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Mircea Eliade nasceu em Bucarste, Rome, em 1907 CGraduou's em ilosofia em 1928 c estudio filosofia hind com Surendranath Dasgupta na Universidade de Caleta. Depois de cumprio servigo militar fnalizou seu doutorado, em 193, ‘om uma tse sobre ahistria das tenieas igus. Nas décadas ‘de 30 e0 publicou virios romances, A partir de 1940 tabalhon ‘como adido cultural em Londres e Lisboa e depois da Segura Guerra no voltou Romina, lecionando em vérias univers sdadeseuropsis. Fm 1985, parte para os Estados Unidos como profesor da Universidade de Chicago, onde permanece at sua ‘mort, em 1985 Foi um dos mais inluentesestudionos da rel- {30 do séeulo XX e um dos mais importantes ilérpretes do simbolismo religioso edo mito ‘Do autor a editora Martins Fontes tarbm publion In _gense sind, Metis andr, Tata de histiri des lige O xamanismo eas Wena arenes do Etre Dicionri das regis com Toan F Coun), Mircea Eliade O Sagrado e o Profano ‘Asstncia das reigies Tradusso ROGERIO FERNANDES i mfmartinsfontes Spm cit kt cl eae Te a ‘ma nemarnes ee hsp come INDICE PREFACIO INTRODUCAO. ‘Quando o sagrado se manifesta ois modos de ser no manda 0 sagrado ea hiséra Capitulo I~ © ESPAGO SAGRADO E A SACRALIZA- ‘¢A0 Do MUNDO. Homogencidade es “Teofaniase sinais ‘ale hierofnis| Caos ¢ cosmos CConsigracio de um lugar: repeticio da cosmogonia, (© "Centro do Mundo “Nossa Mundo" situa-se sempre no centeo, Cidade ~ cosmos. Assur a eriagio do mundo, Cosmogonia e Banopfer. 5 0 19 2 2% 2% 28 32 5 46 a 52 Templo, bastica, cated Algumas conclusoes. Capitulo Il - © TEMPO SAGRADO E OS MITOS. Duragio profana e tempo sigeado, Templum-tempus Repeticto anual da cosmogonia Regeneracio pelo regresso 20 tempo original © tempo festivo e a estratura das fests Tomar-se perislicamente 0 contemporlineo dos deuses Mito = modelo exemplar. Reatualizar os mitos Hisedra sagrada,histra,historeismo. (Capitulo Il — A SACRALIDADE DA NATUREZA E A RELIGIAO COSMICA (© sagrado celeste e os deuses uranianos © Deus longing. A-experiénca religiosa da vi, Perenidade dos simbolos celestes Estrutura do simbolismo aquatico Historia exemplar do batsmo, Universalidade dos simbolos Terra Mater ‘tums posto: deposigao da crianga no solo. ‘A mulher, a terrae a Tecundidade. Simbolismo da divore césmicae culos da vegeta. Dessacralizcio da natureza ‘Ourras hierotanias cbsmicas Capitulo 1V - EXISTENCIA HUMANA E VIDA SAN: TTIFICADA, Existéncia “aber” ao mundo, 9 100 103 106 108 109 um us 16 1s 120 13 126 129 133 133 Santiago da vida Compo-Casa-Cosmos. A passagem pela porta esti Bios de passagem Fenomenologia da iniciacao. Sociedades masculinas ¢ sociedadlesfemininas Monee iniiagio. (“segundo nascimento” ¢ a enacao espinal (0 sugrido € 0 profano no mundo moderno Notas Biblicgrafia PREFACIO A ciéncta das religibes, como disciplina autdnoma, tendo por objeto a andlise dos elementos comuns das di- ersas relies a fm de decfrar-lbes as les de evolucao e, sobretude,precisar a origem e forma primeira da reli ‘id, € wina eténcia muito recente (ata do século XEO,e sa fundagdo quase coincidiu com a da ciéncia da ti ‘guagem. Mace Miller impés a expresdo “ciéncia das reli- [gis" on “Ciencia compara: das religiies" ao wulzd-la ino precio do primetro volume de sua obra Chips fom a German Worshop (Londres, 1867). E certo que 0 term fo- 1a empregado esparadicamente antes om 1852, pelo a- dre Prosper Leblanc; em.1858, por F. Steflbagen etc), mas nao no sentido rigoraso que Max Maller ibe dew € ‘gue, dese entao, passou a ser amplamente adovadeo A primeira cdtedra wntversitria de bistéra das re ies fot eriada em Genebra no ano de 1873; em 1876, ‘fundaranse quatro na Holanda. Em 1879, 0 College de France, em Paris, criow também wna cdtedra para a dis- cipina, guido em 1885 pela Ecole des Hautes Btudes da 2 o-stcieibo Fo pRorANO Sorbonne, que organizou uma segdo especial destinada 4s ciéncias religiosas, Na Universidade Live de Brselas, 4 cadera fot instutda em 1884, Em 1910, seguiuse a Alemanbe com a primeira cdtedra em Berlim, depois em Teipzig ¢ em Bonn. Os outros paises europeus acompa- nharam 0 movimento, Fm 1830, Vernes fundava em Pars a Revue de Vis (oire des Religions; em 1898, 0 dr. Acbelis publicava 0 Ar. chiv fir Religionswissenschaft, em Friburg-Brisgau; em 1905, Wilhelm Schmidt iniciasa em St. Gabril- Moding, porto de Viena, a revista Anibropos, consagreda sobre do as raligices primttivas: em 1925 surge Sidi e Material «i Stora delle Religion, de R Petazzon! 0 primeiro Congresso Internacional de Cléncta das FReligies aconteceu em Estocolmo, em 1897. Em 1900 tece ugar, em Paris, 0 Congreso de Histiria das Religie, as- sim denominado por exclu dos seus rabalbos a fosfia da religido e a teolegia. 