You are on page 1of 14
>> Ff TAMAS SZMRECSANYI & JOSE ROBERTO DO AMARAL LAPA (organizadores) HISTORIA ECONOMICA DA INDEPENDENCIA E DO IMPERIO Segunda Edi¢ao Revista Coleténea de textos apresentada no | Congresso Brasileiro de Historia Econémica (Campus da USP setembro de 1993) asin oe oe mm Ech peu ay lararwea Oren noma sp Istvan Jancsd Dep." de Histéria, FFLCH-USP A CONSTRUGAO DOS ESTADOS NACIONAIS NA AMERICA LATINA —APONTAMENTOS PARA O ESTUDO DO IMPERIO COMO PROJETO Aconstituigio do Estado nacional brasileiro configura um pro- cesso diferenciado quando confrontado com as outras variantes latino-americanas, Ao contrario do que se verificou na América his- panica, aqui o novo Estado emergente da crise do Antigo Sistema Colonial nao rompeu com o principio da legitimidade dinastica, transformando-a, pelo contrario, em instrumento de superagao dos localismos, tao poderosos na América portuguesa quanto na espa- nhola. Interessa saber, entéo, quais os mecanismos que resultaram na formagao deste Estado, no qual a tendéncia a centralizacio pre- valeceu sobre as forcas centrifugas de base regional, ainda que sem destruf-las, ao contrario do que ocorreu com a projeto bolivariano da Grande Colémbia, para apresentar apenas um contraponto. Nao havia nenhuma inexorabilidade histrica inscrita na cons- tituigéo dos dois Impérios coloniais a determinarem a fragmenta- sao de um ea unidade do outro. Pelo contrario, para os homens da época, vivessem em qualquer regidio que fosse da América ibérica, ao menos até o final do século XVIlle inicio do XIX, a sua identida- de politica passava pelo reconhecimento ou pela negagao de reali- dades dentre as quais o nacional era a menos nitidamente definida Pesava sobre eles a crescente consciéncia das especificidades local, regional e colonial, por um lado e, paralelamente, a negagao des- tas, remetendo a universos abrangentes: o Imperial ou outro, este diferenciador, o Americano. O nacional, no sentido em que emerge da revolugao burguesa, identificando soberania da nagdo com Estado soberana, era um pro- jetoa ser inventado ma América Latina, na medida em que nao re- pousava sabre antecedentes histéricos que levassem a identificar, ‘A construgio dos Estadas nacionais na América Latina | 3 4 necessariamente, as divisdes administrativas dos Impérios ibero- americanos como Estados nacionais emergentes. Nao existiam, ai, nem burguesias ascendentes cisputando a hegemonia no interior de formagdes saciais identificadas com as nagies a configurarem mercados nacionais (Europa Ocidental, Estados Unidos da Amé- rica), nem nobrezas ameacadas em suas liberdades tradicionais e hegemonias, que identificassem a defesa destas com o interesse da nagdo, entendida como conjunto de liberdades diferenciadas inter- dependentes (Europa Central e Oriental), ou, ainda, nao desponta- vam aliangas de classe combinando, de forma variada, as matrizes basicas referidas. A formagao dos Estados nacionais europeus, por mais multi- étnicos que fossem (¢ via de regra o eram), visto que sua nucleagéo estava na categoria mereado nacional ou num sistema articulado de privilégios de sociedades de ordens, passando ao largo das caracte- risticas étnicas, lingiiisticas ou culturais das populagées abrangidas, somente pode ser entendida quando inserida na ampla crise do Antigo Regime. O seu desdobramento latino-americano é uma di- mensao particular do fenémeno geral, mas que preserva especifi- cidades, inclusive no caso brasileiro. * Adissolugao dos impérios coloniais ibéricos nao fol um proces- 80 linear, como tampouco o foi o da constituigéo dos Estados na- cionais latino-americanos e, em particular, do brasileiro. A crise profunda assumiu, no universo colonial americano, um carater freqlientemente erratico, de avangos e recuos, que se desdobravam. numa extraordindria diversidade de situagées diferenciadas de maior ou menor duracdo e profundidade, e de variada permanén- cia, Por outro lado, é perfeitamente possfvel encontrar, no interior destas situagdes plurais, certos denominadores comuns que aca- bam por prevalecer, persistencias do essencial a se preservarem na complexa variedade das circunstancias histéricas', E isso porque a crise do Antigo Sistema Colonial, dimensao organica da crise maior do Antigo Regime desdobra-se, no plano politico, na constituig&o de modelos politicos que retornam ao epicentro das transforma- ' Novais, B.A. Portugal e Brasil na Crise do Aatigo Sistema Colonial (1777- 1808). Sio Paulo: Hucitec, 1985, 3." ed. 8 onal 777 | Istvan Janesé ges em curso na Europa e, contraditoriamente, interferem Mos seus desdobramentos futuros’, A integracao organica do universo colonial ibero-americano e, em particular, do brasileiro, na logica geral do Antigo Regime, nao }.» significa, porém, que ai se tenha verificado a reprodugao fiel dos mecanismes sociais, polfticos e econdmicos da matriz européia da crise, Pelo contrario, o que se nota, na maior parte das vezes, é a adequagio de instrumentos arcaizantes de controle politico, resul- tantes das diferencas das formagées sociais a cujo ordenamento se destinavam, Enquanto as metrépoles deixaram fluir o espontaneis- mo derivado da conquista e colonizagao primeiras, as contradigdes, tensées e conflitos eram absorvidos e resolvidos na esfera do parti- cular, no afetando o sentido profundo da subordinagao colonial. Somente quando a perda relativa de importancia politica das po- téncias ibéricas no concerto dos Estados europeus inscreveu no elen- co das possibilidades imediatas a perda de suas dependéncias ame- ricanas, desdobrando-se este temor num amplo plano de reformas~) . objetivando reordenar os dois sistemas (hispAnico e portugués), ¢ que 9 universo dos conflitos tendeu a ultrapassar os limites das situages particulares e passou a centrar-se, tendencialmente, na critica da dependéncia colonial. Os padrées inevitavelmente centra- lizadores (caracterfstica geral do Absolutismo monarquico do sé- culo XVII) que orientavam as reformas pombalina e bourbénica enfraqueceram a capacidade de reagao auténoma das elites locais quando da eclosio de conflitos que colocassem a reprodugao am- pliada de sua hegemonia em questdo. Inevitavelmente, 0 esforga | de racionalizagao administrativa dos impérios passava pela dimi- nuig&o do poder politico das elites locais, progressivamente esva- ziadas nas suas atribuigées ¢ esferas de autoridade, e cada vez mais subordinadas aos representantes do poder régio Por outro lado, os custos crescentes destas reformas de grande envergadura impuseram revisdes profundas na articulagao econd- mica dos impérios que acabaram por ampliar o controle centrali- zado (metropolitano) sobre a vida econémica das suas unidades constitutivas. Mas nem Espanha, nem Portugal tiveram condigées de levar a cabo os projetos mais consistentes de reforma, embara- cados que estavam pelos arcaismos do sistema de poder politico e 2 Cf Anderson, P. Nagio e Consciéncia Nacional. Sao Paulo: Atica, 1989. A construgde das Estados nacionais na América Latina | 6 organizagao econémica vigentes nas metrépoles, em paralelo com @ aumento da distancia que as separava, no plano do poder entre os Estados, daqueles que efetivamente