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Fundamentos de Termodinâmica

e Mecânica Estatística

Orfeu Bertolami

Departamento de Física e Astronomia

Faculdade de Ciências da Universidade do Porto

Setembro de 1991
(Revisão: Ano Lectivo 2020/2021)
Conteúdos

Parte I Termodinâmica 1

1 Introdução 3

2 Brevíssima Introdução Histórica 7

3 Princípio de Conservação de Energia 13

4 Temperatura e Equações de Estado 23


4.1 Temperatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
4.2 Variáveis Macroscópicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
4.3 Estados em Equilíbrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
4.4 Estados fora do Equilíbrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
4.5 Representações planas da superfície característica . . . . . . . . . . . 29

5 Propriedades Gerais das Substâncias 31


5.1 Constituintes e Fases da Matéria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
5.2 Gases Ideais ou Perfeitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
5.3 Gases Reais e a Equação de Estado de van der Waals . . . . . . . . . 42

6 Relações entre coeficientes de uma Transformação Infinitesimal 45


6.1 Transformações Infinitesimais e Relações Fundamentais . . . . . . . . 45
6.2 Formas diferenciais d̄W e d̄Q (δW e δQ) . . . . . . . . . . . . . . . . 50
6.2.1 Transformações Reversíveis e Irreversíveis . . . . . . . . . . . 50
6.2.2 Forma diferencial d̄Q para uma transformação infinitesimal re-
versível . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
6.2.3 Transformações adiabáticas reversíveis . . . . . . . . . . . . . 54

iii
7 Princípios da Termodinâmica 59
7.1 Princípio Zero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
7.2 Primeiro Princípio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
7.2.1 Aplicações do Primeiro Princípio para Sistemas cujos estados
podem ser representados no diagrama (p, V ) . . . . . . . . . . 64
7.3 Segundo Princípio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
7.3.1 Enunciados do Segundo Princípio . . . . . . . . . . . . . . . . 72
7.3.2 Ciclo de Carnot . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
7.3.3 A variável de Estado Entropia: Propriedades dos ciclos . . . . 85
7.3.4 Paradoxo de Gibbs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
7.3.5 Máquinas Térmicas e Refrigeradores . . . . . . . . . . . . . . 96
7.3.6 Limites de Aplicabilidade do Segundo Princípio . . . . . . . . 110
7.4 Terceiro Princípio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112

8 Potenciais Termodinâmicos e Relações de Maxwell 115


8.1 Interpretação das energias livres de Helmholtz e de Gibbs . . . . . . 117
8.2 Transformações de Legendre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120

9 Equação de Clapeyron 125

Parte II Mecânica Estatística 131

10 Distribuição Canónica de Maxwell-Boltzmann 133


10.1 Demonstração Estatística da distribuição de Maxwell-Boltzmann . . 139
10.2 Aplicações da distribuição de Maxwell-Boltzmann . . . . . . . . . . . 152
10.2.1 Número de Colisões das moléculas de um gás com as paredes
do recipiente que o contém . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152
10.2.2 Livre Percurso Médio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153
10.2.3 Distribuição de Moléculas na Atmosfera . . . . . . . . . . . . 155
10.2.4 Teorema de Equipartição da Energia . . . . . . . . . . . . . . 157
10.2.5 Paramagnetismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159
10.3 Entropia, Informação e o Demónio de Maxwell . . . . . . . . . . . . 161

iv
11 Transmissão de Energia Térmica 165
11.1 Convecção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165
11.2 Condução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169
11.3 Radiação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
11.3.1 Considerações teóricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175
11.4 Calor Específico dos Sólidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185

12 Fundamentos da Mecânica Quântica 187


12.1 Quantização da energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188
12.2 Dualidade Onda–Partícula e a Hipótese de Fotões . . . . . . . . . . . 188
12.3 Hipótese de de Broglie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 194
12.4 Medida da Posição de Electrão e Princípio de Incerteza de Heisenberg 197
12.5 Equação de Schrödinger e Interpretação da Função de Onda . . . . . 198
12.6 Partículas Idênticas e o Princípio de Exclusão de Pauli . . . . . . . . 203

13 Distribuições Quânticas 209


13.1 Estatística de Bose-Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 209
13.2 Estatística de Fermi-Dirac . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 213

Bibliografia 217

Índice de Autores 221

Apêndices 227
A Breve Revisão de Análise Vectorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 229
B Relação Geral entre Cp e CV . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233

v
Parte I

Termodinâmica
Capítulo 1

Introdução

Termodinâmica é a ciência que estuda fenómenos nos quais intervém a grandeza


temperatura (T ). O movimento de uma partícula clássica num recipiente é descrito
pelas leis da mecânica clássica (Acção  h e v  c)∗ . Em oposição, quando um
grande número de partículas se encontra num recipiente de modo a constituir um
gás, a descrição individual do movimento de partículas por meio das leis da me-
cânica torna-se impraticável. Sabemos que uma molécula-grama ou mole† contém
NA = 6, 022 140 76 × 1023 moléculas (átomos) (NA – número de Avogadro). Assim,
a descrição do estado do sistema (partículas + recipiente) exigiria a resolução para
uma mole de partículas de 3NA equações do movimento:

d d
F~i (t) = p~i (t) = mi ~vi (t), i = 1, . . . , NA , (1.1)
dt dt
Massas não variáveis

e o conhecimento de 6NA condições iniciais (além das forças):

~xi (0), p~i (0). (1.2)


Aqui, h é a constante de Planck e c é a velocidade da luz no vácuo: h = 6, 626 070 15 × 10−34 J s;
c = 299 792 458 m/s.

Mole é a quantidade de uma substância química uniforme cuja massa, expressa em grama é
numericamente igual ao peso atómico ou molecular, ν.

3
1. Introdução

Assim, em cada instante o sistema seria caracterizado por uma porção no Espaço
de Fase (~xi , p~i ):

p~i

B(tf )

A(0)

~xi
Figura 1.1: Espaço de Fase do sistema. Nesta figura A(0) e B(tf ) são os estados
inicial e final, respectivamente.

Alternativamente, a descrição termodinâmica empreende por meio da tempe-


ratura e de princípios de enunciado bastante geral a caracterização dos estados e
propriedades macroscópicas dos sistemas a serem estudados – no exemplo acima, um
gás. É importante reter que:

(a) A temperatura existe apenas para sistemas que compreendem um grande número
de partículas;

(b) A temperatura não é uma grandeza mecânica no sentido em que o são a massa,
o momento linear, a energia, etc. É uma grandeza colectiva.

A termodinâmica é, portanto, uma ciência fenomenológica cujo objectivo é a


caracterização dos estados macroscópicos dos sistemas quando estes trocam calor
(energia e trânsito) e energia mecânica.
A Mecânica Estatística visa por sua vez caracterizar os estados macroscópicos
dos sistemas (Temperatura, Pressão, Volume, etc.) por meio do tratamento estatís-
tico dos estados macroscópicos destes sistemas. Assim, ao invés de se resolverem as
equações do movimento de cada partícula para se determinar as suas velocidades a
partir de certas condições iniciais, considera-se, por exemplo, a média das velocida-


des quadradas ~v 2 ‡ , uma vez que h~v i = 0 quando o número de átomos é muito
NA
~ = 1 ~i
X



X X
NA i=1

4
1. Introdução

grande. A Mecânica Estatística permite, por exemplo, relacionar a temperatura com


a agitação molecular:
1
2 3
m ~v = kB T, (1.3)
2 2
onde kB é a constante de Boltzmann
R
kB = = 1, 380 649 × 10−23 J/K (exacto) (1.4)
NA
e R é a constante universal dos gases perfeitos, R = 8, 314 462 618 153 24 J/(mol K).
A relação entre a Termodinâmica e a Mecânica Estatística é esquematizada no
quadro abaixo:

FES, FEL, Q
Mecânica Estatística no Equilíbrio
FM
∆tM  ∆tR
FA
FN
FPE Termodinâmica
∆tM & ∆tR
FCQ
? Mecânica Física dos
Estatística Processos
fora do Estatísticos
Equilíbrio

Microfísica Mesofísica Macrofísica

Q – Química Dimensões Características


FES (L) – Física do Estado Sólido (Líquido) L ∼ 10 − 102 Å (Å= 10−10 m)
FM – Física Molecular L ∼ 10 − 102 Å
FA – Física Atómica L ∼ 1Å
FN – Física Nuclear L ∼ 10−5 Å
FPE – Física das Partículas Elementares L ∼ 10−8 Å
FCQ – Física das Cordas Quânticas e Gravitação Quântica L ∼ 10−35 m

∆tM – tempo microscópico característico de variação de uma grandeza dX/dt


∆tR – tempo de relaxação característico de variação de uma grandeza ∆X/∆tR

dX ∆X ∆X dX
Equilíbrio:  Fora do Equilíbrio: .
dt ∆tR ∆tR dt

5
Capítulo 2

Brevíssima Introdução Histórica

O interesse nos efeitos do trabalho mecânico, calor e termodinâmica surgiu com


a crescente utilização da máquina a vapor britânica.

1712. Thomas Newcomen inventa a bomba de água movida por um motor a vapor;

1765. James Watt (Universidade de Glasgow) aperfeiçoa e adapta o motor a vapor


para diversas funções;

1811. Barão J. B. Fourier estabelece a lei de condução de calor: o fluxo de calor


é proporcional ao gradiente de temperatura para quaisquer materiais (gases,
líquidos e sólidos) É importante notar que o calor era pensado como um fluido
(flogístico ou calórico) que era transferido de um corpo a outro;

1824. L. Sadi Carnot demonstrou as limitações da transformação de calor em trabalho


(flogístico!);

1842. J. R. von Mayer (médico alemão a trabalhar em Java) descobre a equivalência


entre calor e trabalho mecânico, enquanto formas diversas de energia, e formula
o Princípio de Conservação de Energia (1.a Lei da Termodinâmica). A sua
descoberta origina da observação da cor vermelha brilhante do sangue dos seus
pacientes. Isto leva-o a concluir que em climas quentes a quantidade de oxigénio
queimada era menor pois menos calor era necessário para a manutenção da
temperatura corporal constante;

7
2. Brevíssima Introdução Histórica

Antecedentes da enunciação do princípio de Conservação de Energia de Mayer


são:

1693. W. Leibnitz reconheceu a conservação da energia mecânica: soma da energia


cinética com a energia potencial;

1780. A. Lavoisier especula que a perda de energia cinética dos corpos é transmitida
aos átomos;

1793. Conde Rutherford notou o acentuado aquecimento da água aquando do pro-


cesso de brocagem de metais no fabrico de canhões;

1847. J. Joule e Helmholtz generalizam o Princípio de Conservação de Energia para


todas as manifestações desta; Joule demonstra a conversibilidade das formas
de energias diversas.

Nesta generalização os desenvolvimentos que paralelamente se atingiram na elec-


tricidade foram de grande importância. Mencionemos alguns destes:

1800. Galvani descobre acidentalmente a corrente eléctrica através das contracções


causadas em rãs aquando da passagem desta. Foi A. Volta quem interpretou
os fenómenos correctamente;

1810. Humphry Davy induziu a electrólise da água, isto é, a decomposição das liga-
ções químicas por correntes eléctricas;

1820. H. C. Ørsted descobre que efeitos magnéticos são produzidos por correntes
eléctricas – Lei de Biot-Savart:
~
~ = µ0 J~ + µ0 ε0 ∂ E ;
∇×B
∂t
1822. Seebeck demonstra que calor pode produzir electricidade e, em 1834, como a
matéria pode ser arrefecida pela electricidade;

1831. M. Faraday induziu uma corrente eléctrica por meio de um campo magnético
cujo fluxo através de uma superfície variável:
ˆ ¨
E= ~ · d~r,
E Φ= ~ · ~n dS
B
Γ S

dΦ ~
E =− ~ = − ∂B .
=⇒ ∇ × E
dt ∂t

8
2. Brevíssima Introdução Histórica

De volta à história da Termodinâmica:

1848. William Thomson (Lorde Kelvin) propõe a escala absoluta de temperatura


baseada em considerações termodinâmicas gerais em oposição às escalas co-
nhecidas construídas a partir de propriedades térmicas da água:

G. Fahrenheit (1715) A. Celsius (1742) Escala Absoluta (1848)


Ebulição da água 212 o F 100 o C 373,15 K

Fusão da água 32 o F 0 oC 273,15 K

1852. Lorde Kelvin formula o 2.o Princípio da Termodinâmica e especula que o Uni-
verso evoluiria até à sua morte térmica;

1865. R. J. E. Clausius introduz o conceito de entropia:

«Die Energie der Welt ist Konstant.


Die Entropie der Welt strebt einem Maximum zu.»∗

dS
Isto é, > 0 e, logo, o crescimento da entropia determina a direcção do
dt
tempo!

1906. W. H. Nernst enuncia o 3.o Princípio da Termodinâmica:

S(T = 0 K) = 0 (2.1)

Os Princípios da Termodinâmica têm profundas implicações teóricas e expe-


rimentais (motores de combustão, frigoríficos, aparelhos de refrigeração, . . . ).
Sendo estes Princípios Universais, permeiam todos os fenómenos físicos, quími-
cos, biológicos, geológicos, atmosféricos, etc. Um exemplo clássico do Princípio
de Conservação de Energia refere-se à alusiva partícula elementar denominada
neutrino. Um neutrão livre decai, em cerca de 12 minutos, num protão, num
electrão e num neutrino. Contudo, esta última partícula interage muito fraca-

Tradução: «A energia do mundo é constante. A entropia do mundo tende para um máximo.»

9
2. Brevíssima Introdução Histórica

mente com os detectores e por muitos anos pensou-se que no decaimento β − ,

n → p + e− + ν̄e ,
Não Observado

a energia e o momento linear não eram conservados. W. Pauli e E. Fermi


propuseram, em 1927 e 1934, a existência do «pequeno neutrão» (actualmente
o neutrino) para reestabelecer a conservação da energia e do momento linear.
Dada à sua Universalidade, a Termodinâmica foi vista por alguns físicos e fi-
lósofos como um dos paradigmas da física. Um notável defensor desta visão
que dominou a física na Europa continental no último quarto do século XIX
foi E. Mach. Para Mach, a Termodinâmica representava o modelo de como
a física se deveria desenvolver: da observação e experimentação ao enunciado
de princípios e, a partir destes, à demonstração de teoremas e previsões sem
comprometimento com conceitos sem firmes bases experimentais, tais como,
por exemplo, aqueles admitidos na hipótese atómica. Assim foram desenco-
rajados quaisquer desenvolvimentos da Mecânica Estatística em França e na
Alemanha. As tradições culturais em Inglaterra eram, contudo, diversas. O
empirismo inglês via a hipótese atómica sem preconceitos, de forma que, na
química, J. Dalton foi levado, através da interpretação de elegantes experiên-
cias utilizando a ideia de átomos, aos conceitos que deram origem à Tabela
Periódica dos Elementos. Os primeiros desenvolvimentos da Mecânica Esta-
tística deveram-se a Maxwell que, em 1860, formulou a lei de distribuição das
velocidades. Esta lei foi descoberta independentemente por Boltzamnn que
também contribuiu fundamentalmente para o estabelecimento da Mecânica
Estatística por meio da Teoria Cinética dos Gases (1872). O seu célebre Te-
orema H mostrou como compatibilizar a reversibilidade das leis da mecânica
com a irreversibilidade dos processos termodinâmicos. A relação

S = kB ln Ω (2.2)
Entropia
Probabilidade de um dado Microestado

está gravada no seu túmulo. Boltzmann suicidou-se em 1906 após ter errone-
amente interpretado o impacto das suas ideias aquando de um aceso debate
com defensores das ideias de Mach (Zermelo e Ostwald);

10
2. Brevíssima Introdução Histórica

1890-1900. J. W. Gibbs o primeiro grande físico teórico norte-americano; cunhou e siste-


matizou os principais conceitos da Mecânica Estatística;

1900. M. Planck estabelece a distribuição da radiação do corpo negro por meio da


ousada hipótese de quantização da energia

E = nhν, n = 0, 1, 2, . . . ; (2.3)

1905. A. Einstein relaciona o movimento Browniano† com a agitação molecular. É o


primeiro indício directo da existência de átomos e moléculas;

1925. Distribuição de Bose-Einstein – considera-se, em oposição à distribuição de


Maxwell-Boltzmann, a indistinguibilidade das partículas de um gás de bosões;

1927. Distribuição de Fermi-Dirac – considera-se a indistiguibilidade de fermiões as-


sim como o Princípio de Exclusão de Pauli;

1931. L. Onsager (norueguês-norte-americano) – Termodinâmica e Mecânica Estatís-


tica ligeiramente fora do Equilíbrio Termodinâmico (Irreversibilidade);

1960. I. Prigogine e Escola de Bruxelas – Mecânica Estatística longe do Equilíbrio


Termodinâmico (Termodinâmica Irreversível Clássica);

1950-70. Escola de Moscovo: V. Arnold, A. Kolmogorov, Y. Sinai – Física dos Processos


Estatísticos, Hipótese Ergódica, . . . ;

1960-70. E. Lorentz, M. Feigenbaum – Caos; B. Mandelbrot (1978) – Fractais;

1970-90. G. Parisi – Vidros de Spin, Redes Neuronais, . . . ;

1974-76. S. Hawking (Escola de Cambridge) – Termodinâmica de Buracos Negros;

1960-80. C. Truesdell (1969 e 1988) – Termodinâmica Racional;

1980-90. Garcia-Collin, Nettleton, . . . – Termodinâmica Irreversível Estendida.


R. Brown, botânico inglês, observou o movimento irregular de partículas de pólen suspensas
num fluido (1827).

11
Capítulo 3

Princípio de Conservação de
Energia

Uma das sistematizações mais abrangentes da Física é a obtida através do con-


ceito de Energia e da sua Conservação. Ao nível mais fundamental, a Conservação
da Energia está associada à invariância dos sistemas sob translações no tempo. Con-
tudo, a Conservação da Energia só pode ser utilizada operacionalmente se todas as
manifestações possíveis dos conceitos de Energia forem identificados como tal. Na
Termodinâmica, esta operacionalidade foi atingida por meio do entendimento de que
o Calor é também uma forma de energia; na verdade, energia em trânsito. Na Mecâ-
nica, os fenómenos dinâmicos estão essencialmente associados à conversão da energia
potencial em energia cinética e vice-versa. Entre as partes que compõem um sistema
ou entre sistemas diversos, a transferência de energia faz-se através do Trabalho.
Assim, Calor e Trabalho são, essencialmente, energia em trânsito. Outro aspecto
central do conceito de energia, refere-se à sua conversibilidade. Esta conversibilidade
só pode ser completamente compreendida com a Relatividade Restrita que estabelece
que a massa é, também, uma forma de energia. Entende-se assim porque a fissão e
fusão nuclear dão origem a grandes quantidades de energia que, quando libertadas
gradualmente, podem ser convertidas em energia mecânica e/ou energia eléctrica.
Na Termodinâmica, um conceito especialmente importante ligado ao de energia
é o da Energia Intrínseca ou Interna de um dado sistema. É precisamente esta
energia que é modificada quando o sistema troca trabalho e/ou calor com o meio
ambiente que o circunda. Assim, a interacção, ou melhor, a troca de energia entre

13
3. Princípio de Conservação de Energia

um sistema e o meio ambiente num dado universo pode ser esquematizada da seguinte
forma:

Meio Ambiente

Sistema
Calor Trabalho
Energia Interna

Universo

Figura 3.1

Exemplifiquemos os conceitos acima discutidos através de um sistema mecânico


bastante simples. Consideremos uma bola inicialmente perfeitamente elástica, de
massa m, que cai livremente de uma altura h0 , no instante t0 , sob a acção da gravi-
dade; toca no solo no instante t1 , volta a subir no instante t2 atingindo a altura h0
no instante t3 . Na ausência de atrito, a energia mecânica é, naturalmente, a mesma
em qualquer instante. Por exemplo, usando que v(0) = v0 = 0, que v(t) = −gt e que
h(t) = h0 − 21 gt2∗ :

t = t0 : Ec = 0 Ep = mgh0 EM = Ec + Ep = mgh0

1 1
Ec = mv 2 = mg 2 t2
t1 > t > t 0 : 2 2 Ep = mgh EM = mgh0
= mg(h0 − h)

1 2h0
t = t1 : Ec = mg 2 = mgh0 Ep = 0 EM = mgh0
2 g


Considera-se que h0  R⊕ , onde R⊕ é o raio da Terra. Portanto, a aceleração da gravidade
pode ser tomada como constante:

GM⊕
g(h) = k~g k = ' 9, 8 m/s2
(R⊕ + h)2

14
3. Princípio de Conservação de Energia

Claramente o sistema (bola elástica) é conservativo. O conceito de energia interna


faz-se notar neste exemplo uma vez que as velocidades no instante t1 e t2 têm sentidos
opostos
p
v(t1 ) = −v(t2 ) = − 2gh0 .

Assim, no instante t1 , a energia cinética da bola converte-se em energia elástica


(energia interna) que a deforma elasticamente e no instante t2 esta energia elástica
é revertida a energia cinética.
Outro aspecto a reter no exemplo acima refere-se à completa reversibilidade tem-
poral no movimento da bola: a queda e a subida da bola são, devido à natureza
conservativa do movimento, indistinguíveis da sucessão de movimentos temporal-
mente invertidos. Tal facto pode ser mais claramente percebido através do gráfico
da função h(t):

h(t)
h0

t0 t1 t2 t3 t

Figura 3.2

Quando um dado movimento é indistinguível do seu movimento inverso, este diz-


-se reversível. Tal reversibilidade está associada à natureza conservativa do processo
em questão e é este precisamente o sentido da noção de invariância de um sistema sob
translações temporais que mencionamos acima. Passado e futuro são indistinguíveis,
nos processos reversíveis, dado que, nestes mesmos processos, nenhuma direcção de
evolução do tempo é sugerida.
Na verdade, este conceito de indistinguibilidade estar associado a uma grandeza
conservada é um resultado importante na Física conhecido como Teorema de No-
ether. Na tabela 3.1 estão identificados os casos mais usuais de simetrias e leis de

15
3. Princípio de Conservação de Energia

conservação da Mecânica.

Simetria Conservação

Translação no Tempo Energia


dE
t → t + t0 =0
dt
Translação no Espaço Momento Linear
d~
p
~r → ~r + ~r0 = 0 (F~EXT = 0)
dt
Rotação no Espaço Momento Angular
X ~
~r → Rij rj r̂i com Rt R = 1 dL
= 0 (~τEXT = 0)
i,j dt

Tabela 3.1: Exemplos de Simetrias e Leis de Conservação resultantes do Teorema de


Noether.

Na Termodinâmica, uma transformação ou processo que leva um sistema de um


dado estado inicial a outro final distinto é dito reversível quando os sucessivos esta-
dos da transformação diferem infinitesimalmente de estados de equilíbrio. Por sua
vez, estados são entendidos em equilíbrio quando forem independentes do tempo,
mantidas as condições externas inalteradas. Assim, transformações reversíveis ligam
estados inicial e final que se encontram necessariamente em equilíbrio.
Retomemos o exemplo mecânico da bola em queda livre. Consideremos agora,
todavia, e mais realisticamente, que o choque com o solo não é completamente elás-
tico bem como que existe resistência com o ar. Nesta situação, no instante t1 , a
energia cinética, como anteriormente, é convertida em energia elástica, porém, esta
não é totalmente revertida a energia cinética no instante t2 . A energia mecânica é,
portanto, dissipada. A situação é mais claramente apresentada pelo gráfico (t, h(t)):

16
3. Princípio de Conservação de Energia

h(t)
h0

t0 t1 t2 t3 t

Figura 3.3

Logo, uma bola inelástica é um sistema dissipativo. Claramente a dissipação


destruiu a reversibilidade do movimento de modo a que, em oposição ao exemplo
anterior, o passado e o futuro são claramente distinguíveis. Para perceber o que se
passou com a energia mecânica que foi dissipada, devemos retomar a discussão do
conceito de Energia Interna. No instante inicial t0 , a velocidade do centro de massa
da bola não difere substancialmente da soma vectorial das velocidades de todas as
moléculas que a compõem (ver Figura 3.4).

U =0
~v (t0 )

(i) (ii)

Figura 3.4

Contudo, por força das colisões das moléculas que compõem a bola, entre si e com as
moléculas do ar, vai-se gradualmente gerando uma energia cinética interna relativa
que degrada a energia mecânica (ver Figura 3.5). Esta energia relativa é precisamente
a Energia Interna, que designaremos pela letra maiúscula U .

17
3. Princípio de Conservação de Energia

U 6= 0

~v 0 (t)

t > t0 : k~v (t)k > k~v 0 (t)k

Figura 3.5

Assim, podemos distinguir duas formas de Energia Interna:

(a) Energia interna do tipo potencial: está associada a sistemas conservativos


e pode ser reconvertida em energia cinética (Ex: energia elástica da bola);

(b) Energia interna do tipo cinético: de natureza essencialmente dissipativa que


não é revertível a energia cinética externa do sistema.

Desta forma, concluímos da discussão acima que a quantificação da variação


da energia total de um sistema dissipativo deve necessariamente incluir a energia
interna:
∆ET = ∆Ec + ∆Ep + ∆U = 0. (3.1)

Naturalmente, a completa caracterização desta variação da energia do sistema exige a


quantificação da energia interna do tipo cinético discutido acima. À primeira vista,
esta caracterização parece impossível sem o conhecimento detalhado da estrutura
íntima do sistema em estudo, contudo, felizmente é possível estimar-se a energia
cinética interna do sistema medindo a sua Temperatura. É esta a chave da descrição
termodinâmica dos sistemas da natureza.
Da Mecânica, sabemos que a energia mecânica dos sistemas varia em função do
Trabalho (W ) por estes recebido ou fornecido. Assim, a equação (3.1) pode ser
generalizada† :
∆ET = ∆Ec + ∆Ep + ∆U = −W (3.2a)

ou, infinitesimalmente,

dET = dEc + dEp + dU = −d̄W, (3.2b)



Trabalho positivo é convencionalmente considerado como o trabalho realizado pelo sistema.

18
3. Princípio de Conservação de Energia

onde distinguimos as diferenciais envolvidas. Diferenciais d̄ são ditas, por oposição às


diferenciais usuais d, não exactas. O significado matemático destas diferenciais será
discutido mais adiante, todavia mencionamos aqui que as diferenciais não exactas
se referem às variações infinitesimais de uma grandeza que depende do caminho
escolhido no processo de cálculo.
Consideremos agora as transformações que ocorrem quando sistemas com ener-
gias cinéticas internas ou energias internas distintas são colocados em contacto. Da
discussão acima, sabemos que estes sistemas encontram-se a temperaturas distintas
e, da calorimetria, sabemos que estes trocarão calor até que as suas temperaturas
atinjam o mesmo valor numa dada escala. Assim, vemos claramente que a troca
de calor modifica a energia total de um sistema alterando a sua energia cinética in-
terna, isto é, a sua energia interna como é inferido da mudança da sua temperatura.
Consequentemente, num sentido generalizado, a conservação da energia exprime-se
através da equação:

∆ET = ∆Ec + ∆Ep + ∆U = −W + Q (3.3a)

ou, infinitesimalmente,

dET = dEc + dEp + dU = −d̄W + d̄Q, (3.3b)

onde também a troca de calor é expressa por meio de uma diferencial não exacta.
Naturalmente, a generalização acima pode ser estendida de modo a abranger todas
as formas de energia:

dE = dEc + dEp + dEQuímica + dEEléctrica + dEMagnética + dENuclear + · · · + dU


= −d̄W + d̄Q. (3.3c)

Na Termodinâmica estuda-se, em geral, sistemas que não sofrem mudanças do seu


estado mecânico, isto é, ∆Ec = ∆Ep = 0 de modo a que da equação (3.3) obtemos:

∆U = −W + Q, (3.4a)

ou, infinitesimalmente,
dU = −d̄W + d̄Q. (3.4b)

As equações (3.4) denotam o Princípio de Conservação da Energia adaptado à Ter-


modinâmica. A esta adaptação dá-se o nome de Primeiro Princípio da Termo-
dinâmica.

19
3. Princípio de Conservação de Energia

Veremos adiante que o Segundo Princípio da Termodinâmica refere-se precisa-


mente à distinção entre processos reversíveis e irreversíveis. Tal distinção é caracte-
rizada por meio da função de estado Entropia. Processos reversíveis serão aqueles
nos quais a entropia se mantém constante, dS = 0. Pelo contrário, em processos
irreversíveis, a entropia crescerá, dS > 0. O Segundo Princípio da Termodinâmica
estabelece que a entropia é uma função estritamente crescente, dS ≥ 0. Desta forma,
o sentido de evolução e ordenação temporal é determinada.
De particular interesse na Termodinâmica são os sistemas que recebem Calor
convertendo-o parcialmente em Trabalho (o processo inverso tem, obviamente, bas-
tante menor interesse). Tais sistemas são denominados Máquinas Térmicas. Estas
máquinas operam por meio da força motriz do calor. A primeira destas máquinas
deve-se a T. Newcomen (bomba de água movida pela máquina a vapor) e é esque-
matizada abaixo:

Q1 Jacto de Água
W (Condensada)
A Q2
Água

Fogo

Mina

Figura 3.6: Esquema da máquina a vapor de T. Newcomen.

O vapor de água entra em A empurrando assim o êmbolo para cima. Um jacto


de água condensa o vapor em A de modo a que a pressão atmosférica exterior faça
o pistão descer e desta forma a água da mina em B é bombeada. Assim, o balanço

20
3. Princípio de Conservação de Energia

energético da máquina é sucessivamente o seguinte: Calor Q1 é fornecido ao sistema


(máquina), calor Q2 é cedido através das paredes em A para a água fria e trabalho
W é efectuado com a elevação da água da mina.
James Watt aperfeiçoou consideravelmente a máquina de Newcomen, por meio da
invenção de um condensador separado do cilindro A. Modernamente, a maior parte
da produção de electricidade (exceptuando-se as centrais hidroeléctricas) faz-se por
meio da força motriz do calor através das turbinas a gás.

21
Capítulo 4

Temperatura e Equações de
Estado

4.1 Temperatura
O estado térmico de um corpo é caracterizado pela grandeza temperatura. A mu-
dança da temperatura de um corpo tem como consequência a alteração de muitas das
suas propriedades (dimensão, densidade, elasticidade – Challenger’s O-rings, condu-
tividade eléctrica, etc.). Assim, estas propriedades podem ser utilizadas para medir
a temperatura. Termómetros que costumamos utilizar fazem uso da variação volu-
métrica do álcool ou mercúrio. As escalas conhecidas são baseadas nas propriedades
da água: fusão do gelo e ebulição da água.
Celsius Fahrenheit Réaumur Kelvin
Ebulição da água 100 Co
212 F o
80 Réo 373,15 K

Fusão da gelo 0 oC 32 o F 0 o Ré 273,15 K

Seguem então as seguintes relações entre as diferentes escalas:


T (o C) T (o F) − 32 T (o Ré) T (K) − 273, 15
= = = (4.1)
100 180 80 100
A maior dificuldade envolvendo termómetros que contêm líquidos selados é que a
temperatura pode ser indicada de forma diferente por termómetros contendo líquidos
distintos.

23
4. Temperatura e Equações de Estado

Termómetros mais fiáveis são aqueles que contêm um gás a volume constante.
Estes baseiam-se na Lei de Charles e Gay-Lussac dos gases ideais (que discutiremos
mais adiante) e que estabelece a proporcionalidade directa entre pressão e tempe-
ratura. Pode-se assim determinar a temperatura absoluta independentemente do
termómetro. Um esquema destes termómetros é apresentado abaixo (Figura 4.1)

Pressão Externa

Substância cuja
Gás
Hg temperatura se
deseja determinar

Figura 4.1

O volume do gás é mantido constante por meio da pressão exterior, pelo que
poderemos determinar a temperatura medindo-se a pressão. Por exemplo:

p0 ∝ T0 (fusão do gelo),
p1 ∝ T1 (ebulição da água),

logo
p0 T0
= . (4.2)
p1 T1
Verifica-se experimentalmente que, ao fixar p0 como sendo por exemplo a pressão
atmosférica (1 atm), a razão p1 /p0 é independente do gás no limite p → 0.

p1 /p0
O2

N2

1,36609
1
H2

p0 p

Figura 4.2

24
4.2. Variáveis Macroscópicas

Consequentemente,
T1
= 1, 36609 (4.3)
T0
e, através da escala Celsius T1 − T0 = 100 o C, segue que na «Escala Absoluta»:

T0 = 273, 15 K. (4.4)

Veremos aquando da discussão da máquina de Carnot como podemos construir


conceptualmente a Escala Absoluta de Kelvin e a sua garantida universalidade. Cla-
ramente, o Zero Absoluto corresponde à temperatura −273, 15 o C.
É interessante notar que como um gás tende sempre a expandir-se, não exis-
tem pressões negativas e, logo, temperaturas absolutas negativas. Conceptualmente
porém, na descrição mecanico-estatística de sistemas de spins nucleares de cristais
extremamente puros (por exemplo, Purcell e Pound (1951)) é interessante considerar-
se temperaturas absolutas negativas. Como estas temperaturas descrevem sistemas
altamente excitados, estas correspondem, na verdade, a situações onde a tempera-
tura é maior que ±∞. Portanto, temperaturas negativas caracterizam sistemas mais
quentes que sistemas com temperaturas infinitas.

4.2 Variáveis Macroscópicas


Um sistema macroscópico em equilíbrio (independente do tempo) é caracterizado
por variáveis macroscópicas. A situação mais simples é, por exemplo, a de um fluido
isotrópico que é caracterizado por 3 variáveis macroscópicas: p, V, T .
Um corpo anisotrópico é, em geral, caracterizado, aquando de deformações gerais,
por tensores de deformação:

Fi = −Kij xj , i, j = 1, 2, 3, (4.5)

e x1 ≡ x, x2 ≡ y, x3 ≡ z, F1 ≡ Fx , etc. Para substâncias magnéticas, deve-se


~ a magnetização M
introduzir o campo magnético B, ~ e a energia magnética, Em .
As variáveis macroscópicas distinguem-se em extensivas, que dependem da
quantidade de matéria, e intensivas, que se referem a propriedades «qualitativas»
dos corpos. Por exemplo

V, Em são variáveis extensivas


~ T são variáveis intensivas.
p, B,

25
4. Temperatura e Equações de Estado

Na prática, a distinção entre variáveis faz-se dividindo o sistema em duas par-


tes iguais; neste processo as variáveis extensivas são divididas por 2, enquanto as
variáveis intensivas não se alteram.
A experiência mostra que, em equilíbrio, ao fixar-se, por exemplo, a pressão e a
temperatura de um gás, o Volume tem sempre o mesmo valor. Consequentemente,
existe uma relação entre as quantidades envolvidas:

f (p, V, T ) = 0 ou V = V (p, T ). (4.6)

Esta relação é denominada Equação de Estado. Por exemplo, para um fluido com
propriedades magnéticas,
~ T)
V = V (p, B,
(4.7)
~ =M
M ~ (p, B,
~ T)

que generalizam as equações de estado.


Acrescentemos que materiais ferromagnéticos e plásticos sob o ponto de vista de
deformações apresentam o fenómeno de histerese e não podem ser descritos por meio
de equações de estado. Nesta situação, o estado dos corpos não depende somente de
variáveis intensivas e extensivas mas também da sua «história» passada.
Recordando Electromagnetismo, para materiais paramagnéticos ou diamagnéti-
cos,
~ = µH,
B ~ ~ =M
M ~ 0 + χm H,
~ µ = (1 + χm )µ0 . (4.8)
Porém, para materiais ferromagnéticos, não existe uma relação unívoca entre o campo
~ e o campo magnético aplicado H.
magnético B ~ Existe, em vez disso, um ciclo histe-
rético que relaciona os dois (portanto, a «história» do material tem importância).

B (material)

H (aplicado)

Figura 4.3

26
4.3. Estados em Equilíbrio

No espaço com eixos coordenados p, V, T representa-se o conjunto de pontos de


equilíbrio pela superfície descrita pela equação (4.6). Esta superfície é denominada
superfície característica. O espaço (p, V, T ) não é vectorial nem métrico (é, na
verdade, simpléctico), pelo que não é possível definir-se vectores, distâncias nem
ângulos. Este espaço é, contudo, diferencial, isto é, a superfície característica tem
uma estrutura de variedade diferencial de duas dimensões.

4.3 Estados em Equilíbrio

Os estados em equilíbrio termodinâmico são aqueles nos quais o estado do sistema


(p1 , V1 , T1 ) não é alterado ao se manterem imaculadas as condições externas, isto
é, são estados para os quais as variáveis macroscópicas p, V, T são independentes
do tempo. Como o objectivo da Termodinâmica é estudar as transformações ou
processos nos quais existe troca de calor e/ou trabalho, de modo a levar o sistema
de um estado de equilíbrio a outro por uma sucessão de estados intermédios, estes
estados intermediários estão também em equilíbrio (Figura 4.4).

p
B

Superfície Característica

Transformação efectuada por meio de estados em equilíbrio

Figura 4.4

Em particular, uma transformação é dita reversível quando os sucessivos es-


tados da transformação diferem infinitesimalmente de estados de equilíbrio. Logo,
uma transformação reversível conecta apenas estados em equilíbrio (na prática, isto
é atingido efectuando transformações extremamente lentas no sistema, de modo a

27
4. Temperatura e Equações de Estado

que este, a cada estágio, esteja em equilíbrio). Assim, um sistema que, por meio
de uma transformação, é levado do estado A para o estado B pode, por meio da
transformação reversa, ser trazido de B para A.

4.4 Estados fora do Equilíbrio


É importante reter que as variáveis macroscópicas não são definidas para ou-
tros estados além daqueles em equilíbrio. Consideremos, por exemplo, um gás num
recipiente separado em duas partes A e B (Figura 4.5)

A B
Inicialmente
Equilíbrio fA (p, V, T ) = 0
t = 0

A B Fora de Equilíbrio
Variáveis p, T não têm sentido;
t>0
Rep. aproximada: divisão em pe-
quenas células pi (t), Ti (t)

A B
t=T Equilíbrio f (p, V, T ) = 0

Figura 4.5

Os estados intermediários do gás não podem sequer ser representados no espaço


(p, V, T ). Todavia, é possível fazê-lo por força de convenção (Figura 4.6)

28
4.5. Representações planas da superfície característica

Transf. fora do Equilíbrio


S

p
R

Superfície Característica

Transformação em Equilíbrio

Figura 4.6: Espaço (p, V, T ) com Superfície Característica. Os estados S e R são


estados de equilíbrio

4.5 Representações planas da superfície característica


Como é sempre possível, para uma superfície qualquer, representar a superfície
característica por meio de cartas planas e curvas de nível, existem três representações
correspondendo a cada escolha de três pares de entre as variáveis p, V, T .
Sobre o plano p, V representam-se as curvas onde T (p, V ) = constante, ou seja,
as curvas isotérmicas.
p

T1

T2

Figura 4.7

Sobre o plano p, T representam-se as curvas isocóricas (V = constante). Sobre


o plano V, T representam-se as curvas isobáricas (p = constante).

29
4. Temperatura e Equações de Estado

Sintetizando, podemos dizer que as propriedades das substâncias são descritas


~ B,
por variáveis macroscópicas p, V, T, E, ~ . . . que correspondem a campos escalares,
vectoriais, etc. e que dependem, em geral, da posição e do tempo:

T = T (~r, t), V = V (~r, t), p = p(~r, t),


(4.9)
~ = E(~
E ~ r, t), ~ = B(~
B ~ r, t), etc.

Esta dependência pode, contudo, ser simplificada; por exemplo, para a tempera-
tura: Homogeneidade

T (~r, t) = T (r, θ, ϕ, t) = T (r, t) = T (t) = T. (4.10)

Coord. Curvilíneas Isotropia Equilíbrio

Essencial na Termodinâmica em equilíbrio é a independência das variáveis ma-


croscópicas do tempo. Nestas condições, as substâncias podem, em geral, ser descri-
tas por uma equação de estado:

f (p, V, T, . . .) = 0. (4.11)

30
Capítulo 5

Propriedades Gerais das


Substâncias

5.1 Constituintes e Fases da Matéria

A ideia de explicar a diversidade das substâncias Terra, Ar, Fogo e Água através
da existência de corpúsculos indivisíveis, os átomos, surgiu na Grécia pré-socrática,
entre outros, através de Leucipo (500 a.C.) e Demócrito (150 a.C.), seus mais ve-
ementes defensores. No Timeus, Platão (427 a.C.) associa aos elementos básicos
formas geométricas∗ distintas que determinavam as propriedades e ligações daquelas
substâncias.
Presentemente, compreendemos a diversidade das substâncias químicas através
do entendimento das ligações entre os 94 elementos naturais existentes na Tabela
Periódica dos Elementos. Estas ligações são essencialmente de natureza electro-
magnética e as valências químicas podem ser consideradas no âmbito da Mecânica
Quântica. As propriedades das reacções químicas, tais como, por exemplo, as suas
velocidades, são estudadas num ramo da Termodinâmica denominado Cinética Quí-
mica.
Os átomos, enquanto partículas fundamentais indivisíveis no sentido que assim
entendiam os filósofos gregos, estão associados, na Física Moderna, às partículas
elementares denominadas quarks, leptões e bosões. Os quarks são partículas com spin

À Terra associou um Hexaedro (isto é, um cubo); à Água um Icosaedro; ao Ar um Octaedro e
ao Fogo um Tetraedro.

31
5. Propriedades Gerais das Substâncias

semi-inteiro e carga ±e/3 ou ±2e/3, sendo e a carga do electrão (e = 1, 602176634 ×


10−19 C) e que, por meio de tríadas de duas espécies diversas u (up) e d (down)
compõem os protões e neutrões: protão – uud e neutrão – udd. Os mesões, partículas
responsáveis pela coesão nuclear, são compostos por pares de quarks e antiquarks
(antipartículas dos quarks). Existem 6 tipos diversos de quarks na natureza: u (up),
d (down), s (strange), c (charm), b (bottom) e t (top). Os leptões são também
partículas de spin semi-inteiro que podem ou não ter carga eléctrica. Existem 3
leptões carregados e 3 leptões neutros: electrão, muão, tau e os neutrinos associados
νe , νµ , ντ , respectivamente. Todas as partículas conhecidas são compostas por quarks
e leptões. A ligação ou interacção entre as diversas partículas fazem-se por meio da
troca de outras partículas elementares de spin inteiro: os bosões (vectoriais). Estes
bosões são característicos de cada uma das interacções fundamentais da natureza.
Em última instância, todos os fenómenos conhecidos podem ser decompostos
segundo a acção de quatro interacções distintas: a interacção electromagnética, a
interacção gravítica e as interacções nucleares forte e fraca. As interacções fun-
damentais da natureza são caracterizadas por duas propriedades: uma qualitativa,
ontológica – a carga e a correspondente intensidade relativa – e uma quantitativa,
nomeadamente o alcance da interacção. Nas Tabelas 5.1 e 5.2 são mostradas as ca-
racterísticas mais importantes das quatro interacções fundamentais da natureza e as
partículas elementares conhecidas, respectivamente.

Intensidade Partícula(s)
Spin da(s) Teoria
Interacção Carga relativa (a Intermediá- Alcance (m)
Partícula(s) Quântica
1 GeV) ria(s)
Nuclear
«Cor» 10 Gluões 1 10−15 QCD
Forte
Electro-
Eléctrica 1/137 Fotão 1 ∞ QED
magnética
Nuclear Isospin Bosões W±
10−10 1 10−18 SM
Fraca Fraco e Z0
Massa ou
Gravítica 10−38 Gravitão? 2 ∞ ?
Energia

Tabela 5.1: Interacções Fundamentais da Natureza; QED = «Quantum Electrodyna-


mics» (Electrodinâmica Quântica); SM = «Standard Model » (Modelo Padrão).