0 otavo congresso internacional Jot realizado em Roma, emt 1955, Pouco a pouco mulipicaramse as bibliografias, os diciondrios, as enciclopédias, as publicagdes das fortes Assinalemos sobretudo a Encyclopaedia of Religion and Ethics (13 volumes, Edimburgo, 1908-1923), publicada sob a direcdo de J. Hastings; Die Religion in Geschichte Und Gegenwart. Handwoterbuch fur Theologie und Rel sgionswissenschaft (5 volumes, Tubingen, 1909-1913); Re ligionsgeschichtliche Lesebuch, omantzado por A. Berbo let Tubingen, 1908 e seg; 2% ed, 1926 e se.) Textbuch zur Religionsgeschichte, organtzado por Fd. Lebmann (Leipzig, 1912) e, depots, por Ed. Lebmann e H. Haas, Fontes Historiae Religionun ex auctonbus graccis et lati nis, organizadas por C: Clemen (Bonn, 1920 ese): Bil erat zur Religionsgeschichte, por H. Haas e colabora ores Ceipzig, 1924), nssicio 3 Mas sea ciéncia das religites, como diseiplina auth noma, s6 tv tnicto no século XIX, o interese pela bisté- ria das religies remonta a wn passado mustio mais dis- tante. Podemos localizar sua primeira manifestacao na Grécia clssca, sobrenudo a partir do séeulo V. Ese inte- esse manifesta se, por um lado, nas descrigdes dos cultos “esirangeirose nas comparagies com as ates reliiosos na Cionais ~ intercaladas nos relatos de viagens = e, por ou tro lado, na ertica losfica da religiao tradicional. He- radoto (€. 484-€. 425 a.C) jd apresentava descrigses ad- Imiravelmente esatas de algimas relildes exiticas ¢ bd baras (go, Pérsia, Tria, Cia etc.) © cbegou até mes- ‘mo a propor bipsteses acerca de suas origens e relagdes Com os culos ¢ as mitologias da Grécia, Os pensadores pré-socraticos,interogandose sobre a natureza dos det Ses € 0 valor dos mites, fundavam a erica ractonalista da religido. Assim, por exemplo, para Parménides (nase do por volta de 520) ¢ Empédoces (c. 495-435), os deuses fram a personificacao das forgas da Nanureza. Demécrito (@. 460-370), por sua vez, parece terse interesado sing Tarmente pelasreigioes estrangetras, que, aids, conbecia de fonte direta em virtude de suas numerosas viagens: frre a ele, também, um loro Sobre as inscrigdes 8 fracas da Babin, as Narativas caldelas eNarrativas f= Biss. Platdo (429-347) utilizava frequentemente compa raaes com as religions das barbaras. Quanto a Avstteles (384-322), foto primetro a formular, de maneira sistema fica, Teoria da degenerescéncia religlosa da bumanida- de (Metafisiea, XI, capitulo 7), ta que fo retomada ~ ris vezes posteriormente, Teoasto (372-287), que suce- eu a Arisiteles na direcao do Licew, pode ser considera doo primeiro istortador grego das reigives: segundo Dit genes Laérclo (V. 48), Toofiasio compés uma bistéria das relies em sts eras 4 ‘0 stcabo Bo PRaEANO Mas fol a partir das conquistas de Alexandre, 0 Grande (356-323), que os escritoresgregos tveram por lunidade de conbecerdiretamente e descrever as tradicdes religiosas dos poros orientass. Sob Alexandre, Bérose, s@- ‘cendote de Bel, publica suas Babylonik. Megasténe, wirias nezes enetado por Selewos Nikator, entre os anus de 302 € 297, em embaxada ao re indiana Chandragpta, publ a Indika. Hecatou de Abdera ou de Téos (365-270/275) ‘escreve sobre as hiperbsreas e consagra i teologia dos ‘eaibcios os seus Aigyptaki. 0 sacerdoteeeipcta Manéton (éeulo 1D aborda 0 mesmo assunta em obra publicada sob 0 mesmo tudo. Fot assim que o mundo alexandrina ‘passou a conbecer wm grande mimero de mites, rites ¢ eastumes reliesos extn. [No inicio do século I, em Atenas, Epicure (341-270) cempreendeu uma critica radical da religid segundo ee, © “consenso universal" prova que os dewsesexistom, mas ‘Epicure considera-os seres superiors ¢ longingtos, sem enbuma retagdo com os bomens. Suas tses ganbaram opularidade no mundo latino no séeulo 1 a, gracas, sobretudo, a Lucricio(c, 98-c. 53) “Mas foram os estéicas que, no final do perido antigo, ‘exerceram uma injluéncia profunda, ao elaborarem a ecegese alegrica, meétado que Ibex permitiu naar €. ao ‘mesmo tempo, revaoniear a heranca mitogica. Segundo ‘5 estes, os mitasrevelavam: vse flosficas sobre an tureza profunda das coisas, ow encerravam preceitos mo- ras, Os muiluplos nomes dos deuses destgnavam uma si divindade, e todas as eligioesexprinsam a mesma verde de fundamental: 5 variava a terminolegia. O alegorismo estdico permit a traducao, numa Hnnguagem writers ¢ Jaciimente compreensiel, de qualquer tradigae antiga on ‘erotica, O metodo alegértco aleangou sucesso consider te este entdo passou a ser freqtentemente tilizado, ! | paesicio 5 A fdéia de que certos deuseseram reis ou beréis divi- ntzados pelos sengos que haviam prestado a humanida- de abria caminbo desde Herédoto. Mas for Buémer (c. 330, 260) que populartzon essa interpretagdo pseudo Tistrica da mitologsa em seu to A lnscricao Sagrada. A grande difusao do evemerismo deveu se, sobretuo, ao poe ta Bnnius (239-168), que verteu para 0 lam & Insctigao Sagrada, aos polemistas cristdos, que mas tarde se apode- ‘ara dos argumentes de Brémero. Com wn método mui to mass rigoreso, 0 erudito Poibio (@. 210-205-. 