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SINESTESIA

Copyright © Cora Menestrelli

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, datas e


acontecimentos reais é mera coincidência. Esta obra foi escrita e revisada de
acordo com o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. São
proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra,
através de quaisquer meios – tangíveis ou intangíveis – sem o consentimento
escrito da autora. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela
Lei nº 9.610 de fevereiro de 1998 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Revisão: Ana Maria Mendes


Diagramação: Cora Menestrelli
Leitura crítica: Georgia Hartmann
NOTAS DA AUTORA

Olá! Se você não me conhece e esse é o seu primeiro contato com a


minha escrita: prazer, meu nome é Cora.
Se você já me conhece, eu ainda sou a Cora.
Sinestesia é o meu mais recente lançamento – ou, pelo menos, é nesse
agosto de 2022 –, e eu mal podia esperar para colocá-lo no mundo.
Acho importante deixar muito claro que, assim como mais recente e
querido, Sinestesia também é o livro onde eu mais trabalhei alguns
sentimentos e situações difíceis e delicadas. Além de homofobia e menção
ao racismo existente no meio do automobilismo e no nosso dia a dia, há
também assuntos como abandono e abuso parental, agressão física,
morte, pensamentos autodestrutivos e/ou depressivos.
Também há linguagem e conteúdo sexual explícitos. Tudo isso torna
esse livro indicado para pessoas maiores de 18 anos.
Dito isso, prosseguir com a leitura é de sua consciência. Espero que
aproveite e goste, e não hesite em comentar a leitura comigo, por mensagens
ou me marcando em postagens! Eu vou adorar ver.
SOBRE O CORAVERSO

O Coraverso é o universo compartilhado entre os livros escritos por mim,


Cora Menestrelli. Isso significa que seus personagens podem interagir entre
seus livros.
Sinestesia conta com outros personagens presentes em Metanoia e O
que você não vê, mas a leitura prévia destes não é obrigatória para o
entendimento dessa obra – apesar de recomendada.
PLAYLIST

Sinestesia conta com uma playlist criada para deixar a experiência de


leitura ainda melhor. Você pode encontrá-la acessando o código abaixo:

Ou pelo link:
https://open.spotify.com/playlist/2ekcpYqpHNCgMteMOyPmoS?
si=3aef8c4036814ca5
Para aquele que me juntou a minha melhor matilha, me levou aos amores
mais genuínos – em outras pessoas e em mim.
Esse livro não existiria sem você. Ou só existiria em uma versão bem
menos legal – e sofrida.
João Vitor.
PRÓLOGO (flashback)

Você poderia ter sido muito melhor.

Era a única coisa que se passava pela cabeça de Alexandre Duarte


quando ele saiu do carro. Era capaz de ser o melhor em um treino, e sabia
disso. Era ridículo como aquela semana parecia estar indo contra ele. Talvez
fosse a pista, o clima ou o que parecia não ter ido embora de um pequeno
resfriado da semana anterior.

Ou, talvez, fosse mesmo sua culpa. Talvez não fosse tão bom assim e
não merecesse estar ali.

Ridículo, Alexandre.

O rapaz forçou um sorriso simpático na direção do mecânico, que deu


alguns tapinhas no seu ombro ao passar por ele. Por alguns minutos, poderia
fingir que estava minimamente satisfeito com aquela manhã.

Não demorou para que ele percebesse que o clima não era o mesmo de
sempre. Ao seu redor, a maioria dos mecânicos olhava na sua direção sem
dizer uma palavra sequer. Quando perceberam o seu olhar, fingiram estar
ocupados demais com outra coisa.

Bom, merda. Talvez estivesse ainda pior do que o imaginado.

— Cara, já te falaram de quem tá por aí? — Alessandro, seu colega de


equipe, o acompanhou entre os corredores da área da equipe. O italiano
parecia tão empolgado que Alex quase considerou que poderia ser alguém
como a Beyoncé ou Doja Cat, talvez.

— Não tô sabendo — negou, livrando-se da parte superior de seu


uniforme. Se Alessandro notou a sua completa indiferença, não demonstrou.

Não era pessoal, Alex adorava seu colega de equipe. Eram bons
colegas, porque chamar de amigo ainda seria demais, apesar da rivalidade
natural. Mais uma vez, era apenas o seu dia ruim. Sua semana ruim, na
verdade.

Precisava de um banho. Gelado.

— O Nikolaev, cara! — Alessandro exclamou, e uma parte de Alex


pareceu acordar com aquela informação.

Não era a Beyoncé ou a Doja Cat, mas era Ivan Nikolaev. Não era todos
os dias que recebiam um pentacampeão e diretor-executivo da equipe que
mais chamava a atenção pelas últimas três temporadas. Alex diria quatro,
pessoalmente. Astoria já se mostrava promissora desde antes da entrada do
russo, apenas com Bruno Campos como piloto. Com ambos como uma
equipe, então, Scuderia Astoria já estava automaticamente na história.

Alex não precisava nem citar a parte da vida pessoal dele. Precisava?

De qualquer forma, ainda era Ivan Nikolaev que estava em algum lugar
próximo a eles. Alexandre crispou os lábios. Astoria não tinha grandes
ligações com qualquer equipe de Fórmula 2, então era difícil imaginar o que
a principal figura deles poderia estar fazendo ali.

— Disseram que ele passou pelo pessoal da Alpha, então… sei lá,
talvez queira conversar com o Beck. Aposto que tem gente pra caralho de
olho nele — Alessandro continuou, parando ao seu lado quando chegaram
na porta de sua sala. — Eu mataria pra ter a chance de chegar perto dele.
Uns cinco metros tava bom, nem preciso de um abraço.

— Se brincar, ele até já foi embora. — Alex balançou a cabeça,


passando os dedos entre os fios loiros e suados antes de abrir a porta. —
Pessoas como ele não param pra fotos. Se você fosse o Beck, talvez
conseguisse.

Ele parou, porque havia alguém na sua sala.

Não qualquer pessoa, mas Ivan Nikolaev. O ex-piloto russo parecia


confortável no sofá, folheando uma revista enquanto esperava por alguém.

Enquanto esperava por Alexandre, claramente. Era a porra do seu


espaço.

Pelo menos, Alessandro não precisaria matar ninguém para chegar


perto dele.

Alex piscou, paralisado. O rapaz genuinamente não conseguia se


lembrar de uma fase em sua vida em que não soubesse quem Ivan era. Então,
lá estava ele. De perto. No seu território. Olhando na sua direção como se
esperasse por qualquer reação.

Alex adoraria reagir, mas estava ocupado demais fitando-o para isso.

— Quem de vocês é Alexandre Duarte? — O homem se pôs de pé. Ele


sabia qual deles era Alexandre, a julgar pela forma como seu olhar
continuava preso ao loiro. Era como um convite, uma nova chance para Alex
apresentar qualquer sinal de vida. Reaja, Alexandre.

Muito se falava sobre a postura intimidadora de Ivan Nikolaev. Alex


achava que era uma besteira, um exagero. Alguém como Ivan podia
intimidar qualquer pessoa, mas talvez houvesse uma glorificação a mais.

Não, não havia. Ivan era quase dois metros de energia de alguém que
parecia capaz de te esmagar com duas palavras, sem qualquer força física.
Talvez, apenas uma única palavra.
Um soco de Alessandro em sua costela o fez acordar. Porra, que dor.

— Oi — guinchou, sentindo a voz falhar como se ainda estivesse na


puberdade. Patético. — Sou eu.

— Perfeito. — Ivan inclinou suavemente a cabeça, ocupando-se em


uma análise. Alexandre estava suado e acabado, o pior visual possível para
encontrar alguém como Ivan Nikolaev. — Quantos anos você tem,
Alexandre?

Quantos anos eu tenho mesmo?

— Vinte e um.

— Ótimo. — Ótimo para quê? — Eu procurei sobre você e achei


interessante. Ângelo trabalhou comigo por muitos anos, e eu nunca soube
sobre filhos.

É claro que esse assunto viria em algum momento.

— Eu sou adotado — explicou, simplista. Quando percebeu que


poderia ter soado quase ácido demais para uma conversa com aquele cara,
continuou: — O que vocês devem chamar de adoção tardia. Conheci Nicole
com quinze anos.

— Faz sentido, não o vejo há alguns anos. — Uma parte de Alexandre


relaxou com o indicativo de que Ivan não estava ali para vê-lo por uma
possível insistência de sua mãe. Era a cara de Nicole fazer propaganda sua,
mas Alex odiaria se isso também se aplicasse entre oportunidades de
trabalho. Ela respeitava tal decisão, mas isso jamais a impediu de falar pelos
cotovelos sobre o filho. — Acha que lidaria bem com um carro de Fórmula
1, Alexandre?

Alex quase se engasgou com a própria saliva.

Correr na Fórmula 1?!

— Eu… eu acho que sim — gaguejou. Ivan ergueu uma sobrancelha na


sua direção. — Digo, sim. É, eu lidaria.
Lidaria?

— Bom saber. — Ivan ergueu o pulso, olhando o relógio caro que


usava. A careta que apareceu por alguns segundos mostrou que ele não
estava ali apenas para fazer hora. — Você é bom. Pude comprovar isso
vendo-o hoje.

— Obrigado? — Não deveria sair como uma pergunta, mas foi quase
inevitável. Alex estava confuso. Por que Ivan estava ali? O que Ivan queria
com ele?

O esboço de um sorriso cresceu no rosto do homem. Perto dele, Alex


quase se sentia uma criança novamente. Catorze anos, assustado e
desconfiado. Não era todo dia que a sorte estava ao seu lado. Podia contar
nos dedos as vezes em que a vida pareceu lhe dar uma folga de verdade.

— Entrarei em contato. — O russo estendeu a mão para um aperto que


Alexandre aceitou tremulamente e de forma automática demais. — Até
breve.

Alex o observou se afastar em silêncio, ainda parado na porta de sua


sala. Alessandro não estava muito diferente, talvez até pior.

Entrarei em contato. Até breve.


 
PARTE UM — MORRER SOZINHO

“E juro que eu não queria ser assim


Só gostar de quem não gosta de mim.”
UM

O maior medo de Alexandre Duarte era morrer sozinho.

Ele abriu um sorriso na direção das câmeras. Umedecendo os lábios


com a ponta da língua, ele assumiu uma expressão mais séria. Neutra. As
pessoas sempre gostaram dessa expressão.

Não tanto quanto gostavam do sorriso, talvez.

Estava rodeado de pessoas. Pessoas, pessoas e mais pessoas. Pessoas


que o queriam de todas as formas possíveis. Para uma entrevista, uma foto, a
presença em um evento que só aconteceria na semana e até no ano seguinte.
Em suas camas, em suas casas. Fora do esporte que tanto amavam. Todos o
queriam de algum modo.

Com a ponta dos dedos de uma mão, ele ajeitou uma mecha do cabelo
recém-pintado de castanho que havia caído sobre o seu rosto para trás.

Quando se aproximou de onde os jornalistas e fotógrafos estavam, a


bagunça aumentou. Afinal, Alexandre não era lá alguém que oferecia muitas
entrevistas quando não estava uniformizado pela Astoria ou ao lado da
equipe dentro de um autódromo, então a oportunidade era algo perto do
único. Os flashes tornaram-se mais intensos. Aquilo não era algo com o qual
estava acostumado. Algum dia estaria?

Quando atravessasse aquele tapete vermelho, aquilo acabaria.

— Alex, quais são as expectativas para a temporada? — um deles


perguntou.

Sempre as mesmas perguntas...

— Bom, vencer. — O projeto de piada com seu tom óbvio arrancou


algumas risadas dos repórteres ao redor. — Mas também crescer como
equipe e como piloto, o que vem se mostrando um objetivo realizado nos
últimos tempos. É o meu segundo ano na Astoria, mas ainda há muito a
aprender. Acho que sempre haverá.

— Você se tornou uma figura de atenção fora das pistas, na Internet e


vem atraindo inúmeros novos fãs para o esporte. Como é carregar o título de
“Garoto de Ouro”?

O estômago de Alexandre se revirou. Aquele maldito título.


Aparentemente, enquanto não fosse o Campeão Mundial de uma temporada,
teria de lidar com aquele.

O sorrisinho que aquelas pessoas tanto gostavam não trazia apenas


coisas boas, no fim. A opinião geral de que era um cristal lapidado e
extremamente intocável era algo com o qual precisava lidar. Uma imagem a
manter.

Uma grande imagem a manter.

— Eu não poderia reagir a isso de uma forma negativa. — Hipócrita.


— Gosto das redes sociais por me permitirem maior contato com fãs, mas
nunca pensei que tantas pessoas achariam a minha rotina entediante tão legal
assim.

Mais risadinhas, e Alex endireitou a postura já perfeita. Estava prestes a


soltar algo como por favor, me deixem vazar daqui.
— Vejo como uma oportunidade de usar a voz que tenho para falar de
temas que são importantes para mim — hipócrita, hipócrita, hipócrita. —
Sobre a nossa realidade e a realidade do esporte que eu amo desde que nasci.
Não sei se é algo que faltava antes, mas definitivamente é algo que eu gosto
de fazer. Minha equipe é feliz em fazer o mesmo, é como estar em casa
mesmo quando estou longe dela.

— O que você tem a comentar sobre a declaração da Ritz-Carlton


sobre...

— Com licença, acho que vocês estão com algo que me pertence. — A
voz suave e calma de Jolene soou atrás do piloto, e Alex poderia facilmente
beijá-la ali mesmo por interromper aquela tortura. — E eu odeio ser egoísta,
mas pensei que a noite fosse sobre o meu filme.

Jolene deslizou a mão de unhas longas pelo seu ombro, inclinando-se


sobre os saltos para alcançar a sua bochecha em um beijo antes de usar a
mão livre para ajustar a sua gravata.

— Boa noite, amor — o rapaz disse, baixo, ignorando o fotógrafo que


pediu por um beijo. Hoje não, cara. Jolene revirou os olhos antes de voltar o
rosto na direção das câmeras, posando para novas fotos ao seu lado.

— Você está excepcionalmente bonito hoje — ela murmurou, o sotaque


inglês destacando-se. Jolene, ao contrário de Alex, parecia absurdamente
segura diante das câmeras. Ela sabia como agir, como sorrir e o que dizer.
Talvez por isso fosse uma atriz tão boa. — Um verdadeiro sex appeal. Era a
intenção?

— Só pra você, talvez seja.

— Não consegue ficar dois segundos sem flertar, Alexandre? — Jolene


jogou os cabelos em tranças sobre o ombro, sorrindo ainda mais para as
câmeras. O batom vermelho e o delineado branco e marcante realçavam a
sua pele negra, se é que ela poderia ser mais linda ainda. Em uma troca de
olhares rápida que, definitivamente, estaria em fotos estampadas em todas as
redes sociais em poucos minutos, ela deu um tapinha no seu peito. — Se eu
já não soubesse que definitivamente não damos certo assim, talvez caísse no
seu papinho.

— Besteira. Nós damos muito certo.

— Depende — ela rebateu, e não era como se Alexandre pudesse


discordar. Além de todo o passado que tiveram quando realmente achavam
que poderiam ser algo mais, acima de tudo, Jolene era sua melhor amiga. —
Não de outra forma. Para a minha tristeza, só querem que eu me envolva
com alguém se for para ser um compromisso sério. E você apareceria com
outra pessoa em menos de uma semana se entrasse nessa publicamente.

— Me ofende achar que eu realmente só saio por aí arrumando fodas


casuais — dramatizou, acenando para uma câmera que chamou a sua
atenção. Com um leve cutucão nas costas nuas da atriz ao seu lado, esperou
que ela entendesse que queria dar o fora dali. — Eu também tenho um
coração.

— Definitivamente tem. — Jolene segurou a sua mão, guiando-o para a


entrada do evento. O lugar decorado com flores e luzes coloridas, seguindo a
estética do filme protagonizado pela atriz, parecia incrível. Havia uma torre
de taças de champanhe junto ao buffet para os convidados, que variavam do
pessoal da equipe de filmagens, produção e direção e seus familiares até
nomes reconhecidos na indústria audiovisual.

Sinceramente, Alexandre não saberia dizer o nome de cinco pessoas


além de Jolene. Mas depois de escutá-la falando sobre o quanto aquele dia
seria importante por conta de cada uma daquelas pessoas, não era fácil
esquecer.

Engraçado. Enquanto Alex não se sentia confortável diante de câmeras


e mais câmeras, Jolene parecia sentir-se em casa diante delas, e intimidada
diante de pessoas que simplesmente a olhariam nos olhos.

— O pôster oficial é lindo — comentou, entrelaçando os dedos nos de


Jolene. A atriz estava em destaque, rodeada por rosas vermelhas, os olhos
avermelhados como se tivesse acabado de chorar. Até onde sabia do pouco
que Jolene havia lhe contado e pedido para não pesquisar, porque queria
manter a surpresa, sabia que era um filme de suspense, apesar da aparência
quase romântica do pôster. — Onde eu vou ficar?

— Na primeira fileira, do meu lado. — Jolene mordeu o lábio inferior,


parando apenas para ajustar o vestido vermelho ao corpo e arrumar o cabelo,
jogando as tranças impecáveis sobre o ombro mais uma vez. — Eu tô bem?

— Jo, você é a mulher mais bonita que eu já vi na minha vida — disse,


apertando suavemente a ponta do nariz da mulher. — Ok, talvez só perca pra
minha mãe.

— Não me surpreendo. Afinal, é a Nicole — Jolene sorriu, sincera,


abraçando rapidamente o seu pescoço. — Obrigada por vir, Alex. Eu sei que
você não deveria.

— Ivan vai superar um atraso.

Não tinha tanta certeza disso, mas definitivamente era capaz de superar
uma bronca de Ivan. Não seria a primeira vez que o chefe de equipe pegaria
no seu pé — na verdade, isso era diário. E não um problema, porque aquele
era o trabalho do russo.

