O texto se propõe a ser um exame teórico do fenômeno da transferência e da maneira
pela qual esta opera no tratamento analítico. Inicialmente a transferência foi tratada por Wilhelm Stekel em estilo descritivo. Cada indivíduo, através da ação combinada de sua disposição inata e das influências sofridas durante os primeiros anos, conseguiu um método específico próprio de conduzir-se na vida erótica que, decerto não é inteiramente incapaz de mudar frente a experiências recentes. É importante salientar que somente uma parte daqueles impulsos que determinam o curso da vida erótica passou por todo o processo de desenvolvimento psíquico. Esta é a parte que está dirigida para a realidade, já a outra parte dos impulsos libidinais foi impedida de expansão ulterior, exceto na fantasia, ou permaneceu totalmente no inconsciente. Se a necessidade que alguém tem de amar não é inteiramente satisfeita pela realidade, ele está fadado a aproximar-se de cada nova pessoa que encontra com ideias libidinais antecipadas. Assim, é perfeitamente normal e inteligível que a catexia libidinal de alguém que se acha parcialmente insatisfeito dirija-se a protótipos, ou seja, ela incluirá o médico numa das ‘séries’ psíquicas que o paciente já formou. Mas a transferência não se acha presa a esse protótipo específico, pode surgir também semelhante a imagem materna ou paterna. Essa transferência foi precisamente estabelecida não apenas pelas ideias antecipadas conscientes, mas também por aquelas que são inconscientes. Existem dois pontos inexplicados de interesse para o psicanalista. Em primeiro, não compreendemos por que a transferência é tão mais intensa nos indivíduos neuróticos em análise que em outras pessoas desse tipo que não estão sendo analisadas. Em segundo, permanece sendo um enigma a razão por que, na análise, a transferência surge como a resistência mais poderosa ao tratamento, enquanto que, fora dela, deve ser encarada como veículo de cura e condição de sucesso. Entretanto, se analisarmos a situação mais de perto, podemos pelo menos dissipar o primeiro de nossos dois problemas na medida em que nas instituições em que doentes dos nervos são tratados de modo não analítico, podemos observar que a transferência ocorre com a maior intensidade sob as formas mais indignas. Essas características da transferência portanto, não devem ser atribuídas à psicanálise, mas sim a própria neurose. Já o segundo problema utilizemos o exemplo que uma precondição invariável e indispensável de todo desencademanto de uma psiconeurose é o processo que Jung deu o nome de ‘introversão’, provesso pelo qual a parte da libido que é capaz de se tornar consciente é diminuída, e a parte que se dirige para longe da realidade é proporcionalmente aumentada. Assim, o curso da libido entrou num curso regressivo cujo tratamento analítico passa a segui-la, procurando rastreá-la. E, quando a encontra, está fadado a irromper um combate; todas as forças que fizeram a libido regredir se erguerão como ‘resistências’. Ela regride pois a atração da realidade diminue. A fim de liberar essa libido, a repressão dos instintos inconscientes e de suas produções deve ser removida. Isto é responsável, de longe, pela maior parte da resistência, que acompanha o tratamento passo a passo. A ideia transferencial penetrou na consciência à frente de quaisquer outras associações possíveis porque ela satisfaz a resistência. Logo, um evento deste tipo se repete inúmeras vezes e, quando nos aproximamos de um complexo patogênico, a parte desse complexo capaz de transferência é empurrada em primeiro lugar para a consciência e defendida com a maior obstinação. Depois que ela for vencida, a superação das outras partes do complexo quase não apresenta novas dificuldades, tendendo para uma situação na qual, finalmente, todo conflito tem de ser combatido na esfera da transferência. A transferência para o médico poderia servir para facilitar as confissões e não fica claro por que deve tornar as coisas mais difíceis. Mas, para responder a essa questão percebemos afinal que não podemos compreender o emprego da transferência como resistência enquanto pensarmos simplesmente em ‘transferência’, e sim distinguindo em ‘positiva’ e ‘negativa’. A positiva é ainda dividida em sentimentos amistosos ou afetuosos, que são admissíveis à consciência, e transferência de prolonhamento desses sentimentos no inconsciente os quais invariavelemente remontam a fontes eróticas. Pois, Originalmente, conhecemos apenas objetos sexuais, e a psicanálise demonstra-nos que pessoas que em nossa vida real são simplesmente admiradas ou respeitadas podem