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História Da Filosofia I
História Da Filosofia I
Ribeirão Preto
2022
Introdução
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Discussão
Dessa forma, o filósofo se fundamenta na ideia de que o ser que conhece seria o pólo
irradiador do conhecimento, de modo que a realidade estaria, a priori, nele mesmo, sendo
alcançável por meio da razão na obtenção de ideias. Fundamentado nesta noção, o filósofo
parte do paradigma matemático e assegura o valor do método e do rigor científico que a
própria ciência como um todo herdaria. Este fazer científico busca basear-se em evidências
obtidas a partir do uso metódico da subjetividade do sujeito, por meio da condução rigorosa e
lógica do raciocínio de tal modo que as idéias se constituiriam de forma independente da
experiência dos sentidos. Sua concepção constituiu as bases da investigação científica que
repercutem até os dias atuais, buscando nesta ideia de controle metódico da subjetividade do
sujeito, estabelecer uma uma postura objetiva que eliminaria a arbitrariedade e acaba por
teoricamente cindir sujeito e objeto na busca pela verdade.
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Concomitantemente, concebendo a subjetividade estruturada na unidade da razão, a
dúvida é estabelecida como ato fundamental da constituição do saber. Este duvidar o levaria à
verdade sobre a própria existência da subjetividade, de modo que o filósofo encontra na
própria consciência o meio de partida da obtenção do conhecimento. Esta concepção se
fundamentaria na elaboração descartiana que concebe o homem por meio de um dualismo,
propondo a existência da alma (substância pensante) e do corpo (substância extensa) de
forma independente. Essa cisão determinaria o processo de desenvolvimento do
conhecimento de modo conceber uma separação entre sujeito e objeto, tal como se manifesta
na elaboração do método como discutido. Neste sentido, como a subjetividade se afirma
existente por si mesma, o sujeito que conhece, conhece a priori apenas a si mesmo, estando
separado do mundo exterior. Disto, deriva o cogito cartesiano “Penso, logo existo” do qual
ela parte, já que este o sujeito conheceria a priori apenas a si mesmo, reconhecendo que existe
a partir de sua própria capacidade de pensar. Assim, a partir do duvidar, descobre-se a
subjetividade, concebida na ótica da cisão entre alma e corpo; sujeito e objeto; mundo das
ideias e mundo dos sentidos, o que o nos leva ao conceito de representação, que caracteriza o
idealismo cartesiano e a sua concepção de homem e mundo como discutida.
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mas ainda sim se realizando por meio da experiência. Nisso, se justifica sua afirmação do
homem como uma tábula rasa, isto é, uma folha em branco com uma determinada estrutura a
ser preenchida pela experiência. Consequentemente, o conhecimento para Kant se expressaria
na maneira como a razão organiza os dados da experiência nesta estrutura universal.
É a partir desta compreensão dos limites da razão humana que pode-se refletir o
questionamento de Kant se a metafísica é possível, questão que ele busca responder em
“Crítica da Razão Pura”. Neste sentido, ele critica a metafísica existente até a sua época, já
que esta se debruçava sobre conceitos que não poderiam ser apreendidos pelo homem, tal
como a existência de deus, que escaparia às noções de tempo e espaço e das categorias de
entendimento humano. Com isso, Kant realiza o que podemos considerar como uma
revolução copernicana na filosofia, já que muda o centro da metafísica para o estudo dos
fenômenos. Dessa forma, o filósofo se debruçou sobre o estudo do conhecer e da experiência
humana (razão pura), além de suas ações concretas no estudo da ética (razão prática). Esta
última, envolveria o conceito de liberdade expresso na possibilidade do homem de agir para
além da necessidade ou causalidade. Pensando no estabelecimento de um dever moral que
serve ao próprio homem, Kant concebe o ser humano como um ser moral, mas que sendo
também um ser natural de necessidades, nem sempre age moralmente de forma espontânea. O
dever surge, assim, como forma imperativa que deve valer para toda ação moral, de modo
que toda ação deve ser tomada se for possível e desejável que ela se torne uma lei universal
(Imperativo Categórico). Com isso, a partir do uso da razão, o dever é escolhido como ação
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moral em benefício do próprio homem como manifestação de sua própria autonomia.