— Você vai sair daqui direto pra um voo e um dia inteiro de treinos.
Deve ser a maior irresponsabilidade que você inventa, querido.

Provavelmente.

— Bom, tenho minhas prioridades — devolveu, dando de ombros. —


Relaxa, Jo. Eu já tô aqui.

Jolene o puxou para onde o filme seria transmitido pela primeira vez,
não soltando a sua mão por um segundo sequer.

Alexandre já a conhecia há um bom tempo. Desde uma festa de um


amigo incomum, quando uma Jolene consideravelmente bêbada o fez cair na
piscina com ela. Um encontro aqui, alguns passeios ali e um beijo
inesperadamente registrado por alguém em uma festa, e o encontro casual
entre a atriz e o piloto de Fórmula 1 tornou-se público, considerado
oficialmente mais do que uma amizade — já que antes não passava de um
boato. Era a primeira e, até então, a única vez que Alexandre Duarte era
visto e registrado com alguém. Para o mundo, isso claramente significava
que tinham algum tipo de compromisso sério.

Na realidade, só gostavam de passar um tempo um com o outro. Com


roupas ou sem. Era a amizade perfeita, na sua opinião.

Até Jolene começar a namorar um de seus colegas de elenco de uma


série que havia gravado no ano anterior — e o relacionamento só durou
pouco mais de cinco meses, Alex pessoalmente odiava o cara tanto quanto a
própria Jolene, porque ele era um bosta ciumento.

E essa era a parte engraçada. Os boatos não acabaram. Perceberam que


mesmo que passassem meses sem se ver antes de um mísero encontro para
tomar um café, os veículos de fofoca ainda insistiriam nas mesmas teorias da
conspiração que envolviam traições, amores não superados e tentativas de
reatar um namoro que nunca havia sequer sido considerado uma
possibilidade um dia. Então chegaram à conclusão de que não valia a pena
um distanciamento apenas para calar a boca de pessoas que não os
conheciam.

Ou que conheciam, mas preferiam acreditar em fofocas sem


embasamento. Como o ex-namorado de Jolene, por exemplo.

Perceberam que era mais engraçado alimentar os boatos, porque era


incrível ver as pessoas comemorando um simples tocar de mãos
despretensioso.

Alexandre não ligava para boatos que jamais seriam comprovados —


embora a sua equipe de assessoria midiática enlouquecesse todos os dias,
quase o levando junto — e Jolene era gananciosa o suficiente para gostar
desse drama sobre o seu nome, com direito a triângulos amorosos e
infidelidades. Mais uma vez, a amizade perfeita prevaleceria. Davam-se
absurdamente bem juntos, da forma como quisessem vê-los pelo mundo.
Com qualquer outra pessoa, como alguém que não quisesse exposição e
invenção de boatos, Alexandre se preocuparia mais. Muito mais.
Nicole, sua mãe, ainda insistia em dizer que se casariam um dia. Era o
tipo de coisa que esperava ouvir sobre uma amizade no colegial, não na vida
adulta.

Mas, bem, Nicole não estava com ele na época do colegial. Seu colegial
sequer havia existido de verdade, mas de uma forma muito incomum.

Ao fim do filme, Alexandre observou sua melhor amiga levantar-se sob


o som esmagador e alto de palmas de quem havia amado não apenas o filme,
mas sua protagonista e a atuação da atriz. Jolene era fenomenal, então não
era uma surpresa.

— Eu realmente preciso ir agora — disse, aproximando-se dela quando


Jolene finalmente se livrou de boa parte das pessoas que a cercaram depois
dos agradecimentos finais. A atriz segurava um buquê gigante de rosas
vermelhas e tinha um sorriso largo no rosto. — Você é a melhor atriz que eu
conheço, Jo. Que filme incrível.

— Eu sou a única atriz que você conhece, engraçadinho.

— Na verdade, não. Mas eu também assisto a muitos filmes, então


tenho bagagem.

— Quem é a outra atriz? — ela perguntou, desconfiada.

— Papo pra outro dia, amor. Eu tenho um voo pra França em cinquenta
minutos e já estou atrasado. — Alexandre se aproximou, beijando
suavemente a testa da amiga. — Eu amaria ficar mais, sinto muito.

— Se você vencer a corrida e dedicar a vitória pra mim, talvez eu te


perdoe — Jolene disse, inclinando um pouco a cabeça. — Até algum dia,
querido.

A sorte de Alexandre, no fim, era que o evento era perto do aeroporto


para onde precisava ir.

Ele entrou no banheiro minúsculo da área de funcionários, tirando o


terno escuro com dificuldade, batendo a cabeça e as costas algumas vezes no
processo. Alex vestiu um conjunto de moletom confortável, o mesmo que
costumava usar para viagens longas e provavelmente era a única combinação
que não o fazia querer pular do avião com meia hora de voo.

Era como ser o Homem-Aranha livrando-se do traje após uma noite


inteira salvando a cidade. Alex soltou uma risada nasal com a comparação.

Ao sair do cubículo, deslizou os dedos pelos fios bagunçados e já soltos


do fixador que haviam colocado para mantê-los no lugar. Havia dado a si
mesmo o direito — o luxo — de estar ali naquela noite, mas ainda precisava
chegar até a França antes que os treinos iniciassem.

E que comece mais um final de semana.


 
DOIS

No aeroporto, enquanto esperava pelo momento do embarque, Alexandre


discou o número de Nicole. Com o espaço quase deserto durante a
madrugada, a sensação de que precisava procurar por um lugar
completamente privado desapareceu.

— Bom dia, Xander! — Era quase possível ver o sorriso caloroso da


mulher, mesmo por uma ligação de voz.

— Boa noite, Nicole — Alex disse, entre uma risada levemente nasal.
Ele olhou para o relógio no pulso, erguendo uma sobrancelha. — Posso
saber onde você se meteu dessa vez?

— México! Seu pai me trouxe para um hotel, já que é o nosso


aniversário de casamento e…

— Seu aniversário de casamento não foi mês passado?

— Esse foi o aniversário de noivado, Xander — Nicole o corrigiu


como se aquele erro fosse ridículo. Talvez fosse, mas, bem, não era do seu
casamento que estavam falando. Tinha o direito de descartar essas datas da
mente. — Enfim, onde você está?

— Aeroporto. Vou pra França em vinte minutos.

— Você ainda não tá com a equipe?

— Não… — disse cautelosamente, umedecendo os lábios. — O filme


da Jo estreou, e eu não queria perder.

— E Ivan sobreviveu a isso?

— Acho que sim. — Deu de ombros.

— Você avisou com antecedência?

— Meia hora antes de pegar o avião pra cá, sim.

— Alexandre, isso não é antecedência!

— Bom, ele poderia me impedir antes disso, e eu não queria ser


impedido. Que pena.

Do outro lado, Nicole soltou uma respiração pesada.

— Relaxa, Nicole. Vou chegar a tempo — completou, por fim. — Não


é como se eu fizesse isso sempre, de qualquer forma. Você sabe que eu
sempre respeitei meus horários.

— Eu sei. O que me preocupa mais é que você vai sem uma noite de
sono apropriada.

— Ah, para. Eu adoro o barulho de um avião pra dormir — mentiu, só


porque não queria que Nicole se preocupasse demais. — Como tá sendo o
aniversário de casamento, hein?

— Não mude de assunto, Xander — Nicole resmungou, mais


docemente do que uma bronca deveria realmente soar. — Mas está incrível,
é claro.
— Aproveitem bastante, por favor. Eu daria tudo por uma semana de
férias — disse, colocando a mochila sobre os ombros quando o primeiro
sinal de que o embarque para o seu voo estava liberado. — Deu a minha
hora, Nicole. Só liguei para dizer um oi e dar notícias.

— Boa viagem, Xander. — Alexandre faria qualquer coisa para uma


semana com os pais, na verdade. — Mande uma mensagem quando pousar.

— Pode deixar — concordou, entregando a passagem e os documentos


para o atendente do portão de embarque.

Alexandre guardou o celular no bolso, acomodando-se no assento


confortável do avião. Ajustando os fones de ouvido para que não caíssem e
procurando por uma playlist que não o deixasse muito agitado, ele fechou os
olhos.

Uma parte de Alexandre quase torcia para que seu destino final fosse a
Austrália — onde vivia com os pais desde a adoção, o lugar que já conseguia
chamar de casa há algum tempo.

Quando o avião pousou, porém e obviamente, ele não estava em casa.

Na verdade, estava na França. O clima frio fez Alexandre se encolher


um pouco sob seu conjunto de moletom, se arrependendo de não ter
separado uma roupa mais quente na mochila para a estreia de Jolene. Suas
malas estavam no hotel ou o esperando autódromo, com Bruno e Ivan. Até
lá, teria que aguentar um pouco.

Ele mandou uma mensagem primeiro para Nicole, depois para Ivan,
avisou que estava a caminho de Paul Ricard para os treinos.

Ivan: Precisa de algo? Já estamos te esperando.

Alex: suponho que eu vá direto pro carro, então aceito um café e um


muffin de mirtilo
Ivan: Fresco. Se vira.

Alexandre riu, balançando a cabeça enquanto chamava por um


motorista de aplicativo. Tirou fotos com irmãos — um garoto e uma garota
— que o abordaram pedindo autógrafos.

Ao chegar no circuito de Paul Ricard e entrar na área de sua equipe,


Alexandre se permitiu relaxar um pouco. Mesmo entre os colegas de
trabalho, era como estar em uma zona segura. Longe de casa, mas seguro.

— Alexandre, você conhece os benefícios de uma boa noite de sono


antes de correr? — Bruno Campos passou por ele, erguendo uma
sobrancelha. O piloto mais velho, alguns bons anos mais experiente, bebeu
um longo gole de sua garrafinha de água antes de continuar: — Não sei se
você sabe, mas, até onde eu sei, é essencial. E envolve não pegar horas de
voo antes de entrar em um carro que ultrapassa os duzentos quilômetros por
hora.

— Dormi como um bebê no avião, você não precisa se preocupar. —


Alexandre forçou um sorriso simpático, mas claramente debochado quando
Bruno revirou os olhos.

— Não é com você que eu me preocupo, é com seu carro. E com o meu
marido, porque ele não pode se estressar. O coração velho dele não aguenta.

— Sinceramente, a única pessoa colocando a saúde do meu coração em


risco é você — Ivan disse ao marido, saindo calmamente de uma das salas.
Ele parecia distraído com o celular em mãos, e arrumous os fios claros e
loiros de cabelo antes de olhar na direção de Duarte. — Mas você realmente
se superou dessa vez, Alexandre. Suas coisas estão comigo, o uniforme
também.

— Quero você no carro em quinze minutos. Se vira. — Bruno deu as


costas, já se afastando do marido e do colega de equipe.
— Você virou o chefe da Astoria e eu não fiquei sabendo? — o mais
novo provocou, erguendo uma sobrancelha quando Bruno soltou uma risada,
levantando o dedo do meio para ele conforme desaparecia pelo corredor.

— Não dê muita importância, ele tá chateado — Ivan suspirou,


deslizando os dedos esguios pelo cabelo mais uma vez. Mas deixando-os
mais bagunçados do que ele costumava deixar. — Não foi uma semana legal.

— Algo que eu deva saber? — Alexandre olhou por um momento para


a mão do ex-piloto e seu chefe no seu ombro. Vez ou outra, ainda parecia
impressionante que fosse tão próximo de pessoas como Ivan Nikolaev e
Bruno Campos.

Ele se perguntava se os dois o consideravam da mesma forma, ou de


um jeito semelhante. Eram parte de sua rotina, uma extensão de sua família.
Mais que trabalho — toda a equipe era, de certa forma, mas eles
especialmente.

— Nada com a equipe, relaxa. É o lance da adoção outra vez.

Alex sentiu os próprios ombros pesarem um pouco mais. Não era uma
novidade, pelo menos não para ele, que Bruno e Ivan tentavam seguir com
um processo de adoção há algum tempo. Mas as constantes viagens ao redor
do mundo graças ao trabalho, além do claro risco à vida que o esporte
parecia apresentar para Bruno e à vida pública diante das câmeras do mundo
inteiro, eram fatores delicados a serem considerados.

Ou, pelo menos, eram as desculpas que inventavam para o casal. Eles,
assim como o próprio Alex, que acompanhava tudo de perto, sabia bem que
os motivos eram outros. Ainda não era fácil que dois homens adotassem uma
criança. O que era tão, tão absurdamente ridículo em todos os sentidos
possíveis, porque Alexandre não poderia citar ninguém mais capaz de adotar
e cuidar de uma criança com a vida inteira como Bruno e Ivan.

Ninguém além de seus próprios pais, mas não era o caso em questão.

— Não facilitaram ainda?


— Não vão facilitar. — Ivan deu de ombros, balançando a cabeça. —
Foda-se, nós vamos conseguir. Nem que eu tenha que partir para medidas
maiores. Só é um pouco mais difícil para Bruno lidar com isso.

— Se eu puder fazer algo… — Alex murmurou, deixando a frase


morrer no ar. O que poderia fazer naquela ocasião? Nada.

— Não durma no volante e isso já vai ajudar muito — Ivan brincou,


dando um tapinha no seu ombro. — Se arrume, temos uma coletiva depois e
eu quero seguir o horário certo pra tudo. É bom te ver, Alex.

— Foi mal pelo furo, aliás — disse, antes que ele também se afastasse.
— Eu realmente não queria perder a estreia da Jo.

— Relaxa, não vamos perder tudo por algo assim. E você sempre
cumpriu os seus horários, eu te chutaria se fosse um hábito.

Alexandre sorriu um pouco.

— Valeu. Vou trocar de roupa e já apareço.

Nikolaev assentiu, pegando o celular do bolso do casaco para atender


uma ligação — em russo, impossibilitando o piloto de entender uma palavra
sequer.

Alexandre se livrou da peça superior do conjunto de moletom primeiro,


roubando uma garrafinha de água da geladeira da sala. Se permitiu
aproveitar o silêncio, encarando o uniforme roxo e preto da equipe por
alguns segundos pelo canto do olho. Ele franziu o cenho ao ver um envelope
dourado sobre a roupa, o seu nome estampado em letras bonitas no papel
grosso e brilhante.

Alexandre deixou a garrafa sobre a mesa, aproximando-se para pegar o


envelope. Não estava esperando qualquer tipo de correspondência —
normalmente, tudo o que fazia era organizado por e-mail.

O piloto rasgou com cuidado a ponta do papel.

Era um convite. Um convite para uma festa de noivado.


A festa de noivado entre Mariana Dias e Daniel William.

Não era que Alexandre amava Mariana Dias. Ou algo do tipo.

Definitivamente não.

Mas, veja bem, quando todas as pessoas com quem você tenta ter o
mínimo de um relacionamento casual encontram um compromisso sério na
semana seguinte, o padrão torna-se irritante.

Alex estava começando a considerar usar um crachá dizendo “me beije


e atraia o amor da sua vida”.

Mariana era incrível. Bonita, inteligente e muito decidida do que queria


ou não, sabia fazer uma conversa se estender por horas como se fossem
apenas minutos, jogava futebol e era uma goleira impressionante. Ele
genuinamente esperava que ela fosse feliz para caralho, porque era o que
merecia — e sempre soube que ela estava bem acima do seu alcance, para
ser sincero. Ela era um ponto de segurança porque, por mais que não tenham
se conhecido a fundo, Mariana jamais contaria sobre qualquer um de seus
segredos para quem não precisasse saber.

Jolene era incrível. E todas as sei lá quantas pessoas que ficaram um


pouco com ele antes de encontrar alguém que parecesse ser um partido ainda
melhor.

Alexandre não era esse tipo de partido, aparentemente. Não que


perdesse o seu tempo procurando por alguém com quem pudesse ter algum
relacionamento mais sério, porque sabia que isso viria como consequência
de suas relações diárias, que encontrar alguém em quem pudesse confiar as
partes de sua vida as quais nem mesmo Jolene e até seus pais tinham livre
acesso não era algo fácil ou que poderia fazer com qualquer pessoa.

Mas, bem, é um pouco frustrante ser deixado de lado. Todas as vezes.


Não se irritava com as pessoas. Talvez um pouco consigo.

Bom o suficiente para algo casual, mas não para um compromisso.


Esse é você.
Alex guardou o convite para a festa de noivado de Mariana e Daniel
novamente no envelope, afastando qualquer pensamento sobre o assunto,
para finalmente se vestir.

Quando aproximou-se do carro depois da rápida coletiva de imprensa


ao lado de Bruno, ajustando a balaclava sobre a cabeça, todas as
recomendações para aquela pista que já sabia de cor provavelmente desde o
ano anterior foram repassadas mais uma vez, e Alexandre escutou em
silêncio porque, por mais que seu humor e paciência não estivessem dos
melhores e parecessem piorar a cada minuto, tinha que fingir que tiraria o pé
em curvas mais angulares e economizaria seus pneus para correr
estrategicamente, sob contas matemáticas e estatísticas com margem de erro
mínima.

Não era o seu estilo. Sua equipe já o conhecia o suficiente para saber
disso, sobre ter o momento como estratégia, as oportunidades inesperadas
como vitória.

Sua mãe também, porque não era apenas atrás de um volante e dentro
de um carro em sua máxima velocidade que Alexandre abominava planos
demais.

Poderiam tentar, mas sabiam que simplesmente não era ele.

Alexandre virou o rosto para engolir uma respiração profunda de foco,


erguendo uma sobrancelha ao ver Ivan e Bruno conversando seriamente.
Bruno balançou a cabeça negativamente enquanto Ivan parecia mortalmente
sério ao apontar para o carro. Não era uma briga, mas ainda era incomum vê-
los discordando em algo. Quando Ivan terminou de falar, eles apertaram as
mãos para que Bruno pudesse continuar o seu trabalho e entrar no carro.