ainda ser objetos sexuais para nosso inconsciente. Assim, a solução do enigma é que a transferência para o médico é apropriada para a resistência ao tratamento apenas na medida em que se tratar de transferência negativa ou de transferência positiva de impulsos eróticos reprimidos. Se “removermos’ a transferência por torná-la consciente, estamos desligando apenas, da pessoa do médico, aqueles dois componentes do ato emocional; o outro componente, admissível à consciência e irrepreensível, persiste, constituindo o veículo de sucesso na psicanálise, exatamente como o é em outros métodos de tratamento. Cuidamos, assim, da independência final do paciente pelo emprego da sugestão, a fim de fazê-lo realizar um trabalho psíquico que resulta necessariamente numa melhora constante de sua situação psíquica. A transferência negativa, nas formas curáveis de psiconeurose é encontrada lado a lado com a transferência afetuosa, e às vezes dirigidas simultaneamente para a mesma pessoa, fenômeno chamado por Bleuler de ‘ambivalência’, que pode ser normal tê-la, mas que em alto grau, se configura como uma peculiaridade especial de pessoas neuróticas. Uma pessoa em análise, assim que entra sob o domínio de qualquer resistência transferencial considerável, é arremessada para fora de sua relação real com o médico, esquecendo as intenções com que iniciou o tratamento e como encara com indiferença argumentos e conclusões lógicas. No processo de procurar a libido que fugira do consciente do paciente, penetramos no reino do inconsciente. Os impulsos inconscientes não desejam ser recordados da maneira pela qual o tratamento quer que o sejam, mas esforçam-se por reproduzir-se de acordo com a atemporalidade do inconsciente e sua capacidade de aluciação. Esta luta entre o médico e o paciente, entre o intelecto e a vida instintual, entre a compreensão e a procura da ação, é travada, quase exclusivamente, nos fenômenos da transferência. É nesse campo que a vitória tem de ser conquistada - vitória cuja expressão é a cura permanente da neurose. Fichamento texto observações sobre o amor de transferência O amor de transferência se dá quando uma paciente demonstra, mediante indicações inequívocas, ou declara abertamente que se apaixonou pelo médico que a está analisando. Tal situação tem aspectos aflitivos e cômicos, bem como os sérios. Ela é determinada por tantos e tão complicados fatores e é tão inevitável e difícil de se esclarecer. A questão é como lidar com essa situação, pois se após a paciente ter-se enamorado de seu médico, eles se separam; o tratamento é abandonado. Mas logo o estado da paciente obriga-a a fazer uma segunda tentativa de análise, com outro médico. O que acontece a seguir é que ela sente se ter enamorado deste segundo médico também, e assim por diante. O amor de transferência é um dos fundamentos da teoria psicanalítica e pode ser avaliado a partir de dois pontos de vista, o do médico e o da paciente. Para o médico, o fenômeno significa um esclarecimento valioso e uma advertência útil contra qualquer tendência a uma contratransferência que pode estar presente em sua própria mente, ele deve saber que tal fenômeno é induzido pela situação analítica e não deve ser atribuído a seus encantos. Para a paciente, contudo, há duas alternativas: abandonar o tratamento psicanalítico ou aceitar enamorar-se de seu médico como um destino inelutável. A primeira vista certamente não parece que o fato de a paciente se apaixonar na transferência possa resultar em qualquer vantagem para o tratamento. A paciente perde toda a compreensão do tratamento e todo o interesse nele, e não falará ou ouvirá a respeito de nada que não seja o seu amor, que exige que seja retribuído. Ela abandona seus sintonas, na verdade ela declara que está boa. Nenhum médico que experimente isto pela primeira vez achará fácil manter o controle sobre o tratamento analítico e livrar-se da ilusão de que o tratamento realmente chegou ao fim. Entretanto é importante manter na mente a suspeita de que tudo que interfere com a continuação do tratamento pode constituir expressão da resistência. E, não pode haver dúvida que a irrupção de uma apaixonada exigência de amor é, em grande parte, trabalho da resistência. Tal fenômeno muda a paciente que antes vivia uma transferência afetuosa e era interessada com os objetivos da análise para então a ficar totalmente sem insight e absorvida em seu amor. Muito regularmente essa mudança ocorre na ocasião precisa em que se está tentando leva-la a admitir ou recordar algum fragmento particularmente afltivo e pesadamente reprimido da história de sua vida. Após