disputavam a hegemonia continental. Os esforgos reformistas ibéricos, profundamente an- corados nos pressupostos do Absolutismo, ainda que das luzes, perderam folego diante do avassalador avanco, teformista ou re- volucionario, de fundamento burgués e capitalista, do novo siste- ma internacional de poder, acabando por submergirem, como fi- gurantes secundarios, no conflito daf derivado. O reformismo ibértico plantou a cunha a separar metrépoles € coldnias, e o seu fracasso levou ao aprofundamento, tanto da crise quanto da consciéncia que os a, \genites desse processo, seja na Euro- pa, seja na América, tinham dela. Mas a crise, e a consciéncia que se podia ter dela, ndo apontava para uma Gnica alternativa. Pelo contrario, a busca de saida para a crise passou por varios movi- mentos e resultou em solugdes de configuragao polftico-institucional variadas, Primeiro, os movimentos. Os protagonistas da construgao dos novos Estados soberanos passaram por um processo de acumulagaio de experiéncia politica que configurou, para o conjunto, quatro movimentos nitidamente distintos. O primeiro foi o da re fio/ contestagao das relagées metrépole-colonia a partir da critica politica pratica de aspectos especificos do estatuto colonial, cobrindo o ultimo quartel do sé- culo XVILL © segundo ciclo, de matriz pratica e doutrinatiamente conservadora, se dé nos marcos da legitimidade dinastica e repou- sa sobre o resgate quase anacr6nico do direito tradicional ibérico, aliado A revisio da idéia de Império, numa re-leitura colonial. So- mente o terceiro ciclo configura a ruptura da dependéncia polftica como eixo articulador das agGes politicas, enquanto o quarto mo- vimento é, para o conjunta, o da reconstrugao das relagdes internas de poder resultantes da reciclagem ou supressao da forma anterior da varidvel externa. © que se pretende, aqui, é discutir as duas primeiras etapas, cobrindo o perfodo 1780-1815, marcos cronolégicos naturalmente aproximados, No caso espectfico da formagao do Estado nacional brasileiro, as diversidades que configuram o conjunto da América portugue- | Istvan Jancsé saarticulam-se de maneira peculiar, e os ciclos da contestagao apre- sentam caracteristicas diversas face ao que se pode observar nos eventos hispano-americanos. Uma abordagem comparativa desses processos acaba por remeter as diversas configuragies sociais das formages econédmico-sociais em questio, um dos caminhos pos- siveis para a compreensdo das solugdes polftico-institucionais par- ticulares na dupla dimensao destas: especificidade e universali- dade. as 7 ~O primeiro ciclo cobre o tiltimo quartel do século XVIII, e com- preende movimentos que sinalizam a emergéncia da consciéncia da especificidade americana, oposta A européia, O reordenamento profundo das relagdes administrativas, militares e mercantis de Portugal e Espanha com suas dependéncias americanas, que im- pe sua marca s6bre a segunda metade do século XVIII ibero- americano, ¢ parte de um complexo conjunto de politicas das mo- narquias ibéricas para escaparem da condicéo subalterna a que haviam sido relegadas no cenario mundial. Desde a Restauragao, Portugal colaca-se sob a onerosa protegao britanica, e desde os Tra- tados de Utrecht (1713), a Espanha ¢ obrigada a fazer concessdes aos ingleses, Ainda que a hegemonia inglesa tenha sido mais ime- - diatamente efetiva em relagao a Portugal, tanto para este quanto para a Espanha torna-se claro que o sistema europeu tende a se configurar como sistema mundial, do que resulta o aumento da importancia relativa das dependéncias nao-européias. Nao é sur-’ preendente, pois, que as monarquias ibéricas busquem reordenar ‘os sistemas imperiais que sdo a base efetiva de seu poder. A com- petigao internacional intensifica-se no espago americano, seja em termos comerciais, seja em termos geo-politicas. Os sucessivos des- Jocamentos de soberania sobre extensos territérios na América do Norte (Canada, Louisiania), por um lado, o estabelecimento de areas de conflito permanente de jurisdicao na América do Sul (a Colénia do Sacramento, desde 1680) pelo outro e, finalmente, episddios como a tomada de Havana em 1762 pelos ingleses, tornam patente a necessidade de mudangas. Mas, nao se trata, somente, de im- posigées externas que recomendam reformas. As economias me- tropolitanas, em processo de recuperagdo (na Espanha, timida, continua — malgrado a interrupgao tempordria durante a Guerra da Sucess&o — mas efetivamente desde 1680, e em Portugal, ain- da que artificiosamente inflada devido aos rendimentos da mine- racéo das Minas Gerais), contribuem, também, para fixar os ter- ‘Acconstrugio dos Estados nacionais na América Latina | 1 8 | mos da reforma do lago imperial, no dizer de Halpherin Donghi*. As transformagGes em curso nas metrépoles e os interesses que delas derivaram, entravam em choque, tendencialmente, com ou- fras em curso nas cOlonias, estas também de grande profundidade, e “as reformas buscam acelerar e orientar algumas destas mudan- gase frear outras"* que conflitavam com a reorganizag&o do con- Junto, centrada nos interesses metropolitanos. Os amplos projetos reformistas desdobravam-se em dois movimentos complementa- res, mas freqiientemente contraditérios: o administrativo-militar e 6 econémico-mercantil, este fundamental, aquele instrumental. A extrema complexidade dos projetos de reforma, que acabam por atingir a totalidade da vida colonial, produz freqiientes contradi- gGes e impée ajustes muitas vezes de dificil equacionamento, A grande inovagdo esté na busca da racionalizagdo dos conjuntas im- periais mediante a intervengao direta do poder central, seja atra- vés do fomento, seja através do controle da atividade produtiva (mediante proibigées), seja através dos circuitos de distribuigao (mediante monopélios). O fato 6 que as tentativas de impor admi- nistragSes melhor organizadas e mais centralizadas passaram a colidir com o equilfrio longamente maturado entre o poder das coroas ibéricas e outras poderes de larga tradi¢io e efetividade de base local, americana, e que “somente em parte encontraram legi- timagao em textos legais’>, Nao se deve subestimar nem a amplitude, nem a profundidade do reformismo ilustrado. A busca de maior eficiéncia, baseada na centralizagio e especializacao de fungdes segundo o madelo fran- cés* , alterou profundamente os contornos das unidades adminis- trativas e Arnbitos de jurisdigdo. O estabelecimento do Vice-Reina- do de Nova Granada (1780), da Capitania Geral da Venezuela (1731) e de Cuba (1764) antecipam o deslocamento do eixo do conjunto sul-americane para o Atlantica, com a criagao do novo Vice-Rel- > Halpherin Donghi, 'T. Reforma y Disolucidn de los Tri . 1850), Madri: Alianza ae P iD. ED 4 Ibidem * Idem, p. 20. * Chiaramonte, J.C, “La etapa ilustrada”, in Assadurian, C. S.; Beato, C, & Chiaramonte, J.C. Argentina: de la Conquista a la Independencia, Bi Aires: Hyspamérica. 