32
5.1. Constituintes e Fases da Matéria

Fermiões

Cromodinâmica Quântica (QCD)


Grupo de Simetria: SU (3)

Fermiões com cor (Quarks) Fermiões sem cor


(Leptões)
red green blue
" # " # " # " #
u u u νe
Grupo de Simetria: SU (2) × U (1)

d d d e−
L L L L

e−
Teoria Electrofraca

[u d]L [u d]L [u d]L R


" # " # " # " #
c c c νµ
s s s µ−
L L L L

[c s]L [c s]L [c s]L µ−


R
" # " # " # " #
t t t ντ
b b b τ−
L L L L

[t b]L [t b]L [t b]L τR−

Bosões

Bosões Intermediários
γ, W+ , W− , Z0 (sem cor)
Electrofracos

Bosões Intermediários
G1 , . . . , G8 (Gluões) (com cor)
da Interacção Forte

Bosões de Higgs H (sem cor)

Tabela 5.2: Gerações de partículas elementares.

33
5. Propriedades Gerais das Substâncias

Retrocedamos agora a um nível mais familiar utilizando os elementos da discussão


acima. Tríadas de quarks u e d (ligados por meio dos gluões) formam protões e
neutrões que, por sua vez, ligados através de mesões, formam os núcleos atómicos.
Estes, quando circundados por uma nuvem electrónica, formam os átomos como nós
os entendemos (e que são organizados na Tabela Periódica dos Elementos Químicos).
Finalmente, átomos formam moléculas através da interacção electromagnética e é a
distribuição das moléculas no espaço que determinam as propriedades das substâncias
que conhecemos. Estruturas compactas de moléculas dão origem, em geral, a sólidos
ou líquidos; contrariamente, substâncias sem estrutura cristalina encontram-se, por
norma, no estado gasoso – lembre-se que a composição química do gelo e do vapor
de água é na mesma H2 O, a distribuição destas moléculas no espaço é, contudo,
diferente. De especial interesse na Termodinâmica e na Mecânica Estatística são as
fases das substâncias, estados sólido, líquido e gasoso e as fases onde estes estados
convivem, assim como as transições entre estes estados.
As mudanças de estado das substâncias fazem-se fornecendo ou extraindo traba-
lho e/ou calor, isto é, alterando-lhes a energia interna. Como vimos acima, a energia
interna tem uma componente potencial associada às forças internas que actuam en-
tre as moléculas ou grupos de moléculas e uma componente cinética associada ao
movimento desordenado das moléculas. Assim, a componente potencial da energia
interna responde pela resistência de uma dada substância a força, ou melhor, a pres-
sões externas. A energia interna de natureza cinética está ligada à temperatura da
substância. Como a descrição da Termodinâmica das substâncias faz-se, essencial-
mente, quando estas se encontram em equilíbrio, segue que o exame de uma dada
substância exige que pressões e temperaturas internas e externas se equilibrem:

pint = pext , (5.1a)


Tint = Text . (5.1b)

Condições (5.1) expressam o estado de equilíbrio termodinâmico de um sistema com


o seu ambiente circundante. A condição (5.1a) expressa o equilíbrio mecânico entre
sistema e ambiente, enquanto a condição (5.1b) refere-se ao equilíbrio térmico.
Uma melhor descrição dos estados de uma dada substância que a da manutenção
da sua forma e do seu volume como mostrada na Tabela 5.3 pode ser obtida através
do estudo do comportamento a pressões e temperaturas distintas. Indicamos, no
diagrama (T, p) da Figura 5.1, o comportamento da água.

34
5.1. Constituintes e Fases da Matéria

Forma bem definida Volume bem definido

Sólido Sim Sim

Líquido Não Sim

Gás Não Não

Tabela 5.3: Descrição dos estados sólido, líquido e gasoso devido à sua forma e
volume

p (atm)

II
L C

1 III

S
0,00604
X G
T = 273, 16 K
I

273,15 373,15 T (K)

Figura 5.1: Diagrama de fase para a água.

Na Figura 5.1, as regiões S, L, G correspondem às três fases. As linhas de


separação I, II, III correspondem respectivamente à sublimação, fusão e evaporação.
A passagem por estas linhas envolve calor latente, isto é, calor que não altera a
temperatura da substância mas apenas o seu estado. Os pontos X e C correspondem
ao ponto triplo onde coexistem as três fases e o ponto crítico acima do qual (T > Tc )
deixa de existir a distinção nítida entre estado líquido e estado gasoso. Sob a pressão
atmosférica p = 1 atm, o aumento da temperatura leva à sequência de mudanças de
fase: sólido −→ líquido −→ gás.
Verificamos também, através da Figura 5.1, que a altas pressões e baixas tempe-
raturas domina o estado sólido, em oposição a baixas pressões e altas temperaturas
onde há o predomínio do estado gasoso. Assim, a pressão é uma medida da energia

35
5. Propriedades Gerais das Substâncias

interna do tipo potencial das substâncias e a temperatura, como verificaremos direc-


tamente, mede a energia cinética interna das substâncias. Consequentemente, nos
sólidos, a energia interna potencial é mais importante que a componente cinética,
ocorrendo exactamente o oposto nos gases.

5.2 Gases Ideais ou Perfeitos

O exemplo mais simples de uma substância que podemos encontrar é o de um gás


dito ideal ou perfeito. Um gás ideal é, além de homogéneo e isotrópico, composto
por moléculas sem volume que não interagem entre si, ocorrendo apenas colisões
elásticas (que acontecem ao acaso) entre moléculas que se movimentam. Gases reais
comportam-se como gases ideais quando estão bastante diluídos (isto é, no limite
V → ∞).
Experimentalmente, observou-se a existência de relações simples entre as variáveis
macroscópicas relevantes: pressão, volume e temperatura. No século XVIII, Robert
Boyle, um importante defensor da teoria atómica, e Mariotte verificaram que, ao
fixar-se a temperatura de um gás perfeito, a pressão e o volume são inversamente
proporcionais (Figura 5.2)
1
p∝ . (5.2)
V

No final do século XVIII, Charles e Gay-Lussac demonstraram a proporcionali-


dade directa entre pressão e temperatura e entre volume e temperatura (Figura 5.3):

p∝T (5.3a)
V ∝ T. (5.3b)

As relações empíricas (5.2) e (5.3) são automaticamente satisfeitas se:

pV = cT, (5.4)

onde c é uma constante. A equação (5.4) é a equação de estado do gás ideal.

36
5.2. Gases Ideais ou Perfeitos

p p

Isotérmica
Isocórica

V T

Figura 5.2 Figura 5.3

Ao nível microscópico, um modelo bastante simples de um gás perfeito pode ser


construído, pensando-se nas moléculas que o compõem como bolas de bilhar rígidas,
que se movem caoticamente, colidindo elasticamente entre si e com as paredes do re-
cipiente que contém o gás. Consideremos, por simplicidade, que o recipiente é cúbico
e tem aresta `. Nas colisões com as paredes do recipiente, somente a componente
perpendicular (às paredes) da velocidade molecular é importante (Figura 5.4).

~v

~v

Figura 5.4

Assumindo que as moléculas constituintes do gás têm a mesma massa m e que o


módulo da velocidade molecular média corresponde, por exemplo, à média†
p
vM ≡ hk~v k2 i, (5.5)

lembre-se que h~v i = 0; segue que a variação do momento linear aquando de uma
colisão com a parede é dada por

p = m~vM − (−m~vM ) = 2m~vM .


∆~ (5.6)
N
† 1 X
hXi ≡ Xi
N i=1

37
5. Propriedades Gerais das Substâncias

Consequentemente, a força que actua na parede é dada por


∆~
p
F~ = , (5.7)
∆t
onde ∆t pode ser estimado considerando este intervalo como o tempo entre duas
colisões com a parede, i.e. entre a ida e a volta de uma molécula que colide com a
parede oposta:
2`
∆t = , (5.8)
vM
donde segue que
mvM2
F = kF~ k = . (5.9)
`
Sendo N o número de moléculas que compõem o gás, o número destas que se
movem perpendicularmente à parede indicada é N/3, para N grande. Assim,
N mvM2
FTotal = , (5.10)
3`
e, logo, a pressão sobre a parede será
N mvM 2
FTotal
p= = . (5.11)
`2 3`3
Porém, sendo o volume ocupado pelo gás dado por V = `3 , tem-se que
N 2
pV = mvM . (5.12)
3
Por outro lado, a energia interna cinética média do gás é:
1 2
hEc i = mvM , (5.13)
2
o que implica que
2
pV = N hEc i . (5.14)
3
Comparando as equações (5.4) e (5.14), obtém-se que

hEc i ∝ T, (5.15)

ou seja, a temperatura é uma medida da agitação molecular!


Visando incorporar a Hipótese de Avogadro segundo a qual, nas mesmas
condições de pressão, volume e temperatura, todos os gases têm o mesmo número de
moléculas (1 mol), a equação (5.4) pode ser reescrita da seguinte forma:

pV = N kB T, (5.16)

38
5.2. Gases Ideais ou Perfeitos

sendo kB uma constante universal: a constante de Boltzmann,

kB = 1, 380 649 × 10−23 J/K. (5.17)

É costume definir-se a equação dos gases perfeitos para um mole de gás, isto é
para uma massa de gás igual ao seu peso molecular expresso em gramas. Um mole
contém um número fixo de moléculas, o número de Avogadro,

NA = 6, 022 140 76 × 1023 .

Assim, à pressão de 1 atm e à temperatura de 0 o C, um mole de gás ideal ocupa 22,4


litros. Tomando ν moles de gás, temos que a equação dos gases ideais (5.16) fica:

pV = νRT, (5.18)

onde ν é o número de moles e R é a constante universal dos gases ideais

R = NA kB = 8, 314 462 618 153 24 J/(mol K). (5.19)

Finalmente, retomando a relação (5.15), obtém-se


3
hEc i = kB T. (5.20)
2
Recordemos que a energia cinética acima refere-se aos três graus de liberdade de
translação de cada molécula, isto é,
1
Ec = m(vx2 + vy2 + vz2 ), (5.21)
2
donde resulta, da hipótese inicial de homogeneidade e isotropia do gás, que:
1 1 1 1
mv 2 = mv 2 = mvz2 = kB T. (5.22)
2 x 2 y 2 2
A relação (5.22) exprime o chamado Princípio de Equipartição de Energia. Ve-
remos, quando discutirmos as distribuições de Maxwell–Boltzmann, que este Princí-
pio corresponde, na verdade, a um teorema que se demonstra no âmbito da Teoria
Cinética da Matéria.
Claramente, para um gás ideal composto por moléculas monoatómicas, a energia
interna é exclusivamente cinética:
X1
U= mvi2 . (5.23)
2
i

39
5. Propriedades Gerais das Substâncias

Porém, usando o Princípio de Equipartição da Energia, podemos estimar a energia


interna do gás:
3 3
U = N kB T = νRT, (5.24)
2 2
onde N = νNA . Segue, então, que a energia interna de um gás ideal é função
exclusiva da temperatura.
O cálculo da energia interna acima é válido apenas para gases monoatómicos.
Para gases diatómicos, devemos considerar, além da energia cinética molecular, a
energia associada à rotação segundo dois dos eixos coordenados (Figura 5.5a) e tam-
bém a energia de vibração e correspondente energia cinética (Figura 5.5b).

z z
y
y0
x y
y

(a) Rotação (b) Vibração

Figura 5.5: Graus de liberdade adicionais de molécula diatómica.

Assim, a energia interna por molécula do gás é dada pela soma das diversas
contribuições:
U 1 1 1 1 1 1 1
= mvx2 + mvy2 + mvz2 + Iωx2 + Iωz2 + mvy∗2 + k0 (y − y0 )2 , (5.25)
N 2 2 2 2 2 2 2
onde I é o momento de inércia do sistema diatómico, ω é a velocidade de rotação
em torno dos eixos x e z, vy∗ é a velocidade de vibração ao longo do eixo y e k0 é a
constante elástica da mola ou da ligação química entre os átomos que compõem as
moléculas do gás.
A energia interna (5.25) pode ser estimada usando o Princípio de Equipartição
da Energia para cada uma das várias contribuições quadráticas para a energia dos
graus de liberdade acima, ou seja,
1 7
U = 7 × N × kB T = νRT. (5.26)
2 2
Contudo, devido ao facto de a nível fundamental a energia ser quantizada e devido
à natureza dos níveis vibracionais, apenas a temperaturas muito elevadas é que os

40
5.2. Gases Ideais ou Perfeitos

graus de liberdade de vibração são activados, assim a temperatura intermediárias, os


únicos graus de liberdade que contribuem para a energia interna são os de translação
e os de rotação:
5
U = N kB T. (5.27)
2
As ideias avançadas acima podem ser directamente verificadas através da medida
da capacidade térmica molar (ν = 1) a volume constante
dU
CV = . (5.28)
dT
Consequentemente, temos, para gases monoatómicos e diatómicos,


 32 R (Gás Monoatómico)
CV = , (5.29)

 5 R ou 7 R (Gás Diatómico)
2 2

valores que são confirmados experimentalmente para gases diluídos a baixas pressões
(Tabela 5.4).

Molécula Exemplo CV (J/(mol K))


Ideal 12,5
Monoatómca He 12,5
Ar 12,6
Ideal 20,8
Diatómica N2 20,7
O2 20,8
Ideal 24,9
Poliatómica NH4 29,0
CO2 29,7

Tabela 5.4: Capacidades Térmicas molares

Mencionemos que uma mistura de diversos gases é governada por leis semelhantes
àquelas obedecidas por um gás quimicamente homogéneo. Denomina-se pressão
parcial de uma componente de uma dada mistura de gases à pressão que cada
componente exerceria se ocupasse sozinha o volume ocupado pela mistura à mesma
temperatura. Uma mistura de gases obedece à Lei de Dalton (1802) que estabelece
que

41
5. Propriedades Gerais das Substâncias

A pressão (p) exercida por uma mistura de n gases é igual à soma das pressões
parciais (pi ) de todas as componentes da mistura, isto é,
n
X
p= pi . (5.30)
i=1
A Lei de Dalton é válida para gases perfeitos e é apenas aproximadamente obedecida
por gases reais.
Um exemplo de uma mistura de gases é o ar que é composto por cerca de 20,946%
de gás O2 , 78,084% de gás N2 , 0,934% de gás Ar, 0,041361% de CO2 , 0,001818%
de Ne, 0,000524% de He, 0,000187% de CH4 , 0,000114% de Kr e vestígios de outros
compostos em percentagens inferiores.

5.3 Gases Reais e a Equação de Estado de van der Waals


Experimentalmente, observam-se grandes diferenças de comportamento entre ga-
ses reais e gases ideais a pressões moderadas. Estas diferenças acentuam-se à medida
que a pressão aumenta (e o volume diminui) como é indicado, aproximadamente, na
Figura 5.6.

pV
N kB T Gás Ideal
He
3 H2
2
N2
CO2
1 H2 O

1
2

10−2 10−1 1 10 102 p (atm)

Figura 5.6: Equação de van der Waals para gases reais a T = 25 o C.

O modelo microscópico que construímos acima para um gás ideal assumia que
as moléculas que compunham o gás não ocupavam nenhum volume e que estas não
interagiam entre si. Estas hipóteses podem ser facilmente modificadas de modo a
tomar o modelo macroscópico mais realístico.

42
5.3. Gases Reais e a Equação de Estado de van der Waals

Primeiramente, modifiquemos a hipótese de que as moléculas do gás não têm


volume. De facto, o volume ocupado por cada uma destas é muito pequeno, contudo,
um gás, em geral, é composto por muitas moléculas. Assim, o volume disponível ao
gás é menor do que o volume V do recipiente:

V → V − b, (5.31)

onde b representa o volume ocupado por todas as moléculas.


Uma segunda correcção necessária à equação de estado dos gases ideais diz res-
peito à interacção entre as moléculas que o compõem. Naturalmente, esta interacção
será tanto maior quanto menor for a densidade do gás. Segue que as moléculas junto
às paredes do recipiente que contêm o gás serão atraídas para o interior do gás, dado
existir um maior número de moléculas no interior do mesmo. A pressão exercida pelo
gás será, portanto, menor. Se a força de atracção entre duas moléculas for a0 , então a
força de atracção total será proporcional ao quadrado da densidade, isto é, a0 ρ2 , onde
ρ = N/V e ρ é o número de moléculas por unidade de volume. Assim, em relação à
pressão exercida por um gás ideal, a seguinte modificação deve ser introduzida:
a
pIdeal → p = pIdeal − a0 ρ2 = pIdeal − , (5.32)
V2
onde a ≡ a0 N 2 .
Finalmente, introduzindo as modificações (5.31) e (5.32) na equação (5.16),
obtém-se a equação de van der Waals (1873)
 a 
p+ (V − b) = N kB T. (5.33)
V2
Claramente, as constantes a e b são fenomenológicas e caracterizam os gases reais
em questão. Na Figura 5.7, as curvas isotérmicas de van der Waals são contrastadas
com a de um gás ideal.
A equação de estado de van der Waals apresenta uma temperatura crítica, acima
da qual o gás passa a comportar-se aproximadamente como um gás ideal. Abaixo
de Tc surgem máximos e mínimos locais que sugerem, como veremos mais adiante,
a mudança de fase líquido ←→ gasoso na qual, para p e T fixos, corresponde uma
mudança de V ou da densidade.
Por construção, a equação de van der Waals representa mais fielmente o compor-
tamento de um gás não diluído. Tal reflecte-se no facto de que, como veremos abaixo,

43
5. Propriedades Gerais das Substâncias

p
T = 0, 85Tc
T = 0, 9Tc
T = 0, 95Tc
T = Tc
T = 1, 1Tc
Gás Ideal

Figura 5.7

a energia interna de um gás de van der Waals não ser função exclusiva da tempera-
tura. Consequentemente, a capacidade térmica molar a volume constante, CV , eq.
(5.28), não é uma constante. Tais considerações são igualmente válidas para líquidos
e sólidos, onde, naturalmente, as interacções moleculares são mais importantes.
Gases reais podem ser, em algumas situações, vantajosamente descritos por equa-
ções de estado fenomenológicas diferentes da equação de van der Waals. Exemplos
destas equações fenomenológicas são as seguintes (ν = 1):

i. Primeira e Segunda Equações de Dieterici:


 a 
p(V − b) = RT exp − , (5.34a)
  RT V
a
p + 5/3 (V − b) = RT ; (5.34b)
V

ii. Equação de Berthelot:


 a 
p+ (V − b) = RT ; (5.35)
TV 2

iii. Forma Virial da Equação de Estado:


 
A B C
pV = RT 1 + + 2 + 3 + . . . , (5.36)
V V V

onde a, b, A, B, C, . . . são constantes fenomenológicas. Note-se que todas as


equações de estado se reduzem à equação de estado (5.16) de um gás ideal no limite
de grande diluição (V → ∞) e b → 0.

44
Capítulo 6

Relações entre coeficientes de uma


Transformação Infinitesimal

6.1 Transformações Infinitesimais e Relações Fundamen-


tais
Transformações infinitesimais são aquelas que permitem a passagem de um ponto
A(p, V, T ) da superfície característica ao ponto vizinho A0 (p + dp, V + dV, T + dT )∗ .
Como A e A0 são pontos de equilíbrio, então:

f (p, V, T ) = 0 (6.1a)
f (p + dp, V + dV, T + dT ) = 0. (6.1b)

Expandindo (6.1b) em série de Taylor em torno do ponto A, obtém-se:


∂f
f (p + dp, V + dV, T + dT ) = f (p, V, T ) + (p + dp, V, T ) dp (6.2)
∂p
∂f ∂f
+ (p, V + dV, T ) dV + (p, V, T + dT ) dT + . . .
∂V ∂T
Subtraindo a equação (6.1a) à equação (6.2) e introduzindo (6.1b),

∂f ∂f ∂f
(p + dp, V, T ) dp + (p, V + dV, T ) dV + (p, V, T + dT ) dT = 0. (6.3)
∂p ∂V ∂T

fp0 fV0 fT0



dp, dV , dT são infinitesimais de primeira ordem, ou diferenciais ditas exactas.

45
6. Relações entre coeficientes de uma Transformação Infinitesimal

 
∂f ∂f
É costume indicar-se: fp0
= (p + dp, V, T ) ≡ , etc.
∂p ∂p V,T
Consequentemente, a relação (6.3) mostra que existe uma relação linear entre dp,
dV , e dT entre pontos vizinhos A e A0 .
Consideremos alternativamente (6.1a) para a mesma transformação para uma
carta (p, V ):
   
∂T ∂T
T = T (p, V ) : dT = dp + dV. (6.4)
∂p V ∂V p

Com as duas outras cartas para a mesma transformação, temos


   
∂V ∂V
V = V (p, T ) : dV = dp + dT (6.5)
∂p T ∂T p
   
∂p ∂p
p = p(V, T ) : dp = dV + dT, (6.6)
∂V T ∂T V
Naturalmente, as expressões (6.3) – (6.6) exprimem a mesma relação entre dp, dV
 
e dT . Os seis coeficientes ∂T
∂p que aparecem nas equações (6.4) – (6.6) podem ser
V
obtidos a partir de apenas dois deles. Esta mudança de variáveis pode ser efectuada
reescrevendo a relação (6.3) como por exemplo:
"    #
1 ∂f ∂f
dT = −   dp + dV , (6.7)
∂f ∂p V,T ∂V p,T
∂T p,V

e, comparando com (6.4) tem-se:


 
  ∂f
∂T ∂p V,T fp0
= −  =−
∂p V
∂f fT0
∂T p,V
 
  ∂f
∂T ∂V p,T fV0
= −  =− , etc.
∂V p
∂f fT0
∂T p,V

Em geral,  
  ∂f
∂X ∂Y X,Z fY0
= −  =− 0 . (6.8)
∂Y Z
∂f fX
∂X Y,Z

É trivial que
∂f
!−1  
∂f
∂p ∂V 1
− ∂f = − ∂V
∂f
=⇒ =  , (6.9a)
∂p T
∂p
∂V ∂p ∂V T

46
6.1. Transformações Infinitesimais e Relações Fundamentais

e em geral,  
∂X 1
= ∂Y
 . (6.9b)
∂Y Z ∂X Z

Obtenhamos então a relação de Reech:


 
      ∂T
∂V fp0 fp0 fT0 ∂T ∂V ∂p V
= − 0 = − 0 =− =− 
∂p T fV fT fV0 ∂p V ∂T p
∂T
∂V p
       
∂V ∂p ∂T fp0 fT0 fV0
=⇒ = −1 = −1 , (6.10a)
∂p T ∂T V ∂V p fT0 fV0 fp0

e em geral:
     
∂X ∂Y ∂Z
= −1 . (6.10b)
∂Y Z ∂Z X ∂X Y

Exemplos:

(i) Coeficientes de compressibilidade e de dilatação volumétrica: A compressibili-


dade isotérmica de um corpo relaciona-se com a variação relativa do seu volume
sob a acção de uma pressão a uma temperatura constante
 
1 ∂V
χT ≡ − (χT > 0), (6.11)
V0 ∂p T

onde V0 é o volume inicial.

A dilatação volumétrica refere-se à variação relativa do volume de um corpo


quando submetido a uma mudança de temperatura a pressão constante
 
1 ∂V
αV ≡ . (6.12)
V0 ∂T p

Nas definições (6.11) e (6.12) intervêm os coeficientes da relação (6.5); entre


elas encontramos a relação
∂V
  
αV ∂T p fT0 fV0 ∂p
=−   =− 0 0 = , (6.13)
χT ∂V fV fp ∂T V
∂p T

 
∂p
onde ∂T V é o coeficiente de aumento de pressão a volume constante.

47
6. Relações entre coeficientes de uma Transformação Infinitesimal

(ii) Extensibilidade (elasticidade) de fios – a utilização de fios faz-se usualmente


sob condições ambiente, i.e. a uma pressão de 1 atmosfera e com variações
desprezáveis de volume. Assim, uma descrição termodinâmica pode ser feita
em termos de apenas três coordenadas:

(a) Tensão no fio F , medida em newtons;


(b) Comprimento do fio L, medida em metros;
(c) Temperatura.

A temperatura constante e dentro do limite de elasticidade, a lei de Hooke é


válida:
F = −k(L − L0 ), (6.14)

onde L0 é o comprimento do fio a tensão zero. Logo, se o fio é submetido a


uma variação infinitesimal do seu comprimento
   
∂L ∂L
dL = dT + dF. (6.15)
∂T F ∂F T

Define-se a expansibilidade linear como


 
1 ∂L
αL ≡ . (6.16)
L0 ∂T F (p)

O módulo de Young isotérmico é definido por meio da expressão


 
L ∂F L
Y = = ∂L
 , (6.17)
A ∂L T A ∂F T

onde A é a área do fio.

(iii) Superfícies de Filmes – a superfície de um filme é uma fina membrana esticada


de separação como, por exemplo:

(a) Superfície superior de um líquido em equilíbrio com o seu vapor;


(b) Uma bolha de sabão ou filme de sabão, numa armação que consiste em duas
superfícies de filme e que contém no seu interior uma pequena quantidade
de líquido;
(c) Um fino filme de óleo na superfície da água.

48
6.1. Transformações Infinitesimais e Relações Fundamentais

Caracterização termodinâmica faz-se por meio de três coordenadas:

(1) Tensão superficial, medida em N/m;


(2) Área do filme, medido em m2 ;
(3) Temperatura.

A tensão superficial σ é definida por meio da construção experimental (Fi-


gura 6.1):
Haste móvel
Armação

l Filme

F

Figura 6.1

O filme exerce na haste uma força 2σl (o 2 resulta do facto de serem duas
superfícies de filme)† :
kF~σ k = 2σl. (6.18)

Experimentalmente determina-se a equação de estado:


 
T n
σ = σ0 1 − 0 , (6.19)
T

onde σ0 é a tensão superficial a 0 o C, T 0 é a temperatura próxima à tempe-


ratura crítica do líquido e 1 ≤ n ≤ 2. Assim, σ decresce com o aumento da
temperatura.


Definição alternativa: σ ≡ 1 W
2 A
= 1 Fx
2 lx
.

49
6. Relações entre coeficientes de uma Transformação Infinitesimal

6.2 Formas diferenciais d̄W e d̄Q (δW e δQ)

6.2.1 Transformações Reversíveis e Irreversíveis

Transformações Reversíveis (TR) são aquelas nas quais a cada instante de evolu-
ção do sistema, este permanece em equilíbrio. Deste modo, a cada momento o sistema
pode ser representado por um ponto sobre a superfície característica f (p, V, T ) = 0.
Este tipo de transformações são ideais pois exigem que o sistema não seja levado
para um estado fora do equilíbrio. Isto significa que as TR são efectuadas muito
lentamente (de facto, a velocidade zero), de modo a que durem um tempo infinito.
Transformações deste tipo são ditas quase-estáticas. As transformações reais são,
por oposição, efectuadas num tempo finito.
Exemplo: Se uma força for imprimida‡ muito rapidamente, o sistema será levado
a um estado oscilante em torno do equilíbrio. Ao contrário, se a força for efectuada
lentamente, este induzirá um deslocamento dh (ver Figura 6.2).

dh
Gás a
pressão p

Figura 6.2

O trabalho efectuado será dado por

dF F
d̄W = p S dh, p= = . (6.20)
dS S

Porém,
dV = S dh =⇒ d̄W = p dV § ; (6.21a)

consequentemente, para uma transformação finita (real, não reversível)


ˆ B
W = p dV, (6.21b)
A

Trabalho: Sistema−→ Ambiente, positivo.
§
Independentemente da forma do recipiente

50
6.2. Formas diferenciais d̄W e d̄Q (δW e δQ)

onde o integral é tomado sobre toda a transformação entre estados inicial (A) e final
(B). No diagrama (V, p):
p

Trabalho = Área sob a curva


AB no diagrama (V, p).
A B

V1 V2 V

Consideremos, agora, as transformações indicadas abaixo:


p
C B(p2 , V2 )
(1)

(2)

A(p1 , V1 ) D

V
Figura 6.3

O trabalho entre os pontos A e B é mais uma vez dado por:


ˆ V2
WAB = p(V ) dV. (6.22a)
V1

Escrevendo esta expressão para os dois caminhos da Figura 6.3, tem-se que:
ˆ C ˆ B
(1) 
WAB =  p1 dV +
 p2 dV = p2 (V2 − V1 )
A C
ˆ D ˆ B
(2) 
WAB = p1 dV +  p2 dV = p1 (V2 − V1 ).
A D
Comparando as duas expressões vem que
(1) (2)
WAB 6= WAB . (6.22b)

Concluímos que, embora d̄W e d̄Q correspondam a transformações infinitesimais,


elas não formam diferenciais exactas.

51
6. Relações entre coeficientes de uma Transformação Infinitesimal

Matematicamente, sabe-se que, para uma forma diferencial qualquer,

dΩ = M (x, y) dx + N (x, y) dy, (6.23)

o integral entre dois pontos A e B no plano (x, y) depende, em geral, do caminho


escolhido.
Para que o integral seja independente do caminho seguido faz-se necessário que:
ˆ ˆ
(1)
dΩ = (2)
dΩ (6.24a)
A−
−→B A−−→B
ou ˆ ˆ I
(1)
dΩ + (2)
dΩ = dΩ = 0 (6.24b)
A−
−→B B−
−→A A→B
Um integral desta natureza pode ser representado por meio da circulação de um
~ de componentes (M (x, y), N (x, y), 0):
vector C
I I
dΩ = C~ · d~l, (6.25)
Γ Γ

com d~l = (dx, dy, 0). Por meio do Teorema de Stokes (ver Apêndice A para uma
revisão de conceitos de Análise Vectorial) podemos transformar um integral de linha
num integral de fluxo do operador rotacional do vector C:~
I ¨
~ ~
C · dl = ~ · dS,
(∇ × C) ~ (6.26)
Γ S


∂N ∂M
~ =
onde Γ = ∂S é a fronteira da superfície S, ∇ × C (x, y) − (x, y) ~k e dS
~
∂x ∂y
tem componentes (0, 0, dx dy); portanto a condição de independência de caminho de
integração traduz-se:
I ¨  
∂N ∂M
dΩ = − dx dy (6.27)
Γ S ∂x ∂y
ou
∂N ∂M
(x, y) = (x, y). (6.28)
∂x ∂y
Assim, diz-se que a forma diferencial é fechada ou que dΩ é um diferencial total
exacta quando esta satisfaz a condição (6.28); segue então que, nestas condições, o
integral ˆ
dΩ = Ω(B) − Ω(A) (6.29)
A→B
depende apenas dos valores de Ω em A e B e não do caminho de integração.

52
6.2. Formas diferenciais d̄W e d̄Q (δW e δQ)

No diagrama (p, V ), onde

d̄W = p dV + 0 dp (6.30a)

∂p ∂0
= 1 6= 0 = , (6.30b)
∂p ∂V

tem-se que d̄W não é uma diferencial exacta e, portanto, representamo-la por

dW −→ d̄W.

6.2.2 Forma diferencial d̄Q para uma transformação infinitesimal


reversível

Esta forma diferencial representa a quantidade de calor fornecida ao sistema pelo


meio exterior, de modo a levá-lo do estado A ao estado A + dA. Esta diferencial
pode ser representada de três formas equivalentes

d̄Q = CV (T, V ) dT + l(T, V ) dV (6.31a)


= Cp (T, p) dT + h(T, p) dp (6.31b)
= λ(p, V ) dp + µ(p, V ) dV, (6.31c)

com CV e Cp as capacidades caloríficas/térmicas a volume e pressão constante, res-


pectivamente. Lembremos que estas grandezas estão definidas aquando da mudança
de temperatura de um corpo¶ (∆Q = mc∆T ):
 
d̄Q CV
CV (T, V ) = =⇒ cV = (6.32a)
dT V m
 
d̄Q Cp
Cp (T, p) = =⇒ cp = . (6.32b)
dT p m

Mostremos que a determinação de CV e Cp é suficiente para especificar todos os


coeficientes em (6.31b) e (6.31c). Eliminando dT em (6.31a), por meio da equação
de estado T = T (p, V ):
   
∂T ∂T
dT = dp + dV. (6.33)
∂p V ∂V p


Quando associadas à mudança de estado de um corpo temos o chamado calor latente (recebido
e fornecido): QL = mL.

53
6. Relações entre coeficientes de uma Transformação Infinitesimal

Logo,
"    #
∂T ∂T
d̄Q = CV dT + l dV = CV dp + dV + l dV = λ dp + µ dV, (6.34)
∂p V ∂V p

donde segue que


 
∂T
CV =λ (6.35a)
∂p V
 
∂T
l + CV = µ. (6.35b)
∂V p

Efectuando agora a mesma mudança desta vez em (6.31b) obtém-se


 
∂T
Cp +h=λ (6.36a)
∂p V
 
∂T
Cp = µ, (6.36b)
∂V p

donde segue que


   
∂T ∂T
λ = CV h = (CV − Cp )
∂p V ∂p V
    . (6.37)
∂T ∂T
µ = Cp l = (Cp − CV )
∂V p ∂V p

6.2.3 Transformações adiabáticas reversíveis

Na superfície característica, as curvas correspondentes às transformações rever-


síveis nas quais o trabalho fornecido é zero,

d̄W = p dV = 0, (6.38)

são as transformações isocóricas. As transformações reversíveis nas quais não há


calor libertado,
d̄Q = 0, (6.39)

são denominadas adiabáticas.


Escolhendo a carta (p, V ) temos:
   
∂T ∂T
d̄Q = λ dp + µ dV = CV dp + Cp dV = 0; (6.40)
∂p V ∂V p

54
6.2. Formas diferenciais d̄W e d̄Q (δW e δQ)

esta expressão é da forma

A(p, V ) dp + B(p, V ) dV = 0, (6.41)

de modo a que se tem uma equação diferencial de primeira ordem, cuja solução
constitui uma família de curvas.
Para um gás ideal. esta equação pode ser resolvida:
1
pV = N kB T ou T = pV,
N kB
portanto
V p
CV dp + Cp dV = 0 (6.42a)
N kB N kB
dp dV
CV + Cp = 0. (6.42b)
p V
Definindo γ ≡ Cp /CV e integrando
ˆ p 0 ˆ V    
dp dV 0 p V
0
+γ 0
= 0 =⇒ ln + γ ln =0
p0 p V0 V p0 V0
=⇒ pV γ = p0 V0γ (6.43a)

ou ainda,

T V γ−1 = const. (6.43b)


1−γ
Tp γ = const. (6.43c)

Exemplo: Compressibilidade adiabática e isotérmica


 
1 ∂V
χQ ≡ − (6.44)
V0 ∂p Q
 
1 ∂V
χT ≡ − (6.45)
V0 ∂p T
Por meio das relações de Reech
           
∂V ∂p ∂T ∂V ∂p ∂Q
= −1 & = −1 (6.46)
∂p T ∂T V ∂V p ∂p Q ∂Q V ∂V p

e usando que
   
∂T ∂T
d̄Q = µ dV + λ dp = CV dp + Cp dV,
∂p V ∂V p

55
6. Relações entre coeficientes de uma Transformação Infinitesimal

tem-se
   
∂Q ∂T
1 ∂p V 1 λ 1 CV ∂p V
χQ ≡ +   = = ∂T
 (6.47)
V0 ∂Q V0 µ V0 Cp ∂V p
∂V p
 
∂T
1 −1 1 ∂p V
χT ≡ −    =V ∂T
 . (6.48)
V0 ∂p ∂T 0 ∂V p
∂T V ∂V p

Consequentemente,
χQ CV 1
= = . (6.49)
χT Cp γ
A condição de diferenciabilidade exacta pode ser demonstrada, alternativamente,
da seguinte forma. Seja Ω = Ω(x, y) e, portanto,
   
∂Ω ∂Ω
dΩ = dx + dy, (6.50)
∂x y ∂y x
ou, como anteriormente,

dΩ = M (x, y) dx + N (x, y) dy
   
∂Ω ∂Ω
M (x, y) = N (x, y) = .
∂x y ∂y x

Diferenciando M (x, y) e N (x, y),


   
∂M ∂2Ω ∂N ∂2Ω
= = , (6.51)
∂y x ∂y∂x ∂x y ∂x∂y

donde resulta a condição de diferenciabilidade exacta:


   
∂N ∂M
= . (6.52)
∂x y ∂y x

Consideremos agora uma função g = g(x, y, z) e mostremos que, existindo uma


relação entre x, y e z, pode ser considerada uma função de apenas duas das variáveis
x, y e z. Analogamente, x, y e z podem ser considerados funções de g e de uma
variável dentre x, y e z. Por exemplo, x = x(g, y) e
   
∂x ∂x
dx = dg + dy. (6.53)
∂g y ∂y g

Considere-se agora y = y(g, z). Então:


   
∂y ∂y
dy = dg + dz; (6.54)
∂g z ∂z g

56
6.2. Formas diferenciais d̄W e d̄Q (δW e δQ)

substituindo na expressão acima,


"      #   
∂x ∂x ∂y ∂x ∂y
dx = + dg + dz. (6.55)
∂g y ∂y g ∂g z ∂y g ∂z g

Porém, sendo x = x(g, z),


   
∂x ∂x
dx = dg + dz, (6.56)
∂g z ∂z g

obtém-se, finalmente     
∂x ∂y ∂x
= , (6.57)
∂y g ∂z g ∂z g

ou, invertendo,
   
∂x ∂y ∂z
=1. (6.58)
∂y g ∂z g ∂x g

57
Capítulo 7

Princípios da Termodinâmica

A sistematização dos conceitos e ideias na Ciência faz-se usualmente através


do estabelecimento de Princípios e/ou Axiomas a partir dos quais os factos expe-
rimentais podem ser deduzidos. A Termodinâmica compreende quatro Princípios
Fundamentais, que enunciaremos sistematicamente.

7.1 Princípio Zero


Este Princípio determina operacionalmente a noção de equilíbrio térmico entre
sistemas distintos, estabelecendo que o grau de aquecimento dos corpos depende
exclusivamente das suas energias internas do tipo cinético, ou seja, das suas tempe-
raturas. Um enunciado possível para este Princípio é o seguinte:
Se dois corpos estão em equilíbrio térmico com um terceiro corpo,
então eles estarão em equilíbrio térmico entre si.
Note que o Princípio Zero corresponde à condição de equilíbrio térmico de um
sistema com o ambiente que o contém, segundo expresso pela igualdade (5.1b). Natu-
ralmente, o equilíbrio térmico entre corpos a temperaturas diferentes é atingido pela
troca de calor até à igualdade dessas temperaturas. Na prática contudo, é costume
considerar-se trocas de calor, por exemplo, entre um sistema e o meio ambiente que
o contém, porém, sendo este último muito maior, a sua temperatura não é signifi-
cativamente afectada. Nestas condições diz-se que o ambiente é uma fonte de calor,
quente ou fria, dependendo haver cessão ou recepção de calor. A antítese de uma
fonte de calor é o termómetro: qualquer troca de calor induz uma variação da sua
temperatura.

59
7. Princípios da Termodinâmica

7.2 Primeiro Princípio

Vimos acima que o Primeiro Princípio da Termodinâmica consiste na generaliza-


ção do Princípio de Conservação da Energia de modo a abranger todas as manifesta-
ções da noção de energia, assim como a energia interna de um dado sistema e a varia-
ção desta por meio de Trabalho ou Calor cedido ou fornecido ao sistema. Além disso,
vimos também que para sistemas mecânicos conservativos (F~ = F~ (~r) = −∇V (k~rk)),
a energia total compreende as seguintes contribuições:

ET = Ep + Ec + U, (7.1)

de modo a que a energia total permaneça constante, não havendo a acção de forças
sobre o sistema. Assim, sendo A e B estados sucessivos de um sistema isolado e
mecanicamente inerte, segue que:

UA = UB . (7.2)

Contudo, se as forças actuarem no sistema:

UB − UA = −W, (7.3)

onde W é o trabalho efectuado por forças externas durante a transformação (A →


B)∗ . Assumiu-se acima que o trabalho da transformação depende apenas dos estados
inicial e final dessa transformação e não do caminho particular tomado entre A e B.
Vimos, contudo, que esta hipótese não se justifica uma vez que d̄W não é uma dife-
rencial exacta. Consequentemente, devemos necessariamente admitir que a energia
interna do sistema pode ser alterada por outros métodos que não necessariamente
por meio de trabalho mecânico. Também foi visto anteriormente que a energia in-
terna de um sistema pode ser alterada pela troca de calor. Este, em geral, muda a
temperatura assim como o volume do sistema. Se, para um sistema termicamente
isolado, temos de (7.3):
∆U + W = 0, (7.4)

para um sistema que não se encontra isolado, obtemos a equação (3.4a):

∆U + W = Q, (3.4a)

+W é convencionalmente definido como o trabalho realizado pelo sistema.

60
7.2. Primeiro Princípio

que na forma diferencial corresponde à equação (3.4b)

dU = −d̄W + d̄Q, (3.4b)

ou seja, a energia interna do sistema é uma variável de estado de modo que a sua
variação diferencial é exacta, assim como dV, dp e dT ; em oposição, as variações
diferenciais de W e Q não são exactas (excepto quando reversíveis) pois representam
processos.
Uma transformação é dita cíclica quando o estado inicial e o final coincidem.
Segue do Primeiro Princípio que:

W = Q, (7.5)

isto é, o trabalho realizado pelo sistema durante uma transformação cíclica é igual
ao calor absorvido. A igualdade (7.5) exprime o veto termodinâmico à existência
dos chamados «perpetuum mobile» de primeira espécie, isto é, de máquinas que
funcionam indefinidamente à custa da violação da conservação da energia.
A relação entre a definição abstracta de calor e a sua definição calorimétrica faz-
-se por meio do Primeiro Princípio. A unidade calorimétrica de calor denomina-se
caloria e é definida como a quantidade de calor necessária para elevar a temperatura
de um grama de água, sob a pressão atmosférica, de 14,5 o C para 15,5 o C. Assim,
para m gramas de água, temos para a variação de energia interna e para o trabalho
realizado da expressão (∆T = 1 o C):

∆UA = m∆uA , WA = mwA . (7.6)

Consideremos um sistema S em contacto com a água num calorímetro ideal. Por


meio de (7.4) temos

∆U = ∆US + ∆UA
W = WS + WA ,

ou
∆US + ∆UA + WS + WA = 0;

finalmente, usando (7.6):

∆US + WS = −(∆UA + WA ) = −m(∆uA + wA ), (7.7)

61
7. Princípios da Termodinâmica

segue, por meio do Primeiro Princípio, que, para o sistema:

Q = −m(∆uA + wA ). (7.8)

Portanto, a quantidade de calor é medida em unidades de energia. A relação cons-


tante entre calorias e a unidade padrão de energia (joule) foi estabelecida pela pri-
meira vez por Joule numa série de artigos publicados entre 1843 e 1850:

1 cal = 4, 1855 J. (7.9)

Outro aspecto de relevância relacionado com o Primeiro Princípio expresso por


meio das equações (3.4) refere-se ao facto destas expressões não estarem restritas à
descrição dos estados em equilíbrio, uma vez que reflectem um princípio de conserva-
ção que é válido tanto para estados em equilíbrio termodinâmico como para estados
fora do equilíbrio.
O Primeiro Princípio na sua forma diferencial (3.4b) pode ser reescrito de modo
a incorporar a expressão (6.21a) para o Trabalho. Assim

d̄Q = dU + p dV. (7.10)

Se um dado sistema for descrito não apenas pelos valores de pressão, volume e tempe-
ratura, mas por um conjunto de parâmetros ai (i = 1, 2, . . . , n) e pela temperatura,
então a expressão (7.10) deve ser generalizada:
n
X
d̄Q = dU + Ai dai (7.11)
i=1

donde se implica que U = U (a1 , . . . , an , T ) e consequentemente


  n
"  #
∂U X ∂U
d̄Q = dT + + Ai dai . (7.12)
∂T a1 ,...,an ∂ai a1 ,...,ai−1 ,ai+1 ,...,an ,T
i=1

A equação (7.12) exprime a diferencial d̄Q em termos de uma soma linear de


diferenciais totais das variáveis independentes T, a1 , . . . , an . Uma expressão desta
natureza é denominada forma Pfaffiana. Claramente, as equações (3.4b) e (7.11)
que exprimem o Primeiro Princípio determinam a energia interna U (a1 , . . . , an , T ) as-
sociada ao estado (a1 , . . . , an , T ) a menos de uma constante aditiva U (a01 , . . . , a0n , T0 )
dependente do estado inicial (a01 , . . . , a0n , T0 ). Esta indeterminação não é, porém, im-
portante, uma vez que os processos termodinâmicos de interesse relacionam-se com
variações da energia e não com os valores absolutos destes.

