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(86 + Literatura € Sociedade ogi Trés imagens da utopia * ANTONIO 7 ‘ARNON ie PRADO Universidade Estadual de Campinas Resumo Palavras-chave (© autor eft sobre os infans do hero toasts em Romance upc dilogy. de Fabio Luz Reyowracn de Curve de Men Ueraturs¢ ones e Redes. de Wigs Minds, virncs peril do sated abo ‘omanee spi bras o do stulo XX, ax Vig Minds temcado na anise emerges deat cbr. Cuneo de Mendonca Abstract Keywords author reflects abou the feces of the Tttiyen Utopian sect ab La Mirani, Rodencio Redemption). making < pee of Ves Miran Bratanwopien novel be arly XX Century bd ov Cro de the analysis nd tere those works. Joram anon reabo es imagens da utopla «87 | Refletindo em 1926 sobre algumas questoes de seu tempo, dentre elas a fome na Russia, cujaextensio eleaviva com o depoimento de um viajante impressionado com a miséria em Samara, o literttio Fabio Luz detém- se sobre 0 movimento intelectual russo para assinalar a circunstincia de que, neste, afuncéo social da ate fi sempre uma diretrizimprescindivel A observagao, que vai de par com algumas refertncias a biograia € 8 obra de uns quantos escritores que ele apresenta para divulgat o livre do visconde Vogué, Le roman russe, de 1906, completa-se com dois registros importantes. © primeito vale pelo eariter didatico com que ele reancereur cone e excertos de autores como Puchkine, Turgueney, Gorkt, Dostoigvski e Andréiey, com a intencio de nos sugerir, ainda que de ‘modo summit, “algumas palidas idéias do poder descritivo” de cada win doles. F o segundo se impoe pelo inesperade destague ao tolstoismo, que, segundo ele, teve seus maiores representantes, alem do proprio Tolstoi,em Gorki¢ Andeéiew “Aqui no Brasil -aésinala foi um tolstoiano, convicto ¢ ardente, 0 malogrado romancista Curvelo de Mendonca", acerca de cujo romance, Regeneracao, de 19C4, acrescenta no melhor estilo anarquista tratarse “de uma suave crerga e uim dolorida amor pelos deserdados e sofredores”." ‘Aindicacao, por nio ser nova, dilui em muito uma outra de quatro ‘anos antes, na qual o mesmo Fabio Luz incluiao romance de Curvelo de Mendonea, 20 lado de O santo, de Antonio Fogazzaro, ede Jerusalem, de Selma Lagerlof, dentre as obras mais importartes na figuracio antibut guesa do prometefsmo, que segundo ele nascic com o novo séctlo para dereubar os velhos dogtnas religiosos em favor da libertagio dos exclu dos. Regenerago, a seu ve, simetizava essa vocagao mlitante do esptito ‘gualitirio, harmonizando o fanatisma sereno e decidido das mentalida ds de cma fio (a f¢ sem vacilagdes de Lageriof) com a transgressao as leis naturais, propria da alma latina e revigorida pela liz da patsagem meridional (Fogazzara).” Sem considerar 0 mérto da avaliacdo mesolgea, claramente trib. aria das ideias de Taine e decisivas na pauta da waloria dos erticos brasi- leiros do period, notemos que nas duas observagies de Fabio Luz se es boga a primeira descricdo de uma vertente hoje esquecida da prosa bras lea e ainda insuficientemente avaliada em relgio a um certo ruvalismo csclarecido igualmente interessado, a exemplo da burguesia urbana em ascenso, em modernizarinstucionalmente 0 pas mantendo fora dos bens da civilizagao todos aqueles que no se inclufam—commo mosttou Roberto cia metedrica no romance brasilero do comeco do século " Ner-DePuchkine Tengen Et dear, Ro de Jeo, Ofius Gres do meio tural brasileiro =, a concepcio plenamente fetichsta do disfarce calico, ‘nos trmos de Verissimo, ndo passa de um artificoliterrio “que ofende o sentimento do real”. O livro todo alts, na opinizo do entice paraense, “carece desse sentimento”, eapesar de “escrito num fom 3s vezts encanta dor", nao evita ~ em sis palavras ~ nem a manifesta intengso da propa ‘ganda nem o “erro de transforma doutsinas sociais,aspiragdes humans € ‘utopias filosoficas em relidade”,” ‘A