1986, p. 289. a lependencla, Buenos Istvin Janes nado do Rio da Prata (definitivamente instituido em 1777), com- , preendendo as provincias de Buenos Aires, Paraguay, Tucuman, Potosi, Santa Cruz de la Sierra e Charcas, assim como os territérios de Mendoza, que haviam, até entao, dependido da Capitania Ge- ral do Chile’. Este deslocamento para o Atlantico nao representa apenas um esforgo de racionalizacao econémica (barateamenta dos fretes, maior facilidade de acesso, comparativamente com o tradi- cional sistema centrado em Lima, no Pacifico), mas um reflexo de- fensivo face A ameaga representada pelo avanco portugués, e em seu bojo, da influéncia inglesa, em direcao ao estratégico estuario platino, que abriria as portas do comércio em diregao ao interior do Império espanhol na América do Sul. No extremo norte dos do- minios espanhdis, a constituicdo das Provincias Interiores da Nova Espanha (1776) é desdobramento do mesmo esforgo global, como fesposta 4 ameaga que a expansio britdnica, seja metropolitana, seja aquela, cada vez mais pujante, desenvolvida pelas colénias inglesas, representa’, Na América portuguesa, as reformas administrativas corremem paralelo, e o referencial racionalizador, contemplando as mesmas * dimensdes que orientavam as que emanavam de Madrid (a militar ea econémico-mercantil), também ai se faz presente. Em 1750 é criado o Estado do Grao-Para e Maranhao, com sua sede instalada em Belém, polo articulador dos eixos de penetragao fluvial no inte- rior e da comunicagdo maritima com a Europa’, Desdobra-se, cin- co anos depois a agao racionalizadora no norte com a criagao da Capitania de Sao José do Rio Negro, mas a alteragao de maior pro- fundidade antecipa o movimento hispanico, com a transferéncia da sede do Vice-reinado para o Rio de Janeiro (1763), num ponto mais central que a Bahia, considerando-se que 0 litoral do Estado do Brasil nao passava, ao Norte, do Ceard e, ao sul, estendia-se, de jure ou de facto, a depender das circunstancias, até o estudrio do Prata, permanante ponte de conflito. Assim como na América es- 7 Idem, p. 290 seg. ® Liss, PK, Los Imperios Transatlanticos — las redes del comercio y de las re- voluciones de independencia, Mexico: Fondo de Cultura Econémica. 1989, ° Machado, L. G. “Politica e administragao gob os tltimos vice-reis”, in Holanda, 8. B. de (org.). Histéria Geral da Civilizagdo Brasiteira. Vol. Lt. 1. Sao Paulo: Difel. 1985, 6 ed., p. 357. A construgdo dos Estados nacionais na América Latina | panhola, a reorganizacdo administrativa dos dominios portugue- ses no continente sul-americano nao contemplava apenas critérios militares mas buscava respostas, subordinadas naturalmente as es- tratégias globais da corte, A complexificagao crescente das econo- mia e sociedace coloniais. Areorganizagao espacial do poder, desdobramento de projetos imperiais de Madrid ou de Lisboa, externa, portanto, ao universo colonial, configura uma situag&o que permite pensar o processo subseqtiente, na medida em que torna nitido o fato de que a uni- dade do espago politico americana, seja portugués, seja espanhol, somente poderia ser percebido pelos poderes metropolitanos. “Durante os tiltimos anos do século XVII ¢ inicio do século XIX, a forga coesiva do conjunto brasileiro era, indiscutivelmente, a Me- trépole”", e o continente do Brasil representava, “para os coloniais, pouco mais que uma abstracao, enquanto para a Metrdpole se tra- tava de um dado concreto, uma unidade da diversidade”", estan- do a “apreensdo de conjunto , das partes a que ‘genericamente’ se chamou de Brasil... no interior da burocracia estatal portuguesa”, Esse mesmo fendmeno é nitidamente perceptivel na América es- panhola onde, como no Brasil, o horizonte politico dos coloniais, assim como sua identidade politica oscilava entre o genérico de base imperial (identidades espanhola ou portuguesa), o genérico que fundia as anteriores com outra de base territorial ainda geral (identidades espanhola ou portuguesa americanas), ou o genérico que incorporava o universe da pratica politica possfvel, imediata (identidades espanhola ou portuguesa americanas da Bahia, de Sao Paulo, de Quito ou do Paraguay ete.)". Essas identidades combi- © Jancs6, I. Contradi¢ées, Tensdes, Conflito—a Inconifidéncia Bakiana de 1798, Rio de Janeiro. 1974 (tese de livre-cdocéncia, UFE), p. 166, 4M Tdem, p. 173. ® Santos, A. M. dos. No Rascunho da Nagao: Inconfidércia tio Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Pref. RJ. 1992, p. 141, ® Os estudos de José Carlos Chiaramonte, para a construgiio da identi- dade politica Argentina s40 esclarecedores sobre esta questao, princi- palmente “Formas de identidad en el Rio de la Plata luego de 1810", in Boletin del Instituto de Histéria Argentina y Americana Dr. Emilio Ravigna- nine 1,3. série, 1989, Buenos Aires, p. 71 seg., e El Mito de los origenes en Ia historiogvafia latinoamericana, Buenos Aires: Univ. de Bs, As, (Ca- dernos del Instituto Ravignani n.° 2) 1. | Istdn Janes am-se produzindo variantes com o predominio de tal ou qual Matriz, e essa miultiplicidade de identidades coexistia nos mesmos espacos de pratica politica possivel: Ora, o universo de pratica politica possivel variava grandemente * para os indivicduos que constitufam as formagées sociais coloniais, adepender da posicao que ocupavam no interior destas, diversas entre si, mas todas, & sua maneira, referidas ao ordenamento esta- _mentario metropolitano. Dessa forma, 0 universo da pratica politi- ca possivel para os integrantes coloniais da aristocracia imperial espanhola era © todo do Império, assim como o era para aqueles que, na América Portuguesa, chegassem a integrar as ordens hege- mGnicas (nobreza e clero), Mas Para os outros, ainda que o seu. quadro referencial da boa ordem da sociedade fosse a de uma 50- ciedade de ordens, 0 exerefcio da dominagao (ou da sua ceritica) passava por realidades muito diversas daquelas que conferiam ni- tidez as desigualdades constitutivas das sociedades do Antigo Re- gime eurapéias. Essas desigualdades especificarnente americanas, resultantes da conquista e da subseqtiente colonizagéo, produzindo o escravismo | colonial e o sistema de castas hispano-americano, introduziram ele- mentos constitutives das identidades polfticas latino-americanas que eram totalmente ausentes dos processos similares em curso na Europa, Aqui, raga e cor representavam sinais diferenciadores de condigao social, e delimitavam, @ priori, o espaco da pratica polf- tica possivel, que variava entre a sujeigado absoluta eo mando incon- teste. Daf porque os primeiros movimentos a sinalizaremo esgota- mento do Antigo Sistema Colonial no universe americano tiveram especificidades sociais to marcadas no tocante A sua abrangéncia social e espacial: assim ocorreu no Peru e Charcas com os levantes de Tupac Amaru e Tupac Catari (1780-81), assim se desenhou na rebeliao dos comuneros na Nova Granada (1781), assim se confi- gurou, ainda que abortado, no eixo Minas Gerais-Rio de Janeiro (1789) com a Inconfidéncia Mineira, Ha, entretanto, muito mais diferencas que semelhangas entre os episédios apontados. __ Os primeiros, movimentos de massas, voltam-se para o passa- do. A conjura mineira, circunscrita a elite regional, aponta para 0 futuro. O que hé de comum entre todas (que nem de longe esgo- tama longa relagaio de manifestagdes de desapreco pelo poder ou, ao menos, pela sua face visivel, que incluem motins por causa de atraso de