62
7.2. Primeiro Princípio

Até aqui considerámos apenas os sistemas fechados, isto é, sistemas que não
trocam energia por meio de interacções com outros corpos e cujo número de partículas
permanece constante. Todavia, é frequente estudar-se sistemas em equilíbrio com um
número variável de partículas.
A variação do número de partículas de um sistema pode ter várias causas. Por
exemplo, ao conviverem em equilíbrio fases líquida e gasosa de uma dada substância,
a variação do volume ou da temperatura do sistema provoca a variação do número
de partículas em cada uma das fases (o número total de partículas é obviamente
constante). Reacções químicas envolvem também a variação do número de par-
tículas de uma dada espécie. A propagação de energia sem suporte material por
meio da radiação, envolve a emissão de corpúsculos, os fotões, cujo número varia
em função da temperatura do corpo emissor. Exemplos dramáticos de variações
no número de partículas encontram-se no mundo das partículas elementares, onde
ocorre abundantemente a criação e aniquilação de partículas. Esta produção e des-
truição de partículas elementares está restrita pelos Princípios de Conservação de
Energia, Momento Linear, Momento Angular, Carga Eléctrica, Número Bariónico
(exceptuando-se as Teorias de Grande Unificação), Número Leptónico Específico,
etc.; porém estes não impedem que pares de partículas e respectivas antipartículas
se aniquilem produzindo fotões ou vice-versa.
O estado de um sistema com um número variável de partículas é definido pelos
parâmetros a1 , . . . , an , pela temperatura T e pelo número de partículas de uma dada
.Xr
espécie N1 , . . . , Nr ou concentração destas ci = Ni Nj .
j=1
A energia interna de um sistema com um número variável de partículas varia
também em função do número de partículas ganhas ou perdidas por este. Assim, o
Primeiro Princípio (3.4b) pode ser generalizado de modo a abranger a variação do
número de partículas:
r
X
dU = −d̄W + d̄Q + µj dNj , (7.13)
j=1

onde dNj corresponde à variação do número de partículas do tipo j. Esta variação é


atribuível a trocas com o exterior do sistema de Nj ou a reacções químicas e criação ou
destruição de partículas que ocorrem no seio do sistema di Nj , isto é, dNj = de Nj +
di Nj . Claramente, no cômputo desta variação, os vários Princípios de Conservação

63
7. Princípios da Termodinâmica

devem ser satisfeitos, como por exemplo o da conservação da Massa nas reacções
Xr
químicas mj di Nj = 0.
j=1
Se for descrito por parâmetros a1 , . . . , an e pela temperatura, então a generali-
zação de (7.11) é a seguinte:
n
X r
X
dU = d̄Q − Ai dai + µj dNj . (7.14)
i=1 j=1

A grandeza  
∂U
µj = (7.15)
∂Nj Q,a1 ,...,an

é denominada potencial químico das partículas da espécie j e corresponde à


energia desta espécie por partícula.

7.2.1 Aplicações do Primeiro Princípio para Sistemas cujos estados


podem ser representados no diagrama (p, V )

O Primeiro Princípio estabelece que, para transformações infinitesimais reversí-


veis:
dU + p dV = d̄Q. (7.16)

Assim, escolhendo T e V como variáveis independentes, segue que U = U (T, V ) de


modo que    
∂U ∂U
dU = dT + dV ; (7.17)
∂T V ∂V T

e consequentemente, as equações (7.16) e (7.17), quando combinadas, dão origem à


relação     
∂U ∂U
dT + + p dV = d̄Q. (7.18)
∂T V ∂V T

Consideremos, ao invés, T e p como variáveis independentes. Então, resulta, usando


que V = V (p, T ),    
∂V ∂V
dV = dT + dp, (7.19)
∂T p ∂p T

e através da combinação de (7.16) e (7.18), que:


"   #    
∂U ∂V ∂U ∂V
+p dT + +p dp = d̄Q. (7.20)
∂T p ∂T p ∂p T ∂p T

64
7.3. Segundo Princípio

Finalmente, escolhendo V e p como variáveis independentes, U = U (V, p):


   
∂U ∂U
dU = dV + dp, (7.21)
∂V p ∂p V

que combinada com (7.16) origina a relação:


  "  #
∂U ∂U
dp + + p dV = d̄Q. (7.22)
∂p V ∂V p

Comparando agora as equações (7.18) e (7.20) com as definições de capacidade


térmica a volume (6.32a) e pressão (6.32b) constantes, obtém-se:
   
d̄Q ∂U
CV = = (7.23a)
dT V ∂T V
     
d̄Q ∂U ∂V
Cp = = +p . (7.23b)
dT p ∂T p ∂T p

Equações (7.23) permitem-nos obter a equação fundamental da Calorimetria na


ausência de Trabalho externo:

QS = ∆Q = m∆u = ∆U = CV ∆T = mcV ∆T. (7.24)

7.3 Segundo Princípio


Consideremos primeiramente o Segundo Princípio de forma construtiva, visando
mostrar a necessidade de se definir a variável de estado Entropia. O Segundo
Princípio refere-se ao comportamento desta variável de estado.
Voltemos às questões discutidas na secção 7.2. Tomemos um gás que é com-
primido num cilindro pelo peso de uma massa, m, constituída por fatias de massa
∆m.

P~

Gás
(p, V, T )

Figura 7.1

65
7. Princípios da Termodinâmica

Havendo equilíbrio mecânico, desprezando-se o atrito do êmbolo com o cilindro e


supondo que as paredes do cilindro são termicamente isoladas de modo a não haver
trocas de calor entre o gás e o exterior, segue que qualquer processo de expansão ou
compressão do gás é adiabático. Assim, tem-se a condição de equilíbrio mecânico
(5.1a)
pint = pext . (5.1a)

Claramente, a remoção da massa m levaria à expansão do gás até que a pressão


deste fosse equilibrada pele pressão atmosférica exterior. A remoção gradual de
fatias com massa ∆m levaria o gás a expandir-se efectuando como vimos acima um
trabalho no limite ∆m → 0:
d̄W = p dV. (6.21a)

Naturalmente, o processo de expansão do gás devido à remoção de uma fatia de


massa ∆m é reversível, dado que a restituição dessa fatia ao peso responsável pela
pressão exterior levaria o gás a uma compressão −dV no limite ∆m → 0.
Notemos, contudo, que a expressão (6.21a) é válida apenas numa transformação
reversível. Numa transformação real, isto é, irreversível, a força devido à pressão do
gás é, em geral, muito maior que a correspondente ao peso P~ :

FGás = pA > kP~ k, (7.25)

onde A é a área das faces do cilindro. Consequentemente, em geral, o Trabalho


efectuado pelo gás é maior que aquele dado por (6.21a):

p dV > d̄W.

Consideremos agora um processo reversível onde ocorrem apenas trocas de Calor


sem que haja variação do volume do gás (vimos que numa transformação adiabática
reversível, as pressões encontram-se constantemente em equilíbrio). A condição de
equilíbrio nesta situação corresponde, obviamente, à condição de equilíbrio térmico
(5.1b):
Tint = Text . (5.1b)

Com o intuito de calcular o Calor trocado pelo gás com o exterior da mesma
forma que o Trabalho é calculado, temos por analogia entre as condições (5.1) e a

66
7.3. Segundo Princípio

expressão (6.21a) que postular a existência de uma variável de estado adicional: a


Entropia, S. Assim, temos heuristicamente as correspondências:

p→T
(7.26)
V →S

das quais seguem que o calor trocado entre o gás e o exterior pode ser calculado tal
como indicado pela equação (6.21a), através da expressão:

d̄Q = T dS, (7.27a)

para uma transformação elementar. Para uma transformação reversível finita, entre
estados A e B, tem-se:
ˆ B
Q= T dS. (7.27b)
A

Logo, a função de estado Entropia torna possível o cálculo do Calor envolvido numa
transformação reversível.
Finalmente, esgotando a analogia, resulta que, para uma transformação irrever-
sível:

T dS > d̄Q. (7.28)

Note-se que, aquando duma transformação reversível, as equações (6.21a) e (7.27a)


podem ser introduzidas na expressão (3.4b) correspondente ao Primeiro Princípio da
Termodinâmica:

dU = T dS − p dV. (7.29)

A equação (7.29) é particularmente interessante uma vez que envolve apenas funções
de estado que caracterizam o sistema. Segue então que, numa transformação entre
estados inicial A e final B, apesar de existirem vários caminhos possíveis com dife-
rentes trocas de Calor e Trabalho, a variação de energia interna pode ser calculada
considerando-se um caminho reversível, envolvendo variações de volume e entropia
(Figura 7.2).

67
7. Princípios da Termodinâmica

Superfície Característica
f (p, V, T, S, . . .) = 0
A

Via reversível

Figura 7.2

Exemplifiquemos o ponto acima por meio de transformações sofridas por um gás


ideal. Vimos que a energia interna de um gás ideal é função exclusiva da temperatura
(ver eqs. (5.24), (5.26) e (5.27)). Assim, usando as eqs. (5.16) e (5.28) obtemos:

dT dV
dS = νCV + N kB , (7.30)
T V

de forma a que a variação da entropia entre estados A e B é dada por:

   
TB VB
∆S = S(B) − S(A) = νCV ln + N kB ln . (7.31)
TA VA

Vemos então que, numa transformação de um gás perfeito a volume constante, a


entropia aumenta com o aumento da temperatura; por outro lado, aquando de uma
transformação isotérmica a entropia aumenta com o volume.

Consideremos agora a célebre experiência de Joule da expansão livre de um gás.


Num reservatório indeformável e termicamente isolado, tem-se no estado inicial um
gás ocupando uma metade do volume do reservatório (Figura 7.3a). Na outra metade
do volume criou-se vácuo por meio da extracção do ar aí contido. Há uma parede
divisória que é, após a criação do vácuo, retirada. O gás, seguidamente, ocupa
todo o volume dada a sua pressão (Figura 7.3b). A expansão do gás é claramente
completamente irreversível. No estado inicial, o gás é caracterizado pelos valores das
variáveis termodinâmicas (Ti , Vi , pi ) e no estado final, pelos valores (Tf , Vf , pf ).

68
7.3. Segundo Princípio

(T, pi , Vi ) (T, pf , Vf )
(a) (b)

Figura 7.3: Expansão livre de um gás.

Sendo o reservatório indeformável e termicamente isolado, tem-se, respectiva-


mente:

W =0 (7.32a)
Q = 0. (7.32b)

Consequentemente, pelo Primeiro Princípio da Termodinâmica (3.4a), segue que:

∆U = 0. (7.33)

Joule efectuou a medida da temperatura do gás antes e depois da expansão e


observou algo inesperado: a temperatura mantera-se constante

Tf = Ti . (7.34)

Porém, o resultado é-nos perfeitamente compreensível uma vez que a energia interna
de um gás é função exclusiva da temperatura, U = U (T ). Assim, o resultado (7.34)
segue imediatamente de (7.33).
A questão seguinte a tratar refere-se à variação da entropia. Como a expansão
livre do gás corresponde a uma transformação irreversível, a expansão (7.29) não pode
ser utilizada. Vejamos como é possível considerarmos uma transformação reversível
entre os estados inicial e final da experiência de Joule e usar a expressão (7.29), ou
melhor, a equação (7.31) para o cálculo da variação da entropia. Para tal, usemos
uma fonte de calor à temperatura T , em contacto com um recipiente que contém
um gás ideal (o recipiente agora não é termicamente isolado), mantendo este a uma
temperatura constante. A parede divisória é substituída por um pistão submetido a
uma força que equilibra a pressão do gás constantemente (Figura 7.4).

69
7. Princípios da Termodinâmica

Fonte Fonte
de Calor de Calor
Temp. T Temp. T

(T, pi , Vi ) (T, pf , Vf )

Figura 7.4

A transformação em questão é reversível e os estados inicial e final coincidem com


os da experiência de Joule. Consequentemente, podemos escrever imediatamente,
através de (7.31), que a variação da entropia é dada por:
 
Vf
∆S = Sf − Si = N kB ln . (7.35)
Vi

Concluímos portanto que, no cálculo das variações das funções de estado que ca-
racterizam um dado sistema, ainda que as transformações reais sejam irreversíveis
e, logo, d̄W 6= p dV e d̄Q 6= T dS, é sempre possível usar-se as equações para as
transformações reversíveis desde que os estados inicial e final coincidam.
Mostremos agora como estas ideias podem ser usadas para se obter uma relação
entre as capacidades térmicas a volume e a pressão constantes, para um gás ideal.
Para tal, comparemos o que se passa numa expansão irreversível de um gás ideal
com pressão externa nula com o que se passa na expansão adiabática reversível
(Figura 7.5).

F~

Figura 7.5

Se não houvesse força externa, pext = 0 e o gás expandir-se-ia livremente de


forma irreversível. Na expansão adiabática reversível, não há trocas de calor com o
exterior, isto é, o recipiente é termicamente isolado. Nesta situação, o pistão é muito

70
7.3. Segundo Princípio

lentamente retirado equilibrando sempre a pressão do gás e mantendo o equilíbrio


termodinâmico. Assim, sendo o gás ideal, temos, por meio do Primeiro Princípio
(3.4a) e da definição (5.28), para ν moles de gás:

d̄Q = dU + d̄W = νCV dT + p dV, (7.36)

porém, para uma transição isobárica, obtemos através da equação de estado (5.16):

d̄Q = (νCV + N kB )dT ≡ νCp dT, (7.37)

logo,
Cp = CV + R † . (7.38)

Portanto, em virtude de (5.29), temos, para um mole (ν = 1) de gás ideal:



5R Gás Monoatómico
2
Cp =  . (7.39)
 7 R ou 9 R Gás Diatómico
2 2

Naturalmente, a equação das curvas adiabáticas (6.43c) segue imediatamente de


(7.36) através da condição de adiabaticidade d̄Q = 0 e de integração. Uma con-
sequência da expressão (7.38) é que a quantidade

Cp
γ≡ > 1, (7.40)
CV

donde se deduz que, no plano (V, p), a curva correspondente a uma transformação
adiabática (pV γ = const.) tem, em módulo, uma derivada maior do que uma curva
isotérmica (pV = const.) como indicado na Figura 7.6‡ :

Para uma relação geral válida para quaisquer substâncias, ver Apêndice B.

É relativamente fácil de ver este resultado:
const. dp const. p
Isotérmica: p= =⇒ =− =−
V dV V2 V

const. dp γ const. γp
Adiabática: p= =⇒ = − γ+1 = −
Vγ dV V V
Assim sendo, desde que γ > 1,

dp dp

dV >
.
Adiabática dV Isotérmica

71
7. Princípios da Termodinâmica

p0

pV = const.

pV γ = const.
V0 V

Figura 7.6

7.3.1 Enunciados do Segundo Princípio

Passemos agora à enunciação do Segundo Princípio da Termodinâmica e a relação


deste com a variável de estado entropia definida anteriormente.
O Primeiro Princípio da Termodinâmica surge como resultado da impossibilidade
de construção de máquinas que poderiam criar energia. Vimos que máquinas desta
natureza são denominadas perpetuum mobile de primeira espécie e são vetadas pelo
Primeiro Princípio.
O Segundo Princípio veta a possibilidade de existência de máquinas onde o calor
é única e completamente convertido em trabalho, isto é, impossibilita a existência
de perpetuum mobile de segunda espécie.
Formulações do Segundo Princípio são as seguintes:

Postulado de Kelvin (1852). Uma transformação cujo único resultado final


é transformar calor extraído de uma fonte (cuja temperatura é mantida constante
durante a transformação) em trabalho é impossível.

É fundamental notar no negrito. Por exemplo, para um gás ideal, a expansão


isotérmica implica, por meio do Primeiro Princípio que:

W = Q, (7.41)

isto é, o trabalho efectuado pelo gás em expansão é igual ao calor absorvido, ocor-
rendo ainda uma mudança de volume. Logo a conversão (7.41) não é o único resultado
final.

72
7.3. Segundo Princípio

Postulado de Clausius (1860). Uma transformação cujo único resultado fi-


nal é transferir calor de um corpo a uma dada temperatura para um corpo a uma
temperatura superior é impossível.

O significado preciso desta formulação depende crucialmente de uma definição de


temperatura que seja independente das propriedades particulares das substâncias.
Lembre-se, no entanto, que a escala absoluta de temperatura foi construída por
Kelvin em 1848 para esta finalidade. Nestes termos, o postulado de Clausius pode
ser reformulado:

Postulado de Clausius (reformulado). Se calor flui de um corpo A para um outro


B, então a transformação cujo único resultado final é transferir calor de B para
A é impossível.

A introdução da variável de estado entropia permitiu que Clausius enunciasse


uma nova formulação do Segundo Princípio (em 1865) para sistemas fechados:
X
∆S ≥ 0, (7.42)

onde ∆S = Sf −Si e a igualdade é obtida para processos reversíveis. Uma implicação


da Teoria Cinética dos Gases de Boltzmann (1872) é o Teorema H que estabeleceu
(ver referências [8, 9, 10]):
dH
≤ 0, (7.43a)
dt
resultado que, através da identificação S ∝ −H § dá origem à formulação
dS
≥ 0, (7.43b)
dt
onde a igualdade corresponde a um extremo de S que por sua vez está associado ao
estado de equilíbrio termodinâmico.
Note-se que a formulação de Clausius do Segundo Princípio da Termodinâmica
pode ser utilizado para se estabelecer a chamada direcção ou seta do tempo: O
ordenamento temporal de estados finais e iniciais dos fenómenos pode ser efectuada
pelo Segundo Princípio; se a entropia de dois estados satisfizerem a desigualdade

S(t2 ) > S(t1 ) (7.44a)


§
A identificação ∆S = −∆I é extremamente útil em teoria da informação:

Informação ←→ «Neguentropia».

73
7. Princípios da Termodinâmica

então ter-se-á que


t2 > t1 , (7.44b)

isto é, t1 corresponde ao estado inicial e t2 ao estado final.


Sob este aspecto, a Termodinâmica é diversa, por exemplo, da mecânica clássica
Newtoniana (e, na verdade, da física relativista e quântica, excluindo o processo de
medição). Tomemos a equação de momento de uma partícula no vácuo sob a acção
de uma força conservativa F~ (~r ):
2
d ~r
F~ (~r ) = m 2 (m constante); (7.45)
dt
esta equação é invariante sob a transformação t → t0 = −t:
   
d2~r d d~r d2~r dt0 2 2r
2d ~ d2~r
= = = (−1) = . (7.46)
dt02 dt0 dt0 dt2 dt dt2 dt2
Portanto, as equações do movimento são reversíveis.
Naturalmente, o mesmo não acontece caso haja dissipação:
d2~r d~r
m +ξ = F~ (~r ), (7.47)
dt2 dt
sendo ξ o coeficiente de atrito. Embora o primeiro termo da equação acima seja
invariante sob a transformação t → −t, o segundo claramente não o é. Assim, na
ausência de uma força externa F~ (~r ) = 0, temos dissipação no sentido passado–futuro:
ξ
~r = ~r0 e− m (t−t0 )
d~r ξ ξ
= − ~r0 e− m (t−t0 ) −−−→ 0; (7.48)
dt m t→∞

no sentido futuro–passado temos uma aceleração espontânea da partícula:


ξ
~r = ~r0 e m (t−t0 )
d~r ξ ξ
= ~r0 e m (t−t0 ) −−−→ ∞. (7.49)
dt m t→∞

Assim, a dissipação introduz uma inevitável irreversibilidade nos fenómenos físicos


nos quais os sentidos do fluxo temporal passado–futuro ou futuro–passado são, cla-
ramente, distinguidos.
Consideremos agora a formulação de Carathéodory (1909) do Segundo Princípio.
Esta formulação é usualmente denominada por Princípio de Impossibilidade da
via Adiabática para um estado em equilíbrio. A formulação de Carathéodory é
equivalente aos Postulados de Kelvin e de Clausius e é sintetizada pelo axioma

74
7.3. Segundo Princípio

Postulado de Carathéodory. Numa vizinhança arbitrariamente próxima de qual-


quer estado de equilíbrio de um sistema com qualquer número de variáveis termodi-
nâmicas, existem estados que não podem ser alcançados (são inacessíveis) por meio
de processos adiabáticos reversíveis.

De facto, consideremos uma transformação entre estados em equilíbrio A e B,


envolvendo uma quantidade de calor positiva d̄Q > 0 e o trabalho d̄W . Segue então
que
A→B: d̄Q = dU + d̄W ; (7.50)

admitindo-se que o sistema pode voltar do estado B ao estado A por uma transfor-
mação adiabática efectuando um trabalho d̄W1 , então

B→A: 0 = −dU + d̄W1 . (7.51)

Assim somando membro a membro as equações (7.50) e (7.51), obtemos que, para
quaisquer transformações cíclicas, o trabalho d̄W + d̄W1 é conseguido pela conversão
não compensada de calor
d̄Q = d̄W + d̄W1 > 0. (7.52)

Naturalmente, tal transformação é impossível em virtude do Segundo Princípio que


como vimos veta a existência de perpetuum mobile de segunda espécie, veto este aqui
indicado pela expressão:
Q>W e W =Q (7.53)
→ →

Segue então que o estado A não pode ser alcançado por meio de uma via adiabática
a partir de B.
Se d̄Q < 0, admitindo-se possível o retorno do sistema ao estado A a partir do
estado B por meio de uma transformação adiabática, então obtém-se algo análogo a
(7.52):
A→B→A: d̄Q = d̄W + d̄W1 < 0. (7.54)

Tal desigualdade mostra que, num ciclo, o sistema cede uma quantidade de calor
em função do trabalho que sobre este é efectuado. Tal transformação não contradiz
o Segundo Princípio de modo a que uma via adiabática do estado B ao estado
A é possível. Contudo, se a transformação B → A estiver em equilíbrio, o ciclo
será reversível e, consequentemente, considerando a sua evolução inversa recairemos

75
7. Princípios da Termodinâmica

na situação (7.52). Concluímos que a possibilidade da via adiabática contradiz o


Segundo Princípio.
O sentido físico do Princípio de Impossibilidade da via Adiabática consiste na
afirmação que, para cada estado de equilíbrio de um sistema, existe uma função de
estado, a Entropia, S = S(a1 , . . . , an ; t), que não varia aquando de transformações
adiabáticas.
Mostremos como a existência da função de estado temperatura, T , de um sistema
em equilíbrio pode ser inferida por meio de um princípio de impossibilidade de uma
via isotérmica: na vizinhança de cada estado de um sistema em equilíbrio existem
estados que não podem ser atingidos isotermicamente. De facto, é impossível fazer
um sistema passar isotermicamente de um estado de temperatura T1 a outro estado
de temperatura T2 . Analogamente, a impossibilidade da passagem por uma via
adiabática significa que, num estado inicial, a função de estado entropia assume
um valor S1 e, num estado final, o valor S2 6= S1 e, aquando de transformações
adiabáticas (d̄Q = 0) ou isentrópicas, S = const. ou dS = 0.
Matematicamente, a existência da função de estado entropia com base no Princí-
pio de Carathéodory tem origem no facto de o calor elementar d̄Q ser dado, segundo o
Primeiro Princípio (7.12), por uma forma Pfaffiana homóloga, isto é, por uma forma
diferencial total linear que possui um factor integrante. Assim, como d̄Q e dS são
formas diferenciais lineares em diferenciais totais das mesmas variáveis independentes
e que se anulam independentemente, deverão ser proporcionais:

d̄Q = λ dS, (7.55)

onde λ = λ(a1 , . . . , an ; t) dependendo, em geral, dos parâmetros que caracterizam o


sistema. Mostraremos mais adiante que λ pode ser, por meio de primeiros princípios,
associado à temperatura.
Antes de iniciarmos a discussão do Ciclo de Carnot e das suas relações com o
Segundo Princípio, consideremos a generalização da equação (7.29) para sistemas
com um número não fixo de partículas. Vimos que, nestas circunstâncias, o Pri-
meiro Princípio da Termodinâmica deveria ser estendido e que, desta generalização,
resultava a equação (7.13):
r
X
dU = −d̄W + d̄Q + µj dNj . (7.13)
j=1

76
7.3. Segundo Princípio

Substituindo nesta equação as expressões para o trabalho elementar (6.21a) e para


o calor elementar (7.27a) obtemos:
r
X
dU = T dS − p dV + µj dNj . (7.56)
j=1

Como a energia interna de um sistema (na equação (7.56) acima) é uma função
de variáveis independentes extensivas homogénea de primeira ordem, podemos então
escrever por meio do Teorema de Euler¶ que:
    r 
X 
∂U ∂U ∂U
U= S+ V + Nj . (7.57)
∂S V,Nj ∂V S,Nj ∂Nj S,V,Nk
j=1
j6=k

Substituindo nesta equação as derivadas pelos seus valores dados pela equação (7.56),
obtemos:
r
X
U = T S − pV + µj Nj . (7.58)
j=1

Finalmente, diferenciando a equação (7.58) e comparando o resultado obtido com a


equação (7.56), obtemos a equação de Gibbs-Duhem:
r
X
S dT − V dp + Nj dµj = 0. (7.59)
j=1

7.3.2 Ciclo de Carnot

Em 1824, L. Sadi Carnot demonstrou, através do estudo de propriedades genéricas


das máquinas a vapor, as limitações da conversão do calor em trabalho. Curiosa-
mente, Carnot acreditava ainda na Teoria do Calórico de Stahl e Black, segundo a
qual o calor era uma substância e não uma forma de energia. Carnot observou, a
partir das máquinas térmicas então conhecidas, que:

(i) Estas eram todas cíclicas, isto é, os estados inicial e final coincidiam e a efici-
ência da máquina dependia da sua capacidade de repetir o ciclo inicial com a
maior fidelidade possível;

O Teorema de Euler estabelece para uma função homogénea de Grau k diferenciável,
f (λx1 , . . . , λxn ) = λk f (x1 , . . . , xn ), que:
n
X ∂f
xi (x1 , . . . , xn ) = kf (x1 , . . . , xn ).
i=1
∂xi

77
7. Princípios da Termodinâmica

(ii) Para funcionar e produzir trabalho, as máquinas térmicas necessitavam não


só de uma fonte quente de calor (caldeira) mas também de uma fonte fria
(condensador).

Carnot foi então levado a enunciar um princípio cuja formulação é bastante pró-
xima dos Postulados de Kelvin e de Clausius do Segundo Princípio. Notemos que
o enunciado de Carnot do Segundo Princípio da Termodinâmica precede em muitos
anos a formulação do Primeiro Princípio. O enunciado de Carnot é essencialmente
o seguinte:

Para que uma máquina térmica (cíclica) produza trabalho, esta necessita de uma
fonte quente donde extrai calor e de uma fonte fria de onde o calor é rejeitado.

Noutros termos,

Nenhuma máquina térmica se limita a extrair calor e a produzir trabalho.

Assim, claramente, a existência de perpetuum mobile de segunda espécie contradiz


as formulações (7.53) e de Carnot do Segundo Princípio da Termodinâmica. Es-
quematicamente, o funcionamento de máquinas térmicas reversíveis (M ) pode ser
entendido segundo Carnot por meio da Figura 7.7 (TH > TC )

Fonte Quente
Temperatura TH

QH

M W

QC

Fonte Fria
Temperatura TC

Figura 7.7

Para melhor clarificar o seu Princípio, Carnot inventou um ciclo idealizado per-
corrido por uma máquina térmica hipotética que, independentemente da substância
operante, passava sucessivamente por expansões isotérmica e adiabática e posterior-
mente por compressões da mesma natureza (Figura 7.8).

78
7.3. Segundo Princípio

Expansão
Isotérmica

TH TH
A B
Compressão Expansão
Adiabática Adiabática
D C

Compressão
TC Isotérmica TC

Figura 7.8

Tal ciclo é hoje referido como Ciclo de Carnot e é, como veremos, de central
importância na Termodinâmica. No diagrama (V, p) o ciclo de Carnot é apresentado
na Figura 7.9.

D B
W

Figura 7.9

As transformações AB e CD correspondem respectivamente à expansão e com-


pressão isotérmicas; as transformações BC e DA correspondem respectivamente à
expansão e compressão adiabáticas. O ciclo funciona entre duas fontes, uma quente
a temperatura TH e uma outra fria a temperatura TC . O trabalho pela máquina

79
7. Princípios da Termodinâmica

corresponde claramente à área a cinzento. Do Primeiro Princípio temos que se QH


foi o calor recebido da fonte quente e QC o calor cedido à fonte fria, então:

W = QH − QC . (7.60)

Definindo o rendimento de uma máquina térmica por meio da razão:


W
η≡ ; (7.61)
QH
segue que
QC
η =1− (7.62)
QH
e do Segundo Princípio que
η < 1. (7.63)

Um dos aspectos mais importantes do Ciclo de Carnot deve-se ao facto das suas
propriedades serem independentes da substância operante. Assim, imaginemos que
esta substância seja um gás ideal e calculemos então as variáveis termodinâmicas de
relevância. Temos para cada uma das operações:

a) Expansão Isotérmica:
ˆ B  
VB
WAB = p dV = νRTH ln >0
A VA
∆U = 0 =⇒ QH = QAB = WAB (7.64)
QH
∆S =
TH

b) Expansão Adiabática (∆Q = 0)

∆Q = 0 = νCV (TC − TH ) + WBC


=⇒ WBC = νCV (TH − TC ) > 0 (7.65)
∆S = 0

c) Compressão Isotérmica
 
VD
QC = QCD = WCD = νRTC ln <0 (7.66)
VC
|QC |
∆S = −
TC

80
7.3. Segundo Princípio

d) Compressão Adiabática

WDA = −νCV (TH − TC ) < 0 (7.67)


∆S = 0

O trabalho total efectuado num ciclo é


   
VB VD
W = WAB + WBC + WCD + WDA = νRTH ln + νRTC ln . (7.68)
VA VC
A eficiência da máquina é dada por:
W QC TC ln(VC /VD )
η= =1− =1− . (7.69)
QH QH TH ln(VB /VA )
Porém vimos acima que numa expansão reversível de um gás ideal, a variação da en-
tropia é dada pela expressão (7.31), consequentemente para a expansão e compressão
adiabáticas ∆S = 0 e:
   
VB TH
−νR ln = νCV ln
VC TC
    (7.70)
VA TC
νR ln = νCV ln
VD TH
e consequentemente
VC VB
= . (7.71)
VD VA
Finalmente, obtemos para o rendimento da máquina
TC
η =1− . (7.72)
TH
O resultado acima é verdadeiro para quaisquer substâncias operantes (gases e mesmo
líquidos). Em particular, a igualdade das razões
|QC | TC
= , (7.73)
QH TH
é universal e foi utilizado, como veremos, por Lord Kelvin para construir a Escala
Absoluta de Temperaturas uma vez que o calor trocado de forma reversível com uma
fonte é proporcional à temperatura. Notemos que o calor perdido na fonte fria só
será zero no limite TC → 0 K.
Outro ponto de importância refere-se ao facto de a perda de entropia na fonte
quente (exemplo eq. (7.64)) ser compensada pelo ganho de entropia na fonte fria
(eq. (7.66)):
QH QH
∆ST = − + = 0. (7.74)
TH TH

81
7. Princípios da Termodinâmica

Ou seja, como a máquina descreve um ciclo reversível, não há variação da entropia.


Imaginemos agora que o ciclo é percorrido irreversivelmente. Nesta situação
temos para o trabalho: ˆ
W 0 < Wrev = p dV, (7.75)

e consequentemente para o calor cedido Q0C (Q0H = QH ):

Q0C > QC , (7.76)

que segue do facto de num ciclo ∆U = 0 e do Primeiro Princípio (∆U = 0 =


−W + Q =⇒ se W 0 < Wrev então Q0C > QC ). Logo, o rendimento η 0 é menor que
o rendimento reversível
TC |Q0 |
1− >1− C , (7.77)
TH QH
ou seja,
QH |Q0 |
∆ST = − + C > 0. (7.78)
TH TC
Portanto numa transformação irreversível a entropia aumenta. Resultados (7.74)
e (7.78) correspondem exactamente à segunda formulação de Clausius do Segundo
Princípio (7.42).
O facto do rendimento reversível η ser maior que o rendimento irreversível η 0 é na
verdade completamente geral sendo independente da substância operante utilizada
no ciclo e pode ser enunciado por meio do seguinte Teorema:

Teorema. Se existirem diversas máquinas térmicas cíclicas, algumas das quais re-
versíveis operando em ciclos entre as temperaturas TH e TC , então todas as máquinas
reversíveis têm o mesmo rendimento, ao passo que as não reversíveis têm rendimen-
tos que nunca excedem a eficiência das máquinas reversíveis.

Demonstração. Consideremos máquinas M1 e M2 com as especificações indicadas.

M1 - máquina reversível (Temperaturas das fontes quentes e fria TH , TC e


calores trocados QH , QC )

M2 - máquina reversível (Temperaturas das fontes quentes e fria TH , TC e


calores trocados Q0H , Q0C )

e mostramos que:

82
7.3. Segundo Princípio

QC Q0
(i) ≤ 0C
QH QH

QC Q0
(ii) Se M2 for reversível então = 0C .
QH QH

Claramente W = QH − QC e W 0 = Q0H − Q0C , assim supondo que

QH N0
= , (7.79)
Q0H N

onde N 0 e N são inteiros positivos. Considerando N 0 ciclos de M2 e N ciclos inversos


de M1 , segue que:

WT = N 0 W 0 − N W ≡ Q1T − Q2T = −Q2T

0 = Q1T ≡ N 0 Q0H − N QH
(7.79)
Q2T ≡ N 0 Q0C − N QC

(7.79)
0
∴ WT = −Q2T ≤ 0 =⇒ Q2T ≥ 0 =⇒ N Q0C ≥ N QC =⇒ QH Q0C ≥ QC Q0H
Post. de Kelvin Q0C QC
=⇒ ≥ =⇒ η 0 ≤ η (7.80)
Q0H QH

Se M2 for reversível, então podemos operá-la inversamente e assim

Q0C QC Q0 QC
0 ≤ =⇒ 0C = =⇒ η 0 = η.
QH QH QH QH
(7.79) & (7.80)

Q.E.D.

Assim, embora a igualdade entre as razões (7.73) tenha sido demonstrada para
um gás ideal, o teorema acima assegura que esta é verdade para qualquer máquina. É
exactamente por esta razão que o Ciclo de Carnot é de especial importância. Percor-
rendo uma máquina este ciclo, as transformações envolvidas são todas reversíveis, e,
naturalmente, o rendimento da máquina é dado por (7.72), para qualquer substância
operante. O teorema acima garante então que qualquer máquina reversível tem o
mesmo rendimento que a máquina de Carnot. Concluímos assim que a razão entre
os calores QC /QH é independente da máquina em questão sendo consequentemente

83
7. Princípios da Termodinâmica

uma função universal das temperaturas das fontes TC e TH . Embora esta função
já tenha sido estabelecida acima, vejamos como as ideias aqui discutida permitem,
conforme demonstrado pela primeira vez por Lord Kelvin, a construção da Escala
Absoluta de Temperaturas. Consideremos que em geral,
QC
= f (TC , TH ), (7.81)
QH

onde f (TC , TH ) é uma função universal válida para qualquer máquina.


Mostremos inicialmente que

f (T0 , TC )
f (TC , TH ) = , (7.82)
f (T0 , TH )

onde T0 e uma temperatura arbitrária.


Sejam M1 e M2 máquinas reversíveis cíclicas operando entre temperaturas T0 e
TH e entre T0 e TC . Se M1 absorve uma quantidade de calor QH a temperatura TH
e liberta uma quantidade Q0 a T0 , temos então:
QH
= f (T0 , TH ). (7.83)
Q0
Analogamente para M2 , tem-se absorção do calor QC a TC e libertação de Q0 a T0 ,
logo:
QC
= f (T0 , TC ). (7.84)
Q0
Tomando a razão entre (7.83) e (7.84) temos:

QC f (T0 , TC )
= . (7.85)
QH f (T0 , TH )

Finalmente consideramos a máquina M como composta do ciclo directo de M1 e


do ciclo inverso de M2 (M é uma máquina reversível pois M1 e M2 também o
são). Durante o processo conjunto nenhum calor líquido é trocado à temperatura
T0 uma vez que o calor Q0 libertado à temperatura T0 por M1 é reabsorvido por
M2 . Contudo, à temperatura TH , a quantidade QH de calor é absorvida por M1 e, a
temperatura TH , a quantidade QH é expelida por M2 . Consequentemente, M1 e M2
trabalhando conjuntamente podem ser descritas como uma máquina M operando
entre temperaturas TH e TC . Isto é
QC
= f (TH , TC ), (7.86)
QH

84
7.3. Segundo Princípio

que quando comparada com (7.85) resulta em (7.82).


Desde que T0 seja uma temperatura arbitrária, esta pode ser mantida constante,
seguindo que f (T0 , T ) depende exclusivamente de T :

f (T0 , T ) = α θ(T ), (7.87)

onde α é uma constante arbitrária. Assim sendo,


QC θ(TC )
= . (7.88)
QH θ(TH )
Sendo a temperatura definida arbitrariamente, a forma analítica da função θ(T )
é, obviamente, indeterminada. Contudo, é possível introduzir-se uma nova escala
de temperatura usando a própria função θ como a temperatura. Define-se assim a
escala absoluta de temperaturas (Kelvin – 1848).

7.3.3 A variável de Estado Entropia: Propriedades dos ciclos

Consideremos um sistema S que passa por um processo cíclico. Supõe-se que durante
esse ciclo, S recebe ou expele calor para um conjunto de fontes com temperaturas
T1 , . . . , Tn . Sejam os calores trocados entre o sistema e as fontes Q1 , . . . , Qn (Q > 0
representa calor recebido pelo sistema). Mostremos que
n
X Qi
≤ 0. (7.89)
Ti
i=1
Igualdade refere-se a ciclos reversíveis

Introduzem-se, além das n fontes especificadas acima, uma outra fonte de calor a
uma temperatura arbitrária T0 e também n ciclos reversíveis (n ciclos de Carnot
C1 , . . . , Cn ) operando entre as temperaturas T1 , . . . , Tn e a temperatura T0 . Seja
Ci o ciclo que opera entre temperaturas Ti e T0 , tal que este liberte um calor Qi à
temperatura Ti igual ao calor cedido por S a Ti . Usando que
Qi Ti
= , (7.90)
Q0 T0
temos que a quantidade de calor absorvido por Ci da fonte T0 é:
(i) T0
Q0 = Qi . (7.91)
Ti
Consideremos agora o ciclo composto por um ciclo S e um ciclo de cada um
dos ciclos de Carnot C1 , . . . , Cn . A troca líquida de calor em cada uma das fontes

85
7. Princípios da Termodinâmica

T1 , . . . , Tn durante o ciclo conjunto é zero (a fonte Ti cede a quantidade Qi para S


mas recebe Qi do ciclo Ci ). Contudo, a fonte T0 perde uma quantidade de calor que
corresponde à soma dos calores absorvidos por Ci (equação (7.91)). Assim,
n
X n
X
(i) Qi
Q0 = Q0 = T0 , (7.92)
Ti
i=1 i=1

ou seja, o resultado líquido do ciclo complexo composto por S e C1 , . . . , Cn consiste


na absorção do calor Q0 da fonte a temperatura T0 . Porém, nós vimos que, numa
transformação reversível, o trabalho realizado é igual ao calor total ∆Q recebido pelo
sistema. Desde que S, C1 , . . . , Cn retomem os seus respectivos estados iniciais, no
final do ciclo complexo, o único resultado final do ciclo é transformar a quantidade Q0
recebida da fonte a temperatura T0 em trabalho. Se Q0 fosse positivo, este resultado
contradiria o Postulado de Kelvin. Consequentemente, Q0 < 0 ou, pela expressão
(7.92):
n
X Qi
≤ 0.
Ti
i=1
Q.E.D.
Se o ciclo realizado por S é reversível, podemos descrevê-lo na direcção oposta,
isto é, Qi trocará de sinal. Nesse caso, usando (7.89), tem-se:
n
X n
X
Qi Qi
− ≤ 0 ou ≥ 0. (7.93)
Ti Ti
i=1 i=1

As expressões (7.89) e (7.93) são contraditórias excepto se o ciclo complexo for re-
versível, onde
n
X Qi
= 0. (7.94)
Ti
i=1
Se, ao invés de considerarmos que o sistema troca calor um número finito de
fontes a temperaturas T1 , . . . , Tn , imaginarmos que o sistema troca calor com uma
distribuição contínua de fontes, as somas em (7.89) e (7.94) devem ser substituídas
H
por integrais sobre todo o ciclo ( ). Se d̄Q designa a quantidade de calor infinitesimal
recebida pelo sistema de uma fonte a temperatura T , os resultados (7.89) e (7.94) são
reescritos da seguinte forma: I
d̄Q
≤0 (7.95)
T
e I
d̄Q
=0 (7.96)
T

86
7.3. Segundo Princípio

para um ciclo reversível.


A propriedade (7.96) é equivalente a afirmar que, por exemplo, no diagrama
(V, p), para a transformação reversível A → B, o integral
ˆ B
dQ
A T
depende apenas dos estados inicial A e final B e não da transformação (Figura 7.10).

B
(I)

A (II)

Figura 7.10

Ou seja: ˆ ˆ
dQ dQ
(I)
= (II)
(7.97)
A−→B T A−−→B T
ou I
dQ
(I) (II)
= 0. (7.98)
A−→B − −→A T
É precisamente a propriedade (7.97) que permite definir a função de estado do
sistema entropia: ˆ A
dQ
S(A) ≡ , (7.99)
O T
onde se escolheu um estado de equilíbrio O como o estado padrão. Se considerarmos
dois estados de equilíbrio A e B, temos
ˆ B ˆ A
dQ dQ
S(B) − S(A) = − .
O T O T
Como os integrais acima são efectuados sobre transformações reversíveis, segue que
ˆ B  ˆ A  ˆ B ˆ O
dQ dQ dQ dQ
S(B) − S(A) = + − = +
O T O T O T A T
ˆ B
dQ
= (7.100)
A T

87
7. Princípios da Termodinâmica

Note-se que a definição da função entropia dada pela expressão (7.99) requer a
escolha arbitrária do estado padrão O. Se, pelo contrário, tivéssemos escolhido como
estado padrão um estado O0 , então:
ˆ A ˆ A ˆ O ˆ O0
0 dQ dQ dQ dQ
S (A) = = + = S(A) −
O0 T O T O0 T O T
de onde implica que (eq. (7.100))

S(A) − S 0 (A) = S(O0 ), (7.101)

ou seja, a diferença de entropias obtidas a partir de dois estado padrão diferentes é


dada por uma constante.
A entropia é assim determinada a menos de uma constante aditiva. Como na
maioria das situações é a diferença de entropia que é a quantidade de interesse,
esta arbitrariedade é irrelevante. Contudo, em algumas circunstâncias, como por
exemplo na determinação dos calores específicos dos sólidos, esta constante aditiva
é de interesse.
A definição de entropia é completada pelo Teorema de Nernst ou Terceiro Prin-
cípio da Termodinâmica (1906), cujo enunciado é o seguinte:

A entropia de qualquer sistema à temperatura absoluta zero pode ser sempre tomada
como igual a zero.

As propriedades (7.97) e (7.98) permitem-nos concluir que a entropia diferencial


d̄Q
dS = (7.102)
T
é uma diferencial exacta.
De facto, consideremos a entropia dos sistemas cujos estados podem ser repre-
sentados no diagrama (V, p). Vimos em (7.18) que

    
∂U ∂U
d̄Q = dT + + p dV,
∂T V ∂V T

CV

logo,     
d̄Q 1 ∂U 1 ∂U
dS = = dT + + p dV, (7.103)
T T ∂T V T ∂V T

88
7.3. Segundo Princípio

isto é, S = S(T, V ). Para um gás perfeito, havíamos calculado que


   
Tf Vf
∆S = νCV ln + νR ln , (7.31)
Ti Vi

ou

S = νCV ln T + νR ln V + a (7.31a)
S = νCp ln T − νR ln p + νR ln(νR) + a, (7.31b)

onde recordamos que Cp − CV = νR e a é uma constante. A condição de que dS


seja uma diferencial exacta é dada por:
       
∂ 1 ∂U ∂ 1 ∂U p
= + . (7.104)
∂V T ∂T V ∂T T ∂V T T

Expandindo, obtemos (T e V são variáveis independentes):


        
1 ∂ ∂U 1 ∂U 1 ∂ ∂U 1 ∂p
 =− 2 +p +  + ,
T
∂V∂T V T ∂V T T
∂T∂V T T ∂T V

ou seja,
   
∂U ∂p
=T −p . (7.105)
∂V T ∂T V

Para um gás ideal, pV = N kB T e U = U (T ), pelo que


 
∂U
=0
∂V T
  (7.106)
∂p νRT νRT
T −p= − = 0,
∂T V V V

consequentemente, dS é uma diferencial exacta.