verdade, no entanto, é que a voga do tolstotsmo fico: porate, salvo a ligeira digressio que Brito Broca faz sobre o tema no seu A vida literéria no Brasil ~ 1900, pouco avancaria em nossa histora hterdia pata além das diferengas que a rigor ainda hoje param a extavagancia ideoldgica de Fabio Luz e Curvelo de Mendonga da contencio com que José Verissimo os recebeu. Retomé-le hoje de uma perspectiva que aprofunde as razoes que os separam so € possvel, mo verems, a pati da raiz das discordancias que estio no centro da questéo social proposta pelo romance utdpico dos anos 10¢ 20, numa direcio inteiramente oposta A que prevalecera depois com a prosa regionalista de 30. Neste ponto, mais que as restrigdes de José Verissimo, 0 que esta em jogo ¢ a propria legitimidade do hero libertdriotolstoiano em suas relagbes primeira com a estrutura de poder na antiga sociedade agraria do Brasil de fins do século XIX e, depois, com os pressupostos de sua representatiidade dh ante de inteesses tio confltantes a0 longo de processo da cominacio senhorial no campo. José Verisimo passa, alias, pela questéo quando, na mesma pagina, ‘0 nos mostrar 0 cariter programtico de Regeneracao (romance em que “o autor encarna as suas concepeées de socialism libertrio ou de ‘anarquist"), associa o mistico protagonista do romance nao propriamente 8 Tolstéi, mas 20 protstipo de Antonio Conselhelro, em cujo perfil rmessiinico € repleto de fragilidades Curvelo de Mendonca poderia ter ‘encontrado ~na opintio do ertico—um tema feeundo para onginalidade de seu argumento. A observacio procede porque, mesmo relutada por Mendonca, aplica-se & fabulagéo de um romance anterior, 0 Idedlago (1903), do proprio Fabio Luz, que a retoma depois na ja ctado enssio de 1922 para nos dizer, do proprio Curvelo de Mendonca, que este, a0 lado de Euclides da Cunha, incluta-se entre os poucos autores brasileiros em quem “a crenca toma feigao de reforma social baseada no prinitivismo dos apéstolos, no conforto material e no amor a0 proximo" * "Jost Versio, “Lives e autores de 190 a 19057, Fear de eeratra asia, 6 ‘ete, Ble Hrzone, atl, So Plo, EDUSR 1877, p. 122-23, * CLA pang no cons, na noel ena romeo. . 82 B [90+ tieratura © Sociedade enicho comenonava OG | pvTonto aanonr pRazo Tes imagens da topia + 91 6 10-40) Como entender 2 partir dt a leitmidade histriea do romance tolstoiano? No capitlo XVI do Idedlogo ha uma cena em que o protagonista Anselmo, um advogado dedicado a defesa dos excludes, dscute com 0 ‘comendador Noronha ~ ex-ministro da Justica na monarquia ¢ desembargador aposentado ~ a tragédia de Antonio Conselheixo e do ‘que se passou em Canudos pouco tempo antes dos acontecimentos nar- rados no romance. O ditlogo¢ revelado porque, com a aco jem se, climax, o destino dos dois personagens est aeaminko de se defi, do testo modo que 0 empenho socal com que ambes se airam na lua pelos interesses de clase esti prestes anos revear a verdadera face de ‘ada um, Anselmo tem um passado de tas em favor da Abolicéo,€ um hhomem inconformado com a desigualdade generalizada com a espo liaeto do operrio substtuindo a do escravo num cotdiano de miséria « fome que agravava a marginalizagdo dos suburbios e dos bairzes po- bres do Rio de Janeiro daquela epoca. Em seu perfil ideologco, trata-se dle um personagem pico da arte real anargusta nos temo: em que Reszlera define quando subordina ago do herdiromanesco a neces dades de liberagi do proprio grupo aque petence. Anselm insurge- se conta odesemprego decorrente do funding-loan negociad por Cam pos Sales e cometota a eclosto das primeiras greves a proposito de salrio num pais onde o Estado ~ em suas propriaspalvras ~ "desem- pregnturmas e trmas dos arsenas, para entrega mediante somasf- bulosas as consrucoes a indsrias estangeias, concedendo a utulo de edcagto foros de casa de correo infantil ama exploracdocapta- lista