pagamento 4 tropa, rebelides abjetivando a revogagao de construgso das Estados nacionais na América Latina | | 12 proibigéo de venda de aguardente, passando por crimes de lesa- majestade coma incéndios de simbolos do poder, como as forcas ou distribuigao de pasquins com textos de teor nitidamente sedi- cioso ou, entia, ofensivo a autoridade ou, finalmente, através de manifestagées variadas de erftica ou rejeigdo de formas estatuidas de expressao puiblica da religiosidade) ¢ que denotam comporta- mentos desviantes, inassimilaveis pelo poder que é posto em ques- tao, Quer apontem para o futuro, na esteira das transformacGes politicas em curso no universo extra-colonial, seja na Europa, seja na América do Norte, ou busquem resgatar direitos, liberdades e privilégios passados que as reformas ameacam ou derrogam, os episodios deste primeira ciclo nao trazem dentro de si o esbogi de uma nova forma de organizacdo politica do Estado, construfdo so- bre um consenso ou constriinda 0 consenso no interior de uma clas- se com pretensdes de hegemonia, e com aptidao para conquistar essa hegemonia. Ve Os episédios em questdo, independentemente de seu contetido + (conservadores, reformistas ou nitidamente alinhados com prinei- pios revoluciondrios referidos As transformagées politicas na Amé- rica do Norte ou na Europa pés 1789), si indicativos da estreiteza das condigdes para a formulagao e implementagao pratica de pro- jetos de tipo nacional, entendidos como codificagdes da necessida- de e possibilidade pratica da construgao de uma nova organizagéo do Estado que suportasse, instrumentalmente, um novo equilibrio entre as classes constitutivas das formagGes sociais coloniais, O cardter de classe das exteriorizagdes da negacao da forma de Esta- do vigente foi sistematicamente excludente, e os movimentos nao contemplavam os interesses de segmentos diferenciados das socie- dades em cujo interior se gestaram ou eclodiram. Em nenhum de- les se pode notar a participacao diferenciada de grupos que apon- tassem, mesmo tendencialmente, para a constituigao de aliangas de classe (ainda que de amplitude limitada). Quando isso even- tualmente se desenhou como possibilidade, como na América Por- tuguesa por ocasiao da Inconfidéncia Baiana de 1798, sedigAo abor- tada mas ainda assim indicativa de que essa alianca se apresenta- va como uma das possibilidades a considerar (pois ensaiada) de superar a crise do sistema, o préprio fracasso do intento aponta para a necessidade de se entender o leque das alternativas polfti- cas que se apresentavam aos homens da época. Nao creio que seja exagerado dizer que, para estes, a questo | Isevdn fancs® passava basicamente pelo equacionamento ca natureza da partici- ‘pagio dos coloniais nos projetos imperiais formulados pelos pode- res centrais, e sé marginalmente, pela reviséo radical do vinculo colonial, circunscrita essa perspectiva a grupos politicamente iso- lados e de pouca representatividade politica no interior destas so- ciedades. Foi preciso que os projetos imperiais dos absolutismos ilustrados ibéricos fossem inviabilizados pela redefinicéo radical do significado politico das metrépoles enquanto forg as coesivas de conjuntos diferenciados, para que as alternativas politico-institucio- nals no universo colonial se ampliassem, seja no plano das idéias, seja no plano da agao. | re Que isso tenha ocorrido de maneira totalmente diversa nas Américas ibéricas permite langar a luz sobre alguns aspectos pou- co discutidos do processo geral. O fato de que as transformagdes revoluciondrias da Europa tenham aumentado (redefinindo, por- tanto) o poder de intervengao do Estado imperial no Brasil, coma instalacao da Corte no Rio de Janeiro, por um lado @, por outro, tenham reduzido drasticamente a capacidade arbitral da Coroa es- panhola no universo americano com a inviabilizagao de sua capa- cidade operacional para além do aparelho de Estado alocado na América (primeiro em fungao das guerras revoluciondrias, a se- guir, radicalmente, com a rentincia de Fernando VII ea ocupagaa | bonapartista na Metrpole) aponta para o fato de que a val vel determinante do pracesso global, isto é, aquela que interferia no comportamento das outras varidveis constitutivas do sistema, era ‘a telagdo metrdpole-colénia, subordinando todas as outras". O segundo ciclo configura o primeiro desequilibrio radical do ©" sistema, na medida em que altera profundamente as condicgées “aperativas dos absolutismos ibéricos na América. Na América es- panhola, amplia-se enormemente 0 espago de agdo politica na e8- fera local, na medida em que é neste nivel que se decidem as quest6es postas pela dualidade de poder na metrépole européia. » Por mais que, no geral, tenha prevalecido a lealdade a dinastia, 0 simples fato de que as elites coloniais tenham sido cha madas a op- * Dias, M.O. . “A interiorizagao da meirépole (1808-1853)’, in Mota, C.G. (01g). 1822 — Dimensdes, $40 Paulo: Perspectiva. 1972 A construgio dos Estados nacionals na América Latina | 13 14 lar por esta alternativa, e o fizeram, representa, em si mesmo, uma reciclagem da velha ordem. A guerra revoluciondria européia desdobra-se na América es- panhola em aumento dos impostos ¢ exigéncia de doagées extra- ordinarias, o que, apesar de significar um formidavel aumento da pressdo fiscal, nao evita que a monarquia espanhola se aproxime cada vez mais da indig@ncia"®. A debilidade militar da Espanha im- ‘plicou na impossibilidade pratica de assegurar o regime de comér- cio que as reformas anteriores tentaram implementar como norma. Osistema de exclusivo colonial esfacela-se: em 1795 vem a autori- zagao para o comércio direto com coldnias estrangeiras; no ano se- guinte comerciantes e navios matriculados nas Indias tém autori- zada a participagao no comércio transatlantico, antes privative dos metropolitanos; om 1797 abre-se o comércio com as poténcias no beligerantes. © Antigo Sistema Colonial desfaz-se rapidamente no plano da sua organizacao econémica geral, e no da vida polftica 0 eclipse da metropole cria novas praticas para assegurar o funcio- namento do que é agora o sistema. Verifica-se um rapido desloca- mento de pader, transferindo-se parcela significativa deste da Eu- ropa para o universo colonial, estejam os agentes dessa viragem preocupados com a preservagao ou, ao contrério, com o enfraque- cimento dos vinculos da Espanha com suas colénias pautadas pelo absolutismo. Na Nova Espamha, a crise do poder metropolitano resultou numa acirrada disputa pelo poder no Vice-Reinado, aflo- rando, ainda que derrotadas, mas denotando consistente base so- cial, propostas autonomistas que propugnavam o nao reconheci- mento de qualquer autoridade politica peninsular'®. O processo peruano foi de outra ordem: o Vice-rei Abascal conseguiu isolar o Peru do impacto dos acontecimentos da Espanha e, consciente do perigo que representava qualquer forma de autonomia local para © principio da continuidade e natureza unitaria da monarquia es- panhola, fez com que Fernando VII fosse proclamado Rei, incon- dicionalmente, em Lima (13 de outubro de 1808), seguida a procla- mago por juramentos de fidelidade por todo o Peru. Pouco de- pois, Abascal