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Para aquele que me juntou a minha melhor matilha, me levou aos amores
mais genuínos – em outras pessoas e em mim.
Esse livro não existiria sem você. Ou só existiria em uma versão bem
menos legal – e sofrida.
João Vitor.
PRÓLOGO (flashback)
Ou, talvez, fosse mesmo sua culpa. Talvez não fosse tão bom assim e
não merecesse estar ali.
Ridículo, Alexandre.
Não demorou para que ele percebesse que o clima não era o mesmo de
sempre. Ao seu redor, a maioria dos mecânicos olhava na sua direção sem
dizer uma palavra sequer. Quando perceberam o seu olhar, fingiram estar
ocupados demais com outra coisa.
Não era pessoal, Alex adorava seu colega de equipe. Eram bons
colegas, porque chamar de amigo ainda seria demais, apesar da rivalidade
natural. Mais uma vez, era apenas o seu dia ruim. Sua semana ruim, na
verdade.
Não era a Beyoncé ou a Doja Cat, mas era Ivan Nikolaev. Não era todos
os dias que recebiam um pentacampeão e diretor-executivo da equipe que
mais chamava a atenção pelas últimas três temporadas. Alex diria quatro,
pessoalmente. Astoria já se mostrava promissora desde antes da entrada do
russo, apenas com Bruno Campos como piloto. Com ambos como uma
equipe, então, Scuderia Astoria já estava automaticamente na história.
Alex não precisava nem citar a parte da vida pessoal dele. Precisava?
De qualquer forma, ainda era Ivan Nikolaev que estava em algum lugar
próximo a eles. Alexandre crispou os lábios. Astoria não tinha grandes
ligações com qualquer equipe de Fórmula 2, então era difícil imaginar o que
a principal figura deles poderia estar fazendo ali.
— Disseram que ele passou pelo pessoal da Alpha, então… sei lá,
talvez queira conversar com o Beck. Aposto que tem gente pra caralho de
olho nele — Alessandro continuou, parando ao seu lado quando chegaram
na porta de sua sala. — Eu mataria pra ter a chance de chegar perto dele.
Uns cinco metros tava bom, nem preciso de um abraço.
Alex adoraria reagir, mas estava ocupado demais fitando-o para isso.
Não, não havia. Ivan era quase dois metros de energia de alguém que
parecia capaz de te esmagar com duas palavras, sem qualquer força física.
Talvez, apenas uma única palavra.
Um soco de Alessandro em sua costela o fez acordar. Porra, que dor.
— Vinte e um.
— Obrigado? — Não deveria sair como uma pergunta, mas foi quase
inevitável. Alex estava confuso. Por que Ivan estava ali? O que Ivan queria
com ele?
Com a ponta dos dedos de uma mão, ele ajeitou uma mecha do cabelo
recém-pintado de castanho que havia caído sobre o seu rosto para trás.
— Com licença, acho que vocês estão com algo que me pertence. — A
voz suave e calma de Jolene soou atrás do piloto, e Alex poderia facilmente
beijá-la ali mesmo por interromper aquela tortura. — E eu odeio ser egoísta,
mas pensei que a noite fosse sobre o meu filme.
Não tinha tanta certeza disso, mas definitivamente era capaz de superar
uma bronca de Ivan. Não seria a primeira vez que o chefe de equipe pegaria
no seu pé — na verdade, isso era diário. E não um problema, porque aquele
era o trabalho do russo.
— Você vai sair daqui direto pra um voo e um dia inteiro de treinos.
Deve ser a maior irresponsabilidade que você inventa, querido.
Provavelmente.
Jolene o puxou para onde o filme seria transmitido pela primeira vez,
não soltando a sua mão por um segundo sequer.
Mas, bem, Nicole não estava com ele na época do colegial. Seu colegial
sequer havia existido de verdade, mas de uma forma muito incomum.
— Papo pra outro dia, amor. Eu tenho um voo pra França em cinquenta
minutos e já estou atrasado. — Alexandre se aproximou, beijando
suavemente a testa da amiga. — Eu amaria ficar mais, sinto muito.
— Boa noite, Nicole — Alex disse, entre uma risada levemente nasal.
Ele olhou para o relógio no pulso, erguendo uma sobrancelha. — Posso
saber onde você se meteu dessa vez?
— Eu sei. O que me preocupa mais é que você vai sem uma noite de
sono apropriada.
Uma parte de Alexandre quase torcia para que seu destino final fosse a
Austrália — onde vivia com os pais desde a adoção, o lugar que já conseguia
chamar de casa há algum tempo.
Ele mandou uma mensagem primeiro para Nicole, depois para Ivan,
avisou que estava a caminho de Paul Ricard para os treinos.
— Não é com você que eu me preocupo, é com seu carro. E com o meu
marido, porque ele não pode se estressar. O coração velho dele não aguenta.
Alex sentiu os próprios ombros pesarem um pouco mais. Não era uma
novidade, pelo menos não para ele, que Bruno e Ivan tentavam seguir com
um processo de adoção há algum tempo. Mas as constantes viagens ao redor
do mundo graças ao trabalho, além do claro risco à vida que o esporte
parecia apresentar para Bruno e à vida pública diante das câmeras do mundo
inteiro, eram fatores delicados a serem considerados.
Ou, pelo menos, eram as desculpas que inventavam para o casal. Eles,
assim como o próprio Alex, que acompanhava tudo de perto, sabia bem que
os motivos eram outros. Ainda não era fácil que dois homens adotassem uma
criança. O que era tão, tão absurdamente ridículo em todos os sentidos
possíveis, porque Alexandre não poderia citar ninguém mais capaz de adotar
e cuidar de uma criança com a vida inteira como Bruno e Ivan.
Ninguém além de seus próprios pais, mas não era o caso em questão.
— Foi mal pelo furo, aliás — disse, antes que ele também se afastasse.
— Eu realmente não queria perder a estreia da Jo.
— Relaxa, não vamos perder tudo por algo assim. E você sempre
cumpriu os seus horários, eu te chutaria se fosse um hábito.
Definitivamente não.
Mas, veja bem, quando todas as pessoas com quem você tenta ter o
mínimo de um relacionamento casual encontram um compromisso sério na
semana seguinte, o padrão torna-se irritante.
Não era o seu estilo. Sua equipe já o conhecia o suficiente para saber
disso, sobre ter o momento como estratégia, as oportunidades inesperadas
como vitória.
Sua mãe também, porque não era apenas atrás de um volante e dentro
de um carro em sua máxima velocidade que Alexandre abominava planos
demais.
O bar não era nem perto do que alguém como Alexandre Duarte
provavelmente estava acostumado a frequentar. Mas enquanto substituiu o
gosto desagradável por um gole de Tom Collins, o drink feito com gim,
limão, açúcar e água com gás, Basile acreditou entender por que o local lhe
chamou a atenção.
— Enfim, tenho mais o que fazer do que perder o meu tempo com a
celebridade ali — disse, por fim. Basile tirou o casaco de couro, jogando-o
na direção de Moreau para que ele o guardasse. Guardou o vape no bolso da
calça antes de sair do Palladium.
Ousado.
A maioria das apostas eram feitas diretamente com Moreau. Afinal, era
o amigo e barman quem cuidava das finanças extras da Palladium. Mas
Basile não ligava de ajudar uma vez ou outra.
— É, boa sorte.
Ainda assim, ele ignorou, fingindo que não tinha o visto – ou, no
mínimo, que não se importava.
— Eu nunca colocaria um dos meus carros na rua pra esse tipo de coisa
— Alexandre Duarte disse, o que fez Basile rir. Ele não sabia puxar
assunto?! Céus.
Depois de alguns segundos dividido entre responder ou só dar o fora
dali, o francês balançou a cabeça.
— Bom, o que você realmente coloca é bem mais caro que esses. Qual
é a diferença?
— Meus motivos para não te querer aqui não são pessoais, só não gosto
da ideia de fãs obcecados aparecendo pra te procurar. — Basile deu de
ombros, levando o vape até os lábios. Quando olhou para o piloto, de perto e
atentamente pela primeira vez, ele fez uma careta. — Você não podia tentar
ser mais discreto, pelo menos?
— Estou normal.
— Por quê?
— Uma pena, porque eu posso beber o que eu quiser aqui e não preciso
pagar nada.
A resposta pareceu pegá-lo de surpresa, o que fez Basile rir mais uma
vez.
Basile sabia qual era o tipo de Alexandre. O que te fazia rir por cinco
minutos com um charme bonitinho, um sorriso torto e conversa que exalava
uma confiança irresistível.
Até que você estivesse na cama dele, sem roupas. Todas as fofocas
sempre disseram o mesmo. Ele é tão engraçado, tão charmoso, tão doce…
Achava que era uma besteira até ver esse evento de perto. Alexandre
Duarte era um conquistador, e ele fazia o serviço muito bem.
— Seu ego definitivamente não é algo que eu possa ler na sua página
do Wikipédia.
Com a boca.
— Quem é esse?
— Oi, cara. Eu não sabia que era amigo do Duarte — o cara disse, em
francês, ao se aproximar. A expressão confusa do piloto ao ouvir o próprio
sobrenome, mas não entender o resto, apenas confirmou que ele não
entenderia uma palavra sequer em sua língua materna. Basile puxou o cara
para se afastarem dali. — Quanto eu te devo mesmo?
Fácil assim, por causa de um cara da Fórmula 1?
— Cinco.
— Quinhentos?
Basile sorriu.
— Você nem fez tanta coisa assim — o cara devolveu, mas tirou a
carteira do bolso. Basile poderia perder tempo explicando por que a simples
troca de óleo de um carro como aquele era tão cara, mas não o faria. Não
quando o estresse não valeria de nada. Ao receber o dinheiro em suas mãos,
após uma demora que parecia extremamente desnecessária para a contagem
de dinheiro, ele checou rapidamente as notas antes de virar-se novamente
para dar o fora dali.
— Escuta, será que o seu amigo poderia assinar o meu boné? — o cara
perguntou, chamando a sua atenção.
— Não. Vaza.
Não era uma grande coisa para ele, obviamente. Não se conheciam.
Alexandre não dava a mínima para quem Basile era — embora devesse, mas
não seria ele a começar aquele assunto ali, quando menos tinha paciência
para falar de suas questões familiares. Ele queria alguém que o fizesse curtir
a noite. Basile se perguntou se era algum tipo de hábito em todos os países
para onde ele ia.
E, no fim, por mais que olhar para aquela figura bonita trouxesse a
mesma sensação de queimação no fundo da garganta que sentia em seus
momentos ruins, Basile não podia negar que a curiosidade ainda o fez
hesitar.
Bom, foda-se.
— Completo.
— Preciso do seu nome — ele disse, mais uma vez. — Sabe, pra
liberarem a sua entrada no hotel.
— Baz.
Transar com uma celebridade como Alexandre Duarte era dar alguns
milhares de saltos afundo após a linha tênue de se envolver com alguém que
não deveria.
Veja bem, Basile nunca foi um idiota. Ele, como ninguém, sabia que
celebridades e figuras públicas mantinham uma aparência e modos para a
mídia. Mas Alexandre era conhecido por estar sempre carregado de anéis
chamativos nos dedos, correntes grosseiras no pescoço e brincos prateados
ou dourados. Roupas escuras que, apesar de seguirem um estilo próprio,
ainda pareciam sempre condizentes com a moda do momento. Alexandre
não era apenas uma referência a ser constantemente citada no
automobilismo, como também uma figura presente no mundo da moda, do
empreendedorismo e até do cinema. Boa parte disso graças aos seus pais,
principalmente. Depois, às suas amizades.
— Você sabe que ligaram para avisar que estava subindo, certo? — ele
perguntou, afastando-se da porta aberta para que entrasse. O piloto voltou na
direção de uma música baixa que tocava sobre a mesinha de centro da saleta
do quarto de hotel. Basile ficou um pouco dividido entre prestar atenção no
piloto ou no quarto.
No seu mundo, quartos de hotéis eram cama, banheiro e só. Não mais
de um cômodo.
— Me dá o seu celular.
— Por quê?
Como se estar ali já não tivesse potencial para fazer a sua cabeça
explodir.
— Transar?
— Vinte e dois.
Ele se inclinou para abrir o cinto, seguido pela calça. Com a boca.
Alexandre o fez com um sorriso novamente convencido, como se não
estivesse se preparando para um boquete, mas para vencer uma corrida. Baz
ficou um pouco hipnotizado pela facilidade com a qual o brasileiro fez tudo
aquilo enquanto o olhava, e precisou alcançar a cerveja que deixara na
escrivaninha ao lado para molhar a boca subitamente seca.
Basile queria descobrir algo que Alexandre Duarte não sabia fazer.
Uma fraqueza, um medo. Tanto faz. Não era possível que ele realmente
fosse tão bom e resiliente em tudo.
— Tais-toi.
Depois, talvez.
Alex levou a boca até a sua. Ele parecia relaxado, cheirava a sabonete
natural, um tom claro de verde e… pêssego. Baz precisou de um segundo
para processar a nova sensação antes de retribuir, ainda pressionando o
joelho entre suas coxas. Alex, que já não estava em seus melhores momentos
de racionalidade, precisou recuar para inclinar a cabeça para trás e soltar um
gemido que mais se pareceu com um choro. Aproveitando o espaço, Baz
deslizou uma mão pela sua nuca e segurou os fios bagunçados para fazer que
o piloto o olhasse.
Dessa vez, Alex o fez sem nem hesitar. Com a respiração irregular, o
loiro usou uma mão para livrar-se da última peça de roupa. E apesar da mão
de Basile em sua nuca, se inclinou para beijá-lo mais uma vez. Frenético e
bagunçado, porque era impossível fazer qualquer coisa direito quando seus
quadris estavam pressionados um contra o outro, a fricção mínima sendo o
suficiente para fazer com que um alarme tocasse em alto e bom som na
cabeça de Baz.
Baz não pensou muito sobre isso antes de deslizar dois dedos entre
aqueles lábios, e Alex também não pensou muito para chupá-los. A sensação
de estômago revirado se intensificou, mas não de uma forma negativa.
A verdade era que Basile gostava de sexo. Se aquele cara era uma
celebridade ou não, pouco importava, porque esperava nunca mais ter que
trocar uma palavra com ele. Baz gostava de estar no controle, e Alex parecia
disposto a entregar o que quisesse tomar dele desde o começo.
Alex parou, arfando quando Basile desceu a boca pelo seu pescoço, e
soltou um gemido estranho quando seu mamilo foi chupado, mas Baz gostou
do som que ele próprio arrancou do piloto. A mão de Alex envolveu o seu
cabelo tremulamente, em uma tentativa de guiá-lo para onde queria que ele o
tocasse. Com a mão, com a boca, com o que ele quisesse. Alexandre só
queria que Baz o tocasse.
Ao invés disso, Basile passou a língua pela região acima da sua virilha,
na entradinha que o fez perder o ar quando entrou naquele quarto e o viu
usando apenas uma calça larga.
Ele desceu dois dedos pela parte interior de sua coxa, descendo em
outra direção, e…
— Por…?
— Não podemos… ir além. — Para alguém que mostrou ter uma boca
tão suja nos últimos minutos, o rosto corado de vergonha tornou o momento
um tanto mais estranho.
Baz piscou, atônito. Depois, ele riu. Sequer tentou segurar a risada.
O fez até que o brasileiro parecesse relaxar mais uma vez, porque o
momento parecia tê-lo deixado subitamente tenso demais. Basile o mordeu e
puxou, o tocou com as mãos e a língua. Até que Alexandre Duarte voltasse a
ser a bagunça de antes, a conversa estúpida tornando-se apenas uma
lembrança estúpida.
Não tinha um motivo específico para estar tão nervoso. Não um motivo
real, pelo menos.
Ser bissexual não deveria ser algo grande. Realmente não era, no fim.
Em um processo de autodescoberta relativamente recente, se considerasse
que só passou a entender sobre isso depois de se mudar para a Austrália com
Nicole e Ângelo, aos dezoito anos, ainda era o tipo de assunto que ele
preferia manter para si, para as pessoas em quem confiava, para sua família.
Não em sua vida pública – mesmo que sua vida romântica e sexual fosse um
tópico de suma importância por onde quer que ele passasse, aparentemente.
Não era nada demais, mas era algo seu. Algo que não devia ao mundo.
Quando se sentisse seguro, confiante e pronto dentro de si mesmo quanto a
isso, não teria problema algum em contar. Ser um homem bissexual no
automobilismo não seria fácil, Bruno e Ivan falavam muito sobre isso desde
o dia em que foi pego por eles aos amassos com um mecânico da equipe.
Deveria ter. Deveria ser mais fácil. Momentos como o que tivera na
noite anterior reforçavam o quanto queria ser capaz de apenas sair sem se
preocupar com quem estava olhando, quem estava gravando, quem falava
com ele.
Sim, ressaca moral. Era isso que estava o deixando tão fora de sua zona
de concentração fundamental para um dia de classificatórias.
— Ei, eu vou pegar alguma coisa para comer — disse, ao sair de sua
sala, encontrando Ivan no meio do caminho. — Quer também?
— Aceito um sanduíche vegetariano, por favor — o russo respondeu,
enquanto digitava algo em seu celular. — Ah, e outro pro Bruno.
Basile. O mesmo cara que havia levado para o seu quarto na noite
anterior.
Ou, talvez, tudo aquilo se tornasse apenas uma grande piada interna
entre a equipe. O que não era uma opção muito melhor, se parasse para
analisar.
Alex: Não se surpreenda se a minha carreira for pro lixo essa semana.
— Quero você no carro em cinco minutos, Alexandre. — Ivan bateu em
sua porta, mas não pareceu esperar por uma resposta antes de se afastar.
Alex não precisou insistir muito mais para que ele se afastasse, o que
foi, de certa forma, um alívio.
— Pensei ter visto uns rostos novos, mas deve ser engano.
— Eles estão quietos esses dias, devem estar ocupados com algo.
Não, ele não contaria para Ivan. Porque nada seria capaz de piorar ainda
mais o seu final de semana do que a expressão decepcionada de Ivan
Nikolaev. Poucas coisas faziam com que Alexandre quisesse enfiar a cabeça
em um buraco e nunca mais sair do que essa possibilidade.
Porque não podia se deixar afetar por isso a partir do segundo em que
os motores rugiam ao seu redor.
Uma corrida nunca era como a anterior, e não apenas pela mudança de
posições e circuitos. O clima, seu humor e até mesmo o público no
autódromo faziam toda a diferença, e talvez fossem as coisas que Alexandre
mais admirava naquele esporte desde sempre. As cores, as experiências.
Nunca se tornaria repetitivo, mesmo que ele passasse décadas naquilo.
Quando a largada foi dada, ele não hesitou em usar o máximo não
apenas de si, mas também do seu carro. Os primeiros segundos eram quase
tão importantes quanto todo o resto, então se prender ao único objetivo
inicial de ultrapassar o carro verde que largou na sua frente era a única
possibilidade.
Uma vantagem que Alexandre, com pneus novos, não pretendia ter
dificuldades para recuperar.
Foi um esforço não tornar a olhar para o outro lado, onde Baz estaria.
Afinal, era o seu momento. Ninguém iria estragar isso. Nem mesmo a
presença de Baz ao lado de toda a Ritz-Carlton quando subiu no pódio. Os
olhos presos aos seus, erguendo uma sobrancelha quando não conteve a
expressão irritada na sua direção.
Mesmo que não tenha durado muito. Quando fechou a porta da própria
sala atrás de si, encharcado de champanhe e suor, viu o francês
confortavelmente acomodado em seu sofá, folheando uma revista brasileira
que ele provavelmente não saberia traduzir uma palavra sequer.
— Você quase bateu umas cinco vezes hoje — Baz disse, calmamente.
— Alguma coisa te irritou?
Como caralhos ele havia chegado até ali sem ser notado?
— Bom, eu acho que quase bateu, sim. — Basile largou a revista sobre
a mesinha, ainda percorrendo a sala como se tivesse todo o direito de estar
ali. — Parabéns pelo pódio, de qualquer modo. Merecido.
— Uma criança?!
— Calma lá, mon chéri — Baz sorriu, quase irônico. — Até onde eu
me lembro, foi você quem me convidou. Insistentemente.
— Não vou ficar aqui e implorar para que você, estrelinha do Grid,
tesouro da temporada, confie em mim. Mas eu não ia deixar que você
pensasse que sou um completo filho da puta e não fazer nada.
— Considerando que você não suporta o seu pai, acho que isso não é
coisa boa.
— Que bom que você sabe, eu não tenho o menor pique pra pensar
naquele cara depois de um pódio. — Bruno jogou uma toalha úmida e fresca
sobre os olhos, respirando fundo. — Por quê?
— Que eu me lembre, só um. Deve ser uns dois ou três anos mais novo
que você e eu nem sei se eles têm muito contato. — Bruno fez uma careta,
tirando o pano do rosto para olhar na sua direção. — Ele falou alguma coisa
pra você?
Uma música clássica tocava nas caixas de som, o volume alto. Entre os
carros variados espalhados por ali, Alexandre viu o Rolls-Royce que parecia
muito ser o da corrida na Palladium.
Mas nenhum sinal de Basile. Não antes que Alexandre chegasse até os
fundos da oficina, onde o francês parecia inteiramente focado no que quer
que estivesse fazendo no carro da vez, o capô aberto o impedindo de notar a
aproximação do piloto.
— Até parece. É do Dom, mas ele não tá aqui hoje. Você nem teria
entrado se ele estivesse.
— É bonitinha.
— Eu te julguei mal.
Baz sorriu. Talvez realmente não esperasse que a conversa seguiria para
aquele lado, porque arrumou a postura e o encarou como se esperasse pelo
próximo movimento.
— É mesmo?
Alex grunhiu.
— É.
Não que Basile estivesse muito perto. Não mesmo. Ainda havia uma
distância de cinco ou seis passos entre eles, mas era o suficiente para que
Alexandre quisesse se afastar.
Baz segurou o seu braço, o mantendo no lugar. Mais uma vez, mais
perto do que pretendia.
— O que Bruno disse sobre o meu pai? — ele perguntou, erguendo uma
sobrancelha. Quando Alexandre hesitou, ele deslizou a mão pelo seu
antebraço, aproximando-se ainda mais. Que merda. — O que ele disse, mon
chéri?
Sua frase foi interrompida pela boca de Basile – o que era irônico,
considerando que ele havia perguntado.
Mas, mais uma vez, não era uma reclamação. Longe disso.
Havia sido bom. Pra caralho. Baz tirara em quinze minutos toda a
tensão que havia se instalado no seu corpo desde o convite para a festa de
noivado de sua amiga, alguns dias atrás.
Mas tornou-se ainda melhor, porque já podia dizer com certa facilidade
que Baz gostava mais quando beijava o seu pescoço do que o seu peito. Ou
que ele definitivamente tinha algo com mordidas, porque os gemidos
prolongados que ele soltava a cada vez que Alexandre mordia o seu ombro
não poderiam ser coincidência.
— Não sei se você lembra, mas eu invadi a sua sala ontem. Você tem
cigarros no bolso lateral da sua mochila. Marca cara, por sinal. Nunca
entendi quem paga cinco vezes o preço de um cigarro normal.
Por mais que devesse parecer uma piada depreciativa por parte dele,
não soou como se fosse. Basile não parecia dar a mínima, na verdade. Alex
queria ser assim.
— Eu sinto que você está me zoando, mas não tenho tanta certeza.
— Moreau?
— Esse.
— Somos, por isso tenho passe livre pra chamar ele de idiota. — Baz
balançou a mão, desinteressado. — Vou passar pra ele o que ele pode ou não
encostar e fazer. O Tesla do lado de fora é meu, você pode esperar lá.
— Por quê?
Ele pegou as chaves que Baz jogou na sua direção, arrumando o cabelo
antes de sair da sala.
— Espero que você não tenha tocado em nada — ele disse, examinando
o carro como se Alexandre fosse uma criança de cinco anos, não um adulto
de vinte e três que lidava com carros muito mais delicados que aquele
diariamente.
— Não.
Alex gaguejou.
— Vai se foder.
— Mentira.
Usar suas noites para ficar em um bar não era um evento comum. Ele
gostava dos pontos turísticos, dos lugares movimentados onde conheceria
uma infinidade de pessoas diferentes. Adorava poder levar um pouco de um
país consigo. Seu sonho de criança era conhecer o mundo e, tendo a
oportunidade, não era o tipo de coisa que desperdiçaria.
Alex revirou os olhos, mesmo que o outro não pudesse ver. O piloto
brasileiro acompanhou Baz até o prédio simples, mas bem cuidado.
Claramente universitário. Havia panfletos e pôsteres de eventos acadêmicos,
palestras e clubes de alunos em um quadro na entrada.
— Mon chéri, eu não tenho currículo para trabalhar com a sua turma —
ele disse, abrindo a porta com um empurrão suave do pé. — Tudo o que eu
tenho são algumas notas razoáveis, um currículo com carros de luxo e três
passagens pela polícia.
Na verdade, não sabia bem o que esperava. Tinha consciência que não
se podia fazer muita coisa em um apartamento universitário mas, ainda
assim, havia um toque de Baz ali. Os móveis escuros, uma mesinha com
consoles de videogame no centro da sala minúscula, algumas plantas – do
tipo que não precisavam ser molhadas com frequência, Alex sabia graças ao
gosto incontrolável de sua mãe por plantas – e…
— Não pise nas coisas da gata — o francês mandou, passando por Alex
para soltar a mochila sobre o sofá.
Baz se abaixou para pegar algo entre o espaço mínimo que havia entre
o móvel e a parede.