Se, ao invés de T e V como variáveis independentes, tivéssemos escolhido p e T
como variáveis independentes teríamos, analogamente a (7.105):
     
∂U ∂V ∂V
= −p −T . (7.107)
∂p T ∂p T ∂T p

Para um gás perfeito,


 
∂U νRT νRT
= 0 = +p − . (7.108)
∂p T p2 p

89
7. Princípios da Termodinâmica

Finalmente, tomando p e V como variáveis independentes, analogamente a (7.105) e


(7.107), teríamos:
"  #     
∂U ∂T ∂U ∂T
T = +p − . (7.109)
∂V p ∂p V ∂p V ∂V p

De novo, para um gás ideal:


   
∂U ∂U
= =0
∂V p ∂p V
  (7.110)
∂ pV
T =p =T
∂p νRT

Mostremos agora que se a energia e o trabalho realizado por um sistema for a


soma da energia e o trabalho das suas partes, então a entropia do sistema é dada pela
soma das entropias das suas partes. Suponhamos, por simplicidade, que o sistema S
é composto por duas partes S1 e S2 :

U = U1 + U2 (7.111a)
W = W1 + W2 . (7.111b)

Resulta, então, do Primeiro Princípio da Termodinâmica que:

Q = Q1 + Q2 , (7.112)

e, consequentemente,
ˆ A ˆ A ˆ A
dQ dQ1 dQ2
S(A) = = + = S1 (A) + S2 (A), (7.113)
O T O T O T

ou seja, a entropia é uma grandeza extensiva Q.E.D.

Finalmente, mostremos que, para uma transformação irreversível do estado A ao


estado B, temos, contrariamente a (7.100):

ˆ B
dQ
S(B) − S(A) ≥ . (7.114)
A T

Transformação reversível

90
7.3. Segundo Princípio

Consideremos a situação da Figura 7.11,

B
I

A R

Figura 7.11

I R
onde o ciclo A →
− B−
→ A é claramente irreversível. Por meio de (7.95),
I
dQ
≤ 0.
→A T
I R
A→
− B−

Então,
ˆ B  ˆ A 
dQ dQ
+ ≤ 0,
A T I B T R

onde, obviamente, o segundo termo não passa da variação de entropia. Assim,


ˆ B
dQ
S(B) − S(A) ≥
A T

Q.E.D.

Para um sistema completamente isolado, dQ = 0 e, portanto,

S(B) ≥ S(A), (7.115)

ou seja, para qualquer transformação que ocorre num sistema isolado, a entropia do
estado final não pode ser nunca inferior à do estado inicial.
O resultado (7.115) aplica-se apenas a sistemas isolados. É possível, por meio de
um sistema externo, reduzir a entropia de um corpo. A entropia do sistema integrado
não pode, contudo, diminuir.
Quando um sistema isolado atingir o máximo de entropia consistente com a
sua energia, este não pode sofrer nenhuma outra transformação uma vez que este
resultaria numa diminuição da entropia. Assim, o estado de máxima entropia é o
estado mais estável de um sistema isolado.
Vejamos seguidamente alguns exemplos.

91
7. Princípios da Termodinâmica

(i) Troca condutora de calor entre dois corpos (Figura 7.12)


Q

A B TB > TA

Figura 7.12

Q Q
SA = SB = −
TA TB

Q Q
S = SA + SB = − > 0, (7.116)
TA TB
uma vez que TB > TA .

(ii) Produção de Calor por fricção ou atrito (Figura 7.13)

B ∼T

A
Q

Figura 7.13

Q
>0
SB = (7.117)
T
SA não diminui porque o calor cedido a B tem origem no trabalho mecânico.

Ambos os processos (i) e (ii) são irreversíveis.


O facto de a entropia de um sistema nunca decrescer tem uma interpretação
bastante simples do ponto de vista estatístico. Boltzmann mostrou que a entropia de
um dado estado termodinâmico (macroestado) está relacionado com a probabilidade
dos microestadosk . Na mecânica estatística associa-se a um dado macroestado o
número de microestados Ω. Este número é usualmente designado por probabilidade
(Ω é na verdade apenas proporcional à probabilidade matemática). A probabilidade
matemática é dada por

P = . (7.118)
ΩT
k
Microestado define-se como uma configuração de posições e velocidades das partículas que
compõem um corpo e que são compatíveis com os valores de pressão, temperatura, volume, etc.
que caracterizam o macroestado.

92
7.3. Segundo Princípio

Argumentos estatísticos permitem estabelecer a relação entre o estado mais está-


vel de um sistema isolado (máximo da entropia) e o estado de maior probabilidade.
Assim, temos uma relação
S = f (Ω). (7.119)

Para determinar a função f (Ω), utilizemos o facto de a entropia ser uma grandeza
extensiva. Considerando um sistema composto por duas partes com entropias S1 e
S2 e probabilidades Ω1 e Ω2 :

S1 = f (Ω1 ) S2 = f (Ω2 ). (7.120)

Porém,
S = S1 + S2 (7.121)

e a probabilidade do sistema total é o produto das probabilidades:

Ω = Ω1 Ω2 ; (7.122a)

logo
f (Ω1 Ω2 ) = f (Ω1 ) + f (Ω2 ), (7.122b)

isto é, procuramos uma função que tem a propriedade

f (xy) = f (x) + f (y). (7.123)

Escolhendo y = 1 +  e expandido em série de Taylor em termo de x e de 1 + 

f (x + x) = f (x) + f (1 + )
f (x) + xf 0 (x) = f (x) + f (1) + f 0 (1). (7.124)

Para  = 0 tem-se f (1) = 0 e, logo,

xf 0 (x) = f 0 (1) = const. (k)


k
f 0 (x) = . (7.125)
x
Finalmente, integrando f (x) = k ln x + const., logo

S = kB ln Ω + constante (7.126)

constante de Boltzmann 0 (entropia indeterminada a


menos de uma constante aditiva)

93
7. Princípios da Termodinâmica

7.3.4 Paradoxo de Gibbs

Vimos acima que a entropia é uma variável de estado extensiva (eq. (7.121)).
Contudo, Gibbs mostrou o resultado (algo surpreendente) que o aumento de entropia
de uma mistura de gases diferentes a pressão e temperatura constantes não depende
da natureza dos gases, de modo a que a mistura de duas massas de um gás não
implique o aumento de entropia. Tal facto é designado, após Gibbs, por paradoxo
de Gibbs.
Da expressão (7.31) para a variação da entropia de um gás ideal, obtemos, para
um estado inicial arbitrário e ν moles de gás:
   
V
S = ν CV ln T + R ln + S0 . (7.127)
N
Considerando agora a mistura de dois gases ideais diferentes que se encontram inici-
almente em recipientes separados por uma parede semi-permeável. Assim, a mistura
faz-se sem a intervenção de calor ou trabalho e sem a variação da entropia do sistema.
Temos então o Teorema de Gibbs (1878):

Teorema (Gibbs). A entropia de uma mistura de gases ideais é igual à soma das
entropias de cada um dos gases quando estes ocupam separadamente o volume de
toda a mistura à temperatura desta.

Tomemos inicialmente gases diversos separados por uma parede e que ocupam
volumes V1 e V2 à temperatura T . A entropia destes é dada por
   
V1
SI = S1 (T, V1 ) + S2 (T, V2 ) =ν1 CV1 ln T + R ln + S01
N1
   
V2
+ ν2 CV2 ln T + R ln + S02 (7.128)
N2
Após a mistura quando cada gás ocupar o volume V1 + V2 :
   
V1 + V2
SII = S1 (T, V1 + V2 ) + S2 (T, V1 + V2 ) =ν1 CV1 +V2 ln T + R ln + S01
N1
   
V1 + V2
+ ν2 CV2 ln T + R ln + S02 .
N2
(7.129)

A variação de entropia devido à mistura é dada por:


   
V1 + V2 V1 + V2
∆S = SII − SI = ν1 R ln + ν2 R ln , (7.130)
V1 V2

94
7.3. Segundo Princípio

que indica que a variação da entropia de uma mistura isotérmica deve-se, exclu-
sivamente, à contribuição dos termos que envolvem o volume na expressão da en-
tropia (7.127). Os outros termos em (7.127) são irrelevantes para o problema em
questão.
Para o caso particular de gases que têm um mesmo número de partículas (mol1 =
ν2 = ν) e ocupam o mesmo volume (V1 = V2 = V ) temos:
 
V
SI = 2νR ln , (7.131)
N
 
2V
SII = 2νR ln ; (7.132)
N

e, consequentemente, para a variação (νR = N kB ):

∆S = SII − SI = 2N kB ln 2. (7.133)

As expressões (7.130) e (7.133) mostram claramente que a variação da entropia de


uma mistura de gases ideais depende do número de partículas do gás e não da
natureza da mistura.
Note que o cálculo da variação da entropia de uma mistura de dois gases idênticos
não pode ser considerado como um caso limite do cálculo para uma mistura de gases
diferentes. Como esta última variação não depende da natureza dois gases envol-
vidos na mistura, tem-se, de facto, um resultado curioso, ou melhor, paradoxal. O
cálculo da variação da entropia de uma mistura de gases idênticos pode ser efectuado
directamente da equação (7.127) modificando-se ligeiramente o Teorema de Gibbs:

Teorema. A entropia de uma mistura de duas porções de gases idênticos é igual à


soma das entropias das duas porções quando cada gás ocupa o volume total diminuído
de N kB ln 2.

Resulta da aplicação deste teorema modificado o resultado esperado

∆S = 0, (7.134)

uma vez que o sistema não foi submetido a qualquer transformação termodinâmica.

95
7. Princípios da Termodinâmica

7.3.5 Máquinas Térmicas e Refrigeradores

Máquinas Térmicas

S. Carnot foi o primeiro a notar que

(a) Máquinas Térmicas são cíclicas (estado final e inicial coincidem)

(b) Para produzir trabalho, as máquinas térmicas necessitam de uma fonte quente
assim como de uma fonte fria.

De forma geral, a transformação de calor em trabalho é efectuada por meio de


dois tipos de máquinas

(i) Motores de combustão externa – Máquina de Stirling e Máquina a Vapor

(ii) Motores de combustão interna – Motor a Vapor a gasolina ou de Diesel.

Em ambos os tipos, um gás ou mistura de gases contidos num cilindro efectua um


ciclo, impondo a um pistão, por meio de uma alavanca, um movimento de rotação
contra uma força oposta. Em ambos os motores é necessário elevar-se a pressão e a
temperatura do gás ou da mistura. Na máquina a vapor de Stirling, tal é efectuado
por uma fornalha exterior. Nos motores de combustão interna, altas pressões e
temperaturas são atingidas por meio de uma reacção química entre o combustível e
o ar, ocorrendo esta reacção no próprio cilindro. No motor a gasolina, a combustão
de ar e gasolina ocorre de forma explosiva por intervenção de uma faísca eléctrica.
O motor de Diesel, usa óleo como combustível e a combustão é efectuada mais
lentamente aspergindo-se óleo no cilindro a uma taxa conveniente.

– O Engenho de Stirling (Robert Stirling, escocês 1816)

A máquina consiste em dois pistões ligados por uma mesma haste. Os pistões
movem-se em fases opostas com a rotação da haste. O espaço entre os pistões é pre-
enchido por um gás estando cada um daqueles em contacto com fontes fria e quente.
Entre as duas porções de gás existe um dispositivo R, denominado Regenerador,
cuja função é permitir a passagem de gás mantendo a diferença de temperatura en-
tre as partes quente e fria. Nas Figuras 7.14 e 7.15 representa-se o funcionamento
da Máquina de Stirling esquematicamente e no diagrama (V, p), respectivamente.

96
7.3. Segundo Princípio

Quente Frio
R QC R

1→2 2→3

R R
QH

3→4 4→1

Figura 7.14
p

QH

2
4
TH
QC
TC
1
V

Figura 7.15

1 → 2 Pistão à esquerda permanece na posição superior ao passo que o pistão direito


move-se isotermicamente para cima (é expelido QC );

2 → 3 O pistão esquerdo desce e o direito sobe (∆V = 0), porém o gás frio é forçado
através de R sendo aquecido pelo calor QR (cedido por R);

3 → 4 O pistão direito permanece estacionário ao passo que o pistão esquerdo continua


a descer em expansão isotérmica com absorção de calor QH ;

4 → 1 Os pistões movem-se em direcções opostas, forçando o gás a passar através de


R (da parte quente para a fria) e este recebe do gás quente aproximadamente
o calor QR . O volume é mantido aproximadamente constante.

97
7. Princípios da Termodinâmica

O trabalho realizado é dado por (V1 = V4 e V2 = V3 ):


   
V1 V1
W = QH − QC W12 = −QC = νRTC ln W34 = νRTH ln = QH
V2 V2
e
QC TC
η =1− =1− ' 0, 10. (7.135)
QH TH
Idealizações

(i) Gás é ideal

(ii) Não ocorrem fugas de gás

(iii) Nenhum calor é perdido ou ganho através das paredes dos cilindros

(iv) Nenhum calor é conduzido através de R

(v) Não existe atrito.

O ciclo real seria talvez melhor representado pelo diagrama:

1
V

Figura 7.16

98
7.3. Segundo Princípio

– A Máquina a Vapor

Esta máquina pode ser entendida por meio das mudanças de pressão e volume
de uma massa constante de água, que é levada de um condensador, através de um
aquecedor, para uma câmara de expansão e, em seguida, de volta para o condensador.
A água no condensador está a uma pressão menor que a da atmosfera e está a uma
temperatura menor que a de ebulição. Por meio de uma bomba, a massa de água
é transportada para a fornalha onde a água é transformada em vapor (o processo
ocorre a pressão constante). O vapor é, então, superaquecido a pressão constante,
fluindo para um cilindro, no qual se expande de forma aproximadamente adiabática
contra um pistão, até que a sua pressão e temperatura caiam atingindo o equilíbrio
com o condensador. No condensador, o vapor condensa finalmente, completando,
assim, um ciclo completo.
A análise exacta do processo completo é bastante complexa, uma vez que ocorrem,
em geral, os seguintes fenómenos:
(i) Aceleração e turbulência causadas pela diferença de pressão que é necessária
para levar o vapor de uma ponta à outra do aparato;

(ii) Atrito;

(iii) Condução de calor através das paredes durante a expansão do vapor;

(iv) Transferência irreversível de calor entre a fornalha e o condensador.


Por meio de simplificações, é possível obter-se um limite superior para a eficiência
da máquina a vapor através do estudo do ciclo de Rankine que é mostrado abaixo:
p

Cr

5
2
3 QH 4

1
QC
6

Figura 7.17

99
7. Princípios da Termodinâmica

Esquematicamente, a máquina a vapor funciona da seguinte forma:

Fonte Quente

QH

Condensador

Cilindro e Pistão

Fervedor

QC

Fonte Fria

Figura 7.18

O ciclo de Rankine consiste nos seguintes processos:

1 → 2 Compressão adiabática da água até à pressão da fornalha (∆T = 0);

2 → 3 Aquecimento isobárico da água até ao ponto de evaporação;

3 → 4 Evaporação isotérmica e isobárica da água em vapor supersaturado;

4 → 5 Superaquecimento isobárico do vapor em vapor superaquecido a temperatura


TH ;

5 → 6 Expansão adiabática do vapor em vapor húmido;

6 → 1 Condensação isobárica e isotérmica do vapor em água saturada à temperatura


TC .

O rendimento da máquina a vapor é indicado abaixo:

0, 06 ≤ η ≤ 0, 12. (7.136)

100
7.3. Segundo Princípio

– Motores de Combustão Interna

Pequena história:

1872. Nikolaus Otto (Köln) – Motor de explosão a 4 tempos;

1880. Gottlieb Daimler e Karl Benz (Mannheim) – 1.o motor a gasolina (η ' 0, 28)

1893. Rudolph Diesel (München) – Motor a óleo (η = 0, 35)

Nos motores a gasolina, o ciclo envolve 6 processos distintos, quatro dos quais
exigem movimentação do pistão e são denominados por tempos (strokes):

1. Tempo de admissão – mistura de vapor de gasolina e ar é sugada pelo movi-


mento do pistão para dentro do cilindro. A pressão externa é maior que a da
mistura de uma quantidade suficiente para causar aceleração e superar o atrito;

2. Tempo de Compressão – a mistura é comprimida de modo a elevar a sua


temperatura e pressão por meio da compressão do pistão (calor, atrito,...)

3. Explosão – Combustão da mistura quente pela acção de uma faísca eléctrica.


Os produtos de combustão atingem temperaturas e pressões elevadas sem que
haja variação de volume. O pistão não se move.

4. Tempo de Potência – Os produtos de combustão aquecidos expandem empur-


rando o pistão, causando assim uma queda da pressão e da temperatura (calor,
atrito,...)

5. Válvula de Exaustão (Escape) – Os produtos de exaustão ao final do tempo de


potência estão ainda a pressões e temperaturas maiores que o exterior. Uma
válvula de exaustão permite que algum gás escape até que este equilibre a
pressão atmosférica

6. Tempo de Exaustão – O pistão empurra quase todos os produtos de combustão


para fora do cilindro exercendo uma pressão maior que a exterior

A discussão exaustiva do ciclo descrito acima é praticamente impossível devido


ao atrito, trocas e perdas de calor na reacção química do combustível com o ar,
etc... Uma idealização extremamente útil é conhecida como ciclo de Otto, como
representado na Figura 7.19.

101
7. Princípios da Termodinâmica

QH

4
5 QC
p0
1

V2 V1 V

Figura 7.19

Neste ciclo considera-se que:

(i) A substância operante é ar e o gás comporta-se como um gás ideal;

(ii) Todos os processos são quase-estacionários;

(iii) Não há atrito.

Temos, então em cada um dos processos:

5 → 1 representa uma tomada de ar isobárica na qual o volume varia de 0 a V1 e o


n.o de moles de gás de 0 a n1 segundo a equação

p0 V = ν1 RT1 (p0 e T1 são a pressão e a temperatura exteriores);

1 → 2 representa uma compressão adiabática de n1 moles de gás variando a tempe-


ratura segundo a expressão

T1 V1γ−1 = T2 V2γ−1 ;

2 → 3 representa um aumento de temperatura e pressão de n1 moles de gás por meio


da absorção de calor QH de fontes a temperaturas no intervalo [T2 , T3 ]. Este
estágio representa, aproximadamente, o efeito da explosão;

3 → 4 corresponde a uma expansão adiabática de n1 moles de gás, com decréscimo


da temperatura de T3 para T4 segundo a equação:

T3 V2γ−1 = T4 V1γ−1 ;

102
7.3. Segundo Princípio

4 → 1 consiste no decréscimo isocórico de pressão e temperatura por meio da perda


de calor QC para uma série de fontes com temperaturas entre T3 e T4 . Este
processo aproxima a fase onde opera a válvula de exaustão;

1 → 5 representa a exaustão isobárica a pressão atmosférica. O volume varia de V1 a


zero e o n.o de moles de ar de n1 a zero, a temperatura constante (T1 ).

Os processos isobáricos 5 → 1 e 1 → 5 cancelam-se e não necessitam de ser conside-


rados.
Ao longo de 2 → 3, temos:
ˆ T3
QH = νCV dT = νCV (T3 − T2 ).
T2

Analogamente, ao longo de 4 → 1,
ˆ T1
QC = − νCV dT = νCV (T4 − T1 ).
T4

Consequentemente o rendimento é dado por:

QC T4 − T1
η =1− =1− ;
QH T3 − T2

ao longo das adiabáticas

T4 V1γ−1 = T3 V2γ−1
T1 V1γ−1 = T2 V2γ−1 ,

logo,

(T4 − T1 )V1γ−1 = (T3 − T2 )V2γ−1


 γ−1
T4 − T1 V2
= .
T3 − T2 V1

A razão V1 /V2 é denominada razão de compressão ou de expansão:

V1
r≡ , (7.137)
V2
e  γ−1
V2 1
η =1− =1− . (7.138)
V1 rγ−1

103
7. Princípios da Termodinâmica

Nos motores a gasolina construídos, r não pode ser feito maior que 10 dado que,
se se tiver maior r, o aumento de temperatura aquando da compressão da mistura
ar–gasolina é suficientemente alta para provocar a explosão antes da fagulha eléctrica.
Tal evento é denominado pré-ignição. Para r = 9 e γ = 1, 5 (γar = 1, 4):

1
η = 1 − √ = 0, 667. (7.139)
9

Na prática, a eficiência de um motor é muito menor do que a do ciclo idealizado


por Otto (η ∼ 0, 37).
No motor de Diesel, apenas o ar é admitido no primeiro estágio. O ar é então
comprimido adiabaticamente até que a temperatura seja alta para causar a ignição
de óleo que é aspergido no cilindro após a compressão. A taxa de óleo fornecido
é tal que a combustão acontece isobaricamente, expandindo-se o pistão durante a
combustão. Os estágios restantes são semelhantes aos de um motor a gasolina.
Assim, as dificuldades que assolam a análise dos motores a gasolina estão também
presentes no estudo do motor de Diesel. A idealização do Ciclo de Diesel é referida
como ciclo padrão de Diesel com ar:

p
QH
2 3

4
5 QC
1

V2 V3 V1 V

Figura 7.20

A eficiência da máquina de Diesel pode ser obtida da seguinte forma (lembrar


QC
que η = 1 − QH ):

QC = CV (T4 − T1 )
(7.140)
Q = Cp (T3 − T2 )
H

104
7.3. Segundo Princípio


T1 V γ−1 = T2 V2γ−1
1
(7.141)
T V γ−1 = T3 V3γ−1
4 1
   
CV T4 − T1 1 T4 − T1
η =1− =1− (7.142)
Cp T3 − T2 γ T3 − T2

V2 V3
= (pV2 = νRT2 ) (7.143)
T2 T3
De (7.141) temos

T4 − T1 1 (T3 V3γ−1 − T2 V2γ−1 )


(T4 − T1 )V1γ−1 = T3 V3γ−1 − T2 V2γ−1 =⇒ = γ−1
T3 − T2 V1 T3 − T2
1T3 V3γ−1 − V2 T3 V2γ−1 V3
=
V1γ−1 T3 − T3 V2 /V3
V3γ − V2γ
1
=
V1γ−1 V3 − V2
(V3 /V1 )γ − (V2 /V1 )γ
=
V3 /V1 − V2 /V1

e, logo,
1 (1/rE )γ − (1/rC )γ
η =1− , (7.144)
γ 1/rE − 1/rC
onde
V1
rE ≡ − razão de expansão
V3
(7.145)
V1
rC ≡ − razão de compressão
V2
Na prática, a razão de compressão do motor de Diesel pode ser feita muito maior
do que a de um motor a gasolina, uma vez que não há risco de pré-ignição desde que
apenas ar seja comprimido. Tomando, por exemplo, rC = 15, rE = 5 e γ = 1, 5:

1 (1/5)1,5 − (1/15)1,5
η =1− ' 0, 64. (7.146)
1, 5 1/5 − 1/15

Porém, o rendimento real do motor de Diesel é muito inferior por razões essencial-
mente semelhantes às que prejudicam a eficiência do motor a gasolina.
Desde que apenas ar seja comprimido no motor de Diesel, é possível que o ciclo
seja completo em apenas dois tempos. Assim, cada ciclo alternadamente é um ci-
clo de potência e a potência é deste modo duplicada. Tal é efectuado da seguinte

105
7. Princípios da Termodinâmica

forma: aquando da conclusão do tempo de potência, quando o ciclo estaria cheio de


produtos de combustão, a válvula abre-se, ocorrendo exaustão até que os produtos
de combustão estejam à pressão atmosférica; então, ao invés de se usar o pistão para
a exaustão dos restantes gases, ar fresco é soprado para o cilindro. Um ventilador
operado pelo próprio motor é utilizado para este fim, obtendo numa operação o que
anteriormente exigia duas.

Refrigeradores

Estudámos até agora máquinas que efectuam ciclos nos quais calor é absorvido de
uma fonte quente, trabalho é realizado no exterior e uma quantidade de calor mais
modesta é rejeitada. Um sistema cíclico é dito refrigerador quando o resultado
líquido do ciclo é a extracção de calor de uma fonte a uma temperatura baixa,
a libertação de uma quantidade maior de calor, sendo trabalho efectuado sobre o
sistema. Um ciclo nestas condições funciona no sentido oposto ao dos sistemas que
analisámos até agora e é denominado refrigerante.
Curiosamente, o ciclo de Stirling, quando invertido, constitui um refrigerador
bastante eficiente. As fases de operação de um refrigerador a funcionar segundo um
ciclo de Stirling invertido são os seguintes:

1 → 2 Enquanto o pistão à direita permanece estacionário, o pistão à esquerda sobe,


comprimindo o gás isotermicamente à temperatura TH e rejeitando calor QH
para o reservatório quente.

2 → 3 Ambos os pistões movem-se simultaneamente e em direcções opostas, forçando


o gás através do Regenerador, cedendo calor QR a este e emergindo no lado
direito do aparato (∆V = 0).

3 → 4 O pistão esquerdo permanece imóvel e o pistão direito desce causando uma


expansão isotérmica à temperatura TC , durante a qual, calor QC é absorvido
pelo gás da fonte fria.

4 → 1 Ambos os pistões movem-se forçando o gás da fonte fria a passar através de R,


sendo, neste processo, fornecido calor QR (∆V ' 0).

Esquematicamente, temos o ciclo no diagrama (V, p):

106
7.3. Segundo Princípio

QH

3
1
TH
QC
TC
4
V

Figura 7.21

O propósito de qualquer refrigerador é o de extrair o máximo de calor possível


da fonte fria com o dispêndio mínimo de trabalho. Note-se que não há violação do
Postulado de Kelvin do 2.o Princípio, uma vez que a transmissão de calor da fonte
fria para a fonte quente não é o único resultado envolvido no processo.

Fonte Quente
Temperatura TH

QH

R W

QC

Fonte Fria
Temperatura TC

Figura 7.22

Consequentemente, o resultado que se deseja de um refrigerador é a extracção de


calor para uma dada quantidade de trabalho fornecido. Define-se assim o coeficiente
de actuação ou taxa de arrefecimento ω como

Calor extraído da Fonte Fria QC


ω= = , (7.147)
Trabalho W

107
7. Princípios da Termodinâmica

que, como, naturalmente, W = QH − QC , fica


QC
ω= . (7.148)
QH − QC
O coeficiente ω pode ser consideravelmente maior que um. Assumindo, por exemplo,
que
QC
ω= = 5 & QC = QH − W
W
QH − W QH
ω= = 5 =⇒ = 6; (7.149)
W W
isto é, o calor libertado da fonte de temperatura mais alta é seis vezes maior que
o trabalho efectuado! Se o trabalho for fornecido por um motor eléctrico, por cada
joule de trabalho, seis joules de calor serão libertados em confronto com a situação na
qual 1 J de energia eléctrica é dissipada numa resistência libertando, no máximo, 1 J
de calor. Assim, é altamente vantajoso aquecer uma casa resfriando-a externamente.
Lord Kelvin notou neste facto em 1852 e até mesmo desenhou uma máquina com este
propósito. Contudo, foram necessários 75 anos para que tal aquecedor-refrigerador
pudesse ser construído por Haldane para aquecer a sua casa na Escócia. A partir
de 1938, estas «bombas de calor» passaram a ser comercializadas. No Verão, por
meio da reversão do caminho da substância refrigerante, tem-se um condicionador
de ambientes.
Nos anos 1940, a Koninklijke Philips N.V. em Eindhoven nos Países Baixos res-
suscitou a máquina de Stirling com funcionalidades de refrigeração. A grande maioria
dos frigoríficos comerciais caseiros porém, conforme esquematizado na Figura 7.23,
seguindo um ciclo bastante semelhante ao de uma máquina a vapor invertida, isto é,
com a substância refrigerante na forma líquida com a pressão e temperatura iguais
à do condensador. Esta atravessa a válvula de estrangulamento na direcção do eva-
porador e, em seguida, para o compressor onde é finalmente levada de volta ao
condensador.
No condensador, a substância refrigerante (amoníaco ou fréon) está a uma alta
pressão mas a baixa temperatura. Nesta situação, o refrigerante comporta-se como
um líquido saturado. Quando o fluido passa através de uma abertura estreita de
uma região de alta pressão para uma outra a baixa pressão, adiabaticamente, ocorre
o chamado processo de estrangulamento (throttling) ou expansão de Joule-Kelvin.
Uma propriedade dos líquidos saturados é o facto de um processo de estrangula-
mento produzir sempre arrefecimento e vaporização parcial. No evaporador, o fluido

108
7.3. Segundo Princípio

é completamente evaporado, sendo o calor necessário para tal extraído da fonte a


ser resfriada. O vapor é então comprimido adiabaticamente aumentando a sua tem-
peratura. No condensador, o vapor é arrefecido até à sua condensação e completa
liquidificação.
Ignorando-se os efeitos devidos à turbulência, aceleração, atrito e perdas de calor,
um ciclo refrigerante idealizado é esquematizado no diagrama (V, p) (Figura 7.23).
p

Cr
QH
1 TH 4
p1

p2 3, TC
TC 2
QC

Figura 7.23

Começando no estado 1, onde a substância refrigerante (líquido saturado) se


encontra à temperatura e pressão do condensador, temos os processos:

1 → 2 Processo de Estrangulamento e queda de pressão. Estados intermediários entre


1 e 2 não podem ser descritos por meio de coordenadas termodinâmicas (linhas
tracejadas);

2 → 3 Vaporização isotérmica e isobárica na qual calor QC é absorvido à temperatura


TC pelo refrigerante, que arrefece assim o material na fonte fria;

3 → 4 Compressão adiabática do vapor a uma temperatura maior que a do conden-


sador TH ;

4 → 1 Arrefecimento isobárico e condensação a TH .

109
7. Princípios da Termodinâmica

7.3.6 Limites de Aplicabilidade do Segundo Princípio

O Segundo Princípio assim como a maior parte dos conceitos em Termodinâ-


mica aplicam-se apenas a sistemas com um grande número de partículas∗∗ . Assim,
exceptuando-se versões modernas da teoria de sistemas dissipativos e da Termodi-
nâmica fora do equilíbrio devida a Prigogine e colaboradores que introduzem uma
entropia microscópica, o limite inferior do Segundo Princípio são os microssistemas.

O limite superior da aplicação do Segundo Princípio situa-se nos sistemas gover-


nados pela gravitação. Tal acontece uma vez que os conceitos termodinâmicos de
temperatura e entropia são definidos para sistemas aditivos e, claramente, sistemas
ligados gravitacionalmente não o são.

A aplicação indiscriminada do Segundo Princípio ao Universo como um todo levou


Clausius (1865) (e também J. Jeans (1928)) à conclusão que o Universo atingiria mais
cedo ou mais tarde o estado de equilíbrio termodinâmico, isto é, de máxima entropia,
de modo a que todos os processos cessariam e a temperatura e todos os parâmetros
termodinâmicos internos assumiriam um valor constante em todo o Universo. A tal
estado final do Universo, chama-se «morte térmica» do Universo.

À conclusão da «morte térmica» de Clausius, Boltzmann contrapôs a sua «hi-


pótese da flutuação». Tal hipótese é baseada na natureza estatística do Segundo
Princípio conforme estabelecida pelo próprio Boltzmann (ver referências [8, 9, 10],
Secção 7.3.2 e Capítulo 10). Do ponto de vista estatístico, o estado de equilíbrio ter-
modinâmico corresponde sempre ao estado mais provável de um sistema, contudo,
o sistema pode sempre passar, por meio de uma flutuação, a um outro estado com
entropia necessariamente menor (Figura 7.24). Assim, segundo Boltzmann, a apli-
cação da hipótese das flutuações ao conjunto do Universo implicaria que a parte do
Universo onde nos encontramos constituiria numa grande flutuação. Tal flutuação
assim como todas as outras, inevitavelmente desapareceriam e surgiriam outras, con-
tinuamente. Desta forma, alguns mundos pereceriam, enquanto outros nasceriam.

∗∗
O Primeiro Princípio, enquanto versão generalizada do Princípio de Conservação de Energia,
aplica-se, naturalmente, a qualquer sistema.

110
7.3. Segundo Princípio

Smax

Figura 7.24

Modernamente, as especulações cosmológicas de Clausius e Boltzmann são tidas


como inaceitáveis uma vez que, nestas, o papel preponderante da gravitação na evo-
lução e génese do Universo não foi considerado. Contemporaneamente, no âmbito do
Modelo Cosmológico Padrão ou do Modelo do Big-Bang Quente, o Segundo Princí-
pio é utilizado nas situações que não envolvem directamente o campo gravitacional.
Em particular, acredita-se que a expansão do Universo corresponde a um processo
adiabático [11, 12]. Tal resultado é uma implicação directa da Teoria da Relatividade
Geral de Einstein e da Conservação da Energia.
Contudo, a relação entre a Termodinâmica e a interacção gravitacional não é
completamente compreendida. Sabe-se, por exemplo, que a gravitação tem um com-
portamento anómalo no que se refere à entropia, comportamento este que dá origem
a fenómenos tais como a Catástrofe Gravitérmica [13, 14, 15, 16]. De facto, a rela-
ção entre a Teoria da Relatividade Geral e a Termodinâmica assume cores bastantes
vividas na chamada Termodinâmica de Buracos Negros, proposta por S. Hawking
e colaboradores na década de 1970, em Cambridge. Hawking demonstrou que o
poderoso campo gravitacional de um Buraco Negro dá origem, segundo as ideias
vigentes nas Teorias de Campo Quântico, a pares de partículas do vácuo e o fluxo
destas partículas seria detectado no infinito como o espectro de um corpo negro (ver
Secção 11.3) com a temperatura:
 
~c3 h
TH = ~= , (7.150)
8πkB GM 2π
onde h, c, kB , G são, respectivamente, a constante de Planck, a velocidade da luz,
a constante de Boltzmann e a constante da gravitação universal; M é a massa do

111
7. Princípios da Termodinâmica

buraco negro. As propriedades térmicas dos Buracos Negros podem ser deduzidas tal
como na Termodinâmica usual através de quatro princípios [17, 18, 19, 20, 21, 22].
A especificidade das propriedades termodinâmicas da interacção gravitacional
devem-se primordialmente ao facto de sistemas ligados gravitacionalmente terem
calor específico negativo, assim calor é permitido fluir entre dois objectos ligados
gravitacionalmente de modo a que o objecto mais quente fique mais quente enquanto
que o mais frio fique mais frio. Esta propriedade é compartilhada também pelos
buracos negros e cordas quânticas a altíssimas temperaturas (T ' 1032 K).

7.4 Terceiro Princípio


Já vimos que a entropia está definida a menos de uma constante aditiva (ver
eqs. (7.99)–(7.101)). Em 1906, Nernst enunciou, com base nas suas experiências
acerca do comportamento das substâncias a baixas temperaturas, o Terceiro Princí-
pio da Termodinâmica:

À medida que a temperatura se aproxima do zero absoluto, a entropia de qual-


quer sistema em equilíbrio termodinâmico submetido a transformações isotér-
micas cessa de depender de quaisquer variáveis de estado assumindo, no limite
T → 0 K, um valor constante igual para todos os sistemas; valor este que pode
ser tomado como igual a zero.

O enunciado de Nernst assevera então que, para qualquer, sistema em equilíbrio


termodinâmico:
lim [S1 (T, ai ) − S2 (T, ai )] = 0, (7.151)
T →0 K
onde ai , (i = 1, . . . , n) denotam todos os parâmetros termodinâmicos que caracte-
rizam os sistemas (1) e (2) com entropias S1 (T, ai ) e S2 (T, ai ), respectivamente. A
expressão (7.151) pode ser reescrita também da seguinte forma:
 
∂S
lim = 0. (7.152)
T →0 K ∂ai T

O Terceiro Princípio elimina assim a arbitrariedade da definição de entropia tor-


nando desnecessário apelar-se a uma «entropia absoluta» como sugerido por
Planck (1900a) e outros.
O facto da entropia se manter constante (∆S → 0) quando T → 0 K implica, em
virtude de (7.151), que transformações isotérmicas a T = 0 K são simultaneamente

112
7.4. Terceiro Princípio

isentrópicas e consequentemente adiabáticas. Assim, a T = 0 K curvas isotérmicas,


isentrópicas e adiabáticas confundem-se.
Existem muitas substâncias, tais como a glicerina, CO, NO, etc., para as quais,
no limite de T = 0 K, ∆S tende para um valor não nulo. Contudo demonstra-se
experimentalmente que estas substâncias que, aparentemente, contradizem o Terceiro
Princípio se encontram, a baixas temperaturas, em estados metaestáveis ou fora do
equilíbrio. Acontece então que, decorrido um período de tempo relativamente longo,
a diferença ∆S desaparece quando T → 0 K.
O Terceiro Princípio permite que se estabeleçam importantes conclusões acerca
do comportamento das variáveis termodinâmicas aquando do limite T → 0 K. Dis-
cutamos duas destas implicações:

Impossibilidade de se atingir o zero absoluto

Do Terceiro Princípio infere-se imediatamente que o zero absoluto é inatingível.


De facto, o resfriamento de um sistema é realizado por meio de transformações
alternadas, que compreendem expansões adiabáticas nas quais o sistema arrefece e
compressões isotérmicas nas quais a entropia do sistema diminui (ver, por exemplo,
a eq. (7.31)). Porém, segundo o Terceiro Princípio, à medida que a temperatura se
aproxima do zero absoluto, a entropia cessa de variar nas compressões isotérmicas.
Consequentemente, o estado S = 0 não é acessível por meio de um número finito de
transformações, significando que o zero absoluto é inatingível.

Comportamento dos coeficientes térmicos no limite T → 0 K

Consideremos os coeficientes de dilatação térmica (6.12)


 
1 ∂V
αV = , (6.12)
V0 ∂T p

e o coeficiente de pressão térmica


 
1 ∂p
β= , (7.153)
p ∂T V

e mostremos que, em virtude do Terceiro Princípio, estes coeficientes, assim como


   
quaisquer outros tais como, por exemplo, ∂a
∂T
i
e ∂Ai
∂T (ver eq. (7.11)), se anulam
Ai ai
quando T = 0 K.

113
7. Princípios da Termodinâmica

Comecemos por reescrever as equações combinadas (7.11) e (7.27a):


X
dU = T dS − Ai dai , (7.154)
i

ou
X
d(U − T S) = −S dT − Ai dai ; (7.155)
i

segue então que, sendo d(U − T S) uma diferencial total exacta,


   
∂S ∂Ai
= . (7.156)
∂ai T ∂T ai

Porém, da expressão (7.152), tem-se que:


 
∂Ai
lim = 0. (7.157)
T →0 K ∂T ai

Alternativamente, a equação (7.154) pode ser reescrita da seguinte forma:


!
X X
d U − TS + Ai ai = −S dT + ai dAi , (7.158)
i i

e, consequentemente,    
∂S ∂ai
=− , (7.159)
∂Ai T ∂T Ai

pelo que, da equação (7.152) resulta que


 
∂ai
lim = 0. (7.160)
T →0 K ∂T A
i

Visando mostrar o anulamento de αV e β quando T = 0 K, tomamos a = V e


A = p, logo,    
∂p ∂V
lim = lim =0 (7.161)
T →0 K ∂T V T →0 K ∂T p
Q.E.D.

114
Capítulo 8

Potenciais Termodinâmicos e
Relações de Maxwell

Para o caso de um processo reversível, vimos que a Primeira e Segunda Leis da


Termodinâmica podem ser combinadas:

dU = T dS − p dV. (7.29)

É útil, em muitas circunstâncias, introduzir-se combinações das variáveis termodi-


nâmicas, como por exemplo as indicadas abaixo:

(a) Entalpia: H = U + pV

(b) Função energia livre de Helmholtz: F = U − T S

(c) Função energia livre de Gibbs: G = U − T S + pV = F + pV = H − T S

A construção destas variáveis pode ser efectuada de forma mnemónica por meio
do diagrama:

V F T

U G

S H p

115
8. Potenciais Termodinâmicos e Relações de Maxwell

Cada um dos quatros potenciais U , F , G e H é flanqueado pelas suas respectivas


variáveis independentes naturais. Ao escrever-se a expansão diferencial para cada
potencial em termos das suas variáveis independentes, o coeficiente é designado por
uma flecha. Uma tal flecha que aponte no sentido oposto à variável natural implica
um coeficiente positivo, ao passo que uma flecha que aponte no sentido da variável
natural implica um coeficiente negativo. Assim,

dF = −S dT − p dV (8.1a)
dG = −S dT + V dp (8.1b)
dH = T dS + V dp (8.1c)
dU = T dS − p dV (8.1d)

As relações de Maxwell reflectem o facto de os potenciais termodinâmicos serem


variáveis de estado e, consequentemente, diferenciais exactas:

   
∂S ∂p
= (8.2a)
∂V ∂T V
 T  
∂S ∂V
− = (8.2b)
∂p T ∂T p
   
∂T ∂V
= (8.2c)
∂p S ∂S p
   
∂p ∂T
− = (8.2d)
∂S V ∂V S

A energia livre de Helmholtz, F , é frequentemente chamada energia livre a vo-


lume constante e a energia livre de Gibbs, G, é usualmente designada como a energia
livre a pressão constante. Em equilíbrio térmico à temperatura e volume constante,
F é mínimo e, por sua vez, quando em equilíbrio térmico, à temperatura e pressão
constante, G é um mínimo. Ao sofrer uma transformação isotérmica, o trabalho
efectuado pelo sistema nunca pode exceder −∆F (W = −∆F para uma transfor-
mação reversível). Consequentemente, quando um sistema atinge a temperatura do
ambiente que a contém, a energia livre de Helmholtz atinge o seu mínimo.
Um sistema termodinâmico é equivalentemente caracterizado por U , F , G ou
H dependendo da escolha de variáveis U = U (S, V ), H = H(S, p), G = G(T, p),

116
8.1. Interpretação das energias livres de Helmholtz e de Gibbs

F = F (T, V ). As variáveis conjugadas são descritas pelas relações


   
∂U ∂H
T = = (8.3a)
∂S V ∂S p
   
∂U ∂F
p=− =− (8.3b)
∂V S ∂V T
   
∂G ∂F
S=− =− (8.3c)
∂T p ∂T V
   
∂G ∂H
V = = . (8.3d)
∂p T ∂p S

Adicionalmente, podemos ainda relacionar os potenciais termodinâmicos de acordo


com as relações descritas anteriores:
  
2 ∂ F
U = −T
∂T T V

8.1 Interpretação das energias livres de Helmholtz e de


Gibbs

Supõe-se um sistema em contacto térmico com o ambiente que se encontra a uma


temperatura constante, T . Para uma transformação do estado inicial A ao estado
final B, tem-se:
WAB = −∆U + QAB , (8.4)

onde ˆ B
dQ
≤ S(B) − S(A), (8.5)
A T
e, sendo a temperatura constante, segue que:
ˆ B
QAB = dQ ≤ T (S(B) − S(A)); (8.6)
A

finalmente,

WAB ≤ U (A) − U (B) + T (S(B) − S(A)) (8.7a)


WAB ≤ F (A) − F (B) = −∆F, (8.7b)

ou seja, a função F = U − T S corresponde à energia disponível (livre) para realizar


trabalho.