Apertaram as mãos. Eram casados e já tinham anos e anos de


relacionamento, desde muito antes de Ivan deixar a vida de piloto para
comandar a equipe, quando ainda eram um casal secreto.

Era engraçado, e Alexandre nunca entenderia. Eles eram casados, mas


raramente vistos demonstrando qualquer tipo de afeto quando não estavam
sozinhos ou perto de pessoas de seu círculo próximo de amizades. Aquele
aperto de mão já poderia ser considerado muito, se pensasse que
costumavam ser ainda mais discretos que isso.

Se Alexandre tivesse um namorado, provavelmente o beijaria na frente


de todas aquelas pessoas e mais. Era uma pequena parte da rebeldia, talvez
até mesmo da infantilidade, que vivia sob o Garoto de Ouro. Foda-se se o
bando de homens velhos e conservadores que mandavam naquele esporte
não gostariam de ver dois homens se amando para o mundo inteiro, tinham o
mesmo direito de demonstrar qualquer coisa como qualquer casal.

Uma pequena, mínima e irrelevante parte das coisas que Alexandre


Duarte preferia manter apenas para si mesmo. Para si e ninguém mais.
 
TRÊS

Basile Beauchene inspirou o gosto acinzentado e queimado que tomou


conta de sua língua quando viu o piloto de Fórmula 1 do momento entrar no
Palladium.

O bar não era nem perto do que alguém como Alexandre Duarte
provavelmente estava acostumado a frequentar. Mas enquanto substituiu o
gosto desagradável por um gole de Tom Collins, o drink feito com gim,
limão, açúcar e água com gás, Basile acreditou entender por que o local lhe
chamou a atenção.

O Palladium Bar não estava em um local de destaque noturno, mas


soube fazer o seu nome. Em um bairro completamente comercial, e por isso
se apagava pela noite, a presença de pessoas demais, muito barulho e música
para o incômodo de possíveis vizinhos era zero. Era tudo o que um bar
precisaria para já ser uma boa opção para quem quisesse curtir a noite, certo?

Bom, isso e os carros. O Palladium não chamava a atenção apenas pela


localização deserta ao redor ou a decoração neon de centavos que,
organizada de forma inteligente, até passava uma sensação de que valia mais
do que cobrava. Não. Palladium Bar também era o lar daqueles que
gostavam de quebrar algumas regras, conquistar e roubar com a velocidade
de carros de luxo que eram mais caros que a mensalidade de suas faculdades
privadas, mais caros que a mesada que seus pais empresários e corruptos
davam semanalmente.

Palladium era o ponto de referência para as corridas ilegais de Le


Castellet. Uma pequena zona segura para os desajustados e rebeldes. E é
claro que Basile fazia parte disso.

E obviamente Duarte seria atraído por aquilo. Ainda do lado de fora do


bar, o piloto parecia querer se misturar – apesar do casaco Prada que
chamaria a atenção de qualquer idiota que olhasse na sua direção, o que era
uma escolha muito burra da parte dele – enquanto se abaixava suavemente
para ver o aro de uma das rodas de um Tesla estacionado. Alexandre fez uma
careta.

Aro desproporcional, eu sei, pensou. Basile engoliu mais uma vez o


gosto que era ver aquele cara ali, virando-se na direção do balcão. Não era
como se pudesse – ou devesse – dar tanta atenção para o piloto.

— Parece que temos um novo tipo de fracassado frequentando esse lixo


— Moreau disse, apoiando os cotovelos sobre o balcão de madeira escura. O
barman deveria estar trabalhando, mas aquela noite parecia feita para encher
o saco de Basile. — É seu amigo?

— Tenho cara de quem faria amizade com ele? Me poupe, Moreau. —


O tatuado revirou os olhos, sem saber se estava mais irritado pela
provocação do amigo ou pela simples presença de Alexandre Duarte. Quanto
tempo teriam até que alguém o reconhecesse e começasse uma bagunça?
Ainda pior, quanto tempo teriam até que uma foto dele parasse na internet e
Palladium deixasse de ser seu pequeno espaço desconhecido, frequentado
apenas por universitários fracassados que gostavam de quase enfiar o carro
em um muro por uma quantidade modesta de euros? — O cara parece
perdido pra caralho aqui.

Basile olhou novamente na direção da entrada enquanto puxava o vape


do bolso, observando duas garotas conversarem com o piloto. Em inglês,
provavelmente, porque duvidava que Duarte soubesse mais que duas
palavras em francês. Ele tinha o sorriso de sempre no rosto, o sorriso que
pedia por atenção, que a conseguia facilmente porque ele sabia que era digno
dela. Basile tentou substituir a sensação contínua de que estava mastigando
cinzas na boca com a essência de pêssego do vape, sem muito sucesso.

Alexandre Duarte era tão apagado, olhando-o pessoalmente. Nem


mesmo os flashes de câmeras conseguiram mudar isso por muito tempo. Um
rostinho bonito, de fato, mas teria algo mais que isso?

Ok, um rostinho muito, muito bonito. Um corpo admirável. Basile


poderia facilmente chamá-lo para foder em outras noites, mas sua paciência
não estava uma das melhores nessa em questão.

— Vai chamar ele pra correr? — Moreau perguntou, empurrando uma


dose da mesma bebida avermelhada que havia tomado antes.

— No meu quarto, sim — ironizou, vendo-o conversar com uma


mulher que havia se aproximado. Basile duvidava que ela soubesse quem era
Duarte, senão que ele tinha dinheiro pra caralho. A Palladium não era
exatamente o lar de pessoas minimamente interessadas em esportes como a
Fórmula 1. Os que conheciam o meio, pessoas como Basile, normalmente
desprezavam o esporte. — Puta merda, o que ele tá fazendo aqui?

— Acha que ele vai implicar com a corrida?

Em uma risada áspera, carregada de vapor, Basile balançou a cabeça


negativamente.

— Ele vai gostar.

— Tem certeza de que não são amigos?

— O cara corre uma corrida dessas a cada final de semana, Moreau,


acha mesmo que ele vai encher o nosso saco só porque não temos
autorização pra isso ou porque não ganhamos uns milhões como ele? —
Franziu o cenho quando uma das garotas que conversava com Alexandre o
puxou para uma mesa cheia. Fácil de fazer amigos, aparentemente. — E se
alguém perguntar, eu nunca estive aqui.
No caminho, os olhos curiosos e perdidos do piloto o localizaram.
Alexandre o fitou, erguendo uma sobrancelha, como se não estivesse apenas
irritado com a forma como o encarava descaradamente, mas como se
quisesse perguntar por que caralho o fazia.

Basile ergueu a sobrancelha de volta, imitando-o. Quando Alexandre


parou de olhar na sua direção, mais pelas pessoas do seu novo grupo de
colegas do Palladium do que por vontade própria, o francês revirou os olhos.

— Enfim, tenho mais o que fazer do que perder o meu tempo com a
celebridade ali — disse, por fim. Basile tirou o casaco de couro, jogando-o
na direção de Moreau para que ele o guardasse. Guardou o vape no bolso da
calça antes de sair do Palladium.

O ar fresco e frio da noite não o incomodava. Basile observou os


babacas que participariam da aposta da noite, dando alguns soquinhos no
capô do Bugatti mais próximo de onde largariam, o que lhe rendeu uma
olhada feia do dono – sequer sabia o nome dele, só o sobrenome.

Ousado.

— Largamos em dez. Todo mundo já apostou? — Basile estendeu a


mão para um universitário que enfiou uma nota na sua direção, anotando
mentalmente o rosto dele, embora duvidasse que ele fosse sair vitorioso.
Apostar no cara do Bentley, que ridículo.

A maioria das apostas eram feitas diretamente com Moreau. Afinal, era
o amigo e barman quem cuidava das finanças extras da Palladium. Mas
Basile não ligava de ajudar uma vez ou outra.

Basile ficava com as sobras, os ferrados do fim da noite. O nascer do


sol após uma corrida no bar era sempre um café da manhã agradável demais
para o principal mecânico da oficina ali perto.

— Isso me lembra que você ainda me deve — disse, aproximando-se


um pouco mais do corajoso do Bugatti. Com a menção da dívida, o rapaz
franziu um pouco mais o cenho. Basile estalou a língua, contendo a si
mesmo para desafiá-lo de outra forma. Vamos, onde está a grana do papai?
— Sabe o que Dom faz com os que devem, cara. Não me faça avisar para
ele, a coisa ficaria suja pro meu lado.

E pro seu também, mas eu não preciso falar disso.

— Vou pagar depois que eu levar a da noite — o rapaz cuspiu,


contrariado.

Basile quase engasgou uma risada nasal, ainda carregada do vapor da


essência de pêssego que havia acabado de inspirar.

— É, boa sorte.

O cara mal conseguiu participar de duas rodadas sem enfiar a cara em


um poste, achava mesmo que levaria a da noite?

O sorriso debochado do rapaz desapareceu ao ver Alexandre Duarte


recostado na parede externa do bar, os braços cruzados enquanto observava a
cena com a expressão curiosa, a testa levemente franzida. Basile quase
mastigou o gosto de queimado que invadiu a sua boca mais uma vez. O
cheiro doce e insistente de perfume caro, do tipo que o sufocava. O ácido na
ponta dos dedos.

Mesmo enquanto a organização para a corrida da noite acontecia, Basile


podia sentir o olhar do piloto em suas costas. Acostumado a ser notado
apenas quando precisavam de algo que pudesse fazer, era uma novidade se
sentir o centro das atenções de alguém que não conhecia – e nem o queria, se
falasse com sinceridade.

Se dar ao luxo de olhar e dar a mesma atenção para Alexandre Duarte


era o tipo de coisa que não podia fazer.

Foi o que reforçou para si mesmo quando, pouco antes da largada,


Moreau parou ao seu lado. Encostado no Maverick do amigo, Basile
estendeu o vape para ele, que o aceitou de bom grado.

— Seu amigo me perguntou se você é funcionário — ele anunciou. —


Parecia desconfiado.
— Foda-se, o que ele quer comigo?

— Você não é uma das pessoas mais simpáticas do mundo em um


primeiro contato, talvez até no milésimo, e tá encarando o cara com uma
cara feia desde que ele chegou. Não seja ingênuo, sabemos quem você
realmente é. — Moreau inspirou a essência refrescante, devolvendo para Baz
em seguida. — Ele é gostoso. Será que também gosta de caras?

— Encrenca demais. E ele nunca falou nada sobre.

— Achei que você gostasse de encrenca.

— Ainda tenho um pingo de autopreservação. — Basile apontou o dedo


na direção do piloto, não dando a mínima se ele o veria ou não. Duarte não o
entenderia, de qualquer forma. — Aquilo é o tipo de encrenca que acabaria
com toda a merda que eu consegui sozinho em todos esses anos. Quer falar
sobre liberdade ou privacidade? Isso não existe no mundinho dele. Eu sei de
perto como é.

— Por causa do seu pai, eu imaginei. — Moreau gritou para que os


outros se arrumassem logo, ele não tinha a noite inteira. — Eu vou ajudar
esses caras a se ajeitarem, já que são crianças demais pra isso. Se o seu
amigo te convidar pra alguma coisa, me indique como substituto depois de
negar educadamente.

— Você faz mais o tipo dele do que eu — ironizou, desviando o olhar


para os próprios coturnos, arrependendo-se de não ter pegado uma bebida
mais forte antes de se afastar do bar.

Quando os carros dispararam em arrancadas agressivas, Basile olhou


para o relógio em seu pulso. Então engoliu em seco quando alguém parou ao
seu lado. A quem queria enganar? Sabia quem era.

Ainda assim, ele ignorou, fingindo que não tinha o visto – ou, no
mínimo, que não se importava.

— Eu nunca colocaria um dos meus carros na rua pra esse tipo de coisa
— Alexandre Duarte disse, o que fez Basile rir. Ele não sabia puxar
assunto?! Céus.
Depois de alguns segundos dividido entre responder ou só dar o fora
dali, o francês balançou a cabeça.

— Bom, o que você realmente coloca é bem mais caro que esses. Qual
é a diferença?

— Você me conhece. — Não foi uma pergunta, mas Duarte pareceu


ponderar sobre a conclusão.

— Tenho uma ideia de quem seja.

— É por isso que não me quer aqui?

— Meus motivos para não te querer aqui não são pessoais, só não gosto
da ideia de fãs obcecados aparecendo pra te procurar. — Basile deu de
ombros, levando o vape até os lábios. Quando olhou para o piloto, de perto e
atentamente pela primeira vez, ele fez uma careta. — Você não podia tentar
ser mais discreto, pelo menos?

Alexandre olhou para si mesmo como se procurasse por qualquer


defeito que, é claro, ele não encontraria ali.

— Estou normal.

— Claro, vamos contar quantas pessoas aqui estão com Prada —


ironizou. — O que você quer?

O olhar de Alexandre queimou sobre a sua pele, mesmo depois de


desviar os olhos do piloto.

— Primeiramente, seria bom saber o seu nome.

Basile balançou a cabeça, checando o relógio mais uma vez. Se


estivesse certo, o primeiro carro chegaria em cinco minutos.

— Por quê?

— O cara do bar não quis me dizer.


Obrigado, Moreau.

— Isso deve significar algo — disse, por fim, estalando a língua. —


Não passamos nomes para desconhecidos.

— Você sabe quem eu sou.

— E isso significa que vou confiar automaticamente em você? Nem


fodendo, conheço o seu tipo.

— Meu tipo — Alexandre repetiu, mais devagar. — É por isso que


você não me quer aqui, eu sou algum tipo de ameaça?

— Vocês aparecem nesses lugares, acham que somos menores que


vocês porque não corremos em um carro de milhões de dólares. Ou porque
não somos um bar bom o bastante, você pode decidir entre menosprezar o
bar ou as corridas.

— Uau, e eu só queria pegar o seu número.

Basile o encarou, erguendo uma sobrancelha. Ele esperava que


Alexandre estivesse brincando, mesmo que ele não parecesse. Essa deveria
ser a pior parte, porque ele era bonito e sabia disso. Com aqueles cabelos
bagunçados, e ainda assim arrumados – estavam mais escuros que o normal,
não? –, as roupas caras sobre a pele bem cuidada e algumas poucas tatuagens
que Basile só podia ver com poucos detalhes. Não eram como as suas, que
cobriam boa parte de seu corpo.

— Tudo bem, não exatamente pegar o seu número, porque é


improvável que eu tenha tempo pra fazer qualquer coisa aqui depois de hoje.
Mas, quem sabe, me oferecer pra te pagar uma bebida.

— Uma pena, porque eu posso beber o que eu quiser aqui e não preciso
pagar nada.

A resposta pareceu pegá-lo de surpresa, o que fez Basile rir mais uma
vez.

— Nesse caso, eu precisaria partir pro segundo passo.


— E seria…

— Te convidar pro meu hotel.

Basile sabia qual era o tipo de Alexandre. O que te fazia rir por cinco
minutos com um charme bonitinho, um sorriso torto e conversa que exalava
uma confiança irresistível.

Até que você estivesse na cama dele, sem roupas. Todas as fofocas
sempre disseram o mesmo. Ele é tão engraçado, tão charmoso, tão doce…

Achava que era uma besteira até ver esse evento de perto. Alexandre
Duarte era um conquistador, e ele fazia o serviço muito bem.

— É uma pegadinha? — perguntou, levando o vape até os lábios


enquanto observava os primeiros carros virarem a esquina, longe dali. O
Rolls-Royce na frente, embora um tanto irregular. Não se surpreenderia se o
dono dele aparecesse na oficina no dia seguinte graças a algum problema no
motor. O Bugatti, alguns metros atrás. Só por um milagre ele chegaria
primeiro.

— Hm, não. Eu vi você me olhando e decidi que você me odeia muito


porque eu sou incrível, ou não me suporta porque quer ir pra cama comigo e
não sabe como lidar com isso.

— Seu ego definitivamente não é algo que eu possa ler na sua página
do Wikipédia.

— Own, você até já me pesquisou no Wikipédia?

Basile mordeu a ponta da língua, sentindo-se extremamente fraco.


Porque estava a um passo de arrancar aquele sorrisinho debochado do rosto
de Alexandre Duarte.

Com a boca.

— Então você simplesmente chegou à conclusão de que eu quero ir pra


cama com você — disse, ignorando a provocação.
— Não cheguei a lugar algum, mas resolvi testar. — Alexandre cruzou
os braços sobre o peito, erguendo uma sobrancelha em uma expressão
levemente surpresa quando o Rolls-Royce foi o primeiro a chegar. — E aí,
acha que rola?

— Eu sempre achei que você só ficasse com mulheres — comentou.


Era óbvio, a essa altura, que Alexandre Duarte estava longe de ser hétero.
Mas Basile ainda estava tentando encontrar uma resposta para o convite que
não pensou que realmente viria.

O piloto de Fórmula 1 deu de ombros, olhando ao redor rapidamente


como se temesse que alguém escutasse aquela conversa. A maioria das
pessoas ali estavam ocupadas demais comemorando ou vaiando a vitória do
cara do Rolls-Royce que, olhando bem, Basile percebeu que parecia
chapado. O cara do Bugatti olhou na sua direção com uma expressão que
pedia por algum tipo de pena.

Você vai me pagar hoje, Basile o relembrou silenciosamente. Foda-se o


piloto ao seu lado.

Ou não. Quando percebeu a presença de Alexandre Duarte ao seu lado,


o cara ergueu as sobrancelhas. Enquanto aproximava-se com um sorriso no
rosto, Alexandre arrumou a postura.

— Quem é esse?

— Um cara que me deve.

— Você vende drogas?

— Não, mon chéri — resmungou, com uma careta. — Trabalho em


uma oficina.