Considerando estes aspectos, podemos refletir como a concepção de subjetividade
estabelecida pelo filósofo carrega um otimismo característico do iluminismo que - tal como o
pensamento moderno em geral - estipula a noção de razão como forma de encontrar
autonomia e emancipação.
Além disso, a partir das contribuições do professor Furlan, é interessante enfatizar que
a filosofia kantiana inaugurou, na própria modernidade, a concepção de finitude do
conhecimento, que se contrapôs, tal como discutimos, as lacunas da filosofia cartesiana na
busca racional pelo conhecimento a partir da esforço metodológico em todos os campos do
conhecimento. Assim, de modo a se debruçar nos fenômeno, isto é, na experiência humana,
Kant separa a metafísica da fé, cujos objetos, tal como deus, a totalidade do mundo e a alma,
antes almejados pelo conhecimento metafísico, passam a ser objetos exclusivos da crença
(religião). Logo, na concepção de Kant é possível se debruçar na experiência e ações
humanas, buscando entender como o ser humano conhece, mas não o conhecimento em si
mesmo. Nesta direção, a moral passa a se apoiar na autopercepção da liberdade, que inaugura
outra ordem - a prática - que não é a do conhecimento, visto que este é determinado pela
concepção de fenômeno, no qual a ideia de causalidade é organizadora de tudo que é
percebido, inclusive do comportamento humano.
Iniciando este trecho do percurso teórico da subjetividade por Karl Marx (1818-1883),
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destaca-se que, tal como o texto de Eagleton (2002) aponta, a teoria do autor se expressa na
busca por uma filosofia prática que se propõe a transformar o que busca compreender. Isto
porque o objetivo maior é a transformação social por meio da realização da filosofia
concomitante à superação do proletariado na luta de classes, que permeia a história da
humanidade e se relaciona à própria concepção marxista de homem. Neste sentido, o
conhecer-se é explicitado como uma maneira de alterar-se no próprio ato, de modo que
conhecimento e sujeito se correlacionam na superação. Marx realiza suas elaborações de um
viés materialista que reconhece a importância material na própria prática ou saber que se
desenvolve, de modo que ao desenvolver sua produção material o homem altera o próprio
pensamento e os produtos dele. Neste sentido, a própria linguagem é uma manifestação das
práticas historicamente constituídas no contexto social, pois não há prática humana sem
ligação com o campo dos significados. Assim, na produção de sua existência, a subjetividade
da noção marxista é construída nas próprias determinações materiais históricas que
dialeticamente produzem as condições de sua produção ao longo da história.
Nesta condição, a sociedade capitalista que Marx analisa torna o trabalho uma forma
de alienação e exploração humana. Tendo a burguesia atingido o poder, as estruturas que
sustentam esta sociedade ocultam suas desigualdades por meio da ideologia permitindo sua
própria manutenção, ou seja, a classe que dispõe dos meios de produção material detém o
controle sobre os meios de produção espiritual. No entanto, as contradições que mantém este
sistema se tornam cada vez mais visíveis com o agravamento resultante de sua continuidade,
de modo que o pensamento materialista pode colaborar para alteração desta forma de
existência. Partindo disso, como a linguagem também é um produto das condições materiais,
Marx critica os próprios problemas da filosofia que se ancoram em contradições que o autor
julga serem sobretudo políticas. Afinal, quando a filosofia se torna ideologia, na realidade o
que faz é desviar o foco dos conflitos históricos em favor do campo do espiritual ou oferecer
uma resolução desses conflitos num plano meramente imaginário. Em oposição a isto, a
filosofia marxista se afirma materialista em oposição às filosofias idealistas que sustentam
concepções de homem convenientes à própria manutenção do sistema.