117
8. Potenciais Termodinâmicos e Relações de Maxwell

Temos então que a variação negativa da energia livre de Helmholtz é maior que o
trabalho realizado, sendo igual somente aquando de transformações reversíveis. Para
um sistema isolado, WAB = 0 e, portanto,

0 ≤ F (A) − F (B) =⇒ F (B) ≤ F (A), (8.8)

isto é, à temperatura constante para um sistema isolado a energia livre do sistema


não pode crescer durante uma transformação.
Assim, se a energia livre de um sistema for mínima, então este encontra-se num
estado de equilíbrio estável.
Sejam W e W + dW as quantidades de trabalho mínimas que podem ser obtidas
das transformações I e II, respectivamente. Logo,

W = F (A) − F (B) (8.9a)


W + dW = F (A0 ) − F (B 0 ) (8.9b)

ou
dW dF dF
= (A) − (B), (8.10)
dT dT dT
onde dF (A) = F (A0 ) − F (A) e dF (B) = F (B 0 ) − F (B). Usando que F (A) =
U (A) − T S(A) e diferenciando,

dF (A) = dU (A) − T dS(A) − dT S(A) (8.11)

e, como WAA0 = 0,
dQA = dU (A), (8.12)

portanto,
dQA dU (A)
dS(A) = = (8.13)
T T
e, consequentemente,
dF F (A) U (A)
(A) = −S(A) = − ; (8.14)
dT T T
analogamente,
dF F (B) U (B)
(B) = −S(B) = − . (8.15)
dT T T
Finalmente, usando (8.14) e (8.15), obtém-se
dW
W −T = −∆U, (8.16)
dT

118
8.1. Interpretação das energias livres de Helmholtz e de Gibbs

onde ∆U = U (B) − U (A). A equação (8.16) é denominada isocórica de Van ’t Hoff.


Consideremos um sistema representado no diagrama (V, p) e uma transformação
isotérmica reversível onde o volume é alterado pela quantidade dV . Usando que
W = −∆F ,    
∂F ∂F
p dV = − dV =⇒ = −p. (8.17)
∂V T ∂V T
Para um gás ideal (ν = 1):

F = U − T S = CV T + U0 − T (CV ln T + R ln V + S0 ), (8.18)

onde S0 e U0 são constantes. Alternativamente, usando a eq. (7.38):

F = CV T + U0 − T (Cp ln T − R ln p + S0 + R ln R). (8.19)

Consideremos a energia livre de Gibbs, G = F +pV . Supõe-se uma transformação


isobárica a temperatura constante entre os estados A e B. O trabalho realizado
durante a transformação é dado por

W = p(V (B) − V (A)), (8.20)

logo
p(V (B) − V (A)) ≤ F (A) − F (B) (8.21)

é, portanto, natural definir-se a energia livre a pressão constante

G = F + pV = U − T S + pV (8.22)

de modo a que
G(B) ≤ G(A). (8.23)

Segue então que numa transformação isobárica e isotérmica, a energia livre de


Gibbs não pode nunca crescer. Podemos também dizer que o estado do sistema para
o qual o potencial termodinâmico G é mínimo corresponde a um estado de equilíbrio
estável.
É fácil mostrar, usando a eq. (8.18) para ν = 1 mol de gás perfeito, a definição
da energia livre de Gibbs e a relação (7.38), Cp − CV = R que:

G = Cp T + U0 − T (Cp ln T − R ln p + S0 + R ln R) − RT + pV
= Cp T + U0 − T (Cp ln T − R ln p + S0 + R ln R). (8.24)

119
8. Potenciais Termodinâmicos e Relações de Maxwell

8.2 Transformações de Legendre


A semelhança entre o método dos potenciais termodinâmicos e o uso de potenciais
na mecânica de sistemas conservativos onde a força F~ (~r ) é dada em termos de um
potencial V (~r ),
F~ (~r ) = −∇V (~r ), (8.25)

é quase evidente (comparar, por exemplo, com a eq. (8.3b)). Na verdade, o con-
junto de transformações envolvidas na passagem da descrição por meio de um sis-
tema termodinâmico por meio de um conjunto de variáveis para uma outra descrição
efectuada através de outras variáveis, são as mesmas envolvidas na passagem, na
Mecânica Analítica, da Formulação Lagrangeana à Formulação Hamiltoniana. Tais
transformações são conhecidas por transformações de Legendre.
Em geral, uma combinação ao acaso de variáveis não dá origem a funções de
estado, uma vez que existem constrangimentos entre elas, como por exemplo o re-
querimento de consistência dimensional.
Consideremos a diferencial exacta,

dY = A1 dX1 + . . . + An dXn . (8.26)

Por meio de transformações de Legendre definem-se funções relacionadas com Y para


as quais os conjuntos de variáveis contém um ou mais dos coeficientes Ai em lugar
das variáveis associadas Xi . Assim, para uma diferencial total, como (8.26), que
exibe n variáveis, existem 2n − 1 transformações de Legendre:

Y1 ≡ Y(A1 , X2 , . . . , Xn ) = Y − A1 X1
Y2 ≡ Y(X1 , A2 , X3 , . . . , Xn ) = Y − A2 X2
..
.
Yn ≡ Y(X1 , . . . , Xn−1 , An ) = Y − An Xn (8.27)
Y1,2 ≡ Y(A1 , A2 , X3 , . . . , Xn ) = Y − A1 X1 − A2 X2
..
.
X
Y1,...,n ≡ Y(A1 , A2 , . . . , An ) = Y − Ai Xi
i

Cada uma das transformações Y representa uma nova função cujas variáveis inde-
pendentes são indicadas entre parênteses. Uma propriedade útil destas novas funções

120
8.2. Transformações de Legendre

é que, uma vez que sabido que a função Y tem como variáveis um certo conjunto (o
indicado dentro de parênteses), então as n variáveis restantes são obtidas através da
diferenciação de Y. Claramente, tal não ocorreria caso as variáveis fossem tomadas
arbitrariamente. Consideremos os seguintes exemplos:

(i) Y = Y (X1 , X2 , X3 ) e, consequentemente

dY = A1 dX1 + A2 dX2 + A3 dX3 . (8.28)

De (8.27) temos
Y1 = Y1 (A1 , X2 , X3 ) = Y − A1 X1 , (8.29)

logo
     
∂Y1 ∂Y1 ∂Y1
dY1 = dA1 + dX2 + dX3 ; (8.30)
∂A1 X2 ,X3 ∂X2 A1 ,X3 ∂X3 A1 ,X2

porém, de (8.29)
dY1 = dY − A1 dX1 − X1 dA1 , (8.31)

donde segue imediatamente que:


     
∂Y1 ∂Y1 ∂Y1
X1 = − , A2 = , A3 = , (8.32)
∂A1 X2 ,X3 ∂X2 A1 ,X3 ∂X3 A1 ,X2

ou seja, X1 , A2 e A3 são dadas em termos de derivadas parciais de Y1 com


respeito às variáveis «conjugadas» A1 , X2 e X3 , respectivamente.

(ii) A função Lagrangeana de um sistema mecânico é função das coordenadas gene-


ralizadas qi (i = 1, . . . , n) e das suas derivadas no tempo, isto é, das velocidades
generalizadas q̇i :
L = L(qi , q̇i ; t) = T − V, (8.33)

onde T = T (q̇i ; t), V = V (qi ; t) são, respectivamente, o termo cinético e o termo


potencial. A partir desta função obtemos N equações do movimento
 
d ∂L ∂L
− = 0, (8.34)
dt ∂ q̇i ∂qi

que correspondem a um extremo da Acção:


ˆ t1
S= L(qi , q̇i ; t) dt. (8.35)
t0

121
8. Potenciais Termodinâmicos e Relações de Maxwell

Estas são equações de segunda ordem, de modo a que o movimento do sistema


é determinado por 2N condições iniciais qi (0) e q̇i (0).

A formulação Hamiltoniana por sua vez, descreve o movimento do sistema por


meio de 2N equações de movimento de primeira ordem através das coordenadas
generalizadas qi e dos momentos canonicamente conjugados pi :
∂L
pi = . (8.36)
∂ q̇i

As variáveis (qi , pi ) são denominadas canónicas.

A função Hamiltoniana é obtida da função Lagrangeana através de uma trans-


formação de Legendre Y1 (eq. (8.27)):
N
X
H(qi , pi ; t) = q̇i pi − L(qi , q̇i ; t). (8.37)
i=1

A diferencial de H = H(qi , pi ; t) é dada por:


N
X N
X
∂H ∂H ∂H
dH = dqi + dpi + dt, (8.38)
∂qi ∂pi ∂t
i=1 i=1

porém, de (8.37), temos que


N
X N
X N
X N
X
∂L ∂L ∂L
dH = q̇i dpi + pi dq̇i − dqi − dq̇i − dt. (8.39)
∂qi ∂ q̇i ∂t
i=1 i=1 i=1 i=1

Substituindo (8.34), (8.36) e (8.39) e comparando com (8.37) obtemos as equa-


ções de Hamilton:
∂H
q̇i = (8.40a)
∂pi
∂H
ṗi = − (8.40b)
∂qi
∂L ∂H
=− (8.40c)
∂t ∂t
que são as 2N equações de primeira ordem que, alternativamente às equações
de Euler-Lagrange (8.34), descrevem o sistema.

122
8.2. Transformações de Legendre

(iii) Vejamos, em particular, o caso de um sistema conservativo com N partículas


(considera-se que n = 3N ):

L = L(qi ,q̇i , t) = T − V

n
1X
T = mi q̇i2 , V = V (q1 , . . . , qn ),
2
i=1

onde tomamos que m1 = m2 = m3 , . . . , mn−2 = mn−1 = mn . As equações de


Euler-Lagrange (8.34) serão tais que
 
∂L ∂V ∂L d ∂L
=− , = mi q̇i , = mi q̈i
∂qi ∂qi ∂ q̇i dt ∂ q̇i

∂V
mi q̈i = − Eq. Newton (3N equações)
∂qi

Da equação (8.36), facilmente obtemos que os momentos canonicamente con-


jugados são
∂L pi
pi = = mi q̇i =⇒ q̇i = .
∂ q̇i mi
O Hamiltoniano será por sua vez
n
X n
X n n
p2i 1 X p2i 1 X p2i
H= pi q̇i − L = − +V = + V = T + V,
mi 2 mi 2 mi
i=1 i=1 i=1 i=1

e as equações de Hamilton ficam com a forma

pi ∂V
q̇i = , ṗi = − .
m ∂qi

Definição de momento Eq. Newton

123
Capítulo 9

Equação de Clapeyron

Quando examinamos a máquina a vapor, vimos que conviviam vapor e água,


ou seja, vapor saturado. Este é um sistema composto onde o líquido e vapor se
encontram em equilíbrio.
Consideremos um líquido encerrado num cilindro dotado de um pistão. O espaço
entre a superfície do líquido e o pistão encontra-se preenchido por vapor saturado a
uma pressão que depende apenas da temperatura do vapor e não do seu volume.
Isotérmicas do sistema composto líquido-vapor no diagrama (V, p) podem ser
construídas da seguinte forma: mantendo-se a temperatura constante, o volume é
aumentado levantando-se o pistão; para manter a pressão constante, algum líquido
evapora; consequentemente, a curva isotérmica para uma mistura líquido-vapor con-
siste numa linha de pressão constante paralela ao eixo V (Figura 9.1)
Quando o volume é aumentado de modo a evaporar todo o líquido, um subse-
quente aumento de volume dá origem a uma queda de pressão como num gás.
A partir do estado gasoso, uma compressão leva a um aumento de pressão até
que esta atinja a pressão do vapor saturado. Subsequentemente, o decréscimo de
volume mantém a pressão e, em seguida, implica na condensação do vapor. No
estado líquido, uma compressão produz grandes variações de pressão uma vez que os
líquidos têm pequena compressibilidade.
Com o aumento de temperatura, vimos que o comprimento da linha horizontal
(que indica a coexistência entre líquido e gás) fica cada vez menor, até que, na
isotérmica f a que corresponde o ponto G, degenere num ponto de inflexão. Esta
curva isotérmica é denominada isotérmica crítica e à temperatura a que tal ocorre,

125
9. Equação de Clapeyron

L
h
g
f
e
dc
T
LV ab

Figura 9.1

Tc , temperatura crítica. O estado correspondendo a Vc , pc e Tc é chamado estado


crítico (ou ponto crítico).
Curvas h, g, . . . correspondem a hipérboles aproximadas uma vez que a altas
temperaturas, o gás de substâncias diluídas comporta-se como um gás ideal.
A linha tracejada e a isotérmica f no diagrama (V, p) acima, dividem o mesmo em
4 secções: estado líquido, mistura de líquido e vapor saturado, vapor não-saturado e
gás.
Recordemos que, tomando U = U (T, V ), segue do Primeiro Princípio e da defi-
nição da variável de estado entropia que:
    
d̄Q 1 ∂U 1 ∂U
dS = = dT + + p dV. (7.103)
T T ∂T V T ∂V T

Ora, da exigência que dS é uma diferencial exacta obtivemos


       
∂ 1 ∂U ∂ 1 ∂U
= +p (9.1)
∂V T ∂T V T ∂T T ∂V T V

cuja expansão resulta na relação


   
∂U ∂p
=T − p. (7.105)
∂V T ∂T V

Apliquemos agora esta equação para o sistema líquido vapor na região LV no dia-
grama (V, p). Nesta região, as pressões e densidades do líquido e vapor dependem

126
9. Equação de Clapeyron

exclusivamente da temperatura. Se v1 e v2 são os volumes específicos (v = 1/ρ)


do líquido e do vapor, respectivamente, e u1 e u2 são as suas energias específicas
(u = U/m), então as grandezas p, u1 , u2 , v1 , v2 dependem apenas da temperatura.
Temos então para a massa, volume e energia interna do sistema:

m = m1 + m2 (9.2a)
V = m1 v1 (T ) + m2 v2 (T ) (9.2b)
U = m1 u1 (T ) + m2 u2 (T ). (9.2c)

Considerando uma transformação isotérmica, a variação de volume dV implica na


passagem da quantidade dm de líquido para o estado gasoso, ou seja,

V + dV = (m1 − dm1 )v1 (T ) + (m2 − dm2 )v2 (T ) = V + [v2 (T ) − v1 (T )] dm; (9.3)

logo,
dV = [v2 (T ) − v1 (T )] dm, (9.4)

e de forma análoga obtém-se

dU = [u2 (T ) − u1 (T )] dm. (9.5)

Usando o Primeiro Princípio da Termodinâmica:

d̄Q = dU + p dV = [u2 (T ) − u1 (T ) + p(v2 (T ) − v1 (T ))] dm

ou
dQ
= u2 (T ) − u1 (T ) + p(v2 (T ) − v1 (T )) ≡ L. (9.6)
dm
A expressão (9.6) define a quantidade de calor por unidade de massa necessária
para vaporizar um líquido, isto é, L é o Calor Latente (em geral L = L(T )).
Equações (9.4) e (9.5) referem-se a transformações isotérmicas, pelo que a razão
destas resulta em:  
∂U u2 (T ) − u1 (T )
= (9.7)
∂V T v2 (T ) − v1 (T )
e, utilizando (9.6) vem que
 
∂U L
= − p; (9.8)
∂V T v2 (T ) − v1 (T )

127
9. Equação de Clapeyron

Finalmente, comparando esta expressão com a equação (7.105), obtém-se, escre-


 
∂p dp
vendo ∂T como dT , a equação de Clapeyron:
V

dp L ∆s
= = . (9.9)
dT T (v2 (T ) − v1 (T )) ∆v

dp
Como exemplo, calculemos a razão dT para a mistura água-vapor à temperatura
de ebulição. Temos

L = 540 cal/g, v2 = 1677 cm3 /g, v1 = 1043 cm3 /g, T = 373 K

logo∗
dp
= 3, 6 × 104 dyn cm−2 K−1 (9.10)
dT
dp
Um valor aproximado para dT pode ser obtido desprezando-se, na equação (9.9),
v1 em comparação com v2 e usando a equação de estado de um gás perfeito para o
cálculo de v2 . Isto é:
pV2 νRT m2 RT
= , & ν= =⇒ pv2 =
m2 m2 M M
substituindo em (9.9)
dp LM
= p, (9.11)
dT RT 2
ou
d LM
ln p = . (9.12)
dT RT 2

Na expressão (9.10) utilizou-se unidades CGS, muitas vezes empregues em diversas áreas da
física. Este sistema de unidades baseia-se no uso de centímetro e grama ao invés do metro e
quilograma usado nas unidades SI. Assim sendo, as unidades de grandezas derivadas ficam diferentes
das unidades SI:

Força Energia
dyn
Sistema

CGS erg
(dine)
N J
SI
(newton) (joule)
Conversão 1 dyn = 10 −5
N 1 erg = 10−7 J

Assim, na equação (9.10), a conversão para as unidades SI será

dyn cm−2 K−1 = (10−5 N)(104 m−2 ) K−1 = 0, 1 N m−2 K−1 .

128
9. Equação de Clapeyron

Para ilustrar o ponto acima consideremos a mistura água-vapor para a qual


obtém-se por meio da equação (9.9) desprezando-se v1 :

dp
= 3, 56 × 104 dyn cm−2 K−1 (9.13)
dT
Se o calor latente de vaporização L puder ser considerado independente da tem-
peratura, podemos então integrar a eq. (9.12):
ML
ln p = − + const. (9.14)
RT

p(T ) ∝ e−M L/RT (9.15)

A derivação acima da equação de Clapeyron para a isotérmica líquido-vapor


poderia ser efectuada para qualquer mistura de estados diferentes, como por exemplo
sólido-líquido (água-gelo). Para este último sistema temos, em particular:

L = 80 cal/g, v2 = 1, 00013 cm3 /g, v1 = 1, 0907 cm3 /g, T = 273 K

logo
dp
= −1, 35 × 108 dyn cm−2 K−1 , (9.16)
dT
ou seja, um acréscimo de pressão de 134 atm baixa o ponto de fusão do gelo em 1 K.
Deve notar-se que o ponto de fusão do gelo decresce com o aumento da pressão.
Sob este aspecto, a água tem um comportamento anómalo, pois a maioria das subs-
tâncias comporta-se da maneira oposta. Tal diferença deve-se ao facto do gelo ser
menos denso que a água, em confronto com a maioria das substâncias cujo estado
sólido é mais denso que o líquido correspondente.
Este comportamento anómalo da água (gelo) é de grande importância na geologia,
sendo este fenómeno responsável pelo movimento dos glaciares. Quando uma massa
de gelo encontra uma formação rochosa, a pressão do gelo contra a rocha baixa o
ponto de fusão do gelo, levando ao derretimento deste. Uma vez removida a pressão
o congelamento faz-se rapidamente. Assim, grandes massas de gelo são capazes de
circum-navegar obstáculos.

129
Parte II

Mecânica Estatística
Capítulo 10

Distribuição Canónica de
Maxwell-Boltzmann

A Mecânica Estatística teve a sua origem nos trabalhos seminais de


Maxwell (1860a; 1860b) e Boltzmann (1872) que, contra a corrente de pensamento
então dominante na Europa Continental, consideravam fundamental a necessidade
de construção de uma teoria microscópica, sobre a qual assentariam os Princípios
da Termodinâmica. Sendo a matéria constituída por um grande número de partícu-
las de elementaridade estratificada (moléculas, átomos, núcleos, nucleões, quarks,...),
Maxwell e Boltzmann argumentavam que as propriedades macroscópicas da matéria
poderiam ser compreendidas por meio de um tratamento estatístico do movimento
das partículas constitutivas. Esta concepção liga imediatamente aos estados macros-
cópicos (macroestados) da matéria, caracterizados por uma combinação de parâme-
tros termodinâmicos (T , p, V ,...), estados microscópicos (microestados) associadas
às distribuições das partículas constituintes. Claramente, a cada macroestado estão
associados um grande número de microestados. Boltzmann foi quem, pela primeira
vez, estabeleceu a relação entre a variável de estado entropia de um macroestado
com o número de microestados associados (ver eq. (7.126) acima).

Vejamos como o Segundo Princípio da Termodinâmica pode ser entendido do


ponto de vista microscópico. Consideremos para tal a expansão isotérmica irreversí-
vel de um gás ideal (Figura 10.1) de um volume inicial Vi a um volume final Vf .

133
10. Distribuição Canónica de Maxwell-Boltzmann

Vi

Vf

Figura 10.1

A variação da entropia nesta transformação, para 1 mole de gás, é dada conforme


vimos acima pela equação (7.35):
 
Vf
Sf − Si = R ln . (7.35)
Vi
De modo a estudar esta transformação do ponto de vista microscópico, comecemos
por dividir o recipiente em caixas de volume V0 e distribuir as NA moléculas do gás,
assumindo equiprobabilidade na ocupação das caixas. Assume-se também que as
moléculas não têm spin (momento angular intrínseco), de modo a que os possíveis
efeitos devido ao Princípio de Exclusão de Pauli não sejam importantes. Tais efeitos
dão origem à Distribuição de Fermi-Dirac como veremos no Capítulo 13.
O número de microestados ou de configurações microscópicas à disposição de
uma molécula no estado inicial é Vi /V0 . Assim, o número de configurações possíveis
Ωi acessíveis às NA moléculas é dado por:
 NA
Vi
Ωi = . (10.1)
V0
Após a expansão irreversível do gás, as NA moléculas passam a ocupar o volume Vf ,
e consequentemente o número de configurações possíveis Ωf é dado por:
 NA
Vf
Ωf = . (10.2)
V0
Tomando a diferença entre os logaritmos de Ωf e Ωi , obtemos:

ln Ωf − ln Ωi = NA (ln Vf − ln Vi ). (10.3)

Comparando a variação de entropia (eq. (7.35) acima) obtemos imediatamente a


expressão de Boltzmann obtida heuristicamente no Capítulo 7, isto é:

S = kB ln Ω, (10.4)

134
10. Distribuição Canónica de Maxwell-Boltzmann

onde, claramente, kB = R/NA , ou seja, a constante de proporcionalidade é a cons-


tante de Boltzmann (5.17).
Notemos que a probabilidade de termos as NA moléculas no volume inicial Vi
após a expansão irreversível é:
 NA
Ωi Vi
Pi = = , (10.5)
Ωf Vf
que é um número extraordinariamente pequeno para qualquer valor da razão Vi /Vf .
Em oposição, a probabilidade da configuração final é, obviamente, 1. Assim, o
crescimento da entropia, para sistemas isolados, conforme estabelecido pelo Segundo
Princípio, corresponde à passagem de um microestado com a probabilidade associada
extremamente pequena para estados mais prováveis:
 NA
Vi
∆S ≥ 0 ⇔ Pi ≡  1 → Pf ' 1. (10.6)
Vf
Este exemplo ilustra a forma segundo a qual a Mecânica Estatística explica o
comportamento dos sistemas macroscópicos por meio de considerações microscópi-
cas. Naturalmente, a descrição estatística dos fenómenos assume que os resultados
de inferências estatísticas acerca dos microestados correspondem efectivamente à re-
alidade macroscópica. Tal ligação com a realidade exige que os microestados estejam
relacionados com os macroestados segundo os seguintes postulados:

1. Existem microestados que reproduzem o estado de equilíbrio de um sistema.

2. Num sistema isolado em equilíbrio, fixadas a energia interna, o volume e o


número de partículas, todos os microestados possíveis são equiprováveis.

3. Em todos os microestados, a conservação de energia é respeitada.

4. Os valores de equilíbrio das variáveis macroscópicas termodinâmicas são obti-


dos através de médias sobre os microestados possíveis das grandezas microscó-
picas correspondentes.

Assim, a sistemática da Mecânica Estatística consiste, basicamente, em efectuar a


contagem dos microestados compatíveis com os macroestados de um sistema carac-
terizado macroscopicamente pela energia interna Uj , o volume Vj e o número de
partículas N :
Ω = Ω(U, V, N ), (10.7)

135
10. Distribuição Canónica de Maxwell-Boltzmann

associando este número às propriedades macroscópicas dos sistemas, tal como em (10.4).
De modo geral, para sistemas com um grande número de partículas e com um
espectro de energia não limitado, o número de microestados Ω(U ) cresce muito ra-
pidamente com U .
Consideremos agora a contagem de microestados de dois sistemas isolados do
exterior e inicialmente entre si, caracterizados pelas variáveis termodinâmicas indi-
ciadas na Figura 10.2.

U1A U2A
V1A V2A
N1A N2A

Figura 10.2

Dado o isolamento dos sistemas, a energia total é dada por

U ∗ = U1A + U2A . (10.8)

Como os sistemas são independentes, sendo Ω1 (U1A ) e Ω2 (U2A ), respectivamente, o


número de microestados dos sistemas 1 e 2, então o número total de microestados é

ΩT (U ∗ ) = Ω1 (U1A )Ω2 (U2A ). (10.9)

Removendo agora a restrição de que os dois sistemas estão isolados entre si (Fi-
gura 10.3), segue então que:
U ∗ = U1 + U2 , (10.10)

e, para o número de microestados,


X
ΩT (U ∗ ) = Ω1 (U1 )Ω2 (U ∗ − U1 ), (10.11)
U1

onde tomamos, inicialmente, um valor para U1 e efectuamos a soma sobre essa ener-
gia.

U1 U2
V1 V2
N1 N2

Figura 10.3

136
10. Distribuição Canónica de Maxwell-Boltzmann

A probabilidade de se encontrar o sistema 1 com energia U1 é dada pela razão

Ω1 (U1 )Ω2 (U ∗ − U1 )
P1 (U1 ) = , (10.12)
ΩT (U ∗ )

e, claramente, o valor U1 mais provável corresponde ao ponto onde a derivada se


anula:
 
dP1 1 dΩ1 dΩ2
(U1 ) = 0 = Ω2 + Ω1
dU1 ΩT (U ∗ ) dU1 dU1
 
1 ∂Ω1 ∂Ω2
= Ω2 − Ω1 (10.13)
ΩT (U ∗ ) ∂U1 ∂U1

e, consequentemente, o estado mais provável associado ao equilíbrio termodinâmico


é aquele para o qual
1 ∂Ω1 1 ∂Ω2
= . (10.14)
Ω1 ∂U1 Ω2 ∂U1
É habitual definir-se
1 ∂Ω ∂ ln Ω
β≡ = , (10.15)
Ω ∂U ∂U
de modo que a condição (10.14) pode ser reescrita como

β1 = β2 . (10.16)

Recordemos que o sistema está mecanicamente isolado; consequentemente, o volume


permanece constante. Assim, da relação de Boltzmann (10.4), obtemos
 
1 ∂S
β= ; (10.17)
kB ∂U V

finalmente, da relação (8.3a)  


∂U
T = , (8.3a)
∂S V
tem-se que:
1
β= . (10.18)
kB T
Segue então da igualdade (10.16) que o estado mais provável corresponde ao estado
de equilíbrio térmico T1 = T2 (veja também a equação (5.1b)).
Tratemos agora da situação em que um sistema se encontra em contacto térmico
com uma fonte de calor à temperatura T , estando o sistema conjunto termica- e
mecanicamente isolado do exterior, conforme esquematizado na Figura 10.4.

137
10. Distribuição Canónica de Maxwell-Boltzmann

T, UF T, 
F
V V
F N
N

Figura 10.4

Consideremos o microestado j de energia j = j (V, N ) do sistema. Dado o


isolamento deste sistema conjugado, a energia está fixada:

U ∗ = UjF + j . (10.19)

Se Ω(UjF ) for o número de microestados da fonte para o estado de energia UjF =


U ∗ − j , então a probabilidade do microestado j será dada por:
Ω(UjF )
Pj = , (10.20)
ΩT (U ∗ )
onde
X
ΩT (U ∗ ) = Ω(UjF ). (10.21)
UjF

Recordemos que, por definição, uma fonte não muda a sua temperatura e o seu estado,
quando em contacto térmico com um sistema; assim, para qualquer microestado j,
U ∗ ' UjF . Segue então, por meio da expansão em série de Taylor do logaritmo de
Ω(UjF ) em torno de U ∗ que:

ln Ω(UjF ) = ln Ω(U ∗ − j )
1 ∂Ω
= ln Ω(U ∗ ) − j (U ∗ ) + . . . ; (10.22)
Ω ∂U ∗
introduzindo a definição de β (eq. (10.15)) temos

ln Ω(UjF ) = ln ΩT (U ∗ ) − βj + . . .
ln Ω(U ∗ − j ) ' ln [Ω(U ∗ ) exp(−βj )] , (10.23a)

e ainda
Ω(U ∗ − j ) ' Ω(U ∗ )e−βj . (10.23b)

Segue que a probabilidade de ocorrência do microestado j, eqs. (10.20) e (10.21), é,


então,
Ω(UjF ) Ω(U ∗ )
Pj = P =P e−βj ≡ Ae−βj ; (10.24)
UiF Ω(UiF ) UF Ω(U F)
i
i

138
10.1. Demonstração Estatística da distribuição de Maxwell-Boltzmann

porém, da exigência de que


X
Pj = 1 (10.25)
j
obtém-se que
1
A= P . (10.26)
j exp(−βj )

À soma dos microestados


X
Z≡ exp(−βj ) (10.27)
j
dá-se o nome de Função de Partição e à distribuição de probabilidade
e−βj
Pj = (10.28)
Z
dá-se o nome de distribuição canónica ou de Boltzmann.

10.1 Demonstração Estatística da distribuição de Maxwell-


-Boltzmann
Antes de aplicarmos a distribuição canónica em exemplos específicos, considere-
mos uma demonstração mais «estatística» do resultado obtido acima, por meio de
argumentos heurísticos. Buscaremos agora o número de partículas mais provável de
uma dada configuração, ao invés da probabilidade correspondente.
Comecemos por considerar a questão do número de partículas (moléculas) que,
em média, se encontram num elemento de volume ωi no espaço de configuração ou
no espaço de fase do sistema. Imaginemos, como anteriormente, que o volume total
ω está dividido em células de tamanho ω1 , ω2 , . . . , ωn (Figura 10.5).

ω1 ω3
ω2
ω5
ω4 ··· ω

ωn

Figura 10.5

Lançando N moléculas no volume ω, obteremos n1 moléculas na primeira célula,


n2 moléculas na segunda célula, etc.

139
10. Distribuição Canónica de Maxwell-Boltzmann

Repetindo a experiência, encontraremos que uma dada distribuição definida pelo


conjunto {n1 , . . . , nz } ocorre um certo número de vezes. Se, ao invés de molécu-
las tivéssemos, por exemplo, bolas, a frequência de uma dada distribuição poderia
ser determinada por uma série de ensaios. Para um gás, temos necessariamente
que considerar argumentos matemáticos de natureza estatística. Assim, temos que
necessariamente calcular a probabilidade matemática. Ao considerarmos todas as
distribuições possíveis, a de maior probabilidade será, obviamente, a mais provável.
Como o número de moléculas num gás é bastante grande, segue então que a pro-
babilidade de qualquer distribuição que se desvie da mais provável é extremamente
pequena. Daí resulta que a distribuição mais provável representa o estado médio do
sistema.
Um ponto de princípio importante refere-se à interpretação das probabilidades
obtidas e a relação destas com experiências efectuadas para determinar o estado
de um dado sistema. Se fosse possível conhecer as posições e velocidades de cada
partícula no estado inicial t = 0, o comportamento do gás seria, em princípio, com-
pletamente determinado pelas leis da Mecânica. O uso de argumentos estatísticos
far-se-ia dispensável. Contudo, se, pelo contrário, no instante t = 0, as posições
e velocidades das partículas estiverem distribuídas segundo qualquer lei estatística,
não será lícito supor que, num instante posterior t0 , o estado microscópico do gás
será determinado probabilisticamente, independentemente do estado inicial. Para
aplicar as leis da estatística deve-se postular que, em instantes diversos, os estados
do sistema em consideração não estejam relacionados. É razoável pensar que, em
virtude do grande número de partículas envolvidas, as colisões entre elas apaguem
completamente a memória do estado inicial decorrido um pequeno intervalo de tempo
do ponto de vista macroscópico. Esta suposição pode ser considerada como um pos-
tulado adicional aos anteriores e é conhecido como Stoßzahlansatz ou Hipótese
do Caos Molecular de Boltzmann:

Postulado. Ao considerar-se colisões entre moléculas, as posições e velocidades des-


tas não estão correlacionadas antes das colisões.

Esta hipótese é um ingrediente importante na demonstração do Teorema H de


Boltzmann que em certo sentido corresponde à demonstração do Segundo Princípio

140
10.1. Demonstração Estatística da distribuição de Maxwell-Boltzmann

da Termodinâmica:
ˆ ˆ
3 dH ∂f dH
H = f (~v , t) ln f (~v , t) d v =⇒ = (1 + ln f ) d3 v =⇒ ≤ 0,
dt ∂t dt
onde f (~v , t) e a distribuição resultante de uma molécula A a colidir com uma molécula
B e que obedece à equação de Boltzmann (ver referências [8, 9, 10]):
n
X ¨
∂f p~ ∂f
+ · ∇f + F~ · = g I(g, Ω)[fA0 fB0 − fA fB ] dΩ d3 p, (10.29)
∂t m ∂~
p
λ=1

onde Ω é o ângulo sólido, g = k~ pA0 − p~B0 k, as linhas referem-se às quan-


pA − p~B k = k~
tidades após a colisão e I(g, Ω) à secção de choque diferencial. Através do Teorema
dH
H, dt ≤ 0, Boltzmann logrou demonstrar o Segundo Princípio da Termodinâmica,
dS
dt ≥ 0, através da identificação S = −H.
Acrescentemos que medições de um estado do sistema exigem um tempo finito de
realização, de modo que, nestas, o microestado não é determinado completamente,
mas apenas o seu valor médio. Assume-se que estes valores médios coincidem com
os valores médios obtidos por meio de considerações estatísticas a partir do estado
mais provável.
Esta hipótese é denominada Hipótese Quasi-ergódica (von Neumann–1932a;
1932b e Birkhoff–1931) – a tão discutida hipótese Ergódica da Mecânica Estatística
Clássica foi superada pelo princípio de incerteza de Heisenberg – e pode ser enunciada
da seguinte forma:

Postulado. Partindo-se de um estado inicial arbitrário, devido às colisões entre


moléculas e com as paredes do recipiente (consideradas semi-elásticas), o sistema
atinge depois de um tempo finito um estado estacionário que corresponde ao estado
de probabilidade máxima.

Retomemos agora o problema das moléculas num volume ω. Uma distribuição é


definida pelos números de ocupação n1 , . . . , nz . Naturalmente, sendo N o número
total de partículas do gás:

n1 + n2 + . . . + nz = N. (10.30)

Definindo gk = ωk /ω tem-se

ω1 + ω2 + . . . + ωz = ω (10.31a)

141
10. Distribuição Canónica de Maxwell-Boltzmann

e
g1 + g2 + . . . + gz = 1. (10.31b)

Qual a frequência da distribuição {n1 , . . . , nz }?


Inicialmente devemos recordar que, classicamente, as partículas idênticas são
distinguíveis, e, assim, obteremos uma distribuição diferente se permutarmos as mo-
léculas individualmente entre si. O número de permutações é dado por N !. O mesmo
ocorre ao nível de cada uma das células com ocupação nk no volume ωk . Temos, en-
tão, na célula k, nk ! permutações, porém, estas já foram consideradas na permutação
individual de todas as moléculas do volume ω. Assim, o número de configurações
distintas é dado por
N!
. (10.32)
n1 ! n2 ! · · · nz !
Para obter a probabilidade desta distribuição devemos multiplicar este número pela
probabilidade de termos n1 partículas no volume ω1 e assim necessariamente para
n
todas as células; esta é dada para a célula k por ωωk k = gknk . Assim, a probabilidade
da distribuição {n1 , n2 , . . . , nz } é dada por:

N!
P (Ω) = g n1 g n2 · · · gznz . (10.33)
n1 ! n2 ! · · · nz ! 1 2

Naturalmente, devemos esperar que


X X N!
P (Ω) = g n1 g n2 · · · gznz = 1, (10.34)
n1 ,n2 ,...,nz
n1 ! n2 ! · · · nz ! 1 2

o que, de facto, se verifica, dado que n1 + . . . + nz = N e, por meio do teorema


polinomial∗
X n!
g n1 · · · gznz = (g1 + . . . + gz )N = 1. (10.35)
n1 ,...,nz n1 ! · · · nz ! 1
n1 +...+nz =N


Este teorema corresponde a uma generalização do teorema binomial de Newton:
n
! !
n
X n n−k k n n!
(x + y) = x y e = ,
k k k!(n − k)!
k=0

para polinómios:
X n! n
(x1 + . . . + xp )n = xn1 · · · xp p .
n1 ,...,np n1 ! · · · np ! 1
n1 +...+np =n

142
10.1. Demonstração Estatística da distribuição de Maxwell-Boltzmann

Utilizemos agora a fórmula de Stirling para desenvolver a expressão acima.


Seja,
n! = 1 × 2 × · · · × (n − 1) × n. (10.36)

Assim,
n
X
ln n! = ln 1 + ln 2 + . . . + ln(n − 1) + ln n = ln m. (10.37)
m=1

Esta soma pode ser aproximada pelo integral da função logaritmo (Figura 10.6).
Essa aproximação é especialmente precisa no limite de grandes n’s.

ln m
ln 6 ∼ ln x
ln 5
ln 4
ln 3

ln 2

2 3 4 5 6 m

Figura 10.6

Logo†
ˆ n
ln n! ' ln x dx = [x ln x − x]n1
1

ln n! ' n ln n − n + 1. (10.38)

Finalmente, desprezando a unidade no limite de grandes n’s, obtém-se a fórmula de


Stirling:
ln n! ' n(ln n − 1). (10.39)

Tomando o logaritmo de P (Ω):

ln P (Ω) = ln N ! + ln g1n1 − ln n1 ! + ln g2n2 − ln n2 ! + . . . (10.40)


ˆ ˆ ˆ
d 1

Relembre-se que: ln x dx = (x) ln x dx = x ln x − x dx = x ln x − x.
dx x

143
10. Distribuição Canónica de Maxwell-Boltzmann

e usando a aproximação de Stirling

ln P (Ω) = N ln N − N + n1 ln g1 − n1 ln n1 + n1 + n2 ln g2 − n2 ln n2 + n2 + . . .
z
X z
X z
X
= N ln N − 
N
+ ni ln gi − ni ln ni + ni
i=1 i=1 i=1
z
X  
gi
= N ln N + ni ln . (10.41)
ni
i=1

Ora, procuramos a distribuição mais provável


z sujeita naturalmente às condições:
X
ni = N, (10.42a)
i=1
z
X
ni i = U, (10.42b)
i=1

onde i é a energia em cada célula.


Desde que N , i ’s e gi ’s sejam constantes, temos então o problema de maximizar a
função f ≡ ln P (Ω) = f (n1 , n2 , . . . , nz ). Tal procedimento é efectuado pelo método
dos multiplicadores de Lagrange. Comecemos por diferenciar a função f (dn =
0):
z
X   g 
i
d(ln P (Ω)) = d ni ln (dN = 0)‡
ni
i=1
Ou seja
z
X g  z
X n2  gi 
i i
d(ln P (Ω)) = ln dni + − dni
i=1
ni
i=1
gi n2i
!
Xz g  z
X
i
= ln dni − d ni . (10.43)
ni
i=1 i=1

dN = 0

Assim, considerando a diferencial dos constrangimentos acima e ainda que buscamos


um máximo de ln P (Ω), obtemos o sistema de equações:
     
g1 g2 gz
ln dn1 + ln dn2 + . . . + ln dnz = 0; (10.44a)
n1 n2 nz
dn1 + dn2 + . . . + dnz = 0; (10.44b)
1 dn1 + 2 dn2 + . . . + z dnz = 0. (10.44c)

Ensemble Canónico ou Microcanónico.

144
10.1. Demonstração Estatística da distribuição de Maxwell-Boltzmann

Multiplicando a segunda equação por λ1 e a terceira por −λ2 (multiplicadores


de Lagrange):
     
g1 g2 gz
ln dn1 + ln dn2 + . . . + ln dnz = 0; (10.45a)
n1 n2 nz
λ1 dn1 + λ1 dn2 + . . . + λ1 dnz = 0; (10.45b)
− (λ2 1 dn1 + λ2 2 dn2 + . . . + λ2 z dnz ) = 0. (10.45c)

Somando estas equações, obtemos que o coeficiente de cada dni deve anular-se
separadamente, ou seja:
   
gi
ln + λ1 − λ2 i dni = 0 (10.46)
ni

e ainda  
ni
ln − λ1 = −λ2 i . (10.47)
gi
Tomando λ1 = ln A e λ2 = β, obtém-se

ni = Agi e−βi , (10.48)

que é a distribuição canónica de Boltzmann (1868).


A expressão acima indica que a população de cada nível, i, de energia i é pro-
porcional à degenerescência, gi , do nível e à exponencial (negativa) da energia, e−βi .
Vimos acima que
1
β= (10.18)
kB T
e o significado de A pode ser facilmente entendido somando-se
z
X z
X
ni = N = A gi e−βi , (10.49)
i=1 i=1

logo,
N
A= , (10.50)
Z
onde Z é a função de partição:
z
X
Z= gi e−βi . (10.51)
i=1

Note-se a diferença entre (10.27) e (10.51).

145
10. Distribuição Canónica de Maxwell-Boltzmann

Obtemos assim a expressão para o número mais provável de partículas com ener-
gia i :
gi e−βi
ni = N . (10.52)
Z

ni

N
6
gi > gj =⇒ ni > nj

i

Figura 10.7

Apliquemos a distribuição canónica de Boltzmann ao caso de um gás perfeito


monoatómico. A energia é exclusivamente cinética:

1 1  
E = mv 2 = m vx2 + vy2 + vz2 . (10.53)
2 2

As células de volume ωi devem ser interpretadas como infinitesimais no espaço das


velocidades:

ω i = dvxi dvyi dvzi . (10.54)

No cálculo dos valores médios podemos então substituir

n
X ˆ ˆ ∞ ˆ ∞ ˆ ∞
gi → ω= dvx dvy dvz . (10.55)
i=1 −∞ −∞ −∞

Como estamos interessados nos valores médios de v, v 2 , etc. – hvx i = hvy i = hvz i = 0





e, por simetria, vx2 = vy2 = vz2 = v 2 /3 – a função integranda depende apenas
de v. Logo, podemos utilizar coordenadas esféricas no espaço das velocidades, tendo
~v como raio vector:

146
10.1. Demonstração Estatística da distribuição de Maxwell-Boltzmann

vz ~v = vx ~i + vy ~j + vz ~k
~
ev
~v ~

θ
vx = v sin θ cos ϕ
~

vy = v sin θ sin ϕ
ϕ
vy vz = v cos θ
vx

Figura 10.8

Consequentemente,
ˆ ∞ ˆ ∞ ˆ ∞
I= F (vx , vy , vz ) dvx dvy dvz
−∞ −∞ −∞
ˆ ˆ ˆ
2π π ∞ ∂(vx , vy , vz )
=
G(v) dv dθv dϕv (10.56)
0 0 0 ∂(v, θv , ϕv )

Módulo do determinante da matriz jacobiana

tal que§  
∂vx ∂vx ∂vx
∂v
 ∂v ∂θv ∂ϕv 
∂(vx , vy , vz )
= det 
 ∂v
y ∂vy
∂θv
∂vy 
∂ϕv 
= −v 2 sin θv (10.57)
∂(v, θv , ϕv )
∂vz ∂vz ∂vz
∂v ∂θv ∂ϕv

portanto,
ˆ 2π ˆ π ˆ ∞
I= G(v)v 2 sin θv dv dθv dϕv
0
ˆ 0

0
2
I = 4π v G(v) dv. (10.58)
0

§
O caso geral desta transformação seria (x, y, z) → (u1 , u2 , u3 ) tal que
˚ ˚
∂(x, y, z)
F (x, y, z) dx dy dz = G(u1 , u2 , u3 ) du1 du2 du3 ,
R3 R3 ∂(u1 , u2 , u3 )

onde,  
∂x ∂x ∂x
∂(x, y, z)  ∂u
∂y
1 ∂u2
∂y
∂u3 
∂y 
= det 
 ∂u1 ∂u2 ∂u3 
.
∂(u1 , u2 , u3 )
∂z ∂z ∂z
∂u1 ∂u2 ∂u3

147
10. Distribuição Canónica de Maxwell-Boltzmann

Assim, para um número de partículas N , temos


ˆ ∞
1 2
N = 4πA v 2 e− 2 βmv dv; (10.59)
0

ao passo que para a energia:


ˆ ∞
m 4 − 1 βmv2
U = 4πA v e 2 dv; (10.60)
0 2

as constantes A e β, caso fossem desconhecidas, poderiam ser calculadas a partir dos


integrais acima. Integrais desta natureza, ou seja,
ˆ ∞
2
Iν (λ) = v ν e−λv dv (10.61)
0

podem ser obtidos por meio de diferenciação sucessiva do integral de probabilidade


de Gauss¶ ˆ r

−λv 2 1 π
I0 (λ) = e dv = , (10.62)
0 2 λ
e do integral, ˆ ∞
2 1
I1 (λ) = v e−λv dv = . (10.63)
0 2λ
Consequentemente, sendo λ um parâmetro nos integrais acima:

dI0 dI1
I2 = − I3 = −
dλ dλ
(10.64)
d2 I0 dI2 d2 I1 dI3
I4 = + 2 = − I5 = + 2 = −
dλ dλ dλ dλ

À distribuição de Gauss está associada a chamada Função Erro (de Gauss):
ˆ x
2 2
erf(x) = √ e−u du,
π 0
com
lim erf(x) = 1.
x→∞

Esta função tem uma expansão em série de Taylor da forma:



2 X (−1)n x2n+1 x3 x5 x7
 
2
erf(x) = √ ' √ x− + − + ···
π n=0 (2n + 1)n! π 3 10 42

com uma expansão assimptótica (expansão para x grande):


2 ∞ 2 
e−x X e−x

n (2n − 1)!! 1 3 15
erf(x) = 1 − √ (−1) '1− √ 1− 2 + − + ··· ,
x π n=0 (2x2 )n x π 2x (2x2 )2 (2x2 )3

onde (2n − 1)!! representa o produto de todos os naturais ímpares até (2n − 1).