— Oi, cara. Eu não sabia que era amigo do Duarte — o cara disse, em
francês, ao se aproximar. A expressão confusa do piloto ao ouvir o próprio
sobrenome, mas não entender o resto, apenas confirmou que ele não
entenderia uma palavra sequer em sua língua materna. Basile puxou o cara
para se afastarem dali. — Quanto eu te devo mesmo?
Fácil assim, por causa de um cara da Fórmula 1?

— Cinco.

— Quinhentos?

Basile sorriu.

— Você é engraçado. Mil, cara. É a porra de um Bugatti.

— Você nem fez tanta coisa assim — o cara devolveu, mas tirou a
carteira do bolso. Basile poderia perder tempo explicando por que a simples
troca de óleo de um carro como aquele era tão cara, mas não o faria. Não
quando o estresse não valeria de nada. Ao receber o dinheiro em suas mãos,
após uma demora que parecia extremamente desnecessária para a contagem
de dinheiro, ele checou rapidamente as notas antes de virar-se novamente
para dar o fora dali.

— Escuta, será que o seu amigo poderia assinar o meu boné? — o cara
perguntou, chamando a sua atenção.

Basile franziu o cenho, o encarando por alguns segundos antes de


responder.

— Não. Vaza.

Amigo. Poupe-me. O que diriam se soubesse que Duarte havia acabado


de conhecê-lo e já estava o convidando para transar?

O piloto de Fórmula 1 ainda o esperava no mesmo lugar, embora


conversasse com um rapaz que se aproximou dele. Uma conversa casual, ao
que parecia, mas Alexandre parecia louco para sair dali.

Basile não conteve um sorriso em diversão quando percebeu o motivo


ao se aproximar. O rapaz, quem quer que fosse, parecia esperar que
Alexandre entendesse a sua mistura terrível de francês e inglês. E não era
como se o brasileiro não tentasse, porque parecia se esforçar. Um
movimento simpático, já que Basile apenas mandaria o cara embora se
estivesse no lugar dele.
— Ele tem que voltar para o hotel agora, sinto interromper — disse,
gesticulando para que ele se afastasse. — Treino amanhã. Classificatórias.
Que seja.

— O que você disse? — Alexandre perguntou, quando o fã se afastou


após um high-five conformado.

— Que a estrelinha precisa voltar pro hotel e dormir.

Alexandre colocou as mãos nos bolsos, dando de ombros.

— Eu não disse que faria isso depois daqui.

— Não vou perguntar o que você tinha em mente porque, sinceramente,


eu não ligo.

— Ouvi dizer que você ajuda com as entregas de vez em quando.


Deixei umas cinco cervejas pagas com o seu amigo, você pode levar no meu
hotel?

Basile o fitou, chocado. O rostinho dos sites e páginas de fofocas e que


estampava as principais notícias do automobilismo umedeceu os lábios
enquanto esperava por uma resposta.

Não era uma grande coisa para ele, obviamente. Não se conheciam.
Alexandre não dava a mínima para quem Basile era — embora devesse, mas
não seria ele a começar aquele assunto ali, quando menos tinha paciência
para falar de suas questões familiares. Ele queria alguém que o fizesse curtir
a noite. Basile se perguntou se era algum tipo de hábito em todos os países
para onde ele ia.

E, no fim, por mais que olhar para aquela figura bonita trouxesse a
mesma sensação de queimação no fundo da garganta que sentia em seus
momentos ruins, Basile não podia negar que a curiosidade ainda o fez
hesitar.

— Você é sempre tão insistente? — resmungou, estreitando os olhos na


direção de Moreau, que observava a cena com um sorriso travesso no rosto.
Desgraçado.
— Só quando eu sei que a pessoa tá evitando algo que claramente quer.

— Mon chéri, o que você sabe sobre mim?

— Nada, mas eu adoraria que você me chamasse assim outras vezes.

Bom, foda-se.

Basile desviou o olhar para inspirar profundamente, balançando a


cabeça. Não era como se uma noite pudesse destruir a sua vida. Alexandre
não falaria sobre aquilo para ninguém, e o próprio francês não tinha intenção
de deixar que aquilo saísse dali.

— Você deixou o endereço do hotel com o Moreau?

— Completo.

— Eu apareço lá em quarenta minutos. Preciso arranjar algumas coisas


e você não é a minha prioridade.

— Preciso do seu nome — ele disse, mais uma vez. — Sabe, pra
liberarem a sua entrada no hotel.

— Baz.

— Baz. — Alexandre desceu o olhar pelo francês, como se o seu nome


desse todo um novo significado a ele. — Te vejo em quarenta minutos, Baz.

Basile observou o piloto se afastar com o celular de mãos, não


demorando cinco minutos para entrar em um carro. Quando o viu sumir na
esquina, o francês soltou uma respiração.

No fim, não é como se o seu gosto por encrencas fosse algo


desconhecido.
 
QUATRO

No elevador, subindo para o penúltimo andar do hotel onde Alexandre


Duarte e sua equipe estavam hospedados, após uma longa inspeção de
segurança para ter a certeza de que não estava armado ou com algum tipo de
câmera escondida, Basile Beauchene arrependeu-se de aceitar aquele convite
estúpido para transar com uma celebridade.

Não era o que costumava fazer. Na verdade, Basile gostava de explorar


linhas tênues. A linha tênue entre dirigir um carro em alta velocidade nas
ruas desertas da França, mas nunca o seu carro, porque jamais correria o
risco de ter um arranhão em sua própria lataria. A linha tênue de abominar o
pai e tudo o que ele representava, e saber usar os contatos dele para seu
próprio crescimento e carreira própria também.

Transar com uma celebridade como Alexandre Duarte era dar alguns
milhares de saltos afundo após a linha tênue de se envolver com alguém que
não deveria.

Não deveria, mas queria.


Ainda assim, fez uma careta para a sacola com cinco cervejas em sua
mão. Toda a situação — passar por seguranças, fingir ser um entregador —
ainda era ridícula.

Ele parou na frente da porta 1943, deslizando os dedos entre os fios


escuros para arrumá-los. Checou, mais uma vez, se tudo parecia no lugar,
mesmo que não tivesse nada além das chaves da moto de Moreau, que usava
para as entregas, e documentos.

Quando considerou deixar as bebidas na porta e ir embora, ela foi


aberta por um Alexandre diferente do qual estava acostumado a ver.

Veja bem, Basile nunca foi um idiota. Ele, como ninguém, sabia que
celebridades e figuras públicas mantinham uma aparência e modos para a
mídia. Mas Alexandre era conhecido por estar sempre carregado de anéis
chamativos nos dedos, correntes grosseiras no pescoço e brincos prateados
ou dourados. Roupas escuras que, apesar de seguirem um estilo próprio,
ainda pareciam sempre condizentes com a moda do momento. Alexandre
não era apenas uma referência a ser constantemente citada no
automobilismo, como também uma figura presente no mundo da moda, do
empreendedorismo e até do cinema. Boa parte disso graças aos seus pais,
principalmente. Depois, às suas amizades.

Aquele Alexandre Duarte que atendeu à porta parecia o tipo de


universitário que moraria no complexo de estudantes em que vivia. Cursaria
qualquer curso da área de humanas e sairia aos finais de semana para assistir
filmes, jogos e beber com amigos. Uma pessoa reservada, caseira. Parecia
recém-saído do banho, o cabelo úmido desajeitadamente arrumado para trás,
a ausência de uma camiseta chamando a sua atenção para algumas poucas
tatuagens em peito e braços.

— Você sabe que ligaram para avisar que estava subindo, certo? — ele
perguntou, afastando-se da porta aberta para que entrasse. O piloto voltou na
direção de uma música baixa que tocava sobre a mesinha de centro da saleta
do quarto de hotel. Basile ficou um pouco dividido entre prestar atenção no
piloto ou no quarto.
No seu mundo, quartos de hotéis eram cama, banheiro e só. Não mais
de um cômodo.

De qualquer forma, o que realmente captou seu olhar foi o rapaz de


cabelos mais escuros que o esperado e com uma organização impecável –
pôde perceber pelas mudas de roupa separadas sobre o sofá e, se estivesse
certo em suas contas, para cada dia de sua estadia ali. Além disso, Alex tinha
uma cintura que denunciava que era uma parte do corpo a qual ele
trabalhava na academia. Aquilo definitivamente chamou a sua atenção. Por
um segundo, Baz se viu genuinamente confuso entre subir um pouco aquela
calça de pijama, para recobrar a sua atenção em outros aspectos, ou fazê-lo
livrar-se dela de uma vez.

— Pra ser sincero, eu achei que você não viria. — Alexandre se


aproximou, inclinando-se na sua direção apenas para pegar as cervejas da
sua mão. — Oi.

— Oi. — Baz observou Alexandre beber um pouco da cerveja, ainda


sem fazer um movimento na sua direção.

— Me dá o seu celular.

— Certo. Eu vou salvar no seu celular, ou…

— Eu falo do aparelho, não do seu número.

Baz ergueu uma sobrancelha.

— Por quê?

— Precaução — Alex disse, simplista. — Em termos oficiais, eu


deveria te fazer assinar um contrato que te obriga a ficar de boca fechada
sobre tudo isso. Mas não estou com a menor paciência para lidar com
aqueles papéis, e você também não parece gostar disso.

— Eu não ganharia nada te tirando do armário, cara.

— Na verdade, você poderia ganhar muita coisa. Acredite em mim, já


tentaram antes. — Alexandre estendeu a mão, insistindo silenciosamente
para que Baz entregasse o celular. Mas nem fodendo. Ao perceber a
expressão de Basile, o piloto suspirou. — Olha, eu vou me sentir mais
seguro assim. Não é nada pessoal.

— Eu não vou te entregar o meu celular. — Baz tirou o aparelho do


bolso, deixando-o sobre a mesinha perto da entrada. — Você pode ver que
eu não estou gravando nada, mas vai ficar onde eu possa ver. Mais uma vez,
eu não ganharia nada te tirando do armário além de dor de cabeça, e eu odeio
dor de cabeça na minha vida.

Como se estar ali já não tivesse potencial para fazer a sua cabeça
explodir.

— Tudo bem — Alexandre assentiu, umedecendo os lábios antes de


beber um longo gole da cerveja outra vez. — Foi mal, eu não costumo fazer
isso.

— Transar?

— Porra, não. Transar com desconhecidos — o piloto falou como se a


possibilidade anterior fosse ridícula, balançando a cabeça.

— Só homens ou mulheres também?

— Desconhecidos em geral. — Alexandre revirou os olhos. — Tem


certeza de que não é jornalista?

Baz mordeu um sorriso, deixando as bebidas sobre a bancada da


pequena cozinha do quarto – uma cozinha em quarto de hotel, porra – e se
aproximou de onde o piloto estava recostado.

— Gosto das suas tatuagens — o brasileiro completou. Baz podia notar


um sotaque no seu inglês. Não brasileiro, aparentemente. Talvez mais
próximo do australiano. O que fazia sentido, se considerasse que seus pais
moravam lá. — Quantos anos você tem?

— Vinte e dois.

— Legal. Eu vou te chupar.


— Ah, ótimo — Baz disse aquelas palavras antes de realmente
processar que foram ditas. O loiro já estava ajoelhado na sua frente depois de
deixar a cerveja de lado.

Alexandre Duarte estava ajoelhado na sua frente, e o olhava como se


pedisse permissão para continuar com o que pretendia.

O que Basile esperava? Um bate-papo digno antes de começarem? Não


que se importasse, mas era óbvio que alguém como o piloto também não se
importaria.

Baz aproveitou a deixa para livrar-se da própria camisa, atraindo o


olhar curioso de Alexandre para o peito tatuado. Tinha a impressão de que,
se deixasse, ele faria uma lista de todas as figuras espalhadas pelo seu corpo
só para passar o tempo.

Em vez disso, ele se inclinou na direção da protuberância em sua calça,


não quebrando o contato visual enquanto pressionava os lábios sobre o
tecido Moreaus. Alexandre fez o mesmo movimento duas ou três vezes antes
que a mão de Basile se prendesse ao seu cabelo, puxando suavemente.

— Você precisa de ajuda para abrir um cinto, mon chéri?

Em vez de responder, Alex sorriu e umedeceu os lábios com a ponta da


língua.

Ele se inclinou para abrir o cinto, seguido pela calça. Com a boca.
Alexandre o fez com um sorriso novamente convencido, como se não
estivesse se preparando para um boquete, mas para vencer uma corrida. Baz
ficou um pouco hipnotizado pela facilidade com a qual o brasileiro fez tudo
aquilo enquanto o olhava, e precisou alcançar a cerveja que deixara na
escrivaninha ao lado para molhar a boca subitamente seca.

Parando para pensar, toda a situação parecia irreal demais. Deveria


esperar que fosse algum tipo de pegadinha e ele seria o cara arrancado pra
fora do armário para a família?

Não que já não imaginassem de alguma forma, mas não era a


lembrança ideal para o momento.
Baz deixou escapar um arquejo rouco quando a língua do piloto o
percorreu, da base até a ponta. Ele provavelmente xingou algo em francês
também, porque Alexandre soltou uma risadinha antes de envolvê-lo com a
boca.

Duarte o lambeu e o chupou, usou a ponta da língua para provocá-lo até


a borda de um precipício frio. Mesmo com os dedos de Basile presos com
força aos cachos castanhos, o piloto parecia extremamente confortável na
posição. E era extremamente irritante que ele parecesse saber tão bem o que
fazer. Ou, se não sabia, tinha coragem o suficiente para testar o que o fazia
reagir mais.

Basile queria descobrir algo que Alexandre Duarte não sabia fazer.
Uma fraqueza, um medo. Tanto faz. Não era possível que ele realmente
fosse tão bom e resiliente em tudo.

— Merda, pare. — Baz o puxou para trás. — Porra.

— Precisa de uma parede pra se apoiar? — Alex provocou, inclinando


a cabeça para o lado.

— Tais-toi.

— Eu não sei o que isso significa.

— Significa cale a boca. Vá para a cama.

Alexandre limpou a boca com as costas da mão antes de se pôr de pé.


Enquanto Baz terminava de se livrar da calça, tênis e meias, o brasileiro o
fitou atentamente, deslizando os olhos pelas tatuagens mais uma vez. Baz
estava a um passo de mostrar cada uma individualmente, só para matar a
curiosidade dele.

Depois, talvez.

— Essa calça é ridícula. Tire — resmungou, apontando para o tecido de


moletom que deixava demais para a imaginação.
— Por que você não tira? — Alex se apoiou na cama sobre os dois
cotovelos, usando uma mão para afastar os fios rebeldes do rosto.

Basile balançou a cabeça ao se aproximar, pairando sobre o corpo do


brasileiro. Tempo o suficiente para que seu cérebro finalmente notasse uma
única corrente no pescoço de Alexandre, menor e mais fina que as outras que
costumava usar – um crucifixo prateado quase imperceptível. Se ele fosse
um cara religioso, tudo aquilo se tornaria irônico demais.

Alex levou a boca até a sua. Ele parecia relaxado, cheirava a sabonete
natural, um tom claro de verde e… pêssego. Baz precisou de um segundo
para processar a nova sensação antes de retribuir, ainda pressionando o
joelho entre suas coxas. Alex, que já não estava em seus melhores momentos
de racionalidade, precisou recuar para inclinar a cabeça para trás e soltar um
gemido que mais se pareceu com um choro. Aproveitando o espaço, Baz
deslizou uma mão pela sua nuca e segurou os fios bagunçados para fazer que
o piloto o olhasse.

— Porque você vai fazer como eu disser. — Ele se aproximou para


mordiscar o pescoço de Alex, percebendo o quanto o rapaz se arrepiou com
o contato. Sensível, bom. — Do jeito que eu disser. Tire a calça, mon chéri.

Dessa vez, Alex o fez sem nem hesitar. Com a respiração irregular, o
loiro usou uma mão para livrar-se da última peça de roupa. E apesar da mão
de Basile em sua nuca, se inclinou para beijá-lo mais uma vez. Frenético e
bagunçado, porque era impossível fazer qualquer coisa direito quando seus
quadris estavam pressionados um contra o outro, a fricção mínima sendo o
suficiente para fazer com que um alarme tocasse em alto e bom som na
cabeça de Baz.

Estar ali era tão errado.

E Alexandre provavelmente concordaria com ele se soubesse de tudo.

Se Baz tivesse o mínimo de senso, teria contado sobre o seu sobrenome.


Teria dito que estavam mais próximos um do outro do que ele imaginava,
e…

Jesus, ele estava com a mão no seu pau.


O piloto o masturbou com uma lentidão que poderia ser considerada
uma tortura. Baz o olhou, e o rosto corado e os lábios dele inchados não
eram de muita ajuda também.

Naquela situação, onde Alexandre Duarte se parecia com qualquer


coisa exceto a figura de sorriso plastificado que tentava ser em público,
Basile podia quase entender como as pessoas eram tão fascinadas por ele.
Quase.

Baz não pensou muito sobre isso antes de deslizar dois dedos entre
aqueles lábios, e Alex também não pensou muito para chupá-los. A sensação
de estômago revirado se intensificou, mas não de uma forma negativa.

A verdade era que Basile gostava de sexo. Se aquele cara era uma
celebridade ou não, pouco importava, porque esperava nunca mais ter que
trocar uma palavra com ele. Baz gostava de estar no controle, e Alex parecia
disposto a entregar o que quisesse tomar dele desde o começo.

Era ridículo. Impossível resistir. Sinceramente, ninguém poderia julgá-


lo por acabar no quarto de um hotel chique com aquele cara.

Alex parou, arfando quando Basile desceu a boca pelo seu pescoço, e
soltou um gemido estranho quando seu mamilo foi chupado, mas Baz gostou
do som que ele próprio arrancou do piloto. A mão de Alex envolveu o seu
cabelo tremulamente, em uma tentativa de guiá-lo para onde queria que ele o
tocasse. Com a mão, com a boca, com o que ele quisesse. Alexandre só
queria que Baz o tocasse.