Deus.
— Ela é linda como ele — ele disse, como se fosse algo óbvio e que
Alexandre definitivamente precisasse saber. Basile disse algo na direção da
gata, em francês dessa vez, enquanto colocava comida em um dos potes. —
Fica à vontade. Não é muito grande, mas a minha cama é espaçosa.
Alex bufou.
— Não sou tímido, só não vou sair explorando o seu apartamento como
se fosse meu.
Para alguém que se fazia ser tão apagado – porque Baz estava
começando a achar que era algo proposital –, Alexandre Duarte tinha mais
cores do que poderia identificar de uma vez só. Talvez ainda precisasse de
um tempo a mais para reconhecer o que era.
Ele não se dava realmente bem com sua equipe? Não amava correr,
como dizia em todas as entrevistas? Tinha problemas familiares? Por que ele
se escondia tanto, em todos os aspectos possíveis de sua realidade?
E ele não era o único que gostava de brincar com limites. Alexandre
percorria e explorava com as mãos, boca e olhos, provocava e instigava.
Pedia por mais, implorava por libertação. E, de certa forma, ainda parecia ter
sua parcela gigante de comando no que fizeram naquele quarto até que
escurecesse. E depois disso também.
Profundamente.
Basile tinha um sono leve desde sempre. Por isso, quando Alexandre se
levantou na madrugada e soltou um palavrão ao pegar o celular na mesinha
ao lado da cama, Baz já estava acordado.
Alex virou para o outro lado, indo até a pequena varanda do quarto.
Alguns segundos depois, Baz pôde ouvir um áudio soando do aparelho nas
mãos dele.
— Boa noite, querido! Ivan me contou que você resolveu ficar mais um
dia na França, espero que esteja curtindo o seu tempinho livre. Dei o
ingresso daquela exposição de arte que teríamos hoje para o seu pai, ok?
Mandei algumas fotos porque sabia que você também queria muito ver, mas
Ângelo não é um fotógrafo muito bom. — Baz não entendeu a parte seguinte,
porque Alex soltou uma sequência surpreendente de palavrões para si
mesmo. Apesar do tom relaxado e divertido da mulher que falava do outro
lado, ele parecia ter acabado de ouvir a notícia da morte de alguém. — Não
se esqueça da minha lembrancinha! Eu te amo muito, Xander. Durma bem.
Basile achava que não seria possível ver Alexandre Duarte demonstrar
mais raiva do que na corrida, depois que ele o viu ao lado da Ritz. O piloto
parecia irritado a ponto de afetá-lo na pista, e só aquilo já era algo que ele
nunca havia demonstrado antes.
Mas, naquele momento, Alexandre parecia possesso consigo. Baz, que
não tinha a boca mais limpa do mundo, se surpreendeu com o quanto ele
podia xingar a si como se tivesse acabado de matar alguém.
Ele tentou gravar algo citando a tal Nicole mais cinco ou seis vezes –
mas em português, o que impediu Baz de entender algo além do nome da
mulher – antes de desistir.
Basile fingiu sequer saber que ele estava ali ao levantar para levar
Corvette de volta para a sala. Na varanda, a figura de quase dois metros e
músculos parecia gigante encolhida no chão enquanto digitava algo em seu
celular.
— Agora? De madrugada?
— O quê?
— Tá tudo em francês.
Ou depois de uma crise nervosa. Baz mudou tudo para a língua materna
de Alexandre, afastando-se em seguida para pegar água.
Basile voltou para o quarto, porque não era como se fosse ser de grande
utilidade na cozinha com um computador em uma língua que não entendia.
Ou para um piloto em um momento… estranhamente tenso. Ainda não fazia
sentido algum para ele – a mensagem com a reação desesperada que
Alexandre demonstrou.
Com uma pesquisa rápida, foi fácil juntar algumas peças. Nicole
Duarte, a mãe de Alexandre. Era sua família.
Ainda assim... Baz esfregou os olhos, agitado. Por que Alexandre
surtou como se estivesse recebendo uma bronca? Basile sabia como uma
briga deveria soar. Seu pai infernizava a sua vida gratuitamente há anos.
Nicole não soava como Beauchene de forma alguma e, lembrando bem do
pouco que já havia visto sobre a vida pessoal do piloto, eles eram próximos.
Muito próximos. Havia uma infinidade de fotos dos dois juntos em eventos e
até mesmo em momentos em que foram fotografados desprevenidos, e não
parecia ser algo forçado. Baz esperava que não fosse, porque seria ainda pior
saber que Alex fingia tanto até mesmo sobre isso.
Era o tipo de clima tenso e pesado que Baz odiava. Carregava o cheiro
de queimado insuportável e de incenso ruim que o incomodava em seus
piores pesadelos.
— Corta essa.
Desde a primeira vez em que fez uma aparição pública ao lado da mãe
em um evento beneficente aos dezoito anos, todos os olhares já pertenciam a
ele.
Mas a Fórmula 1 foi uma surpresa até mesmo para a própria família.
Nicole e Ângelo nunca economizaram esforços, tempo e dinheiro para
investir no filho, mas todos os méritos ainda eram de Alexandre. Ele era
esforçado, dedicado e inegavelmente talentoso.
Ele nunca quis ser o piloto para o qual olhavam e pensavam que estava
ali apenas pelo dinheiro da família. Alex sempre quis os melhores
resultados, os maiores números. Cada dia era uma chance – um dever – para
mostrar-se melhor.
Mas, no fim, tudo o que importava para ele era ser bom para a sua
família.
Mas a julgar pelo cheiro que vinha da cozinha, Aria não era uma delas.
Alex não se surpreenderia se a própria senhorinha de sessenta e poucos anos
tivesse insistido em estar ali para recebê-lo para o jantar.
— Deve estar chegando, acho que arrastou Ângelo para comprar roupas
e levar o menino pro salão.
Os latidos do menino citado por Aria puderam ser ouvidos antes que o
dobermann aparecesse na cozinha, saltitante e animado ao ver Alexandre ali.
William Bonner – Alex achou que o nome seria engraçado – era grande o
suficiente para, sobre duas patas, ficar do tamanho de uma pessoa de um
metro e meio, talvez mais. O animal não parou até que Alex se abaixasse
para brincar com ele.
— Você fica cada dia mais lindo, Xander — Nicole disse, inclinando a
cabeça quando Alexandre beijou a sua mão antes de abraçá-la. — Você
cresceu?
Às vezes, Alex pensava sobre a primeira vez que conversou com Nicole
Duarte.
Mas eram tempos diferentes. Ele não fazia a menor ideia de onde
estaria se não fosse por aquela mulher – por quem ela era, em todos os
sentidos possíveis.
— Para, você não viveria sem mim. — O mais novo se inclinou para
frente, piscando na direção da mulher antes de levantar e deixar os pratos
sujos sobre a pia. — Eu vou tomar um banho, não aguento mais estar há
quinze horas na mesma roupa.
— Nia as arrumou no seu closet! São lindas, seu pai quase roubou
algumas camisas.
— Não toque nas minhas camisas — avisou, apontando para o pai.
Alexandre passou uma mão úmida pelo cabelo ao ouvir o celular tocar,
o contato de Jolene brilhando na tela para uma chamada de vídeo. Se fosse
qualquer outra pessoa, ele desligaria. Mas não Jolene.
— Você sabe que eu não acompanho o seu lance, né. Mas eu preciso
muito saber quem era o gostoso com você no último pódio e por que você
cometeu o crime de cortar a cara dele na foto do seu Instagram.
— Laurent?
— Esse é o nome dele? Deus, Alex. Ele é lindo. Você perdeu o seu posto
de gato do grid, foi mal. Perdi todo o meu tesão em você.
— Ele é da Ritz, não vou te apresentar pro meu maior inimigo. — Ele
se inclinou para alcançar o maço de cigarros que deixou ao seu lado, no chão
do banheiro. — Apesar de que eu não tenho nada com ele, pessoalmente.
Coisa de equipe, acho. Enfim, não.
— Por que você pode dormir com o seu inimigo e eu não posso tentar
conhecer o inimigo do meu amigo?
— Mas não me deixou ver uma foto sequer dele! Você chama isso de
amizade? Eu ficaria feliz até com a foto do WhatsApp, e essas costumam ser
as piores.
— Ciúmes?
Sempre afastando tudo antes que o pior o alcançasse. Porque não era
possível que o alcançariam algum dia, certo?
Certo?
Nada além de si mesmo, e ele não tinha planos para deixar isso
acontecer.
— Ora, Xander. Pare com isso — ela bufou, balançando a mão. Nicole
se aproximou para sentar-se ao seu lado. — Não se preocupe. Podemos sair
outras vezes. Cá entre nós, foi tudo um saco por lá.
Alex a olhou por mais alguns segundos, apenas para ter certeza de que
não estava mentindo ou dizendo aquilo apenas para fazer com que se
sentisse melhor. Mas Nicole não mentia, muito menos sabia disfarçar quando
algo a chateava.
Ele já tinha molhado sem querer uma de suas bolsas de uma marca
milionária qualquer. Ele sabia como ela ficava quando estava brava.
Alexandre suspirou.
— Não deixe o mundo te mudar, tudo bem? — Ela pegou a sua mão,
beijando suavemente os dedos. Alexandre sentiu um nó se formar em sua
garganta porque, Deus, aquela mulher era a pessoa mais incrível que
encontrou em toda a sua vida. — Quando as coisas estiverem difíceis, você
sempre terá a sua casa pra se esconder.
Ele se inclinou, beijando o ombro da mãe.
Ele riu.
— Vá dormir, Nicole.
Ele sabia que, realmente, sempre teria a sua casa para se esconder.
Mas ele não disse. Era o tipo de assunto que deveria deixar morrer, se
queria mesmo que acabasse.
E ele queria muito.
— É brega.
Foi a vez de Nicole revirar os olhos. Ela levantou uma camisa lilás que
Alexandre não quis nem olhar duas vezes para decidir que também não era
uma opção.
Eles saíram juntos pela loja, parando para analisar uma peça aleatória
ou outra. Depois de duas semanas sem ver a mãe, Alexandre podia fazer o
sacrifício de sair para olhar algumas roupas ao lado dela. Mesmo que tivesse
mais que o necessário em casa.
— Nicole...
— Quieto, Xander.
— Querem marcar uma entrevista comigo para semana que vem. Parte
daquela lista de pessoas com menos de trinta anos que são influentes, coisa
assim.
— Pediram para que fosse gravado lá em casa. Eu sei que vocês não
gostam de cruzar essa linha, mas...
O de sempre.
— Bruno ainda consegue fingir que não é grande coisa, eu acho. Mas
Ivan anda com a cara mais azeda que o normal. — Alex agradeceu quando
suas taças foram preenchidas até um pouco abaixo da metade pelo Pinot
Grigio escolhido pela mulher. Ele esperou que o funcionário se afastasse
para continuar. Mesmo que conversassem em português, havia sempre o
risco de alguém ali entender bem algo que diziam. — É ridículo, Nicole. Eu
não consigo pensar em pessoas que cuidariam melhor de uma criança do que
eles... E você, é claro. Mas, é, você entendeu.
Sua expressão deve ter denunciado o que pensava, porque Nicole soltou
a taça e pegou a sua mão sobre a mesa.
— É, eu vou.
— Bom, você já vai ajudar muito fingindo que acha que eu vou ser um
pai foda. — Bruno brincou.
— Acho que eu tenho uma ideia. É por isso que quero ajudar. —
Alexandre se virou quando avistou o garçom servindo a comida para Nicole
em sua mesa. — Ei, a minha comida chegou. Me ligue se precisarem de
mais alguma coisa, tudo bem?
Ele suspirou longamente antes de voltar para mesa, onde Nicole ainda o
esperava para começar a comer.
Não valia a pena contar sobre Basile. Não quando o mecânico francês
não cruzaria mais com o seu caminho. Não quando não era o tipo de coisa
que tornaria a acontecer.
Acontece.
Dom havia dito que queria vê-lo em sua sala em uma hora, até que
terminasse de resolver algumas coisas em uma reunião com um fornecedor.
Bom, isso havia sido há cerca de cinquenta e dois minutos, e Baz estava
recostado na parede ao lado da porta do escritório. Ignorava todo o trabalho
que tinha a fazer na esperança de que Dom o chamasse com alguns minutos
de antecedência, mascando o gosto amargo e sôfrego da garganta.
Não poderia ser algo sobre as corridas no Palladium, porque nada fora
do normal havia acontecido. A última vez que correra havia sido no mês
anterior. Também não poderia ser sobre ter ficado com um piloto
mundialmente famoso, até porque já havia se passado meses e mais meses
que Alexandre Duarte havia pisado ali.
Merda.
— Basile, pode entrar — Dom disse, a voz grave não muito alta. Era
como se ele soubesse que Baz estaria do lado de fora, próximo a sala.
E não era algo muito longe disso, ao que Baz sabia. Dom não se abria
sobre sua vida pessoal, mas Baz ainda o conhecia muito bem.
— Basile, senta.
— Por que você não me deixa falar antes de chegar à conclusão de que
eu vou te mandar embora?
Dom havia entrado na sua vida anos antes, quando a oficina não fazia
nada além da manutenção de carros de passeio normais. Quando um Basile
de catorze anos passava pela rua da oficina todos os dias, desde que voltar da
escola sozinho porque seu pai esquecia de buscá-lo havia se tornado uma
rotina.
Mas Baz gostava de carros desde que se entendia por gente. Não apenas
da ideia de dirigir um – ainda estava longe de ter idade suficiente pra isso –,
mas do funcionamento deles. O pouco que podia descobrir com a internet
não era o suficiente, porque Baz queria entender mais. Queria ver de perto.
Por isso, quando ele passou por uma oficina onde o dono fazia algo no
carro do lado de fora, Baz se aproximou.
Dom não lhe deu muita bola no início. Afinal, era apenas uma criança
curiosa e elas apareciam todos os dias, uma atrás da outra, aproveitando pelo
seu gosto de trabalhar ao ar livre. Logo o menino iria embora.
— No San Felice.
— Voltando da aula.
— Vem, eu vou te levar pra casa — ele disse, não abrindo muito espaço
para discussão. Basile aparecia por lá em todos aqueles dias, mas ainda sabia
do limite a não ser ultrapassado que era entrar no carro de um desconhecido.
Sua mãe já havia falado muito sobre isso.
Que possa, sim. Que queira, não. Baz não verbalizou aquilo, apenas
negou com a cabeça outra vez.
Dom não tentou mudar aquela situação, mesmo quando Baz continuou
retornando nos dias seguintes. Mas algo havia mudado. Ele deixava que o
menino se aproximasse mais, até respondia todas as suas perguntas. Quando
estava de bom humor, ensinava como o serviço deveria ser feito.
— Por quê?
— Posso pensar.
Basile completara quinze anos, e Dom ainda não deixou que ele
trabalhasse na oficina.
Sabia que Dom estava apenas aguardando pelo momento em que ele se
cansaria da rotina dali e sumiria, assim como todas as outras crianças
curiosas que já haviam passado por lá. Mas isso não aconteceria, e perceber
que o homem pensava isso dele só lhe deu algum incentivo a mais para
continuar. Baz continuou indo cada bendito dia da semana, até o momento
em que Dom deixou de comprar apenas uma marmita para o almoço.
Mas porque, pela primeira vez em tanto tempo e sem dar notícias,
Basile não havia aparecido. A primeira reação do homem foi procurá-lo no
colégio. E lá estava ele.
Na diretoria.
Era um conhecido. Por mais que fizesse parte da sua rotina há dois
anos, ainda era apenas um conhecido. Dom não demonstrava pensar de
forma diferente, então era isso.
Provavelmente ela estava irritada por vê-lo indo embora tão facilmente.
Baz pegou a mochila do chão, acompanhando o mais velho até o carro.
— Mas não é meu pai, nem meu parente. Você nem se considera meu
amigo — Baz rebateu.
— Beleza, tá contratado.
— O que me garante?
— Quê?
— O que me garante que você não vai me chutar do emprego assim que
eu pisar fora do seu carro? — O garoto ergueu uma sobrancelha.
Não tinha paciência, mas era laranja. Como a mãe de Baz também
costumava ser, nos bons tempos.
Com letras apressadas – ou irritadas –, ele havia escrito algo como “Eu
contrato Basile por período indeterminado ou até ele acabar de vez com a
minha paciência” e sua assinatura.
Clientes que lhe renderam uma bronca quando Dom descobriu de onde
vinham.
Dom não tinha filhos. Na verdade, nunca havia sido casado. Saía com
mulheres entre um período de tempo e outro, mas seu trabalho era o seu
maior foco. O que mais amava, o que nunca deixaria de lado por nada…
Nada, além de um rapaz com tendências preocupantes para se meter em
confusões quando deixado sem supervisão por muito tempo.
— O quê?!
— E eu com isso?
— Bom, não muda nada na minha vida. Portanto, eu não dou a mínima.
— Não pensa em me demitir ou algo assim?
— Eu vou conversar com você, porque o seu pai quer que trabalhe com
ele.
— Ele é engraçado.
— Eu acho que você deveria ir. Vão te treinar nos próximos meses e, na
próxima temporada, você vai trabalhar com eles. Já tá tudo pronto pra você.
— Mas eu não vou, e você sabe disso. Eu não vou trabalhar pro meu
pai.
— Não, você não vai. — Baz se levantou, indo até Dom. Impedindo-o
de mexer nos papéis da escrivaninha. — Quanto ele te pagou?
— Nada, Basile. Eu quero o melhor pra você e não preciso ser pago pra
isso.
— Ele te pagou, né? Ele é do tipo que consegue tudo assim. Eu dou um
jeito de te pagar o mesmo valor, tenho um dinheiro guardado.
Baz tentou segurar o braço de Dom mais uma vez, mas não forte o
suficiente para segurá-lo de verdade. Não usaria qualquer força maior com
Dom. Nunca. Mas queria que ele parasse com aquela merda. Imediatamente.
Se aquilo deveria motivar Baz, não funcionou. Porque Dom não sabia
quem o pai de Basile realmente era. Dom não fazia a menor ideia. Dom
nunca entenderia. A possibilidade de ter que conviver com o pai, preso ao
emprego em uma equipe de Fórmula 1, por melhor que a Ritz-Carlton
pudesse ser, enchia o seu corpo de ânsia. Queimado. Espesso.
Basile não queria ter que provar ser nada ao pai. Basile queria ficar ali.
Já tinha perdido demais, merecia escolher onde e com quem ficaria. Na
oficina, no Palladium. Com Dom. Com Moreau, por mais que dissesse não
suportar o amigo.
O único lugar onde se sentia seguro. Onde a única pessoa que parecia
entendê-lo de verdade ficava.
Alex riu. Se não fosse por Jolene, ele tinha a certeza de que aquela noite
seria infinitamente mais chata do que já esperava que fosse.
Não entenda mal, Alexandre estava feliz por estar ali. Era a porra do
seu primeiro mundial. Era um marco na sua história, era estar em um lugar
onde, há alguns anos, jamais pensou que estaria. Era ultrapassar inúmeras
barreiras que a vida havia colocado no seu caminho. Era provar, não apenas
para si, que poderia ser mais. Havia comemorado muito sobre isso desde a
última corrida. Comemorações entre família, entre amigos e entre a própria
equipe. Alexandre diria que estava cansado de comemorar, se ainda não
ficasse tão eufórico sempre que parava para pensar demais no assunto.
Mas não fazia com que gostasse de eventos formais. Não quando os
eventos formais envolviam gente velha e chata.
Alex não esperava vê-lo. Inferno, Alex não tinha plano algum para
olhar novamente na cara daquele homem. Não até o prêmio da França
seguinte, talvez, porque era esperado que Basile aparecesse no autódromo,
assim como fizera da última vez. Mas poderia se preparar para isso.
Não para aquilo. Alex desviou o olhar, levando a mão livre até o rosto
para massagear uma têmpora. Péssima hora para dores de cabeça.
— O filho do Beauchene?
— Sério?! Onde? — Jolene fez menção para olhar ao redor, mas Alex
segurou o seu rosto.
Mas, bem, era o ambiente onde sempre tinha tudo sob controle. E o seu
único erro estava ali, alguns metros à frente.
— Eu sei.
— Eu gostaria.
— Foi.
Alex não sabia que merda era aquela. Não sabia até onde Basile queria
chegar.
— Você gosta, porque é divertido saber que está se saindo tão bem em
esconder quem realmente é. Saber que, quando ninguém estiver olhando, vai
ter algo que é só seu.
— Eu não sei, mas eu conheço o Alexandre que não tenta esconder algo
tão idiota quanto o hábito de fumar. — O francês se inclinou na sua direção,
inspirando suavemente quando Alex soltou a fumaça pela boca. O brasileiro
conteve dentro de si a vontade de se inclinar para frente, para mais perto dos
lábios entreabertos de Basile. — Um que teria me dado um soco se
descobrisse que quero mexer com ele, porque quem seria o filho da puta que
ousaria bater de frente com ele? E que tem uma boca surpreendentemente
suja quando tá perto de gozar. O Garoto de Ouro ficaria envergonhado se
visse esse cara, e eu odeio o Garoto de Ouro.
Baz engoliu cada suspiro, respiração e arfar que Alexandre ousou soltar
enquanto suas bocas permaneceram coladas. Quando o francês o obrigou a
se afastar, puxando-o pelos fios loiros com os dedos firmes, Alex soltou um
gemido quase revoltado.
Com palavras ditas ao vento, a noite parisiense gritou para que fosse
embora e esquecesse aquilo. O aviso de que era um erro, algo perigoso,
brilhou diante de seus olhos novamente. De novo, como na noite em que viu
o rapaz no Palladium, meses atrás.
Fazer parte disso era muito. Mais do que poderia um dia colocar em
palavras.
E ele sabia que a atenção sobre ele estaria tão intensa quanto nunca.
Algo natural sobre o mais recente campeão mundial, mas que apenas
reforçava o seu maior mantra – que não era um ano aberto a qualquer tipo de
falha, distração ou perda de tempo. Em hipótese alguma.
— Meu pai se aposentou há alguns anos, então ele não faz muito além
de me dar uma bronca por passar muito tempo sentado com a postura ruim
na frente do computador — brincou, torcendo para que aquela resposta fosse
o suficiente. E não era uma mentira. Ângelo o acompanhava vez ou outra
durante os exercícios na casa, auxiliava nos alongamentos e até fazia
massagens nos seus ombros quando pedia, só porque ele era muito bom
nisso. Mas não era como se seu pai cobrasse algo, como um superior. Longe
disso. Se Alexandre acordava indisposto, visivelmente ansioso ou cansado,
Ângelo preparava uma quantidade não muito saudável de pipoca com
manteiga e o chamava para assistir algum filme de ação ruim apenas para
tirá-lo da cama. — Sabemos quando separar o meu trabalho do ambiente
familiar, a minha preparação para uma nova temporada não os envolve na
maior parte do tempo.
— E Nicole?
— Hora dos testes, até mais tarde — cortou, acenando antes de entrar
na área da equipe. Onde o homem só teria permissão para entrar com
liberação direta da Astoria. Não era o caso, e obrigado Deus.
Alexandre ainda não sabia o que Basile queria dizer quando insinuou
que o destruiria, mas as palavras estavam começando a preocupá-lo pra
valer.
— Não me faça esfregar o meu título na cara do Bruno outra vez, acho
que vai ficar chato — o mais novo ironizou, ignorando a revirada de olhos
de Campos. — Até daqui a pouco.
Basile não estava mais em lugar nenhum que pudesse ver. Uma parte de
Alexandre torcia para que permanecesse assim – longe dele.
Ele já havia notado isso – Basile sabia quando Alexandre o queria dizer
algo, e vice-versa, como havia acontecido na premiação. Não era necessário
muito além de um olhar e alguns minutos de espera.
— Alugado. Não sou tão clichê e não viajo com meus carros. — Alex
cruzou os braços. — Pensei que você nunca trabalharia em uma equipe de
Fórmula 1.
— Ainda não confia em mim? Isso é uma pena. — Baz olhou para si
mesmo por um momento. — Eu fico tão mal assim de verde? Meu pai
realmente não tem o melhor gosto na escolha de cores.
— Isso o quê?
— Você me fez rir com uma brincadeira, qual é a grande vitória nisso?
— É um passo mais perto de te fazer tirar a roupa pra mim outra vez,
pra ser bem sincero.
O brasileiro o fitou.
Não tinha uma única chance de que pudesse mentir e dizer que Basile
não o atraía. Do sotaque puxado no inglês até as tatuagens, que só fora capaz
de ver quando ele estava sem as roupas, e a boca suja. Ou as mãos grandes,
e…
— Mas, falando sério, verde fica ruim em mim? — Baz ironizou mais
uma vez, como se quisesse aliviar o clima. Ou só aliviar o clima de Alex,
especificamente. Baz parecia sempre tranquilo demais para qualquer coisa
ao seu redor.
— Não. Combina com seus olhos. Mas o carro da sua equipe ainda tá
feio pra caralho esse ano.
Mas, bem, não era como se não soubesse que dividir o mesmo oxigênio
que seu pai por mais que cinco minutos seria pedir para que sua vida se
transformasse em um inferno.
Sua equipe – ou o que deveria ser sua equipe, porque Baz ainda não se
sentia realmente parte daquilo que todos juravam que se tornaria a sua
segunda família – não era ruim. Na verdade, todos os seus colegas de
trabalho na Ritz-Carlton pareciam ser pessoas extremamente talentosas e
toda essa baboseira que se esperava de alguém que trabalhasse na porra da
Fórmula 1.