estar apaixonada por um longo tempo, a a resistência começa a utilizar seu amor a fim de estorvar a continuação do tratamento. Há também a influência de motivos que complicam ainda mais as coisas, uns ligados ao enamoramento (esforços da paciente em certificar-se de sua irresistibilidade, em destruir a autoridade do médico rebaixando-o ao nível de amante e em conquistar todas as outras vantagens prometidas) e outros a resistência (ela faz uso de uma declaração de amor da paciente como meio de colocar à prova a severidade do analista, ela intensifica o estado amoroso da paciente e exagera sua disposição à rendição sexual). Mas, como deve então o analista comportar-se? Uma direção seria substituir o impedimento moral por considerações de técnica analítica, sem qualquer alteração no resultado. Não se pode pegar um caminho intermediário entre retribuir certos sentimentos amorosos e evitar qualquer complementação física dessa ação pois, o tratamento analítico se baseia da sinceridade. Todo aquele que se tenha embebido na técnica analítica não mais será capaz de fazer uso das mentiras e fingimentos que um médico normalmente acha inevitáveis e, ainda, nosso controle sobre nós mesmos não é tão completo que não possamos subitamente, um dia, ir mais além do que havíamos pretendido. Diante disso, o tratamento deve ser levado a cabo na abstinência. Se deve permitir que a necessidade e anseio da paciente nela persistam, a fim de poderem servir de forças que a incitem a trabalhar e efetuar mudanças, e que devemos cuidar de apaziguar estas forças por meio de substitutos pois, até que suas repressões sejam removidas, ela é incapaz de alcançar satisfação real. Se os avanços da paciente fossem retribuídos, isso constituiria grande triunfo para ela, mas uma derrota completa para o tratamento. Ela teria tido êxito em atuar (acting out), em repetir na vida real o que deveria apenas ter lembrado, reproduzido como material psíquico e mantido dentro da esfera dos eventos psíquicos. Ele tem de tomar cuidado para não se afastar do amor transferencial, repeli-lo ou torná-lo desagradável para a paciente; mas deve, de modo igualmente resoluto, recusar-lhe qualquer retribuição. Deve manter um firme domínio do amor transferencial, mas tratá-lo como algo irreal, como uma situação que se deve atravessar no tratamento e remontar às suas origens inconscientes e que pode ajudar a trazer tudo que se acha muito profundamente oculto na vida erótica da paciente. Quanto mais claramente o analista permite que se perceba que ele está à prova de qualquer tentação, mais prontamente poderá extrair da situação seu conteúdo analítico. A paciente então sentir-se-á então segura o bastante para permitir que todas as suas precondições para amar venham à luz. A partir destas, ela própria abrirá o caminho para as raízes infantis de seu amor. Entretanto, é verdade que existe determinada classe de mulheres com quem esta tentativa de preservar a transferência erótica para fins do trabalho analítico, sem satisfazê-la, não logrará êxito. Trata-se de mulheres de paixões poderosas, que não toleram substitutos. Com tais pessoas tem-se de escolher entre retribuir seu amor ou então acarretar para si toda a inimizade de uma mulher desprezada. Em nenhum dos casos se podem salvaguardar os interesses do tratamento e tudo o que se pode fazer é revolver na própria mente o problema de como é que uma capacidade de neurose se liga a tão obstinada necessidade de amor. O que fazemos, acima de tudo, é acentuar para a paciente o elemento inequívoco de resistência nesse ‘amor’, entendendo que não se trata de um amor genuíno acima de tudo por ele não exibir uma só característica nova que se origine da situação atual, mas compõe-se inteiramente de repetições e cópias de reações anteriores, inclusive infantis. O trabalho visa então a desvendar a escolha objetal infantil da paciente e as fantasias tecidas ao redor dela. Entretanto, podemos verdadeiramente dizer que o estado de paixão que se manifesta no tratamento analítico não é real? O papel desempenhado pela resistência no amor transferencial é inquestionável e muito considerável. Mas, a resistência, afinal de contas, não cria esse amor, ela faz uso dele e agrava suas manifestações. Também, é verdade que o amor consiste em novas adições de antigas características e que ele repete reações infantis. Mas este é o caráter essencial de todo estado amoroso. O amor transferencial possui talvez um grau menor de liberdade e exibe sua dependência do padrão infantil mais claramente e é menos adaptável e capaz de modificação; mas isso é tudo, e não o que é