125) ¢ 0 gevgnafo Esta (c. Oc. 25 .C.) eforgaramse por e ‘laracero foe histrico que coras mites gregos podiam Entre os celtics romans, Cicero (106-43) ¢ Varro (116-27) merecem meno especial pelo valor bistrico religiso de suas obras. Os quarenta licros das Ankiuia- des Romanas, de Varrao, acumulavam uma erudligao Jmensa. No De Natura Deorum, Cicero dava uma descr (ao bastante fie! da stuagdo dos tose erencas no timo Seta da er pasa. ‘A difsdo dos cutos ortentatse das religies dos mis- térios no Império Romano, @ 0 sincretismo religiaso que af resultow, sobretudo na Alexandria, favorecen 0 co Inhectmento das religides extricas e as investigagies sobre das antiguidades religiosas dos diversos patses. Nos dots ‘primeirosséculas da era crista, 0 evemerisia Herenmius Philon publicon sua Histéia Fenicia, Pausinias a Desc (lo da Grécia ~ inesgatdvel mina para o bistoriador das religides ~e (0 pseudo-) Apolodor) sua Biblioteca consa- _grada dmitologia, O neopitagorssmo e © neoplatanismo fferuaram, com base nessas obras, a revalorizacdo da fexrgese expirtualisia dos muitos ¢ das rites. Um represen ante tipico dessa exegese 6 Phuarco (45-50-c, 125), parti= ccularmente no sew tratado De Iskde et Ossie. Segundo 6 fo stenaD0 £0 PRotano Plutarco, @ diversidade das formas rligiosas & apenas “aparente; es simbolismos revelam a unidade fundamental das reigies. A ese escic & expressa com um nou brilbo ‘por Seneca (2-66): as muiiplasdivindades soos aspectos de um Deus tinico. Por outro lado, as descrgaes das rel ‘ides estrangeiras e dos cultosesorricos multplicamse (César (101-44 aC.) € Taco (©. 55-120) forneceram infor ‘mages precosas sobre as religtes dos ganleses e dos ger- ‘manos; Apulei (séeulo If d.C.) descreveu a intciagdo dos mistérios de ss; Luciano apresenton 0 culo srio no seus De Dea Syria fe. 1204.0) Para os apologisias e os beresiarcas erisdos, a ques- to se colocava num outro plano, pots acs mulipls det. 0s do paganismo eles opunbam o devs nica da relgiao revelada. Fradbes necessario, portant, demonstrar, por tum lado, a origem sobrenatural do cristianssmo ~ ¢, por ‘conseqiéncia, sua superionidade ~ e, por outro lado, t- inham de explcar a origem das deses pagacs,sobretudo 4 idolatria do mundo pré-risao. Tambem prectsavam exsplicar as semelbancas entre as relgies dos mistéros 0 cristianismo, Foram sustentadas ednas teses: 1) 0s dem nios, nascidos do comércto dos anjos caidos com as “fi: ‘as dos bomens’, snbam arrastado 0s poves para a tdo- letra; 2) 0 plato (os anjos maus, conbecendo as profecias, ‘estabeleceram semelbancas entre as religides pagdse oj daismo e 0 erstianismo, fim de perturbarem os crentes, ‘as flésofos do paganismo bavsam snspirado suas doutr nas em Moisés ¢ nos profetas) 3) a razdo bumana peste flerarse por st mesma ao conbecimento da verdad, por- tanto.0 mundo pagdo podia ter wm conbecimento natural de Deus, A reagdo paga tomow muliplas vias, Manifeston-se pelo ataque violento, por vola de 178, do neopltagérico (Celso contra a originaldade eo valor esirtual do ertsta- smo; peta Vida de Apotenio de Tana, esrta plo sofista Filestrato (¢. 175-149), ma qual sdo comparadas as con- capebes religiosas dos indians, dos gegas e dos exipcks © ‘que prope um ideal de religlosdade paga e de werdncia; pelo neaplatinico Porfinio(c. 233-. 305), disco e edi- tor de Plotino, que ataca babiimente 0 crstianismo uti zando 0 métedo alegérico; por Jamblico (c. 280-c. 230), (que mit por un Sdeal de sincretismo e tolerancia ‘No contracatague cristao distinguem-se, no grupo apricano, Minuctus Fete, Teruliano, Lactancio, irminus Maternus e, no grupo alexandrino, 0s grandes enuitos ‘Clemente de Alexandria e Origenes. Eusébio de Cesaréia tna sua Cronica, Santo Agostinbo na Cidade de Deus € Paulo Orisio nas suas Histrias trouseram as timas re- Jiiages do paganismo. Concordaam coms os autores pa- ‘edos ao sustentarem at tse da degenerescéncia crescente fdas religies. Nos seus eseritas, como als nas escrtos de seus adversaries ¢ dos outros autores cristo, consenvou- ‘se um nitmero consideravel de informagoes Distnico-rei- ‘losas sobre os mites, rites e costumes de quae todos os Dpovas do Império Romano, bem como sobre os gndsticos € ‘as setas berticas crs, ‘No Ootdente, 0 interesse pelas religides estrangeiras {foi suscttado durante lade Média pelo confronto com 0 Isla, Em 1411, Pedro, 0 Venerdvel, mandou que Roberto de Rétinestrauzisse 0 Corto, ¢ em 1250 fundaram se e- Colas de ensino do drabe. Nessa data, 0 ila $a producira ‘bras importantes acerca das reietes pagas. Al-Birunt (073-1048) fizera wma descrigao notavel das religides © ‘das filosofas indsanas, Chabarastani (m. 1153) escrevera tum tratado sobre as excolas éslamicas; In Hazn (994- 1064) compara tum volumsoso eerudito Livro das solucbes decisivas relativas as religides,seitas © escolas, no qual falava ilo duane masdetsa e maniguen dos bramanes, a ‘ostcnabo Bo PwarANO Jiudeus, oristies, aes e das numerosas setts samicas, Mas era sobretulo verre (bn Resbd, 1126-1198) que, depois de uma profunda influéncia sobre o pensamento ‘sldmico, estava destinado a provocar toda ima corrente de pensamento no Ocidente. Na sua interpretacao da rel Bio, Averroes tlizon 0 métoda simbico eo alegorismo, Concluiu que todas as reigies monoteitas eram vend divas, mas partlbava com Arsieles a opiniao de gue, ‘num mundo eterno, as relgdes aparociam edesapareciam Entre 0s judous da Made Média, merecem destaque dos autores Saadia (892-942), com seu ltro Das erencas © das opinides (publicado por volia de 933), no gual faz ‘uma expesicao das religies des brmanes, cristdes mi ulmanos integrada a uma fiosofia religiosa, e Maimon- ddes (1135-1204), que emproenden tm estuda comperat- 0 das religides, eotando cusdadesamente a pesigao