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partir da própria linguagem pouco se relacionam a transformação da condição de existência
humana. Assim, a noção de subjetividade e mundo marxista estabelece uma relação
indissociável e dialética entre estes, já que o mundo concebido enquanto contexto social
formata as subjetividades que nele podem se manifestar ao mesmo tempo que é transformado
por elas. Logo, esta subjetividade encontra-se no meio de relações sociais que a compõem de
determinada forma e é a perspectiva crítica destes processos sociais que pode contribuir para
o desenvolvimento de uma consciência que enfrente as ideologias e lute pela transformação.
Este aspecto que Nietzsche denomina e é traduzido como ressentimento tem forte
ligação com a concepção de subjetividade que o filósofo fundou em seus pensamentos. Neste
sentido, o filósofo disserta sobre a relação entre indivíduo e sociedade, abordando como a
consciência é um fruto do processo de civilização, levando o sujeito a sacrificar valores
individuais para viver em grupo, reprimindo seus instintos e sua própria vontade de potência.
No entanto, ao reprimir os instintos, estes são introjetados na interiorização do homem, que
leva ao desenvolvimento de um mundo interior que se aprofunda com o que não pode ser
externalizado. Consequentemente, os instintos naturais humanos selvagens, hostis e cruéis,
sendo interiorizados atormentam o próprio homem de modo a originar a má consciência que,
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por sua vez, leva ao adoecimento. Assim, para suportar esta forma de existência cria-se um
véu de falsidade, edificando um ideal que calúnia verdades e santifica mentiras.
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consciência, dos valores e das paixões tristes - que o levaram a ser acusado de materialista,
imoral e ateísta. Quanto à desvalorização da consciência em proveito do pensamento, se
destaca o paralelismo de Espinosa, que consiste na negação de qualquer ligação de
causalidade entre espírito e corpo e, principalmente, na recusa de toda iminência de um sobre
o outro. Negando a superioridade da alma sobre o corpo ou mesmo do corpo sobre a alma,
Espinosa ataca diretamente o pensamento cartesiano que concebe a centralidade do
pensamento na subjetividade moderna. Com isso, Espinosa denuncia que muito se fala do
pensamento e que pouco se sabe sobre o corpo e que em ambos os casos o conhecimento que
se tem - do corpo ou do pensamento - não ultrapassa o próprio corpo ou o próprio
pensamento. No caso deste último, enfatiza-se que isto equivale dizer que a consciência que
temos dele não ultrapassa o próprio pensamento de modo que, o que Espinosa propõe não é a
desvalorização do pensamento, mas da consciência, reconhecendo a descoberta de um
inconsciente do pensamento, profundo tal como o próprio corpo é desconhecido.
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bem ou mal se relacionam a consequências de relações que se compõem ou não com relação
a coesão do ser. Desta forma, não existe bem ou mal enquanto aspectos transcendentais,
afinal pensando a concepção de Espinosa do todo sendo uma substância só, regido por leis de
uma totalidade que é infinita e em que somos apenas modos, há apenas o bom e o mau, isto é,
aquilo que nos compõe e aumenta nossa potência (bom) e aquilo nos decompõe com relação
ao nosso corpo e reduz nossa potência (mau).
Assim, em um sentido objetivo, bom e mau são conceitos relativos e parciais sobre o
que convém a nossa natureza e o que não convém. Em um segundo sentido mais subjetivo,
envolve dois modos do existir humano, na busca ativa por construir relações com o que
aumenta sua potência (bom) ou uma existência de escravisão, vivendo ao acaso dos
encontros, angustiando-se com os efeitos que não lhe convêm e propagando este
ressentimento e destruição (mau). Desta forma, Espinosa substitui a Moral, que nasce da
ignorância tomada como dever e valores transcendentais, pela Ética. Assim, separa-se as leis
da moral do domínio e verdades da natureza, já que esta última permite a busca pelo
conhecimento - em vez da obediência - e este é a potência que permite diferenciar os modos
bom e mau do existir.