essencial. Tentando esclarecer essa questão, o amor transferencial caracteriza-se por certos aspectos que lhe asseguram posição especial. Em primeiro lugar, é provocado pela situação analítica; em segundo, é grandemente intensificado pela resistência, que domina a situação; e, em terceiro, falta-lhe em alto grau consideração pela realidade, é menos sensato, menos interessado nas consequências. Não devemos esquecer, contudo, que esses afastamentos da norma constituem precisamente aquilo que é essencial a respeito de estar enamorado. Para o médico, motivos éticos unem-se aos técnicos para impedi-lo de dar à paciente seu amor. O objetivo que tem de manter em vista é que a essa mulher, cuja capacidade de amor acha-se prejudicada por fixações infantis, deve adquirir pleno controle de uma função que lhe é de tão inestimável importância; que ela não deve, porém, dissipá-lo no tratamento, mas mantê-la pronta para o momento em que, após o tratamento, as exigências da vida real se fazem sentir. Em outras palavras, por mais alto que possa prezar o amor, tem de prezar ainda mais a oportunidade de ajudar sua paciente a passar por um estádio decisivo de sua vida. O psicoterapeuta analítico tem, assim, uma batalha tríplice a travar - em sua própria mente, contra as forças que procuram arrastá-lo para abaixo do nível analítico; fora da análise, contra opositores que discutem a importância que ele dá às forças instintuais sexuais e impedem-nos de fazer uso delas em sua técnica científica; e, dentro da análise, contra as pacientes, que a princípio comportam-se como opositores, mas, posteriormente, revelam a supervalorização da vida sexual que as domina e tentam torná-lo cativo de sua paixão socialmente indomada. Ele sabe que está lidando com forças altamente explosivas e que precisa avançar com tanto cautela e escrúpulo quanto um químico. Fichamento do texto a transferência de freud à lacan Inicialmente, a transferência é o termo que conceitua segundo o consenso dos psicanalistas, o modus operandi da psicanálise, a mola mestra da cura, seu motor terapêutico e o próprio princípio de seu poder. A conceituação de transferência sofreu uma transformação de freud à lacan, mas apesar disso, a conceituação lacaniana é, ao mesmo tempo, estritamente freudiana. Lacan situa no fundamento da transferência uma função inédita em freud: a do sujeito suposto saber. Os psicanalistas estão sempre articulando sua experiência com os mesmos termos que freud nos deixou, e sempre voltam a examinar a letra inesgotável de seus escritos. Lacan voltou ao texto de freud, mas com o tempo, operou de tal forma sobre ele que fez surgir uma temática, uma conceituação e até uma formulação inéditas. Em torno de lacan há, assim como em freud, muita gente que acompanha o seu ensino, mas que não dá facilmente a impressão de ter penetrado naquilo de que se trata. No entanto, repete com grande convicção. Diante disso, lacan postula o sujeito suposto saber que seria para ele o pivô no qual se articula tudo o que se relaciona com a transferência. O pivô seria a sustentação principal de algo, de uma coisa que gira e torno. Esse conceito só intervém em sua teoria em uma data relativamente tardia, 1964-65. Na época se entendeu esse termo como se o analisante começasse supondo que o analista está de posse do saber que lhe concerne, e progressivamente descobre que não é assim, mas que a análise se estabelece sobre a base dessa suposição. Mas, para entender essa questão, cabe uma pequena reflexão histórica acerca da transferência. Se a técnica psicanalítica evoluiu é porque o inconsciente mesmo evoluiu. O inconsciente está estruturado como uma linguagem e a intervenção do psicanalista nele é de tal natureza que pode modifica-lo. É importante também saber em que sentido o psicanalista e seu discurso fazem parte do próprio inconsciente. Inicialmente freud denomina três formas de transferências difusas em seus textos, a de repetição, a de resistência e a de sugestão e o que lacan tratou de deslindar com o sujeito suposto saber é o pivô sobre o qual giram estes distintos aspectos da transferência. Ele é da ordem de um fundamento transfenomênico dos fenômenos da transferência. Freud fala de transferência pela primeira vez como formas esvaziadas de seu sentido, muitas vezes insignificantes, as quais o desejo do sonho as investe de um novo significado. Seria uma transferência de sentido, que corresponde aos tropos da transferência, é um princípio geral. Ela no fundo funcionaria como letras, e isso é o que se compreende melhor a partir da teoria lacaniana do significante. Significantes que só valem na