do Sincretimo. Ness estudo, 0 autor tentou explicar as én ‘erfetcdes da primeira reigizo revelada, o judaismo, ela dowirna da condescendéncia dieina e do progreso da bumanidade, teses que haviam sido atilizadas tambon pelos padres da kre A aparigdo dos mongéts na Asia Menor e sua Bostil- ddade/em relacdo aes drabes decidiram as papas a envias ‘em missiondrias a fim de se snformarem das religioes dos costumes desse pov. Em 1244 Inocéncia IV encion dois dominicanos e dts franciscanos, um des quals, Jean de Plan de Carpin, ao regressar de Karahorum, ner Asta Geniral,escreten 0 istoria Mongalorurm. Bm 1253, 8. Luls ‘enviou Guillaume Russbroeck a Karakorum, onde este, segundo conta, sustentou uma disputa comira os mani ‘ques os sarracenos. Por fim, em 1274, 0 veneztano Mar- 0 Polo publicou sew live no qual falava, dente ouras ‘maracitbas do Oriente, da vide de Buda. Todos ees I presico 9 ros tiveram tm sucesso tmenso, Uritzando essa docu- ‘mentagido nova, Vincent de Beauvais, Roger Bacon e Ray ‘mundo Lio expuseram em seus escrits as crencas dos “délasras’, dos tanars, das sarracenos e dos judeus. AS teses dos primeira apologists cristo foram retomadas: cde un lal, doutrina do conbectmeno espontdngo de ‘Deus; de outro, as tess da degenoresebncia e da influ ‘cia dos deméntos na difusao do poltetsmo. ‘A Ronascenca reencontra ¢ revaloriza 0 paganism, sobretudo gracas a moda alegorista do neoplatonismo. Masilio Fino (1433-1499) editou Porfirio, 0 pseudo- Hamblico, Hermes Trismegsto e comps wna Teologia pla- ‘nie, Pino considerava os ttimas discipulas de Plotino (0 mais autortzados tmérpretes de Plao. Os humanisas Supunham a existéncia de uma tradigao comum a todas 1s religies, sustentandlo que o conbecimento desta basta ba para a saleagdo e que, em stm, todas as religices fram equivalents, Em 1520 aparece a primeira bistéria _goral das religioes Omnium gentium motes lees et rts de Jeans Boom, la orem teutdnica, em iu se encontra tam descritas as crencas da Afric, a Asia e da Europa. ‘As descobertas googrdficas dos séculos XV e XVI abri- 1am novos bortzanies ao conbecimento do bomem religio ‘0. As narratioas des primetros exploradores foram re das em “coletdneas de viagens" ¢ obtiveram enorme suces- so entre os eruditos europens, A essas coleneas adicio- naramse em seguida as Cartas eas Relatos publicades pe- las msssiondrios da América e da China. Uma primeira fentativa de comparacdo entre as religides do Novo Mun: doe as cea Antiguiade fot feta polo mistonari J. Fr. La fits em Mocurs des savages americans comparées aux Imoctrs des premiers temps (Parts, 1724). O juiz Cb. de ‘Brosses apresenta ai Académie des Inscriptions, em 1757, f@ meméria Du cute des dicux féiches ov Parallele de 0 Co s4cRAbO £0 PROFANO Tancienne religion de Igypte avec la religion atuelle de Ia Night, que a academia considerou audaciosa demas ‘para ser publicada e que apareceu ancnima em 1760, Respondendo a Lafitau e snspirando-se em Hume, Ob, de ‘Brusses considera emada a suposido de que o pots int Cialmente tvwram de Deus uma concepcao pura, ie se Jot degenerando através des tempos; pelo contrari, visto ‘que "0 espiito bumano se elewa por gras la inferior pa 1a o superior’, a primeira forma religisa 36 pode ter sido _groseiras 0 feichismo ~ termo que Ch. de Brossesttiiza no sentido vago de culto dos animais, vegetats © objetos ‘nanimados (0s deistas ingleses, sobretudo D. Hume, os filesofes € enciclopedisas franceses ~ JJ. Rousseau, Voltaire, Dide- tr, d'Alembert = ¢ cs iuminustas alemaes(principatmente FA. Wolfe Lessing) retomam com vigor a discuss do problema da reigiao natural. Sas foram ox eruditos que {fizeram wma conuribuicao poste para a énterpretagdo das reigibes enitcas, pagas ou primitvas, Ceres autores ‘exercenan una grande influincia, tanto pelas hipoteses ‘que levantaram, como pelas reagdes que suas obras pro ‘ecaram ao longo do tempo: Fontenelle, no sew Discours sur Torigine des fables (publicado em 1724, mas compos- {to entre 1650 e 1699), dat provas de wm expitto Distorico enetrante e antecipa as eorias animistas do seco XIX. Francois Dupuis publica em 1794 LOrigine de tous les cules, em que se esforga por demansinar que a bistéria dos deuses, mesmo a vida de Cris, ndo pasa de alegorias do curso dos ast, tee gue sed retomada pelos pant Tonistas do fim do século XIX; Frederich Crewzer, na sta Symbolik tind Mythologie dee alten Volker, besonders der Griechen (1810-1812), tonta reconsiruir a fase pri rmondiais das relgces ‘pelgicas”e orientate © mastrar 0 ‘eel dos simboles (suas teses foram demolidas pelo racio- [ previcio nalista Christian August Lobeck numa obra enorme, pu blicada em 1829, Aglaophamus). Gragas as descobertas fesias em todos os setores do corientalismo na primeira metade do século XIX, ¢gracas também a constinulgao da fiologia indo-européia e da ngiistica comparada, a bitra das religioes ating seu terlaetro smpralso com Max: Maller (1823-1900). Bm Es: iy on Comparative Mythology, que data de 1856, Mallor labre urna longa sénle de estudos seus e dos partidarios da ‘Sua feorta, Muller explica @ eriagao dos mito pels fen ‘menos naturais~ sobretudo as eifanias do Sol~ e 0 nas- Cimento dos