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ações (explicadas pela natureza do indivíduo afetado e derivadas de sua essência) e as
paixões (que derivam do exterior). Quando preenchido por afecções ativas este poder de ser
afetado apresenta-se como potência para agir, mas quando preenchido por paixões
apresenta-se como potência para padecer, sendo que estas potências variam inversamente.
Ainda, haveria as paixões alegres e paixões tristes que, tal como já abordado, envolvem o
aumento ou redução da potência do ser em sua capacidade de agir no contato com a potência
de outro corpo que pode ser somada ou subtraída. A paixão alegre, ainda que seja uma paixão
por ter uma causa exterior, nos aproxima de nossa potência de agir e, portanto, nos tornando
senhor delas permite alegrias ativas. Já a paixão triste é impotência e alienação, de modo que
a Ética de Espinosa busca questionar como alcançar o máximo de paixões alegres, formar
ideias adequadas e sentimentos ativos, sendo conscientes de si, de Deus e das coisas. Assim,
se esclarece a importância da elaboração de políticas de ordem individual ou coletiva que
visem, para além do acaso, a busca ativa por bons encontros (alegria).
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envolve o conceito de intencionalidade no sentido de que a consciência é sempre consciência
de algo. Isso significa que a consciência não existe sem objeto, de modo que Husserl,
contrapõe a separação cartesiana entre sujeito e objeto em relação estreita entre eles.
Aprofundado esta compreensão, em Heidegger sequer é possível dissociar sujeito e objetivo,
pois o dasein é uma extensão do próprio mundo. No entanto, para compreender o conceito de
dasein, central para o pensamento heideggeriano é interessante partir de onde parte sua
própria investigação. A questão sobre a qual o pensador se debruçou envolve o estudo do ser
(ontologia), questionando qual a essência do homem e das outras coisas, sendo a essência
associada a aquilo que se mostra. Assim, diferente da tradição metafísica moderna que
buscou respostas fora do mundo, Heidegger as busca no próprio mundo (imanente ao mundo)
e em sua obra, O Ser e o Tempo, ele busca retomar o problema do ser.
Considerando isto, ressalta-se o conceito de ente que envolve tudo quanto há, sendo
que cada ente existe de uma determinada forma, possuindo uma essência que se manifesta. Já
o Dasein, termo complexo que em uma possível tradução pode ser compreendido como
ser-aí, se refere ao próprio homem enquanto ente em seu sentido de ser, sobre o qual a obra
de Heidegger se debruça. Ressalta-se que ente e ser são elaborados de maneira distinta em
suas concepções, pois o ente seria tudo aquilo que existe, enquanto o ser não pode sequer ser
definido devido sua generalidade absoluta, de modo a ser importante o reconhecimento da
própria limitação de não se conhecer o ser.
Partindo então da busca por compreender o sentido do ser e não o ser em si, a obra de
Heidegger se debruça sobre o que é originário humano, a indeterminação. Isso porque, o
dasein é pura abertura de possibilidades ao mesmo tempo que é marcado pela temporalidade
e a finitude, pois o tempo é o que permite as coisas serem enquanto são, no caso do dasein,
uma multiplicidade indeterminada de possibilidades. O próprio mundo, conforme destaca o
glossário utilizado, deve ser compreendido existencialmente, não como soma de entes à mão,
mas como a abertura em projeto do Dasein. Dessa forma, o Dasein, lançado no mundo é
compreendido a partir das coisas do mundo. Nisto, se ressalta que o Dasein é historicamente
constituído “a partir das coisas do mundo e de seu ser-explicitado-público que lhe prescrevem
o que, para ser, deve-se fazer”. Portanto, sendo o dasein abertura e possibilidades, mas
também histórico e, principalmente, finito pela raíz de sua própria temporalidade, ele
experiencia a angústia enquanto sentimento fundamental. O dasein não pode realmente se
compreender a partir do “horizonte intramundano de sua preocupação”, nem a partir do
“ser-explicitado-público” e se afunda na insignificância de seu ser-no-mundo lançado na
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“inquietante estranheza”. Neste sentido, Heidegger destaca a possibilidade do dasein de
assumir a responsabilidade de suas escolhas e viver de acordo com o seu projeto, vivendo as
dimensões do tempo (passado, presente e futuro) de forma autêntica. É assim que o ser
consegue suportar a angústia na qual está lançado e que é uma característica ontológica de
sua disposição. Ao deparar-se isolado consigo mesmo e compreender que apenas ele próprio
é capaz de realizar-se, o homem se singulariza como ser-no-mundo, como ser livre.