Mas ainda não era o seu lugar. Ou ele só não estava fazendo o mínimo
esforço, já que não queria estar ali desde o início.
Não que não fizesse o seu trabalho por isso. Longe disso. Basile poderia
ser o babaca que fosse quando quisesse, mas não deixaria de cumprir com as
suas responsabilidades.
Ou que fingiria estar adorando a experiência. Nunca pensou que diria
isso, mas daria de tudo pela oportunidade de desmontar um Fiat velho
qualquer na oficina de Dom.
Não que um pouco de rivalidade não fosse natural. Até saudável, na sua
opinião. Afinal, era um esporte onde apenas os primeiros – o primeiro –
poderia ser vitorioso.
Acontece.
Alexandre. Formal demais, Baz não gostava disso. Ele mudou o nome
para Alex antes de enviar.
Hm.
Alex: quem é?
Mas não era como se conseguisse conter a si mesmo por muito tempo.
— Não acho nada além de que você está procurando por melhoras que
não existem. Não faz sentido algum cobrar algo assim.
— Basile, quando eu disser algo, quero que você cale a boca e faça o
que eu estiver mandando — o mais velho avisou. — Não sou seu pai aqui,
sou seu superior.
— Tenho mais o que fazer, bom trabalho pra você — disse, guardando
o celular novamente no bolso para sair da sala.
— Estou fazendo o meu trabalho, mas abaixar a cabeça pra você nunca
não faz parte do contrato — devolveu, puxando o braço de volta. — Não
espere que eu te adore como um ídolo só porque arranjou o seu trono aqui.
Por sinal, é uma merda. Você não é nenhum Nikolaev, por mais que tente ser.
Basile pôde ouvir a série de palavrões que deixou a boca de seu pai
conforme se afastava. Não que aquilo o afetasse de qualquer forma. Não
mais, pelo menos.
— Bom, eu não quero pedir nada que você não coma — ele explicou,
com naturalidade.
Basile tinha uma imagem muito diferente sobre quem era aquele cara
antes de chegar perto dele. E não estava errado em pensar que ainda havia
muito a descobrir sobre quem Alexandre era quando não precisava manter
suas defesas tão altas.
Para quem ele se mantinha com os pés atrás? Àquela altura, não parecia
ser apenas para a mídia.
— Eu não sei, mon chéri. Não sou seletivo, você pode pedir qualquer
coisa. — Baz deu de ombros. Não dava a mínima para o jantar, sendo muito
sincero. — O que você vai pedir?
— Salada.
— Perfeito.
— Esse vai ser o seu jantar?
— Chego em uns vinte minutos, mon chéri — disse, por fim. — Meu
nome está na recepção?
— Sim, e… minha segurança sabe que você está vindo, então não vão
procurar por uma faca em você ou algo assim.
Baz riu quando a ligação foi finalizada pelo piloto sem qualquer
despedida.
O hotel onde a Astoria estava hospedada não era muito longe dali, mas
Basile optou por pegar um motorista de aplicativo, por precaução.
Daquela vez, Basile foi muito bem recebido pela equipe responsável
pela segurança da Astoria. Imaginava que Alexandre tivesse algum tipo de
combinado para manter aquilo em segredo com o homem que autorizou a
sua entrada. Até mesmo com Bruno e Ivan, porque duvidava que o piloto
fosse abrir a boca sobre ele para os colegas de equipe. Mesmo com uma
história ridícula de amizade.
— Bom, poderia ter me dito antes. Eu pedi agora porque não queria que
você comesse algo frio.
Mas também não era como se não gostasse do que havia ali –
absolutamente nada além da atração sexual. E Alexandre era bonito, tinha
uma boca admirável, um tanto interessante e, principalmente, vida
profissional e social o suficiente pra não ter tempo de encher o seu saco
quando não quisesse. Era o tipo de coisa que gostava. Nenhum tipo de
compromisso, por mais casual que fosse, quando as roupas voltaram para o
corpo.
Mesmo que aquele caso fosse uma ocasião diferente. Se alguém errado
descobrisse, seria um inferno.
Por isso, Basile gostava de contar com a sorte e ignorar essa parte.
— Alex.
Era a porra de uma tortura. E gostava disso. Talvez não gostasse com
outra pessoa, como já havia acontecido, mas Baz ainda fazia tudo de um
jeito tão bom que Alexandre quase desejava que não acabasse.
Poderia jurar que a sua mente ficou um pouco mais nebulosa quando os
olhos verdes de Basile encontraram os seus sob a luz fraca e alaranjada do
quarto. Alexandre se arrependeu de não a ter apagado antes de acabar ali,
porque seria um pouco menos vergonhoso se Baz não o visse tão bem
quando estava prestes a colapsar no colchão.
— Baz. Porra.
Foda-se a conversa.
— Eu sei que você já gozou e está muito bem, mas eu também gostaria
da minha vez.
— Você fica lindo quando implora pra gozar — Basile sussurrou contra
o seu ouvido, levando-o até a borda outra vez. Deus. O francês desceu
novamente a boca pelo seu peito, raspando os dentes pelos seus mamilos.
Deslizando a língua molhada pela sua virilha. — Por favor o quê?
Ele não olhou quando o rapaz se afastou, o seu peso deixando a cama.
Alex fechou os olhos, sentindo o formigamento desaparecer do seu corpo
lentamente. Talvez Basile estivesse se vestindo – sabia que ele não ficaria
durante a noite, nem o queria ali quando acordasse também. Era mais seguro
se ele saísse durante a madrugada, não quando qualquer pessoa de sua
equipe poderia encontrá-lo.
Ou, talvez, fosse o que Alexandre gostasse. E Baz sabia, era o que o
entregava. Se lembrava bem, havia pedido para ser surpreendido.
Alex observou Baz vestir apenas a calça antes de se afastar outra vez.
Quando voltou, ele tinha o prato de nuggets em mãos.
— No meu carro.
Baz o encarou.
— Eu vou perguntar mais uma vez, já que você não me respondeu mais
cedo — Basile disse, inclinando-se para se apoiar na moldura do pé de cama.
— Como você se sentiu com o carro novo? Ouvi dizer que fizeram grandes
mudanças.
Alexandre assentiu.
Uma parte dele estava um tanto surpresa por, em pouco tempo, terem
mudado completamente o tom e o assunto do momento. Basile pareceu
pensativo por um segundo, como se realmente procurasse por algo que
pudesse ajudá-lo.
— Imagino que você não me daria o projeto do carro pra uma olhada,
então acho que eu não sou de muita ajuda. — Basile pegou mais um nugget
do prato, dando de ombros. — Você anda muito tenso. Isso atrapalha.
— Por que você acha que eu ando tenso? — perguntou, com uma
careta.
— Porque você está. — O francês se inclinou para frente mais uma vez.
— E eu consigo ver você ficando tenso outra vez só porque eu falei. Relaxa,
mon chéri. Vai acabar morrendo antes dos trinta e cinco se continuar assim.
— Pare de fazer comigo as piadas que eu faço com Bruno, é estranho
— resmungou, levantando-se da cama. Alexandre pairou ao lado de Basile
por um segundo antes de se inclinar para inspirar o cheiro de sabão e
desodorante do seu pescoço. E, também… — Você usou o meu perfume?
— É uma reclamação?
Ele tentou não demorar sob o chuveiro. Dez minutos foram o suficiente.
Mas, quando deixou a água quente, Basile não estava mais no quarto.
Não havia um sinal de suas coisas, muito menos de sua mochila ou sapatos.
Nada.
Não tinha nada contra Laurent. Longe disso, achava que ele parecia ser
alguém interessante, apesar da rivalidade estressante que havia se instalado
entre suas equipes. Nunca haviam tentado conversar de verdade ou sequer
foram colocados em um mesmo ambiente para uma conversa, fora os
momentos de coletiva de imprensa que, no fim, serviam apenas como
tentativas de alimentar mais essa rivalidade.
Mas, bom, desde a cerimônia de premiação, quando Jolene conseguiu
atraí-lo, as coisas pareciam estranhas.
Mas Jolene jurou que ele não fizera nada. Nada negativo, pelo menos.
O que apenas tornava toda a situação ainda mais estranha, porque ela ainda
se negou a explicar muito além de que haviam se beijado. Muito. O que não
era, de todo, uma surpresa. Jolene já comentou sobre achar o piloto bonito e
ela tinha o costume de conseguir o que queria – Alexandre incluso nessa
equação.
No fim, ele não sabia absolutamente nada além de que Jolene estava
fingindo que o piloto da Ritz-Carlton não existia desde então. Ou fazia de
conta que ela própria não existia, considerando que Alex a convidou para os
treinos e ela negou educadamente, dizendo que tinha algum tipo de
compromisso familiar.
Besteira.
— Perfeitamente bem.
— Bom dia, querido. Você tem uma entrevista com aquela revista
esportiva em vinte minutos, sobre jovens talentos do esporte. — Marissa, sua
gerente de imagem, se aproximou quando entrou na área da Astoria. — Mais
tarde, você tem a coletiva com o Ronan da Alpha e gravações para o reality.
Não deve demorar muito, eles querem falar sobre as expectativas para a
temporada.
— Posso tentar, querido. Mas não prometo, você sabe que eles sempre
cobram por um pouco mais de você.
— Por quê?! Você ainda acha que eu vou roubar informações ou algo
assim? Supera, Alex. Não sou o James Bond, tenho preguiça demais pra
qualquer trabalho investigativo, e você não facilitaria a minha vida.
Alex o fitou. Basile não parecia estar mentindo, mas ainda era estranho
que ele estivesse disposto a ser descoberto sozinho, para não o envolver na
confusão que seria um engenheiro da Ritz-Carlton invadindo o espaço da
Astoria sem permissão – teoricamente.
Mas preferia não correr o risco do que contar com a sorte. Quando
estava no trabalho, pelo menos.
Basile riu.
Era difícil afastar algo assim. Alguém que lhe passasse uma segurança
como aquela. Basile era transparente ao extremo. Não conseguiria esconder
se não gostasse de algo, assim como não escondia que não dava a mínima
para boa parte do que acontecia ao seu redor. Não conseguiria esconder uma
mentira. Não conseguiria esconder se estivesse com Alexandre por qualquer
outro motivo senão afastar o que quer que o estressasse para fazer o piloto
arquear as costas sobre o colchão de um hotel caro.
— Isso vai durar uns dois minutos — soltou, fitando o teto branco da
sala.
— É um elogio, certo?
— Silêncio. Você pode continuar.
— Você vai se virar pra sair daqui — avisou, livrando-se das roupas
para vestir as cores da Scuderia Astoria. Roxo e preto. Basile o observou por
um segundo, antes de percorrer a sala para olhar as folhas sobre a mesa.
Relatórios e alguns resultados do carro que Alexandre não permitiria que
qualquer pessoa de fora visse.
Mas teria o feito se não houvesse nenhum francês em sua sala quando
chegou.
— Acho que sim. Nada que não possamos resolver.
— É bom resolverem, porque a Ritz tá com um carro foda pra esse ano.
Motor novo.
— Gosta?
— O quê?
— Alguma coisa mais séria. Foi a primeira vez que você saiu tanto com
alguém em público.
Alexandre não sabia ao certo o que queria com Íris quando a conheceu.
Ela era legal, sim. Interessante e talentosa no campo, tinha muito potencial
para crescer no futebol. Era carinhosa, mesmo que ainda parecesse não saber
conviver com certos bloqueios do piloto.
Alex abriu a boca para responder, mas parou quando ouviu batidas na
porta da sala.
Ele não tinha uma casa. Tinha onde deitar-se durante à noite, onde
comer e descansar. Mas não era uma casa.
Mas, bem, o Alexandre de anos antes não era muito além de raiva e dor.
Mais raiva do que dor. Ele sabia bem como esconder o que doía sob o ódio.
Esconder das pessoas ao seu redor, de si mesmo.
Nicole parecia ser o contrário. Ela era feliz. Verdadeiramente feliz,
apesar de qualquer problema que poderia estar no seu caminho. Não
precisava conhecê-la para saber disso.
É claro que não está tudo bem, tem sangue saindo do meu nariz,
Alexandre pensou em responder, mas Nicole – leu no seu crachá – não
merecia a sua palavra.
Alexandre a fitou, apenas para ter certeza de que ela não tentaria se
aproximar outra vez antes de inclinar a cabeça para trás.
Nicole não duraria um mês naquele inferno. Os garotos que eram piores
que ele acabariam com a paz dela em duas semanas. Uma, se não pegassem
leve. Ela tinha a cara de quem não aguentaria muita coisa ali antes de
implorar para dar o fora.
E ele ficou ansioso para ver aquilo acontecer. Dor sob a raiva.
QUINZE
Droga, Marissa.
Não podia dizer que ele não era bom em passar despercebido. Fosse lá
como fizesse isso.
Baz: tudo bem, deu pra ver que você ficou animado com a surpresa
Baz: enfim, você foi bem no carro hoje
Era algo que se identificava com Nicole. Assim como ela, odiava
pensar em ficar muito tempo em um único lugar.
— Você sabe que ele odeia essas coisas — riu, imaginando o desespero
do animal em ter que ficar em silêncio e imóvel por mais de dois segundos
para um tratamento em um spa. — Ele vai ser o terror de quem estiver lá.
— Você, Alexandre, é o maior culpado por ele ser assim. Não educou o
William quando ele era pequeno e agora que é um adulto, acha que pode ser
como quiser.
— Duvido que conseguem ter uma torta melhor que as da Aria, mas
vou admitir que parecem boas.
— Pedir qualquer coisa melhor que algo feito por Aria é demais,
Xander — Nicole disse, deslizando a ponta do dedo indicador pelo cardápio
atentamente. — Mas aposto que são ótimos.
Nicole acabou optando por uma torta de morango – o que, para Alex,
não era uma surpresa de forma alguma – e café com menta. Alex ficou feliz
em pedir apenas por um brownie e café puro.
— Não, mas não adianta discutir com você — ela disse, dando de
ombros. Alex balançou a cabeça com um sorriso, agradecendo à atendente
quando seus pedidos foram entregues.
Alexandre foi um deles, e ele sabia disso. Ainda assim, Nicole o amou.
Mesmo que ele tenha se recusado a enxergar isso por um longo tempo.
Quase dois anos, para ser mais exato.
Daniel foi o primeiro a entrar, do lado da mãe. A irmã mais nova parou
ao lado dele para entregar uma caixinha que provavelmente continha as
alianças.
Era esperado que ele estivesse feliz. Afinal, era o seu casamento. Mas
Daniel William parecia radiante ao acenar para os convidados em seu terno
branco. Mesmo enquanto trocava algumas palavras com Fernando durante a
espera pela noiva, ele mal conseguia conter o sorriso dentro de si.
— Sabe, isso me lembra que no nosso casamento… — Ivan começou,
olhando na direção do marido.
— Ele faz questão de contar isso pra todo mundo — Bruno resmungou,
balançando a cabeça. — Vou sair daqui e ir direto pro divórcio.
— Você estava bêbado, nada do que você diz pode ser confiável. —
Ivan se inclinou para beijar o ombro do marido. — Mas, pensando bem, a
sua bunda fica mesmo linda em jeans.
— Acho que eu vou gorfar — resmungou, virando o rosto para olhar
em outra direção.
Não que não estivesse acostumado em ver Bruno e Ivan agindo como o
que eram – casados – quando não estava trabalhando, principalmente nas
vezes em que passava alguns dias na casa deles no Brasil ou quando
visitavam seus pais na Austrália. Mas também não significava que gostaria
de ver seu chefe e seu colega de equipe se beijando.
Baz.
Baz: é claro que você pagou por alguém pra dirigir pra você, alexandre
Baz: meus finais de semana de corrida seriam muito mais sem graça sem
você me implorando por um pouco de atenção
Alex: é, tá sim
Alex: só não parece muito feliz em me ver
Baz: é uma pena, eu ia pedir que agradecesse por mim por ter te deixado
livre
Daniel sussurrou algo que a fez rir quando ela se aproximou. Como se
não existisse mais ninguém ali, Daniel continuou dizendo palavras que
Alexandre e outros convidados não conseguiriam ouvir, graças à distância.
Mas pensar em ter algo diferente – e algo mais – com alguém era uma
ideia atrativa. Porque todos ao seu redor conheciam o sentimento, mas
Alexandre sentia que ainda não. Independentemente de todas as pessoas com
quem já ficara durante a sua vida, que só começou de verdade a partir do
momento em que foi adotado, ainda não sentia que alcançara o sentimento
como o que Bruno e Ivan, Mariana e Daniel tinham.
— Não, então nós começamos a sair. Depois dos treinos e das corridas,
talvez até antes. Não era grande coisa mesmo, mas era legal ter alguém com
quem eu não tivesse medo de me relacionar. Quando eu percebi, já queria
conhecer a família dele, vê-lo durante a semana e usar as férias pra visitar a
casa dele no Brasil. — Bruno voltou para a mesa, e olhou entre eles com
curiosidade, querendo saber sobre o assunto. — Não que eu soubesse
demonstrar muito disso na época.
— Que terror.
— Fofos, vai ser estranho ver vocês como colegas de trabalho de novo
depois disso.
— Oi! — Alex virou o rosto para ver Mariana, que se aproximou para
cumprimentá-los ao lado de Daniel. Ela havia trocado de roupa, e estava
vestindo um vestido branco de seda que ia até a altura dos joelhos. — Só
estou tendo tempo pra falar com os convidados agora, me desculpem.
— Jesus, Mari.
— Sabe, talvez você devesse tentar dar uma chance pra isso… —
Mariana sugeriu, inocentemente. — Você merece, sabe.
Muito bem.
Talvez.
Basile riu com o seu susto, afastando-se apenas para ir até o outro lado
do carro e entrar do lado do passageiro. Alex olhou ao redor mais uma vez,
procurando por qualquer sinal de alguém por perto. Não havia ninguém.
Além disso, não estava lá com cabeça para conversar com alguém como
se nada estivesse acabando com a sua paz de espírito nas últimas semanas.
— Conheço.
— Podemos ir lá?
— Nós?
— Não.
Ele não falava como se fosse grande coisa. E, parando para pensar,
realmente não era. Basile não estava pedindo por nada além de um passeio
por qualquer lugar que achasse interessante – no caso, Little Havana. Talvez
fosse legal, talvez o ajudasse a tirar as coisas da cabeça.
Isso se ignorasse a parte de ser visto e reconhecido por alguém.
— Se você quiser ir comigo, vai ter que tirar esse boné — disse,
apontando para o boné verde do engenheiro.
— Feliz?
— O que é?
— Não, próximo. Isso tem cem por cento cara de coisa da sua mãe, fez
parte de algum passeio em família de vocês?
— Onde?
O Frost Museum tinha seu diferencial. Construído e feito para ser uma
experiência diferenciada.
— Entendi a sua lógica. Ele é engenheiro, vai gostar de ver uns carros
— Baz provocou, ainda olhando ao redor. Ele até podia tentar esconder, mas
seu interesse e curiosidade sobre o lugar eram visíveis. E nem haviam
entrado em um dos espaços especiais do lugar ainda. — Seja mais original,
Alexandre.
Baz fez uma careta, como se o quadro estivesse conversando com ele.
O francês balançou a cabeça antes de voltar a atenção para Alex, voltando a
acompanhá-lo até o planetário.
No escuro, Alex se inclinou para puxar o rapaz pela mão até os assentos
vazios mais próximos.
Ou, talvez, não o lugar. Mas a sua companhia. A mão de Baz era
inquieta, mas não o soltou por um segundo sequer enquanto todo o local
iluminava-se com o show de luzes de estrelas, planetas e buracos negros.
— Você precisa mesmo de mais uma hora por aqui? Achei que quisesse
um tour por Little Havana também.
Basile deu de ombros. Ele parecia prestes a dizer algo, mas parou ao
entrar na área da exposição especial do mês.
Era suspeito para falar, mas aquela era facilmente a melhor exposição
do museu.
Mas ver que fazia parte – que era – a história de algo tão incrível como
o automobilismo ainda era o tipo de coisa que lhe tirava o ar de vez em
quando. Fazia com que tudo valesse a pena.
Basile, que havia parado e se separado dele a alguns metros para ver
uma seção menor reservada especificamente para os construtores, finalmente
parou ao seu lado. Em silêncio.
Basile desceu o olhar para a sua boca por um segundo, como se fosse
beijá-lo.
Mas ele se afastou, deixando-o sem o boné. Não havia uma chance de
que ele saísse dali sem ser reconhecido por, pelo menos, uma pessoa.
Talvez fosse a intenção de Baz ao sair dali. Não tinha como saber.
De qualquer modo, o que ele havia dito continuou ecoando pela sua
cabeça enquanto olhava suas imagens reproduzidas no telão. Havia
momentos ao lado de Nicole, de Ângelo, Bruno, Ivan e outras pessoas de sua
equipe. Pessoas que realmente importavam para ele, que trabalhavam ao seu
lado e o acompanhavam quase diariamente. Nenhuma delas demonstrava,
em momento algum, que não fosse bom o bastante para a posição que
ocupava. Fosse como piloto, como parte da Astoria ou como filho.
— Você é um bosta.
— Obrigado, mon chéri. Parece ser uma opinião muito popular sobre
mim, então gosto de ver como um elogio. — Basile tornou a apoiar os pés
no painel do carro, deixando o boné roxo de lado para arrumar os fios
escuros. Ele claramente não gostava daquilo, mas não chegou a reclamar.
Isso fez com que Alexandre se sentisse um pouco mal. Por obrigá-lo a
manter-se disfarçado para sair. Não era o tipo de coisa que Basile fazia,
obviamente. Mas ali estava ele.
E pior, sem reclamar. Basile Beauchene não reclamar de algo que ele
não queria fazer era algo fora do comum. Alex provavelmente se sentiria
menos culpado se ele enchesse o seu saco sobre isso.
Era a única coisa de uma vida que ele havia deixado para trás que ele
ainda carregava consigo e não tinha como se livrar.
— Você não precisa comprar nada pra mim, Basile. Eu nem posso
comer tudo isso tendo corrida amanhã — bufou quando ele estendeu um
sanduíche artesanal na sua direção.
Ele revirou os olhos, mas insistiu para que pegasse. Alex aceitou, só
porque já estava pago. Baz podia comer o suficiente para fazê-lo passar mal,
mas não podia fazer o mesmo.
Seria deprimente.
Quando já estava tarde o suficiente para que sua hora de ir para a cama
se tornasse uma preocupação – e Basile já parecesse ter comido o suficiente
para se sentir satisfeito por uma semana –, ele se aproximou do francês.
— Não precisa me levar, eu ainda vou dar uma volta por aí.
Alex o fitou.
— Como assim?
— Sei lá, você parecia precisar de alguém de fora do círculo da sua
equipe, trabalho e essa merda toda. Achei que seria bom te distrair. —
Quando o piloto ergueu uma sobrancelha na sua direção, ele deu de ombros.
— Embora eu tivesse planos que envolvessem uma cama, pra ser sincero. O
museu e isso aqui também foram legais.
— Bom, acho que sim. Foi legal e talvez eu faça mais vezes, já que
viajar com um bando de gente chata e ficar longe da minha gata é a minha
nova rotina — Baz confessou, deslizando os dedos entre o cós da sua calça.
— Mas não era meu intuito inicial.
Se pudesse, faria todo tipo de coisa suja e errada que jamais deveria ter
pensado em fazer com alguém como ele. Se não ali, no carro. Não tinha a
menor vontade de esperar até chegar no hotel.
Se pudesse. E por mais que beijar Basile, a boca com gosto de menta do
sorvete que ele havia acabado de tomar, fosse o suficiente para acordar todos
os sentidos do seu corpo em estado de alerta máximo, não podia. Não em um
sábado. Em termos oficiais, já deveria estar relaxado em sua cama há um
bom tempo.
Como se ele não quisesse apenas tirar tudo de Alex, mas que ele o
entregasse por escolha própria.
— Você não pareceu achar sem graça enquanto brincava com o piso do
museu — murmurou, soltando um som em reclamação quando Baz se
afastou.
— Veremos.
Sim, sentira falta da sensação de sair com alguém sem o peso de que
precisava dar algo em troca.
Alexandre venceu a corrida de Miami com vantagem sobre os outros
pilotos, em um pódio ao lado de Bruno. O tipo de pódio que pedia por uma
comemoração especial.
Depois de comemorar com parte da equipe por quase duas horas na área
exclusiva de um bar – sem ingerir uma gota de álcool, importante dizer –,
Alexandre encontrou Basile o esperando em seu quarto de hotel. De verdade,
ele nunca entenderia a facilidade do francês em achar meios para entrar onde
não deveria, com ou sem permissão.
Depois do que pareceu ser a noite inteira sem muitas palavras, mas
provavelmente não havia passado de pouco mais de uma hora, Alexandre
seria incapaz de abrir a boca para reclamar de Basile. Ou de qualquer outra
coisa.
— E você também.
— No meu caso, é quase sempre pra correr. Nicole viaja porque não
tem a capacidade de ficar olhando para o mesmo quintal por mais de alguns
dias.
— Se você não viajasse pra correr, seria igual. — Não parecia uma
pergunta. E Baz não estava errado. — E não é como se você ficasse trancado
no quarto, então é quase a mesma coisa. Você gosta de viajar.
Alexandre não conteve uma risada, o que fez o francês fazer uma
careta.
Basile, sim. Do pouco que sabia, ele tinha uma rotina muito específica
no ano anterior. Algo resumido à sua faculdade, o emprego na oficina – o
que havia acontecido com a oficina, aliás? – e a hora extra no Palladium.