medida em que foram esvaziados de significação, onde o principal é tornar a encontrar essa significação em particular. Nesse sentido, a primeira transferência freudiana é o processo geral das formações do inconsciente. Só a partir do caso dora emerge a significação precisa da transferência freudiana. Ela em sentido psicanalítico se produziria quando o desejo se aferra a um elemento muito particular que é a pessoa do terapeuta, que é mais o significante do analista que sua pessoa. A transferência é sobretudo um fenômeno ilusório, que encontramos tal tipo de ilusão a cada momento na nossa existência. A transferência aqui é o momento em que o desejo do paciente se apodera do terapeuta, em que o psicanalista imanta as cargas liberadas pelo recalque. Essa ideia de transferência nos conduz a compreender que o analista, na medida em que opera com a cura psicanalítica, não é exterior ao inconsciente do paciente. O analista, como significante, faz parte da economia psíquica. Esse é o descobrimento da transferência, há um lugar na economia psíquica que o analista vem ocupar, ele seria em si uma formação do inconsciente. A transferência não estava prevista na teoria de freud e tal chegada a faz parecer um fenômeno parasitário que perturba a continuação do trabalho, chegando a ser considerada uma nova patologia no lugar da antiga. Lacan vem trazer que a transferência é a atualização da realidade do inconsciente, que tem seu valor porque permite ver o funcionamento de um mecanismo inconsciente na própria atualidade da sessão. Ao mesmo tempo ela carrega um segundo aspecto de obstáculo para a cura. Por exemplo, se acontecer das associações de um paciente se interrompam, lhe diga: “você está pensando em mim”. E então entenderá que ela tem uma função de tampa para as associações inconscientes, vindo a interrompe-las. Lacan assimila a transferência a um tempo de fechamento do inconsciente e essa é a profunda ambiguidade da transferência. Em outras palavras, a análise se faz em certo sentido graças à transferência e, em outro sentido, apesar dela. Assim temos dois aspectos: a repetição inconsciente e a resistência. Lacan então coloca que cabe ao analista ser paciente e confiar no inconsciente. Diante disso, temos a transferência quando situada entre a pressão do analista e a resistência aparece como uma formação de compromisso: ela assinala que o inconsciente foi atingido e imediatamente se manifesta através de uma infração à regra fundamental da psicanálise: um silêncio do paciente que evita o pensamento acerca do terapeuta. Seguindo a concepção do primeiro texto dos escritos sobre a técnica, freud coloca que o motor do tratamento parece ser o combate entre a libido do paciente e a demanda do analista e é aqui que ele faz intervir uma inversão que transforma a transferência. Postula a diferença entre a transferência positiva e negativa, onde a positiva possibilitaria uma terceira forma de transferência, a de sugestão. Freud então coloca que deve-se admitir que os resultados da psicanálise repousam sobre a sugestão, que seria uma forma de influir sobre uma pessoa mediante os fenômenos de transferências possíveis em seu caso. Aqui há então uma equivalência e distinção não bem percebidas entre transferência e sugestão. Lacan então propõe em sua teoria distinguir radicalmente esses dois conceitos. Em lembrança, repetição e elaboração, freud fala que a se produz na experiência analítica uma nova neurose, a neurose de transferência. Ela seria uma modalidade de conjunto da cura, a doença artificial própria da psicanálise, onde todos os sintomas do paciente adquirem uma nova significação. No texto observações sobre o amor de transferência, ele coloca que a transferência seria quando a repetição triunfa sobre a exigência de recordar e verbalizar o que o psicanalista formula. Assim, satisfazer o desejo da paciente, no caso do amor de transferência, não seria tanto ser infiel à ética do terapeuta, mas sim sobretudo ser infiel à regra fundamental da psicanálise: dizer tudo, recordar em vez de repetir no presente. Entretanto, não se consegue considerar esse amor como inautêntico, como colocado no texto. Pois nossa própria vida está perpassada por aspectos ilusórios. Ela é constituída pela repetição, nós apenas temos a ilusão do novo. Nós não somos somente pouca coisa, mas também vivemos num sonho e, no momento em que nos aproximamos no sonho, do que é verdadeiramente real em nós, é nesse momento que acordamos, porque nos dá medo, acordamos para continuar dormindo. Nossa vida se acomoda muito bem a esse torpor. Por fim, comprova-se no texto Além do princípio