dewses por wma “doenga da linguagem’= 0 ‘que, orginariamente, ndo pascava de wm nome, nomen, omnowse uma divindade, pumen. Suas tess tiveram tam sucesso considenivel e s6 perderam a popularidade pelos “fins do séeulo XIX, depos das trabaihos de W. Marnbarde (1831-1880) e Bdlward Burnett Tylor (1832-1917). W. Mannbara, em seu livre Wald-und Feldkulte (1875-77), ‘mostra a importancia da “bata mitlogia’,sobrevivente ‘ainda nes ris e nas crengas dos camponeses. Segundo fee, essas crengas representam wm estdgio da religido ‘mass anuigo do que as mitologias naturists esudadas por Max Miller As teses le Manmbardt foram retomadas e -epularizadas por Sir ames George Frazer, na obra The Golden Bough (7890; 3° edi¢do 1907-1913, em 12 volu- ‘mes). Bm 1871 apareceu o hiro de EB. Tylor, Paimiive Culture, que fer dooce ao Tangar wma nova moda, a do ‘animism: fara 0 bomem primitivo, tudo é dowado de tuma ala, e esa crenca fundamental e universal nao $6 explicaria o culto dos mortos © dos antepassados, mas também o nascimento dos deuses. Uma nova teoria, a do pré-animismo, fo elaborada a panir de 1900 por R. R ‘Marret, K. Th, Preusse outrassdbos: segundo essa teria, nna origem da religido encontra-se a experiéncia de uma R o-s4cieabo Bo pROrANO forga impessoal fan). Uma erica do animisma, mas ‘pariindo de outro ponto de vista, fot fetta por Andrew Lang (1844-1912), que constatou, nos nets arcatces de cultura, a crenga em Sores supremos (All-Fathers), que ndo podia ser explicada pela crenga em expirits. 0. P. Wilbeim Sebmidt (1868-1950) retomon essa tdéta e, ela oranda nas perspecticas do metodo bistérico-cultural, esforcouse por demonsirar a existncta de um monetets ‘mo fundamental (ef. Der Ursprung der Gotteside, 12 00- Shae, 1912-1955). ‘Durante a primeira metade do século XIX surgem ‘outros movimentas. Emule Durebetm (1858-1917) fulgaver ter encontrado no totemismo a explicacao socioldgica da religito. (O termo towem designa, entre as Odjibwa da América, 0 animal cujo nome 0 eld usa e que é conside- nado 0 aniepassado da raga.) Ja em 1869, J. F Mac Len nan afirmava que o totemismo constitu a primeira forma roligiosa. Mas investigacées posterores, sobretudo as de Frazer, mostraram que 0 fotemismo ndo se difundiu por ‘odo 0 mundo e que, portanto, ndo podia ser consderaudo 4 forma religiosa mais antiga. Lucien Lévy-Brubl tents ‘provar que 0 comportamento religiso se explicara pela ‘mentatidade pré-ligica dos primitives ~ ipotese a gue re- nunciow mo fim da sua vida, Mas esas bipbtses social cas no exerceram uma tnfluoncia deradoura sobre as Investigacées bistrico-eligiosas. alguns etndloges, efor ‘ando-se por fazer de sua disciplina uma eténcta bist a, coniribuiram indivetamente para a Pistiria das reli sides. Enire ees etnélogas, podemos cttar Fr. Graebner, ‘Leo Frobenius, W. W. River, Wilbebm Schmidt na Europa, 4 escola americana de Franz Boas. Wilhelm Wundt (1832-1920), Willian James (1842-1910) ¢ Sigmund Freud (1856-1939) propuseram explicagdes pscoldgicas dda roigiao. A fenomenologia da religido teve 0 seu pri resixo 1b rmeiro representante autorizado em Gerardus van der Teeu (1890-1950), Atuaimente, 0s bistoriadores das religises esto dt dides entre duas orientagées metodolégicasdivergentes, ‘mas complementares: wns concentram sua atenga prin ipatmente nas esreturas especificas dos fenémenos ret- _sioss, enquanto outros interessam-se de preferéncta pelo ‘ontexto histrico desses fendmenas; os primeiros exfor- {6am-se por compreender a esséncia da religido, os outros ‘abalbam por decifar e apresentar sua bistria, INTRODUCAO Ainda nos lembrams ds repercussio mundial que “olkeve o listo de Rudolf Ott, Das Helge (1917). Seu Su ‘cesso deu-se gragis, sem dvida, 2 novidade e 2 origina Hidade da perspectiva adotada pelo autor Dotaclo de grande refinamento psicologico e foralec por una dupla preparagao de tedlogo e de historiador das religides, Rudolf Ovo conseguiu esclarecer 0 contet do € 0 carter especfico dessa experiéncia, Neligencian- do o lado racional e especulativo da religiao, Oto vob tou-se sobretudo pars 0 lado ieracional, pois tina ldo Latero e compreendera o que quer dizer, para um create, ‘0 "Deus vivo", Nao era 0 Deus dos filésofos, o Deus de Erasmo, por exemplo; no ert uma idéia, uma nocio, abstrats, uma simples alegoria moral. Era, pelo conto, ‘um poder terrvel, manifestado na “c6lera”cvina ‘Na ob Das Heilig, Rudolf Otto esforga-se por ch rilicar 0 caniterespecifien dessa experignci terrfica ei 16 stab Fo pRorANo racional One Slaps gPetac et come mains Go lati, orque elas si0. prove wvelacio de um aspecto do poder divino. O. Geeargitscase coms qualquer cols de gene ade re, radical € totalmente dliferente: nio se assemelha a nada de humano ou césmico; em relago ao ganz ander, Sa grant der to une 0 Fa ~ segundo os termos com que Abraao se dirgi a0 Se- hor = de ndo ser *senao cinza e p" (Genesis, 18. 