declarou guerra aos franceses através de uma Junta 5 Halpherin Donghi, T. Op. cit., p. 81. © Hamnett, BR. Revolucion y Contrarrevolucién ent México y el Perit (libera- lismo, realeza y separatismto 1800-1824). Mexico: PCE. 1978, p. 32. | Isevan Janesé 4 Extraordinaria com os membros da Audiéncia, o Arcebispo e membros do Cabildo de Lima”, o que, de fato, fez do Vice-Reina do Peru uma entidade politica com alto pader de decisao, ainda que em nome da legalidade dindstica nos moldes do Antigo Re- gime. O que Abascal temia estava, entretanto, em curso exatamente naquela regido que representava um dos eixos da estratégia refor- mista de Madrid no continente sul-americano: 0 Vice-Reinado do Rio da Prata. Em 1806 e 1807 Buenos Aires rechagou duas invasées inglesas e construiu as condigGes objetivas e subjetivas para postu- lar a sua autonomia. A “tomada da cidade pelo reduzido exército * de Beresford, em 1806, é — tanto quanto uma catdstrofe inespera- da — um escandalo que espera por uma explicagio. A prépria fra- gilidade da ordem colonial se vé bruscamente revelada“*, criando um vazio que sera rapidamente preenchido por coloniais. A crise metropolitana reduziu a capacidade de resposta operativa (inclu- sive no estratégico plano militar) dos que, em nome do monarca legitimo, exerciam a lideranga no Vice-Reinado, reforgando, em contrapartida, o peso politico de emergentes liderangas locais que se aproximavam da, e interferiam na fungdo governamental, cons- tituindo, com isso, pontos de referéncia para alternativas politicas de base local”, cuja importancia ficard clara nos episddios de Maio de 1810. Mas, talvez em nenhtma outra situagao 0 cardter contraditério, mesclando o novo ¢ 0 velho, do impacto desorganizador do eclip- se do poder coesive metropolitanto aflore com tanta nitidez quan- to no Levante de Quito de 1809. A Junta que af se constituiu, ainda que em home de D. Fernando, erigiu-se em pader soberano. As autoridades espanholas foram detidas e, ato continuo, institufram- se os simbalos de poder, arrogando-se a Junta faculdades até en- tao privativamente atribuidas ao monarca: Ministérios do Interior, ” dem, p. 33. 8 Halpherin Donghi, T. Revalucién y Guerra — formacion de una elite eit gente en la Argentina criolia, Buenos Aires: Siglo XXI. 1972, p. 143. ® Tdem. “Militarizacion revolucionaria en Buenos Aires, 1806-1815", in Halpherin Donghi, 'T. (org,). El Ocaso del Orden Colonial er Hispano- america, Buenos Aires: Sudamericana. 1978. ® Of. Chiaramonte, J. C. Op, cit, A construcio dos Estados nacionals na America Latina | das Relagdes Exteriores, da Guerra e da Fazenda foram criados, assim como uma magistratura para administrar ajustiga. Um Con- gresso foi convocado; criou-se um corpo de exército; instituiram- se novos cargos, titulos e soldos*, Entrelagam-se, no episédia, os elementos constitutivos da crise geral, buscando estabelecer um no- vo equilibrio, tentando harmonizar 0 inconcilidvel: o direito tradi- cional ibérico a definir competéncias ¢ autonomia municipais coli- dindo com a lealdade a um monarca absolutista; a valorizagio da ordem estamentiria da sociedade conflitando com a busca de re- presentatividade social que a ultrapassava; o formalismo letrado das decisées da Junta resvalando no carater anarquico que o mo- vimento assumiu; a falsa racionalidade da estrutura de poder es- bogado que era negada pela composicdo efetiva de seu micleo, Em nome do Rei negava-se o fundamento mesmo da monarquia abso- lutista, Num officio da Junta ao Conde Ruiz de Castilla, datada de 10 de agosto, pode-se encontrar uma sintese dessas contradicSes: “O estado atual de incerteza em que esta mergulhada a Es- panha, o total aniquilamento de todas as autoriclades legalmen- te constituidas, e os perigos a que estado expostas as pessoas (sic) @ possessGes de nosso arnado Fernando VII de cairem baixo o tirano da Europa, levaram nossos irmaos da peninsula a forma- rem governos provisérios para sua seguranca pessoal, para se livrarem das maquinacGes de alguns de seus pérfidos compa- triotas indignos do nome espanhol, e para defenderem-se do ini- migo comum. Os leais habitantes de Quito, imitando seu exem- plo e decididos a conservar para seu Rei legitimo e soberano esta parte de seu reino, estabeleceram também uma Juma Sobe- rana nesta cidade de Sao Francisco de Quito, em cujo nome, e por ordem de S$ Ecxia. o Presidente, tenho a honra de comunicar a VSa. que cessaram as fungSes dos membros do antigo govérno. Deus guarde V.Sa. por muitos anos”, O modelo para a eclosao de movimentos como o de Quito vinha da metrapole. O Conselho de Regéncia formado apés a forgada ™ Salvador Lara, J. La Revolucion de Quite (1809-1822). Equador: Ct Ed, Nacional, 1982 (Col. Ecuador, 1) SNR % Idem, p. 73 seg. 16 | Isevin Jancso rentincia conjunta do velho Rei Carlos IV e de seu filho e herdeiro Fernando, retidos em Baiona, cede lugar a uma Junta Suprema, ra- dicalmente legitimista, que toma a sia resisténcia ao avango fran- cés, A estrutura basica desta resisténcia é formada pelas juntas insurrecionais locais que acabam por servir de modelo, ainda que nao haja, na América, qualquer ameaga efetiva de intervengao fran- cesa, A Inglaterra domina totalmente as rotas maritimas, € 0 Tisco. de repeticao de episédios como os do Prata de 1806 e 1807 desapa- rece com a alianga frente ao inimigo comum. Por outro lado, a per- da da Andaluzia e 0 refiigio da Junta Suprema em Cadiz passam a reduzir ainda mais a capacidade operativa da metrépole no plano politico, A dimenso arbitral da monarquia nio pode ser plena- mente transferida para a Junta, a qual faltava a legitimidade radi- cada na lealdade dindstica, corporificada na pessoa do Rei, tinica instancia reconhecida como dirimidora dos conflitos permanentes entre as diversas esferas de poder no Ambito colonial, tanto as de base local quanto aquelas representativas da metrépole. Os conflitos de interesse nao contavam mais com meios de solu- go legitima para além das varidveis que thes eram imediatamente constitutivas, Muda o sentido do Viva o Rei, morra o mau governo, permanente no periodo colonial hispano-americano. A resolugio das tenses no Ambito local passa a se dar mediante confrontagdes que transferem os conflitos de interesses para a dimens4o politica imediata, estabelecendo os marcos basicos das polarizagGes que per- duraram por décadas no interior dos novos Estados emergentes da implosao do Império Colonial, Assim ocorreu em Buenos Aires apés 1810, com a concentrago crescente de poder nas maos do Cabildo, passando depois para as de grupos cada vez mais restri- tos de liderancas politicas, rompendo com os. mecanismos tradi- cionais, fortalecendo o localismo ¢ introduzindo uma nova possi- bilidade de integrar politicamente a propria questao dindstica. gE nesse contexto que surge o que veio a se designar de carlotisnio, e que, em sintese, era uma variante para a preservagao dos direitos da dinastia bourbénica na pessoa da Princesa Carlota Joaquina, cagada com o Principe Regente D. Jodo de Portugal. Essa alterna- tiva, que despontou no Prata e desdobrou-se para 0 Alto Peru®, aponta para a ampla gama de apgGes institucionais que se entre- ® Btchepareborda, R. Que