do prazer que o paciente tem que repetir o recalcado como uma experiência atual, em vez de recorda-lo. E é isso o que permite destruir as catexias em que está capturado. “O inconsciente, o recalcado, não oferece qualquer resistência aos esforços da cura”. Ele pede emergir, abrir passagem. As resistências segundo freud provém do eu e não do recalcado. Temos assim de um lado uma transferência extremamente polimorfa, que pode adquirir diversos valores e confundir-se com eles – repetição, resistência e sugestão – e até cobrir o conjunto da cura. Essa confusão é eliminada com lacan nos quatro conceitos fundamentais da psicanálise, que seriam o inconsciente, a repetição, a transferência e a pulsão. Aqui lacan funda a transferência no próprio dispositivo da cura, no qual o sujeito suposto saber seria uma consequência direta desse procedimento, em outras palavras, seria o princípio constitutivo da transferência. Que implicaria a posição assumida pelo psicanalista de convidar o paciente a dizer tudo e qualquer coisa? “Diga tudo, qualquer coisa, isso sempre vai querer dizer algo”. Dá ao paciente a garantia de que não se fala à toa. O psicanalista está lá para garantir ao paciente que esse exercício sem lucro quer dizer alguma coisa, mesmo antes que se saiba o quê. É nessa articulação delicada e puramente lógica que lacan vê o fundamento mesmo dos fenômenos que são dados depois como os da transferência. Fichamento do texto recordar, repetir e elaborar Historicamente a psicanálise tem sua primeira fase com a catarse de Breuer, onde focalizava diretamente o momento em que o sintoma se formava, buscando reproduzir os processos mentais envolvidos ali, tendo como auxílio o recordar e o ab-reagir. Quando a hipnose foi abandonada, a tarefa tornou-se descobrir a partir das associações livres, o que ele deixava de recordar. O elemento da ab-reação retrocedeu para segundo plano e pareceu ser substituído pelo dispêndio de trabalho que o paciente tinha de fazer por ser obrigado a superar sua censura das associações livres. Assim, desenvolveu-se a técnica sistemática hoje utilizada, que contenta-se em estudar tudo o que se ache presente, de momento, na superfície da mente do paciente, e emprega a arte da interpretação principalmente para identificar as resistências que lá aparecem, e torná- las conscientes. O objetivo destas técnicas diferentes, naturalmente, permaneceu sendo o mesmo. Descritivamente falando, trata-se de preencher lacunas na memória; dinamicamente, é superar resistências devidas à repressão. Nos antigos tratamentos hipnóticos, o processo de recordar assumia forma muito simples. Quando o paciente fala sobre estas coisas ‘esquecidas’, raramente deixa de acrescentar. O ‘esquecer’ torna-se ainda mais restrito quando avaliamos em seu verdadeiro valor as lembranças encobridoras que tão geralmente se acham presentes. O outro grupo de processos psíquicos - fantasias, processos de referência, impulsos emocionais, vinculações de pensamento - que, como atos puramente internos, não podem ser contrastados com impressões e experiências, deve, em sua relação com o esquecer e o recordar, ser considerado separadamente. Nestes processos, acontece com extraordinária freqüência ser ‘recordado’ algo que nunca poderia ter sido ‘esquecido’, porque nunca foi consciente. Há ainda um tipo especial de experiências para qual lembrança alguma pode ser recuperada. São experiências que ocorreram em infância muito remota e não foram compreendidas na ocasião, mas que subseqüentemente foram compreendidas e interpretadas. Se conhece elas através dos sonhos e com base na estrutura da neurose. O paciente, após suas resistências haverem sido superadas, não mais invoca a ausência de qualquer lembrança delas como fundamento para recusar-se a aceita-las. Mas freud aponta que esse assunto exige cautela crítica e precisa de um exame separado. Na nova técnica, o paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu e reprimiu, mas expressa-o pela atuação ou atua-o (acts it out). Ele o reproduz não como lembrança, mas como ação; repete-o, sem, naturalmente, saber que o está repetindo. Ele começará seu tratamento por uma repetição deste tipo. Geralmente espera-se que ele despeje um dilúvio de informações ao conhecer a regra fundamental da psicanálise, mas muitas vezes fica silencioso e declara que nada lhe ocorre. Isso é naturalmente a repetição de uma atitude homossexual que se evidencia como uma resistência contra recordar alguma coisa. Em tratamento, o paciente não pode fugir a essa compulsão à repetição, esta é sua maneira de recordar. O que interessa é a relação desta