Uma rotina que, de modo geral, não dependia de outras pessoas.
— Não. Meu pai provavelmente ficou entediado e resolveu que era hora
de usar a minha existência para entretenimento próprio. — Baz não tentou
esconder o tom ácido, mas Alex não se incomodou daquela vez. Sabia que o
problema não era ele. — Você vai me deixar tomar um banho e pedir o jantar
ou vai continuar me fazendo perguntas no chuveiro?
— Você podia ser um pouco mais legal comigo depois de me comer por
quase uma hora.
— Isso é ridículo.
— O quê?
— Bom, eu não quero que o mundo saiba que eu sou bissexual. Não é o
tipo de coisa que eu vá gostar que se torne o único assunto sobre mim.
Ainda. Isso pode mudar amanhã. — Alex fechou a mala depois de pegar
roupas limpas, revirando os olhos. — Deveria ter pensado sobre o quanto é
ridículo antes de vir. E não só dessa vez.
Alex não esperou por uma resposta antes de bater a porta do banheiro.
Como o de costume, era provável que Basile já não estivesse mais lá.
Não seria uma surpresa e, enquanto enrolava mais que o normal sob o
chuveiro, Alex quase esperava que fosse o caso.
Mas, quando saiu, Basile ainda estava ali. Tinha uma porção generosa
no seu colo, mas parou de comer no instante em que parou ao lado da cama.
Os lençóis realmente haviam sido trocados, aparentemente.
— Eu não estava falando de você — Baz disse, por fim. — Eu sei o que
é ter que esconder isso por… segurança, seja lá como queira chamar. Eu sou
gay e meu pai é um merda sobre qualquer coisa que saia da bolha dele. Nós
nunca falamos sobre isso, mas definitivamente faz parte dos mil e um
motivos que ele arranja pra me infernizar, porque eu não faço questão de que
seja um segredo há alguns anos. Desde que eu pude falar pro Dom, na
verdade. Mas eu sei o quanto é uma merda. Eu sinto muito se dei a
impressão de que a minha opinião era quanto a sua escolha sobre isso. Não
era. É… esse mundo que você precisa viver.
Alex soltou uma respiração pesada. Por mais que também não gostasse
do que a vida como uma pessoa pública significava, estava acostumado. De
uma forma ou de outra, havia sido preparado para esse tipo de coisa desde o
momento em que deixou o lar adotivo em que vivia para morar com Nicole e
Ângelo. Ninguém esperava que Alexandre se tornasse tão grande, mas
sabiam que ele chamaria a atenção.
Basile, não. Baz não era uma celebridade, não precisava lidar com
olhos ao seu redor por onde passasse.
Alex comprimiu os lábios, assentindo, ainda sem jeito. Não era como
esperava terminar a noite – com uma conversa sobre como lidava com a sua
bissexualidade, ou como o mundo lidaria com ela. Mas falar sobre isso com
Basile era, no mínimo, interessante. Estranho, mesmo que bom. Importante,
ainda que apenas para Alex.
Naquela noite, Basile dormiu ao seu lado pela primeira vez. Sem muita
conversa ou sem a necessidade de ser um grande evento – Alex sabia que se
ele não estivesse tão cheio de comida, provavelmente teria dado o fora.
Dividiram a cama até que Basile fosse embora, apenas na manhã seguinte,
ainda antes que o piloto brasileiro acordasse.
DEZENOVE
— Bem — ela disse, como se fosse apenas mais um dia. Não como se
ela estivesse chegando em sua nova casa. — Eu assisti à corrida de ontem.
— Eu gosto dos dois. — Camilla ficou na ponta dos pés para ver o bolo
de chocolate que estava sobre a bancada da cozinha. — É pra mim?
— Ela não é um bebê, Bruno. Já deve ter visto muita coisa antes de
vocês aparecerem. O que nós mais vemos são esses adultos que adotam
esperando algo que possa ser domesticado, uma criança que vá atender todas
as expectativas, seja lá qual forem. Quando não atendemos, eles nos
devolvem. — Bruno parou para olhar na sua direção como se o rumo da
conversa o surpreendesse. Bem, era a primeira vez que o assunto realmente
se tornava um tópico. — Ou só fingem que não existimos porque não podem
nos devolver. Eu fiquei aterrorizado quando os documentos com Nicole e
Ângelo foram assinados, e eu já tinha dezessete anos. Camilla só deve estar
com medo de se decepcionar, dá pra ver que ela já ama vocês.
— Cabe a vocês saber respeitar esse tempo sem fazer com que ela se
sinta sozinha. Tem uma linha muito tênue entre dar o espaço e deixar a
pessoa de lado — continuou, jogando o molho na panela com o macarrão. —
Mas vocês vão se dar bem, relaxa. Eu sabia que você entraria em pânico, por
isso me ofereci pra vir.
— Bruno, você daria o mundo inteiro pra ela se pudesse. Ivan também.
Vocês amam essa menina desde que a viram pela primeira vez, já é mais do
que muitos que tentaram me adotar antes de Nicole aparecer.
Eles ficariam bem. Muito bem. Assim como ele, Nicole e Ângelo
ficaram bem.
O nome de Basile brilhou na sua tela para uma chamada de vídeo
quando estava se preparando para dormir.
Era o tipo de coleguismo com benefícios que não lhe cobrava nada.
Gostava disso.
Era, sim. Não que fosse verbalizar isso, ou assumir que precisava
procurar pelo que fazer durante a semana para não se sentir entediado.
— Brasil. Vou passar a noite no Ivan e no Bruno até a hora do meu voo
pra casa.
Alexandre assentiu.
— Isso é legal — Baz murmurou, voltando a atenção para a tela do
celular. — Eu era fã pra caralho do Ivan quando era mais novo.
— Por quê?
— Sopa. — Baz virou o rosto para falar algo com Corvette, em francês.
Ele se afastou da câmera, voltando com a gata no colo alguns segundos
depois. — Seu cachorro já teve uma fase rebelde? Corvette anda
insuportável esses dias.
— Corvette acha que só porque vai fazer um ano pode agir como
quiser. Ela derrubou todos os meus discos da prateleira.
— Isso se aplica a cães, mas não a uma gata. — Baz pareceu desligar o
fogão, pegando o celular para sair da cozinha. — Esses bichos fazem o que
bem entendem.
— Você diz como se não mimasse essa gata com a sua vida.
— Acho que não tenho escolha, então tudo bem. — Alex olhou o
relógio, soltando um suspiro. — Eu vou dormir agora.
— Pode reclamar o quanto quiser de mim, mas foi você quem me ligou.
De algum modo, dormir foi muito mais fácil após aquela conversa.
PARTE TRÊS — TRISTE PRA SEMPRE.
O clima de Ímola não era propício para uma programação turística, mas
isso não chegou a impedir Basile de deixar o hotel na sexta-feira.
Além disso, precisava sair para distrair a cabeça de alguma forma. Nem
mesmo uma nevasca o impediria.
Mais suave. Mais claro. Talvez fosse porque o hotel escolhido pela
Ritz-Carlton fosse em uma área pouco movimentada e não precisasse se
preocupar com muitas pessoas ao redor ali, mas Alexandre parecia ter
acabado de sair de um comercial de cotonetes. Qualquer coisa que lembrasse
toda a calmaria e paz que, sinceramente, Baz estava longe de sentir naquele
final de semana.
Talvez por isso fizesse tanta questão de estar ali com o piloto. Para se
distrair. De alguma forma, Alexandre Duarte era bom em tirar a sua cabeça
da merda, provavelmente sem sequer perceber.
— Parei pra pensar e acho que eu deveria ser pago pra ser o seu guia
turístico pelo mundo — ele disse, ajustando a touca sobre os fios loiros
ondulados.
Basile não tinha o costume de passar mais tempo que duas ou três
noites com as pessoas com quem se envolvia – por falta de tempo, falta de
interesse. Sua rotina não estava mais tranquila apesar da formação na
faculdade e um único emprego, mas, ainda assim, Alexandre parecia
merecer um tipo de atenção.
E a cada vez que Alexandre dava um pouco de si, Basile queria mais.
Não havia muito o que fazer sobre isso.
— O que é isso?
— Parece fechado.
— Porque está.
— Me diz que você não usou o seu sorriso de galã pra conseguir entrar
em um teatro durante a noite, Alexandre.
— E se eu tiver usado?
— Por quê?
Alexandre falava como se nada daquilo fosse grande coisa. Talvez não
fosse para ele. Para quantas pessoas ele já tinha conseguido a entrada em
monumentos históricos fora do horário normal?
Baz conteve um palavrão. Aquele cara parecia mesmo viver em uma
realidade alternativa.
— Que romântico.
— Por que você sabe tanto sobre esse lugar? — perguntou quando
Alexandre se despediu de Tella com o sorriso de galã.
— Não entendi.
— Entende?
— Acho que sim, desde que nós visitamos o museu. Você nunca
pareceu ligar pra quem fez o quadro exposto ou todo o contexto histórico, o
que eu acho fascinante analisar quando se está olhando para uma obra de
arte. — Alex mudou o peso do corpo de um pé para o outro
desajeitadamente antes de se aproximar mais. Ele chegou perto até que
Basile pudesse alcançar a corrente prateada em seu pescoço com o dedo
indicador, fechando ainda mais qualquer distância que havia entre eles. Mas
aquele cara estava ali, dizendo que havia notado algo sobre Baz, que estava
acostumado demais a não ser compreendido ou notado. Significava mais do
que deveria e não tinha culpa sobre isso, droga. — Na verdade, é como se
você conversasse com a arte. E é legal, o que provavelmente é a pior palavra
que eu poderia usar pra definir, mas acho que também já comentei que não
consigo raciocinar quando você chega tão perto.
— Você tá com fome? — ele perguntou. — Tem um lugar por aqui com
um sanduíche de mortadela que é incrível. Você precisa conhecer.
Basile tirou o casaco assim que entrou no espaço aquecido do hotel.
Estava exausto, mas, ainda assim, um tanto leve. Melhor. O tipo de sensação
que viria após uma tarde de trabalho ao lado de Dom, uma noite no
Palladium.
E, ainda assim, diferente. Pela primeira vez, talvez, não soubesse como
definir uma sensação em algumas poucas palavras.
Não que ela tenha durado muito. Baz parou no meio da recepção do
hotel ao ver o pai sentado em um sofá, encarando-o como se soubesse de
algo que não deveria.
Ele sabia?
Basile parou. Precisou respirar fundo por longos cinco segundos antes
de virar-se na direção de Bernard novamente, mantendo-se o mais sereno
possível. Calmo. Tranquilo. Demonstrar qualquer coisa além disso seria dar
mais abertura para que o pai o infernizasse.
— Resolvi sair pra dar uma volta. Não vou viajar e ficar trancado no
quarto só porque não estou trabalhando.
— Com quem?
— Sozinho.
— Mentira.
Basile soltou uma risada seca, antes que pudesse conter a si mesmo.
— Não ligo pro que você faz desde que não afete a imagem da minha
equipe.
— Porque um dos seus engenheiros chupando o meu pau
definitivamente seria o escândalo do ano, eu sou tão influente — ironizou,
encarando o homem quando ele se recostou do outro lado do elevador.
— Pare de falar sobre o que você não sabe — ele avisou, devagar.
— Ele nunca ganhou nada fazendo qualquer coisa por mim. Melhor que
você, que precisou que a polícia te ligasse para que eu pudesse te ver depois
de seis meses viajando como se fosse solteiro e sem filhos. Aliás, você tem
filhos por aí. Só nunca assinou um documento de paternidade pra eles. Eu
deveria dizer que tenho sorte quanto a isso, não é?
Então, o silêncio. Ou, pelo menos, era o que Basile acreditava ter vindo
depois. Podia ouvir claramente o som da própria respiração, antes contida. O
pulso vibrando por todo o seu corpo.
Mas, bem, essa era a vida ao lado de Bernard Beauchene. Com sorte, só
precisaria aguentar mais alguns meses.
Meses.
Mas Alexandre tinha o mundo inteiro. Basile não tinha ninguém. Mais
uma vez.
VINTE E UM
— Foi uma perda de tempo se vestir, espero que você saiba disso. —
Basile umedeceu os lábios, dando de ombros um momento depois. — Ou
não, eu gosto quando você tira a roupa pra mim.
Alex o fez, embora realmente não planejasse fazer nada tão cedo.
Não ainda.
Basile o deixou se livrar da camisa que havia acabado de vestir antes de
se inclinar para deslizar os lábios pelo seu abdômen, os olhos ainda presos
aos seus.
— Não que você não possa se livrar disso sem muito trabalho.
Mas não o suficiente para esperar tanto. Não dessa vez, em específico.
— Eu quero ver.
Mas ele ainda sentia que estava perto de derreter toda vez que Basile
sorria. Não qualquer sorriso, mas os sorrisos direcionados especialmente
para ele.
— Não vou conseguir fazer nada se você continuar no meu colo, mon
chéri.
Baz manteve uma mão firme na sua cintura enquanto se afastava com
cuidado. Já havia percebido que ele tinha algo com aquela parte do seu corpo
em especial, e era quase engraçado como Baz sempre parecia encontrar um
modo de tocar a região pelo maior tempo possível.
Alexandre se acomodou em um canto da cama, acompanhando o
francês com o olhar enquanto ele parecia tranquilo em tirar o vape do bolso
da calça e tragar uma vez antes de se livrar de vez da peça de roupa. Ele
parecia estar indo muito bem na parte de fingir que Alexandre não estava ali,
porque mal olhou na direção do piloto enquanto isso.
Adoraria dizer que Baz pediu, mas ele ordenou. Alexandre manteve o
olhar preso aos olhos esverdeados do francês ao fazê-lo, e precisou conter a
si mesmo para não voltar atrás e pedir que pulassem logo para a parte em
que Baz o fodia naquela cama.
Não são os fios de cabelo que caem pelo rosto de Baz, ou os músculos
de seus braços e pernas que se retraem e se evidenciam a cada novo toque
que ele dá a si mesmo, e surpreendentemente muito menos o pau dele – que
é muito bonito mesmo assim, inclusive.
Uma vez na cama com Baz nunca era como a anterior. Talvez porque
estivessem se conhecendo cada vez mais, talvez porque ambos gostassem de
experimentar diferentes sensações um com o outro. Não importava.
Naquela noite, Baz não parecia provocativo como sempre. Ele não usou
vários minutos para levá-lo até a boca e carregá-lo até a borda como o de
costume. Ao invés disso, Basile o fodeu duro e lento, entre beijos
desajeitados e molhados, mãos curiosas e que pareciam decididas a levá-lo
do céu até o inferno em questão de segundos.
Não achava que poderia se conter por mais tempo, sinceramente. E Baz
sabia que seria difícil, porque não fez questão de esconder o sorriso quando
se inclinou para beijar quase carinhosamente demais o seu lábio inferior.
— Por quê?
— Acha que consegue fazer isso por mim, Alex? — ele perguntou. Não
como se estivesse pedindo para segurar seu orgasmo quando isso parecia
impossível, principalmente quando suas mãos percorriam de forma cruel sua
virilha, mas como se estivesse perguntando se poderia alcançar algo da
prateleira mais alta. Quando Alexandre não o respondeu, Baz pressionou
suavemente o seu pescoço. — Olhe para mim, mon chéri.
Sair o mais cedo possível. Não ser visto. Não chamar atenção.
— Você sabe onde ficam as roupas que eu uso pra dormir — assentiu,
recostado na saída do quarto para a varanda, sabendo que o francês seria o
primeiro a levantar para usar o chuveiro. Como sempre.
Havia uma marca arroxeada no seu braço, que se tornou visível quando
estendeu o cigarro na sua direção. A marca clara de dedos, como se uma
mão tivesse o pressionado com muito mais força que o necessário para
segurar alguém.
Sabia que não tinha feito aquilo. E se não fosse pelo final de semana
movimentado que estavam tendo de ambas as equipes, até pensaria que
Basile podia ter conseguido aquilo ficando com outra pessoa. Não seria um
problema, não havia qualquer combinado de exclusividade ou algo assim
entre eles.
Mas Baz o respondeu como se não fosse grande coisa, como se fosse
parte de uma rotina à qual já deveria estar acostumado. Que Bernard era um
merda, isso sabia desde sempre.
Aquilo ia além.
— Só quando eu era pirralho e ainda tinha que morar com ele. Mas
ninguém muda mesmo.
Era, no mínimo, revoltante. Por que Basile ainda estava agindo como se
não fosse nada demais?
— Porque eu não quero que você lide com isso sozinho — disse, por
fim. — Por isso, caso ele encoste em você outra vez, eu quero que me ligue.
Principalmente se for semana de corrida e eu estiver por perto.
— Sim?
— Deve, Basile.
— Certo.
Quando Alex acordou, Baz não estava mais lá. O que era esperado, mas
ainda torcia para perceber quando ele se levantasse. Seu sono não era tão
pesado assim, mas o engenheiro era silencioso demais.
O piloto parou quando viu o homem sentado em uma das mesas na área
externa da equipe verde ao lado do filho, embora apenas ele falasse. Parecia-
se mais com uma discussão unilateral, uma bronca, porque Basile ainda
permanecia em silêncio enquanto fingia não ouvir e digitava algo em seu
celular.
Baz piscou, atônito. Aparentemente, ele não sabia fingir tão bem
quando pego de surpresa.
A forma como o homem pronunciou que Baz era seu filho, como se não
o quisesse, fez o punho de Alexandre se fechar sob a mesa.
Tarde demais.
Merda. Não fazia a menor ideia de que era o aniversário dele. Não tinha
comprado nada. Não tinha dito nada.
Alex: ?
Alex: vai se foder
Alex: eu me importo
Baz: aceito um jantar legal no seu quarto depois que você ganhar a
corrida
— Certo. Eu tenho que ir, então vou falar com alguém pra te passar a
lista e a senha do meu cartão. — O piloto deu um beijo estalado no rosto da
mulher antes de se afastar. — Dou todas as entrevistas que você quiser
depois. Te amo!
Bom, talvez estivesse. Mas Alex não poderia dizer que não gostava da
sensação.
Alexandre não tinha como deixar o quarto do hotel mais arrumado. Da
comida até os docinhos e a cama, tudo estava em sua mais perfeita ordem.
Não era uma festa de aniversário perfeita, mas era um pouco disso. O
básico. Se Baz estaria mesmo longe de casa na noite do seu aniversário,
queria fazer o mínimo para que, pelo menos, fosse uma noite legal.
Mesmo que o dia não parecesse estar ao seu favor. De uma quinta
colocação na corrida até o tipo de ligação que acabava com o seu humor.
Mas, bem. Nada que não pudesse ignorar enquanto Basile estivesse ali.
Baz ainda parecia um pouco desajeitado, talvez até deslocado. Alex não
tinha parado para pensar o que o aniversário dele podia significar – não é
todo mundo que diz que não se importa com a data do próprio nascimento –,
mas ainda queria fazer algo minimamente legal. Imaginou que fosse ser
bom.
— Ninguém me beijou lá, então acho que você ainda sai ganhando. —
Baz usou uma mão para deslizar os dedos entre o seu cabelo, a outra
puxando a regata branca para cima. Um incentivo para que o piloto a tirasse
logo. — Obrigado pelo perfume, mon chéri.
Basile poderia jurar que aquele era o melhor aniversário que tinha em
anos. Não apenas porque havia um piloto realmente empenhado em fazê-lo
soltar todos os sons e palavrões que nunca achou que soltaria na cama com
alguém, sentir todo o misto de sensações sufocantemente boas que nunca
tinha sentido antes. Mas porque parecia ser o seu dia de verdade. Um dia
com alguma importância não apenas para si mesmo, mas para alguém ao seu
redor.
— E depois, livre?
No fim, parecia uma procura infinita por algum lugar que se parecesse
com uma casa para ele.
— Que seja.
— Se eles querem alguém com a minha idade, tem algo por trás disso.
Sempre tem. — Alexandre chutou os tênis surrados para longe, livrando-se
também da camiseta de colarinho branco que haviam lhe dado.
— Você não precisa se preocupar com isso. Se eles não tiverem boas
intenções, nós vamos descobrir.
— Você é engraçada — o garoto riu, seco. — Adotaria alguém de
dezesseis anos?
— Besteira. Ninguém liga pra nós depois que passamos dos cinco anos.
Dos seis, no máximo. Eu já cheguei nesse buraco fora do prazo de validade.
— Alex estreitou os olhos na direção de um garoto que parecia interessado
demais em ouvir a conversa, até que ele desviou o olhar. Depois de vestir
uma de suas próprias camisetas, aproximou-se mais de onde Nicole estava,
parando de frente para ela. Eram praticamente da mesma altura, Alex sendo
um ou dois centímetros mais alto. — Mostre a minha ficha para eles. Aposto
que vão mudar de ideia em dois segundos.
— Eu não sabia…
— Comprar?
Alexandre sempre via Nicole por lá. Mesmo sendo recente entre os
funcionários voluntários, a mulher já tinha conquistado boa parte das
crianças, e até mesmo alguns dos mais velhos.
Ele tinha uma rotina dentro daquele lugar, algo que havia montado com
o passar de sua vida.
— Duvido.
— É seu marido?
— E por que você trabalha aqui? — Por que você está perdendo tempo
aqui? Seria a pergunta mais próxima do que Alex queria dizer.
— Gosto.
Só não parecia do feitio dela. Era ridículo que se sentisse tão seguro
sobre isso, considerando que não a conhecia de verdade. Mas sabia que
Nicole não mentiria caso lesse sobre o seu histórico.
Nicole não levava jeito apenas com crianças e adolescentes. Ela levava
jeito com qualquer pessoa.
— Eu disse que você poderia ficar em casa, caso não quisesse vir.
— Eu queria vir. Não faria sentido não fazer parte da vida de vocês
também. — Não quando vocês já são uma parte tão grande da minha. Não
quando vocês mudaram a minha. Alex não continuou em voz alta. Não por
alguns segundos, pelo menos. O garoto esmagou o cigarro com um pouco
mais de raiva que deveria sob a sola do tênis vermelho. A única peça
colorida no conjunto de camisa social e calça preta. Também se sentia
ridículo naquela roupa. Mesmo anos depois, ternos e roupas sociais em um
geral ainda não o agradavam. Não da forma convencional. — Só acho que
eu não sirvo pra esse tipo de coisa. Quem fica do meu lado por mais de cinco
minutos já pode perceber isso. Tipo, o que eu tô fazendo com vocês? Essa
merda toda é completamente diferente de conversar com você quando eu
ainda morava com um bando de gente como eu.
— Não, Nicole. Porra, não. Não foi isso que eu quis dizer, foi mal. — O
garoto esfregou os olhos com os punhos fechados, esforçando-se para
respirar fundo. Que hora de merda pra não saber escolher as palavras,
Alexandre. É bem a sua cara. Menos de um mês que havia oficialmente se
mudado para o apartamento de Nicole e Ângelo, e já estava estragando tudo.
Achava que levaria mais tempo, pelo menos. Dois meses, talvez três. Talvez
tempo o suficiente para que completasse seus tão esperados dezoito anos e
Nicole já não tivesse desculpa nenhuma para mantê-lo por perto. — Eu não
quero voltar. Mas se você quiser que eu volte…
Parando para pensar, anos depois, seria muito mais fácil para ambos
dizer eu te amo. Era o que aquilo realmente queria dizer, no fim. Mas talvez
não fosse o momento.
Alex riu baixo sob o tom mandão de Nicole, porque até nisso ela seguia
sendo a pessoa mais doce que ele já encontrara na vida.
Anos antes, ele jamais imagina um aspecto sequer de sua vida atual.
Jamais imaginaria ser um piloto de Fórmula 1, ter um título e correr ao lado
de pessoas a quem admirava desde adolescente. Jamais imaginaria ter a
oportunidade de conhecer o mundo.
Mesmo que ele não merecesse. Mesmo que não fizesse nada à altura.
VINTE E CINCO
Bom, não era como se esperasse uma festa de boas-vindas por parte
dele. Mas ainda achava um pouco estranho – não de um modo negativo – o
convite para passar a semana no apartamento dele.
Dessa vez, Alex permaneceu em silêncio. Não sabia como Basile lidava
com a partida da mãe, então como diria algo? Seria como se alguém
completamente desconhecido perguntasse sobre qualquer coisa da sua vida
antes da adoção.
Não que fosse um completo desconhecido para Basile. Ou, pelo menos,
gostava de pensar que não era.
Que seja.
Alexandre tirou os tênis antes de entrar, mas o pouco que viu quando a
porta foi aberta mostrava bem isso.
— Valeu, eu não quis mudar muita coisa do que era quando eu cheguei.
— Baz olhou ao redor, dando de ombros. — Espaçoso demais, eu ainda não
me acostumei.
Não que fosse uma divisão muito justa. Ultimamente, sua cabeça estava
muito mais presa em como encontraria um jeito entre um sábado e um
domingo para se encontrar com Basile. Um cara com quem não deveria
trocar uma palavra sequer sem ser notado – ou causar suspeita por parte do
seu chefe ou colega de equipe.
Teria tempo para isso depois. Tempo de sobra. Mais uma vez, a saída da
rotina de contar os minutos para o momento em que ele deixaria o seu quarto
ainda não fora completamente processada.
Mandou uma mensagem para Nicole para dizer que estava tudo bem,
que pousou em segurança, e outra para Jolene, para dizer que já estava com
Baz. Não daria dez minutos para que ela respondesse com algo sobre não
fazer algo que ela não faria – o que era arriscado, porque Jolene não era lá a
pessoa mais responsável do mundo.