2) gegen epee oe E cento (que a linguagem exprime ingenuamente 0 tremendum, 04 majestas, ou © mpsterium fascinans mediante ter ‘mos tomaidos de empréstimo ao dominio natural a a vie dda espiriual profara do homem. Mas sibemos que ess terminologia analdgica se deve justamente a incapacida- de humana de exprimir 0 ganz andere: linguagem ape- nas pode sugerir tudo © que ultrapassa a experiéneia na ‘ural do homem mediante termos trados desst mesma ex: perigncia natura Passados quarenta anos, as andlises de R. Oto guar dam ainda seu valor 0 letor tari proveito da leitura & dla mediacao delas. Mas nas paginas que sequem situa ‘mo-nos numa outra perspectiva. Propome-nos apresentir © fenémeno do sigrado em toda a sua complexidade, e “Bm alemio no tex ego (NT) rmopuio 7 rio apenas no que ele comport de tracional. Nao € a relagio ene os elementos no-acional ¢racional da re- Tigo que nos interessa, mas sim o sagrado na sua foal dade. O 10 protuno. As paginas que 0 Teli vai abordar tém por objetivo lustre precisa essa ‘oposigio entre 0 sagrado e 0 profane, ‘Quando 0 sagrado se manifesta tate lela lata tee st 5e mans, ses como sig asset a fcc ice fe ideas 9 0 a aD “eta do gad, pops o emo bin B- eiemo pose no impicsnenhuma precio suplementar. exprime apenas 0 que estd implicado no seu contesido etimol6gico, a saber, que algo de sagrado se nos reveld Poder-seia dizer que a historia das reli sides ~ desde as mais primitivas as mais elaboradas ~ € ‘onstituida por um ndmero consderivel de hierofanias, paelas maniestagdes das realidades sageadas. A panir da ‘mais elementar hierofania ~ por exemplo, 2 manifetagio do sagrado num objeto qualquer, ama pedra ou uma i= ore = © até # hierofanin suprema, que é, para um crs- to, « encamagio de Deus em Jesus Casto, no existe so- lugio de continuidade. Encontramo-nos diante do mes- mo ato misterioso: a manifestagio de algo “de order - Ferente” ~ de uma realidade que mo pertence 20 nosso ‘mundo — em objetos que fazem pare integrante do nos- s0 mundo “natural, “profano” ‘0 homem ocidental modeso experiments im certo mal-esardiante de inimenss formas de manifestagdes do sagmdo: & dif para ele aceitar que, para cemtos seres 18 ostcAb0 Bo ProRANO hhumanos, 0 sagrado possi manifestarse em pedras ou frvores, por exemplo. Mas, como no tardaremos a ver, no se tata de uma venerigio da pedra como pedra, de um culto da drvore como drvore. & pedea sageada, 2 iro. re sagrada nio sio adoradas com pedra ou como devore, mas justamente porque Sio bierafanias, porque "reve: Tam” algo que fi nao é nem pedea, nem irvore, mas 0 sa- grado, 0 ganz andere [Nunca seri demais insistir no paradoxo que constitu toda hierofania, até a mais elementar. Manifestando 0 sa grado, um objeto qualquer torna-se our coisa e, cont do, continua a ser ele mesmo, porque continua a partici. par do meio césmico envolvente. Uma pedia sagrada ‘nem por iso & menos uma peda aparentemente (para sermos mais exatos, de um ponto de vista profano) nada a dstingue de todas as demais pedas. Para aquees a cujos colhos uma pedra se revelasagrad, sua ealidade imedia ‘2 wansmuda-se numa realidade sobrenatural. Em outras palavras, para aqueles que t@m uma experigncia religio sa, tod a Natureza 6 suscetivel de revelarse como sacra lidade cGsmica. © Cosmos, na sua totaidade, pode tor rar-se uma hierofaia. ‘© hhomem das sociedades arcaicas tem a tendéncia par viver © mais possivel no sagrado ou muito perto dos ‘bjetos consagrados. Essa tendéncia 6 compreensivel, pois para 0s “primitivos", como para o homem de todas as sociedades pré-modemas, 0 sagrado equivale 40 po- der e, em ima analise, 4 realidade por exceléncis. O sigrado esti saturado de ser. Poténcia sagrada quer dizer a0 mesmo tempo realidade, perenklade e eficicia, A ‘oposicio sagrado/profano tradue-se muilas vezes como, ‘uma oposicio entre real e ireaf ou pseuclo-eal. (Nao se deve esperar encontrar mas linguas acaicas ess termino- logia dos figsofos = rea-redl ete, — mas encontea-se a vrmo0¢i0 19 cofsa) E, portanto, fill de compreender que o homem feligioso deseye profundamente ser, pasticipar da realida- ide, saturarse de poder. deste assunto, sobretudo, que nos ecuparemos nas piginas a seguir: de que maneira 0 homem religiso se fsforga por manteese o miximo de tempo possivel num universe sigrado e, consequentemente, como se apresen ta sua experiéncla total da vida em relagio a experiencia {do homem privado de sentimento religioso, do homem ‘que vive, ou desestviver, num mundo dessacralizado. E recieo dizer, desde ji, que descoberta recente na histéria do espisto humano, Nao € nossa tarfa mostrr mediante quals processos histricos, ‘e-em conseqaencia de que modificagdes do comport mento espiiual, © homem modemo dessacralizou seu mundo e assumiy uma exiséncia profana. Para 0 nosso texistenciais do homem religioso das sociedades arcacss Dis modes de ser no mundo Pode-se medir © precipiclo que separa as dus mo- dalidades de experiencia ~ sagrada e profana ~ lendo-se fs descrigdes concementes 20 espago sigrido © & cons- trucio ritual da morada humana, ou as diversas experien- clas religiosas do Tempo, av as relagoes do homem reli fiowo com a Natureza e mundo dos utensilios, ou & Consagragio da propria vida humana, 2 stcralidade de {que podem ser caregadas suas fungoes vitais (aliments 20 Co s1c1D0 ko PRoFANO 0, sexualidade, ta © que 0 alstingue de um Fhomem pertencente as sociedades areicas ou mesmo de lum campons da Europa erst Para a consciénela mo- ddema, um