporaneas. Estas so refratarias &s promessas ideol6gicas, aos programas e partidos politicos tradicionais. Elas se aproximam mais, Ga tribo, ligada por mitologias, e nao por ideologias. Estamos aqui no que Scheer chama de excesso do social, nao morte do social No imagindrio tecnolégico modemo, do qual Sfez, Bau- illard € Virilio sao os herde esté fechada em um sistem: geneizada pela razio teenocritica. A Escola de Frankfurt de forma oportuna, o cardter homogeneizante da tecnologia e dos media, assitn como o perigo da vinculacao entre tecnologia e poder. Os elementos vitais de uma sociedade (a orgia, a violéncia, a comu- nidade, 0 jogo agonistico) seriam eliminados pela raziio cientifica instrumental e pelo totalitarismo de desempenho tecnoldgico. Entretanto, como veremos, a objet dugdo exata da realidade, projetada a prio Jocais e miltiplas. As mais contundentes expresses esto presentes na dimensdo quotidiana, onde diversas tribos acham seus nichos em meio aos intersticios do desenvolvimento tecnolégico. Esta cibercultura, a que existe e esté ancorada no dia a dia, no se vé na metifora da sociedade Franskestein, ta como pretende Sfez. Ela nao é representada também pela sociedade onde a comunicagao desaparece através de seus excessos comunicativos e sociais, como afirma Baudrillard, Ela esté ainda distante da constituigo de uma izaao do esquecimento, como mostra Virilio. Embora os pe- rigos visualizados por esses pensadores sejam reais, a cibercultura contempordnea parecer ser, hoje, irredutivel a essa visio. Aqui, 0 mundo da vida insere-se no deserto do real da tecnologia. Todo o impacto da cibercultura esta na simbiose paradoxal entre tecnicidade e socialidade. Ela pode ser mesmo compreendida como a expressio tecnocultural desta Civilizagao Virtual, pondo em marcha ‘um processo de apropriago e de construgao de tecnossocialidades, ou cibersocialidades. Podemos dizer com Mercier que “os usuarios no se contentam em se submeter A técnica. FE seu papel supera aquele de escolhas elementares do tipo adquirir/nao adquirir, ou utilizar bem/ nao utilizar [...] 0s novos objetos técnicos. Sao eles que, pelas priticas que eles vao progressivamente desenvolver e afinar, determinario, no final das contas, a incidéncia efetiva das novas tecnologias sobre a transformagao de suas vidas quotidianas. Existe ai um processo de [ reapropriagdo mais ou menos consciente das téenicas que 0 piiblico nem concebeu, nem explicitamente desejou"". oe Os novos media (digitais) aparecem com a revolugio da microeletrénica, na segunda metade da década de 1970, através de convergéncias ¢ fusdes, principalmente no que se refere & infor- matica & as telecomunicagdes". Os media digitais vao agir em duas frentes: ou prolongando e multiplicando a capacidade dos tradicionais (como satéites, cabos,fibras épticas); ou criando novas tecnologias, na maioria das vezes hibridas (computadores, Minitel, celulares, pagers, TV Digital, PDAs etc.). Podemos dizer que o termo “multimidia interativa” expressa bem o espirito tecnoldgico da época, caracterizando-se por uma 0s, infiltrados de chips e memérias opde-se 0 modelo Todos~ "Todos", ou seja,a forma descentralizada e universal (tudo pode ser convertido em bits ~ sons, imagens, textos, de circulagao das informagées. novos media permitem a comunicagao individualizada, jizada e bidirecional, em tempo real. Isso vem causando mu-

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