Baz sorriu, e foi o suficiente para fazer Alex revirar os olhos, porque
sabia que sairia alguma piadinha ridícula da boca dele nos próximos
segundos.
— Você é ridículo.
— Você nunca faria isso. — Baz deslizou os dedos pelos fios escuros e
rebeldes, inclinando-se o suficiente para deslizar os lábios pela curva entre o
seu pescoço e seu ombro. Mesmo se tentasse, Alexandre seria incapaz de
conter o suspiro que saiu de sua boca. — Se eu te disser pra ficar, você vai
ficar.
— Posso citar várias situações em que você fez o que eu mandei sem
reclamar — Baz rebateu. E, merda, Alex sabia que ele poderia mesmo. O
moreno mordiscou o seu ombro antes de se afastar, apenas o suficiente para
deitar a cabeça no travesseiro. — Durma, mon chéri. Você não vai ter tempo
pra descansar durante a noite.
— Foda-se, ele não vai saber das melhores partes — Baz disse baixo o
suficiente para que o amigo não o ouvisse. Então beijou o canto da sua boca.
— Conseguiu descansar, mon chéri? Sua cara melhorou um pouco.
— Baz, eu estava brincando quando disse que você teria que manter a
minha dieta. Eu até pesquisei restaurantes por aqui que preparassem o que eu
costumo comer.
— Me diz uma coisa, Dom sabe sobre isso aí? — Moreau perguntou,
gesticulando na direção dos dois. Alexandre agradeceu mentalmente o claro
esforço que ele estava fazendo para falar em uma língua que entendesse na
sua frente.
— Não é como se você já não tivesse saído dele há anos, não faz mais
muita diferença — Moreau brincou. Quando Baz ergueu o dedo do meio na
direção dele, o rapaz sorriu e se levantou. — Eu tenho que chegar mais cedo
pro meu turno, então vejo vocês lá. Bom te ver, Duarte. Me avise se
precisarem de uma terceira pessoa.
— Eu vou fingir que você não insinuou isso pra não ficar pensando
sobre pelo resto da noite. — Baz tirou o celular do bolso. — Você tem
quinze minutos pra deixar a bunda pronta pra ir.
Não esperava sair para qualquer lugar durante a noite. Imaginava que
Basile o faria visitar um local turístico qualquer, como normalmente faziam.
Restava-lhe usar uma calça jeans e uma camiseta preta básica, além da
corrente prateada de Basile que estava sobre a pia do banheiro.
— Obrigado?
— Não vamos falar sobre isso, não quero mudar de ideia. — Basile
puxou o casaco de couro que estava jogado sobre o sofá, inclinando-se para
beijar a cabeça de Corvette. — Um arranhão e eu te chuto pra fora.
O Palladium estava longe de parecer caro, mas tinha o seu charme. Não
apenas pelos carros caros e coloridos – o que chamou a sua atenção da
primeira vez –, mas pela decoração neon e a música chamativa.
— Para o carro por aqui, não quero deixar entre o resto do pessoal —
Baz instruiu, apontando para uma das vagas livres no início da rua.
— Bom, sei lá. Você sabe, eu não quero causar confusão caso alguém
me reconheça — explicou, dando de ombros. — Não que eu vá chamar
atenção, eu sei ficar no meu canto, mas…
— Eu disse que não queria você aqui por isso, eu sei — ele suspirou,
dando de ombros. — Eu só queria que você vazasse, senso de proteção pro
caso de você implicar com o lugar ou algo assim.
Alexandre o fitou.
— Amam, é?
— Com exceção dos que deviam grana pro Dom, mas isso é uma outra
situação. — Baz puxou o vape do bolso, saindo do carro em seguida.
— Você quer alguma coisa sem álcool? — Baz perguntou, fazendo uma
careta quando o amigo roubou o vape da sua mão.
— Até o final da noite você já vai ter feito o bar inteiro se apaixonar
por você — Baz comentou, revirando os olhos ao beber mais um gole.
— Por quê?!
— O quê?! É só uma bebida, Baz não pode latir pra mim por isso.
Não que pensasse em ter qualquer coisa com ele, nem mesmo de uma
noite. Mas, bem, sabia que não tinha lá muita autopreservação.
— Pra sua sorte, eu não sou muito exigente — respondeu, por fim.
Quando notou o olhar de Basile, que ainda estava do lado de fora, o piloto
sorriu um pouco mais. Porque Baz não parecia irritado, chateado ou
qualquer coisa do tipo ao vê-lo conversando com outro cara. Na verdade, ele
parecia até se divertir com a situação. — Mas acho que já tá na sua hora de
correr. Ouvi dizer que você é a promessa da noite.
Baz tinha a impressão de que nunca seria uma conversa, não importava
quanto tempo passasse. Alexandre também cortava o assunto com as pessoas
mais próximas dele, como seus companheiros de equipe ou até a atriz – de
quem Baz nunca lembrava o nome – que o mundo jurava que era a namorada
dele? Com seus pais adotivos? Era de se imaginar que sua família soubesse
de seu histórico, mas não significava que falassem disso.
Baz era o tipo de Alex? Não sabia de seu histórico com outros caras
para opinar sobre isso.
— Bom, mas todas as outras vezes foram com pessoas que você
conhecia em um dia e já podia fingir que nunca tinha visto depois. Não com
um… ficante fixo. Espera, você o deixaria chamar outro cara?
— Quem diria que o cara com um 720S venceria outra vez — Moreau
ironizou, afastando-se quando o carro de Chris parou em uma derrapada que
era bem a cara dele, o típico movimento para chamar ainda mais a atenção
para si.
— Ele se ofereceu pra pagar uma bebida pra mim. — Alexandre estava
ao seu lado, equilibrando o cigarro entre os lábios. Poderia jurar que o
cabelo dele não estava tão bagunçado como naquele momento cinco minutos
atrás.
— Só isso?
— E..?
— E nada, mon chéri. Ele é bonito e tem a grana que o pai dá todo mês,
mas não é lá muito interessante, se você separar o carro dele.
Muitas cores. A maioria tão vibrante que Basile poderia jurar ser o
suficiente para fazer a sua cabeça doer, mas gostava. Gostava muito.
— Você é? — devolveu.
— Me responda você.
— Não tanto quanto vai doer quando eu te trancar no quarto mais tarde.
— Kinky, gostei.
Revirou os olhos.
— Você deveria ter me dito. — Baz apontou para Moreau, mas não deu
tempo para que ele desse uma resposta antes de se afastar, ao lado de
Alexandre, para entrar no carro e ir embora.
— Eu vou pro chuveiro — o piloto disse, por fim. — Tem algo que eu
possa fazer?
Ou, talvez, só não sentisse que tivesse o direito de falar sobre. Alex
entendia bem esse sentimento.
Isso era ser família, certo? Era o que filmes passavam, e mesmo que
Dom tivesse o feito de uma maneira um pouco desviada, ainda havia tornado
Basile quem ele era. E Basile gostava de quem era, de quem se tornou graças
a Dom.
— Amanhã, nós vamos até a oficina e você vai conversar com ele —
Alex declarou, um sorrisinho cruzando o seu rosto. — Não me olhe assim,
você sabe que quer isso. Nada de ser orgulhoso por aqui. Veja pelo lado
bom, você vai até ver pessoalmente esse tal garoto que ele contratou.
— O que foi?
— Se eu tivesse grana…
— Se quiser, eu pego outra. Tem uma rosa que ficaria muito legal no
meu braço, e…
— Ele vai fazer o dragão — Dom disse, ainda olhando para o tatuador.
— Vai lá, Baz.
— Rafael não teria tanta paciência quanto eu pra lidar com você, então
vamos ignorar isso.
Mais meia hora, e a sessão foi finalizada. Baz ainda teria que voltar
para finalizar, mas era o máximo que teria pelo dia.
— Ele deve ter acabado com a torta, então tá tudo bem. — Dom
gesticulou, desinteressado. — Espera lá, garoto. Eu já vou.
— Não vai sobrar espaço pro bolo — disse, roubando uma garfada do
doce.
— Sei lá. — Deu de ombros, observando Dom sair da sala onde estava
em uma conversa com o tatuador. Ainda parecia surreal que ele havia
fechado a oficina para sair com ele e Moreau, mas estava sendo um dia
incrível. Mais do que esperaria para qualquer aniversário. Era a primeira vez
que alguém fazia qualquer coisa especial para a data. — Nós vamos voltar
pra oficina?
— Escolhe um bolo.
Mas, ainda assim, estava feliz. Feliz pra caralho. Sentia-se como uma
criança em sua primeira festa de aniversário temática. Uma tatuagem e bolo
que valia mais que as suas compras de mercado do mês, com uma velinha de
19 anos – porque não tinham a de 18 ali, aparentemente?! Sim, feliz pra um
caralho.
— Eu não sei se você pode comer isso — Alex disse, devagar, pelo que
parecia ser a milésima vez.
— É claro que você foi um fresco até os dezoito anos. — A voz rouca e
sonolenta de Basile soou atrás dele, e Alexandre se virou para ver o rapaz
surgindo do corredor, os fios escuros bagunçados e um óculos de grau sobre
o nariz. Alex não fazia a menor ideia que Baz precisava de óculos. — Bom
dia, mon chéri. Eu estava me programando para fazer o café.
— Se seis da manhã é cedo pra você, acho que vamos ter problemas se
começar a ver a minha rotina quando não estou viajando com um cara.
— Vou.
— Você é um saco de manhã, e eu nem posso ir embora porque o
apartamento é meu — ele bufou, pegando um pedaço da omelete que Alex
deixou separada. — Eu jurava que você tinha alguém pra cozinhar pra você
ou algo assim.
— Eu tenho, mas não significa que eu não saiba alguma coisa. Aria me
ensinou boa parte do que eu sei, na verdade. Gostou?
— Meu jantar?
— Basile, aqui deve ter miojos suficiente pra uns dois meses, comendo
diariamente. Com que frequência você come isso?
— Você vem comigo, quero ver a reação do Dom quando você estiver
lá — Baz suspirou, jogando a cabeça para o lado. — Ele é meio obcecado
pela Vesper.
— Ele é das antigas, deixa ele. — Baz deu de ombros antes de puxar
Alexandre de volta para o próprio pescoço.
— Não era você que queria testar minha resistência de atleta, ou algo
assim?
Ele sabia que teria o que queria, independente do quanto Baz enrolasse.
Basile sorriu. O sorriso que deixava claro para Alex que ele levaria o
tempo que quisesse ali só para calar a sua boca, porque quanto mais o
provocasse, mais ele se sentiria decidido a arrancar aquela atitude do seu
rosto.
Alexandre poderia jurar que só aquele sorriso era o suficiente para fazer
com que a sua mente ficasse um pouco perdida entre o espaço-tempo. Algo
assim. Ou era apenas a presença de Baz que era a única coisa capaz de
colocá-lo fora dos trilhos – não em um sentido ruim, muito pelo contrário.
— Ainda não, mon chéri — ele ronronou, deslizando a mão pelo seu
peito, beliscando um mamilo.
Alexandre responderia que não, não queria que demorasse, mas o som
que saiu da sua boca quando Basile deslizou dois dedos pela sua entrada.
Baz queria que pedisse por ele. Não, não que pedisse. Que implorasse,
que implorasse por mais do que apenas ele poderia entregar ali, até que
chegasse ao seu limite.
Não entendeu, mas sabia que já havia escutado-o dizer aquilo antes.
Ah, e Baz o faria. Alex só não queria ter que esperar por isso. Porque
havia algo sobre como o francês o tocava, como não parecia fazer o menor
esforço, e ainda assim encontrava todos os pontos certos que o levavam para
o limite, à beirada de um precipício. Alexandre queria cair.
Basile meteu de uma única vez, engolindo qualquer som que escapou
da sua boca em outro beijo.
Em vez de dizer qualquer coisa, Basile deslizou dois dedos pela sua
boca, fazendo-o provar de si mesmo antes de beijar a sua boca aberta. E,
porra, era a coisa mais sexy que ele já tinha feito. Não o melhor ângulo, mas
não era como se isso fosse grande coisa naquele momento.
— Bom dia, mon chéri — ele ironizou, após o que pareceram ser vários
minutos, entre uma risada quase sem ar. Quando Alexandre levantou o dedo
do meio na sua direção, ele deu um tapa leve na sua bunda. — Sexo de
manhã. É tão a sua cara.
Era a primeira vez que ele o fazia. Então, bem, Alexandre apenas o
encarou um pouco perplexo nos primeiros segundos, enquanto Basile
deslizava a toalha pelo seu abdômen e entre suas coxas.
Alex iria se afastar, mas o braço de Basile na sua cintura o impediu. Ele
ficou ali, sob a água ao lado do francês. Não, colado seria uma expressão
melhor. Baz usou a mão livre para jogar os fios para trás, alcançando o seu
pescoço com a boca.
Basile poderia fingir o quanto fosse, mas seria inútil mentir para si
mesmo e dizer que não estava nervoso de ir até a oficina pela primeira vez
em meses. Desde o dia que foi mandado embora.
Sob uma música do The Jins que soava pela caixa de som da oficina,
Dom estava ao lado de um garoto. De uns dezoito anos, no máximo
dezenove. O mais velho tinha o cabelo grisalho mais curto, mas a barba
parecia um pouco maior, dando-lhe um ar um pouco mais velho. Talvez até
responsável. Ele também parecia mais magro, mas Basile sabia dos projetos
que nunca entravam em prática de emagrecer e comer menos besteiras.
Apesar de tudo, sempre esperou que Dom não passasse por dificuldades
que envolvessem a oficina. Aquele lugar era a vida dele tanto quanto era a
sua.
Basile não tinha nada a falar. Era ridículo, e só estava percebendo
naquele momento. Por que estava ali? Porra. Seria muito mais fácil se Dom
o chutasse para longe.
Baz gesticulou para que Alex o acompanhasse, porque ainda não queria
conversar com Dom sozinho. Ele não entenderia uma palavra do que
dissessem, então não era como se tivesse que se preocupar com o que não
quisesse que o piloto soubesse.
O que era… Baz não sabia ao certo. Não havia nada que pensasse que
seria um problema caso Alex descobrisse. Ele já sabia de todos os aspectos
da sua vida, na verdade. Do pai de merda até a mãe falecida, e esses eram os
assuntos que normalmente manteria para si mesmo. Não como um segredo,
mas porque sabia que algo sempre mudava quando as pessoas sabiam das
partes mais privadas na sua vida.
Mas Alexandre não fez nada além de ouvi-lo e entendê-lo, até mesmo
jurar proteção e companhia quando precisasse. Baz não era burro o bastante
para continuar achando que o que havia entre eles era apenas casual – e
estaria sendo profundamente desonesto consigo mesmo se dissesse que, caso
necessário e sob sua capacidade, não faria o mesmo para ele. Importavam-se
um com o outro.
Baz não tinha pressa. Ele riu baixo com a expressão deslocada do piloto
no escritório, como se soubesse que não estaria ali se não fosse pelo pedido
de Baz, que se aproximou para tocar suavemente a sua cintura e indicar que
se sentasse no sofá.
— Então você preferiu pegar outro pirralho desocupado pra ser o novo
mascote da oficina?
O mais novo arregalou os olhos, o que fez apenas com que o sorriso no
rosto de Dom aumentasse um pouco mais.
— Como assim?
— Você sabe, eu tenho uma irmã em Paris. Ela está passando por
alguns problemas de saúde desde o ano passado e eu fiquei responsável pelo
garoto — ele explicou, dando de ombros. — Ele é bom. Eu gostaria que
tivesse o conhecido antes.
Dom havia dito o nome da equipe como se fizesse a sua boca doer, e
Alexandre notou. O piloto ergueu uma sobrancelha na direção do mais
velho.
Basile poderia contar nos dedos as vezes que havia abraçado Dom. Não
tinham lá uma relação muito baseada no toque, porque Dom não era alguém
fã de qualquer contato físico.
Mas Dom o envolveu com os braços fortes como nunca havia feito ali.
Depois de meses de distância quando não haviam passado mais que dois ou
três dias sem se ver nos últimos anos, estar novamente com o mais velho
era… muito. Basile não saberia colocar em palavras. Ou em sensações. E,
sendo quem era, Baz normalmente era bom em traduzir reações em
sensações.
— Você sabe que, no fim, eu não tive muita escolha — ele sugeriu.
Merda, Baz sabia. Sabia bem que, no fundo, quando Bernard queria
algo, ele conseguia. Por mais que tentasse fingir que não.
— É um piloto de Fórmula 1.
— Por que eu te diria sobre com quem eu transo? — Baz fez uma
careta. — Não é nada demais.
— Você o trouxe aqui, então me parece algo.
Gostava de Alexandre, e negar isso seria idiota, talvez até infantil. Não
era como se o amasse ou pensasse constantemente em um futuro com ele –
Basile não pensava em um futuro de modo geral –, mas ainda tinha
consciência de que o piloto tinha acesso a partes de sua vida que
pouquíssimas pessoas tinham. E muita abertura para participar do seu futuro,
independentemente de como ele fosse. Isso era algo.
Não que fosse verbalizar tamanha verdade. Não tão cedo, não para
Alexandre.
— Tá tentando me agradar?
— Eu vou levar o Alex pro San Felice, você não quer vir? — Baz
gesticulou para o lado de fora. — O pirralho também pode ir com a gente.
— Você sabe que pode vir aqui ou me ligar caso precise de algo, certo?
— Dom murmurou, de volta ao francês. — Você não tá sozinho, garoto.
— O mesmo vale pra você. Posso pegar alguns turnos aqui pra aliviar o
seu trabalho, e…
— Você sabe que eu vou aparecer de qualquer jeito. — Baz soltou uma
risada quando Dom o empurrou, revirando os olhos. — Até, Dom.
— Como assim?
— Ele não te odeia, odeia a sua equipe. Ele não dá a mínima pra você,
na real. — O francês puxou o celular do bolso, digitando algo. — Só vai te
quebrar se fizer algo contra mim.
— Achei que vocês estariam abertos uma hora dessas — comentou com
um dos garçons.
— Estamos limpando tudo pro café da tarde e o jantar, você sabe como
fica movimentado quando tem corrida. É uma loucura — o rapaz respondeu,
embora ainda parecesse distraído demais pela simples presença do piloto
brasileiro. — Eu não sabia que a Astoria já estava aqui.
— Seu pai não sabe que você é amigo do cara, né? — ele perguntou,
um sorriso engraçado no rosto. — Relaxa, a opinião de todo mundo aqui
continua sendo a mesma. Ninguém vai dizer que você tá compactuando com
o inimigo ou coisa assim.
— Valeu.
Por isso, quando seu carro bateu contra uma barreira na corrida do GP
da França, jogando todo o seu desempenho do final de semana diretamente
no lixo, o piloto não lidou bem com a situação.
Parabéns, Alexandre.
Não, merda. Alexandre não estava bem depois de acertar com o carro
na porra de uma barreira.
Ele nunca conseguiria ser bom para sempre. Não era capaz de manter-
se em suas posições.
Seu ouvido ainda zumbia quando a voz grave de Ivan Nikolaev soou ao
seu lado.
É claro, Alexandre. Você acabou com o carro por um erro que apenas
um amador cometeria. Não um campeão mundial.
Porra.
Alexandre andou pela área da equipe com passos pesados, a balaclava
roxa do uniforme brutalmente esmagada entre seus dedos dormentes. Foda-
se.
Silêncio.
Silêncio.
Por que Basile não estava fazendo nada? Falando algo? Era Basile, ele
deveria estar enchendo a merda do seu saco. Fazendo alguma piada ruim que
apenas aumentaria sua raiva e frustração com o momento.
Ele não encontraria nada. Nada que fosse visível, pelo menos.
Sim, uma boa corrida. Bons resultados. Um pódio. Você devia fazer o
mínimo como piloto. Como a porra do campeão que você queria tanto ser.
— Ei, não venha rosnar pra mim. Eu não tenho medo de você — Basile
disse, baixo. Baixo, mas não menos como um aviso. Se Alexandre queria
morder, Baz também iria. Não de um bom jeito, Alex sabia.
— Eu quero ficar sozinho — soltou, soando o mais suave que poderia
naquele momento. O que demandou mais esforço do que deveria.
— Uau. Perdão, Alexandre, eu adoraria ser um pouco mais útil pra você
quando necessário — Baz resmungou, pegando o casaco que havia deixado
sobre o sofá da sala para sair. — Quando precisar de alguém pra se distrair,
talvez eu volte a ser útil, não?
E então, ele seria completamente sem utilidade outra vez. Assim como
era antes.
Alex.
Mesmo que essa comunicação fosse, na maioria das vezes, iniciada por
Alexandre mandando uma foto sem camisa, suado e cansado, depois de uma
sessão de exercícios na academia de onde quer que ele estivesse. Algo que
terminaria com Basile prometendo que acabaria com ele quando tivesse a
chance.
Coisas assim.
Mas não havia nada desde a última vez que se viram pessoalmente.
Basile imaginava a frustração de perder a primeira posição de uma
disputa – porque era o que podia fazer, apenas imaginar. Mas não esperava
que Alexandre descontaria nele.
Quer dizer, estava lá para tentar ajudar depois do susto que havia sido
vê-lo bater com tudo. Para se certificar de que ele estaria bem. Que não
precisaria de alguém ali.
Demais.
— Se você falar comigo daquele jeito outra vez, eu vou fazer questão
de espalhar pro mundo que você fode mal e paga pessoas pra dizer o
contrário — disse, ainda em uma expressão séria. Porque, merda, não era
como se pudesse realmente resistir à cara de cachorro abandonado que
aquele cara tinha. Chamada de vídeo era realmente o golpe mais baixo que
ele tinha guardado na manga?
— E se eu não quiser?
— Ótimo, eu odiaria ter que me esforçar pra passar uma boa impressão
ou algo assim — Basile murmurou, observando Corvette se espreguiçar na
cama. — Eu vou dormir, então nos vemos amanhã.
— Você vai tirar um carro da sua coleção pra me buscar? Uau, que
honra — ironizou, fazendo o mais velho revirar os olhos entre um sorriso. —
Boa noite, mon chéri.
— Bom dia, Basile — Alexandre disse, um tom de brincadeira quanto
ao fuso-horário. O sol que batia contra o seu rosto suado era o suficiente
para fazer com que o castanho de seus olhos parecesse dourado, brilhante.
— Quase?
— Posso te beijar?
Bom, merda.
— Cazuza.
— Ah. — Baz ajustou a postura, um pouco sem jeito. — Que pena, ele
cantava muito bem.
— Você sabe que eu nem sei o que isso significa, mon chéri.
Alex riu.
Ele realmente havia pensado que uma única falta e erro de comunicação
faria com que o odiasse para sempre? Uau.
— Eu ainda não acredito que você tem uma coleção de carros. Achei
que isso fosse coisa de filme.
— Sei lá, meu sonho de adolescente era ter os carros que eu via em
filmes e outros que eu achasse maneiros, então é legal. — Ele deu de
ombros, despreocupado. — Olha, aquele é um Mazda RX-7. Velozes e
Furiosos.
O caminho do galpão que era a garagem até a casa não era longo, mas
Basile não conseguiu dar mais que dez passos antes de ver o dobermann –
Bonner, não era? – correndo na sua direção. O cachorro o rodeou algumas
vezes antes de pular na sua direção, perambulando ao seu redor mais vezes
entre pulos e latidos. Ele repetiu o ciclo de movimentos animados com
Alexandre, que se comunicou com ele em uma língua que Baz não entendeu,
mas definitivamente sabia reconhecer.
— Isso é alemão?
— E acabar com seus planos para fazer aquele molho perfeito pro
macarrão? Seria um ato muito irresponsável da minha parte. — Alex
apontou para a mulher e depois para Baz. — Aria, esse é o Baz. Baz, essa é a
Aria. Ela manda em tudo por aqui, mas principalmente na cozinha. No seu
lugar, eu casaria comigo mesmo só pra poder conviver com ela também.
— Aria, você pode pedir pro Carl levar a bagagem do Baz pro quarto?
Obrigado — Alex pediu, deixando um beijo leve na cabeça da mulher que
tinha pouco mais da metade da sua altura ao passar por ela, roubando ainda
um pedaço de algo que estava fatiado sobre a bancada. Aria fez uma careta,
batendo no ombro dele. — Baz, você quer descansar antes de jantar, ou…
— Eu dormi pra caralho no avião, não acho que vou precisar descansar
tão cedo. Mas eu ficaria feliz com um banho.
E, com acesso, significava que ela era a única que conseguia tirar algo
do garoto além de alguns palavrões, deboches e algumas ameaças.
Alex não contou quanto tempo Nicole ficou fora, mas havia sido tempo
suficiente para que ele lesse dois ou três capítulos do livro que estava
mantendo-o distraído nos últimos dias – E Não Sobrou Nenhum, da Agatha
Christie, porque gostava de discutir sobre esse tipo de livro com Nicole.
Elas. A equipe dali. Não era uma surpresa total, porque Alex não era
exatamente o exemplo de comportamento daquele lugar. Talvez estivesse
distraído nas últimas semanas – graças a Nicole, principalmente – mas ainda
não era lá o sonho de criança disponível para adoção.
Na verdade, estava certo de que só sairia dali quando sua idade já não
fosse mais uma desculpa para continuarem o alimentando e dando uma cama
para dormir.
— Alex, é claro que não. — Nicole murchou, como se saber que ele
pensava que ela concordaria com um absurdo desses a fizesse mal. — Eu
nunca pensaria algo assim de você. Nunca me deu motivos pra isso.
— Então mande essa gente pra merda. Por que parece que você viu a
porra de um fantasma?
Com certeza.