compulsão à repetição com a transferência e resistência. A transferência é apenas um fragmento da repetição e a repetição é uma transferência do passado esquecido para todos os outros aspectos da situação atual. Quanto maior a resistência, mais extensivamente a atuação (acting out) (repetição) substituirá o recordar, pois o recordar ideal do que foi esquecido, que ocorre na hipnose, corresponde a um estado no qual a resistência foi posta completamente de lado. O paciente retira do arsenal do passado as armas com que se defende contra o progresso do tratamento - armas que lhe temos de arrancar, uma por uma. Aprendemos que o paciente repete ao invés de recordar e repete sob as condições da resistência, mas o que é que ele de fato repete ou atua? Ele repete tudo o que já avançou a partir das fontes do reprimido para sua personalidade manifesta, todos os seus sintomas. Devemos então tratar sua doença não como um acontecimento do passado, mas como uma força atual. O recordar, tal como era induzido pela hipnose, só podia dar a impressão de um experimento realizado em laboratório. O repetir, tal como é induzido no tratamento analítico, segundo a técnica mais recente, implica, por outro lado, evocar um fragmento da vida real; e, por essa razão, não pode ser sempre inócuo e irrepreensível. O início do tratamento em si ocasiona uma mudança na atitude consciente do paciente para com sua doença, que a tratava com uma política de avestruz, o que pode ter como consequência o não conhecimento acerca de sua patologia. O paciente então tem de criar coragem para dirigir a atenção para os fenômenos de sua moléstia. Acha-se assim preparado o caminho para uma reconciliação com o material reprimido que se está expressando em seus sintomas, enquanto, ao mesmo tempo, acha-se lugar para uma certa tolerância quanto ao estado de enfermidade. Às vezes o tratamento pode trazer agravamentos que o paciente tem qu eentender como necessários e temporários e que não se pode vencer um inimigo ausente ou fora de alcance. Outros perigos surgem do fato de que, no curso do tratamento, novos e mais profundos impulsos instintuais, que até então não se haviam feito sentir, podem vir a ser ‘repetidos’. Finalmente, é possível que as ações do paciente, fora da transferência, possam causar-lhe dano temporário em sua vida normal. As táticas a serem adotadas consistem em recordar à maneira antiga - reprodução no campo psíquico, estando preparado para uma luta perpétua com o paciente. Comemorando como um triunfo para o tratamento o fato de poder ocasionar que algo que o paciente deseja descarregar em ação seja utilizado através do trabalho de recordar. Também, protege-se melhor o paciente de prejuízos ocasionados pela execução de um de seus impulsos, fazendo-o prometer não tomar quaisquer decisões importantes que lhe afetem a vida durante o tempo do tratamento. Ao mesmo tempo, deixa-se voluntariamente intocado um tanto da liberdade pessoal do paciente quanto é compatível com estas restrições. É importante também se ter em mente que há pessoas a quem não se pode impedir. O instrumento principal para reprimir a compulsão do paciente à repetição e transformá-la num motivo para recordar reside no manejo da transferência. Admite-se a compulsão inócua na transferência como a um playground, esperando-se que assim tudo no tocante a instintos patogênicos apareçam. Normalmente se alcança sucesso em fornecer a todos os sintomas da moléstia um novo significado transferencial e em substituir sua neurose comum por uma ‘neurose de transferência’ de natureza provisória, da qual pode ser curado pelo trabalho terapêutico. O primeiro passo para superar as resistências é o fato do analista revelar a resistência que nunca é reconhecida e familiariza-la com o paciente. O fato de dar à resistência um nome poderia não resultar em sua cessão imediata, portanto deve-se dar tempo ao paciente para conhecer melhor esta resistência com a qual acabou de se familiarizar, para elaborá-la, para superá-la, pela continuação, em desafio a ela, do trabalho analítico segundo a regra fundamental da análise. Só quando a resistência está em seu auge é que se pode descobrir os impulsos instintuais reprimidos que estão alimentando a resistência. Esta elaboração das resistências pode revelar-se uma tarefa árdua, mas que trata-se da parte do trabalho que efetua as maiores mudanças no paciente e que distingue o tratamento analítico de qualquer tipo de tratamento por sugestão. Fichamento do texto psicanálise silvestre O texto apresenta um caso de uma dama de meia-idade que queixa-se de estados ansiosos. A causa precipitante