ato Risioldgico ~ a alimentacto, a senualidade lc. ~ no €, em suma, mais do que tm fendmeno ong nico, qualquer que seja 0 nuimero de tabus que ainda 0 cenvolva (que impoe, por exemplo, certs regnis para “co” ced lath ‘SStolitcarsgam nen s ore Mundo mio interessam unicamente a historia das rel. aides 01 2 sociologia, no consttuem apenas o objeto de festudos historicos, socilgicos, etnoldgicos. Em lima, instineia, os mados de ser sagrado e profano dependem das diferentes posicodes que 0 homem conquistou no Cosmos e, conseqientemente,inteessam mo 36 40 fl sofo mas também a todo investigaor desejoso de conte cer as dimensbes possveis da existncia humana Por essa rizio, © autor deste pequens lvro, embora "um historiador das religides, propde-se nao eserever un ‘camente da perspectiva da cgncia que cultva. O homem das sociedades trdcionais & por asim dizer, um hom refigiosus, mas seu comporamenta enguacea-se no com. Portamento geral do homem e, por conseguinte, interes 2 antropologis floc, & fenomenologi, & psicologa, srmo0t0 a ‘A fim de sublinhar melhor as notas especificas da existencia num mundo suseetivel de tomarse sigrado, ‘o,hestaremos em citar exemplos escolhidos entre um grande nimero de religides, pertencentes a ides © cl furs diferentes. Nada pode substiuir 0 exemplo, o fato ‘concreto, Sera vie discorrer acerca da estrutura do esp fo sigeido sem mostrar, com exemplos precsos, como, ‘Se conszoi tim fal espago e por que & que tal espago se toma qualitaivamente diferente do espaco profano que © cerca. Tommaremios esses exemplos entre mesopotimicos, indianos, chineses, kwakiuts ¢ outas populagdes primi vvas. Da perspectiva hisrico-cultural, uma tal justo ‘Go de fitos relgiosos, pertencentes a povos to stan tes no tempo e no espaco, nio deixa de set um tanto pe- rigosa, pois ha sempre 0 risco de se recair nos eros do século XIX e, principalmente, de se acredita, como Tylor ‘ou Frazer, numa reagdo uniforme do espirto humano dian te dos fenémenos natunis. Or, os progressos da einolo- ‘git cultural e da historia das religioes mostraram que hem sempre isso ocorre, que as “feagbes do homem dian- te da Natureza” slo condicionadas muitas vezes pela cul tura~ portanto, em Glima instincia, peta historia. Mas, para 0 nosso propésito, & mais importante sa- lientar as notas especificas da experiéneia religiost do ‘que mostrr suas mliplas varagbes e as diferenas oca- Sonadas pela historia, E um pouco como se, a fim de Captamos melhor 0 fendmeno postico, apelissemos para ‘uma massa de exemplos heterogéneos, ciando, a0 lado cde Homero, Virgilio ou Dante, pocmas hindus, chineses ‘94 mexicinos ~ OU Sea, tomando em conta no 6 podt- cas historicamente solidérias (Homero, Virgilio, Dante) ‘mas também algumas criagdes baseadas em outras esti cas, Do ponto de vista da histéra da literatura, tas just posigdes slo duvidosas ~ mas sio vilidas se temos em 2 ‘ostcibo Bo PRoraNo Vista @ descricio do fendmeno poético come tal, se nos ropomios mostrar a ciferenca essencial entre & lingua ‘sem posica ea linguagem ultra, covidiana, 0 sagrado ea bistiria (© que nos interessa,acima de tudo, € apresentar as ‘dimensoes expecta da experiencia religiosa, salient suas diferengas com a experiéncia profina do. Mundo, ‘io insistremos sobre os inumerivels condicionamentes ‘que a experignciareligiosa no Mundo sofreu no curso do tempo. E evidente, por exemplo, que os simbolismos & (0s cultos da Terra-Mie, da fecundidade humana e age sa, da sterlidade da mulher ete. nao puderim desenvol- verse consituir um sistema religioso amplamente arti culado senao pela descoberta da agricuturs. £ igualnen te evidente que uma sociedade préagricola, especiliza lana caga, mio podia sentir da mesma maneins, nem ‘com mesina intensidade, a sacralidade da Terr-Mae i, poranto, uma diferenga de experiéneia relgioss que se explica pelas lferengas de economia, cultura © orga sizagio social ~ numa palavea, pela histéria, Contuto, entre os cagadores némades e os agrcultores sedentirios, hi uma similtude de comportamento que nos parece in- Fintamente mais importante do que suas diferenas; ta uns como outros vivem num Cosmos sacralizada, uns ‘como outros partcipam de uma sacrlidade eésmica, que se manifesta tanto no mundo animal como no mundo ve= etal, Basta comparar suas situagoes existenciais 28 de ‘um homem das soviedades modennas, vtvendo num Cos mos dessacralizado, para imediatamente nos darmos con- 1a de tudo o que separa este dltimo dos outs. Do mes- ‘mo modo, damo-nos conta da valde dis comparacoes smmo00cio 23 centre fats religiosos pentencentes a diferentes cultura: todos esses Fatos partem de um mesmo comportamento, ‘que € 0 do bomo religiass. Exe livro pode, pois, servi como uma introdug0 eral 3 historia das religides, visto que descreve as moda- Indes do sagrado « stuagio do homem num mundo carregado de valores religosos. Mas no constvul uma ‘br istria das religioes no sentido esrito do termo, pois © autor no se dew a tarefa de indicat, a propésito ‘dos exemplos que cla, os espectivos contextos histée- Ccovculturais. Part fazelo, seriam necessirios virios volu- fics. O leitor encontrar todas 26 informagoes adicionals 1a bibliografia. Saint-Cloud, abril