— Eu não entendo. Por que eu? Por que não uma das crianças? E você
não é, sei lá, velha. Por que você não engravida?
— E se eu te machucar?
E uma parte dele, uma que não se mostrava existente há mais tempo do
que poderia contar, desejou que fosse verdade.
TRINTA E TRÊS
O rapaz, por sua vez, não parecia tão cansado assim. De acordo com
ele, dezesseis horas de viagem foi o suficiente para que dormisse o que
dormiria em uma semana inteira. Ele estava descansado, mas não tinha
problema nenhum em passar a noite ao lado de um Alexandre em seu quinto
sono. O piloto ainda tinha sua maldita rotina de sono a cumprir.
Depois de uma semana inteira jurando que Basile nunca mais olharia na
sua cara, era bom tê-lo por perto.
— Fiz — disse, após alguns segundos para processar a pergunta. —
Ciências sociais. Não que eu goste muito, mas eu queria ter um diploma. Pro
caso de tudo dar errado.
Mas Baz não era qualquer pessoa. Baz estava na sua casa, conhecendo
uma parte de si que pouquíssimas pessoas conheciam. Do seu quarto até os
quadros de fotos espalhados pelos corredores. Da bagunça de pôsteres de
filmes antigos que era a sua parede, os livros e CDs organizados na estante e
a garagem repleta de carros que só haviam sido todos mostrados uma vez em
uma entrevista que mal durou quinze minutos. Não era como estar em um
quarto de hotel, onde poderia esconder e fingir que sua vida ia muito além
das pistas de uma corrida da maior categoria do automobilismo.
Por mais que parecesse óbvio, não tinha pensado nisso até ver o francês
analisando a foto que tirou ao lado de Nicole na primeira vez que saíram
para comer um McDonald's, na semana em que os documentos da adoção
foram assinados. Baz não disse nada sobre, mas passou tempo o suficiente
encarando a foto. Como se ela devesse ser – e realmente era – algo grande.
— Mas não deu errado. — Basile deslizou os dedos pela sua cintura.
— Talvez eu seja.
— E eu acho que você vai entrar para a história também. Talvez não
agora, mas você é novo.
Talvez ele estivesse certo, mas ninguém gostava de admitir que uma
figura extremamente lendária nas pistas era uma pessoa de caráter altamente
questionável.
— Obrigado, Baz — soltou, de forma sincera. Não pensava que estaria
na história como aqueles nomes, mas ver que alguém acreditava nisso era…
bom.
Acreditava, e não esperava ou cobrava isso. Havia uma linha tênue, mas
facilmente identificável.
— Por quê?
— A maioria, sim.
— Tudo bem, só não me acorde antes das dez. É demais pra mim.
Mais uma vez, o francês se inclinou para percorrer o seu pescoço com a
ponta do nariz. Ele não respondeu com palavras, mas Alex imaginava que
aquilo era algo como um boa noite também.
Depois de correr pelo quarteirão ao lado de Bonner por quase uma hora
e fazer mais uma série de exercícios na academia da casa, Alex não conteve
um sorriso ao ver Aria na cozinha. Aria e uma garrafa de café já pronto.
— Não namoramos.
— Não sei aonde você quer chegar — mentiu. Sabia bem o que Aria
queria dizer, só era mais fácil fingir que não. Talvez, assim, conseguisse
mais tempo para pensar em uma resposta.
— É claro que ele é. Só não vejo motivos para agir como se fosse uma
grande coisa. Não é como se isso fosse sinônimo de um compromisso. — O
piloto aproveitou a distração para roubar uma colherada inteira da geleia
caseira. — Eu acho que não vou ter um tão cedo.
— Por quê?
Mais uma vez, ele estava acostumado a nunca ser suficiente para se
encaixar de verdade na vida de alguém. Talvez, quando sua carreira se
estabilizasse de alguma forma e deixasse de ser visto como a grande
novidade do mundo dos esportes e uma nova figura se tornasse mais
interessante, ele tivesse mais chances de construir algo sem tanto medo de
tudo que poderia acontecer com a influência ao seu redor.
— Você pode preparar o café pro Baz? Eu vou tomar um banho e voltar
pro quarto — pediu, fugindo do assunto. Quando ela assentiu, ele agradeceu
baixo antes de se afastar.
— Era pra ser uma ameaça? — murmurou, sob a sensação das mãos do
francês percorrendo da sua cintura até as coxas. — Eu trouxe o seu café.
— E o meu quarto?
— Aquilo é torta?
— De morango. Da Aria. Ela te deu uma fatia duas vezes maior que a
minha, então já sabemos quem é o favorito.
— Ela ficou surpresa que eu convidei alguém pra passar uns dias aqui,
só isso — explicou. — Meus pais são reservados quando o assunto é a casa.
Eu também fiquei, com o passar do tempo. Esse lugar é o único em que
ninguém além dos funcionários tem a chance de tocar.
Alex o olhou.
Lá estava. Sobre isso, Alexandre não saberia prever. Não era uma
novidade que tanto Ângelo quanto Nicole não suportavam Bernard
Beauchene por conflitos antigos, mas como poderia saber como eles veriam
o seu… relacionamento com o filho dele?
— Não é, eu vou dar o fora antes que eles voltem. — Baz bebeu um
longo gole do café antes de puxar a torta para si. — Se eu não fosse gay, eu
te trocaria pela Aria.
— Eu disse que todo mundo quer casar com você — Alex reforçou,
fazendo a mulher revirar os olhos em um sorriso. — Até amanhã, Aria. E
bom filme com o seu marido.
Alex deixou que Baz escolhesse o carro que usariam para sair – e ele
escolheu o Mazda, legal e não chamativo, de acordo com suas palavras. E o
levou até um de seus restaurantes favoritos, um mexicano que ficava a uma
distância de meia hora de casa.
Alexandre percebeu que a frase não tinha mesmo uma conclusão. Você
é meu. Simples assim, jogado ao vento. O piloto gostou mais do que
provavelmente deveria disso.
Isso sem mencionar que, apesar de fazer aulas de inglês durante toda a
semana, não era como se estivesse sempre seguro em si mesmo para existir
quando saíam de casa. Quando ia para as aulas ou precisava conversar com
amigos de Nicole e Ângelo.
— É uma galera bem hétero, acho legal deixar avisado — disse quando
Baz entregou as chaves do carro na sua direção. — Menos o Victor, mas não
pense que isso dá algum caráter pra ele.
Era preciso passar por um corredor inteiro para chegar à área traseira do
lugar. Um corredor cheio de fotos com todo tipo de celebridade, porque
Victor gostava de se exibir ao máximo, como se também não fosse
reconhecido facilmente por aí.
— Esse é o Baz.
Caio era um pouco apaixonado nela, mas não admitiria isso. Não se
Jolene não demonstrasse algum sentimento recíproco, o que não era o caso.
— Pode crer.
— Bom saber que eu sou reconhecido por ser gostoso — Baz brincou,
conforme os caras se aproximaram para cumprimentá-lo.
— Eu teria pegado uma cerveja pra você, mas não sei qual tipo prefere
— Victor disse, chamando-o com a mão. — Vem, eu vou te mostrar o que
temos.
Alex observou Basile se afastar com Victor. Não era uma surpresa que
eles se entendessem automaticamente – na verdade, duvidava que Victor não
fosse capaz de fazer com que qualquer pessoa se sentisse confortável perto
dele, mesmo com a expressão de quem pisaria em todos que estivessem no
seu caminho.
— Minha irmã mais nova é obcecada por você — uma delas disse, mas
não de uma forma invasiva ou desconfortável.
— Eu desconfio que você também seja, mas não conta pro Renato —
Caio ironizou, apontando para o rapaz que ainda conversava ao lado de
Victor e Baz enquanto bebiam. — Ele ficaria com ciúmes.
— Você vai ter que lutar mais se quiser terminar com o meu
relacionamento pra pegar o meu namorado, amor — ela devolveu, voltando
a atenção para Alexandre outra vez. — Mas eu prefiro a Ritz. Sem ofensas.
— Sua vida seria muito sem graça se não fosse por mim — rebateu,
aproximando-se dele. O francês tentou – e falhou – arrumar o cabelo
molhado. Quando Baz se aproximou o suficiente para passar um braço ao
redor do seu pescoço, ele parou. Talvez não esperasse que Duarte realmente
fosse performar qualquer aproximação maior onde mais pessoas estivessem
presentes, mesmo que o que quer que existisse entre eles não fosse um
segredo ali. — Oi.
Merda, as coisas que faria para que esse tipo de pensamento nunca
passasse por ele.
— Eu sei, Alex.
— Você é mais fácil de ler do que pensa. Ou eu só não sou tão fácil de
me deixar levar pelo seu sorriso bonitinho.
Alex poderia dar uma lista de coisas que o faziam discordar daquilo. Se
Baz quisesse, ficaria até o dia seguinte falando.
— Planos?
Claro. Planos.
— Espero que você saiba que se eu tiver que sair dessa piscina com
uma ereção visível, nunca mais vou olhar na sua cara — avisou, inclinando a
cabeça para que ele tivesse melhor acesso à pele.
— Você vai me fazer gozar, e depois eu nunca mais vou olhar na sua
cara — corrigiu, comprimindo os lábios quando Basile pressionou o quadril
contra o seu. — Deus.
Ele não via a mulher há alguns dias, desde o momento em que ela
viajou para um compromisso familiar, mas sabia o que o estava esperando
para quando ela retornasse. Saber que Nicole realmente queria aquilo ainda
parecia um pouco surreal.
Ele ainda tinha certeza de que algo daria errado. E se Ângelo não
gostasse dele? Afinal, duvidava que Nicole ainda seguiria com um processo
de adoção se o marido não estivesse de acordo – seria impossível. Era uma
possibilidade. Ângelo Duarte não era qualquer pessoa e sabia disso. Ele
provavelmente gostaria de ter um filho que fizesse jus ao seu nome, que
fosse talentoso, inteligente e mais uma lista de qualidades que Alex tinha
certeza de que nunca poderia gabaritar.
— Oi.
Ângelo entrou na sala com cuidado. Alex não sabia muito sobre ele
além de que era fisioterapeuta do melhor piloto das últimas temporadas de
Fórmula 1 e era o amor da vida de Nicole – palavras dela. O homem alto e
grisalho abriu um sorriso simpático, inclinando-se para pegar a mão da
esposa e beijar o dorso dela antes de sentar-se ao seu lado.
— Oi — murmurou.
Se Alex tirasse uma nota maior que 7 em exatas, talvez já fosse muito.
— Eu não sei, nunca parei pra pensar nos meus gostos de forma
específica. Mas eu gosto de ler, de filmes e carros. Ainda mais se tiver um
jeito de misturar isso.
O que qualquer pessoa deveria esperar de uma família? Ele era fodido o
suficiente para não saber responder nem mesmo a esse questionamento. Sua
família – se é que poderia chamar disso, quando mal se lembrava deles – não
parecia ter sido lá um grande exemplo. Se tivesse sido, ele nem mesmo
estaria ali.
O cara era fodidamente espaçoso em sua cama que tinha lugar para
duas pessoas além deles, mas poderia conviver com isso.
Baz não era do tipo que bebia muito. Afinal, quando ia para o tipo de
lugar onde pudesse fazê-lo, estava trabalhando ou fazendo companhia para
Moreau. Se bebesse mais que duas ou três cervejas já seria muito.
A noite anterior, porém, havia sido outro caso. Sua cabeça latejou ao
lembrar da bebedeira com os amigos de Alexandre. Da pegação na piscina,
no banheiro e na cozinha da casa de Victor. Merda, Alexandre tornava-se
muito mais inclinado ao toque quando bebia. E não seria Baz a contê-lo,
então também tinha a sua própria parcela de culpa.
Foi a noite de diversão que não tinha há tempos. Não se lembrar com
clareza das últimas duas horas antes de provavelmente cair no sono dizia
muito sobre o quanto tinham aproveitado.
— Tenho quase certeza de que você não precisa de mim pra tomar um
banho, mon chéri.
Mas, por mais que ele tentasse esconder, ainda era visível como o
brasileiro parecia mais tenso do que estaria em outra situação. Considerando
o que sabia de Alexandre, sabia também que ele não estava acostumado a
esconder qualquer coisa dos pais.
Mais uma vez, o que o incomodava não tinha qualquer relação com
Basile.
— Não se esqueça de estar cheiroso o suficiente pra contar pra sua mãe
que tem um cara no seu quarto — ironizou, fazendo-o bufar.
Nicole não o repreenderia por estar com Basile, sendo filho de Bernard
ou não. Aquela nunca havia sido a sua preocupação.
Para alguém que considerava a confiança algo básico para que a sua
relação familiar se mantivesse bem, ele havia quebrado isso repetidamente
nos últimos meses.
— Um dos meninos do seu pai se machucou, você sabe como ele é com
isso. — Ah, sabia. Ângelo cuidava dos competidores de kart pelo qual era
responsável como um pai. Não era uma surpresa que ele cancelasse uma
viagem que deveria durar a semana inteira se um deles se acidentasse. — E
você?
— Não me peça desculpas, Xander. Imagino que esse rapaz seja alguém
importante para que você o traga pra casa, isso é… uma novidade. —
Alexandre não sabia se ela continuaria pensando assim quando soubesse
mais do tal rapaz, mas não queria prender-se demais a esse pensamento.
Ainda. Nicole o olhou, as mãos ainda acariciando entre as orelhas de
Bonner, que tinha a cabeça no colo da mulher. Ela deu de ombros. — Só
tentem chegar vestindo mais que as roupas íntimas da próxima vez.
Merda.
— Xander, tá tudo bem. Não é como se eu não soubesse que você vai
ter relações com pessoas, ou se apaixonar em algum momento. É natural e
você é jovem, bonito... Só espero que saiba sobre a parte da proteção, como
conversamos sempre, mesmo que você sempre faça exames e…
— Ah, o que é?
— É o filho do Bernard.
— Sim, ele.
— E o filho dele…
— Baz. Não, ele não é assim. Nós… nos damos bem. Muito bem.
— Mas ele trabalha com o pai — Nicole observou. Não como uma
repreensão. Ela claramente só queria entender.
— Por obrigação.
— No meu quarto.
— Alex!
Basile nunca tinha conversado com a família de um dos caras que estava
ficando. O que provavelmente não ficou claro, porque ele fez o máximo para
parecer natural e acostumado com esse tipo de coisa quando falou com
Alexandre.
Mas a verdade era essa. Baz não fazia a menor ideia de como deveria
proceder frente a frente com a mãe de Alex. Sabia pouquíssimo sobre
Nicole, o que provavelmente foi o seu maior erro – deveria ter perguntado
sobre para Alexandre, mesmo que soasse estranho. Ela participava de
inúmeros projetos beneficentes, gostava de viajar e tinha uma relação digna
de um comercial de margarina com sua família, algo que juraria ser montado
para as câmeras até conhecer o Duarte e perceber que, tendo mais sob a
superfície ou não, o amor que eles mostravam um pelo outro era genuíno.
Nicole pareceu notar, mas não demonstrou qualquer tipo de reação. Baz
não afastou a mão, mexendo distraidamente com os fios soltos entre os
rasgos dos jeans de Alexandre.
— Ele não quer me machucar, mas pensa que vai acabar acontecendo
uma hora ou outra. Contudo provavelmente é mais fácil para Alex pensar
que eu não quero estar com ele — Baz respondeu. — Se apega aos detalhes
mais insignificantes porque tem certeza de que são eles que vão destruir tudo
e magoar as pessoas. Não me surpreenderia se ele pensasse até hoje em algo
que fez há anos como se, a qualquer momento, o passado fosse voltar pra
pegá-lo. Mas você sabe disso, ele também é assim quando está com você.
— Acho que ele está certo em pensar que, caso um dia as coisas sobre
nós se tornem públicas, haveria a movimentação de sempre que ele aparece
com alguém, mas seria oficial. Eu não tenho metade da experiência com a
mídia ou a vida pública que vocês têm, não suporto a ideia de viajar por um
dia inteiro só porque me convidaram pra um jantar chique. Odeio ser o
centro das atenções. Basicamente, tudo que envolve a carreira dele poderia
ficar bem longe de mim. — Baz balançou a cabeça, sentindo os dedos de
Alexandre tocarem os seus sob a mesa. Ele provavelmente não estava
entendendo uma palavra sequer do que diziam enquanto brincava com o
dobermann de metade do seu tamanho, jogando uma bolinha para o animal
com a mão livre. — Tudo isso o faz valer menos? Definitivamente não. Sei
que ele não é nada disso.
Nunca. Basile não havia parado para considerar por um segundo sequer
se poderia, um dia, mudar de ideia quanto Alexandre. Mas não precisava
pensar demais para ter a resposta.
— Você precisava ver, Alex tinha uma postura péssima quando nos
conhecemos — o homem contou, servindo-se de mais um prato cheio de
macarrão com o molho de limão siciliano de Aria. Baz duvidou que aquela
combinação faria algum sentido, mas estava tentado a pedir que a mulher
separasse um pouco para que pudesse levar para casa. Poderia levar molho
no avião? — Me surpreende que ele não tenha desenvolvido uma escoliose
quando mais novo.
— Pensa pelo lado bom, quem te vê hoje pensa que você vive com a
postura perfeita. É até invejável. — Baz empurrou o prato vazio na direção
dele, pedindo silenciosamente que servisse mais. Alexandre o fez. — Valeu.
— Não foi uma piada sexual! — Baz sabia que havia sido, mas não iria
contrariar ele ali. — Ele passou a tarde inteira no campo de minigolfe.
— Você sabe quantas chances de jogar golfe eu vou ter na vida além
dessa? Nenhuma.
— Tenho trauma daquele lugar desde que Alex conseguiu acertar uma
bola de golfe na minha testa — Ângelo soltou, em uma tentativa clara de
mudar o clima da conversa.
Demorou.
— Eu vou atender, desculpa — disse, mostrando a chamada na direção
de Alex ao se pôr de pé. Seria pior ignorar depois de sumir da França, e
sabia disso.
—... quando você for mais velho, vai me agradecer por isso — Bernard
finalizou, assim que voltou o aparelho ao ouvido.
— Claro, você dizia a mesma coisa quando eu tinha uns treze anos e eu
não vejo motivo algum pra agradecer. — Baz soltou um palavrão quando
Bernard tornou a falar, mas o interrompeu. — Chega. Você queria saber
onde eu estou e eu já falei. Mais alguma coisa?
— É só o de sempre.
— Bom, ainda não é tudo bem. Preciso pedir para Nicole ligar para uns
amigos importantes e fazer algo a respeito?
Basile soltou uma risada genuína, porque ele parecia estar falando sério.
E por mais que gostasse da ideia de ver Bernard se ferrar, não seria por
influência de outra pessoa. Uma hora, ele se ferraria sozinho. E Baz estaria
lá para ver isso.
— Você sabe, Nicole começou como modelo. Mas a mãe dela pegava
um pouco pesado com toda a vida de dietas, cobrava demais em todos os
aspectos possíveis, e mesmo assim Nicole nunca era boa o suficiente. Eu
nem cheguei a conhecer essa mulher, elas pararam de se falar de vez quando
Ângelo entrou na jogada — Alex explicou, sem acabar com a proximidade
entre eles. Se alguém perguntasse para Baz quem havia ligado para o seu
celular minutos antes, ele já não se importaria o suficiente para lembrar. —
Também tinha uma família bem merda, eles se ajudaram muito. Ele foi o
primeiro namorado dela.
— Romântico.
— Eu gosto muito do que eles têm — Alex soltou, e Baz não precisava
ser nenhum gênio para saber que aquilo era algo que o piloto não soltaria
para qualquer pessoa.
— Deve ser — respondeu, por fim. — Vamos voltar para dentro, mon
chéri.
TRINTA E SETE
Basile havia deixado sua casa para ficar em um hotel na noite anterior,
quando a Ritz-Carlton chegou ao país. Seria no mínimo complicado que ele
explicasse onde estivesse para o pai, caso Bernard perguntasse. Por
segurança, ele não ficaria ali.
— Acho bom você ganhar essa corrida, Alex. Meu diretor deve me
odiar agora. — Ela jogou o cabelo sobre os ombros, beijando a sua bochecha
demoradamente. — Temos muito a conversar.
Baz: me parece que você está triste porque não te chamei, amor
Talvez, um dia, não precisasse ter aquele tipo de conversa apenas por
mensagens quando estivessem em público.
Alex se inclinou para ver, soltando um palavrão ao ver Baz ali. O piloto
empurrou a amiga para dentro, fechando a porta em seguida.
Baz os analisou por alguns segundos antes de se levantar, guardando os
papéis que estava lendo.
— Vai ter que me contratar pra sua equipe se quiser que eu use algo
diferente.
— Tanto faz — resmungou, embora "tanto faz" fosse a última coisa que
passasse pela sua cabeça quando pensava no resultado de uma corrida. —
Nós vamos jantar lá em casa, você não quer vir também.
— Não vai dar, Bernard quer jantar com algumas pessoas da equipe, e
eu sou uma das vítimas. Mas bom jantar pra vocês.
— Sim.
— Mon chéri, eu já fiz muita coisa em menos tempo. Mas você tem
sorte que eu preciso ir mais cedo hoje.
— Não é tão difícil. Quando você está nisso há muito tempo, acaba
percebendo que não vale a pena se preocupar tanto com algumas coisas. —
Jolene se inclinou para alcançar mais uma latinha de cerveja, mas parou no
meio do caminho. — Isso é sobre Baz, não é?
— Você sabe que as coisas não precisam ser tão… limitadas, certo?
Você não precisa parar de correr se quiser ter uma vida com ele. Você não
precisa desistir dele pra ser bem-sucedido. Você não precisa fazer uma
escolha pra ser uma pessoa boa ou ruim.
Alexandre encarou o teto. Como não? Uma escolha ruim, e ele seria
uma pessoa ruim. Era algo tão claro e com tanto sentido na sua cabeça que
não fazia sentido algum pensar que estaria errado.
Ele foi ruim ao mentir para várias pessoas importantes da sua vida.
Afinal, mentir era algo ruim.
Mentir era apenas uma das muitas coisas que o Garoto de Ouro não
faria, mas que Alexandre Duarte vinha fazendo há mais tempo do que
gostaria.
— Nah, você sabe que eu preciso dormir cedo se quiser parecer viva
amanhã. — Jolene se levantou, um pouco cambaleante. — Tome banho no
chuveiro do corredor, eu vou usar a sua banheira.
— Uau, desde quando você faz análises tão profundas sobre mim? —
ela ironizou, desviando o olhar. — Vai dormir, Alex. Você tá bêbado.
— A vizinha que fica com ela nos deixa conversar um pouco sempre
que eu estou longe e peço.
— Eu não duvido que ser o piloto principal de uma equipe seja pouca
coisa, mas acho que você pensa demais quando sabe que vai ter todo o apoio
de todos na Astoria. Vocês não são uma família?
Alex não o respondeu. Não era uma questão de achá-lo menos, mas não
explicaria isso.
Alguém que nem mesmo pode me ver. Merda, Alex estava uma bagunça.
Não conseguia.
— Desculpa, eu estava…
— Você quer vir pro meu hotel? — Baz soltou. Não parecia carregar
qualquer tipo de malícia, e Alexandre já sabia reconhecer quando o francês
estava o chamando para transar ou para uma conversa qualquer.
Na minha opinião, ele é bem mais do que você esperava e ter realmente
gostado de ficar com ele te assusta. A conversa com Jolene repassou
rapidamente na sua cabeça, e parecia ridículo pensar que entendia tão bem a
amiga.
Como Alexandre sabia disso, não fazia a menor ideia. Mas sabia que
Basile não estaria ali apenas naquele momento, como algo tão imediatista.
Era um dos motivos pelos quais ele odiava a maioria das entrevistas ao
vivo. É claro, havia uma lista de coisas que sua equipe passava para todos os
programas dos quais participavam, o que englobava todos os assuntos que
ele não responderia sobre, portanto não deveriam ser perguntados. Toda a
sua vida antes da adoção era um dos tópicos. Alexandre poderia passar horas
e mais horas falando sobre o quanto conhecer Nicole e Ângelo havia sido
uma das melhores coisas da sua vida, senão a melhor, e tudo de bom que
seus pais eram para ele. Mas nada que viesse antes disso. Nada sobre as
pessoas que se relacionavam biologicamente a ele, sobre sua infância e
adolescência.
Vez ou outra, alguém ainda tentava burlar a regra de alguma forma para
arrancar algo. Como quando perguntavam quais eram as maiores diferenças
do Alexandre Duarte, piloto de Fórmula 1 e celebridade, do Alexandre de
dez, quinze anos atrás. Na primeira vez, Alex travou e interrompeu a
entrevista imediatamente. Mas o tempo o ensinou a preparar-se para esse
tipo de truque também. Nada que um sorriso simpático e uma resposta
pronta não resolvessem rapidamente.
Ou era, até Basile. Sabia reconhecer que estar com o francês o tirava
dos eixos. Beijar qualquer pessoa no estacionamento de um aeroporto, por
mais deserto que estivesse, nunca seria uma possibilidade alguns meses
antes. Quer dizer, o Alexandre do ano anterior provavelmente mandaria a
pessoa pegar um carro de aplicativo antes de se encontrassem.
Mas não faria isso com Baz. Preferia correr um risco que, parando para
pensar racionalmente, parecia mínimo, em vez de colocá-lo nas situações
constrangedoras que já havia feito outras pessoas passarem para que pudesse
se relacionar em paz.
Era uma chance muito, muito pequena de algo dar errado. Que mal faria
aproveitar-se das pequenas oportunidades de ter algo minimamente normal
com alguém?