seria o divorciar-se de seu último marido, mas a ansiedade tinha se tornado consideravelmente mais intensa desde que consultara um jovem médico, que lhe informou que a causa de sua ansiedade era a sua falta de satisfação sexual, dando-lhe três alternativas pelas quais ela poderia recuperar a saúde, ela devia ou voltar para o marido, ou ter um amante ou obter satisfação consigo mesma. Ele lhe dissera a ir de encontro a freud e solicitar-lhe que confirmasse o que ele lhe dissera. A amiga que estava com ela implorou que freud assegurasse à paciente que o médico estava enganado. Longos anos de experiência ensinaram a freud a não aceitar de imediato cmo verdade o que os pacientes, especialmente os nervosos, relatam acerca de seus médicos. O conselho do doutor à dama mostra claramente em que sentido ele entende a expressão ‘vida sexual’ - no sentido popular, ou seja, em que por necessidades sexuais nada se significa senão a necessidade do coito ou de atos análogos produtores de orgasmo. Em psicanálise, o conceito do que é sexual abrange bem mais. Essa extensão se justifica geneticamente; nós reconhecemos como pertencentes à ‘vida sexual’ todas as atividades dos sentimentos ternos que têm os impulsos sexuais primitivos como fonte, mesmo quando esse impulsos se tornaram inibidos com relação a seu fim sexual original, ou tiveram de trocar esse fim por outro que não é mais sexual. Por isso na psicanálise se coloca ênfase sobre o ponto de que o fator mental na vida sexual não deve ser subestimado. A ausência mental de satisfação, com todas as sua conseqüências, pode existir quando não há falta de relações sexuais normais. As tendências sexuais insatisfeitas podem apenas encontrar uma derivação muito inadequada no coito ou em outros atos sexuais. Uma segunda incompreensão se distingue por trás do conselho do médico. É verdade que a psicanálise apresenta a ausência de satisfação sexual como a causa de distúrbios nervosos, mas ela diz mais do que isso. Diz que os sintomas nervosos se originam de um conflito entre duas forças - de um lado a libido (que, de regra, se torna excessiva) e de outro uma rejeição da sexualidade ou uma repressão que é sobremodo intensa. Qual seria então o benefício desse conselho? Ainda que ele pudesse cientificamente se justificar, este não é conselho que ela possa seguir. Se ela não tivesse tido resistências internas contra a masturbação ou contra uma ligação amorosa, naturalmente que já teria adotado, de há muito, uma dessas medidas. A dama que consultou o jovem doutor queixava-se, sobretudo, de estado de ansiedade e, assim, ele provavelmente supôs que ela vinha sofrendo de uma neurose de angústia, e se sentiu justificado em recomendar-lhe uma terapêutica somática. Uma pessoa sofrendo de ansiedade não está necessariamente sofrendo de neurose de angústia. A impressão de Freud foi que a mulher estava sofrendo de histeria de angústia, que indicam uma etiologia diferente e um tratamento diferente. Ninguém que levasse em consideração a possibilidade de histeria de angústia nesse caso teria caído no erro de negligenciar os fatores mentais. Dentre as alternativas dadas pelos médicos, onde está o tratamento analítico? A ideia de que o paciente sofre de uma espécie de ignorância, e que se alguém consegue remover esta ignorância dando a ele a informação, ele deve recuperar-se e de que o fundamento dessa ignorância está em suas resistências internas é errônea. A tarefa do tratamento está justamente no combate a essas resistências. O informar ao paciente aquilo que ele não sabe porque ele reprimiu é apenas um dos preliminares necessários ao tratamento. Para que esse informe aconteça o paciente deve ter alcançado ele próprio a proximidade daquilo que ele reprimiu e, segundo, ele deve ter formado uma ligação suficiente (transferência) com o médico. O médico deve também estar familiarizado com a técnica se ele deseja que seu procedimento profissional se oriente por um ponto de vista psicanalítico. A técnica tem que ser aprendida com aqueles que já são experimentados nela. Na lacuna dessa formação, temos os analistas ‘silvestres’ desta espécie que causam mais dano à causa da psicanálise do que aos pacientes individualmente. E, mesmo diante dessa falha, o psicanalista ‘silvestre’ fez mais por ela do que alguma autoridade altamente respeitada, ele forçou a atenção dela para a verdadeira causa de seu distúrbio, ou nessa direção. Mas ele causou dano a si próprio e ajudou a intensificar as prevenções que os pacientes sentem, devido a suas resistências afetivas naturais, contra os métodos da psicanálise. E isto pode ser evitado.