fue el Cariotismio, Buenos Aires: Plus Ultra, 1971. ‘A construgo dos Estados nacionais na América Latina | " 18 cruzavam, enquanto conjecturas a gerarem agao politica, no uni- verso colonial, 4 margem ou tangenciando a legalidade dinasti- ca tradicional, Bi do entrechoque dos representantes da nova ordem revolucio- naria, de base local circunscrita as sedes politicas das antigas uni- dades administrativas do Império com outros centros efetivos de poder local no interior (tradicionalmente subordinadas a esta) no que ainda era, em tese, 0 Vice-Reinado do Rio da Prata (a Banda Oriental, o Paraguay, entre outros) que comegam a configurar-se os novos Estados que virao a substituf-lo. ‘No Chile, como no Prata, 0 desaparecimento da fora coesiva e arbitral da monarquia peninsular resultou em polarizagao pollti- ca, eacrise resultou na convocagdo de um Cabildo aberto que ins- tituiu uma Junta de Governo em substituigao ao Capitéo Geral designado pelo poder metropolitan. Assim como em Quito, onde a testa do novo poder, e em meio a proclamagées de lealdade dindstica, foi colocado um membro da aristocracia crioula (o mar- qués de Selva Alegre), também em Santiago buscou-se alguém cuja legitimidade social fosse conforme aos padres do Antigo Re- gime (Mateo de Toro Zambrano, conde de la Conquista), também crioulo como aquele de Quito. As proclamagées da Junta sfo le- galistas, temetendo sua agdo as decisdes da Junta de Cadiz “ad- vertindo as Américas que esta podera servir de modelo aos povos que queiram eleger um governo representativo digno de sua con- fianca’”™, e propondo-se & “observancia das leis e conservagao des- tes dominios para seu legitimo dono e infeliz monarca, o senhor Don Fernando Sétimo”®, mas abrindo caminho pata uma polari- zacdo politica entre os diversos grupos participantes dos eventos, entre os quais se inclufa aquele que reconhecia a dissolugao de fato do vincule colonial em carater definitivo (0 que significava a pro- posicao de um desenlace revolucionério), ainda minoritario face & outra que © considerava fato transitério. Como em Quito, Buenos Aires e em outras regides, a formalizagaio da autonomia através de discursos lealistas e legalistas desencadearam conflitos politicos 4 Actas del Cabildo de Santiago durante el periodo Namado de ta Patria Vieja (1810-1814) (ed. por J. T. Medina, ed. fac-similar). Santiago: Fondo His- torico y Bibliografico José Toribio Madina. 1960, p. 61. ® Tbidem. | sevdn Janes no interior das elites. Destrufda a legitimidade arbitral externa, criam-se nticleos de poder qué se enfrentam. O Congreso Nacio- nal (instalacdo em 4 de julho de 1811) torna-se instrumento dos mo- derados e nostélgicos do Antigo Regime, do que resulta a cisdo, com 0 estabelecimento de um polo de poder paralelo em Concep- cion, até a unifieacdo revoluciondria imposta militarmente por José Miguel Carrera. A reacao realista partindo do Peru (como ja tinha ocorride como esmagamento do levante de Quito, e ocorrera, mais tarde no Alto Peru em 1815, desligando-o, de fato, da 4rea de in- fluéncia de Buenos Aires) restabelece o controle espanhal sobre o Chile, eliminando, entretanto, as alternativas de tipo mondrquico do elenco das possibilidades, dada a natureza da polarizagdo po- litica que se generaliza na América espanhola. Na Venezuela, o processo se desdobra segundo o mesmo mode- lo. Em abril de 1810, um tumulto em Caracas, provavelmente fo- mentado pelo Cabildo “para estabelecer uma Junta de Governoem nome do Rei cativo’”* acaba num pronunciamento da elite crioula objetivando, "sem quebra da trangiiilidade publica, o controle da burocracia imperial por membros desta elite”. Os desdobramen- tos deste episddio serdo profundos, e a Patria Boba que inaugura cedera lugar, reproduzindo a complexidade diferenciada da for- macdo social venezuelana, a uma guerra civil de extraordindria amplitude social, penetrando em todos os estratos da sociedade e resultando numa guerra até a morte em cujo interior o conservadoris- mo politico tanto nao encontrava paralelo no conservadorismo so- cial que os legalistas ndo hesitavam em legitimar rebeliées escravas em defesa da antiga ordem monarquica. A polarizagao ideolégica que resulta dos embates leva A proclamagio da Republica (1811), mas esta é militarmente derrotada no ano seguinte por forgas mili- tares que, longe de serem imponentes, eram, entretanto, melhor adestradas ¢ contavam com uma percep¢aio melhor articulada do significado de cada dimensao do conflito, O que ¢ importante ressaltar, aqui, é que a estrutura imperial estava em rufnas, ¢ por todo o universo hispano-americano a le- gitimidade do poder central, por inoperante, redefiniu os novos espacos da pratica politica possivel ao regional. As grandes epo- % Halpherin Donghi, T. Gp. cit, p. 135. » Ibidem. eee me. U A construgio dos Estados nacionals na América Lana | péias das guerras da independéncia, a convergirem para o Peru, fizeram-no menos para estabelecer um polo articulador do anti- £0 conjunto (que durante a vigéncia plena do Império estava em Madrid, e nao af) ¢ sim para eliminar o centro operativo da resis- féncia 4s mudangas, para aniquilar o bastifio do Antigo Regime que poderia resistir, como 0 fez com sucesso temporério, ao surgi- mento de novas hegemonias nas novas unidades politicas ja de fato aut6nomas da América hispanica. * Na América portuguesa 0 processo apresenta caracteristicas comparaveis com as descritas em linhas gerais para o outro impé- tio ibero-americano, ao menos até o desencadear do ciclo revolu- ciondrio na Europa. Também af o reformismo baseava-se numa vi- sio imperial a reordenar o conjunto das relagées entre as partes constitutivas dos dominios dos Braganga, ¢ também ai o poder da Cotoa era o elemento coesivo do sistema, Para as ¢lites locais, fos- sem peninsulares ou coloniais, o universo da pratica politica pos- sivel situava-se no todo do espaco imperial ou, entao, nos marcos das unidades constitutivas deste todo, isto é, nos espacos regio- nais, nas condigGes definidas pela insergéo dos personagens nas ordens que compunham a sociedade. Nada havia, em tese, que impedisse a um membro da nobreza origindrio da Babia, por exem- plo, de assumir cargos de preeminéncia na estrutura de poder do Império. Mas, na medida em que o centralismo cortesdo do abso- lutismo estabelecia as regras da competigao pelos cargos de maior prestigio, honra, poder e proventos, os da colénia participavam apenas marginalmente desse processo, pelas limitagdes impostas pela distancia, habitualidade e condigdes objetivas de realizarem 0 aprendizado politico que os qualificaria para o desempenho dos cargos. Isso estava profundamente arraigado na mentalidade dos homens da época, e trajetérias como de José Bonifacio de Andrada ¢ Silva, ilustram a assertiva®, Para os membros da hierarquia da Igreja a perspectiva de insergfo nas estruturas de comando impe- * Vide, entre outros, Souza, O. T. de. José Bonificio, Rie de Janeiro: José Clympio Ed., 1960 (Hist. dos Fundadores do Império do Brasil, v.1), e Viatti da Costa, E. “José Bonifacio: 0 homem e o mito”, in Mota, C. G. (org.) Op, cit, o— 20° | Istvan Janes rial eram mais efetivas, do