— Não consigo ver você pelo celular — Baz respondeu, a testa colada
na sua.
— Não — ele repetiu, baixo. Cansado. — Não consigo ver você. Aqui.
Ele deslizou dois dedos pelo início do seu pescoço, parando sobre o seu
pulso. Então, murmurou outro "aqui", ao pousar os lábios na sua testa.
Havia sido outra coisa com Basile. Alexandre conheceu Basile – e vice-
versa – sob a luz fraca de hotéis, lençóis e chuveiros. Pele na boca. Sem
encontros, alguns jantares sobre a cama que pediram para o serviço de
quarto. Nunca havia parado para pensar nisso até então, mas fazia total
sentido ao refletir. Baz era, facilmente, uma das pessoas que melhor o
conheciam, e não precisou de muitas conversas profundas programadas para
isso. No fim, apenas aconteceu. Alexandre duvidava que poderia evitar,
mesmo se quisesse ou tentasse. Talvez devesse tentar mas, pensando bem,
parecia bom que não tivesse se dado conta antes.
— É mesmo?
— É. E eu ainda moro com meus pais. Até onde eu sei, isso é uma
vergonha no departamento de adultos.
— Acho que vou até ter uma ereção — ele ironizou. — Por que isso
veio agora?
— É sobre…?
Baz suspirou.
— Quero que você me deixe fazer parte da sua vida tanto quanto você
faz parte da minha — ele continuou. — Gosto dessas conversas que nós
temos. Eu quero te ouvir falando da sua família, sobre pontos turísticos do
mundo inteiro e fazer com que você se sinta melhor quando não se sair bem
em uma corrida.
— É?
— Mas você sempre disse que não gosta da fama, e essas coisas —
argumentou, depois. — Eu não quero que abra mão de algo por minha causa.
— Alex, quando eu digo que odeio isso, é muito mais sobre o que você
precisa passar do que sobre mim — ele explicou, pacientemente. — Pare de
se preocupar tanto. Ninguém vai me tirar de você, e eu sairia na rua com um
vestido de carne se fosse necessário provar.
— Mas eu vou falar sobre você com Ivan e Bruno. Eles estão comigo o
tempo inteiro — disse, alguns minutos depois. Basile não respondeu
imediatamente, o que provavelmente indicava que ele estava quase caindo
no sono novamente quando falou:
— Por que eu sinto que devo me preocupar mais com eles do que me
preocupei com Nicole e Ângelo?
— Vai ser mais fácil se você tiver o campeonato no papo, entendi — ele
ironizou. — Tudo bem, vamos ver sobre isso quando for a hora. Você vai
dormir agora.
— Muita gente disse que não seria você — ela concordou, embora não
parecesse tão confiante sobre isso. — Por estarmos perto da reta final do
campeonato, é certo que você não teria tempo para algo além das corridas.
— Não, obrigada.
— Alex, é você?
Ivan trocou um olhar duro com Marissa, que se limitou a assentir antes
de sair de perto.
— Estou.
Nada perto do que estava acontecendo ali. Por que tentavam tanto tirar
o seu momento dele?
Ela e Baz.
Merda, Baz. Baz. Baz. Alguém havia reconhecido Baz? Alguém de sua
equipe, talvez o seu pai? Se Bernard soubesse daquela forma, seria um
inferno na vida de Baz.
Ele fechou a porta do quarto com um chute leve, trancando-a com duas
voltas da chave. Merda. Alex engoliu a bola presa em sua garganta,
apertando os olhos em uma tentativa falha de afastar a dor de cabeça que o
atingiu com o silêncio.
— Estou. Quer dizer, não. Mas não é tão grave, né? — Alex vomitou as
palavras, soltando o ar que sequer sabia que estava prendendo. O piloto
olhou para a tela do celular de Basile, que estava na cama. Bernard. — Ele
sabe?
— Ei, pelo quê? — Baz soltou uma risada humorada demais para o
quanto Alex estava tenso com toda a situação. — Ele não pode fazer nada
sobre isso. Ele sabe que é pior se fizer algo, não vai espalhar nada.
— As pessoas estão falando que é você porque sabem que era uma
reunião privada entre seus amigos e você era o único além de Victor
supostamente sozinho. Também não dá pra ter certeza de nada quanto a ser
você — ele explicou. — É um print borrado de um vídeo. Nós ainda estamos
bem, não estamos?
Tudo parecia bem. Muito bem, e melhor do que Alex esperava. Ele se
forçou a relaxar e abaixar as defesas que estavam sempre ali para deixar que
Basile o despisse enquanto deslizava a boca por cada centímetro de pele que
conseguisse alcançar, repetindo o movimento com ele. O que não foi
interrompido no trajeto desajeitado até a banheira, muito menos quando já
estavam dentro dela.
— Como?
Mas Baz correu uma mão pelo seu peito, mantendo o encostado a ele
em uma carícia. Ele só estava pensando.
— Bernard?
— Esse cara não desiste — ele resmungou. — Vou pegar uma roupa do
seu closet.
— Odeio segundas-feiras. Mas não é isso que você quer perguntar, não
é?
Alex piscou. Bem, aquilo era inesperado. E único – porque Baz não
havia dito aquilo no sentido comum, e Alex não sabia ao certo como
identificou a diferença de um eu te amo comum e um eu amo você de Basile.
Alexandre não sabia ao certo como responder.
— Não aja como se você já não tivesse dito o mesmo muito antes de
mim — Baz sussurrou. — Pensa em mim o tempo todo, mon coeur?
Como respira?!
— Porra.
— Me assusta.
— Que pena.
— E é assim que você troca um pneu sem quase arrancar seus dedos no
processo — Basile finalizou, chutando o pneu antigo do carro para o lado.
Luc assentiu, desajeitado. — Entendeu mesmo?
— Saquei. Você só faz muito mais rápido que qualquer pessoa normal
— o garoto disse, franzindo o cenho.
Não que isso incomodasse Basile. Merda, longe disso. Talvez nem
demonstrasse o suficiente o quanto estava orgulhoso pra caralho do piloto,
feliz com o quanto ele parecia feliz. Contente em como os tempos mais
recentes foram incríveis para a carreira de Alex e para o relacionamento
deles.
— Por que seria? É mais fácil deixar algo aqui do que separar uma mala
inteira toda vez que você voltar. — Baz cruzou os braços, balançando a
cabeça ao perceber que em uma gaveta mal caberia as roupas que ele usava
em casa. Ao se virar para perguntar se ele preferia o lado esquerdo ou direito
do guarda-roupa não muito grande, ergueu uma sobrancelha. — É um
guarda-roupa, mon coeur. Não um pedido de casamento.
Alexandre respondeu com uma cara feia na sua direção, fazendo-o rir.
— Pra sua informação, existem pessoas que pagariam milhares de
dólares pra me ter dormindo em cima delas.
Por isso, quando ele chegou à primeira posição quando faltavam apenas
três voltas para o fim da corrida, Basile saiu do canto da área onde os
mecânicos ficavam posicionados para as paradas, a fim de acompanhar tudo
de perto nos monitores onde seu pai ficava – com um cuidado especial para
não sorrir demais quando o piloto da equipe rival ultrapassou a linha da
bandeira quadriculada.
Consequentemente, em algum momento, as câmeras da transmissão ao
vivo o capturaram.
Baz pensou que, talvez, recebesse algum tipo de atenção quando seu
relacionamento com Alexandre se tornasse isso público – mas estavam bem
como estavam, então ainda parecia algo muito distante. Não por existir na
área da sua equipe. Não dessa forma.
— Ah, isso é como eu me mantenho. Você vai se dar bem sem mostrar
o peito.
Quase dois meses depois, e Baz ainda não estava acostumado. Mesmo
respondendo quantos comentários podia sempre que possível – o que parecia
o mínimo –, ainda era estranho que pessoas que não conhecia dissessem que
gostavam dele.
Alex dizia que era normal, que a Internet funcionava assim. As pessoas
não pediam apenas por qualquer tipo de conteúdo junto do piloto, mas
também por qualquer coisa sobre ele. Queriam saber sobre ele, Basile
Beauchene. O que fazia, o que gostava e o que pensava quando estava longe
das pistas como um funcionário da equipe.
— Baz, leva o almoço pro Luc. Se ele se atrasar pra aula, eu vou te
quebrar — Dom ameaçou, arrancando-o de seus próprios pensamentos e
levando-o de volta ao presente.
— Cala a boca.
Quer dizer, que bom que estava, mas ele não deveria.
O piloto riu, inclinando-se na sua direção mais uma vez. E Baz não o
impediu quando Alex beijou o seu lábio inferior antes de beijá-lo de
verdade, obrigando-o a apoiar as costas na parede atrás de si. A distância não
era um problema quando mantinham um contato constante sempre que
possível, mas Alexandre sempre voltava disposto a passar cada segundo
disponível o tocando como pudesse. Com as mãos, com a boca. Baz gostava
disso mais do que provavelmente deveria. Mas, ora, era o seu namorado.
Seria estranho se não gostasse de absolutamente tudo sobre ele – até mesmo
as coisas que o irritavam.
Alex soltou um suspiro resignado. Sabia que ele não gostava da ideia,
mas era como algumas coisas continuavam funcionando.
E Baz estaria lá, mesmo que a maioria dos convidados ainda não tivesse
o conhecido . Parecia um evento grande demais para algo que ele poderia
fazer em cinco minutos – apresentá-lo como seu namorado –, mas já estava
acostumado com Alexandre pensando demais em como fazer as coisas do
jeito que ele parecia achar mais adequado. Um pouco exagerado.
— Quase a mesma coisa. Não quero nem aparecer na frente dele essa
semana.
Essa era a melhor parte de ter Alexandre Duarte de volta. Baz não havia
ido a lugar algum nas últimas semanas e, mesmo assim, sentia-se mais em
casa do que nunca naquela manhã.
QUARENTA
Porque, bem, Baz ainda não era o maior exemplo de uma rotina de
sono. Mesmo tempo a mais dividindo a cama não foi o suficiente para fazê-
lo acordar antes das dez, mesmo em um dia de semana.
Pegou o celular assim que saiu do banho e percebeu que Baz não estava
em casa, assim como não havia deixado nenhuma mensagem. Estranho o
suficiente.
Ainda mais estranho quando descobriu que o celular dele estava ali ao
tentar ligar.
Poderia não significar nada, mas também poderia significar algo. Baz
não saía de casa cedo, especialmente em um dia tão frio, muito menos sem o
celular. E, caso acontecesse, ele definitivamente avisaria.
Mas foi o suficiente para que Baz percebesse o que estava acontecendo.
Ele tirou o casaco grosso que estava usando antes de se aproximar,
inclinando-se sobre ele.
— Mon coeur, quando eu for embora, vou levar Corvette comigo. Você
sabe que eu não a deixaria pra trás.
— Sei, mas eu não vou ter disposição de fazer isso amanhã porque
vamos passar a madrugada na sua festa. Então fica pra hoje.
— Deve ter sido o despertador pro aniversário do meu irmão, foi mal.
Fuso-horário não sincronizado. — Alex pegou o celular, notando a
expressão confusa do namorado apenas depois. Ah, claro. Irmão. Baz não
sabia. — Eu tenho um irmão gêmeo. Mas não nos parecemos nem um
pouco, antes que pergunte se tem outro de mim por aí.
— Por quê?
Talvez porque forçar uma convivência traria de volta tudo o que ambos
não queriam lembrar sobre o período em que ainda viviam como uma versão
muito deturpada de família. Não, nenhum dos dois queria isso. Quando
tiveram seu primeiro reencontro, Augusto não precisou vocalizar o
pensamento para que Alexandre percebesse que ele compartilhava do
mesmo sentimento.
— Hm?
Exatamente o que Astoria procurava para ser seu mais novo rosto.
Era um garoto legal. Alexandre havia saído para almoçar com ele duas
ou três vezes, e era incrível ver uma pessoa nova entrar no seu meio. Na sua
equipe.
— Incrível, mon coeur. Mas você não precisa pensar nisso agora. —
Basile pousou os lábios na sua testa antes de se afastar para pegar o próprio
café. — Nicole e Ângelo devem pousar em duas horas. Você prefere
encontrar com eles no apartamento ou buscar no aeroporto?
— É fofo como ainda fica surpreso com o quanto eu converso com seu
pai. — Ele separou a comida de Corvette, rindo baixinho.
— Vai se foder.
— Bom, eu não tenho nada contra a ideia. Mas não quero te tirar do seu
apartamento, e…
— Ah.
Alexandre não conteve uma risada. Marjorie era uma mulher de setenta
e poucos anos que, aparentemente, não fazia a menor ideia de que Alex era
uma figura famosa, mas que era completamente encantada por ele, chegando
a perguntar por ele para Basile quando estava viajando e preparar o almoço e
o jantar para eles quando estava por lá.
Mas, bem, qualquer coisa que envolvesse Basile parecia incrível para
Alexandre. A simples ideia de ter um relacionamento estável com alguém
tão cedo seria uma piada se perguntassem sobre isso há um ano, mas dava
certo com Baz. Simplesmente funcionava, e funcionava muito bem.
O pensamento de contar sobre Basile para Ivan e Bruno se mostrou uma
dificuldade maior que o esperado. E Alexandre já esperava algum
empecilho.
Até mesmo Mariana. Ela sabia sobre Baz, mas também não havia sido
uma apresentação decente. Afinal, Baz não era seu namorado na época em
que ela os flagrou antes de uma corrida.
Não tão incrível quanto Aria, porém. Ainda ligava para ela
semanalmente.
— Olha, amor, é assim que se faz uma decoração de festa jovem. Você
deveria aprender — Bruno disse, apontando para as luzes coloridas
espalhadas pelo lugar. — Talvez o seu próximo aniversário não pareça tanto
com uma festa de velho.
— Vou confessar, fico curioso pra saber como você está se virando pra
morar sozinho.
Exceto que não estou, Alex pensou, mas se limitou a sorrir, afastando-
se apenas quando Mariana e Daniel entraram no local.
— Aposto que o Alex não sabe fazer uma massagem como a minha.
Alex abriu a boca para responder à ironia, mas parou quando um dos
funcionários da cozinha do restaurante que haviam ficado para a noite entrou
na sala.
— Hm, Baz. O seu pai meio que tá na porta e insistindo pra que o
deixem entrar.
— Nem fodendo.
Deus. Há muito tempo Alex não tinha que se segurar tanto para não
acertar o punho na cara de alguém.
— Você também não vai querer fazer isso, aliás — Alexandre interviu,
mais uma vez. — É sério. Eu consigo te ferrar umas cinco vezes mais, no
mínimo.
— Ah, bem. Eu posso começar com todos os registros de que você foi
um marido e pai horrível durante todos esses anos, porque a família de
Geneviève também não é lá muito sua fã — começou. — E, é claro, eu tenho
acesso a todas as vezes que você conseguiu ser um grande filho da puta
homofóbico com o meu namorado por mensagens e chamadas de voz. Mas
você não deve estar surpreso com isso, já que não parece ligar pra falar sobre
abertamente. Pra minha sorte, as provas de que você também é um chefe de
merda para os seus funcionários são bem acusatórias.
— Porra, eu não pensei que ele daria as caras por aqui — Baz soltou,
balançando a cabeça repetidamente. Ele olhou rapidamente para Ivan, que
continuava ali. — Me desculpa por isso, mon coeur.
— Amanhã. Você tem cuidado tanto daqui nos últimos meses, achei
que gostaria de ter o lugar no seu nome — explicou. — Os funcionários
gostam mais de você do que de Bernard, de qualquer forma. Não é um cargo
que vai te demandar passar o tempo inteiro aqui, então também não vai te
atrapalhar com o trabalho na oficina.
— Acho que vou precisar de alguns minutos pra processar tudo que
aconteceu. Ninguém nunca me defendeu assim.
Alex soltou uma respiração, balançando a cabeça. Baz parecia
realmente afetado, o que era uma surpresa. Algo incomum. Quantas vezes ao
longo da vida ele precisou defender a si mesmo para que aquele momento –
que era apenas uma ponta do que Alexandre tinha vontade de fazer com o
homem – mexesse tanto com ele?
Ivan limpou a garganta, fingindo olhar para o outro lado. Alex riu
baixo, pegando novamente a mão de Baz para se aproximar do mais velho.
— Oi.
— É claro que a sua festa precisava ter algum tipo de grande reviravolta
— Bruno comentou. — É Alexandre Duarte. Sua vida é uma novela antiga.
— Eu não sei se isso é um elogio ou uma crítica, mas não vem ao caso.
— Alex gesticulou entre Baz e o casal. — Bem, esse é o Baz. Meu
namorado.
— Eu não acredito que você teve a pachorra de mentir que não estava
namorando quando te perguntamos no Natal! — Bruno cruzou os braços,
boquiaberto. — Garoto, esses últimos anos não significaram nada pra você?
Eu me preocupei com essa sua carinha bonita.
— Ah, não. Ano passado, eu ainda não tinha ganhado o primeiro título.
— Chega — Bruno soltou, por fim. — Vou fingir que não me sinto
traído.
— Nós não temos muito o direito de opinar nisso, Alex. Mas, bem, eu
não vejo qualquer problema. — Ivan olhou para o marido, que assentiu,
antes de olhar novamente para Baz. — Você é o cara da foto que vazou há
alguns meses, não é?
Baz assentiu.
— Jesus, eu mal consigo dividir uma sala de reunião com ele. — Bruno
revirou os olhos, mas então encarou Basile por mais alguns segundos. —
Espera, você não é o engenheiro gostoso da Ritz?
Ivan encarou o marido, erguendo uma sobrancelha.
— Perdão?
— Tudo bem?
— Por que eu não estaria? — ele ronronou. — Você mesmo disse que
estava tudo bem, aniversariante.
No fim, a coisa toda foi muito melhor do que havia imaginado. Baz
com seus pais, com Ivan e Bruno – especialmente Bruno, porque a
especialidade de ambos parecia ser encher o saco de seus companheiros
sempre que uma oportunidade aparecia –, interagindo com suas amizades
mais próximas que puderam marcar presença.
Ainda parecia bom demais para ser verdade. Em outras palavras, Baz
parecia bom demais para ser verdade.
Mesmo que Baz não fosse lá o tipo de pessoa que realmente pensava no
significado de um desenho antes de marcá-lo na pele. Ele não era como
Alex.
— Não, não doeu. — Baz havia dito a mesma coisa nas vezes
anteriores também.
— Sei que não — Baz assentiu, bebendo um gole da cerveja que antes
era sua. — Você só vai me largar se eu te mandar fazer isso.
— Três minutos, mon coeur. Como é estar cada vez mais perto dos
trinta e da sua aposentadoria?
Dez.
Nove.
Oito.
— Você acha mesmo que eu vou querer ter filhos? Não é o meu lance.
Sete.
— Então nós vamos conversar e ver qual é o nosso lance, mon coeur. —
Seis. Baz deslizou os braços pela sua cintura, abraçando-o. — É uma decisão
em conjunto. Você tá mesmo pensando tão longe?
Cinco.
— Eu sou assim.
Quatro.
Três.
— Não me vejo com mais ninguém — disse, raspando os lábios do seu
namorado. Na frente de sua família e de amigos. De todas as pessoas que
mais importavam na sua vida. Baz não era mais um segredo para as pessoas
que melhor o conheciam. — Você sabe.
— Hm, como?
Um.
Quando os fogos se iniciaram, não muito longe dali, Baz sorriu ainda
mais. E ele estava tão fodidamente lindo e feliz, que Alexandre não resistiu
ao impulso de beijá-lo.
E, Deus, esperava ter aquele beijo não apenas no seu Ano Novo, mas
em todos os dias pelo resto da sua vida.
Por mais que odiasse admitir, Basile também estava nervoso para
conhecer Ivan e Bruno. Porque, bem, mesmo com a presença dos pais
adotivos de Alexandre, o casal ainda era quem mais convivia com o piloto
brasileiro. Eram parte de sua equipe, família no mesmo nível que Nicole e
Ângelo.
Baz se aproximou para pegar os doces, torcendo para que fosse apenas
isso.
— Eu conhecia a sua mãe — ele disse. — Não sei se ela já era casada
na época, por isso demorei para relacioná-la ao restaurante, com Bernard e
você. Sinto muito, aliás.
— Tudo bem. — Deu de ombros. — Ela passou por muito aqui. Como
vocês se conheceram?
— Nossa.
— Engraçado, todo mundo diz que eu sou mais parecido com Bernard
— resmungou, roubando um brigadeiro da bandeja.
— Não, você tem os olhos dela. Você enxerga as coisas como ela, é um
olhar muito característico. — O russo se aproximou para também pegar um
doce. — Você olha para Alex da mesma forma que ela olhava para o
restaurante. Quando as mesas estavam cheias, quando alguém elogiava os
pratos.
Basile encarou o mais velho, sem palavras. Sabia do amor que a mãe
tinha pelo restaurante, tudo que ela havia passado para sair de um
estabelecimento minúsculo para se tornar a gerente do maior e melhor
restaurante perto do autódromo, mesmo que ela tenha passado a maior parte
de sua vida após o seu nascimento tratando um câncer agressivo e suas
sequelas.
— Sou suspeito pra dizer, mas discordo a favor do meu marido — ele
sorriu. — Enfim, saiba que as portas da minha equipe estão sempre abertas
pra você. Ouvi dizer que é um engenheiro exemplar, e eu gosto de pessoas
exemplares.
Baz pensaria em um jeito educado de dizer que não tinha interesse, não
era a sua área. Já que tinha se livrado de vez do pai, pretendia voltar para a
oficina de Dom integralmente.
Bem-vindo à família.
Por isso, mesmo quando entre o sono que não havia se dissipado, Alex
sorriu contra o seu pescoço como se só então a ficha de que dia era estivesse
caindo como se já não tivesse comemorado a data durante toda a madrugada,
Baz precisou respirar fundo diante da sensação de ter o cara mais bonito do
mundo ao seu lado na cama.
— Eu imaginei que Bernard não ficaria quieto por muito tempo depois
de descobrir sobre nós, então pedi pra Nicole entrar em contato com algumas
pessoas que pudessem ajudar a, sabe, fazer algo caso ele tentasse nos
prejudicar — Alex bocejou, se inclinando para pairar sobre Baz. — Nós
descobrimos que Geneviève deixou o restaurante pra você. Mas seria muito
difícil recorrer com os documentos que provassem isso sem criar uma
confusão para a qual ele poderia se preparar, então eu só comprei no seu
nome mesmo.
Porra.
Alexandre o tocou por cima da única peça que havia deixado no corpo
para dormir, os olhos castanhos presos e atentos a cada reação que deixava
escapar enquanto Baz puxava, mas sem afastá-lo de seu objetivo, os fios
recentemente aparados do cabelo bagunçado.
— Acho que você esqueceu que eu sou meio que o seu tradutor pras
declarações apaixonadas dela — Baz bufou, enfiando o rosto no travesseiro
por cinco segundos antes de se colocar de pé.
— Você sabe que eu ainda posso chupar o seu pau depois que ela for
embora, né? — Alex se aproximou, passando os braços pelo seu pescoço.
— Se você não for me ajudar a não ter uma ereção na frente de uma
idosa, nem chegue perto de mim.
Ele estava feliz. Talvez fosse apenas pelo evento de seu aniversário,
mas Baz ainda tinha a impressão de que algo havia mudado em Alex depois
da noite anterior.
Afinal, ainda seria para o seu lado que ele iria no fim do dia. Ainda
seria a ele que o brasileiro procuraria quando as câmeras que o amavam
tanto se desligassem e ele pudesse fechar a porta de casa para vestir as
roupas surradas – que não combinavam nem um pouco e não se pareciam
com as marcas que ele sempre usava para suas viagens e compromissos.
Ainda seria para Baz que ele olharia quando acordasse – ou para a foto ao
lado de Baz, que era a tela de bloqueio do seu celular. Ainda seria para ele
que Alexandre contaria todos os segredos, novidades e opiniões que tinha a
respeito de absolutamente tudo, porque era assim que eles funcionavam. E
funcionavam muito bem.
— Até lá, você vai ser legal com ela — ele disse, aproximando-se mais
uma vez. Se o som de sua campainha não fosse tão insuportável, talvez
Basile pudesse fingir que nada estava acontecendo e continuar o que
começaram ali de uma vez. — E quando Marjorie for embora, eu posso
pensar em deixar você usar aquela gravata feia pra algo útil outra vez.
— Luc, você pode pegar as luvas pra mim? — pediu, olhando para o
garoto que tinha os olhos presos na tela do celular e fones no ouvido. —
Luc?!
Desgraçado.
— E por que você não falou sobre isso antes? Por que agora? —
alguém perguntou, atrás da câmera. O episódio voltou a mostrar o seu rosto.
— Eu sabia que essa pergunta chegaria. É o que todo mundo quer saber,
não é? — ele brincou. — Todos parecem pensar que é por temer a reação de
quem me acompanha ou medo de perder algo, mas eu nunca me preocupei
com isso. Quer dizer, ainda há muito a melhorar no cenário do
automobilismo quando o assunto é a inclusão, e não apenas de pessoas da
comunidade. Mas eu sempre soube que, mesmo que existam pessoas que se
recusam a usar do bom senso, ainda existe uma maioria muito grande que
continuaria me apoiando. Minha família, minha equipe, as pessoas ao redor
do mundo que me admiram e acompanham a minha carreira. Só não era o
momento… Até agora.
Alex abriu a boca para continuar, mas parou. Por alguns segundos, ele
pareceu apenas pensar em suas próximas palavras em silêncio.