148
10.1. Demonstração Estatística da distribuição de Maxwell-Boltzmann

donde implicam os resultados:


ˆ ∞
r
2 −λv 2 1 π
I2 (λ) = v e dv = ; (10.65a)
0 4 λ3
ˆ ∞
1 2
I3 (λ) = v 3 e−λv dv =
; (10.65b)
0 2λ2
ˆ ∞ r
4 −λv 2 3 π
I4 (λ) = v e dv = ; (10.65c)
0 8 λ5

etc.

Retomando os integrais de interesse, segue que:


ˆ ∞  βm   3/2
2 − 21 βmv 2 2π
N = 4πA v e dv = 4πA I2 =A ; (10.66a)
0 2 βm
ˆ ∞  βm   5/2
1 1 2 3 2π
U = 4πA mv 4 e− 2 βmv dv = 2πAm I4 = mA ; (10.66b)
0 2 2 4π βm
que, quando comparando estas expressões, vem que:
3
U= N, (10.67)

portanto obtemos novamente o resultado para a energia de um gás monoatómico
U = 32 N kB T donde segue, de novo, que
1
β= . (10.18)
kB T
Finalmente, obtemos que
 3/2
m
A=N . (10.68)
2πkB T
Estamos agora em condições de estabelecer qual o número de partículas (molé-
culas) com velocidades compreendidas no intervalo [v, v + dv]. Este número, nv dv,
é dado por:
 3/2
m 2 /2k
nv dv = 4πN v 2 e−mv BT
dv, (10.69)
2πkB T
que corresponde à lei de distribuição de velocidades de Maxwell (1860).
Usando esta distribuição, calculemos a velocidade média:
´∞ m r
n v v dv I3 ( T ) 2kB T
hvi = ´0 ∞
2k B
= m =2 (10.70)
0 nv dv
I2 ( 2kB T ) πm

149
10. Distribuição Canónica de Maxwell-Boltzmann



e a velocidade quadrática média v 2 :
´∞

2 nv v 2 dv I4 ( 2km
BT
) 3kB T
v = ´∞ 0
= m =
0 nv dv
I2 ( 2kB T ) m
r
p 3π
=⇒ hv 2 i = hvi . (10.71)
8
Comparemos estas velocidades com a velocidade mais provável vP que é dada
dnv
pela condição dv = 0:

d  −λv2 2  2 1
0= e v = 2v e−λv (1 − λv 2 ) =⇒ vP = √ ; (10.72)
dv λ
βm
segue que (relembre-se que λ = 2 ):
r s
2kB T 2RT
vP = = ; (10.73a)
m µ
r
2vP 8kB T
hvi = √ = ; (10.73b)
π πm
r r
p 3 3kB T
hv 2 i = vP = . (10.73c)
2 m
Graficamente,

nv

vP hvi p 2 v
hv i

Figura 10.9

Para o gás hidrogénio (µ = 2 g) a 0 o C, a velocidade mais provável é da ordem


de:
vP ' 1, 506 × 103 m/s.

150
10.1. Demonstração Estatística da distribuição de Maxwell-Boltzmann

Note que vP  c de modo que não são necessárias quaisquer correcções relati-
vistas.
Foi necessário mais de meio século para que a lei de distribuição de Maxwell
pudesse ser testada experimentalmente. Para tal, fez-se necessário obter um feixe
molecular (Dunoyer, 1911) e um selector de velocidades (Stern, 1920). A configura-
ção experimental é esquematizada nas Figuras 10.10 e 10.11 tal como feito por El-
dridge (1927).

o
Discos Selectores 60

Forno
Detector

4c
m
Sala do Forno Sala do Feixe

(a) Engenho Experimental (b) Disco Selector

Figura 10.10

Figura 10.11

151
10. Distribuição Canónica de Maxwell-Boltzmann

10.2 Aplicações da distribuição de Maxwell-Boltzmann


Consideremos, nesta secção, algumas das aplicações da distribuição canónica de
Maxwell-Boltzmann.

10.2.1 Número de Colisões das moléculas de um gás com as paredes


do recipiente que o contém

A distribuição de Maxwell permite estimar o número médio de colisões, Nc , das


moléculas de um gás com as paredes do recipiente que o contém. Curiosamente, o
número médio obtido difere daquele estimado através do modelo do gás ideal que
discutimos acima. Neste modelo, consideram-se as moléculas próximas das paredes
e contidas num volume Avi ∆t, sendo A a área da parede, vi a velocidade média
das moléculas na direcção i e ∆t o intervalo de tempo considerado. Neste volume
existem nAvi ∆t moléculas (n = N/V ) e dentre estas apenas uma fracção tem o
vector velocidade orientado de modo a colidir com a parede. Segundo discutido no
nosso modelo do gás ideal, as três direcções de espaço são equiprováveis uma vez que
não existem interacções entre as moléculas e estas podem assim mover-se de igual
modo na direcção da parede ou na direcção oposta. Segue então que no volume
acima considerado, 1/6 das moléculas colide efectivamente com a parede, de modo
que o número de colisões por unidade de tempo e de área é dado por:
1
Nc = n hvi , (10.74)
6
onde se substituiu vi por hvi.
Analisemos então esta questão, levando em conta o facto de que a distribuição
de Boltzmann permite o cálculo exacto do número de partículas que num volume
colidem com as parede do recipiente. Consideremos o eixo Oz perpendicular à parede,
conforme esquematizado na Figura 10.12. O número de moléculas que efectivamente
colidem com a parede por unidade de tempo e de área é dado por:
ˆ
Nc = n vz f (v 2 ) dvx dvy dvz , (10.75)
R3+

v 2 exp(−mv 2 /2kB T )
onde f (v 2 ) = I2 . Assim,
ˆ ∞ ˆ π/2 ˆ 2π
n 2 /2
Nc = v 3 e−βmv dv cos θv sin θv dθv dϕv , (10.76)
4πI2 0 0 0

152
10.2. Aplicações da distribuição de Maxwell-Boltzmann

θ
~v
ϕ
y
x

Figura 10.12

porém de (10.70) obtém-se:

hvi 2π n hvi
Nc = n = , (10.77)
4π 2 4

que difere do resultado (10.74).


Para o ar a 27 o C tem-se hvi ' 5 × 104 cm/s e n = 2, 4 × 1019 cm−3 donde segue
de (10.77) que Nc = 3 × 1023 colisões cm−2 s−1 .

10.2.2 Livre Percurso Médio

Denomina-se livre percurso médio à distância média, `, percorrida por uma


molécula de um gás entre duas colisões. Dado o movimento aleatório das moléculas
num gás, a distância percorrida e o tempo decorrido entre duas colisões são, logica-
mente, aleatórios, mas podem ser estimados uma vez que, a uma dada temperatura, a
velocidade média das moléculas, de massa m, pode ser obtida através da equipartição
de energia:
p 3kB T
vM ≡ hv 2 i = . (10.78)
m

Comecemos por assumir que uma molécula com diâmetro d se move com veloci-
dade vM num gás com densidade n = N/V e que as moléculas restantes se encon-
tram em repouso. Claramente segue que, num intervalo ∆t, a molécula desloca-se
∆x = vM ∆t, colidindo com todas as moléculas cujos centros se encontram a uma
distância menor que o diâmetro d. Neste intervalo, a molécula colidirá com as mo-
léculas que estiverem contidas no cilindro com base πd2 e altura ∆x (Figura 10.13).

153
10. Distribuição Canónica de Maxwell-Boltzmann

∆x = vM ∆t

A = πd2

Figura 10.13

Havendo neste volume Nc = nπd2 ∆x moléculas, ocorrem no intervalo, ∆t, Nc


colisões. O percurso médio entre duas colisões será dado pela razão entre a distância
percorrida ∆x e o número de colisões Nc :
∆x 1
`= = (10.79)
Nc nπd2

O resultado acima deve ser corrigido de um factor 1/ 2 de modo a incluir o movi-
mento relativo das moléculas. Assim,
1
`= √ . (10.80)
n 2πd2
Através do livre percurso médio podemos calcular o tempo médio entre duas
colisões
`
,
∆tc = (10.81)
vM
de modo que o número médio de colisões por unidade de tempo é igual a
1 vM
nc = = . (10.82)
∆tc `
Tomando os valores mencionados acima, temos para o O2 a 27 o C (p = 1 atm, n =
2, 4 × 1019 moléculas cm−2 ), 5 × 109 colisões por segundo, isto é, a molécula sofre uma
colisão a cada 2 × 10−10 segundos (` ' 10−6 m).
Para um gás ideal, obtemos da equação de estado que

p = nkB T (10.83)

donde segue para o livre percurso médio (10.80)


kB T
`= √ , (10.84)
2πd2 p

154
10.2. Aplicações da distribuição de Maxwell-Boltzmann

isto é, o livre percurso médio é directamente proporcional à temperatura (a veloci-


dade média das moléculas aumenta) e inversamente proporcional à pressão (aumento
da densidade).

10.2.3 Distribuição de Moléculas na Atmosfera

Consideremos uma coluna cilíndrica de atmosfera à temperatura T uniforme,


cuja área da base seja A e a altura dh (Figura 10.14) a uma altitude h. As equações
associadas à gravidade são:
GM⊕
kP~ k = mg, ~g = − ~r (R⊕  h)
(R⊕ + h)3

dh
P~

Figura 10.14

Assumindo que a atmosfera não é turbulenta e que h  R⊕ , então a força que


cada uma das moléculas da atmosfera, exerce sobre a área A é dada por −mg, onde
m é a massa de cada molécula e g é a aceleração constante da gravidade. Temos
então que havendo n(h)A dh moléculas na coluna (n(h) = N (h)/V ), logo a diferença
de pressão entre as faces inferior e superior do cilindro é dada por:

dp = −n(h)mg dh. (10.85)

Tratando o ar da atmosfera como um gás ideal, podemos, por meio de (10.83), obter:

dp = kB T dn(h), (10.86)

155
10. Distribuição Canónica de Maxwell-Boltzmann

donde segue que


dn(h) mg
=− dh (10.87)
n(h) kB T
e, por meio de integração,
 
mgh
n(h) = n(0) exp − . (10.88)
kB T

Consequentemente, o número de moléculas por unidade de volume diminue exponen-


cialmente com a altitude. Notemos que, para uma mistura de gases, dada a diferença
entre as massas, a densidade dos gases que constituem o ar não decresce à mesma
taxa, de modo que a grandes altitudes o ar é constituído predominantemente por N2 ,
He, H2 , existindo apenas pequenas quantidades de gás oxigénio O2 .
Da expressão (10.88) concluímos claramente que a probabilidade de se encontrar
uma molécula a uma altitude compreendidos entre h e h + dh é proporcional ao
factor de Boltzmann exp(−βE) (ver eq. (10.28)) onde a energia na questão presente
é exclusivamente potencial gravitacional, isto é, E = V (h). Concluímos também
que em equilíbrio termodinâmico, o maior número de moléculas encontra-se onde a
energia potencial é mínima.
O resultado acima pode ser generalizado para uma força conservativa qualquer,
isto é:
F~ = −∇V (~r ). (10.89)

Considerando como acima, um elemento de volume compreendido entre duas equi-


potenciais separadas por uma distância d~r, então se a área da base for A, a força
total exercida pelas moléculas deste volume é n(~r )F~ (~r ) · Ad~r, de modo que a pressão
sobre a base é dada por:

dp = n(~r )F~ (~r ) · d~r = −n(~r )∇V (~r ) · d~r = −n(~r ) dV (~r ). (10.90)

Adaptando a expressão (10.86) obtém-se

dn(~r ) dV (~r )
=− , (10.91)
n(~r ) kB T

cuja integração resulta


 
V (~r )
n(~r ) = n0 exp − , (10.92)
kB T

156
10.2. Aplicações da distribuição de Maxwell-Boltzmann

onde n0 ≡ n(~r0 ) e ~r0 é uma origem arbitrária. Assim, como acima, a probabilidade
de se encontrar moléculas sob a acção de um campo de forças conservativo, entre ~r
e ~r + d~r é dada por:  
V (~r ) 3
dP (~r ) ∝ exp − d ~r. (10.93)
kB T
Naturalmente, considerando-se também a energia cinética das moléculas obtería-
mos ao invés de (10.93):
 
E(~r, ~v )
dP (~r, ~v ) ∝ exp − d3~r d3~v , (10.94)
kB T
onde
1
E(~r, ~v ) = mv 2 + V (~r ); (10.95)
2
a expressão (10.94) fornece a probabilidade de se encontrar uma molécula entre ~r
e ~r + d~r e velocidade no intervalo [~v , ~v + d~v ]. Notemos que, novamente, o maior
número de moléculas concentram-se nos estados de menor energia.

10.2.4 Teorema de Equipartição da Energia

Comparando os resultados (10.28) e (10.94) concluímos imediatamente que a


constante de proporcionalidade em (10.94) corresponde ao inverso da função de par-
tição Z. Da sua definição, esta função é obtida através da soma sobre todos os
estados do sistema. Para um sistema conservativo cuja energia é dada por (10.95)
temos então: ¨  
E(~r, ~v ) 3 3
Z= exp − d ~r d ~v , (10.96)
R3 ×R3 kB T
e para a probabilidade
e−βE(~r,~v ) 3 3
dP (~r, ~v ) = d ~r d ~v . (10.97)
Z
A expressão (10.97) dá origem ao Teorema de Equipartição de Energia que foi
utilizado no Capítulo 5 no cálculo da energia interna de um gás ideal. O Teorema
tem o seguinte enunciado:

Teorema. Para um sistema cuja energia depende de coordenadas generalizadas qi


(i = 1, . . . , N ) e velocidades generalizadas q̇i (i = 1, . . . , N ) e que se desacoplam da
seguinte forma

E(qi , q̇i ) = αqi2 + γ q̇i2 + Ê(q1 , . . . , qi−1 , qi+1 , . . . , qN ; q̇1 , . . . , q̇i−1 , q̇i+1 , . . . , q̇N ),
(10.98)

157
10. Distribuição Canónica de Maxwell-Boltzmann

o valor médio de cada grau de liberdade quadrático é dado por:



1
αqi2 = kB T ; (10.99)
2

2 1
γ q̇i = kB T. (10.100)
2
Ao invés de demonstrarmos o Teorema na sua generalidade, consideraremos o
importante exemplo de um oscilador harmónico unidimensional de massa m e sujeito
a uma força restauradora −k0 x, sendo k0 a constante elástica. A energia do oscilador
é dada por
1 1
E(x, vx ) = mvx2 + k0 x2 , (10.101)
2 2
que é da forma de (10.98) (Ê = 0).
Temos, para a energia cinética média:
  ´∞ ´∞ 1 2 −βE(x,vx ) dx dv
1 2 mvx e x
mvx = −∞
2 ´ ∞−∞´∞
2 −βE(x,v )
−∞ −∞ e
x dx dv
x

´∞ h 2
i ´∞ h i(
2 exp − βmvx dv x2 (
(
v x exp (βk
− (0( dx
1 −∞ x 2 (−∞ (( (
h 2
i(
h i ´∞
(
= m ´ 2 βk x2 (
(
2 ∞ βmvx exp − 0(
dx
−∞ exp − 2 dvx ( ( (
(−∞
(( ( 2

e, usando os integrais (10.62) e (10.65a):


 
1 2 1 2I2 1 2 1 1
mvx = m = m = = kB T. (10.102)
2 2 2I0 2 2βm 2β 2
Procedendo de forma análoga para a energia potencial média:
  ´∞ ´∞ 1 2 −βE(x,vx ) dx dv
1 2 k0 x e x
k0 x = −∞´ ∞−∞´ ∞
2
−βE(x,v )
2 −∞ −∞ e
x dx dv
x

´∞ h i ´ h i (
2 ((
x 2 exp − βk0 x2 dx ∞ exp(− (βmv
(( x
dvx
1 −∞ 2 (−∞ ( ( 2
= m ´ h i ´
(
h 2
i((

(
2 ∞ βk0 x2
((−
exp (βmv
(( x
dvx
−∞ exp − 2 dx (−∞
(( 2

1 2I2 1 2 1 1
= k0 = k0 = = kB T. (10.103)
2 2I0 2 2βk0 2β 2
Consequentemente, a energia média do oscilador é

hEi = kB T, (10.104)

que é igualmente distribuída entre a energia cinética e a potencial.

158
10.2. Aplicações da distribuição de Maxwell-Boltzmann

10.2.5 Paramagnetismo

Paramagnetismo é a propriedade de certas substâncias apresentarem uma mag-


netização aquando da presença de um campo magnético externo. Tal propriedade é
devida à existência, a nível microscópico, de dipolos magnéticos permanentes, resul-
tantes do movimento electrónico orbital ou do momento angular intrínseco (spin) dos
~ = ~0. Assumindo
electrões que, em geral, estão orientados ao acaso resultando que M
que os magnetos atómicos, de momento magnético µ~ , se alinham paralelamente ou
~ (Figura 10.15), a
antiparalelamente na presença de um campo magnético exterior B
energia magnética é dada por
Em = −~ ~
µ · B. (10.105)

~
B ... ... ~ 6= 0
M

Figura 10.15

Assim, na presença do campo magnético externo, tem-se dois níveis possíveis de


energia:

E0 = −µB (10.106a)
E1 = µB (10.106b)

e, considerando que um átomo esteja em equilíbrio termodinâmico à temperatura T ,


segue para a função de partição:
   
µB µB
Z = exp + exp − . (10.107)
kB T kB T

Consequentemente, a probabilidade do magneto elementar se encontrar paralelo ao


campo magnético é dada por:
 
µB
exp kB T
P0 = , (10.108a)
Z
e, na direcção oposta à do campo magnético aplicado
 
exp − kµB
BT
P1 = . (10.108b)
Z

159
10. Distribuição Canónica de Maxwell-Boltzmann

A magnetização observável de um átomo corresponde à magnetização média

n
X  
µB
hµi = Pi µi = P0 µ − P1 µ = µ tanh . (10.109)
kB T
i=0

Considerando agora N átomos:


 
µB
M = N hµi = N µ tanh . (10.110)
kB T

A equação (10.110) reproduz a lei de Curie para as substâncias paramagnéticas,


segundo a qual, a altas temperaturas e mantendo-se o campo magnético constante,
a magnetização é inversamente proporcional à temperatura. De facto, tomando
em (10.110) o limite de grande T , mantendo B constante, tem-sek (Figura 10.16):

N µ2 B
M∼ . (10.111)
kB T

No limite T → 0 ou B → ∞, M → N µ, ou seja, todos os magnetos estão


paralelos ao campo magnético aplicado.

M

µB
kB T

Figura 10.16

k
Relembre-se que:

ex − e−x
   
1 + x − (1 − x)
lim tanh x = lim = lim = lim x = 0
x→0 x→0 ex + e−x x→0 1 + x + (1 − x) x→0

lim tanh x = 1
x→∞

160
10.3. Entropia, Informação e o Demónio de Maxwell

10.3 Entropia, Informação e o Demónio de Maxwell

Procuremos, nesta secção, estabelecer a relação entre entropia e informação e


discutir a forma segundo a qual esta relação permite obter uma solução satisfatória
para o paradoxo de Maxwell, concretamente a uma possível violação do Segundo
Princípio da Termodinâmica.
Comecemos por introduzir a definição de informação. Entende-se por informa-
ção as instruções necessárias para a construção de um dado sistema. Se o sistema
puder ser realizado de N maneiras diferentes e cada uma destas maneiras tiver uma
probabilidade Pi (i = 1, . . . , N ), segundo C. Shannon; Weaver (1949), a informação
contida no sistema define-se como:
N
X
I = −KI Pj ln Pj ; (10.112)
j=1

onde, obviamente,
N
X
Pj = 1. (10.113)
j=1

O máximo de conteúdo informacional é obtido no caso de equiprobabilidade, isto é,


1
quando Pj = N ∀j, donde segue que

I = KI ln N. (10.114)

A constante KI é arbitrária e pode ser fixada. É habitual tomar-se KI = 1/ ln 2 de


modo que
I = log2 N ; (10.115)

a informação é assim medida em bits. Note-se a semelhança da definição (10.114)


com a expressão de Boltzmann (10.4).
A teoria de informação é particularmente importante na transmissão e codificação
de mensagens. Supondo que palavras são escritas por meio de uma sucessão de n
zeros e uns, então o número de mensagens possíveis é dado por:

N = 2n , (10.116)

sendo n o número de bits de informação.

161
10. Distribuição Canónica de Maxwell-Boltzmann

A transmissão da palavra pode ser fiel, isto é, sem erros e, neste caso, a infor-
mação mantém-se ou pode envolver um erro de um ou mais símbolos. Em geral, no
processo de transmissão há sempre perda de informação. Notemos que na Mecânica
Estatística, a situação é análoga. O número de casos, N ; corresponde ao número de
microestados Ω na equação (10.4). Notemos que uma restrição do número possível
de microestados devido a informação conhecida acerca do sistema implica numa di-
minuição da entropia. Esta relação entre o conteúdo informacional e a diminuição
de entropia sugere a identificação:

Informação ⇔ «Neguentropia» (10.117)

Em qualquer processo no qual energia cinética ou trabalho são dissipados devido


ao atrito, viscosidade, inelasticidade, etc., o movimento desordenado das moléculas
é aumentado. Quando substâncias diversas são misturadas, dissolvidas ou difundi-
das umas nas outras, o resultado final consiste num estado mais desarranjado das
moléculas. Metais enferrujam, construções decaem, madeira apodrece e pessoas en-
velhecem. Assim, todos os processos envolvem uma passagem de um estado mais
organizado a outro com menor organização. Esta transição corresponde ao cresci-
mento da entropia de modo a que o número de microestados Ω seja uma medida da
desordem:
S1 − S0 = kB ln Ω > 0.

Contudo, o número de maneiras segundo a qual um dado microestado é atingido


pode ser interpretado por meio do conceito de informação. Tal ocorre uma vez que
quanto menor for o número de possibilidades de se chegar a uma dada situação,
maior é a informação que temos da situação em questão.
Uma expressão conveniente para a informação transmitida quando o número de
possibilidades é reduzido de Ω0 a Ω1 é (KI = kB ):
 
Ω0
I = kB ln , (10.118)
Ω1
pelo que, quanto maior a redução de possibilidades, maior a informação e, desde que
S = kB ln Ω, segue que
I = S0 − S1 (10.119a)

ou
S1 = S0 − I, (10.119b)

162
10.3. Entropia, Informação e o Demónio de Maxwell

ou seja, a entropia de um sistema é reduzida pela quantidade de informação acerca


do estado do sistema. Segundo Brillouin (1932):

A entropia mede a falta de informação do exacto estado de um sistema.

A relação entre entropia e informação pode ser utilizada na resolução do problema


envolvendo o famoso demónio de Maxwell. Maxwell idealizou uma criatura capaz de
induzir a transição de um estado desordenado a um mais ordenado, violando assim a
Segunda Lei da Termodinâmica. O demónio é colocado junto a uma porta separando
dois compartimentos de um recipiente contendo um gás. Por exemplo, a criatura
poderia, controlando a porta, permitir apenas a passagem de moléculas rápidas para
um dos compartimentos, de modo a separá-las das moléculas mais lentas que se
acumulariam no outro compartimento. Brillouin argumentou que, por exemplo, o
demónio não poderia ver as moléculas uma vez que ele estaria imerso na radiação do
corpo negro sendo o meio, portanto, opaco. Contudo, podemos imaginar construções
onde o demónio, dotado de tecnologia, poderia levar a cabo a tarefa de separar as
moléculas rápidas das moléculas lentas. A criatura, contudo, não pode violar a
Segunda Lei, uma vez que, para tal, ela teria que armazenar informação acerca das
velocidades das moléculas numa memória (banda magnética). Esta informação teria
de ser destruída finalmente (excepto se a sua memória fosse infinita) aumentando
assim a entropia. Assim, qualquer que seja o processo utilizado pelo demónio, a
entropia total aumenta sempre. Esta é a solução apresentada por Leó Szilárd em
1929.

163
Capítulo 11

Transmissão de Energia Térmica

A transmissão de energia térmica faz-se sob a forma de calor de três formas


distintas, nomeadamente:

1) Convecção;

2) Condução;

3) Radiação.

As primeiras duas formas de transmissão exigem a presença de um meio mate-


rial em oposição à radiação que permite, por meio de ondas electromagnéticas, a
transmissão de energia no vácuo.

11.1 Convecção
Denomina-se convecção à transmissão de energia entre as partes de um fluido
aquecido desigualmente, envolvendo, como resultado, o movimento relativo das partes
do fluido. Segundo sejam as causas do movimento do fluido distinguem-se dois tipos
de termotransferência, a saber:

(i) Convecção livre quando o fluido move-se por acção da gravidade e, como resul-
tado da heterogeneidade das densidades das partes do fluido que se encontra
desigualmente aquecido. Este é o processo responsável pela transmissão da
energia do centro das estrelas (que tem origem na fusão nuclear) para a super-
fície destas, onde a energia é, então, radiada. A convecção livre está também

165
11. Transmissão de Energia Térmica

na origem da circulação ascendente e descendente do ar na atmosfera, assim


como em ambientes fechados;

(ii) Convecção forçada quando o movimento relativo das partes do fluido deve-se à
acção de bombas, ventiladores, etc.

O tratamento matemático da convecção exige a introdução de ideias da Mecânica


de Fluidos, que serão também úteis no estudo da Condução. Assim, passemos a uma
discussão superficial das primeiras ideias da mecânica dos fluidos.
O método fundamental da Mecânica de Fluidos é o Método de Euler, que consiste
na descrição de fenómenos num elemento de fluido no referencial que se move com o
fluido (referencial co-móvel). Considerando um volume V de fluido, então a variação
no tempo de uma grandeza X(~r, t) por unidade de volume em V é dada pelo fluxo
desta grandeza através da superfície S que envolve V (Figura 11.1)

V
X(~r, t)

S
~j = X~v

Figura 11.1

O fluxo de X(~r, t) através da superfície S é dado por

~j = X~v , (11.1)

onde ~v é a velocidade de escoamento de X(~r, t). Temos então a equação integral de


balanço ou de continuidade
˚ ‹
∂X ~
~j · dS,
(~r, t) dV = − (11.2)
V ∂t S
e, por meio do Teorema de Gauss∗ ,
˚  
∂X
+ ∇ · ~j dV = 0; (11.3)
V ∂t
finalmente, dada a arbitrariedade do volume V :
∂X 
(~r, t) + ∇ · X(~r, t)~v = 0. (11.4)
∂t

Ver Apêndice A para uma breve descrição das ideias e teoremas de Análise Vectorial.

166
11.1. Convecção

A equação (11.4) representa a conservação da grandeza X, assim como a sua


variação caso o membro direito da equação não se anule. À variação de X(~r, t)
segundo (11.4) denomina-se derivada convectiva quando ∇ · ~v = 0† :

DX ∂X
≡ + ~v · ∇X. (11.5)
Dt ∂t
A equação de conservação da massa pode ser imediatamente deduzida da equa-
ção (11.4) fazendo X(~r, t) = ρ(~r, t):

∂ρ 
(~r, t) + ∇ · ρ(~r, t)~v = 0. (11.6)
∂t
Um fluido é dito incompressível quando a derivada convectiva de ρ(~r, t) anula-se
e, consequentemente:
∇ · ~v = 0, (11.7)

segue então para a equação de continuidade (11.6):

∂ρ
(~r, t) + ~v · ∇ρ(~r, t) = 0. (11.8)
∂t
Um fluido diz-se viscoso quando a um deslocamento ~v que é a este imposto,
houver uma força restauradora líquida dada para um fluido incompressível por‡ :

F~ = ξ∇2~v , (11.9)

onde ξ é o coeficiente de viscosidade dinâmica.


Ao estudar o fluxo de fluidos através de tubos, Reynolds notou, em 1883, que o
movimento de um turbilhão de tamanho L, velocidade v, densidade ρ e viscosidade
ξ era atenuado quando a combinação adimensional, hoje denominada número de
Reynolds,
Lvρ
Re ≡ , (11.10)
ξ
fosse menor que a unidade para gases e menor que 2000 para líquidos. Neste regime,
diz-se então que o fluido se encontra em regime laminar ou não-turbulento.
Para estudarmos a convecção devemos considerar a equação de Euler (1757a;
1757b) que corresponde à equação de movimento de um elemento de fluido de den-
sidade ρ e velocidade ~v , sujeito a uma força externa F~ por unidade de volume e a
† ~ = f∇ · A
∇ · (f A) ~+A ~ · ∇f

∇2~v ≡ (∇2 vx ) ~ex + (∇2 vy ) ~ey + (∇2 vz ) ~ez

167
11. Transmissão de Energia Térmica

um gradiente de pressão ∇p. Tomando a derivada convectiva do momento linear,


assumindo que o fluido é não-viscoso e se encontra em regime laminar, temos, na
presença de viscosidade, a chamada equação de Navier (1822) e Stokes (1845):
 
D~v ∂~v 
ρ =ρ + ~v · ∇ ~v = F~ − ∇p. (11.11)
Dt ∂t
Se a força externa for devida à gravidade, então:

F~ = −ρ∇VG (~r ) = −ρ~g , (11.12)

onde VG (~r ) é o potencial gravitacional correspondente à solução da equação de Pois-


son:
∇2 VG (~r ) = 4πGρ(~r ) (11.13)
e ~g a aceleração da gravidade que satisfaz ∇ · ~g = −4πGρ (Lei de Gauss-Newton).
Na ausência de convecção não há movimento de matéria e consequentemente a
temperatura do fluido ou gás não será uniforme. Quando houver algum movimento
convectivo, surgirão correntes que tendem a misturar o fluido e homogeneizar a sua
temperatura. Na primeira situação tem-se equilíbrio mecânico implicando de (11.11)
que
F~ = ∇p = −ρ~g . (11.14)
Schwarzschild (1906) sugeriu que, num contexto astrofísico, numa esfera de gás ideal
de raio r, convecção ocorreria, na ausência de viscosidade, se a condição entre o
gradiente estrutural da temperatura do gás (este exclusivamente radial) e o gradiente
adiabático de temperatura
   
dT dT
> (11.15)
dr str dr adiab.
fosse satisfeita. O gradiente adiabático de temperatura pode ser obtido através da
relação (6.43c)    
dT T 1 dp
= 1− , (11.16)
dr adiab. p γ dr
e finalmente das equações (7.38), (10.83) e (11.14):
 
dT k~g k
= −µ , (11.17)
dr adiab. Cp
onde µ é a massa molecular do gás.
Uma condição mais geral que (11.15) é (Lang 1978):
   
dT k~g k T ∂V
> −µ . (11.18)
dr str Cp V ∂T p

168
11.2. Condução

11.2 Condução
Na Condução de calor acontece a transmissão de energia entre corpos em contacto
a temperaturas diferentes e, contrariamente à convecção, não há transporte global de
matéria entre os corpos. Incidentalmente foi este transporte de matéria que induziu
a ideia equivocada de que o calor era uma substância, o «calório».
A Lei de Condução de Calor foi estabelecida por Fourier em 1808:

O fluxo de calor (calor por unidade de área), ~q, é proporcional ao gradiente de


temperatura.

Matematicamente,
~q = −κ∇T (~r, t), (11.19)

onde o vector densidade de corrente de calor ~q ou fluxo de calor por unidade de área
é definido num meio com calor específico, c, num volume, V , encerrado por uma
superfície S como
Q
~q = ~v , (11.20)
V
sendo Q o calor escoado através de S com velocidade ~v . O coeficiente κ em (11.19)
é denominado coeficiente de condutividade térmica e

[κ] = cal cm−1 s−1 o C−1 = W m−1 K−1 . (11.21)

Na tabela 11.1 mostramos a condutividade térmica de vários materiais.

Material κ (W m−1 K−1 )


Prata 420
Cobre 420
Vidro 0,8
Água 0,59
Madeira 0,08
Ar 0,024

Tabela 11.1

Consideremos agora o balanço de energia em V . Se houver, no interior de V , uma


fonte de calor F(~r ) por unidade de tempo, então o calor em V durante o intervalo

169
11. Transmissão de Energia Térmica

de tempo ∆t é dado por:


 ‹ ˚ 
Q= − ~+
~q · dS F(~r ) dV ∆t, (11.22)
S V

porém, por meio da relação fundamental da calorimetria (integral da eq. (6.32)):


˚
Q= cρ(~r )∆T (~r, t) dV, (11.23)
V

onde, como indicámos acima, c é o calor específico do corpo em questão (a pressão


ou volume constante), ρ(~r ) a sua densidade e ∆T (~r, t) a variação da temperatura.
Temos então,
‹ ˚  
~= ∆T (~r, t)
− ~q · dS cρ(~r ) − F(~r ) dV, (11.24)
S V ∆t

e, por meio do Teorema de Gauss,


˚  
∆T (~r, t)
∇ · ~q + cρ(~r ) − F(~r ) dV = 0. (11.25)
V ∆t

Finalmente, tomando o limite ∆t → 0 e introduzindo a Lei de Condução de Fou-


rier (11.19) obtemos, dada a arbitrariedade na escolha do volume V , a equação de
Condução do Calor:
∂T
χ∇2 T (~r, t) + aF(~r ) = (~r, t), (11.26)
∂t
onde,
κ
χ≡ ([χ] = cm2 s−1 ); (11.27a)

1
a≡ ([a] = cm3 o C cal−1 ); (11.27b)

o coeficiente χ é denominado coeficiente de difusibilidade térmica.
Note-se que a equação (11.26) poderia ser deduzida para um referencial co-móvel
de Euler através da derivada convectiva (11.5) tomando X(~r, t) = Etérmica (~r, t) ∝
T (~r, t) e, assumindo que o material é incompressível (eq. (11.7)):

∂T
χ∇2 T (~r, t) + ~v · ∇T (~r, t) = (~r, t) − aF(~r ), (11.28)
∂t
que se reduz à versão de Lagrange (11.26) quando o fluido estiver em repouso.
Consideremos o exemplo bastante familiar de uma barra condutora, de compri-
mento L, cujas extremidades se encontram em contacto térmico com fontes de calor

170
11.3. Radiação

a temperaturas T1 e T2 (T1 > T2 ). Na ausência de fontes ao longo da barra e numa


situação estacionária:
∂T
= 0, (11.29)
∂t
donde segue da equação (11.26) que

dT
(x) = A (11.30)
dx

e
T (x) = Ax + B, (11.31)

onde A e B são constantes. Impondo as condições de contorno,

T (0) = B = T1 (11.32a)
T2 − T1
T (L) = AL + T1 = T2 =⇒ A = (11.32b)
L

temos, finalmente,
T2 − T1
T (x) = x + T1 , (11.33)
L
ou seja, a temperatura decresce linearmente ao longo da barra.

11.3 Radiação

A transmissão de energia térmica por radiação consiste na transmissão por meio


de ondas electromagnéticas que se propagam no vácuo. A emissão de ondas elec-
tromagnéticas têm origem nas oscilações de cargas eléctricas e estas, naturalmente,
dependem da temperatura do corpo emissor. Claramente, dada a reversibilidade do
electromagnetismo, corpos emissores são também receptores de radiação electromag-
nética.
As propriedades genéricas da energia emitida radiativamente por um corpo são
as seguintes:

(i) Para um dado corpo, o poder de absorção, aλ , de radiação de um corpo a um


dado comprimento de onda e o seu poder de reflexão, rλ , são, quando somados,
igual a um:
aλ + rλ = 1. (11.34)

171
11. Transmissão de Energia Térmica

Tal lei reflecte claramente a conservação da energia incidente, Iλ , sobre um


corpo que é parcialmente absorvida e reflectida, ou seja:

Aλ + Rλ = Iλ . (11.35)

Assim, definindo o poder absorção e o poder de reflexão como


aλ ≡ ; (11.36a)


rλ ≡ , (11.36b)

obtém-se (11.34). Designa-se por corpo negro aquele para o qual aλ = 1 e


rλ = 0.

(ii) Lei de Kirchhoff (1860): A razão entre o poder emissivo, eλ , de um corpo, isto
é, entre a sua capacidade de radiar a um comprimento de onda λ, e o seu poder
de absorção depende exclusivamente da temperatura do corpo e não da sua
natureza:

= f (T ). (11.37)

Veremos posteriormente que f (T ) ∝ T 4 .

(iii) O espectro da energia radiada por um corpo por unidade de tempo e a potência
emitida ou intensidade I(T, λ) depende da temperatura T e do comprimento
de onda λ da radiação emitida segundo a Figura 11.2.

I(T, λ)

T3

T2

T1

(3) (2) (1) λ


λmax λmax λmax

Figura 11.2

172
11.3. Radiação

Observa-se também a relação entre temperaturas e o comprimento de onda


correspondente ao máximo do espectro, λmax :

T3 > T2 > T1 ;
(11.38)
(3) (2) (1)
λmax < λmax < λmax .

Assim a cor de um corpo que corresponde ao comprimento de onda associado ao


máximo do respectivo espectro depende da temperatura, seja este corpo uma
fornalha ou uma estrela.

Crédito: Richard Powel


(http://www.atlasoftheuniverse.com/hr.html)

Figura 11.3

173
11. Transmissão de Energia Térmica

(iv) Lei do deslocamento de Wien (1893a; 1893b): O comprimento de onda corres-


ponde à intensidade máxima do espectro de um corpo, λmax , é inversamente
proporcional à sua temperatura:
B
λmax = , (11.39)
T
que é consistente com (11.38). A constante de proporcionalidade B vale:

B ' 2, 898 × 10−3 m K. (11.40)

O Sol é uma estrela do tipo espectral G2 que se encontra na sequência principal


do diagrama do Hertzsprung-Russel§ (Figura 11.3) e que emite predominante-
mente na região do visível (amarelo-laranja) de modo que

λmax ' 5, 7 × 10−7 m (11.41)

e, consequentemente, a sua temperatura superficial é da ordem de

T ' 5000 K. (11.42)

(v) Lei de Stefan (1879): A energia radiada por um corpo através da sua superfície
A, é proporcional à quarta potência da sua temperatura:

Wrad = eσAT 4 , (11.43)

onde σ é a constante de Stefan-Boltzmann, σ ' 5, 670 × 10−4 W m−2 K−4 (ver


eq. (11.79)).
§
O diagrama Hertzsprung-Russel (H-R) consiste num gráfico de luminosidade–temperatura su-
perficial (tipo espectral) das estrelas. As estrelas que se encontram num período evolutivo estável,
mantêm em equilíbrio a pressão de radiação gerada nas reacções termonucleares e a atracção gravita-
cional e jazem numa linha do diagrama H-R, denominada Sequência Principal (Figura 11.3). Sendo
M a massa de uma dada estrela da Sequência Principal, a luminosidade e temperatura superficial
satisfazem aproximadamente ao ajuste:

L ∝ M 3,4 ,
T ∝ M 0,5 .

A taxa de consumo de hidrogénio determina a evolução de uma estrela e esta evolução corresponde
a uma trajectória no diagrama H-R. Assim, a Sequência Principal divide a evolução das Gigantes
Vermelhas dilatadas pelo arrefecimento da estrela, da evolução das Anãs Brancas que se contrariam
após o consumo de certa percentagem do seu hidrogénio, aquecendo-se neste processo.

174
11.3. Radiação

O poder emissivo e, ou parâmetro de emissividade é tal que

0 ≤ e ≤ 1, (11.44)

traduzindo deste modo a dependência na natureza da superfície. Superfícies


completamente reflectoras têm e = a = 0 e r = 1. Uma superfície negra tem
e = a = 1, isto é, um corpo nestas condições apenas emite e absorve.