que é indicativa a freqiiéncia de homens originarios das colénias nas posijées de destaque neste Ambito”. De qualquer forma, durante o aprofundamento da crise do Antigo Sistema Colonial, é nitida a tendéncia para a cooptagao das elites coloniais por parte da Coroa, Quando da manifestagdo de sinto- mas de germinago de alternativas de ordenamento polftico para o sistema vigente, a Coroa sempre foi extremamente cuidadosa na administragdo das punigdes quando acabaya por se impdr a neces- sidade de reprimir ac’o ou ameaca de sedigdo. As punigies fica- vam, no mais das vezes, circunscritas aos setores populares, com o nftido intuito de demarcar o fosso entre estas e as elites, Esse com- portamento seletivo de poder na administracéo das penas” ou no estabelecimento do elenco de acusados" é apenas uma entre as varias dimensdes da polftica de incorporar as elites coloniais ao projeto imperial em curso. A maior desenvoltura da politica colo- ‘nial portuguesa em relacao A América, quando confrontada com a espanhola, reside, entretanto, menos na diversidade de concepgaio ‘ou na capacidade de incorporar apaios locais, e bem mais nas con- digdes de sustentacao de politicas globais nos dois grandes planos interdependentes: 0 econémico-mercantil e o militar-administra~ tivo, No caso hispanico, como ja foi dito, as limitagdes espanholas derivadas de suas condicdes de insergdo no conflito europeu ten- deram a fortalecer mecanismos gestados localmente para a reso- lugdo de problemas emergentes em todos os niveis da vida local 4 margem das prescrigGes legais, devido & impossibilidade pratica de fazer com que fossem obedecidas. Foi isso que transformou, por exemplo, o contrabando numa atividade permanente, numa esca- » Mesgravis, L. “Os aspectos estamentais da estrutura social do Brasil Colénia”. Estudes Econdmicos, v. 13, n.° especial, Sao Paulo: IPE. 1983. © Como no caso dos episédios de Minas Gerais em 1789, da Bahia em 1798 ou Rio de Janeiro em 1801, A esse respeito, vide, entre outros, Maxwell, K. A Devassa da Devassa. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1977, Janesé, 1. Op, cit., e Santos, A. M. dos 5, Op. cit. 31 Isso é sensfvel em Minas Gerais e, mais nitidamente, na Bahia, onde o- caso de Antonio Agostinho Gomes pode ser tomado como paradig- mitico, cf. Janesd, I. Adendo a discussite da abrangéncia social da Incon- fidéncia Bahiana de 1798, trabalho apresentado no XVIII Sinipésio Na- cional de Histdria. Sao Paulo, jul. 1993. Acconstrugio dos Estados nacionais na América Latina | 21 la em muito superior ao que se verificou na América portuguesa onde, de resto, também ocorria rotineiramente. O fato, porém, é que tanto o perseverante esforgo de Portugal na busca da neutralidade no concerto europeu dos Estados, quan-» toa dependéncia econdmica do Reino em relagao a Inglaterra, des- dobrando-se esta na protegao das rotas marftimas vitais, acabaram \y5, por conferir uma gobrevida maior ao projet imperial portugués. O esgotamento da politica de neutralidade e o conseqiiente en- volvimento de Portugal ne conflito pan-europeu da expansao na- polednica resultou num desenlace totalmente diverso na América portuguesa, comparativamente com a espanhola. Ao contrério do que ocorreut em varias regides administrativas do Império espa- nhol, onde o eclipse da metrépole estimulou 9 fortalecimento das», autonomias locais, no Brasil verificou-se o fortalecimento do cen- tralismo monarquico-legitimista em detrimento dos localismos que se desenhavam durante o primeiro ciclo. O poder coesivo da mo- narquia no espago colonial fortaleceu-se no Brasil, ¢ a instalagao, da Corte no Rio de Janeiro transformou este no centro efetivo do proprio projeto imperial, integralmente preservade e, na antiga colénia, revitalizado. Ao sediar a Corte, o Rio de Janeiro torna-se, de fato, o polo articulador da diversidade constitutiva da América porttiguesa, realizando 0 papel que antes cabia ao Reino peninsu- lar, Para ele passaram a convergir os canais do poder, tanto do ju- dicidrio quanto do executive, produzindo uma intensificagao da troca de experiéncia e pratica politica de magnitude anteriormente. impensdvel para os coloniais. A liquidagao do Antigo Sistema Co-' lonial, no Brasil, deu-se integralmente sob o controle politico da monarquia, 0 processo ja esbocado de cooptagéo das elites colo- niais ganhou nova escala. Os grandes vetores de cunho geo-politico que se desdobraram da evolugao diferenciada da crise européia das monarquias ibéri- cas no espaco colonial foram notavelmente diversas. Enquanto no espaco hispano-americano o fortalecimento relativo de nucleos de poder regionais levou ao dilaceramento interno via conflitos de enorme profundidade (guerras de independéncia, guerras civis que muitas vezes se confundiam com aquelas, enfraquecimento dos centros de articulagao do sistema imperial, surgimento de forma~ Ges polfticas autGnomas de curta duragdo mas com alto poder de mobilizag&o social etc), anulando as legitimidades & legalidades sobre as quais repousava o projeto imperial, no espace luso-ameri- 22 | Istvan Jancsd cano o projeto imperial nao somente se manteve mas, mais do que isso, ampliou-se através da agressiva continuidade na persecugao dos objetivos de sempre, e nesse quadro nao sao de importéncia secundaria as tradicionais estratégias expansionistas da Coroa, A expedicio militar formada pelo corpo de Voluntérios Para- enses® ocupa Caiena, cujo governo é confiado a Joo Severiano Maciel da Costa, brasileiro de Minas Gerais (1809). No extremo sul é retomada a iniciativa no Prata com a invasdo da Banda Oriental, (1811), do que resultard a ineorporagio desta regio ao corpo do Império portugués. Esta operagio é ilustrativa da diferenga nas condigSes operativas das duas monarquias na América. Enquanto, no Prata, a forgada imobilidade espanhola criou as condigées para © surgimento, consolidacio e, finalmente, a hegemonia das forgas politicas locais, a operagao platina da Corte do Rio de Janeiro, ain- da que recorrendo também a recursos militares coloniais (paulistas ¢ rio-grandenses), fé-lo sempre subordinando-os an corpo central das forgas militares de composigao e comando divorciado de qual- quer base social local ou regional. Dessa forma, as areas de conflito circunscreviam-se a regides periféricas, e as tensdes eram desloca- das para um nivel que as afastava da esfera da disputa do poder do Estado. O sucesso dessas empreitadas reforgou o poder da mo- narquia, e o projeto imperial afigurava-se acrescido na sua capaci- dade de arbitrar os conflitos derivados de interesses locais. No plano interno a antiga colénia, o espago de cooptagao das elites ampliou-se grandemente,na medida em que novos cargos, fungGes e tarefas abriram-se para seus membros com a radical alte- ragdo do estatuto politico da agora sede do Império portugués. Quer se tratasse das forgas armadas, quer da administrago civil, quer do sistema educacional, quer da vida cultural, a incorporagao de brasileiros 4s estruturas de poder tenden a cresder, e as elites pas- saram a disputar estes espagos com os metropolitanos. Na Corte do Rio de Janeiro realizou-se a sintese que anteriormente cabia a Lisboa evitar, estabelecendo a aproximacao entre os diversos seg- mentos dé elites das regides que formavam o Reino do Brasil (1816), intercambiando experiéncias, confrontando interesses, construin- do as bases subjetivas para a construgdo de uma identidade polf- ya Cages Ob “td dy R.A. de. Histéria Geral da Brasil. Belo Horizonte-Sao Paulo: fdusp. 