Ao invés disso, Basile passou a língua pela região acima da sua virilha,
na entradinha que o fez perder o ar quando entrou naquele quarto e o viu
usando apenas uma calça larga.

Era quase satisfatório ver a mesma reação em Alexandre.

Ele se ergueu novamente sobre os cotovelos para fitá-lo. Parecia ter


desistido de tentar manter o cabelo minimamente arrumado, porque alguns
fios caíam pela sua testa e não pareciam ser um problema.
Então Baz chegou lá, bem onde ele queria, e Alexandre não levou
muito tempo para deixar as costas caírem na cama novamente. Tentou mover
o quadril para ditar algum tipo de ritmo, mas Basile o manteve no lugar. Não
era como se Alexandre não pudesse movê-lo dali se realmente quisesse, mas
ele parecia disposto a deixar a vitória de lado por algum tempo. Baz diria
bom garoto só pelo prazer de irritá-lo de alguma forma, mas também não era
como se quisesse acabar com aquilo.

Ele desceu dois dedos pela parte interior de sua coxa, descendo em
outra direção, e…

— Puta merda, não. Pare — Alexandre disse, quase apressado demais.


Baz parou, o medo súbito de ter cruzado alguma linha estranha de Alexandre
entre um boquete e alguns dedos. Mas Alexandre não parecia estar em um
momento ruim. Muito pelo contrário. — Merda. Desculpe.

Baz franziu o cenho.

— Por…?

— Não podemos… ir além. — Para alguém que mostrou ter uma boca
tão suja nos últimos minutos, o rosto corado de vergonha tornou o momento
um tanto mais estranho.

— Você nunca fez isso, Alexandre?

— O quê?! Eu não sou virgem! — Alex franziu o cenho, ainda


recuperando a respiração. — É só… Eu não quero aumentar seu ego.

— Diga de uma vez.

— Não quero ficar dolorido. Seria ruim pilotar assim. Sabe,


prioridades.

Baz piscou, atônito. Depois, ele riu. Sequer tentou segurar a risada.

Porque era cômico que não pudessem continuar simplesmente pelo


medo de Alexandre com a possibilidade de acordar dolorido. Foda-se, aquilo
aumentava o seu ego pra caralho.
— Vá a merda — Alex resmungou, tentando empurrá-lo com o pé. Mas
Baz segurou a sua perna, inclinando-se para beijá-lo mais uma vez.

Deslizou os lábios pela parte interior de sua coxa, subindo


gradativamente.

O fez até que o brasileiro parecesse relaxar mais uma vez, porque o
momento parecia tê-lo deixado subitamente tenso demais. Basile o mordeu e
puxou, o tocou com as mãos e a língua. Até que Alexandre Duarte voltasse a
ser a bagunça de antes, a conversa estúpida tornando-se apenas uma
lembrança estúpida.

Pêssego. Basile ainda sentia o gosto de pêssego.

— Quero que você me chupe outra vez — disse, afastando a boca da


dele antes que se tornasse algo grande demais para que pudesse ignorar, e
Alex assentiu. — Depois, talvez eu deixe que você goze também. Se você
merecer, mon chéri.
 
CINCO

Alexandre soltou uma respiração pesada ao tirar o rosto da vasilha com


água e gelo na sua frente.

— Merda — resmungou, usando o controle por voz para desligar a


música ridícula que Ivan indicava sempre que precisava relaxar antes de ir
para a pista.

Não tinha um motivo específico para estar tão nervoso. Não um motivo
real, pelo menos.

Nenhum além da sua ressaca moral. Depois de explorar um completo


desconhecido com a boca pelo que pareceu ser uma noite inteira. Deixar-se
ser tocado como não fazia há tempos e observá-lo sair do quarto com a
naturalidade de quem só foi até ali para entregar algumas cervejas. Alex
estava absorto demais na sensação de ser levado ao limite mais vezes do que
achava ser humanamente possível, apenas para ser atingido pela consciência
de que ultrapassara uma linha segura.

Estar em um bar onde corridas ilegais aconteciam já era demais –


embora, precisasse admitir, Palladium era incrível. Chamar um desconhecido
faria sua equipe de gerenciamento de imagem inteira se demitir.

Porque, bem, não era uma questão de ser cuidadoso ao extremo.


Alexandre sabia que era apenas uma questão da oportunidade perfeita para
que fizessem algo que não estava no seu roteiro. Foda-se a sua reputação,
existiam pilotos como ele que faziam merdas realmente grandes e não
perdiam nada.

Ser bissexual não deveria ser algo grande. Realmente não era, no fim.
Em um processo de autodescoberta relativamente recente, se considerasse
que só passou a entender sobre isso depois de se mudar para a Austrália com
Nicole e Ângelo, aos dezoito anos, ainda era o tipo de assunto que ele
preferia manter para si, para as pessoas em quem confiava, para sua família.
Não em sua vida pública – mesmo que sua vida romântica e sexual fosse um
tópico de suma importância por onde quer que ele passasse, aparentemente.

Não era nada demais, mas era algo seu. Algo que não devia ao mundo.
Quando se sentisse seguro, confiante e pronto dentro de si mesmo quanto a
isso, não teria problema algum em contar. Ser um homem bissexual no
automobilismo não seria fácil, Bruno e Ivan falavam muito sobre isso desde
o dia em que foi pego por eles aos amassos com um mecânico da equipe.

Costumava ser um tanto menos cuidadoso quando o mundo ainda não o


tinha como uma figura de destaque no esporte.

Mas tinha o direito de querer manter algumas coisas. Não tinha?!

Deveria ter. Deveria ser mais fácil. Momentos como o que tivera na
noite anterior reforçavam o quanto queria ser capaz de apenas sair sem se
preocupar com quem estava olhando, quem estava gravando, quem falava
com ele.

Sim, ressaca moral. Era isso que estava o deixando tão fora de sua zona
de concentração fundamental para um dia de classificatórias.

— Ei, eu vou pegar alguma coisa para comer — disse, ao sair de sua
sala, encontrando Ivan no meio do caminho. — Quer também?
— Aceito um sanduíche vegetariano, por favor — o russo respondeu,
enquanto digitava algo em seu celular. — Ah, e outro pro Bruno.

— Eu deveria fingir surpresa? — ironizou, rindo baixo quando o chefe


de equipe chutou levemente o seu pé quando passou por ele.

Alexandre arrumou os fios acastanhados para trás, ajustando o boné


roxo da Scuderia Astoria sobre eles. O piloto apoiou os braços sobre o
balcão da lanchonete montada na área da equipe, pedindo por uma salada –
porque não tinha o costume de comer nada que fosse pesado antes de entrar
no carro – e dois sanduíches vegetarianos.

Enquanto esperava, Alexandre olhou ao redor. Viu pessoas de outras


equipes circulando, preparando-se para a tarde de classificatórias. Ele
acenou para o piloto de outra equipe que passou por perto, mas parou no
meio do movimento, quando outra pessoa entrou no seu campo de visão.

Alguém que nunca esperaria ver ali.

Basile. O mesmo cara que havia levado para o seu quarto na noite
anterior.

Com todo o uniforme da Ritz-Carlton. O uniforme da equipe que


infernizava a sua vida e de toda a sua equipe desde o momento em que pisou
em um autódromo para seu primeiro teste como piloto de Fórmula 1, anos
antes. E antes disso, quando sequer pensava em estar naquela equipe.

Aparentemente, era difícil aceitar que outras equipes podem ter


resultados melhores que as suas. Por anos consecutivos.

Baz poderia estar ali – inesperadamente – com o uniforme de qualquer


equipe, e talvez Alexandre não se importaria tanto. Mas estava com eles.
Conversava com um mecânico deles.

A garganta de Alexandre secou quando seu olhar cruzou com o do


rapaz francês. Não, ele não estava triste – por que se sentiria triste por
alguém que sequer conhecia? Poupe-me. Estava com raiva pra caralho. Se
pudesse, se não estivessem cercados de pessoas, Alex o quebraria ali mesmo.
E era o tipo de raiva que já não sentia há tanto, tanto tempo.

Mas ele manteve a mesma expressão indiferente antes de desviar o


olhar do rapaz tatuado. Não deixaria que algo vindo da Ritz-Carlton o
afetasse em um sábado. Poderia se importar com isso quando descesse do
pódio, no dia seguinte.

— Obrigado — disse, piscando na direção da atendente quando ela


entregou os sanduíches e a salada.

Alexandre não conseguiu dar uma mordida sequer na sua comida.


Talvez porque estivesse preocupado demais em quanto tempo teria até que
saísse em todos os sites de fofocas possíveis que alguém – uma fonte
anônima, talvez nem tanto –, um homem, passou uma noite com o piloto
mais recente da Scuderia Astoria. Talvez ainda comentasse que ele, a
revelação da temporada, também participava de atividades ilegais, como
rachas noturnos.

Ou, talvez, tudo aquilo se tornasse apenas uma grande piada interna
entre a equipe. O que não era uma opção muito melhor, se parasse para
analisar.

Alexandre se sentiu tão burro, fodidamente burro. Porque na única noite


em tempos que resolvia abaixar a guarda, acabava na direção da equipe rival.

Antes de afastar o pensamento, ele mandou uma mensagem para Jolene.

Alex: Não se surpreenda se a minha carreira for pro lixo essa semana.
— Quero você no carro em cinco minutos, Alexandre. — Ivan bateu em
sua porta, mas não pareceu esperar por uma resposta antes de se afastar.

Alexandre grunhiu no instante em que saiu da sala, porque um homem


com uma câmera gigante o esperava do lado de fora.

Um péssimo momento. Desde o ano anterior, um aplicativo de


streaming havia começado um reality show que acompanhava todas as
equipes durante o ano inteiro. Seria algo legal, se não fizessem questão de
partir para o sensacionalismo a cada oportunidade.

— Ei, cara. Não é um bom dia — murmurou, passando pelo homem.

— O que aconteceu, Alexandre?

— Vocês não estavam acompanhando a Adlon esse final de semana? —


resmungou em resposta, passando os dedos entre o cabelo antes de ajustar a
balaclava sobre a cabeça.

— Estamos passando por todas as equipes dessa vez.


— Bom, eu preciso me concentrar. — O piloto sorriu simpaticamente
na direção da câmera. — Por favor. Valeu.

Alex não precisou insistir muito mais para que ele se afastasse, o que
foi, de certa forma, um alívio.

Ao se aproximar de Ivan, tentou manter a postura mais natural possível.


Porque se Ivan percebesse o quão tenso estava desde o dia anterior, depois
de toda a questão com seu convidado, mais um daqueles discursos sobre
foco e concentração rolariam.

— Ei, tá sabendo se a Ritz andou contratando recentemente?

— Não que eu saiba. Por quê?

— Pensei ter visto uns rostos novos, mas deve ser engano.

Ivan balançou a cabeça.

— Eles estão quietos esses dias, devem estar ocupados com algo.

Tipo, usando novos funcionários para conseguir informações


polêmicas sobre mim apenas pelo prazer de infernizar a nossa vida?

Não, ele não contaria para Ivan. Porque nada seria capaz de piorar ainda
mais o seu final de semana do que a expressão decepcionada de Ivan
Nikolaev. Poucas coisas faziam com que Alexandre quisesse enfiar a cabeça
em um buraco e nunca mais sair do que essa possibilidade.

— Ei, tudo bem? — Um dos seus mecânicos bateu no seu ombro


suavemente, quando já estava no carro. — Você tá quieto.

Alexandre balançou a cabeça.

— Sabe como é, um pouco difícil focar hoje.

— Relaxa, cara. Não é o circuito mais difícil pra nós.


Realmente não era. Pensar nisso foi a sua deixa para deixar um tanto da
tensão para trás.

Porque não podia se deixar afetar por isso a partir do segundo em que
os motores rugiam ao seu redor.

— Certo, Alex. Nós conversamos sobre como seria. — A voz de Ivan


soou no seu ouvido, e Alex apertou o volante ao ver o carro Ritz-Carlton
alguns metros na sua frente. Aproveitariam a reta da largada para uma
ultrapassagem.

Alexandre estreitou os olhos. Ao lado do carro, conversando com o


piloto, estava Basile. Como um bom… foda-se o que ele era naquela equipe.
Agente infiltrado. Mecânico. Fazia sentido que ele fizesse parte dela. Fazia
tanto sentido que Alex quase perdeu sua linha de foco mais uma vez.

Teria perdido se não fosse o rádio soando no seu ouvido.

Uma corrida nunca era como a anterior, e não apenas pela mudança de
posições e circuitos. O clima, seu humor e até mesmo o público no
autódromo faziam toda a diferença, e talvez fossem as coisas que Alexandre
mais admirava naquele esporte desde sempre. As cores, as experiências.
Nunca se tornaria repetitivo, mesmo que ele passasse décadas naquilo.

Quando a largada foi dada, ele não hesitou em usar o máximo não
apenas de si, mas também do seu carro. Os primeiros segundos eram quase
tão importantes quanto todo o resto, então se prender ao único objetivo
inicial de ultrapassar o carro verde que largou na sua frente era a única
possibilidade.

Alexandre o fez. Pouco antes da curva, na parte inferior da pista, o


piloto acelerou o suficiente para passar pelo rival.

— Isso foi perigoso, Alex — Ivan alertou no rádio.

— Como o Bruno tá? — perguntou, ignorando o puxão de orelha.

— Acabou de recuperar e está em terceiro.


Alexandre soube manter a sua posição na primeira parte da corrida.
Laurent, o piloto da Ritz, ainda conseguiu chegar perigosamente perto em
algumas curvas, mas ainda tinham a vantagem.

Vantagem que pretendiam manter pelo resto da corrida.

— Box, Alex. Box. — O rádio soou em seus ouvidos, e Alex devolveu


uma afirmação imediatamente.

O pneu macio foi trocado por um duro em pouco mais de dois


segundos, deixando apenas uma vantagem mínima para a equipe rival.

Uma vantagem que Alexandre, com pneus novos, não pretendia ter
dificuldades para recuperar.

— Pare de ser tão agressivo, Alexandre — Ivan tornou a alertar após a


segunda tentativa do piloto de ultrapassar o carro. — Você não precisa disso.

Ah, eu preciso. Alex balançou a cabeça, contendo a resposta.

A disputa pelo primeiro lugar continuou, mas Alex não estava


preocupado. Em algum momento, o outro carro também precisaria parar nos
boxes.

Alexandre recuperou a primeira posição quando faltavam apenas dez


voltas para o final, com Bruno logo atrás e uma vantagem incrível sobre as
outras equipes. Não tinha absolutamente nada a reclamar sobre sua equipe,
mas a capacidade de seguir com estratégias que sempre davam certo apesar
de imprevistos ocasionais era a sua parte favorita.

Quando completou a última volta, ele se permitiu relaxar. Algo tinha


acontecido conforme os seus planos naquele final de semana.

Bruno o abraçou quando saíram dos carros, dizendo algo sobre


“incrível” que Alexandre não conseguiu entender graças ao zumbido no seu
ouvido e, como sempre, comemorações dos mecânicos e público ao redor.
Cumprimentou Laurent, que parecia satisfeito com o terceiro lugar.
Mas Alex tornou a fechar a expressão quando, ao virar-se na outra
direção, viu Baz aplaudindo os três pilotos ao lado do resto da Ritz.
Aparentemente, não conseguiu esconder a expressão, porque Bruno bateu no
seu ombro.

— Ei, já acabou. Relaxa. — O piloto mais velho mirou na direção em


que ele estava olhando antes que pudesse desviar. — Eles fizeram alguma
coisa hoje?

— Eles me irritam naturalmente. — Alex tirou as luvas para limpar o


suor do rosto com uma toalha, indicando o outro lado da pista com o queixo.
— Sua vez de dar a entrevista.

Bruno ergueu uma sobrancelha, como se a resposta do mais novo não o


convencesse. Ainda assim, se afastou para dar a típica entrevista de todo fim
de corrida.

Foi um esforço não tornar a olhar para o outro lado, onde Baz estaria.

Alexandre afastou o pensamento quando a sua vez de ser entrevistado


chegou.

Afinal, era o seu momento. Ninguém iria estragar isso. Nem mesmo a
presença de Baz ao lado de toda a Ritz-Carlton quando subiu no pódio. Os
olhos presos aos seus, erguendo uma sobrancelha quando não conteve a
expressão irritada na sua direção.

Foda-se. Alex focou na presença e apoio de sua própria equipe, no


abraço que recebeu de Ivan quando desceu do pódio. Na comemoração dos
mecânicos responsáveis pelo seu carro. Na mensagem que seus pais
enviaram para o seu celular, além de uma de Jolene e até mesmo de Mariana.
Pessoas com quem se sentia seguro e confortável, pessoas com quem sabia
que não precisava fingir ser alguém que não era.

Alexandre se permitiu, por um momento, esquecer tudo sobre Basile.

Mesmo que não tenha durado muito. Quando fechou a porta da própria
sala atrás de si, encharcado de champanhe e suor, viu o francês
confortavelmente acomodado em seu sofá, folheando uma revista brasileira
que ele provavelmente não saberia traduzir uma palavra sequer.

— Que porra você tá fazendo aqui?

Basile o encarou, a expressão neutra. Parecia pensativo.

Alexandre parecia possesso. E estava.

— Você quase bateu umas cinco vezes hoje — Baz disse, calmamente.
— Alguma coisa te irritou?

Como caralhos ele havia chegado até ali sem ser notado?

— Eu não quase bati umas cinco vezes hoje. Dá o fora.

— Bom, eu acho que quase bateu, sim. — Basile largou a revista sobre
a mesinha, ainda percorrendo a sala como se tivesse todo o direito de estar
ali. — Parabéns pelo pódio, de qualquer modo. Merecido.