Dois corpos, quando em equilíbrio térmico radiativo, estão naturalmente à


mesma temperatura e consequentemente a energia emitida por um corpo é
igual à energia absorvida pelo outro. Segue que a energia absorvida há-de ser
dada pela mesma expressão que a da energia emitida:

Wabs = eσAT 4 . (11.45)

11.3.1 Considerações teóricas

As leis de Stefan ou Stefan-Boltzmann e de Wien emergem de considerações


termodinâmicas envolvendo a radiação electromagnética.
Sabemos que o campo electromagnético é descrito pelas equações de Maxwell
(descritas num meio com densidade de carga, ρc e densidade de corrente, J~c = ρc~v ):

~ = ρc
∇·D (11.46)
~ =0
∇·B (11.47)
~
~ + ∂B = 0
∇×E (11.48)
∂t
~
~ = J~c + ∂ D ,
∇×H (11.49)
∂t
junto das equações constitutivas¶

~ ≡ ε0 E
D ~ + P~ (11.50)
~ ≡ 1B
H ~ −M ~. (11.51)
µ0

175
11. Transmissão de Energia Térmica

Para meios isotrópicos e lineares (não ferromagnéticos)

~
P~ = ε0 χe E, (11.53)
M ~
~ = χm H, (11.54)

segue que

~ = εE,
D ~ ε = ε0 (1 + χe ) (11.55)
~ = µH,
B ~ µ = µ0 (1 + χm ) (11.56)

Considerando cargas e correntes nulas (ρc = 0; J~c = 0) temos:

~ =0
∇·D (11.57)
~ =0
∇·B (11.58)
~
~ + ∂B = 0
∇×E (11.59)
∂t
~
~ = ∂D ,
∇×H (11.60)
∂t
Tomando por exemplo o rotacional da equação (11.59) e usando as equações (11.55)
e (11.57), obtemos
∂ 2~
~ = −µ
∇×∇×E ~ = −µε ∂ E
∇×H
∂t ∂t2
~ = ∇(∇ · E)
∇×∇×E ~ − ∇2 E
~ = −∇2 E
~

logo
∂2E~
~ − µε
∇2 E = 0; (11.61)
∂t2


Além destas expressões, é possível retirar de (11.46) e (11.49) a equação de continuidade para
as densidades de carga e corrente:
∂ρc
∇ · J~c + = 0. (11.52)
∂t
Integrando esta equação num volume V:
˚ ‹
d
ρc dV = J~c · ~n dS
dt V S=∂V

onde encontramos a definição de carga e de corrente total em V


˚
dQ
Q= ρc dV, i = , e J~c = ρc ~v .
V dt

176
11.3. Radiação

tomando o rotacional da equação (11.60) e usando as equações (11.56) e (11.58),


temos
~
∂2H
~ − µε
∇2 H = 0; (11.62)
∂t2
~ e B:
e, para D ~

~
∂2D
~ − µε
∇2 D = 0; (11.63)
∂t2
2~
~ − µε ∂ B = 0.
∇2 B (11.64)
∂t2

Estas equações descrevem a propagação de ondas planas electromagnéticas à velo-


cidade da luz no meio v = √1 (o índice de refracção do meio é dado por n = c/v
µε

onde c = 1/ µ0 ε0 ).
As equações de onda admitem soluções do tipo onda plana:

E ~ 0 ei(ωt−~k·~r)
~ =E (11.65)
~ =B
~ 0e i(ωt−~k·~
r)
B (11.66)

donde resulta a relação de dispersão

ω
k~kk = ; (11.67)
v

e das equações (11.57) e (11.58), a transversalidade das ondas electromagnéticas


(Figura 11.4)

~ = 0 =⇒ ~k · E
~ =∇·B
∇·E ~ = ~k · B
~ = 0 =⇒ ~k ⊥ E
~ e ~k ⊥ B.
~ (11.68)

~
E

~k
~
B

Figura 11.4

177
11. Transmissão de Energia Térmica

Pode-se mostrar que a energia do campo electromagnético por unidade de volume


é dada por (ver Ref. [6])
1~ ~ 1~ ~
Eem = Ee + Em = D ·E+ B·H (11.69)
2 2
e que a variação desta quantidade é dada pela equação
dEem ~ × H)
~ −E
~ · J~c ,
= −∇ · (E (11.70)
dt
onde temos o vector de Poynting, S~ = E
~ ×H ~ e, na forma integral,
˚ ‹ ˚
d ~ ~ · J~c dV.
Eem dV = − S · ~n dS − E (11.71)
dt V S V

Diminuição da Fluxo de Potência


Energia em V Energia para dissipada por
o exterior efeito Joule no
interior de V

A demonstração termodinâmica da lei de Stefan-Boltzmann baseia-se na exis-


tência da pressão da radiação electromagnética. Sob o ponto de vista clássico, esta
pressão deve-se à transmissão de momento linear devido ao vector de Poynting.
Imaginemos radiação contida num recipiente com um êmbolo; pode-se mostrar que
o campo de radiação exerce sobre o êmbolo uma pressão dada por:
1
pem = Eem . (11.72)
3
O cálculo desta pressão é semelhante ao cálculo da pressão que um gás exerce nas
paredes que o contêm.
Sob o ponto de vista quântico, um quantum luminoso tem energia hν e o momento
linear a este associado é dado por hν/c. A pressão exercida é igual ao do caso clássico.
Usando agora a Primeira e Segunda Leis da Termodinâmica combinadas,

T dS = dU + p dV, (7.29)

e com U = V Eem , Eem = Eem (T ), segue


dEem 1
T dS = Eem dV + V dT + Eem dV
dT 3
dEem 4
T dS = V dT + Eem dV. (11.73)
dT 3

178
11.3. Radiação

Consequentemente, se S = S(V, T ),
   
∂S ∂S
dS = dV + dT (11.74)
∂V T ∂T V
donde segue que
 
∂S 4 Eem
= (11.75a)
∂V T 3 T
 
∂S V dEem
= (11.75b)
∂T V T dT
e, portanto    
∂2S ∂ V dEem ∂ 4 Eem
= = (11.76)
∂V ∂T ∂V T dT ∂T 3 T
ou  
1 dEem 4 1 dEem Eem
= − 2 . (11.77)
T dT 3 T dT T
Resolvendo agora esta equação tem-se que
ˆ ˆ
dEem dT
=4 + C =⇒ Eem = σ̂T 4 , (11.78)
Eem T
onde σ̂ é uma constante relacionada com σ (Eq. (11.43))
O tratamento de Planck para a radiação do corpo negro permitirá, como será
visto, determinar a constante de Stefan-Boltzmann (Eq. (11.43)):
π 2 kB
4
σ= ' 5, 670374419 × 10−8 W m−2 K−4 . (11.79)
60~3 c2
A lei do deslocamento de Wien pode ser demonstrada considerando-se o efeito
Doppler, a pressão exercida pela radiação num espelho móvel hipotético e considera-
ções termodinâmicas. Wien (1893) mostrou que a distribuição espectral da densidade
de energia da radiação electromagnética contida numa cavidade é dada pela equação:

ν 
I(ν, T ) = ν 3 F , (11.80)
T
onde F é uma função da razão ν/T .
É interessante notar que a lei de Stefan-Boltzmann é consequência da lei de Wien.
Para compreender esta relação, integremos I(ν, T ) sobre todas as frequências,
ˆ ∞ ˆ ∞ ν 
Eem Wem
= = I(ν, T ) dν = ν3 F dν, (11.81)
γ eA 0 0 T
onde tomámos γ uma constante. Fazendo x = ν/T e usando x como variável de
integração, obtemos

179
11. Transmissão de Energia Térmica

ˆ ∞
Eem Wem
= = T4 x3 F (x) dx. (11.82)
γ eA 0

Constante independente de T

Passemos à discussão da lei de deslocamento de Wien. Até agora evidenciámos a


distribuição de energia I(ν, T ) no intervalo de frequência dν. Contudo, a lei do deslo-
camento refere-se à intensidade em função do comprimento de onda λ. A conversão
de Iν para Iλ faz-se usando a relação

c = λν, (11.83)

de modo que:
I(ν, T ) dν = I(λ, T ) dλ (11.84)

e
|dν| |dλ|
= . (11.85)
ν λ
Introduzindo na lei de Wien a eq. (11.80):

I(ν, T ) dν ν ν4  ν  c4  c 
I(λ, T ) = = I(ν, T ) = F = 5F . (11.86)
dλ λ λ T λ λT
Busquemos agora o máximo de I(λ, T ) visando obter a lei do deslocamento:
  c   
dI c4 5  c  c dF
(λ, T ) = 5 − F − 2 F0 =0 F0 = (11.87)
dλ λ λ λT λ T λT dλ

isto é    
c c 0 c
5F + F = 0, (11.88)
λmax T λmax T λmax T
naturalmente a solução completa da equação diferencial acima exige o conhecimento
de F (x) (x ≡ c/λT ); é, no entanto, fácil notar que o produto λmax T = const. é uma
solução de (11.88). Obtemos então a lei do deslocamento.
A determinação da função F (c/λT ) não pode ser feita por argumentos exclusi-
vamente termodinâmicos. Faz-se necessário portanto, lançar-se mão de um modelo.
Naturalmente, espera-se que a forma da função F (c/λT ) seja independente do mo-
delo adoptado. O modelo em causa é aquele que descreve as propriedades de emissão
de radiação de um corpo negro uma vez que este é o melhor emissor e que pode ser

180
11.3. Radiação

visto como uma cavidade metálica contendo radiação electromagnética em equilíbrio


com uma pequena abertura. Vimos que a densidade de energia por unidade de tempo
e de área é dada pelo vector de Poynting e este será relacionado com a densidade de
energia da radiação electromagnética através da relação:

~
cEem~n = S, (11.89)

onde ~n é o versor normal à propagação. Tendo a radiação um espectro contínuo,


vimos que ˆ ˆ
∞ ∞
Eem = γ I(ν, T ) dν = u(ν, T ) dν. (11.90)
0 0

No caso do corpo negro, o fluxo de energia I(ν, T ) para o exterior de uma cavidade
será dado pela componente do vector de Poynting normal à abertura (área ~a unitária).
Como a radiação na cavidade é isotrópica, esta sai para o exterior com ângulos
no intervalo 0 < θ < π/2. Consequentemente, devemos considerar a média da
radiação emitida em todas as direcções e calcular a quantidade emitida no intervalo
0 < θ < π/2. Temos então:
ˆ ∞ ˆ 2π ˆ π/2
1
I(ν, T ) dν = S~ · ~a sin θ dθdϕ; (11.91)
0 4π 0 0

ˆ ∞ ˆ 2π ˆ π/2
c
I(ν, T ) dT = sin θ cos θ Eem dθdϕ;
4π 0
0
ˆ ∞ 0 ˆ
c 1 c ∞
= u(ν, T ) dν × 2π × = uν dν, (11.92)
4π 0 2 4 0

logo
c
I(ν, T ) = u(ν, T ). (11.93)
4
O cálculo de u(ν, T ) assume que a radiação consiste de osciladores harmónicos
elementares. Consequentemente, a energia radiada é dada pelo produto do número de
modos de oscilação pela energia média de um oscilador em equilíbrio à temperatura
T:
4πν 2
u(ν, T ) = 2 × hEi , (11.94)
c3
n.o de modos
radiação elect. transversal ' 2 − dim oscil. harmónico

181
11. Transmissão de Energia Térmica

contudo vimos que hEi = kB T , obtemos então a distribuição da radiação de Rayleigh-


-Jeans (1900, 1909):
8πν 2
u(ν, T ) = kB T. (11.95)
c3
Este resultado comparado com a lei de Wien implica que
2π K
FR-J (x) = , (11.96)
c2 x
onde x = ν/T .
Experimentalmente a lei de Rayleigh-Jeans descreve com precisão o espectro da
radiação para pequenas frequências, contudo o comportamento a grandes frequências
é incorrecto. Uma dificuldade óbvia desta distribuição é que ela não é capaz de
reproduzir a lei de Stefan-Boltzmann uma vez que o integral
ˆ ∞
u(ν, T ) dν (11.97)
0

claramente diverge. Tem-se aqui a chamada catástrofe do ultravioleta.


Wien propôs uma descrição do espectro para grandes frequências por meio da
função F (x):
FWien (x) = Ce−αx , (11.98)

onde C e α são constantes ajustadas experimentalmente. Assim, a descrição correcta


do espectro do corpo negro deve necessariamente interpolar a lei de Rayleigh-Jeans
obtida por meio da mecânica clássica e a lei de Wien deduzida empiricamente. O
problema da radiação do corpo negro torna evidente a necessidade de se alargar as
ideias da física clássica.
O audacioso passo dado por Planck (1900b) para a resolução do problema da
radiação do corpo negro consistiu na hipótese da existência de quanta de energia
finitos e discretos 0 ; assim a energia de cada oscilador seria dada por:

 = n0 , n = 0, 1, 2, . . . (11.99)

de modo que a energia média deveria ser obtida pela substituição dos integrais no
caso usual clássico por somas. A energia média clássica é dada pela distribuição
canónica:
´ ∞ −β ˆ ∞
e d d d 1
hi = ´ ∞ −β
0
=− ln e−β d = − ln β −1 = = kB T, (11.100)
0 e d dβ 0 dβ β

182
11.3. Radiação

contudo a hipótese de Planck leva-nos ao invésk :


P∞ −βn0 ∞
X
n=0 n0 e d
hi = P ∞ −βn0
=− ln e−βn0
n=0 e dβ
n=0
d 1 0 e−β0 0
=− ln −β
= −β
= β
, (11.101)
dβ 1 − e 0 1−e 0 e 0 −1

de modo que, substituindo na expressão da radiação, obtemos:

8πν 2 0
u(ν, T ) = . (11.102)
c3 eβ0 − 1

A compatibilidade com a proposta de Wien (11.80) exige que 0 = f (ν), de modo


que Planck supôs que
0 = hν (11.103)

onde h é uma constante universal. Tal escolha satisfaz a exigência de que a tempe-
ratura apareça na forma ν/T . Tem-se assim a lei da radiação de Planck:

8πhν 3 1
u(ν, T ) = . (11.104)
c3 ehν/kB T − 1

A lei de Planck descreve notavelmente as determinações experimentais do espec-


tro do corpo negro por meio da constante:

h = 6, 62607015 × 10−34 J s (exacto) (11.105)

Da distribuição (11.104) podemos ver que, para baixas frequências, a função


u(ν, T ) cresce aproximadamente como o quadrado de ν, uma vez que, sendo hν/kB T 
1 podemos expandir a função exponencial no denominador da distribuição de Planck
de modo que o primeiro termo deste desenvolvimento corresponde exactamente à
distribuição de Rayleigh-Jeans:

8πν 3 h 1 8πν 2
u(ν, T ) =   = kB T + . . . , (11.106)
c3 1+ hν
+ ... − 1 c3
kB T

isto é a lei de Planck coincide com a fórmula clássica (11.95) para grandes compri-
mentos de onda.
k
Série Geométrica: 1 + x + x2 + . . . = 1
1−x
, |x| < 1.

183
11. Transmissão de Energia Térmica

Na região dos pequenos comprimentos de onda, hν/kB T  1, e, consequente-


mente, podemos negligenciar a unidade no denominador da lei de Planck uma vez
que a exponencial é muito maior que a unidade, portanto:
8πhν 3 −hν/kB T
u(ν, T ) = e , (11.107)
c3
que corresponde precisamente à proposta de Wien (1896) mencionada anteriormente:
C = 2πh/c2 , α = h/kB .
A fim de determinar a constante de Stefan-Boltzmann integramos I(ν, T ) sobre
todas as frequências:
ˆ ˆ ∞
Wrad c ∞
= u(ν, T ) dν = I(ν, T ) dν
eA 4 0 0
ˆ
2πh ∞ ν3
= 2 dν
c 0 ehν/kB T − 1
  ˆ  
2πh kB T 4 ∞ (hν/kB T )3 hν
= 2 d
c h 0 ehν/kB T − 1 kB T
4 ˆ ∞ 3
2πk x
= 3 B 2
T4 x
dx. (11.108a)
h c 0 e −1
Chamando I ao integral anterior, é fácil ver que
ˆ ∞ X∞ X∞ ˆ ∞ X∞
3 −x −nx 1 3 −y 1 π4
I= x e e dx = y e dy = 6 = .
0 (1 + n)4 0 n4 15
n=0 n=0 n=1
(11.108b)
Logo,  
Wrad 2π 5 kB
4
4 π 2 kB
4
h
= T = T4 ~= (11.109)
eA 15h3 c2 60~3 c2 2π
π 2 kB
4
e, consequentemente, σ = 60~3 c2
; assim a determinação da constante de Stefan-
-Boltzmann permite a determinação da constante de Planck. Esta constante (h)
pode também ser determinada por meio da lei de deslocamento de Wien uma vez
que o cálculo do máximo da intensidade conduz à relação:
kB T kB
= λmax T = 0, 2014 (11.110)
hνmax hc
donde implica que
hc
λmax T = 0, 02014 ≡ B = 2, 898 × 10−3 m K. (11.111)
kB
A proposta de Planck foi inicialmente vista como um artifício matemático na
resolução do problema da radiação do corpo negro. Em 1905, aquando do estudo

184
11.4. Calor Específico dos Sólidos

do efeito fotoeléctrico, Einstein retornou a hipótese da existência dos quanta funda-


mentais de energia de Planck associando-os aos fotões, ou seja, aos quantum de luz.
Este problema será abordado posteriormente.

11.4 Calor Específico dos Sólidos


Em 1907, Einstein demonstrou que a energia média de um oscilador como pos-
tulada por Planck

hi = , (11.112)
ehν/kB T − 1
tinha uma comprovação directa no comportamento térmico dos sólidos. A altas
temperaturas este comportamento é descrito pela lei de Dulong-Petit e estabelece
que a capacidade térmica molar a volume constante de um sólido é aproximada-
mente de 6 cal/K. Do ponto de vista clássico, esta lei tem uma explicação imediata:
considerando-se cada átomo do sólido como um oscilador harmónico tridimensional,
segue que a energia total média correspondente aos 6 graus de liberdade de um os-
cilador tridimensional é 3kB T ;portanto a energia interna de um mole de substância
é U = 3NA kB T . A capacidade térmica é então dada por
 
∂U
CV = = 3R ' 6 cal/K. (11.113)
∂T V
Observam-se, no entanto, excepções à lei de Dulong-Petit, especialmente para
sólidos particularmente duros. Por exemplo, à temperatura ambiente, o diamante
tem uma capacidade térmica de apenas 1 cal/K.
Einstein demonstrou que ao invés da expressão clássica para a energia média dos
osciladores, dever-se-ia utilizar a expressão de Planck. Assim, a energia interna dos
osciladores por mole seria dada por:
3NA hν hν/kB T
U= = 3RT . (11.114)
ehν/kB T − 1 ehν/kB T − 1
Nesta fórmula, hν é o quantum elementar de energia vibracional dos osciladores.
Assim, a rigidez da ligação entre os átomos está associada à energia de vibração e,
consequentemente, à frequência de oscilação. À temperatura ambiente, tem-se, em
geral, que hν  kB T , donde segue da expansão em série da exponencial na equação
acima que:
hν/kB T
U = 3RT = 3RT + · · · , (11.115)
(1 + hν/kB T + · · · ) − 1

185
11. Transmissão de Energia Térmica

isto é, recuperou-se a lei de Dulong-Petit.


Contudo, caso estejam os átomos ligados fortemente (como no diamante), ou se a
capacidade térmica for medida a baixas temperaturas, hν/kB T torna-se comparável
à unidade, verificando-se assim grandes desvios em relação à lei de Dulong-Petit.
Mostramos na Figura 11.5 a forma da curva da capacidade térmica∗∗ em função da
temperatura.

CV

3NA kB

Figura 11.5

Nota-se que para altas temperaturas, a lei de Dulong-Petit é obtida assimptoti-


camente e que, para T → 0, CV → 0. Experimentalmente obtém-se concordância
aproximada do valor CV a baixas temperaturas e o valor teórico CV → 0 como
previsto por Nernst e colaboradores (Terceiro Princípio da Termodinâmica). Aper-
feiçoamentos visando uma melhor descrição das propriedades térmicas dos sólidos
foram efectuados por Debye (1912) e von Kármán; Born (1913).

∗∗
Dada a expressão (11.114) para a energia interna, é fácil obter a capacidade térmica:
 

∂U
 + k

t 2 ehν/kB T 

2
ehν/kB T
B
CV = = 3NA hν hν/k T 2
= 3N A k B hν/k
. (11.116)
∂T V (e B − 1) kB T (e B T − 1)2

Esta expressão permite rapidamente retirar que


  
2
 3NkA (hν)
 (1+··· )
' 3NA kB + · · · hν
1
BT
2
(1+ khνT +···−1)2 kB T
CV = 2
B  .
 3NA (hν)

e−hν/kB T → 0 hν
1
k T2 B kB T

186
Capítulo 12

Fundamentos da Mecânica
Quântica

A solução do problema do espectro do corpo negro por meio da hipótese da


existência de quanta fundamentais de energia desencadeou a revolução na física que
deu origem à chamada Mecânica Quântica. As ideias principais que norteiam esta
nova orientação científica são as seguintes:

1) Quantização da energia (Planck 1900b);

2) Dualidade Onda ↔ Partícula (Einstein 1905, de Broglie 1924)

3) Princípio da Incerteza (Heisenberg 1927)

4) Equação de Schrödinger (1926)

5) Interpretação Probabilística da Função de Onda (Born 1926

6) Princípio de Exclusão de Pauli (1925)

Vejamos seguidamente, mais em detalhe, cada uma destas ideias fundamentais.

187
12. Fundamentos da Mecânica Quântica

12.1 Quantização da energia


Vimos anteriormente como a hipótese de Planck da existência de quanta funda-
mentais de energia de modo que a energia a nível elementar é quantizada:

 = n0 , n∈N (11.99)

e
h
0 = hν = ~ω ~= ω = 2πν, (11.103)

com
h = 6, 62607015 × 10−34 J s (exacto), (11.105)

levou à resolução clara da catástrofe do ultravioleta.


A razão da nossa incapacidade de perceber o facto da energia estar discretizada
deve-se à pequenez de um quantum de energia e a extrema abundância destes. Por
exemplo, para a luz com comprimento de onda λ = 6 × 103 Å∗ :
hc
0 = hν = ' 3, 3 × 10−19 J, (12.1)
λ
assim o número de fotões com este comprimento de onda emitidos por uma lâmpada
de 100 W é:
100 J/s
N= ' 3 × 1020 quanta/s. (12.2)
3, 3 × 10−19 J

12.2 Dualidade Onda–Partícula e a Hipótese de Fotões


A luz até ao início do século era entendida pelos físicos como inequivocamente
pertencente ao reino dos fenómenos ondulatórios. Superado o debate inicial entre
Newton que defendia que a luz consistia de corpúsculos (vide por exemplo o fenómeno
de reflexão da luz) e Huygens que reivindicava a luz como um fenómeno ondulatório
(vide, por exemplo o fenómeno da difracção), gradativamente a ideia ondulatória foi
sendo aceite pelos físicos dada a acumulação de sucessos desta no campo experimen-
tal. A teoria ondulatória atingiu, com o electromagnetismo de Maxwell, um estatuto
de quasi-incontestabilidade. Em 1905 contudo, Einstein usou a ideia da natureza
quântica corpuscular da luz para explicar algumas propriedades dos metais quando
estes eram irradiados com luz visível e ultravioleta.

Note-se que 1 Å = 10−10 m e 1 fm = 10−15 m.

188
12.2. Dualidade Onda–Partícula e a Hipótese de Fotões

O efeito fotoeléctrico foi descoberto por Hertz em 1887, que quando envolvido
nas famosas experiências com ondas electromagnéticas notou que o comprimento da
faísca induzida no circuito secundário era reduzido quando os terminais de separação
da faísca eram protegidos da luz ultravioleta originada por faíscas no circuito primá-
rio. Experiências sucessivas levadas a cabo por Hallwach, Elster e Gutel, Ladenburg
e Lenard determinaram que:

(i) Placas metálicas polidas quando irradiadas, emitem electrões e não iões positi-
vos;

(ii) A emissão de electrões pelas placas depende do comprimento de onda da luz


incidente. Existe um limiar de emissão que depende do metal de modo que,
somente luz com uma frequência maior que uma certa frequência limiar produz
uma corrente fotoeléctrica.

(iii) A magnitude da corrente, quando existente, é proporcional à intensidade da


luz incidente;

(iv) A energia dos fotoelectrões é independente da intensidade da fonte da luz,


porém esta varia linearmente com a frequência da luz incidente.

Uma configuração experimental que permite a reprodução do efeito é esquema-


tizada abaixo (Lenard) (Figura 12.1).

Luz

Vácuo

Cátodo Ânodo

Figura 12.1

Do ponto de vista do electromagnetismo clássico, a foto-corrente podia ser com-


preendida uma vez que era conhecida a existência de electrões em metais. A de-
pendência na frequência era contudo inexplicável, uma vez que a energia da onda

189
12. Fundamentos da Mecânica Quântica

electromagnética depende da sua intensidade ou amplitude quadrada. Existia tam-


bém a dificuldade devida ao atraso que deveria existir entre a chegada da radiação
e a emissão dos electrões, este sendo devido à necessidade de se atingir uma con-
centração de energia suficiente para a emissão de electrões. Esperava-se que este
atraso fosse tanto maior quanto menos intensa fosse a radiação incidente. Tal atraso
todavia, nunca foi observado.
A solução de Einstein consistiu em assumir que a radiação era composta de
quanta de energia hν, sendo ν a frequência da radiação. Assim, parte da energia da
radiação incidente deve ser gasta para separar o electrão do metal. Esta quantidade
W , é denominada função de trabalho e depende do metal em estudo. A energia
restante fica disponível para o electrão. Sendo esta de natureza cinética, obtém-se
então:
1
E = mv 2 = hν − W. (12.3)
2
Esta expressão, bastante simples, reproduz perfeitamente os resultados experimentais
como mostramos abaixo (Figura 12.2)

V (volt)

E = eV = hν − W

V = he ν − W
e

ν0 = 5,586 × 1014 Hz ν (1015 Hz)

Figura 12.2

O efeito de «limiaridade» e a relação linear entre a energia cinética e a frequên-


cia estão contidas na expressão de Einstein. A proporcionalidade da corrente e a
intensidade da fonte pode ser também facilmente entendida em termos da hipótese
dos quanta de luz (fotões): quanto mais intensa for a luz incidente, mais fotões são
emitidos e estes libertarão então mais electrões. Assim, a proposta de Einstein im-

190
12.2. Dualidade Onda–Partícula e a Hipótese de Fotões

plica que a radiação electromagnética comporta-se algumas vezes como uma onda e
outras vezes como uma colisão de partículas.
Recordemos que muitas das propriedades observadas dos electrões haviam sido
compreendidas por J. J. Thomson numa elegante série de experiências (1897). Es-
tes envolviam a determinação da energia cinética de electrões através da medida da
diferença de potencial eléctrico que estes atravessavam. Isto é, tem-se para a con-
figuração abaixo (Figura 12.3), onde e é o módulo da carga negativa do electrão:

1 1
mv 2 = mv02 + eV (12.4)
2 2
e, naturalmente, se v0 ' 0
1
mv 2 ' eV. (12.5)
2

− +

~v0 ~v

Figura 12.3

Finalmente, Thomson obteve o valor da razão e/m fazendo um electrão atravessar


um campo eléctrico transverso de um condensador segundo esquematizado abaixo
(Figura 12.4)

y
~v +
` −
x

Figura 12.4

191
12. Fundamentos da Mecânica Quântica

As equações de movimento dos electrões nas direcções x e y são as seguintes:


a
x = vt y = t2 (v0y = 0, y0 = 0), (12.6)
2
onde
~
mk~ak = ekEk, ~ = V (mg  eE),
kEk (12.7)
`
logo
eV
a= . (12.8)
m`
Finalmente, eliminando o tempo nas equações do movimento acima, resulta
x2 2y
2
= m`, (12.9)
v eV
donde se obtém a razão e/m:
e 2y v 2 `
= 2 ; (12.10)
m x V
assim, através da medidas das distâncias x e y, Thomson determinou que
e
= 1840 F = 1, 759 × 1011 C kg−1 , (12.11)
m
onde F é a constante de Faraday (1834), isto é, é a quantidade de electricidade
transportada na separação electrolítica de 1 mol de substância:

F = eNA = 96485, 33212 C/mol. (12.12)

A determinação da carga do electrão foi efectuada por meio da célebre experiência


da levitação de gotas de óleo de Ehrenhaft (1910) e Millikan (1913). A experiência
de Millikan baseia-se na ideia de que a electricidade é constituída de quanta elemen-
tares, de modo que a carga de um corpo deve ser um múltiplo da carga elementar
do electrão. Millikan trabalhou com gotas de óleo ionizadas que continham uma
carga não muito maior que a carga elementar que se desejava medir. A configuração
experimental é mostrada abaixo (Figura 12.5) e pretende-se que gotas de óleo sejam
equilibradas pelo campo eléctrico do condensador.

+
~
qE
V
M~g

Figura 12.5

192
12.2. Dualidade Onda–Partícula e a Hipótese de Fotões

Sendo M a massa da gota e q a sua carga tem-se na situação de equilíbrio:

M g = qE (E = V /`) q = n1 e, (12.13)

onde g é a aceleração da gravidade e E é a intensidade do campo eléctrico aplicado.


A determinação da massa da gota faz-se através da medida do seu raio r0 e densidade
ρ. O raio da gota é determinado pela lei de Stokes, isto é, desliga-se o campo eléctrico
de modo que a gota caia sob a acção da gravidade, contudo, devido à viscosidade do
meio ρ a gota atinge uma velocidade constante terminal v que é medida. Assim,

FStokes = −6πξr0 v, (12.14)

logo se v = d/t0 , segue que:


 
d
M g = 6πξr0 (12.15)
t0
ou  
4π 3 d
r ρg = 6πξr0 ; (12.16)
3 0 t0
após a gota percorrer a distância d, o campo eléctrico é novamente ligado de modo
que se tem a situação  
V d
n1 e − M g = 6πξr0 . (12.17)
` t1
A gota é então ionizada através de um feixe de raio-X, donde segue que
 
V d
n2 e − M g = 6πξr0 (12.18)
` t2
e consequentemente
 
6πξr0 `d 1 1
(n2 − n1 )e = − . (12.19)
V t2 t1
O procedimento é repetido inúmeras vezes, dando sequências de valores (n2 − n1 )e,
(n3 − n2 )e, . . ., (ni+1 − ni )e, donde resultam sequências como 4e, 10e, −1e, −3e, etc.
Como nenhuma carga menor que 1, 602 × 10−19 C foi observada, Millikan concluiu
que
e = 1, 602 × 10−19 C, (12.20)

donde se deduz, através do resultado de Thomson (12.11), o valor massa do electrão:

m = 9, 109 × 10−31 kg. (12.21)

193
12. Fundamentos da Mecânica Quântica

12.3 Hipótese de de Broglie


Einstein resolveu o problema do efeito fotoeléctrico supondo que, em certas situ-
ações, a luz comportava-se como que composta por corpúsculos. Em 1924, Louis
de Broglie considerou a extensão lógica das ideias de Planck e Einstein ao su-
por que, reciprocamente, também as partículas deveriam ter um comportamento
dual manifestando-se, em certas situações, como ondas. O conceito de dualidade
partícula–onda passa então a ser isomorfo. Sendo o estado cinemático de uma par-
tícula descrito na relatividade restrita pelo 4-vector posição no espaço-tempo:

(xµ ) = (x0 , x1 , x2 , x3 ) (12.22)

onde µ = 0, 1, 2, 3 e x0 = ct, x1 = x, x2 = y, x3 = z; e o estado dinâmico pelo


4-vector momento linear
(pµ ) = (p0 , p~) = (p0 , pi ), (12.23)
E
com p0 = c, p1 = px = mvx , p2 = py = mvy , p3 = pz = mvz † , de Broglie ao
descrever uma partícula com energia E e momento linear p~ = m~v como uma onda
~ µ /~‡
ψ = Ae−i(ωt−k·~r) = Aeipµ x , então, da relação de Planck, a frequência de oscilação
e a energia podem ser escritas como
E E
ω= = 2π = 2πν (12.24)
~ h
e, raciocinando em termos da relatividade restrita (k µ ) = ( ωc , ~k)

~k = p~ = 2π p~ . (12.25)
~ h
Contudo, uma vez que k~kk representa o número de vibrações por unidade com-
primento (assim como ν representa o número de vibrações por unidade de tempo),
esta grandeza está necessariamente ligada ao comprimento de onda

k~kk = 2πλ−1 , (12.26)

e de Broglie concluiu então que


k~
pk
2π = 2πλ−1 (12.27)
h

Para uma melhor descrição dos princípios e da formulação matemática da relatividade restrita,
vejam-se as referências [23, 24, 25].

~ · ~r é o produto interno no espaço-tempo quadridimensional.
pµ xµ ≡ −p0 x0 + p

194
12.3. Hipótese de de Broglie

e, consequentemente, que o comprimento de onda de uma partícula com momento


linear k~
pk = p é dado pela relação:

h h
λ= = . (12.28)
p mv
Assim, dependendo do contexto experimental, uma partícula pode manifestar-se
como uma onda
E p
~
ψ = Ae−i( ~ t− ~ ·~r) . (12.29)

As ideias de de Broglie causaram um grande impacto e de imediato colocou-


-se a questão da observação das propriedades ondulatórias do electrão e, em geral,
das partículas. Experiências para esse fim foram efectuadas por Davisson e Ger-
mer (1928), que comprovaram a existência de direcções preferenciais de dispersão
quando electrões incidiam sobre uma rede cristalina, indicando estas direcções a
ocorrência da difracção do electrão. Apresentamos abaixo uma figura simplificada
da verdadeira situação experimental. Na dispersão de ondas por uma estrutura cris-
talina periódica, existirá uma diferença de fase entre ondas oriundas de planos de
dispersão adjacentes dado por (2π/λ) × 2a sin θ. Interferência construtiva ocorrerá
sempre que a diferença de fase for igual a 2πn, onde n ∈ N. Em termos do compri-
mento de onda, esta condição traduz-se em (condição de Bragg):

2a sin θ
λ= . (12.30)
n

Figura 12.6

195
12. Fundamentos da Mecânica Quântica

A interferência de ondas observada por Davisson e Germer é compatível com a


expressão acima desde que a relação de de Broglie λ = h/p seja satisfeita. Ou seja,
partículas podem, sob certas condições experimentais, serem observados como ondas.
A difracção de partículas vem desde a experiência de Davisson e Germer sendo
observada com feixes moleculares de Hidrogénio e Hélio e um especial com neutrões
lentos. A difracção de neutrões é particularmente importante no estudo de cristais.
A energia aproximada necessária nas experiências de difracção pode ser estimada da
seguinte forma. O espaçamento da estrutura cristalina é da ordem de ångströms (a =
2, 15 Å para o níquel que foi utilizado por Davisson e Germer), assim λ ' 10−10 m e
consequentemente p = h/λ ' 6, 6×10−24 kg m s−1 . A energia cinética associada para
electrões é p2 /2me ' 2, 5×10−17 J ' 160 eV§ e para neutrões p2 /2mn = me 2
mn p /2me '
(1840)−1 × energia do electrão = 1, 3 × 10−20 J ' 0, 08 eV.
A escalas macroscópicas, as propriedades ondulatórias das partículas são inaces-
síveis. Uma gota de água de raio 0, 1 mm (m ' 4×10−9 kg) e velocidade de 0, 1 m s−1
tem um comprimento de onda associado λ ' 1, 6 × 10−24 m que é muito menor que
o tamanho do protão lp < 0, 1 fm = 10−16 m. Através da expressão de de Broglie,
percebemos que as propriedades ondulatórias ou clássicas das partículas estão con-
dicionadas pela magnitude da constante de Planck. Se o produto do momento linear
pela dimensão de uma partícula for muito maior que h esta partícula comportar-
-se-á essencialmente como previsto pela mecânica clássica; se ao contrário o referido
produto for da ordem de h, aspectos duais manifestar-se-ão.

§
1 eV = 1, 602176634 × 10−19 J (escala da física atómica)
1 MeV = 106 eV (escala da física nuclear)
1 GeV = 109 eV (escala da física de partículas hadrónicas)
102 GeV (escala das interacções electrofracas)
1015 GeV (escala da unificação das interacções electrofraca e forte)
1019 GeV (escala da unificação das interacções electrofraca, forte e gravitacional)

196
12.4. Medida da Posição de Electrão e Princípio de Incerteza de Heisenberg

12.4 Medida da Posição de Electrão e Princípio de In-


certeza de Heisenberg
Consideremos a tarefa de medir a posição de um electrão por meio de um mi-
croscópico tal como esquematizado abaixo (Figura 12.7)

Ecrã

Lente

Fotão
Electrão

Figura 12.7

O electrão tem um momento linear px bem definido e a sua observação é efectuada


pela incidência de um fotão com momento p, por exemplo na direcção negativa do
eixo x. O electrão será naturalmente disperso pelos fotões incidentes. A resolução
do microscópio, isto é, a precisão segundo a qual a posição do electrão pode ser
determinada é dada pela bem conhecida equação da óptica (equação de Abbe d =
λ
, onde n é o índice de refracção (nar = 1)):
2n sin θ
λ
∆x ' , (12.31)
sin θ
onde λ é o comprimento de onda da luz incidente. Pode-se pensar que escolhendo
λ cada vez menor e tomando sin θ ∼ 1, podemos fazer ∆x tão pequeno quanto se
queira. Mostremos, todavia, que tal é possível às expressas de uma maior incerteza
no momento linear do electrão. Desde que a informação sobre a posição do electrão
que chega ao ecrã se deva à dispersão de fotões pelo electrão (são aqueles que são
observados no ecrã), segue que a direcção do fotão é incerta nos limites estabeleci-
dos pelo ângulo de abertura do microscópico. Consequentemente, a transmissão de
momento para o electrão implica numa incerteza no seu momento linear dada por¶ :

A massa do fotão em repouso é nula, m0 = 0, pelo que, da relação de dispersão relativista,
E 2 = m20 c4 + p2 c2 , segue que p = E
c
= hν
c
.

197
12. Fundamentos da Mecânica Quântica


∆ps ' 2 sin θ. (12.32)
c
Portanto, temos para o produto
λ hν
∆x∆px ∼ 2 sin θ ' 4π~, (12.33)
sin θ c
donde se conclui que a determinação do estado cinemático e dinâmico de uma par-
tícula envolve sempre uma indeterminação do momento e/ou posição. É possível
mostrar-se com grande generalidade que

∆x∆px & ~. (12.34)

A pequenez de ~ garante que apenas partículas microscópicas são afectadas pelo


Princípio de Incerteza de Heisenberg. Por exemplo, uma partícula de poeira com
10−7 kg e uma velocidade de 102 m s−1 e uma incerteza no seu momento de ∆p =
10−6 kg m s−1 tem uma incerteza associada à sua posição de apenas ∆x ' 6×10−28 m.
Concluímos assim que o Princípio da Incerteza constitui numa limitação na deter-
minação das propriedades cinemáticas e dinâmicas das partículas sendo esta incerteza
bastante acentuada a nível atómico e subatómico.

12.5 Equação de Schrödinger e Interpretação da Função


de Onda
As propriedades ondulatórias das partículas sugerem fortemente que a descrição
destas propriedades se faça por meio de uma função de onda ψ(~r, t) e que esta
satisfaça uma equação de onda.
Em 1926, Schrödinger deduziu a equação de onda da Mecânica Quântica. Poste-
riormente, as subtilezas relacionadas com a interpretação da solução desta equação
de onda, isto é da função de onda ψ(~r, t), foi realizada por Born (1926).
Seguindo de Broglie, Schrödinger toma para descrever uma partícula, a função
de onda:   
p~ · ~r Et
ψ(~r, t) = A exp i − , (12.35)
~ ~
recordemos também que a energia de uma partícula sob a acção de um potencial
V (~r, t) é dada por:
p2
E= + V (~r, t). (12.36)
2m

198
12.5. Equação de Schrödinger e Interpretação da Função de Onda

Assim visando que a função de onda satisfaça a condição acima, consideram-se as


diferenciações:

∂ψ E ∂ψ
(~r, t) = −i ψ(~r, t) =⇒ i~ (~r, t) = Eψ(~r, t), (12.37a)
∂t ~ ∂t
i2 ~ 2 p2
∇2 ψ(~r, t) = ∇ · ∇ψ(~r, t) = 2 k~pk2 ψ(~r, t) =⇒ − ∇2 ψ(~r, t) = ψ(~r, t)
~ 2m 2m
(12.37b)

obtemos então a equação de Schrödinger:

~2 2 ∂ψ
− ∇ ψ(~r, t) + V (~r, t)ψ(~r, t) = i~ (~r, t). (12.38)
2m ∂t

Como nesta equação, todos os termos agem sobre a função de onda, estes podem
na verdade ser vistos como operadores. A equação de Schrödinger é uma equação
diferencial linear complexa a derivadas parciais. As soluções desta equação são, em
geral, complexas, facto que requer que alguma atenção seja prestada aquando da
interpretação física destas soluções como veremos abaixo.
A equação pode ser simplificada pelo procedimento de separação de variáveis.
Supõem-se que o potencial V (~r, t) seja conservativo, isto é independente do tempo
e que a função de onda possa ser escrita como o produto de funções que dependem
exclusivamente da posição e do tempo:

ψ(~r, t) = Φ(~r )T (t). (12.39)

Substituindo na equação de Schrödinger resulta que:


 
~2 2 dT
T (t) − ∇ Φ(~r ) + V (~r )Φ(~r ) = Φ(~r )i~
2m dt
 
1 ~2 1 dT
− ∇2 Φ(~r ) + V (~r )Φ(~r ) = i~ = E, (12.40)
Φ(~r ) 2m T (t) dt

onde E é uma constante dita de separação. Integrando a função T (t) obtém-se


 
E
T (t) = exp −i (t − t0 ) ; (12.41)
~

e para a parte espacial obtemos uma equação dita de valores próprios (eigenvalues)
 
~2 2
− ∇ + V (~r ) Φ(~r ) = E Φ(~r ). (12.42)
2m

199
12. Fundamentos da Mecânica Quântica

O operador presente no lado esquerdo da equação acima corresponde à energia da


p2
partícula 2m + V (~r ) estando associado na mecânica analítica clássica à chamada
função Hamiltoniana, H(~r, p~ ). Consequentemente, na mecânica quântica temos, ao
invés, o operador Hamiltoniano:
~2 2
Ĥ ≡ − ∇ + V (~r ). (12.43)
2m
Como o Hamiltoniano está associado à energia da partícula, a constante E representa
de facto o valor da energia relacionado com o estado da partícula descrito pela função
de onda Φ(~r ).
Todo o formalismo da Mecânica Quântica baseia-se na generalização desta ideia.
Por exemplo, o operador −i~∇ quando aplicado à função de onda, dá-nos o valor do
momento linear da partícula no estado descrito por ψ(~r, t)

−i~∇ψ(~r, t) = p~ ψ(~r, t);


igualmente o operador i~ ∂t dá-nos a energia da partícula:

∂ψ
i~ (~r, t) = E ψ(~r, t). (12.44)
∂t
Assim, os preceitos básicos do formalismo quântico podem ser sintetizados se-
gundo os seguintes postulados:

(i) Os estados de um sistema são descritos por funções de ondak

ψ(~r, t) = Φ(~r )e−iĤt/~ = Φ(~r )e−iEt/~ ; (12.45)

(ii) Observáveis estão associados a operadores;

(iii) Quando o valor de uma observável Q é conhecido, correspondendo este ao


número real q, o sistema está no estado cuja função de onda é uma função
própria do operador Q̂ associado a Q com valor próprio q. Ou seja

Q̂ ψ(~r, t) = q ψ(~r, t). (12.46)


k
A acção de uma função de um operador deve ser entendida formalmente como a sua expansão
em série de Taylor e, a nível computacional, deve ser manuseada através da mesma. Por exemplo,
" ! !2 !3 #
−iĤt/~ −iĤt 1 −iĤt 1 −iĤt
e ψ = 1+ + + + ··· ψ
~ 2! ~ 3! ~

200
12.5. Equação de Schrödinger e Interpretação da Função de Onda

Vimos que a função de onda ψ(~r, t) é em geral complexa uma vez que a equação
de Schrödinger assim o é também. Portanto, a função de onda não descreve de facto
uma onda concreta. A interpretação adiantada por Born é de natureza estatística
baseando-se na ideia de que |ψ(~r, t)|2 = ψ(~r, t)ψ ∗ (~r, t) é uma densidade de probabili-
dade. Esta probabilidade revela-nos então a possibilidade de um sistema se encontrar
no estado descrito pela função de onda, num elemento de volume ∆V :

Probabilidade ∆V = |ψ(~r, t)|2 ∆V. (12.47)

Nestes termos coloca-se imediatamente a questão da normalização da probabili-


dade de modo a que esta, ao ser somada, resulta na unidade. Esta condição traduz-se,
no espaço de configuração tridimensional, na condição integral:
ˆ
|ψ(~r, t)|2 d3~r = 1. (12.48)
R3

A interpretação do quadrado da função de onda como a probabilidade, pode ser


melhor entendida considerando-se o caso de uma partícula confinada a um volume
Ω0 . Assim, a função de onda anula-se no exterior de Ω0 e segue que se ψ(~r, t)
for concretamente normalizada no instante t, então esta estará em qualquer instante
posterior a t normalizada. Integrando num volume arbitrário Ω (Figura 12.8), temos:
ˆ ˆ
∂ 2 3 ∂ ∗
|ψ(~r, t)| d ~r = (ψ ψ) d3~r
∂t Ω ∂t
ˆΩ  ∗ 
∂ψ ∂ψ
= ψ + ψ∗ d3~r, (12.49)
Ω ∂t ∂t

visando calcular o integral à direita, consideremos a equação de Schrödinger e a sua


complexa conjugada:
 
~2 2 ∂ψ
− ∇ + V (~r ) ψ = i~ ; (12.50a)
2m ∂t
 
~ 2 ∂ψ ∗
− ∇2 + V (~r ) ψ ∗ = −i~ , (12.50b)
2m ∂t

logo
ˆ ˆ
∂ ~
2 3
|ψ(~r, t)| d r = − (ψ ∗ ∇2 ψ − ψ∇2 ψ ∗ ) d3~r
∂t 2mi Ω

ˆ
~
=− ∇ · (ψ ∗ ∇ψ − ψ∇ψ ∗ ) d3~r. (12.51)
2mi Ω

201
12. Fundamentos da Mecânica Quântica


Ω0

dS
~
n
∂Ω

Figura 12.8

Usando o teorema de Gauss-Ostrogradsky:


ˆ I
∂ 2 3 ~j · ~n dS
|ψ(~r, t)| d ~r = − (12.52)
∂t Ω ∂Ω

onde
~j = ~ (ψ ∗ ∇ψ − ψ∇ψ ∗ ) (12.53)
2mi
é a corrente de probabilidade. Obtemos então a equação de conservação da proba-
bilidade na forma diferencial:
∂ρ
+ ∇ · ~j = 0, (12.54)
∂t
onde ρ = |ψ|2 é a densidade de probabilidade. Esta equação é completamente análoga
à equação de conservação da massa na Mecânica de Fluidos e da carga eléctrica no
Electromagnetismo. A versão integral desta equação é válida para qualquer volume
Ω. Contudo, como a condição de normalização é imposta por meio de uma integração
em todo o espaço e ψ(~r, t) se anula no exterior de Ω0 , é suficiente integrar-se sobre
qualquer volume que contém Ω0 .
A validade da normalização pode ser entendida uma vez que, através da separação
de variáveis na equação de Schrödinger,

ψ(~r, t) = Φ(~r )e−iEt/~ , (12.55)

a densidade de probabilidade é independente do tempo

|ψ(~r, t)|2 = |Φ(~r )|2 . (12.56)

202
12.6. Partículas Idênticas e o Princípio de Exclusão de Pauli

12.6 Partículas Idênticas e o Princípio de Exclusão de


Pauli
Na Mecânica Estatística, é particularmente importante a descrição das propri-
edades médias de um grande número de partículas, quer idênticas, quer diferentes.
Do ponto de vista clássico, partículas idênticas são distinguíveis uma vez que as suas
trajectórias no espaço de fase (~r, p~ ) podem ser acompanhadas, em princípio resolvi-
das e determinadas. O mesmo não ocorre na Mecânica Quântica dado o princípio
da Incerteza que implica a existência de uma célula mínima no espaço de fase com
volume ~3 por partícula, dentro do qual a trajectória das partículas estará indefinida
(ver Figuras 12.9 e 12.10). Conclui-se, então, que, sob o ponto de vista quântico, as
partículas elementares (atómicas e subatómicas) são indistinguíveis.

p~

t ~r(t0 ) p~(t0 )

d~
p
Eqs. de Newton: = F~
t0 dt

~r(t) p~(t)

~r

Figura 12.9

p~

t0 Vmin = ∆x ∆y ∆z ∆px ∆py ∆pz = ~3

Vmin

~r

Figura 12.10

O facto de não haver mudança no espectro dos átomos e núcleos de experiên-


cia para experiência indica que os electrões, assim como os protões e neutrões, são
indistinguíveis. O mesmo ocorre a nível das partículas elementares subatómicas.