Neste momento, aponta-se como as concepções de Heidegger, bem como dos outros
pensadores, são muito mais complexas e abrangentes do que o que é possível abordar em um
trabalho que objetiva discutir tantos filósofos em torno das noções de subjetividade e mundo
que eles constroem. No entanto, a partir desta síntese pode-se avançar para a compreensão
das contribuições de Jean-Paul Sartre (1905-1980) que, se debruçando na fenomenologia, no
pensamento de Heidegger e outros pensadores, se propõe a elaborar o que concebe como o
Existencialismo. Primeiramente, destaca-se como a leitura do texto de Souza (2020) nos
permite começar por alguns jargões mais populares do pensamento sartreano. Um deles é o
de que “a existência precede a essência” e enfatiza a falta de uma natureza humana que
determine nossas ações. Nesta concepção de homem, somos lançados no mundo sem essência
ou natureza que nos determina para nos constituir após já existirmos. Esta característica
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humana se difere das outras coisas como o exemplo do corta-papel mencionado no texto, que
existe enquanto objeto criado para uma função que foi estabelecida antes mesmo da
existência concreta deste objeto. Diferentemente, o homem não possui um Artífice ou valores
universais, não foi criado para nenhum fim, existindo sem possuir uma essência.
Diante disso, nota-se que esta compreensão de Sartre se choca com as antigas
tradições da filosofia, inclusive da filosofia moderna, que buscavam conhecer a essência e a
natureza humana pensando na subjetividade sob a perspectiva de uma forma universal. Em
oposição a isto, Sartre substitui a ideia de natureza em seu sentido de essência humana para
condição humana, referente a condição comum que é a de estarmos no mundo, mas que nada
diz sobre o modo como somos no mundo, tal como o texto de Souza enfatiza: “É uma
universalidade que aponta para as singularidades, dado que o que ela indica é a própria
existência, que se faz de modo singular, subjetiva e intersubjetivamente.” (pg. 169).
Logo, como não há uma essência que define o que somos, a subjetividade concebida é
perpassada pelo fato de que nunca se é, existindo apenas como um estado de projeto
inacabado, sempre passível de ser alterado a cada momento. Dessa forma, como somos um
projeto não finalizado para ser definido, sempre é possível ser algo que não se é, tendo a
própria falta como constitutiva da subjetividade do ser. Assim, como o homem é um vir-a-ser,
uma constante transcendência em direção ao ser, ele não é coisa alguma, mas está sendo algo
como projeto de ser que pode ser alterado a qualquer momento. Com isto, pode-se
compreender como o tema central do pensamento de Sartre se constitui em torno do conceito
de liberdade, afinal, estando lançados no mundo “estamos condenados à liberdade”,
condenados a escolher como agir e reagir ao mundo.
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Neste sentido, o texto colabora muito para a compreensão da liberdade conceituada
por Sartre para além dos conflitos ou ideias errôneas sobre esta ignorar a realidade material.