7.1ed., vol. 3, tomo V, p. 111 seg. 1981 * Varnhager Itatiaia, A construgio dos Estados nacionais na América Latina | 2 tica comum. O Brasil, ainda que diverso, afigurava-se no seu toda como o espaco de afirmagao e expansio de uma hegemonia de clas- se, na medida em que os interesses comuns eram reconhecidos como de maior monta que os divergentes, E de resto, a percepgao da efe- tiva relagdo de forgas entre as do poder central e aquelas que em tese poderiam ser mobilizados por facgées locais que buscassem aftonté-lo desaconselhava aventuras. A forga ¢ a fraqueva das elites locais residia na escravidao, e a yeteprodugio de sua hegemonia em escala local implicava, neces- sarjamente, na reprodugao ampliada do sistema escravista. Esta constituia a base de seu poder econémico. Mas a generalidade ab- soluta do escravismo, que determinava os limites da consciéncia politica posstvel, representava, também, o limite da ado politica / dessas elites. '* Para que estas pudessem levar avante projetos politicos de en- vergadura suficiente para resistir 4 previsivel reagdo do poder central, teriam que recorrer 4 ampla mobilizag&o das diversas ca- madas que formavam as sociedades em cujo interior projetavam ampliar a sua hegemonia através do controle de um Estado sobe- rano. Ora, o escravismo, base da hegemonia dessas elites, estabe- lecia o limite social da mabilizagao possivel: os homens livres, Fa- lando da nobreza da terra, e de suas condicdes de operar politica- mente, Sierra y Mariscal anota que “no Brasil nao ha grandeza, a que ha é muito pobre, nova e sem privilégios. As distingdes de toda aclasse se derdo a todas as classes e vierdo a ser comuns, € por isso perderao sua consideragao””, além do que, acrescenta: "A falta de meios que tem esta espécie d’Aristocracia, lhe priva formar Clien- tes, e de fazer um partido entre o povo”™, E ainda que tentasse, depai rar-se-ia com um enorme risco potencial, ja que parcela signi- ficativa dos homens livres no incorporados As elites era de ori- gem escrava, ¢ essa condicao estava inscrita na pele. As rebelides de escravos da Bahia, freqiientes a partir de 1810, mostraram cla- tamente que a solidariedade dos homens livres de cor dividia-se, e pederia voltar-se massivamente para os escravos contra seus se- ® Sierra y Mariscal, F. de, “Ideas geraes sobre a Revolugio do Brazil e suas consequencias”, in Anais da Biblioteca Nacional. Vol. 43-4. Rio de Janeiro. 1920. ™ Tbidem. 24 | Istvan Jancsé | nhores*®, Era impensavel mobilizar massas escravas com objetivos politicos, a néo ser que da participagao na agao resultante cecor- yesse a supressio da condigao juridica de cative, Numa formagao econémico-social onde o trabalho escravo tinha um cardter subsi- diario enquanto base da riqueza, 0 recurso foi adotado com bons resultados: algo como um tergo do efetivo do Exército dos Andes, de San Martin, era formado por cativos para os quais o engajamento do exército libertador significava, ipso facto, a alforria. Mas, no Bra- sil, qualquer forma de engajamento similar de cativos ou ex-cati- vos era percebido como um enorme risco para os dois pilares da hegemonia das elites: a sua base econémica e a natureza estamen- taria da sociedade que legitimava privilégios e diferengas. Esta que, no estrito universo social americano, assumia uma configuragéo diversa daquela vigente na metrépole, era tida por modelo geral, mas a escala social a ser galgada excluia, por antecipagao, com seus rigidos eritérios de pureza de sangue, parcela esmagadora da po- pulagao livre®, O segundo ciclo da revisiio das relagdes metrdpole-colénia, no Brasil, afigura-se como o do reforgo da legalidade e da legitimida- de dindstica. Os Braganga formularam e implementaram o seu projeto imperial, ¢ este se reforgou na América pois atendia as ex- pectativas das elites locais. Aqui, ao contrério da América hispa- jnica, @ conservadorismo politico das elites encontrou ne projeto imperial o instrumento de sua efetividade e os meios para o rom- pimento dos particularismos que no perfodo anterior se apresen- tavam como demarcadores dos limites de seus projetos politicos possiveis. O ponto fragil do projeto Imperial passou a situar-se na Europa, ¢ é em Lisboa, durante as reunides das Cortes, que os re- presentantes das elites brasileiras se do conta da operacionalidade politica da unidade da América portuguesa, ja Brasil, para a pre- servagao e ampliagao de seu espago politico préprio. A dialética unidade-diversidade adquire novos contornos, e é no seu interior que se chegard a ruptura politica formatizada na Independéncia. O Brasil Reino foi o cendrio que permitiu aos coloniais a reali- 3 Reis, J. J. Rebelifo Escrava no Brasil —a historia do levartte dos malés (1835). Sao Paulo: Brasiliense. 2,* ed., principalmente p. 13-83. 1987. 36 Vide, de Oliveira, L. da. P. Privilégios da Nobreza, e Fidalgin de Portugal. Lisboa: Nova Of. de Jofio Rodrigues Neves, 1806, A construgio dos Estados nacionais na América Latina | 25 zacao do aprendizado do manejo do aparelho do Estado como ins- irumento de poder. Nao se tratava, para estes, de abrirem mao de parcela de poder politico para um centro hegeménico distante, na medida em que, para cles, desde sempre, este era ausente, ultra- marino, quase inacessivel. Na nova situagao criada, a mobilidade social nos marcos formais do Antigo Regime (titulos, cargos, hon- ras, privilégios) estavam mais préximos do que antes, e essa cons- ciéncia perpassava a sua relagio com a fonte de onde se origina- vam: a Coroa. Que disso resultava o seu fortalecimente relativo também em escala local, na medida em que passavam a participar dos processos decisdrias no centro de poder, situado no Ric de Ja~ neiro, seja através de mecanismos formais, seja informais, no que diz respeito a cargos e vantagens no seu espago politico particular de origem, apenas fez com que © seu conservadorismo politico se acentuasse. E n&o era um Império qualquer que se abria para os antigos coloniais. Para muitos deles, “chegou finalmente a época em que o Soberano de Portugal deve tomar 0 titulo de Imperador, que justamente corresponde 4 Ma- jestade de sua Pessoa, ao Heroismo de seus Augustos Progeni- tores, e A extensdo de seus Estados, O Brasil Soberbo por conter hoje em si o Imortal Principe que nele se dignou estabelecer 0 seu Assento, adquire hoje um tesouro mais precioso que o aureo metal que desentranha, ¢ os diamantes e rubis que o matizam. Ele ja nao seré uma Colonia maritima isenta do comércio das. nagées, como até agora, mas sim um poderoso Império, que viré \ a ser o moderador da Europa, o arbitro da Asia, e o dominador da Africa’. ¥ Vasconcellos, A. L. de B, A, &. Memorias sobre o estabelecimento do Império do Brasil, ou Novo Império Lusitano, in Anais da Biblioteca Nacional. Vol. 43-44, 1921, Rio de Janeiro. 26 | Istvan Janes

You might also like