de 1956 Mircea Blade caPiTULO I (© ESPACO SAGRADO E A SACRALIZACAO DO MUNDO. Homogeneldade espacial e bierofania fest epee teeter an) mes daqui, disse o Senhor a Moisés; tra as sandalias de ‘eus pes, porque 0 lugar onde te encontras & uma terra santa” Exodo, 3:5) Hi, portato, ‘mem religioso ess nao-homogencidade espacial raduz se pela experiéncia de uma oposicio entre 0 espaco si- sraco ~ 0 Gnico que € rea que existe realmente ~¢ 10 {do 0 resto, a extensio informe, que 0 cerca. E preciso dizer, desde ji, que a experiéncia eeligiosa da no-homogeneidade do espago consul uma experién- ‘a primordial, que corresponde a uma “fundacio do mundo". Nao se trata de uma especulagio teorica, mas 26 ossceAD0 BO PROEANG de uma experiéncia religiost primaria, que precede tka 4 reflexao sobre © mundo. & 2 rotura operada no espago {que permite 4 consituigio do mundo, porque € ela que descobre o "ponto xo", o eixo central de toda a orent- Ho Tatura, Quando o sagrado se manifests por uma hie rofanis qualquer, no s6 a rorura na homogeneidade do ‘space, como também reewagdo de ima reatidade abs ta, que se opie 2 ndo-realidade da imensa extensio envolvente. A manifestagio do sagrado Funda ontologica mente o mundo. Na extensio homogénea e ifinita onde ‘do € possivel nenhum ponto de referencia, © onde, por "ao¥o, nenhuma orientardo pode efetuarse, a hierofania revela um “ponto fixo" absolut, am “Centr, ‘Vemos, portanto, em que medida a descoben — ou seit, revelugio ~ do espago sagrado tem un valor exis tential para © homem religioso; porque nacla pode come- {3 mada se pose fazer sem ma ovenacio previa ~ e toda orientagie inp Para viver no Mundo é descoberta ou a projego de um pon- to fixo ~ 0 “Centro” ~ equivale a Crago do Mundo, ro tardaremos a citar exemplos que mostrrio, de ma ‘eira absolutamente clara, o valor cosmogénico da orien taedo ritual da eonstrucio do e espa ‘0 geomeéirico pode ser cortado e delimitado seja em que ‘diregao for, mas sem nenhuma difereneiagao qualititva — € portanto sem nenhuma orientagio ~ de sua propria es trutura, Basta que nos lembremos da definigio da espace DO SPACD.SAGRADO Ea SACRALZACIO DO MUNDO 2 dada por um clissico da geometria. Evidemtemente, & preciso nao confundir 0 concetto do espago geomitrico hhomogénco © neutro com a expenténcla do espaco “pro fano” que se opde 2 experiéncia do espago sigrado, & {que € a tniea que interessa 20 nosso objetivo. O eonceito ‘do espago homogéneo e a histria desse conceito (pois fo} adotado pelo peasamento flosiico e clentifico desde 4 Amtiguidade) consttuem um problema completamente fiferente, que no abordaremor aqui. O que interessa a nossa investigacio € a experiéneta do espaco tal como & vivida pelo homem nao-religioso, quer dizer, por um ho mem que recust a sactalidade de mundo, que assume unicamente uma existéncia “profina”, purificada de toda pressuposigo religios E preciso acrescentar que uma ta existéncia profana ‘se enconta no estado puro. Seja qual for 0 gra de dessicralizagio do mundo a que tenha che Isto ‘cari mais claro no decurso de nossa exposigio: veremos (que até a exiséncia mais dessaeraizada conserva ainda ‘uagos de uma valotizagao relgiosa do mundo. Mas, por ora, deixemos de lado este aspecto do pro blema € limitemo-nos a comparar as duas experiencias fem questio: a do espaco sagrado e a do espaco prokano, lembremo-nos das implicagoes da primeira: a revelacio de um espaco sagrado permite que se obtenha um “pon: to fixo", possbilitando, portanto, a orlentagio na homo: -eneidade caética, a “fundacio do mundo", o viver fea A experiencia profana, a0 contririo, mantém a homoge- reidade e poranio a relaividade do espago, Jé no € possvel nenhuma verdadeira orientacio, porque 0 “pon to fxo" ji nto gozs de um estatuto ontologico tnico, aparece e desaparece segundo as necessdades dias. A 28 ‘0 s40KD0 £0 proraxo bem dizer, ji nto hd "Mundo", ht apenas fragmentos de uM universo fragmentado, massa amorfs de uma infinide de de “lugares” mais oa menos neuitros onde homens s€ move, foreado pels obrigagdes de toda existénci in ‘egrals numa sociedade industrial. , contudo, ness experiéncia do espaco profano ainda intervém valores que, de algum modo, leesbnam 2 nio-homogeneidade especifiea da experiencia religioss do espago. Existem, por exemplo, locas privleyiados, ualiativamente diferentes dos outros: patsagem natal 04 08 sitios dos primeiros amores, out eertos lates Drimeira cidade estrangeitavistacla na juventude. Todos {ses locas guartam, mesmo para o homem mais franca mente ndo-teligioso, uma qualidade excepcional, “ini slo os “lugares sagracias” do seu universo privad, como Se neles um ser ndo-eligioso tivesse tid a revelagio de uma outa realidade, diferente daquetla de que paicipa fem sua existénciacotiiana, Conservemos esse exemplo de compotamento “tip: ‘o-eligioso” do homem profino, No deeurso de nosso trabalho, teremos ocasizo de encontrar outros exemplos desse tipo de degracacio © dessacralizagio dos valores © comportamentos relgiosos. Mais tarde nos dareios con 1a da sua significagao profunda Teofantase sinais fim de por em evidncia nio-homogeneidade do

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