Ao contrário, o conceito de facticidade esclarece que a liberdade como condição de ação
significa a possibilidade de reação e não da escolha das condições a partir das quais queremos
viver. Isto é, não escolhemos o Em-si que carregamos, mas somos esse Em-si na forma de
não-ser e é nesse espaço que a liberdade se coloca. Desse modo, ela é a marca da distinção
entre o Para-si e o Em-si de modo que a facticidade nos permite compreender que o Para-si
não escolhe de forma abstrata sua situação. Na mesma direção, o Para-outro enquanto nosso
outro modo de estar-no-mundo constitui uma intersubjetividade em que o outro sob sua
perspectiva nos atribui uma natureza que nos constitui e persegue como um Eu que somos.
Neste paradoxo, questiona-se como pode existir liberdade em contraste com esta natureza que
nos é dada, mesmo que não seja universal. Mais uma vez, o espaço entre o Para-si e a não
identificação ou não com natureza atribuída é a própria liberdade. Portanto, liberdade e
facticidade estão sempre juntas em tensão na constituição da condição humana.
Por último, adentrando no pensador final deste percurso teórico, é interessante nos
debruçamos nas colaborações de Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) com auxílio da leitura
do caso da moça afônica e de outros trechos selecionados de sua obra “Fenomenologia
Percepção” (1996). Primeiramente, podemos destacar como o autor, a partir das
compreensões fenomenologia fundada por Husserl, parte para uma fenomenologia do próprio
corpo, destacando uma intencionalidade não só da consciência, mas do próprio corpo
(senciente), cujos sentidos se articulam à mente na atribuição de significados ao mundo.
Neste sentido, Merleau-Ponty, assim como Espinosa e Nietzsche, realiza uma superação
teórica da tradição moderna que menospreza o corpo, passando a reconhecê-lo como fonte de
conhecimento.
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Considerando isto, a compreensão do caso da moça afônica pode colaborar para
avançar no entendimento de alguns aspectos da concepção de subjetividade de
Merleau-Ponty. Primeiramente, aponta-se que este caso se refere a uma moça que, após ser
proibida pela mãe de se encontrar com seu amado, perdeu a fala, assim como seu sono e
apetite. Para além de uma interpretação psicanalítica que enfatizaria aspectos da fase oral, o
autor destaca que o caso não se trata apenas da sexualidade, mas das relações com o outro
que são veiculadas através da fala. Isso se relaciona ao fato da afonia já ter aparecido na
situação do tremor de terra que, ao ameaçar sua vida, interromperia a sua própria coexistência
no mundo. Isso porque, a comunicação por meio da fala é uma função do corpo relacionada à
coexistência com o outro enquanto a ausência dela seria uma negação disso.
Concomitantemente, o prejuízo nas funções corporais relacionadas à alimentação também se
relacionaram com a própria impossibilidade de deglutir a imposição de sua mãe, rompendo
com a própria nutrição que se relaciona a manutenção da existência. Neste sentido,
Merleau-Ponty aponta como a afonia não é uma paralisia ou o mesmo que uma escolha de
calar-se, afinal a jovem não deixa de falar, mas perde a voz. Não é uma tradução de um
estado interior da consciência, nem uma perda dada pelo acaso. Esta perda ocorre como ato,
como recusa de uma região da vida graças a sua significação. Desse modo, a interrupção
desta afonía se daria em um nível mais profundo que a vontade.