— Não quero que me parabenize. Não cabe a você dizer o que eu


mereço.

— Não seja uma criança, Alexandre.

O queixo do piloto quase caiu.

— Uma criança?!

— Pirraça por conclusões precipitadas não é algo que eu esperaria de


você, para ser sincero.

— A conclusão de que você foi pra cama comigo pra me ferrar?

— Calma lá, mon chéri — Baz sorriu, quase irônico. — Até onde eu
me lembro, foi você quem me convidou. Insistentemente.

Sim, e Alexandre provavelmente se arrependeria disso pro resto de sua


vida.
Merda.

— Eu não trabalho com a Ritz — ele completou, em seguida. — Estou


aqui como um mero visitante.

— Visitantes não ficam no box, até onde eu sei.

Baz resmungou o que provavelmente era um palavrão em francês. Alex


não dava a mínima.

— Meu pai é o Beauchene, eu não tenho lá muita culpa sobre essa


parte.

Deus, Alexandre parecia estar realmente tentando acabar


completamente com a própria vida ao ficar com aquele cara.

— E essa é a informação que deveria me tranquilizar?! Você ser o filho


de uma das pessoas que mais infernizam a minha vida desde que eu cheguei?

— Não torne isso maior do que realmente é, Alexandre. Eu sei a dor na


bunda que Bernard pode ser mais do que ninguém, acredite em mim. —
Basile se aproximou, tocando o dedo indicador no seu peito. O sotaque
francês tornou-se mais notável, como se ele precisasse se esforçar para
pensar nas palavras na língua inglesa no momento de raiva. — Você não me
conhece, mas cogitar que eu fiz qualquer coisa pensando em te encrencar é,
no mínimo, injusto. Eu não sou meu pai. Se você tivesse qualquer chance,
uma vez no ano, de ver o esporte que você admira acontecer de perto,
também se prestaria ao papel de tolerar até o diabo.

Alexandre o encarou, umedecendo os lábios. Queria acreditar que


Basile realmente não tinha qualquer segunda intenção quando o acompanhou
até o seu hotel — seria seu dia de sorte, arrancar informações do maior rival
da equipe de seu pai.

Mas era quase impossível.

— Mas você defende essa galera com unhas e dentes — Basile


provocou, descendo o olhar pelo seu uniforme. — É fofo. E roxo até que fica
bem em você.
— Sei.

— Não vou ficar aqui e implorar para que você, estrelinha do Grid,
tesouro da temporada, confie em mim. Mas eu não ia deixar que você
pensasse que sou um completo filho da puta e não fazer nada.

— Claro — Alexandre disse, indo até a porta para abri-la. Gesticulou


na direção do corredor. — Você vai dar o fora sozinho ou eu preciso chamar
alguém?

Basile estalou a língua, soltando uma risada sem qualquer humor.

— Uau — ele murmurou. No caminho para sair, parou na sua frente


mais uma vez. Perto demais. — Só pra registrar também, você fica gostoso
pra caralho coberto de suor e champanhe.

O piloto engoliu em seco.

Seria preso se verbalizasse todas as imagens que se passaram pela sua


mente envolvendo Baz. A boca de Baz. As mãos de Baz…

— Tchau, Baz — disse, antes que fizesse a milésima irresponsabilidade


daquele fim de semana.

Porque Baz, em toda a sua existência, era a maior irresponsabilidade


que poderia cometer.
 
SEIS

Alexandre Duarte estava do lado de fora da oficina de Basile Beauchene


há cerca de uma hora.

Mas, se alguém perguntasse, o piloto de Fórmula 1 estava apenas


tomando um café com menta e aproveitando um pedaço de torta de
chocolate duplo na pequena cafeteria que ficava em frente ao local, sua
bagagem e mochila largadas ao seu lado.

Ele não sabia ao certo o que pretendia fazer ali.

Ou sabia. Sabia que, depois de conversar brevemente com Bruno no dia


anterior, após a corrida, precisava falar com aquele francês.

— Você conhece de perto alguém da Ritz? — havia perguntado,


tentando soar o mais desinteressado possível.

— Alguns mecânicos, uns engenheiros. Um pessoal do marketing


trabalhava com o meu pai, então eu já tive algum contato — o piloto mais
velho respondeu, esticando as pernas sobre o sofá. — Acho que não posso
me considerar realmente íntimo de ninguém. Por quê?
— Você conhece o Beauchene?

Bruno o encarou por alguns segundos, pensativo.

— Ele também é amigo do meu pai, eles se merecem.

— Considerando que você não suporta o seu pai, acho que isso não é
coisa boa.

— Que bom que você sabe, eu não tenho o menor pique pra pensar
naquele cara depois de um pódio. — Bruno jogou uma toalha úmida e fresca
sobre os olhos, respirando fundo. — Por quê?

— Me pergunto se um cara tão insuportável tem uma família em casa.

— Eu já disse, ele e o meu pai se merecem. Os dois não deram a


mínima pra família a vida inteira, mas a esposa morreu faz uns anos. —
Alexandre agradeceu silenciosamente por Bruno estar com os olhos
fechados e cobertos, porque seria estranho se o piloto visse a sua expressão
interessada e surpresa demais sobre o assunto. — Aposto que eles participam
de algum clube de pais ausentes.

— Ele tem filhos?

— Que eu me lembre, só um. Deve ser uns dois ou três anos mais novo
que você e eu nem sei se eles têm muito contato. — Bruno fez uma careta,
tirando o pano do rosto para olhar na sua direção. — Ele falou alguma coisa
pra você?

— Não, só fiquei curioso.

Alexandre pensou sobre aquela conversa durante o resto da noite, e


também quando decidiu não aparecer no aeroporto para voltar para a
Austrália imediatamente.

Pensava sobre aquela conversa ali, observando a oficina do Dom. Seria


um local não muito chamativo, se não fosse pelos carros de luxo
estacionados na rua. Pensava sobre a conversa com Bruno e sobre a que
ainda pretendia ter com Basile quando passasse pela entrada.
Merda, foda-se. Passaria o dia inteiro ali se não simplesmente
levantasse a bunda da cadeira e fosse até o que queria. Pediria desculpas
pelas conclusões precipitadas e iria embora. Não seria tão difícil.

Alexandre pagou o café da manhã antes de atravessar a rua e entrar pela


porta de clientes.

Foi uma surpresa ver o mesmo amigo de Basile na recepção, bebendo o


que parecia ser uma latinha de energético e jogando algo em um console
portátil. Realmente dedicado aos dois empregos, podia perceber.

— Baz está? — perguntou, um sorriso sem dentes no rosto ao ver a


expressão surpresa do rapaz.

Ele assentiu, apontando na direção da entrada para funcionários.


Alexandre agradeceu silenciosamente, passando pela bancada para entrar na
área interna da oficina.

Uma música clássica tocava nas caixas de som, o volume alto. Entre os
carros variados espalhados por ali, Alexandre viu o Rolls-Royce que parecia
muito ser o da corrida na Palladium.

Mas nenhum sinal de Basile. Não antes que Alexandre chegasse até os
fundos da oficina, onde o francês parecia inteiramente focado no que quer
que estivesse fazendo no carro da vez, o capô aberto o impedindo de notar a
aproximação do piloto.

— Você não parece do tipo que gosta de música clássica enquanto


trabalha, confesso — Alex soltou, finalmente chamando a atenção dele. Baz
franziu o cenho, surpreso. Irritado, talvez. Mas provavelmente apenas
surpreso. — Oi.

— Eu não suporto, Moreau coloca pra me infernizar — ele respondeu,


dando de ombros antes de voltar ao trabalho. — Apostamos que você não
venceria a corrida.

— Você apostou contra mim? — Alexandre se aproximou mais,


cruzando os braços.
— Talvez.

— Foda-se. Podemos conversar?

Basile soltou uma respiração pesada, revirando os olhos antes de olhar


na sua direção.

— Eu não posso parar o meu trabalho quando você bem quiser.

Alex mordeu a ponta da língua, ajustando a postura.

— Quando você estiver livre, podemos conversar?

Baz pareceu dividido entre mandá-lo embora ou concordar. Alexandre


não o julgava. Não mais, pelo menos.

— Só preciso de cinco minutos aqui, você pode esperar naquele


escritório — ele disse, por fim.

— Você tem um escritório aqui?

Baz riu, seco.

— Até parece. É do Dom, mas ele não tá aqui hoje. Você nem teria
entrado se ele estivesse.

Alexandre tentou pensar em qualquer coisa para responder àquilo, mas


não encontrou. Ele olhou ao redor no caminho para o escritório, observando
os carros e peças espalhados pelo local.

O escritório de Dom – que não parecia ser o tipo de pessoa que


Alexandre gostaria de conhecer – não era muito grande, mas parecia
aconchegante. Ele olhou as fotos espalhadas pela parede, o homem coberto
por tatuagens em inúmeros lugares do mundo, com amigos, talvez
familiares, e… Basile. Havia uma foto do dono da oficina ao lado de Baz, o
braço forte sobre os ombros do rapaz onde parecia ser a fachada do
Palladium.
Se não soubesse quem era o pai de Baz, seria fácil acreditar que Dom e
Baz tinham algum grau de parentesco. Não havia muita semelhança física,
mas Bernard não era lá comparável ao filho. Dom, pelo menos, parecia ter
sido em algum momento uma influência para Basile.

— Odeio essa foto. — Basile fechou a porta com um empurrão do pé,


olhando na direção da foto.

— É bonitinha.

— Eu ainda não tinha as tatuagens no pescoço. É estranho de olhar


agora. — O francês balançou a cabeça, dando de ombros. — O que você
quer?

— Eu te julguei mal.

Baz sorriu. Talvez realmente não esperasse que a conversa seguiria para
aquele lado, porque arrumou a postura e o encarou como se esperasse pelo
próximo movimento.

— É mesmo?

— Bom, é. — Alex limpou a garganta, tentando ignorar o quanto Baz


sorria como se estivesse precisando conter uma risada. — E eu queria pedir
desculpas por pensar que você fez qualquer coisa com intenções…
desonestas.

— E o que te fez chegar a essa conclusão, Alexandre?

— Bruno me falou um pouco sobre o seu pai.

— Ah, as mesmas coisas que eu tentei te falar?

Alex grunhiu.

— É.

Baz descruzou os braços, aproximando-se mais da mesa onde


Alexandre havia se encostado. O piloto engoliu em seco com a distância
cada vez menor.

Não que Basile estivesse muito perto. Não mesmo. Ainda havia uma
distância de cinco ou seis passos entre eles, mas era o suficiente para que
Alexandre quisesse se afastar.

Ou se aproximar mais. Provavelmente a segunda opção, e era isso que


fazia o alerta de perigo e confusão se acender na sua mente. O mesmo alerta
que, por algum motivo, desligou quando resolveu chamá-lo para o seu hotel.

Baz ponderou um pouco mais sobre as suas palavras, descendo o olhar


pelo brasileiro. Alexandre não havia exatamente se produzido para estar ali,
porque acreditava que Baz mal olharia na sua cara e, além disso, teria que ir
direto para o aeroporto e esperar pelo próximo voo para a Austrália. Não era
como sairia na rua normalmente, mas nada que Baz já não tivesse visto.

— Você é tão fofo, Alexandre.

— Vai se foder — resmungou, já dando o primeiro passo para sair dali.


Pior que Baz o mandando embora, seria Baz zoando com a sua cara.

Baz segurou o seu braço, o mantendo no lugar. Mais uma vez, mais
perto do que pretendia.

— O que Bruno disse sobre o meu pai? — ele perguntou, erguendo uma
sobrancelha. Quando Alexandre hesitou, ele deslizou a mão pelo seu
antebraço, aproximando-se ainda mais. Que merda. — O que ele disse, mon
chéri?

— Nada muito revelador. — Alexandre pretendia terminar o assunto


ali, mas Basile levou uma mão até o cós da sua calça. Usando um único dedo
como gancho para aproximar-se ainda mais, o francês pairou os lábios sobre
a boca entreaberta de Alex. Bem, aquilo estava saindo do seu planejamento
inicial, mas não era como se ele fosse reclamar. — Algo sobre ele ser
ausente, ou…

— Ou… — ele incentivou, usando a ponta da língua para umedecer os


lábios. Deus, Alexandre deveria estar a caminho do aeroporto.
— Eu não sei, não me faça perguntas difíceis agora. — Alex comprimiu
os lábios, pensando sobre o quanto estava novamente se deixando cair no
erro de fazer o que não deveria. Sair e ir até um bar referência para qualquer
um que gostasse de carros e corridas ilegais. Dormir com um desconhecido.
Não assinar a droga do termo de confidencialidade. Se aproximar novamente
do desconhecido que, quem diria, era filho do chefe de sua equipe rival.

— Tenho certeza de que você consegue se lembrar, Alexandre — Baz


praticamente ronronou, a sílaba final de seu nome sendo cruelmente
prolongada e evidenciada pelo sotaque bonito de Baz. Bonito como Baz. Ele
era muito mais bonito de perto. Tentador. A mente de Alex era uma nuvem
de pensamentos que não evitaria ter com qualquer outra pessoa senão aquele
cara. Perigoso demais. Arriscado demais. E ainda gostava de dizer que tinha
um bom senso de autopreservação. O caralho.

— Ele comentou sobre a sua mãe, acho, e…

Sua frase foi interrompida pela boca de Basile – o que era irônico,
considerando que ele havia perguntado.

Mas, mais uma vez, não era uma reclamação. Longe disso.

Alex levou as mãos para o rosto do rapaz, se deixando ser empurrado


até que ficasse novamente contra a mesa do escritório. Baz o beijou do jeito
que Alexandre nunca foi beijado antes, do jeito que o buscava até o fim,
apenas para se afastar e fazer com que corresse atrás do resto.

Seus primeiros beijos com Baz foram estranhos. Desajeitados, talvez.


Droga, todo o primeiro momento entre eles havia sido quase tímido,
impessoal demais e completamente desajeitado. Antes de chamar alguém
para sua cama, talvez seja normal que se converse um pouco sobre suas
preferências.

Havia sido bom. Pra caralho. Baz tirara em quinze minutos toda a
tensão que havia se instalado no seu corpo desde o convite para a festa de
noivado de sua amiga, alguns dias atrás.

Mas tornou-se ainda melhor, porque já podia dizer com certa facilidade
que Baz gostava mais quando beijava o seu pescoço do que o seu peito. Ou
que ele definitivamente tinha algo com mordidas, porque os gemidos
prolongados que ele soltava a cada vez que Alexandre mordia o seu ombro
não poderiam ser coincidência.

O mesmo para Basile, definitivamente. Depois de explorar o piloto


como se descobri-lo fosse uma brincadeira para passar o tempo, Beauchene
simplesmente sabia onde tocá-lo, como e com qual pressão. Alexandre
estremeceu só de lembrar da mão tatuada envolvendo o seu pescoço.

— Mon chéri — ele chamou, a voz baixa e arfante. Alexandre tentou se


inclinar para prosseguir com o beijo, mas Baz se afastou com uma risada
sem som. — Sua mão está no meu pau.

— Hm? — Alex olhou para baixo, mordendo a língua ao perceber que,


sim, sua mão estava dentro da calça de Basile. — Não entendi. Eu deveria
pedir desculpas?

Baz soltou o que provavelmente era um palavrão em francês. Alexandre


tinha uma certeza quase absoluta, considerando que escutara a mesma coisa
vindo dele duas noites antes.

— Quando você precisa ir? — ele perguntou, parecendo esquecer o


tópico da sua mão onde supostamente não deveria estar.

— Hoje… — Alexandre suspirou, fechando os olhos quando Baz se


inclinou para beijar um ponto pouco abaixo da sua orelha. Fraco, Alexandre.
Muito fraco. — Amanhã.

— Você fica no meu apartamento.

— Graças a Deus, porque eu já fiz o checkout do hotel. — Baz soltou


uma risada nasal e sem som, revirando os olhos. — Nós vamos agora?

— Quando você tirar a mão do meu pau, talvez.

— Ah, claro — murmurou, afastando a mão com cuidado. Alex


observou Baz arrumar a calça e o cabelo, olhando a mesa para ter a certeza
de que nada havia saído do lugar. Tudo em ordem, aparentemente.
Menos a mente de Alexandre. Ele estalou a língua em um movimento
inconsciente quando pensou que ir para o apartamento de Basile poderia ser
– definitivamente era – mais uma péssima ideia. Mais uma.

— Cara, para de pensar tanto. — Baz balançou a cabeça. — Ninguém


vai te reconhecer. Considerando que hoje é segunda-feira, duvido até que
alguém apareça no nosso caminho pra te ver. E se te vissem, provavelmente
só pensariam que é alguém muito parecido.

— Onde você mora?

— Vai adiantar se eu te disser o nome da rua? — Quando Alexandre


balançou a cabeça, o francês deu de ombros. — É um prédio universitário,
mas é pequeno e a maioria mal passa o dia por lá.

— Certo. Tudo bem.

— E se vissem, eu duvido que a primeira reação deles fosse procurar


um site de fofocas. — Alexandre ergueu uma sobrancelha. — É sério, qual o
seu lance em existir com o medo de alguém te condenar por isso? Deve ser
uma merda. Você esconde até que fuma, e nem é contra a lei ou algo assim.

— Eu não fumo! — Alex exclamou.

— Não sei se você lembra, mas eu invadi a sua sala ontem. Você tem
cigarros no bolso lateral da sua mochila. Marca cara, por sinal. Nunca
entendi quem paga cinco vezes o preço de um cigarro normal.

É, Alex tinha se esquecido disso.

— Não é tão simples assim.

— Provavelmente não é, eu não entendo essa coisa de ser amado pelo


mundo inteiro — Baz disse, dando de ombros. — Ou por mais alguém além
das duas pessoas que fazem parte do meu círculo íntimo.