da infanea transviada”* Tal inconformismo se manifesta jé nas primeiras péginas do Ideologo, na conversa de Anselmo com o Dr. Alcibiades, litho do comendador Noronha, e, 2 exempla do pa, um epiritopratico para © qual o narrador reserva, na esteira de Restle, urn peril cheio de defor rmagoes previstvels, a pior das quais ade ser ua méehicainescruploso «que faz da medicna um comércio eda propria vida de rela um mero pretext para.a prepotenca. Para o vila que ele encarna,a mulher nio passa de um acessrio indspensivel (p. 12) e os trabathadores ~ esses, iiotas que esto por toda a parte - serio sempre uns incapazes que ndo merecem virer sem tutela. “Que importam uns que caem, que gemem, ‘questo sacrificados eesmagados nas rodas do progresto, 0s outros em ‘atninho de perfectbilidade gozario?”(p. 23), pergunta a Anselmo com a clisicaindiferenga dos monstros burgueses to caracteristicos da ter Iminologia coroevn da fegio anarge O ler notou que oconuaste, nevtavel, desde aj est armado, Enquanto Anselmo aspra a vida em comunhio, “no culto das artes, do Jabor, do trabalho manual, no auxfio eomum, na dor e na alegra", * Fabio Lz, dilog, Ri de Jane, Tipograia ting, 1903, pp. 25-26, cj dito ‘emetems as demas cites, seuss ds pga de eric Alcibiades o considera “um moralista barato que procuta trazer para 0 Brasil esses ideais novos 56 aplicaveis aos patses exaustos da Europa” (p. 21). “Delxa-te de utopias ¢ enriquece” ~ diz 20 exaltado Anselmo. *O stculo e dos homens praticas ¢ no dos utopistas”(p. 28) Desencadeiam-se af as razdes que, no curso da trama, tornario ecisivo o rumo do dislogo entre Anselmo ¢ 0 comendador Noronha. Do Angulo de Anselmo, porque ¢ desse primeiro confonto de ideias que vai ‘sultar a sua decisdo revoluciondri-devida em parte, como ele proprio confessa, 8 vergonba de ter sido herder de boa fortuna numa terra em {que a maiotia nada tem de seu: “todo capital acumulado, nos diz ele no ardor retorico dos iberitis, quando nao esta manchado de sangue, esta ‘umedecido de lagrimas esuor” (p. 27), Decisfo, ali, que logo se expan de contra a Republica recéen-proclamada ¢ igualmente repelida por tet Imantido a distingio de classes e continuado a submeter os ttabalhadores 20 patrciado capitalista de Campos Sales, etigmatizado conto emblema nefasto do regime através de “sua barriga de tavemeito ¢ aquele ar de Dburgués endomingado e toda a flaucia de fazendeiro paulsta[..| sem eleganela e sem gosto” (p. 58) Contra a Repaiblica, Anselmo elege o ideal da comua, em nome da. qual decide fundar, com os recursos da fortuna herdada, umn colonia de ‘guaisonde a terrae os bens seraoiguaitariamenterepartidos, 2 agricul ‘amecanizada, as oficinas equipadas e uma biblioteca a disposicao de to dos, nos mioldes estritos da sldeia natural de Tosti, onde afelicidade 56 exittta de fato se 0 homem pudesse desfratar 0 melhor para sie para sua familia, abstendo-se de viver do trabalho dos outros eajustando-se a0 ciclo natural das coisas, com amor e sem violencia.” Se € esse o espirito com que Anselmo chegs a cena da discussio ‘com o velho Noronha, este ukitmo entre para o didlogo depois de um longo caminho de amarguras. Depois de reconheeer como neta a filha bustarda de Alcibiades com Matilde, uma costurcirinha mestiga da patiferia, assiste ao casimento de convenigncia do filho com Eulina, mulher rea a quem Aleibiades nao ama, mas de cua fortuna se aproveita; acompanha o desaste dessa unio testemunhando a desfacatez do filho, ee dilapida os bens da esposa e concorda em viver humilhado ¢ traido sem esbocar a menor reado; presencia osuicidio da pobre Matilde, depois ddearranjar-the um casamento e de sequestrar-lhe a filha, mancomunado com o marido de circanstincia, um afilhado seu; vé recusada por Eulina 2 proposta de ressarc-ia dos estragos patrimoniais que Alcibiades Ihe

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