Ainda destaca-se com especial ênfase que, em certo ponto do texto, o autor trabalha
com a ideia de má-fé, distinguindo a hipocrisia psicológica da metafísica. A primeira
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envolveria um acidente evitável em que a pessoa se engana ao esconder pensamentos
conhecidos por ela, enquanto a segunda é parte da própria condição humana como uma
enganação que se dá na generalidade. Para compreender isto com maior profundidade,
podemos nos debruçar no trecho selecionado nomeado como “Cogito”, que questiona como
poderíamos distinguir em nós mesmos os graus de realidade, os sentimentos “verdadeiros” e
“falsos”, já que estes se confundem em sua experienciação e se estabelecem como uma
enganação de si mesmo. Dessa forma, tal como a afonia no caso em discussão, os
sentimentos ilusórios são vividos como que na periferia de nós mesmos e não podem ser de
fato percebidos como tais enquanto existem no presente. Isso porque estar em uma situação
envolve estar enredado nela, sendo impossível ser transparente para nós mesmos, já que
nosso contato só pode ser feito no equívoco. Diante disso, Merleau-Ponty questiona se definir
o sujeito pela existência, por este movimento em que ela se ultrapassa, não seria o mesmo que
definir uma ilusão. Afinal como em nossa consciência não há definição da realidade pela
aparência, a consequência disso não seria a de não rompemos os elos entre nós e nós mesmos,
reduzindo a consciência à condição de aparência de uma realidade que no fim é
inapreensível? Diante destas questões, ele questiona se o cogito seria impossível, se
estabelecendo como uma dúvida interminável.
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Tendo isto explicitado, esclarece-se como o pensamento de Merleau-Ponty se
contrapõe a modernidade na medida em que critica a centralidade moderna da consciência e
da mente, destacando como o corpo, para muito além de uma fonte de erro e ignorância a ser
suportado ou mero utensílio do pensamento, é na verdade fonte de conhecimento tão
importante quanto esta. O corpo enquanto movimento existencial, expressa o próprio cogito,
superando as concepções modernas de mundo e subjetividade postas em discussão.
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Considerações Finais
Com isso, este percurso teórico da filosofia moderna até sua herança crítica, buscou
explicitar nas contribuições de Descartes e Kant, o estabelecimento moderno de uma
dualidade razão/natureza ou mente/corpo, que centraliza o primeiro em detrimento do
segundo, em uma doutrina de superioridade do pensamento e da razão enquanto manifestação
da liberdade humana. Por sua vez, é exatamente esta centralidade do pensamento que,
conforme as contribuições do professor enfatizaram, será criticada na construção de filosofias
posteriores. Nesta direção, Marx enfatiza as relações sociais que constituem a subjetividade
em uma relação dialética com o mundo, enquanto Heidegger e Sartre, a partir de um
aprofundamento da condição humana enquanto ser-no-mundo, superam a centralidade de
uma natureza humana em proveito da noção de indeterminação do homem como ser
existencial que é lançado no mundo. Já Nietzsche e Espinoza atacam de forma direta os
fundamentos da moral moderna que constituíram delimitações transcendentais de Bem e Mal,
assim como criticam o predomínio da mente/consciência e sobre o corpo. No mesmo sentido,
a partir da fenomenologia da percepção, Merleau-Ponty também eleva o corpo a uma nova
categoria, não mais subalterna a mente e o pensamento como a modernidade estabelecera.
Logo, para além de uma consciência que pensa e age a partir da razão, a crítica à
modernidade pensará em outros processos sejam eles sociais, existenciais ou do campo da
corporeidade, que precisam ser reconhecidos na desmistificação da supremacia da mente no
conhecimento de si e do mundo.
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ultrapassa os objetivos deste ensaio. Ainda assim, espera-se que tenha sido possível construir
um percurso teórico que, refletindo sobre as contribuições de cada pensador, tenha realizado
um aprofundamento satisfatório da temática da subjetividade e se traduzido em um bom
aproveitamento da disciplina de História da Filosofia I. Como autora, deixo meu
agradecimento ao professor Furlan pela seleção cuidadosa de textos, as discussões em sala de
aula e a disponibilidade para dúvidas e feedback, pois é tudo isso que tornou este trabalho tão
frutífero e gratificante para mim.
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Referências
Deleuze, G. (2002). Capítulo II: Sobre a diferença da Ética em relação a uma Moral.
Em: Espinosa: Filosofia Prática (Tradução de Daniel Lins e Fabien Pascal
Lins). Escuta
Nietzsche, F. (2011). Assim falou Zaratustra. Um livro para todos e para ninguém
(Tradução de Paulo César de Souza). Companhia das Letras.
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