203
12. Fundamentos da Mecânica Quântica

A discussão acima leva-nos então a concluir que se deve distinguir necessaria-


mente as situações onde colectivamente átomos, moléculas e, em geral partículas
elementares, se comportam clássica ou quanticamente. Assim, temos que separar a
Mecânica Estatística em Clássica e Quântica.
Uma outra divisão de importância, ocorre na Mecânica Estatística Quântica de-
vido à existência de um número quântico interno denominado spin, que divide as
partículas elementares em duas classes distintas:

(a) Bosões – quaisquer partículas com spin inteiro – s/~ = 0, 1, 2, · · ·

(b) Fermiões – quaisquer partículas elementares com spin semi-inteiro – s/~ =


1/2, 3/2, · · ·

Especialmente importante sob o ponto de vista da Mecânica Quântica é o facto


dos fermiões estarem sujeitos ao Princípio de Exclusão de Pauli (1925):

Fermiões não podem estar num mesmo estado quântico.

Este princípio permite explicar, a partir da observação, que os muitos electrões em


«órbita ao redor» de um núcleo com número atómico Z > 1 não colapsam todos
para a órbita mais próxima do núcleo, toda a Tabela Periódica dos Elementos e as
propriedades destes últimos, por meio do formalismo da Mecânica Quântica.
Voltemos à questão da indistinguibilidade das partículas elementares. Considere-
mos um sistema composto por duas partículas idênticas em interacção. O operador
Hamiltoniano deve ser simétrico na troca das coordenadas das partículas e é dado
por:
kp~ˆ1 k2 kp~ˆ2 k2
Ĥ = + + V (~rˆ1 , ~rˆ2 ), (12.57)
2m 2m
onde V (~r1 , ~r2 ) = V (~r2 , ~r1 ). A simetria da função Hamiltoniana pode ser escrita
simbolicamente da seguinte forma∗∗ :

Ĥ(1, 2) = Ĥ(2, 1). (12.58)

A função de onda para este sistema ψ(~r1 , ~s1 , ~r2 , ~s2 ) – s denotando spin – é indicada
por ψ(1, 2) = Φ(1, 2)e−iEt/~ .
∗∗
Subentende-se que, havendo dependência dos spins das partículas, estes são também trocados
(1 ↔ 2) sem afectar contudo a simetria do operador Hamiltoniano.

204
12.6. Partículas Idênticas e o Princípio de Exclusão de Pauli

A equação de valores próprios para este sistema é a seguinte:

Ĥ(1, 2)Φ(1, 2) = EΦ(1, 2); (12.59)

dada a simetria sob o intercâmbio das coordenadas das partículas, tem-se:

Ĥ(2, 1)Φ(2, 1) = EΦ(2, 1). (12.60)

Introduzimos agora o chamado operador de permutação:

P̂12 Φ(1, 2) = Φ(2, 1), (12.61)

segue então que

Ĥ P̂12 Φ(1, 2) = EΦ(2, 1) = E P̂12 Φ(1, 2)


= P̂12 EΦ(1, 2) = P̂12 ĤΦ(1, 2) (12.62)

ou
[Ĥ, P̂12 ]Φ(1, 2) = 0, (12.63)

onde se define o comutador de dois operadores Â, B̂:

[Â, B̂] = ÂB̂ − B̂ †† . (12.64)

O facto do operador P̂12 comutar com o operador Hamiltoniano indica que aquele
é conservado no tempo, uma vez que operadores evoluem segundo a equação de
Heisenberg‡‡ :
d ∂  i
= − [Â, Ĥ] (12.65)
dt ∂t ~
††
Por exemplo,
     
∂ ∂ψ ∂
[x̂, p̂x ]ψ = x̂, −i~ ψ = x −i~ − −i~ xψ = i~ψ.
∂x ∂x ∂x
Em geral, 
1 se i = j
[x̂i , p̂j ] = i~δij , com δij = .
0 se i 6= j
‡‡
Esta equação é análoga à equação da mecânica clássica envolvendo os parênteses de Poisson de
uma variável dinâmica A:
dA ∂A
= + {A, H}P P
dt ∂t
onde
N  
X ∂A ∂H ∂A ∂H
{A, H}P P ≡ − ,
i=1
∂qi ∂pi ∂pi ∂qi
e qi e pi são as coordenadas e momentos generalizados para um sistema com N graus de liberdade.

205
12. Fundamentos da Mecânica Quântica

ou seja
dP̂12
= 0. (12.66)
dt
Consideremos então os valores próprios do operador P̂12 :

P̂12 Φ(1, 2) = α Φ(1, 2) = Φ(2, 1);


2
P̂12 Φ(1, 2) = α2 Φ(1, 2) = Φ(1, 2), (12.67a)

logo α = ±1; assim os valores próprios de P̂12 são ±1. Tal facto implica que os esta-
dos próprios (eigenstates) correspondentes a estes valores próprios são combinações
simétrica e anti-simétrica:

1
Φ(S) (1, 2) = √ [Φ(1, 2) + Φ(2, 1)]; (12.68a)
2
(A) 1
Φ (1, 2) = √ [Φ(1, 2) − Φ(2, 1)]. (12.68b)
2

Sendo o operador P̂12 constante no tempo segue que estados simétricos ou anti-
-simétricos num tempo inicial t0 , permanecerão sempre simétricos e anti-simétricos.
Um facto de extrema importância descoberto por Pauli em 1925, a conhecida
relação spin-estatística, estabelece que a simetria e anti-simetria sob a troca de
duas partículas é uma característica das partículas e não uma propriedade que pode
ser alcançada por meio da preparação do estado inicial do sistema. A relação spin-
-estatística tem o seguinte enunciado:

Teorema (Relação Spin-Estatística). (i) Sistemas constituídos por partículas idên-


ticas de spin semi-inteiro (s/~ = 1/2, 3/2, · · · ) são descritos por funções de
onda anti-simétricas. Tais partículas são denominadas fermiões e obedecem à
chamada estatística de Fermi-Dirac;

(ii) Sistemas constituídos por partículas idênticas de spin inteiro (s/~ = 0, 1, 2, · · · )


são descritos por funções de onda simétricas. Tais partículas são denominadas
bosões e obedecem à chamada estatística de Bose-Einstein.

A relação entre spin e estatística estende-se para estados com N partículas. Um


sistema com N fermiões idênticos é descrito por uma função de onda anti-simétrica
pela troca de qualquer par de partículas.

206
12.6. Partículas Idênticas e o Princípio de Exclusão de Pauli

Um caso de particular interesse refere-se à situação na qual N fermiões idênticos


não interagem entre si, mas com um potencial comum. Neste caso:
XN N  2
X 
pi
H= Hi = + V (xi , si ) , (12.69)
2m
i=1 i=1

onde si denota o spin do i-ésimo fermião.


Os estados próprios de uma partícula são designados por uEk (xk , sk ) e

Ĥk uEk (xk , sk ) = Ek uEk (xk , sk ). (12.70)

Uma solução de
H uE (1, 2, . . . , N ) = E uE (1, 2, . . . , N ) (12.71)

é
uE (1, 2, . . . , N ) = uE1 (x1 , ~s1 ) uE2 (x2 , ~s2 ) · · · uEN (xN , ~sN ), (12.72)

onde, naturalmente,
E = E1 + E2 + · · · + EN . (12.73)

Devemos contudo anti-simetrizar uE (1, 2, . . . , N ). Tal anti-simetrização é obtida pelo


chamado determinante de Slater∗ :
 
uE1 (x1 , ~s1 ) ··· uE1 (xN , ~sN )
 
1  uE (x1 , ~s1 ) uE2 (xN , ~sN ) 
···
 2 
uA
E (1, 2, . . . , N ) = √ det  .. .. . (12.74)
N!  . . 
 
uEN (x1 , ~s1 ) · · · uEN (xN , ~sN )
Naturalmente, a troca de duas partículas envolve a troca de duas colunas no
determinante, implicando numa mudança de sinal. Se dois fermiões estiverem num
mesmo estado de energia, digamos E1 = E2 ou num mesmo estado de spin ~s1 = ~s2 o
determinante anula-se. Assim, a exigência de anti-simetria introduz uma interacção
efectiva repulsiva entre dois fermiões, uma vez que, no caso da separação entre eles
for a zero, a função de onda conjunta anula-se. Vemos então que fermiões, mesmo
quando interagem entre si, comportam-se como que sujeitos a uma interacção repul-
siva recíproca. Segue que um estado com uma certa energia, momento angular, etc.
pode ser ocupado por dois electrões com spins opostos, porém não mais que dois
electrões. Esta é uma versão restrita do Princípio de Exclusão de Pauli.

Para um sistema com N bosões idênticos, a função de onda deve ser totalmente simétrica pela
troca de pares de partículas, assim, esta função de onda pode ser construída por meio do chamado
anti-determinante, isto é, o determinante de Slater com todos os sinais positivos.

207
Capítulo 13

Distribuições Quânticas

13.1 Estatística de Bose-Einstein

A determinação da configuração mais provável que satisfaz os princípios da Me-


cânica Quântica segue em linhas gerais o mesmo caminho que o cálculo na Mecânica
Estatística Clássica. A principal diferença reside na contagem e nas distribuições
das partículas no volume ω ∗ . Deve-se então contar o número de arranjos distin-
tos das partículas existentes num dado nível de energia, tal contagem é equivalente
à enumeração dos estados distintos ou funções de onda linearmente independentes.
Efectuada a contagem dos estados, busca-se um máximo da probabilidade resultante.
Comecemos por representar as células individuais de um dado nível por z1 , . . . , zgs
onde o número de células é dado pela degenerescência gs (factor ponderal do nível).
Suponhamos então que existem neste nível ns partículas, sendo as partículas repre-
sentadas por a1 , a2 , . . . , ans . Assim temos que distribuir estas ns partículas pelas
gs células correspondentes de cada nível de modo a obter arranjos distintos. Estes
arranjos podem formalmente ser representados por uma sequência dos elementos z e
a; por exemplo:
z1 a1 a2 z2 a3 z3 a4 a5 a6 z4 z5 a7 · · · (13.1)

onde convenciona-se que as partículas representadas entre dois z’s, pertencem em


cada caso à célula que, na sequência, está à esquerda. Assim, a sucessão acima
indica que as partículas a1 e a2 encontram-se na célula z1 , a partícula a3 na célula
z2 , partículas a4 , a5 e a6 na célula z3 , a célula z4 não está ocupada, etc. O número de

Nesta discussão é mais apropriado considerar a descrição corpuscular das partículas.

209
13. Distribuições Quânticas

arranjos pode ser obtido tomando-se o z no início da sequência, o que pode ser feito
de gs formas distintas, e escrevendo as restantes gs − 1 + ns letras sucessivamente e
em ordem arbitrária. Assim, o número total de arranjos é

gs (gs + ns − 1)!. (13.2)

Como as distribuições que podem formar-se através de permutações das partículas


entre si correspondem, dada a simetria da função de onda sob esta operação, a
estados distintos devemos dividir o número de arranjos dado acima pelo número de
permutações gs !ns !. Assim, o número de arranjos distintos no nível caracterizado
pelo índice s é dado por:
gs (gs + ns − 1)! (gs + ns − 1)!
= . (13.3)
gs !ns ! (gs − 1)!ns !
O número de arranjos distintos na situação onde existem n1 partículas no primeiro
nível, n2 partículas no segundo nível, etc. é dado pelo produto
Y (gs + ns − 1)!
PBE (Ω) = , (13.4)
s
(gs − 1)!ns !

tal expressão corresponde à probabilidade da distribuição das partículas pelos vários


níveis. Tal probabilidade é equivalente à probabilidade associada à estatística de
Boltzmann demonstrada anteriormente:
N!
PBoltzmann (Ω) = g n1 g n2 · · · gznz . (13.5)
n1 !n2 ! · · · nz ! 1 2
A partir deste ponto, o cálculo segue as linhas do caso clássico. Tomamos o
logaritmo de PBE (Ω) e utilizamos a aproximação de Stirling

ln n! ' n(ln n − 1), (10.39)

ou seja
X
ln PBE (Ω) = [ln(gs + ns − 1)! − ln(gs − 1)! − ln ns !]. (13.6)
s
Como gs , ns  1, obtemos, por meio da aproximação de Stirling,
X
ln PBE (Ω) = [(gs + ns ) ln(gs + ns ) − gs ln gs − ns ln ns ]. (13.7)
s

A maximização de ln PBE (Ω) deve ser efectuada respeitando-se a condição:


X
ns s = E (13.8)
s

210
13.1. Estatística de Bose-Einstein

onde s = hνs = ~ωs . Note-se que a condição do número de partículas ser constante
(no caso de fotões) é abandonada, assim:
X
d ln PBE (Ω) = [ln(gs + ns ) + 1 − ln ns − 1] dns
s
X  
gs + ns
= ln dns = 0 (13.9)
s
ns
X
s dns = 0 (13.10)
s

Multiplicando a última equação por −λ e somando, obtemos:


X   gs + ns  
ln − λs dns = 0, (13.11)
s
ns

logo  
gs + ns gs + ns
ln = λs =⇒ = eλs . (13.12)
ns ns
Assim, a distribuição de Bose-Einstein (1924) é dada pela expressão:

gs
ns = , (13.13)
eλs −1
ou, em geral,
g
n= , (13.14)
eλ −1
a qual dá origem à densidade de energia
Fotão só tem 2 graus de liberdade físicos

nhν 4πν 2 dν
uν dν = dν = 2 × 3 × hν λhν
V c e −1

# modos/Volume

isto é,
8πhν 3 dν
uν dν = ; (13.15)
c3 eλhν − 1
1
esta distribuição corresponde precisamente à distribuição de Planck se λ = β = kB T .
Assim, a partir da distribuição de Bose-Einstein pode obter-se a distribuição do corpo
negro de Planck por meio de argumentos completamente gerais.
Considerámos acima um gás de fotões, cujo número é obviamente não conservado,
se invés considerássemos, por exemplo, átomos cujo spin total fosse s = 0, 1, . . . estes

211
13. Distribuições Quânticas

comportar-se-iam como bosões que, naturalmente, são conservados. Assim, temos


que considerar na demonstração acima a condição adicional:
X
ns = N. (13.16)
s

Tal condição dá origem a uma distribuição:


g
n= (13.17)
eλ1 +β − 1
onde o número de células g é expresso em termos da energia correspondente a cada
nível
p2 p
= d = dp, (13.18)
2m m
para partículas não-relativistas. Comparando com o caso relativista (distribuição de
Planck):

nhν 4πhν 3 dν
=
V c3 eβ − 1
4π (hν)2 d(hν)V 4π 2 d V
n= 3 = , (13.19)
c h3 eβ − 1 c3 h3 eβ − 1

4π p2 dp g
γ = pγ c =⇒ n = 3
V β = β
h e −1 e −1
4πV 2 4πV √ 3
g = 3 p dp = 3 2m  d. (13.20)
h h
Segue então que a distribuição de Bose-Einstein (1924) para bosões cujo número
total é conservado é dado por:

dn = F ()  d

4πV 2m3 
= 3 λ1 +β d. (13.21)
h e −1
A grandeza λ1 pode ser determinada a partir da condição
ˆ ˆ ∞

dn = F ()  d = nV = N. (13.22)
0

A constante λ1 ou, mais habitualmente, a grandeza A ≡ e−λ1 é denominada parâ-


metro de degenerescência. Tal nome deve-se ao facto de que sendo λ1 muito grande
pode-se desprezar a unidade no denominador da expressão ns , a qual comportar-se-á
como:
ns = gs e−λ1 e−βs (13.23)

212
13.2. Estatística de Fermi-Dirac

que corresponde à distribuição canónica de Boltzmann e, comparando para um gás


monoatómico ideal, obtém-se:
nh N
A0 = 3/2
, n= . (13.24)
(2πmkB T ) V
Em geral, o parâmetro de degenerescência A pode ser escrito em termos de A0 ,
uma vez que é possível mostrar que
ˆ ∞ 2
4A e−x x2
A0 = √ dx, (13.25)
π0 1 − Ae−x2
e, consequentemente, A pode ser obtido por meio de um desenvolvimento em série
em termos de A0 (ver Max Born 1935).

13.2 Estatística de Fermi-Dirac


Vimos que a indiscernibilidade das partículas elementares dá origem a duas possí-
veis estatísticas quânticas. Estudemos agora a estatística de Fermi-Dirac (1926),
na qual o Princípio de Exclusão de Pauli desempenha um papel fundamental.
Na dedução da distribuição mais provável utilizamos como modelo de um gás
constituído por electrões. Temos inicialmente que determinar a forma segundo a
qual acontece a distribuição dos electrões nas células individuais, tendo em mente
o facto de haverem duas vezes mais células que no caso usual, em consequência da
existência de duas orientações possíveis do spin do electrão. Naturalmente, devido
ao Princípio de Exclusão de Pauli nenhuma célula pode ser ocupada por mais do que
um electrão. Assim, os números de ocupação das células serão 0 ou 1.
Como no estudo da estatística de Boltzmann e Bose-Einstein, comecemos por
enumerar as distribuições distintas. Seja ns o número de electrões existentes no
nível s, de modo que estes se encontrem distribuídas pelas gs células deste nível,
consequentemente dentre estas gs células, ns estarão ocupadas por um electrão e
gs − ns estarão desocupadas. Tal distribuição pode ser caracterizada pela atribuição
do número de ocupação a cada célula. Assim, teríamos por exemplo:
z1 z2 z3 z 4 z 5 z6 · · · zgs
, (13.26)
0 1 1 0 1 0 ··· 1
assim as células não ocupadas e ocupadas distribuir-se-ão como
0 1
. (13.27)
z1 z4 z6 . . . z2 z3 z5 . . .

213
13. Distribuições Quânticas

Existirão gs ! destas distribuições, correspondentes às permutações das gs células z


como indicado acima. Contudo a todas as distribuições que só diferem umas das
outras pela permutação das ns células ocupadas ou gs − ns células ocupadas, corres-
pondem ao mesmo estado. Segue daí que a probabilidade associada à distribuição
caracterizada pelos números de ocupação n1 , n2 , n3 , . . . relativos às células individuais
é dada por:
Y gs !
PFD (Ω) = . (13.28)
s
ns !(gs − ns )!
Tomando como costume o logaritmo
X  
gs !
ln PFD (Ω) = ln (13.29)
s
ns !(gs − ns )!

e utilizando a aproximação de Stirling ln n! = n(ln n − 1), obtemos:


X
ln PFD (Ω) = [gs ln gs − ns ln ns − (gs − ns ) ln(gs − ns )]. (13.30)
s

A distribuição mais provável deve ser obtida considerando-se as condições suple-


mentares† :
X
N= ns ; (13.31a)
s
X
E= ns s . (13.31b)
s

Finalmente, procedendo como anteriormente, consideremos a diferenciação com


relação a ns
X
d ln PFD (Ω) = [− ln ns − 1+ ln(gs − ns ) + 1] dns = 0 (13.32a)
s
X
dns = 0 (13.32b)
s
X
s dns = 0 (13.32c)
s

Multiplicando as duas últimas expressões por multiplicadores de Lagrange −λ1 e


−λ2 e somando, temos:
X
[− ln ns + ln(gs − ns ) − λ1 − λ2 s ] dns = 0, (13.33)
s

A conservação do número de fermiões está associada à existência, a nível das partículas elemen-
tares, de simetrias globais relacionadas com a conservação dos números bariónico e leptónico.

214
13.2. Estatística de Fermi-Dirac

logo
gs − ns
ln = λ1 + λ2 s (13.34)
ns
e consequentemente
gs
ns = λ +λ 2 s
. (13.35)
e 1 +1
1
A distribuição de Fermi-Dirac é obtida tomando-se λ1 ∈] − ∞, +∞[ e λ2 = β = kB T .
Substituindo o valor de gs bosónico multiplicado por um factor 2 devido ao spin
obtemos: √
√ 8πV 2m3 
dn = F ()  d = 3 λ1 +β d. (13.36)
h e +1
O parâmetro de degenerescência determina-se como anteriormente através da condi-
ção: ˆ ˆ ∞ √
dn = F ()  d = nV = N ; (13.37)
0

a equação transcendente resultante em A ≡ e−λ1 (A ∈ [0, +∞[) pode ser resolvida


no caso A  1, por meio de um desenvolvimento em série de potências, o resultado
sendo dado por:

nh3
A= (2πmkB T )−3/2 + · · · (A  1). (13.38)
2
Para A  1 tem-se
 2/3
h2 3n
ln A = −λ1 = + ··· (A  1), (13.39)
2mkB T 8π

que é o caso de degenerescência do gás electrónico.


Por meio da estatística de Fermi-Dirac, muitíssimas das propriedades dos gases
electrónicos e dos metais podem ser compreendidas, tais como a condução eléctrica,
o calor específico dos sólidos, o efeito termiónico, etc.
Finalmente analisemos sob que circunstâncias as estatísticas quânticas se reduzem
à estatística clássica. Aquelas podem ser escritas como
g
n= , (13.40)
eλ1 +β ±1
onde o sinal positivo refere-se à estatística de Fermi-Dirac e o sinal negativo à esta-
tística de Bose-Einstein.

215
13. Distribuições Quânticas

A estatística clássica de Maxwell-Boltzmann emerge das mais fundamentais es-


tatísticas quânticas quando o parâmetro de degenerescência A = e−λ1 for pequeno
de modo a tornar a exponencial no denominador das estatísticas quânticas, e−β ,
mais importante que a unidade. Nesta situação (A  1), vimos que, para um gás
bosónico
nh3
A → A0 = , (13.41)
(2πmkB T )3/2
e, para um gás fermiónico,

nh3
A= + ··· , (13.42)
2(2πmkB T )3/2

assim a condição A  1 implica que as estatísticas quânticas comportar-se-ão como


a distribuição de Maxwell-Boltzmann:

(i) No limite de altas temperaturas, para uma dada densidade;

(ii) No limite de baixas densidades, para uma dada temperatura.

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dern Physics D, 23 (2014), 1430023 doi:10.1142/S0218271814300237 [ar-
Xiv:1410.1486 [gr-qc]].

[22] O. Bertolami, C. Gomes. «Termodinâmica de Buracos Negros». Revista de


Ciência Elementar, V7(02):034 (2019). doi.org/10.24927/rce2019.034

Referenciais Inerciais, Transformações de Lorentz e Relativi-


dade

[23] B. Schutz. A First Course in General Relativity. Cambridge University Press,


New York, 2009.

[24] H. Goldstein, C. P. Poole, J. L. Safko. Classical Mechanics. Pearson Education,


Essex, 2014.

[25] O. Bertolami. Introdução à Relatividade Geral. 2017.

219
Índice de Autores

Berthelot, D. Travaux et Mémoires du Bureau international des Poids et Mesures –


Tome XIII. Gauthier-Villars, Paris, 1907.
Birkhoff, G. D. «Proof of the ergodic theorem». Proceedings of the National Academy
of Sciences, 17 (1931), 12, 656–660. doi:10.1073/pnas.17.12.656.
Boltzmann, L. «Studien über das Gleichgewicht der lebendigen Kraft zwischen beweg-
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Boltzmann, L. «Weitere studien über das Wärmegleichgewicht unter Gasmolekülen».
Sitzungsberichte der Kaiserlichen Akademie der Wissenschaften. Mathematisch-
Naturwissenschaftliche Classe, 66 (1872), 275–370.
Born, M. «Zur Quantenmechanik der Stoßvorgänge». Zeitschrift für Physik, 37 (1926),
863–867. doi:10.1007/BF01397477.
Bose, S. N. «Plancks Gesetz und Lichtquantenhypothese». Zeitschrift für Physik, 26
(1924), 178–181. doi:10.1007/BF01327326. Traduzido por A. Einstein.
Boyle, R. A Defence of the Doctrine Touching the Spring and Weight of the Air.
Thomas Robinson, London, 1662.
Carathéodory, C. «Untersuchungen Über die Grundlagen der Thermodynamik».
Mathematische Annalen, 67 (1909), 3, 355–386. doi:10.1007/BF01450409.
Carnot, S. Réflexions sur la puissance motrice du feu et sur les machines propres à
développer cette puissance. Bachelier, Paris, 1824.
Clausius, R. «Über eine veränderte Form des zweiten Hauptsatzes der mechanischen
Wärmetheorie». Annalen der Physik, 169 (1854), 12, 481–506. doi:10.1002/
andp.18541691202.
Clausius, R. «Ueber verschiedene für die Anwendung bequeme Formen der Haupt-
gleichungen der mechanischen Wärmetheorie». Annalen der Physik, 201 (1865),
7, 353–400. doi:10.1002/andp.18652010702.

221
Índice de Autores

Dalton, J. «Essay IV. On the expansion of elastic fluids by heat». Memoirs of the
Literary and Philosophical Society of Manchester, 5 (1802), 2, 595–602.
Davisson, C. J.; Germer, L. H. «Reflection of Electrons by a Crystal of Nickel».
Proceedings of the National Academy of Sciences, 14 (1928), 4, 317–322. doi:
10.1073/pnas.14.4.317.
Broglie, L. de. Recherches sur la théorie des quanta. Tese de doutoramento. Migration
- université en cours d’affectation, Paris 1924.
Debye, P. «Zur Theorie der spezifischen Wärmen». Annalen der Physik, 344 (1912),
14, 789–839. doi:10.1002/andp.19123441404.
Dieterici, C. «Ueber den kritischen Zustand». Annalen der Physik, 305 (1899), 11,
685–705. doi:10.1002/andp.18993051111.
Dirac, P. A. M. «On the theory of quantum mechanics». Proceedings of the Royal
Society of London. Series A, Containing Papers of a Mathematical and Physical
Character, 112 (1926), 762, 661–677. doi:10.1098/rspa.1926.0133.
Ehrenhaft, F. «Über die Messung von Elektrizitätsmengen, die kleiner zu sein schei-
nen als die Ladung des einwertigen Wasserstoffions oder Elektrons und von des-
sen Vielfachen abweichen». Kaiserliche Akademie der Wissenschaften in Wien,
Sitzungsberichte Mathematisch-Naturwissenschaftliche Klasse, 119 (IIa) (1910),
815–867.
Einstein, A. «Plancksche Theorie der Strahlung und die Theorie der Spezifischen
Wärme». Annalen der Physik, 22 (1907), 180–190, 800.
Einstein, A. «Über einen die Erzeugung und Verwandlung des Lichtes betreffenden
heuristischen Gesichtspunkt». Annalen der Physik, 17 (1905), 132–148.
Eldridge, J. A. «Experimental test of Maxwell’s Distribution Law». Physical Review,
30 (1927), 6, 931–935. doi:10.1103/PhysRev.30.931.
Euler, L. «Principes généraux de l’état d’équilibre des fluide». Mémoires, 11 (1757),
217–273.
Euler, L. «Principes généraux du mouvement des fluides». Mémoires, 11 (1757),
274–315.
Faraday, M. «VI. Experimental researches in electricity.-Seventh Series». Philosophi-
cal Transactions of the Royal Society of London, 124 (1834), 77–122. doi:10.
1098/rstl.1834.0008.

222
Índice de Autores

Fermi, E. «Sulla quantizzazione del gas perfetto monoatomico». Rendiconti Lincei,


3 (1926), 145–149.
Fourier, J. «Propagation de la Chaleur dans les corpes solides». Nouveau Bulletin
des Sciences par la Société de Paris, 1 (1808), 6, 112–116.
Gay-Lussac, J. L. «Recherches sur la dilatation des gaz et des vapeurs». Annales de
Chimie, 43 (1802), 137–175.
Gibbs, J. W. «On the equilibrium of heterogeneous substances». American Journal
of Science, s3-16 (1878), 96, 441–458. doi:10.2475/ajs.s3-16.96.441.
Heisenberg, W. «Über den anschaulichen Inhalt der quantentheoretischen Kinema-
tik und Mechanik». Zeitschrift für Physik, 43 (1927), 172–198. doi:10.1007/
BF01397280.
Hertz, H. «Ueber einen Einfluss des ultravioletten Lichtes auf die electrische En-
tladung». Annalen der Physik, 267 (1887), 8, 983–1000. doi:10.1002/andp.
18872670827.
Jeans, J. Astronomy and Cosmogony. Cambridge University Press, 1928.
Jeans, J. H. «XI. On the partition of energy between matter and Æther». The Lon-
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Joule, J. P. «LII. On the calorific effects of magneto-electricity, and on the mechanical
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Journal of Science, 23 (1843), 154, 435–443. doi:10.1080/14786444308644766.
Joule, J. P. «5. On the changes of temperature produced by the rarefaction and
condensation of air». Abstracts of the Papers Communicated to the Royal Society
of London, 5 (1844), 517–518. doi:10.1098/rspl.1843.0031.
Joule, J. P. «LIV. On the changes of temperature produced by the rarefaction
and condensation of air». The London, Edinburgh, and Dublin Philosophical
Magazine and Journal of Science, 26 (1845), 174, 369–383. doi : 10 . 1080 /
14786444508645153.
Joule, J. P. «On the Mechanical Equivalent of Heat». Notices and Abstracts of Com-
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Joule, J. P. «XXXI. On the existence of an equivalent relation between heat and
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223
Índice de Autores

Philosophical Magazine and Journal of Science, 27 (1845), 179, 205–207. doi:


10.1080/14786444508645256.
Joule, J. P. «III. On the mechanical equivalent of heat». Philosophical Transactions of
the Royal Society of London, 140 (1850), 61–82. doi:10.1098/rstl.1850.0004.
Kirchhoff, G. «Ueber das Verhältniss zwischen dem Emissionsvermögen und dem
Absorptionsvermögen der Körper für Wärme und Licht». Annalen der Physik,
185 (1860), 2, 275–301. doi:10.1002/andp.18601850205.
Mariotte, E. Essais de physique, ou mémoires pour servir à la science des choses
naturelles. Chez Estienne Michallet, Paris, 1679. Em especial, Capítulo II: «De
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Edinburgh, and Dublin Philosophical Magazine and Journal of Science, 20 (1860),
130, 21–37. doi:10.1080/14786446008642902.
Maxwell, J. C. «V. Illustrations of the dynamical theory of gases.—Part I. On the
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Dublin Philosophical Magazine and Journal of Science, 19 (1860), 124, 19–32.
doi:10.1080/14786446008642818.
Millikan, R. A. «On the Elementary Electrical Charge and the Avogadro Constant».
Physical Review, 2 (1913), 109–143. doi:10.1103/PhysRev.2.109.
Nernst, W. «Ueber die Berechnung chemischer Gleichgewichte aus thermischen Mes-
sungen». Nachrichten von der Königlichen Gesellschaft der Wissenschaften zu
Göttingen, 1 (1906), 1–40.
Pauli, W. «Über den Zusammenhang des Abschlusses der Elektronengruppen im
Atom mit der Komplexstruktur der Spektren». Zeitschrift für Physik, 31 (1925),
765–783. doi:10.1007/BF02980631.
Planck, M. «Entropie und Temperatur strahlender Wärme». Annalen der Physik,
306 (1900), 4, 719–737. doi:10.1002/andp.19003060410.
Planck, M. «Ueber eine Verbesserung der Wien’schen Spectralgleichung». Verhan-
dlungen der Deutschen Physikalischen Gesellschaft, 2 (1900), 202–204.
Purcell, E. M.; Pound, R. V. «A Nuclear Spin System at Negative Temperature».
Physical Review, 81 (1951), 2, 279–280. doi:10.1103/PhysRev.81.279.
Rayleigh. «The Dynamical Theory of Gases and of Radiation». Nature, 72 (1905),
54–55. doi:10.1038/072054c0.

224
Índice de Autores

Schrödinger, E. «An Undulatory Theory of the Mechanics of Atoms and Molecules».


Physical Review, 28 (1926), 6, 1049–1070. doi:10.1103/PhysRev.28.1049.
Schwarzschild, K. «Ueber das Gleichgewicht der Sonnenatmosphäre». Nachrichten
von der Gesellschaft der Wissenschaften zu Göttingen, Mathematisch-Physikalische
Klasse, 1 (1906), 41–53.
Shannon, C. E.; Weaver, W. The Mathematical Theory of Communication. University
of Illinois Press, Urbana, 1949.
Stefan, J. «Über die Beziehung zwischen der Wärmestrahlung und der Temperatur».
Sitzungsberichte der Kaiserlichen Akademie der Wissenschaften: Mathematisch-
Naturwissenschaftliche Classe, 79 (1879), 391–428.
Stern, O. «Eine direkte Messung der thermischen Molekulargeschwindigkeit». Zeits-
chrift für Physik, 2 (1920), 49–56. doi:10.1007/BF01333787.
Stokes, G. G. «On the theories of the internal friction of fluids in motion and of
the equilibrium and motion of elastic solids». Transactions of the Cambridge
Philosophical Society, 8 (1845), 287–319.
Szilard, L. «Über die Entropieverminderung in einem thermodynamischen System
bei Eingriffen intelligenter Wesen». Zeitschrift für Physik, 53 (1929), 840–856.
Thomson, J. J. «XL. Cathode Rays». The London, Edinburgh, and Dublin Philo-
sophical Magazine and Journal of Science, 44 (1897), 269, 293–316. doi : 10 .
1080/14786449708621070.
Thomson, W. «On the Dynamical Theory of Heat, with numerical results deduced
from Mr Joule’s equivalent of a Thermal Unit, and M. Regnault’s Observations on
Steam». Transactions of the Royal Society of Edinburgh, XX (part II) (1851),
261–268, 289–298.
Waals, J. D. van der. Over de continuiteit van den gas- en vloeistoftoestand. Tese de
doutoramento. Universiteit Leiden, 1873.
Kármán, T. von; Born, M. «Zur Theorie der spezifischen Wärme». Physikalische
Zeitschrift, 14 (1913).
Neumann, J. von. «Physical Applications of the Ergodic Hypothesis». Proceedings
of the National Academy of Sciences, 18 (1932), 3, 263–266. doi:10.1073/pnas.
18.3.263.
Neumann, J. von. «Proof of the Quasi-ergodic Hypothesis». Proceedings of the Na-
tional Academy of Sciences, 18 (1932), 1, 70–82. doi:10.1073/pnas.18.1.70.

225
Índice de Autores

Wien, W. «Die obere Grenze der Wellenlängen, welche in der Wärmestrahlung fester
Körper vorkommen können; Folgerungen aus dem zweiten Hauptsatz der Wär-
metheorie». Annalen der Physik, 285 (1893), 633–641.
Wien, W. «Eine neue Beziehung der Strahlung schwarzer Körper zum zweiten Haupt-
satz der Wärmetheorie». Sitzungsberichte der Königlich Preußischen Akademie
der Wissenschaften zu Berlin, 55 (1893).
Wien, W. «Ueber die Energievertheilung im Emissionsspectrum eines schwarzen
Körpers». Annalen der Physik, 294 (1896), 8, 662–669. doi : 10 . 1002 / andp .
18962940803.

226
Apêndices
Apêndice A

Breve Revisão de Análise Vectorial

Façamos, neste apêndice, uma revisão dos conceitos fundamentais da Análise


Vectorial com especial ênfase nos resultados que são importantes no estudo da Ter-
modinâmica e da Mecânica Estatística e não na forma como tais resultados são
obtidos com todo o rigor matemático. Para tal rigor, vejam-se, por exemplo, as
referências [6, 7].
Sejam A ~ eB ~ vectores em R3 podendo ser escritos, genericamente, a partir dos
elementos da base canónica:
~ = ax ~ex + ay ~ey + az ~ez
A
~ = bx ~ex + by ~ey + bz ~ez .
B

Devido à estrutura de espaço vectorial de R3 podemos definir dois tipos de pro-


dutos:
– Produto Interno (ou Escalar)
~·B
A ~ = ax bx + ay by + az bz = kAk
~ kBk
~ cos θAB (A.1)

– Produto Externo (ou Vectorial)


~×B
A ~ = (ay bz − az by ) ~ex + (az bx − ax bz ) ~ey + (ax by − ay bx ) ~ez (A.2)
 
~ex ~ey ~ez
 
= det 
 a x a y a z
 = kAk

~ kBk
~ sin θAB ~n
bx by bz

onde, nas expressões anteriores, θAB ∈ [0, π] e ~n são, respectivamente, o ângulo entre
~eB
os vectores A ~ e o vector normal (unitário) a estes vectores.

229
A. Breve Revisão de Análise Vectorial

Operadores Diferenciais
~ = A(x,
Sejam f = f (x, y, z) um campo escalar e A ~ y, z) um campo vectorial.
∂ ∂ ∂
Podemos introduzir o operador diferencial: ∇ ≡ ~ex ∂x + ~ey ∂y + ~ez ∂z , de forma a
definir:

– Gradiente
∂f ∂f ∂f
∇f = ~ex + ~ey + ~ez = grad f (A.3)
∂x ∂y ∂z
– Divergência
~≡ ∂Ax ∂Ay ∂Az ~
∇·A + + = div A (A.4)
∂x ∂y ∂z
– Rotacional
     
~= ∂Az ∂Ay ∂Ax ∂Az ∂Ay ∂Ax
∇×A − ~ex + − ~ey + − ~ez (A.5)
∂y ∂z ∂z ∂x ∂x ∂y
 
~ex ~ey ~ez
 
= det 
 ∂x
∂ ∂
∂y
∂  = rot A
∂z 
~
Ax Ay Az

– Laplaciano

∂2f ∂2f ∂2f


∇2 f = ∇ · ∇f = + + (A.6)
∂x2 ∂y 2 ∂z 2

~ = ∇2 Ax ~ex + ∇2 Ay ~ey + ∇2 Az ~ez


∇2 A (A.7)

A estes operadores diferenciais estão associados as seguintes identidades

– ∇(f g) = ∇f g + f ∇g

~ · B)
– ∇(A ~ =A
~ × (∇ × B)
~ +B
~ × (∇ × A)
~ + (A
~ · ∇)B
~ + (B
~ · ∇)A
~

~ = ∇f · A
– ∇ · (f A) ~

~ × B)
– ∇ · (A ~ =B
~ · (∇ × A)
~ −A
~ · (∇ × B)
~

~ = ∇f × A
– ∇ × (f A) ~+f∇×A
~

~ × B)
– ∇ × (A ~ = (B
~ · ∇)A
~ − (A
~ · ∇)B
~ + A(∇
~ ~ − B(∇
· B) ~ ~
· A)

230
A. Breve Revisão de Análise Vectorial

~ =0
– ∇ · (∇ × A)

– ∇ × (∇f ) = 0

~ = ∇(∇ · A)
– ∇ × (∇ × A) ~ − ∇2 A
~

Cálculo Integral e Teoremas Fundamentais


Além destes operadores diferenciais, podemos definir resultados integrais importantes

– Integral de linha e de Circulação


ˆ I
A~ · d~r & ~ · d~r
A
Γ Γ

– Integral de Superfície – Fluxo


¨ ¨
~ · dS
A ~= ~ · ~n dS
A
S S

onde ~n é o vector normal à superfície S

– Integral de Volume ˚
f dV
V

A cada um dos operadores diferenciais e integrais anteriores corresponde um


teorema:

– Teorema do Gradiente:
I
∇f · d~r = f (q) − f (p) (A.8)
Γ

onde p e q são os pontos inicial e final, respectivamente, do percurso Γ;

– Teorema da Divergência ou de Gauss-Ostrogradsky:


˚ ‹
~
∇ · A dV = A~ · dS
~ (A.9)
V S≡∂V

– Teorema de Stokes:
¨ I
~ · dS
(∇ × A) ~= ~ · d~r
A (A.10)
S Γ≡∂S

231
A. Breve Revisão de Análise Vectorial

Um resultado final que apresentamos é o Teorema de Helmholtz. Este teorema


reflecte a possibilidade de qualquer campo vectorial que decaia rapidamente poder
ser descrito em termos de uma parte irrotacional e de uma parte de divergência nula,
isto é, dado F~ um campo vectorial, definido numa região V ⊆ R3 , podemos escrever

F~ = −∇V + ∇ × A
~ (A.11)

com
˚ ‹
1 ∇0 · F~ (~r 0 ) 0 1 F~ (~r 0 ) ~0
V (~r ) = 0
dV − · dS (A.12)
4π V k~r − ~r k 4π ∂V k~r − ~r 0 k
˚ ‹
~ r) = 1 ∇0 × F~ (~r 0 ) 0 1 F~ (~r 0 ) ~0
A(~ dV + × dS (A.13)
4π V k~r − ~r 0 k 4π ∂V k~r − ~r 0 k
∂ ∂
e ∇0 = ~ex ∂x 0 + ~
ey ∂y ez ∂z∂ 0 . Este resultado é especialmente importante quando
0 + ~

∇ · F~ = 0 ou ∇ × F~ = 0. Por exemplo, no caso de uma força conservativa, tem-se,


por definição que I
WΓ = F~ · d~r = 0.
Γ

Assim pelo teorema de Helmholtz, existe uma função escalar V tal que F~ = −∇V e
ˆ B
V (A) − V (B) = F~ · d~r.
A

Obviamente, esta função escalar é a energia potencial.

232
Apêndice B

Relação Geral entre Cp e CV

Considere-se a energia interna, U como função da temperatura, T e do volume,


V . Então a diferencial exacta desta energia é:
   
∂U ∂U
dU = dT + dV. (B.1)
∂T V ∂V T
Ora, da primeira lei para um processo reversível:

d̄Q = dU + p dV. (B.2)

Substituindo na Eq. (B.1) obtém-se


    
∂U ∂U
d̄Q = dT + + p dV, (B.3)
∂T V ∂V T
e, portanto,  
∂U
= CV . (B.4)
∂T V
Assim, a Eq. (B.3) pode, portanto, ser escrita para qualquer processo reversível como
 
∂U
d̄Q = CV dT + + p dV. (B.5)
∂V T
Num processo a pressão constante, d̄Q = Cp dT e
  
∂U
Cp dT = CV dT + + p dV. (B.6)
∂V T
dV ∂V

Dividindo ambos os membros desta equação por dT e substituindo dT por ∂T p ,
obtemos,    
∂U ∂V
Cp − CV = +p . (B.7)
∂V T ∂T p

233

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