— Era pra ser surpresa, por isso eu pedi pra assistir comigo — ele
explicou. — Por que você não me esperou?
— Eu… não parei pra pensar ainda, sendo bem sincero. Estou surpreso.
Por que você não me contou nada?
— Não é o tipo de conversa que eu gosto de ter com você por telefone
— ele disse, por fim. — Tudo bem por aí?
Mas antes que guardasse o celular no bolso para voltar ao trabalho, uma
mensagem de Alexandre brilhou na tela.
Alex: obrigado por estar sempre do meu lado, gosto de como é a vida
com você.
Alex: você realmente me destruiu, e eu acho que não poderia ser mais
grato por isso.
Alex: penso em você o tempo todo, logo vou estar em casa.
QUARENTA E TRÊS (flashback)
Ele olhou para Nicole, que sorriu largamente na sua direção enquanto
uma maquiadora se aproximou.
— Não, ele nem sabe que eu estou gravando isso. Não pretendo contar
tão cedo, também. — Alex olhou na direção da mãe enquanto amarrava uma
bandana sobre a cabeça. Não tinha a menor condição de sair sem algo
cobrindo a bagunça que estava. — Ele não pediria, de qualquer forma.
— Eu gosto do Baz — soltou, por fim. E, Deus, era bom falar sobre
isso com Nicole. Era bom falar sobre o que parecia ser a melhor parte da sua
vida pessoal. — Eu gosto muito, muito mesmo do Baz.
— E isso é um problema?
— Não. Quer dizer, eu não sei. A essa altura, acho que nós estamos em
um mesmo lugar quanto aos nossos sentimentos, então não é como se eu me
preocupasse em levar um fora, acho. — Ou, pelo menos, gostava de pensar
que era o caso. Basile já estava soltando indícios demais nos últimos tempos
de que considerava ter mais do que encontros casuais com Alexandre. —
Mas e se só esses sentimentos não forem o suficiente? Sabe, a longo prazo.
Nicole riu. Não como se estivesse se divertindo com sua situação, mas
uma risada descontraída, relaxada.
— Eu não esperava que fosse fácil, mas não queria desistir como as
outras pessoas. — Nicole umedeceu os lábios antes de tocar o seu queixo,
fazendo-o olhar para ela. — Xander, eu sei que você tem medo de que as
pessoas ao seu redor se machuquem e você não possa impedir por conta do
que aconteceu com você quando sua mãe…
— Ela não é minha mãe — interrompeu. — Você é. Eu nem me lembro
do nome dela, do rosto dela, além do que ela fez comigo e com Augusto, não
dá pra chamar isso de mãe. Você é minha mãe.
Nada. Era impossível. Afinal, quem ele seria – teria se tornado – se não
fosse pela presença constante de seus pais? Era tão profundamente grato por
tê-los, e não conseguia se ver longe disso.
No fim, não valia a pena pensar no passado. Mas muito menos nos
futuros possíveis que não haviam acontecido, também naqueles que
poderiam acontecer do presente pra frente.
Mas, bem, era muito mais fácil explicar para todo o resto o que estava
fazendo com livre acesso à área da equipe quando dizia que sim, porque
dizer que era o namorado de um dos pilotos ainda não era uma opção. Até
mesmo para outros funcionários da própria Astoria, Basile não passava de
um tipo estranho de engenheiro-auxiliar pessoal de Alexandre. Não havia
nada sobre os carros, estratégias e planos da equipe que não soubesse da
boca do seu namorado, então não era uma total mentira também.
Ainda. Considerando que Alexandre parecia cada vez mais solto perto
dele em público, podia imaginar que ele estava se preparando para fazer com
que aquilo deixasse de ser um segredo.
Mas, cada vez mais, Alex parecia sentir-se à vontade o suficiente para
passar dos gestos que seriam considerados normais entre amigos.
Mas era como se comunicavam. Depois dali, iriam para a casa dele e
Alexandre passaria o resto do dia enchendo o seu saco com o marido e a
filha do casal. Era uma relação que o piloto brasileiro sempre deixou claro
para todos que tinha com o superior da Astoria, mas só ao lado dele que Baz
viu que não havia nenhum exagero. Eram mesmo como uma família.
Observou-o sair, ainda confuso. Muito confuso. Para alguém que não
passava de algumas interações entre o corredor, um almoço na mesma mesa
de vez em quando e uma tentativa – muitas vezes falha – de comemorar um
pódio sem abraçá-lo por tempo demais, até mesmo um toque entre uma
reunião parecia ser muito.
— Nesse caso, acho que eu vou ter que deixar claro que você já é meu
namorado da próxima vez — ele sorriu, deslizando os dedos pelos fios que
haviam sido levemente escurecidos na última semana. — Aí eles vão passar
a fofoca certa. Eu vou para a entrevista agora, você vai me esperar ou vai
embora com Ivan?
— Acho que eu vou com Ivan, disse para Bruno que ajudaria com o
jantar — disse, observando-o vestir o casaco da equipe. — Mas eu posso te
esperar.
— Aham, desde que deixou de ser piloto. Mas não deixa o Ivan saber
disso.
— Eu preciso ir, até mais tarde — ele disse, beijando a ponta do seu
nariz antes de sair da sala.
Se alguém dissesse para ele, Basile Beauchene, dois anos antes, que
estaria feliz em um relacionamento estável com um piloto de Fórmula 1 e
passando a semana na casa de Ivan Nikolaev e Bruno Campos, riria.
Talvez terminasse como Dom. E Dom era feliz em sua solteirice aos
cinquenta anos. Baz provavelmente também poderia ser.
— Ela não mentiu — Ivan disse, saindo do que quer que ele estivesse
fazendo no computador. Mesmo da mesa de jantar enquanto trabalhava, o
mais velho estava bastante atento às conversas da cozinha.
— Só eu. — Ou, pelo menos, era o que esperava. — Mila, você pode
mexer o leite com o creme no fogão até ferver. Bruno, tudo bem se você
ficar de olho nisso enquanto eu faço o resto?
— Tudo bem, todos sabem que você não furaria o jantar aqui se não
fosse importante.
Foi preciso algum tempo para que Basile percebesse que ela era a
forma como ele se referia à mãe biológica.
Ainda assim, Baz não disse nada. Sabia que Alex precisava apenas
falar, e não ouvir. Não por enquanto, pelo menos, mas saberia quando – e se
– ele quisesse sua opinião sobre a situação. Sobre ele, sobre tudo.
— Só que é uma via de mão dupla, acho, porque parar pra pensar não
melhora a situação. Sinceramente, só me dá raiva. Muita raiva. Por mais que
eu tenha uma vida incrível com a família que eu encontrei, ou me encontrou,
ela ainda consegue mexer comigo. E com Augusto, porque ela ainda
procurou por ele anos depois. — Ele fez uma careta, balançando a cabeça.
— Ela é louca, Baz?! Perdeu a guarda de duas crianças, nunca recebeu o que
merecia e acha que pode ir atrás de um deles?! Isso se ela não tiver tentado
vir atrás de mim e eu só não fui informado sobre isso.
Baz não precisou de uma confirmação para saber que poderia tocar o
namorado. Alex deitou a cabeça no seu ombro, a testa entre a curva do seu
pescoço.
— Odeio que ela me faça sentir raiva — Alexandre soltou, mais baixo.
Parecia-se com uma confissão, o tipo de coisa da qual Alexandre tinha
vergonha de dizer em voz alta.
Baz pensou nas vezes em que havia visto o piloto com raiva. Quando
descobriu quem era o seu pai, porque havia automaticamente se
transformado em uma ameaça para tudo que ele se fazia parecer ser. Quando
perdeu uma corrida importante e pensou que uma derrota o destruiria.
Essa era a questão — Baz não via qualquer necessidade para que ele o
fizesse. Agradecer por algo que fazia tão naturalmente, de bom grado e com
todo o seu coração era tão desnecessário que em qualquer outro momento o
faria rir.
Baz gostava dos momentos em que podia ver Alexandre não ser
ninguém além de si mesmo.
— Você.
— Meu lobo.
— O quê?
Basile ainda se lembrava bem da primeira vez que deixou essas mesmas
palavras escaparem. Porque
— Bom, eu amo a sua bunda. Podemos fingir que é isso, se você quiser.
E, antes que Baz também se deixasse ser tomado pelo sono, ele
sussurrou com os lábios pressionados na testa do piloto brasileiro:
Mas estava feliz. Muito feliz. E fazer parte do pequeno mundo, família
e coração dele era uma das melhores coisas que poderia ter lhe acontecido.
QUARENTA E CINCO
— Não, mas eu aceito um café pra tapar o buraco das horas que eu não
dormi — ele resmungou ao ir para o banheiro.
— É claro que vai, você dá tudo na mão pra ele — o outro brasileiro
provocou, chamando a atenção de Ivan. — O quê?
— É claro que você acha isso, tem o seu nome estampado e gigante nas
minhas costas — ele resmungou, ajustando os brincos da orelha direita. —
Aliás, eu fiquei sabendo de uma coisa.
— Hm, eu não sei. Você tem algum plano que envolva alguém do
lugar?
Mas isso não significava, de forma alguma, que ele pensasse em ser pai.
Nem no momento, sendo tão novo, e nem nos anos seguintes. Por Deus,
sequer pensavam em um casamento, e ele estava pensando que queria a
adoção?
Alex revirou os olhos, mas sem conter o sorriso que invadiu o seu rosto.
Não havia uma única situação em que Basile não o apoiasse ou o
incentivasse, por mais que dissesse que era algo difícil e complicado.
Não seria tão diferente quando o resto do mundo soubesse, certo? Não
haveria nada que não pudessem apenas ignorar, sendo perguntas inocentes
ou ataques maldosos.
— Enfim, nós vamos indo. Eu vou chegar cedo pra entrevista naquele
programa que passa todo domingo de manhã, vocês sabem.
— Não é o tipo de coisa que você diz na frente do meu namorado, mas
sim.
— Desse jeito, até parece que eu sou ciumento. — Baz arrumou o
cabelo com os dedos, pegando o celular sobre a bancada.
Ele não era. Já tinham conversado algumas vezes sobre não ser um
relacionamento lá muito inclinado à monogamia. Nas palavras de Baz, não
daria a mínima para encontros casuais até o envolvendo também, desde que
Alexandre fosse sempre sincero quanto aos sentimentos sobre ele ou
qualquer outra pessoa.
Alex poderia dizer que pensava o mesmo, mas nenhum deles havia
sentido qualquer tipo de atração por outras pessoas desde então. Não parecia
ser um tópico muito relevante.
Mas, bem, era mais um dos assuntos que sequer era permitido em
envolvimentos anteriores. Gostava de poder conversar tão abertamente sobre
qualquer coisa com Baz, porque sempre chegariam a um acordo no fim.
— Você dirige.
Mesmo durante a corrida, quando todos os olhos deveriam estar virados
na direção das telas que transmitiam os carros e as câmeras que deveriam
capturar o circuito de Interlagos, Basile sentia que havia uma atenção a mais
sobre ele.
Não que estivesse tão surpreso assim, mas também não tinha tempo
para se preocupar com isso enquanto Alexandre tentava arduamente passar
pelo piloto que estava à sua frente com menos de um segundo de vantagem,
a asa do carro aberta.
Alex ajustou os óculos escuros sobre os olhos outra vez, acenando para
uma pessoa ou outra que passava por eles a caminho da área onde a equipe
estava instalada. Baz podia sentir a atenção neles.
— Não achei que ele fosse blefar aqui — Campos riu ao identificar o
código, recostando-se no assento e cruzando os braços. — Se eles morderem
a isca, é nosso.
— Ele não costuma blefar, então não vão pensar nisso tão fácil —
argumentou.
— Acho que você precisa me beijar antes das corridas mais vezes —
ele soltou, ofegante. Ofegante e transbordando uma felicidade que não
parecia caber dentro dele. Qualquer um que não o conhecesse pensaria que
aquela era a sua primeira vitória, porque era o maior sorriso que Baz já havia
visto em toda a sua vida.
Ele parecia tão dourado quanto nunca, todas as cores mais vibrantes que
ele carregava com ele destacando-o de todas as outras milhares de pessoas
que estavam ao redor. Entre tanta gente, Basile ainda teria olhos apenas para
Alexandre.
— Não vou viajar todo final de semana, mon coeur. Lide com isso.
— Mon coeur, você sempre foi assim. Só não se deixava mostrar antes
— assegurou, segurando o rosto dele para arrumar o cabelo dele com os
dedos. Não que melhorasse muito a situação, mas já ajudava um pouco. — E
quem é o mais sortudo entre nós é um tópico discutível. Você fica sempre
afobado assim depois de ganhar aqui? É fofo.
— Você vai poder comemorar comigo o quanto quiser, mas precisa dar
uma entrevista e subir no pódio agora — riu, e parecia ridículo o quanto
sentia-se absurdamente feliz com aquele projeto de Golden Retriever de
cabelo castanho fora de si em felicidade. Baz o beijou mais uma vez, só o
afastando quando Ivan o chamou de algum lugar. Baz não se importava o
suficiente para procurar de onde, mas o empurrou para que ele fosse logo
falar com a droga do entrevistador. — Você pode descansar agora, Alex.
Porque não havia mais nada que ele tivesse a esconder. Sua
sexualidade, que ele havia levado tanto tempo para se sentir seguro dentro de
si e de sua própria vida. Suas inseguranças, que ele antes achava serem
fraquezas. Tudo que ele havia se tornado não apenas como o piloto de
Fórmula 1 cada vez mais promissor que era, mas como um rapaz que estava
apenas no início de uma vida que ainda tinha tanto pela frente, e Basile
amaria fazer parte dela.
Não era a primeira vez que o Instituto Campos organizava uma dessas
excursões onde Alexandre usava uma de suas semanas livres para
acompanhar crianças que moravam em diferentes lares de adoção, da idade
que fossem. Era um dia inteiro com eles, passeando por todo o espaço do
autódromo de Interlagos, falando sobre sua carreira, o funcionamento de
seus carros e a rotina como parte de uma equipe de Fórmula 1. Almoçavam
juntos e, sempre que possível, visitavam ainda a própria sede do Instituto
Campos – normalmente para invadir a sala de Bruno.
Era o tipo de programação que fazia sempre que possível e, nos últimos
dois anos, expandido para fora de São Paulo também. É claro, não havia toda
a visita para o autódromo, mas ainda era uma oportunidade não apenas para
falar sobre a sua vida no automobilismo, mas também de mudar a rotina de
algumas crianças e jovens. No fim, era muito mais sobre isso.
— Eles fazem você comer só salada por uma semana se o carro não
estiver bom — ele continuou. — É brincadeira. Se você trabalhar com o
Alex, ele até dá cesta de chocolates pra você na Páscoa.
Baz se pôs de pé, chamando as crianças para a parte pela qual ele seria
responsável. Mesmo que estivesse muito longe de ser a mesma coisa,
haviam conseguido um kart para que ele mostrasse, um pouco mais na
prática, um motor e o funcionamento de um veículo feito para ser mais
rápido.
Alex adorava assistir àquela parte como se já não soubesse de forma
muito mais aprofundada todas aquelas informações e bem mais, mesmo
enquanto gravava e tirava fotos para compartilhar tudo nas redes sociais
tanto pessoais quanto também do Instituto Campos, já que era um projeto
dele. Basile respondia todas as perguntas e questionamentos pacientemente,
até mesmo aquelas que pareciam ser as mais simples. Seu português ainda
era carregado do sotaque francês que Alexandre gostava tanto, mas não era
nem um pouco difícil de entender. Na verdade, suspeitava que as crianças
poderiam estar muito mais interessadas em prestar atenção no carro menor
ou até mesmo na figura de Baz do que nas palavras didáticas dele. Alex não
as julgava.
— Vamos dar dez minutos para vocês beberem uma água e lancharem
antes de voltar — instruiu, não segurando uma risada quando um coro infeliz
saiu das crianças. As assistentes sociais que acompanhavam a pequena
excursão indicaram o caminho para banheiros, bebedouros e a mesinha cheia
de comida que haviam separado para o final do dia. — Vamos, vocês sabem
que eu sou legal e ainda tenho mais surpresas pra quando vocês estiverem no
ônibus.
— Não precisa, mon coeur — ele negou, acariciando o seu rosto com a
ponta dos dedos. — Ei, acha que consegue colocar Pietro em uma daquelas
oficinas de engenharia para crianças do Instituto? Ele realmente gosta disso.
Alex olhou para o lado, apenas para ver que Pietro era o único que
ainda parecia distraído com o kart, inclinando-se no chão para conseguir
analisar o veículo como se quisesse descobrir sozinho como aquilo havia
sido projetado e montado. Tinha certeza de que, se colocasse as ferramentas
certas nas mãos do garoto, ele ainda encontraria um jeito de desmontar tudo
para tentar refazer sozinho.
— Vou aceitar como um elogio — ele sorriu. — Nós ainda vamos pro
aniversário do Samu, né?
Isso era incrível. Havia sido um processo até mesmo para Alexandre se
acostumar com a atenção que tornar o seu relacionamento público havia
gerado, mas muito melhor do que esperava. Como não seria, quando tinha
alguém como Basile ao seu lado? Nada que tardes inteiras na cama ou de
bobeira na oficina não o fizessem esquecer sobre o resto do mundo. Depois
de um tempo, Dom havia até começado a aceitar que Baz estava mesmo com
um piloto da Scuderia Astoria.
— Nem me fale, eu mal processei que ele estava andando pela casa e
ele já sabe o alfabeto inteiro. — Daniel deu de ombros, suspirando quando
Samu começou a cantarolar o alfabeto. — Não aguento mais noventa por
cento das músicas infantis que existem.
— Daqui a pouco vai chegar a fase dos rolês entre amigos, e você vai
aguentar muito menos — Bruno disse, chamando a atenção de Camilla. A
garota desviou a atenção do celular para franzir o cenho na direção do pai.
— E não importa o quanto ele insista, nunca deixe uma festa do pijama
acontecer na sua casa. Nunca.
— Anotado.
— Você me conhece bem o suficiente pra saber que eu sou melhor que
isso quando quero te provocar — respondeu, na mesma língua. O rosto de
Baz se iluminou em um sorriso curto.
— Parem de conversar assim perto de mim, eu entendo tudo — Camilla
resmungou, franzindo o cenho.
— Vocês ainda vão ficar muito tempo por aqui? — Mariana perguntou,
já no final da festa, enquanto Samu distribuía os saquinhos de lembrança
para as outras crianças presentes na festa.
— Por quê?
Alex pareceu ter deixado o menino sem argumentos, porque ele olhou
na direção da mãe, como se pedisse ajuda pra se livrar dele.
— Você pode dar brigadeiro pra ele. — Mariana piscou para o filho,
que pareceu achar aquilo ótimo. Samu se afastou para buscar os brigadeiros.
— Até parece que nós perderíamos, né? — Baz pegou o garoto no colo
quando ele retornou com um pratinho cheio de doces para Alexandre. — E
eu quero receber vídeos de quando você usar o carrinho, pode ser?
— Deus, Alex. Fale como alguém normal — Baz riu. — Você vai
terminar comigo?
— Cala a boca. Enfim, por toda a minha vida, eu desejei alguém que
fizesse com que eu me sentisse em casa mesmo quando minha rotina não me
permitisse estar em casa, que fizesse com que eu me sentisse mais como um
humano e não como algo que deveria ser sempre perfeito. Ou que me fizesse
perceber que eu não precisaria parecer perfeito o tempo inteiro mesmo que
para o resto do mundo, porque quem realmente importa não vai cobrar nada
de mim. — Talvez estivesse vomitando palavras demais que não vinham ao
caso em um momento tão aleatório ou que não fizessem tanto sentido quanto
pareciam fazer na sua cabeça, mas Alexandre perderia sua linha de
raciocínio se pensasse demais em fazer sentido. — E alguém com quem eu
me sentisse corajoso o suficiente para sentir medo e ser vulnerável. E boa
parte disso eu encontrei na minha família, mas…
Quando parou, Basile deslizou a ponta dos dedos pelo seu queixo,
praticamente o obrigando a olhar diretamente para ele.
Alexandre poderia jurar que a sua boca secou. Por que estava tão
nervoso? Aquele relacionamento não havia começado na semana ou mês
anterior. Cinco anos não eram pouca coisa. Sete desde o momento em que o
conheceu, muito menos.
— Mas você é tudo isso e um pouco mais, talvez porque fique comigo
o tempo inteiro e tenha me visto de formas que ninguém mais viu. E eu não
digo isso de uma forma sexual, mesmo que seja verdade também. — Alex
umedeceu os lábios, respirando fundo. — E mesmo que você não esteja
comigo, você ainda tá comigo. Dá pra entender?
— Eu sei, mas eu nunca pensei que poderia ser. Que eu pudesse não
ser… um tipo de peso ou obstáculo. Seja pela minha rotina, ou pela fama, ou
por ser eu. Essas coisas, você sabe. — Quando Basile assentiu mais uma
vez, Alex suspirou. — E, se acontecesse, não duraria tanto tempo. Nem um
ano, quem diria cinco e mais. Enfim, o que eu quero dizer é que eu sou
muito feliz com você. E talvez eu não diga isso o suficiente, mas gosto de
ver meu futuro bem e com você.
— Diz, sim. Alex, você diz de formas ridículas, todos os dias. Até
quando se oferece pra buscar algo pra mim, mesmo que esteja a menos de
cinco metros de distância. É a sua mania mais idiota, mas eu sei o que
significa — Baz sorriu quando revirou os olhos, puxando-o com a mão no
queixo para um beijo leve. — Não pense que precisa dizer esse tipo de coisa
sempre, porque você já demonstra muito bem. Eu também não sou de falar
muito, isso te faz questionar algo?
— Bom saber — ele disse, tocando o seu queixo outra vez. — Você
está falando tudo isso por causa de Vegas, não é?
Alexandre não queria pisar em Las Vegas nunca mais, pelo resto de sua
vida. Um lugar onde você podia acordar casado sem se lembrar de
absolutamente nada não podia ser um bom lugar, então estaria feliz
mantendo distância.
Mesmo que Baz não parecesse ligar muito para o casamento – por que
algo que fizeram durante uma noite de bebedeira importaria tanto? –, Alex
ligava. E muito. Era como funcionava. Se fosse se casar com Basile, o faria
direito. Não significava uma cerimônia gigante e com muitos convidados,
mas o mínimo seria estar sóbrio e não acompanhado por um cosplay tosco
do Elvis Presley.
— Eu não penso que você anulou o casamento porque não quer estar
comigo, se é isso que anda te incomodando.
— Claro — Baz debochou. — Mas é bom que você saiba que eu sei
bem de seus sentimentos por mim, eu sei antes mesmo de você admiti-los
sobre eles para si próprio.
— O quê?
Piscou, surpreso.
— Você quer?
— Não gosto de areia. E aquela casa que sua família tem em Viena?
— Sabe como é, não é todo dia que se casa com um cara como eu. No
seu caso, é uma sorte grande pela segunda vez. — Baz o olhou, mas não
como se estivesse apenas olhando. Era um dos momentos em que Basile
parecia admirá-lo, mas não por todas as coisas grandes pelas quais era
conhecido como Alexandre Duarte, suas vitórias como piloto ou projetos
fora das pistas. Depois de tanto tempo tentando ser gigante, Alex gostava de
se sentir apenas ele mesmo sob o olhar de Baz. O francês provavelmente
percebeu o rubor que cruzou o seu rosto, porque sorriu ao beijar a sua boca
mais uma vez. — Tire a roupa e vá para o quarto, mon loup. Nós vamos
comemorar o nosso segundo noivado. Você não vai morrer sozinho.
AGRADECIMENTOS
Para Camilla, Luc, Vic e Rafa, meus maiores presentes desse mesmo
Jão. Camilla, que eu já conhecia muito antes, mas que me trouxe para esse
mundo. Vocês se tornaram minha família em pouquíssimo tempo e eu sou
infinitamente grata por isso. O PodLobers está apenas em seu início.
Para todas as outras pessoas que entraram na minha vida por conta
desse mesmo tal de Jão. Cara, são muitas pessoas. Vocês sabem quem são
vocês pois já xinguei todes pelo menos uma vez por aí. Beijos.
Para Geórgia. Você sabe o quanto foi essencial e especial não apenas
para esse livro, mas principalmente para mim – porque se não fosse
primeiramente para mim, esse livro não seria o que ele é hoje. Obrigada por
todo o apoio dado de todas as formas possíveis, mas em especial deixo aqui
registrado para quem ler que agradeço pela leitura crítica e sinopse para esse
livro. E por ser o meu Baz – literalmente, você é ele. Penso em você o tempo
todo, mon chéri.
Para Anna, que também sempre deu esse apoio que eu costumo precisar
o tempo inteiro. Te vejo em novembro quando o Lewis ganhar em
Interlagos! ☺
Para Arquelana e Bianca (ou bibilendo, pra mim esse ainda é o seu
nome). Sou incapaz de colocar em palavras como vocês me ajudaram
durante todo o meu crescimento como pessoa e autora. Todo mundo deveria
ter uma Arquelana e uma Bibi na vida, deixo dito.
Para quem está aqui, lendo esse livro pela primeira vez – ou segunda,
terceira... Obrigada por me acompanharem também nessa jornada que foi dar
vida para Basile e Alexandre, assim como todas as minhas histórias que já
existem e ainda vem por aí. O apoio de vocês foi e ainda é indispensável
para mim. Obrigada, obrigada e obrigada.
Obrigada.
REDES SOCIAIS
O QUE VEM AÍ?