Por mais que devesse parecer uma piada depreciativa por parte dele,
não soou como se fosse. Basile não parecia dar a mínima, na verdade. Alex
queria ser assim.
— Eu sinto que você está me zoando, mas não tenho tanta certeza.

— Talvez eu esteja — ele sorriu. — Só me dá um tempo pra passar pro


idiota da recepção…

— Moreau?

— Esse.

— Pensei que vocês fossem amigos.

— Somos, por isso tenho passe livre pra chamar ele de idiota. — Baz
balançou a mão, desinteressado. — Vou passar pra ele o que ele pode ou não
encostar e fazer. O Tesla do lado de fora é meu, você pode esperar lá.

— Você tem um Tesla?

— Talvez eu tenha. Não deixe ninguém do Palladium saber.

— Por quê?

— Porque quando eu corro, é com carros emprestados — Basile disse,


simplista. Alexandre não imaginava que Basile também participasse das
corridas, mas fazia muito sentido. Ele não parecia do tipo que apenas olharia
algo e não participaria. — Não vou correr nenhum risco com o meu Tesla.
Foi Dom quem me deu.

Alexandre pensou em perguntar sobre Dom, porque eles pareciam cada


vez mais como uma pequena família. Ou, pelo menos, algum tipo de apoio
mais próximo. Baz não parecia ser do tipo que deixava qualquer pessoa ter
grande acesso a partes mais privadas de sua vida, então aquele homem
parecia… especial. De uma forma que Baz não verbalizaria.

Ele pegou as chaves que Baz jogou na sua direção, arrumando o cabelo
antes de sair da sala.

O Tesla de Basile estava estacionado do lado de fora da oficina, do


outro lado da rua. Alexandre precisou esperar no banco do carona por cerca
de dez minutos até ver o rapaz saindo da oficina com uma roupa limpa, não
muito diferente da calça lisa e camiseta que vestia antes.

— Espero que você não tenha tocado em nada — ele disse, examinando
o carro como se Alexandre fosse uma criança de cinco anos, não um adulto
de vinte e três que lidava com carros muito mais delicados que aquele
diariamente.

— Vou fingir que não estou ofendido com isso e simplesmente


perguntar se eu posso dirigir.

— Não.

— Então me deixe no aeroporto.

Basile sorriu como se dissesse “nem fodendo”.

— Você não quer isso — ele disse, negando com a cabeça. — Se


quisesse, não teria ficado feito um trouxa na frente da oficina por quase uma
hora.

Alex gaguejou.

— Vai se foder.

— Moreau me contou. Você é um amor, mon chéri. Foi difícil pensar


em como pedir desculpas?

— Estou começando a realmente querer ir pro aeroporto.

— Mentira.

Definitivamente uma mentira.

O caminho até o prédio de Basile foi silencioso. Alex manteve o olhar


nas ruas que não havia tido tempo algum para conhecer durante a estadia, o
que era um ultraje.
Alexandre gostava de viajar, e talvez fosse isso que o mantivesse
sempre tão disposto com sua rotina de estar em um lugar diferente a cada
semana. Mesmo com o pouco tempo disponível entre uma corrida e outra, o
piloto sentia a necessidade de sair para conhecer um pouco de cada canto por
onde passava.

Usar suas noites para ficar em um bar não era um evento comum. Ele
gostava dos pontos turísticos, dos lugares movimentados onde conheceria
uma infinidade de pessoas diferentes. Adorava poder levar um pouco de um
país consigo. Seu sonho de criança era conhecer o mundo e, tendo a
oportunidade, não era o tipo de coisa que desperdiçaria.

— Chegamos — Baz anunciou, parando o Tesla em um bairro


pouquíssimo movimentado. Ainda assim, Alex colocou os óculos escuros e o
capuz do moletom sobre a cabeça. — Isso é desnecessário.

Alex revirou os olhos, mesmo que o outro não pudesse ver. O piloto
brasileiro acompanhou Baz até o prédio simples, mas bem cuidado.
Claramente universitário. Havia panfletos e pôsteres de eventos acadêmicos,
palestras e clubes de alunos em um quadro na entrada.

— O que você cursa? — perguntou, olhando cuidadosamente ao redor.

— Engenharia. — Baz o encarou como se fosse um louco em estar tão


preocupado em ser visto quando estavam em um prédio pequeno e
aparentemente vazio. Talvez Alex fosse, mas não era bom em correr riscos
muito grandes.

Quer dizer, aparentemente era, se considerasse os eventos dos últimos


quatro dias.

— Engenharia automotiva, mais especificamente — ele completou.

— Uau, eu nunca esperaria algo assim — Alex ironizou, recostando-se


na parede do corredor enquanto Baz procurava pelas chaves do apartamento
nos bolsos. — Você já pensou em trabalhar em alguma equipe? Seu
sobrenome pode servir de alguma coisa, definitivamente.
Basile riu. Uma risada humorada como se aquela possibilidade fosse
realmente cômica.

— Mon chéri, eu não tenho currículo para trabalhar com a sua turma —
ele disse, abrindo a porta com um empurrão suave do pé. — Tudo o que eu
tenho são algumas notas razoáveis, um currículo com carros de luxo e três
passagens pela polícia.

Alexandre abriu a boca, pronto para perguntar o que infernos


significava três passagens pela polícia – óbvio, mas ainda queria saber até
onde aquela frase poderia chegar antes de realmente entrar no apartamento
de Baz.

— Entra, alguém pode te ver no corredor — Baz interrompeu, e


Alexandre obedeceu. Apenas porque era uma possibilidade que não queria
correr de verdade.

O apartamento de Basile não era como esperava.

Na verdade, não sabia bem o que esperava. Tinha consciência que não
se podia fazer muita coisa em um apartamento universitário mas, ainda
assim, havia um toque de Baz ali. Os móveis escuros, uma mesinha com
consoles de videogame no centro da sala minúscula, algumas plantas – do
tipo que não precisavam ser molhadas com frequência, Alex sabia graças ao
gosto incontrolável de sua mãe por plantas – e…

— Não pise nas coisas da gata — o francês mandou, passando por Alex
para soltar a mochila sobre o sofá.

Baz se abaixou para pegar algo entre o espaço mínimo que havia entre
o móvel e a parede.

Um gato. Branco, um olho escuro e o outro azul. Ele deslizou os dedos


cuidadosamente entre as orelhas do animal antes de deixá-lo se aconchegar
sobre a poltrona do canto da sala.

— Você tem um gato.


— Gata — Baz corrigiu, passando ao seu lado mais uma vez. Na
cozinha, que não era muito maior que o corredor, ele se abaixou para pegar o
que parecia ser comida de gato em um armário. Bem, aquilo era uma
surpresa para Alexandre, precisava admitir. — Corvette. Se quiser fumar,
fume na varanda. Corvette odeia a fumaça e o cheiro.

Deus.

— Sua gata tem nome de carro.

— Ela é linda como ele — ele disse, como se fosse algo óbvio e que
Alexandre definitivamente precisasse saber. Basile disse algo na direção da
gata, em francês dessa vez, enquanto colocava comida em um dos potes. —
Fica à vontade. Não é muito grande, mas a minha cama é espaçosa.

— É a parte que importa, acho.

Basile o fitou por alguns segundos, um sorriso crescendo no seu rosto.

— O que foi? — perguntou, ajustando a postura. Até onde sabia, não


disse nada errado. Ou feito algo errado. Estava até sem os tênis, porque
havia os deixado na entrada.

— Você é tímido, eu não esperava isso.

Alex bufou.

— Não sou tímido, só não vou sair explorando o seu apartamento como
se fosse meu.

— Fique plantado aí o quanto quiser, eu vou tomar um banho antes de


qualquer coisa. — Baz se aproximou para passar por Alex mais uma vez,
mas parou no meio do caminho. Frente a frente com ele. — Se você quiser
economizar o meu tempo, vai me esperar na cama. Sem roupa.

— Apressado? Você me tem até amanhã.

— Justamente. — Alexandre não sabia se Baz estava tão perto pelo


corredor estreito do apartamento ou porque realmente queria, mas não tinha
do que reclamar enquanto o francês deslizava o polegar pelo seu lábio
inferior. — Eu quero aproveitar bem esse tempo, mon chéri.
SETE

Basile tinha um prazer estranho em poder desarrumar Alexandre Duarte.

Isso não se aplicava apenas ao ato de tirar as roupas, de fazê-lo se


desmanchar em seu colchão.

Era o evento de descobrir, mesmo que com poucas palavras – e em


maioria, palavrões –, mais sobre quem era Alexandre. Um Alexandre que
poucos conheciam. Quantas pessoas tinham a honra de vê-lo fumar um
cigarro, nu em suas camas?

Para alguém que se fazia ser tão apagado – porque Baz estava
começando a achar que era algo proposital –, Alexandre Duarte tinha mais
cores do que poderia identificar de uma vez só. Talvez ainda precisasse de
um tempo a mais para reconhecer o que era.

Quem mais tinha a honra de ver Alexandre Duarte tirar as correntes


douradas, os anéis coloridos e os brincos de pressão, bagunçar os cachos
tingidos de um tom mais próximo do castanho — Baz tinha quase certeza de
que sua cor natural era algo loiro — e assumir uma expressão mais séria?
Alexandre Duarte parecia ter uma expressão quase emburrada na maior parte
do tempo em que estava sozinho ou, pelo menos, longe de quem tinha o
intuito de vigiá-lo, e Baz ainda queria saber os seus motivos para isso.

Ele não se dava realmente bem com sua equipe? Não amava correr,
como dizia em todas as entrevistas? Tinha problemas familiares? Por que ele
se escondia tanto, em todos os aspectos possíveis de sua realidade?

Por que Baz conseguia ver alguns desses aspectos?

E ele não era o único que gostava de brincar com limites. Alexandre
percorria e explorava com as mãos, boca e olhos, provocava e instigava.
Pedia por mais, implorava por libertação. E, de certa forma, ainda parecia ter
sua parcela gigante de comando no que fizeram naquele quarto até que
escurecesse. E depois disso também.

Basile surpreendeu-se quando ele passou os dedos longos entre os


cabelos para arrumá-los para trás antes de sentar-se com as costas apoiadas
na cabeceira da cama e acender um cigarro enquanto esperavam pela entrega
do jantar. Optaram pelo mesmo delivery onde pediram o almoço, porque
perder tempo na cozinha também não era uma opção. Suado, bagunçado e
ofegante, a figura de destaque das principais matérias dos últimos meses ao
redor do mundo havia se reduzido a muito pouco.

E essa era a parte mais incrível.

Alexandre Duarte era, com poucas palavras, um mistério que Baz


morreria para desvendar até o final. Para não soar tão profundo assim,
precisava admitir que era apenas uma diversão – se passasse dos limites de
sua cama ou do colchão de um hotel, ele recuaria. A ingenuidade elegante
que se transformava em algo obsceno e vulgar quando as portas e janelas se
fechavam o intrigava.

Profundamente.

A calma que se transformaria em bagunça em questão de segundos.


Sem muita conversa.

Basile tinha um sono leve desde sempre. Por isso, quando Alexandre se
levantou na madrugada e soltou um palavrão ao pegar o celular na mesinha
ao lado da cama, Baz já estava acordado.

Ele observou o piloto brasileiro ir até a porta do quarto e parar, como se


sair pelo apartamento minúsculo quando Baz não estava vendo fosse algo
gravíssimo de se fazer.

Alex virou para o outro lado, indo até a pequena varanda do quarto.
Alguns segundos depois, Baz pôde ouvir um áudio soando do aparelho nas
mãos dele.

— Boa noite, querido! Ivan me contou que você resolveu ficar mais um
dia na França, espero que esteja curtindo o seu tempinho livre. Dei o
ingresso daquela exposição de arte que teríamos hoje para o seu pai, ok?
Mandei algumas fotos porque sabia que você também queria muito ver, mas
Ângelo não é um fotógrafo muito bom. — Baz não entendeu a parte seguinte,
porque Alex soltou uma sequência surpreendente de palavrões para si
mesmo. Apesar do tom relaxado e divertido da mulher que falava do outro
lado, ele parecia ter acabado de ouvir a notícia da morte de alguém. — Não
se esqueça da minha lembrancinha! Eu te amo muito, Xander. Durma bem.

A sequência de palavrões diversos continuou.

E Baz permaneceu imóvel. No canto da cama, ele sentiu Corvette subir


no colchão.

— Boa noite, ma fleur — sussurrou, pegando a gata com cuidado. — A


cama está suja, você realmente não vai querer ficar aqui.

— Nicole, oi. Eu sinto muito, muito, muito mesmo. Eu me esqueci


completamente da exposição, eu… — Ele parou, tornando a xingar-se. Sua
voz parecia cada vez mais trêmula. Alexandre pareceu tentar respirar fundo
antes de recomeçar. — Oi, Nicole. Eu fico feliz que a exposição tenha sido
boa, e eu… Merda, mas que merda. Você é tão… egoísta, Alexandre. Ela vai
te odiar pra sempre. Babaca.

Basile achava que não seria possível ver Alexandre Duarte demonstrar
mais raiva do que na corrida, depois que ele o viu ao lado da Ritz. O piloto
parecia irritado a ponto de afetá-lo na pista, e só aquilo já era algo que ele
nunca havia demonstrado antes.
Mas, naquele momento, Alexandre parecia possesso consigo. Baz, que
não tinha a boca mais limpa do mundo, se surpreendeu com o quanto ele
podia xingar a si como se tivesse acabado de matar alguém.

Ele tentou gravar algo citando a tal Nicole mais cinco ou seis vezes –
mas em português, o que impediu Baz de entender algo além do nome da
mulher – antes de desistir.

Aquilo, sim, foi algo estranho. E Alexandre provavelmente acreditava


que Baz ainda dormia, porque permaneceu na varanda por quase meia hora
antes que o francês resolvesse se levantar.

Não para falar com ele imediatamente. Não.

Basile fingiu sequer saber que ele estava ali ao levantar para levar
Corvette de volta para a sala. Na varanda, a figura de quase dois metros e
músculos parecia gigante encolhida no chão enquanto digitava algo em seu
celular.

— Alexandre, que merda você tá fazendo aí? — Baz ergueu uma


sobrancelha, abrindo a porta de vidro quando voltou para o quarto. — Tá
frio pra cacete e você não tá usando nem uma calça.

Bom, ninguém podia dizer que não era um ótimo ator.

Alex o olhou com os olhos arregalados, como se não esperasse ser


encontrado. Se estava incomodado com o frio no corpo seminu, não
demonstrava.

— Eu… lembrei que preciso comprar a passagem para um voo logo.

— Agora? De madrugada?

Ele engoliu em seco.

— Eu esqueci. Foi mal.

Basile revirou os olhos. Malditas desculpas.


— Levanta e veste uma roupa, você pode comprar pelo meu
computador. Da próxima vez, veja isso antes de desmaiar de exaustão depois
de um orgasmo.

Baz saiu do quarto para pegar o notebook na sala, o deixando sobre o


balcão da cozinha para o piloto.

Alex vestiu uma roupa confortável antes de sair do quarto, limpando a


garganta ao sentar-se de frente para o computador.

— Baz — chamou, após alguns segundos, a voz baixa e quase…


tímida. Como se não tivesse passado um dia inteiro fodendo com ele.

— O quê?

— Tá tudo em francês.

Baz resmungou, aproximando-se dele para mudar as configurações do


aparelho.

— Você prefere em inglês ou português?

— Português. Não penso direito em inglês de madrugada — respondeu.

Ou depois de uma crise nervosa. Baz mudou tudo para a língua materna
de Alexandre, afastando-se em seguida para pegar água.

Alex fungou discretamente uma ou duas vezes, claramente nervoso.


Sua perna direita não parava de mexer e ele checava o celular a cada dois
segundos.

Basile voltou para o quarto, porque não era como se fosse ser de grande
utilidade na cozinha com um computador em uma língua que não entendia.
Ou para um piloto em um momento… estranhamente tenso. Ainda não fazia
sentido algum para ele – a mensagem com a reação desesperada que
Alexandre demonstrou.

Com uma pesquisa rápida, foi fácil juntar algumas peças. Nicole
Duarte, a mãe de Alexandre. Era sua família.
Ainda assim... Baz esfregou os olhos, agitado. Por que Alexandre
surtou como se estivesse recebendo uma bronca? Basile sabia como uma
briga deveria soar. Seu pai infernizava a sua vida gratuitamente há anos.
Nicole não soava como Beauchene de forma alguma e, lembrando bem do
pouco que já havia visto sobre a vida pessoal do piloto, eles eram próximos.
Muito próximos. Havia uma infinidade de fotos dos dois juntos em eventos e
até mesmo em momentos em que foram fotografados desprevenidos, e não
parecia ser algo forçado. Baz esperava que não fosse, porque seria ainda pior
saber que Alex fingia tanto até mesmo sobre isso.

Se perguntasse, era provável que Alexandre recuasse. Seria burrice.


Eles pareciam ter uma relação incrível pelas fotos nas redes sociais, mas até
onde podia confiar no que Alexandre mostrava para qualquer pessoa?

O rapaz voltou para o quarto alguns minutos mais tarde, parecendo


hesitante em se deitar novamente.

Era o tipo de clima tenso e pesado que Baz odiava. Carregava o cheiro
de queimado insuportável e de incenso ruim que o incomodava em seus
piores pesadelos.

— Deita, Alexandre. Você precisa de mais alguma coisa?

— Hm, não. Vou sair antes das seis.

— É antes da minha aula — informou, pousando o braço sobre os


olhos. — Posso te deixar no aeroporto.

— Não precisa se incomodar, eu…

— Corta essa.

Um silêncio se instalou entre eles mais uma vez.

Não havia qualquer indício do Alexandre cheio de atitude e confiança,


de sorriso charmoso e mãos curiosas. Alexandre Duarte parecia cansado e
contido, ajeitando-se do outro lado da cama.
Baz tinha certeza absoluta de que se tivesse a opção de ir direto para o
aeroporto imediatamente, Alex o faria. Apenas para não demonstrar demais
de si para alguém que conhecia há menos de uma semana.

Há quatro dias. E nem conhecia tão bem assim.

O francês esfregou nervosamente os olhos.

O que ele precisava tanto esconder?

— Boa noite, Duarte — disse, por fim. Rispidamente demais, talvez.

— Boa noite, Baz.


 
OITO

Alexandre Duarte era um fenômeno.

Muito além de piloto de Fórmula 1, era a preciosidade da família


Duarte. O único filho de Nicole e Ângelo, figuras conhecidas entre o meio
das artes, da moda e do automobilismo.

Desde a primeira vez em que fez uma aparição pública ao lado da mãe
em um evento beneficente aos dezoito anos, todos os olhares já pertenciam a
ele.

Nicole Duarte era reconhecida por sua carreira de sucesso como


modelo, atriz e, especialmente, pelos trabalhos por várias causas sociais.
Ângelo, por sua vez, como fisioterapeuta e amigo pessoal de pilotos da
Fórmula 1 – Ivan Nikolaev sendo um dos principais e mais reconhecidos.

Era de se esperar que sua criança se destacasse como eles. Ou tanto


quanto.

Começou como algo pequeno. Alexandre aparecia nas redes sociais de


seus pais – de Nicole, principalmente – e ganhava alguns seguidores aqui e
ali, pessoas interessadas em conhecer o descoberto membro da família. Com
a rotina de treinos acompanhada pelo pai e outros profissionais
perfeitamente capacitados, eventos de grande prestígio, amizades com
figuras públicas e aparições em entrevistas, era de se esperar que o nome
prosperasse, e não apenas entre categorias do automobilismo.

Era o gradual nascimento do Garoto de Ouro. Ninguém sabia ao certo


de onde o apelido havia nascido, mas combinava com ele. Com a companhia
constante e carinho evidente pela família, os amigos sempre presentes, pelo
sorriso charmoso. Alexandre sabia como conquistar o mundo desde o início.

Mas a Fórmula 1 foi uma surpresa até mesmo para a própria família.
Nicole e Ângelo nunca economizaram esforços, tempo e dinheiro para
investir no filho, mas todos os méritos ainda eram de Alexandre. Ele era
esforçado, dedicado e inegavelmente talentoso.

Ele nunca quis ser o piloto para o qual olhavam e pensavam que estava
ali apenas pelo dinheiro da família. Alex sempre quis os melhores
resultados, os maiores números. Cada dia era uma chance – um dever – para
mostrar-se melhor.

E Alexandre era bom em se superar. Mostrou isso para todos que o


viram em seu primeiro ano na categoria que juntava os melhores do mundo.

Mas, no fim, tudo o que importava para ele era ser bom para a sua
família.

Alex se deixou relaxar ao passar pelo portão da residência Duarte, um


casarão no centro de Port Douglas. Considerando que era uma terça-feira, o
jardineiro estava de folga – assim como a maior parte dos funcionários que
auxiliavam Nicole em todas as tarefas possíveis.

Mas a julgar pelo cheiro que vinha da cozinha, Aria não era uma delas.
Alex não se surpreenderia se a própria senhorinha de sessenta e poucos anos
tivesse insistido em estar ali para recebê-lo para o jantar.

— Espero que você tenha tirado os tênis, Alexandre — ela disse, de


costas para ele enquanto tirava uma travessa do forno. Alex olhou para os
próprios pés antes de chutar os tênis para o canto da bancada discretamente.
— Sempre, gata. — Ele se inclinou, passando um braço pelos ombros
da cozinheira. — Torta de carne?

— Como você gosta. — Aria beliscou o seu braço. — Também fiz


pavlova.

— Tenho tanta inveja do seu marido — ironizou, estendendo a mão


para roubar uma fatia de torta. — Nicole tá em casa?

— Deve estar chegando, acho que arrastou Ângelo para comprar roupas
e levar o menino pro salão.

— É claro. Roupas, como sempre. — Um sorriso cresceu no rosto dele


ao ouvir a porta da frente sendo aberta, a voz de Nicole soando alta enquanto
ela tagarelava sobre algum evento importante com Ângelo.

Alex finalmente se sentia em casa. Seguro.

Os latidos do menino citado por Aria puderam ser ouvidos antes que o
dobermann aparecesse na cozinha, saltitante e animado ao ver Alexandre ali.
William Bonner – Alex achou que o nome seria engraçado – era grande o
suficiente para, sobre duas patas, ficar do tamanho de uma pessoa de um
metro e meio, talvez mais. O animal não parou até que Alex se abaixasse
para brincar com ele.

O sorriso natural de Nicole se alargou ainda mais quando viu o filho na


cozinha. Os cabelos longos e escuros estavam presos em uma trança
caprichada – seu penteado favorito, Alexandre sabia. Ela deixou o casaco
sobre o encosto do sofá antes de se aproximar para um abraço.

— Você fica cada dia mais lindo, Xander — Nicole disse, inclinando a
cabeça quando Alexandre beijou a sua mão antes de abraçá-la. — Você
cresceu?

— Você só não me via há duas semanas, Nicole. — Ele beijou a testa


da mãe, inspirando o perfume doce. — E eu já parei de crescer há alguns
anos.
Alexandre se afastou para cumprimentar Ângelo com outro abraço,
embora William ainda lutasse pela sua completa atenção.

— Parabéns pelo pódio, garoto.

— Valeu. — Alex tornou a se aproximar de Nicole, abraçando-a por


trás. — Senti sua falta.

A mulher beijou demoradamente a sua bochecha.

Às vezes, Alex pensava sobre a primeira vez que conversou com Nicole
Duarte.

Ele a odiou. Alexandre a odiou como nunca tinha odiado alguém em


toda a sua vida, provavelmente.

Mas eram tempos diferentes. Ele não fazia a menor ideia de onde
estaria se não fosse por aquela mulher – por quem ela era, em todos os
sentidos possíveis.

— Você parece pensativo, Xander. — Ela estendeu um prato na sua


direção, cheio de torta de carne. Alex pensou no quanto sua nutricionista
acabaria com Aria se soubesse que estava cozinhando aquilo para o piloto.
— Algo aconteceu?

Ele fitou a mulher por alguns segundos antes de balançar a cabeça,


tornando a se abaixar para brincar com William. O cachorro parecia
desesperado para arrancar a gravatinha vermelha que colocaram no seu
pescoço.

Alex balançou a cabeça, tirando o acessório e jogando do outro lado da


sala, para fazê-lo correr atrás. Pelo menos serviria como brinquedo até que
alguém percebesse – e fosse tarde demais, porque os dentes daquele animal
faziam um estrago facilmente.

— Só cansado da viagem. Não ando dormindo bem.

— Bom, nada que um chá não consiga resolver! — A mulher acenou


para Aria, que assentiu. — Você já vai embora amanhã?
— Depois de amanhã.

— Então, termine de comer. Tome um banho bem quente, pegue o chá


de Aria e descanse. Não quero te ver acordando antes das onze da manhã. —
Ela pegou um copo de suco, entregando também na sua direção. — Ah, e
seu pai cuidou dos carros dessa vez.

— Jesus, eles estão bem? — brincou, rindo baixo quando Ângelo


mostrou o dedo do meio na sua direção.

— Pra sua informação, eu cuidei de carros por anos.

— Querido, você cuidou de pilotos por anos — Nicole corrigiu,


entregando outro prato cheio de comida para o marido.

— É a mesma coisa. Um carro não é nada sem seu piloto. É como um


casamento.

— Verdade — Alex concordou, contendo uma risada com a careta de


Nicole.

— Vocês, homens do automobilismo. — Ela revirou os olhos. — Não


sei como aguento viver com tantos.

— Para, você não viveria sem mim. — O mais novo se inclinou para
frente, piscando na direção da mulher antes de levantar e deixar os pratos
sujos sobre a pia. — Eu vou tomar um banho, não aguento mais estar há
quinze horas na mesma roupa.

— Boa noite, amor. — Nicole acariciou o seu rosto. — Podemos fazer


algo juntos amanhã. Um filme, ou talvez parar comprar algumas roupas...

— Meu guarda-roupa está ótimo, obrigado. — Ele acenou, pegando os


tênis que deixara no canto da cozinha. — Aliás, você recebeu as roupas que
enviaram pra mim?

— Nia as arrumou no seu closet! São lindas, seu pai quase roubou
algumas camisas.
— Não toque nas minhas camisas — avisou, apontando para o pai.

Alexandre suspirou ao entrar no quarto. Como sempre, estava como o


deixara. A decoração neutra em branco e cinza evidenciava os livros que
tinha – apenas os seus títulos favoritos, porque não tinha mais o costume de
consumir qualquer livro físico com a rotina de viagens –, os colecionáveis de
personagens de filmes e séries, os pôsteres de clássicos espalhados pelas
paredes.

Nia, a responsável pela organização da casa, provavelmente havia


limpado o lugar antes da sua chegada, porque ainda era possível sentir o
cheiro suave de produtos de limpeza.

Depois de separar algumas roupas que o deixaria mais confortável,


Alexandre se afundou na banheira da suíte, soltando um gemido quase
dolorido.

Céus, o quanto precisava daquilo e não tinha percebido?

Alexandre passou uma mão úmida pelo cabelo ao ouvir o celular tocar,
o contato de Jolene brilhando na tela para uma chamada de vídeo. Se fosse
qualquer outra pessoa, ele desligaria. Mas não Jolene.

— Ai, meu Deus. Você tá na banheira? — Ela ergueu uma sobrancelha


quando atendeu. — Isso é um convite?

— O quão perto você tá?

— Sei lá, uns nove mil quilômetros e um oceano no caminho. — Ela


deu de ombros, acomodando-se na cama de seja lá qual hotel estava daquela
vez. — Enfim, precisamos conversar.

— Sempre livre pra você, amor.

— Você sabe que eu não acompanho o seu lance, né. Mas eu preciso
muito saber quem era o gostoso com você no último pódio e por que você
cometeu o crime de cortar a cara dele na foto do seu Instagram.

— O Bruno é casado, Jo.


— Não, tonto. — Ela revirou os olhos. — O outro?

Alexandre fez uma careta, ajeitando a postura na banheira.

— Laurent?

— Esse é o nome dele? Deus, Alex. Ele é lindo. Você perdeu o seu posto
de gato do grid, foi mal. Perdi todo o meu tesão em você.

— Ele é da Ritz, não vou te apresentar pro meu maior inimigo. — Ele
se inclinou para alcançar o maço de cigarros que deixou ao seu lado, no chão
do banheiro. — Apesar de que eu não tenho nada com ele, pessoalmente.
Coisa de equipe, acho. Enfim, não.

— Por que você pode dormir com o seu inimigo e eu não posso tentar
conhecer o inimigo do meu amigo?

Ele resmungou um palavrão.

— Cala a boca, eu tô em casa.

— Você escondendo algo de Nicole? Uau, isso é novo.

— Foi algo de um dia, ninguém mais precisa saber.

— Errado. Duas vezes, e você dormiu no apartamento dele.

— Se juntar as horas, só vai dar um dia — rebateu. — Sério, eu nunca


mais vou ver esse cara.

— Mas não me deixou ver uma foto sequer dele! Você chama isso de
amizade? Eu ficaria feliz até com a foto do WhatsApp, e essas costumam ser
as piores.

Alex revirou os olhos.

— Não peguei o número dele.

— Quando ele te mandar uma mensagem, então.


— Ele também não pegou o meu. — Jo soltou um arquejo indignado.
— Sério, nenhum de nós teve intenções de fazer algo outra vez. É perigoso
demais.

Perigoso. Errado. Irresponsável. Ivan o mataria. Bruno o mataria.


Ângelo o mataria. Porque toda a situação começou de forma tão errada – por
sua culpa –, que não havia uma possibilidade sequer, em qualquer universo,
em que manter um lance casual com alguém como Basile poderia funcionar.

Alexandre sequer chegou a considerar. Podia gostar de sexo o quanto


fosse e, mais ainda, como as coisas aconteceram com o francês, mas não
colocaria sua carreira, o seu sonho, em risco. Nunca.

— Pensei que você tivesse curtido ficar com ele.

— Curti e, acredite, aproveitei pra caralho enquanto durou. — Ele


tragou o cigarro, balançando a cabeça. — Mas nem tudo que é bom dura pra
sempre. Pena.

— Sinto muito por isso. Bom, me arranje o contato do piloto bonito.

— Não vou te arranjar o contato dele, Jo.

— Ciúmes?

— Autopreservação. Se você tiver algo com ele, ou eu vou ficar de vela


pra um cara que provavelmente não suporto ou vou te ouvir reclamando
sobre como ele é um babaca. Não gosto de nenhuma das opções. E você sabe
o escândalo que seria se te vissem com outro piloto. Alexandre Duarte é
trocado por rival, e blábláblá. Me economiza.

— Diz o que saiu pra um bar com rachas ilegais na programação.

— Foi um momento de recaída.

— Caída no pau de alguém?

— Deus, Jolene. Que piada de merda.


Ela riu, balançando a cabeça.

— Eu vou te deixar descansar, já que você se recusa a me ajudar. Te


amo.

— Te amo menos — devolveu, piscando na direção da câmera antes de


finalizar a ligação.

Alexandre ficou na banheira até que seus dedos estivessem enrugados.


Porque, por favor, ele merecia.

A sensação de estar em casa era esmagadoramente boa. Ele amava


aquele lugar, amava estar perto dos seus pais e amava se sentir inteiramente
bem, aceito e amado. Sem grandes cobranças.

Ou, pelo menos, sem grandes cobranças externas. Algumas outras


sempre estariam ali.

Certas cobranças sempre esperavam pelo momento oportuno para


aparecer.

Ele afastou o pensamento antes que se tornasse grande demais. Como


sempre.

Sempre afastando tudo antes que o pior o alcançasse. Porque não era
possível que o alcançariam algum dia, certo?

Certo?

Ele tinha – quase – certeza que sim.

Afinal, ele era Alexandre Duarte. Piloto, celebridade, filho de pais


incríveis. Nada deveria ser capaz de arruiná-lo.

Nada além de si mesmo, e ele não tinha planos para deixar isso
acontecer.

— Oi, amor. — Nicole chamou a sua atenção, batendo levemente na


porta do quarto. Alex terminou de vestir a camiseta que havia separado antes
de murmurar uma confirmação de que ela poderia entrar. — Só queria
checar se não estava precisando de algo.

— Tudo perfeito, relaxa. — Ele se sentou no canto da cama, olhando-a


por um momento. — Olha, Nicole. Sobre a exposição, eu realmente esqueci.
Me desculpa mesmo, e...

— Ora, Xander. Pare com isso — ela bufou, balançando a mão. Nicole
se aproximou para sentar-se ao seu lado. — Não se preocupe. Podemos sair
outras vezes. Cá entre nós, foi tudo um saco por lá.

Alex a olhou por mais alguns segundos, apenas para ter certeza de que
não estava mentindo ou dizendo aquilo apenas para fazer com que se
sentisse melhor. Mas Nicole não mentia, muito menos sabia disfarçar quando
algo a chateava.

Ele já tinha molhado sem querer uma de suas bolsas de uma marca
milionária qualquer. Ele sabia como ela ficava quando estava brava.

— Tudo bem — suspirou, por fim. — Você não vai dormir?

— Daqui a pouco. — Nicole arrumou a trança sobre o ombro,


arrumando alguns fios do cabelo loiro do filho atrás da orelha. — Sabe, eu
sempre soube que você iria pro mundo assim que surgisse a oportunidade.
Você nunca foi de ficar muito tempo em um único lugar.

Alexandre suspirou.

Nicole foi, provavelmente, a primeira pessoa a entender todos os seus


lados. Todas as suas nuances, curvas e quedas. Antes que ele mesmo pudesse
entender o que o fazia ser quem era, e o que o fazia se perder no caminho
tortuoso que era conhecer a si mesmo, Nicole o entendeu – ou, pelo menos,
pegou a sua mão para que a jornada fosse um pouco mais fácil.

— Não deixe o mundo te mudar, tudo bem? — Ela pegou a sua mão,
beijando suavemente os dedos. Alexandre sentiu um nó se formar em sua
garganta porque, Deus, aquela mulher era a pessoa mais incrível que
encontrou em toda a sua vida. — Quando as coisas estiverem difíceis, você
sempre terá a sua casa pra se esconder.
Ele se inclinou, beijando o ombro da mãe.

— Você é perfeita. Obrigado por tudo.

— Eu fico preocupada. A Internet é tão maldosa, Xander. Não gosto


nem de pensar nas coisas que você precisa ler e ouvir todos os dias.

— Acredite, ninguém fala a maioria dessas coisas na minha cara. Não


precisa se preocupar.

— É meu dever me preocupar. Que tipo de mãe eu seria se não me


preocupasse, oras?

Ele riu.

— Vá dormir, Nicole.

Ela segurou o seu rosto, deixando um beijo demorado e molhado na sua


testa.

— Você também. Descanse, e talvez eu peça para Aria fazer aquela


torta de morango que você gosta.

— Já estou no meu quinto sono — ironizou. O som da risada de Nicole


foi o suficiente para tirar qualquer resto de peso ruim que ainda existia em
seu peso.

Ele sabia que, realmente, sempre teria a sua casa para se esconder.

Por um segundo, ele pensou em contar sobre Basile. Nicole conhecia


Beauchene – e não tinha uma opinião positiva sequer sobre o homem – e
definitivamente saberia o que dizer para que Alexandre se sentisse menos
mortalmente culpado e inconsequente. Todo o conjunto de frequentar um
lugar que não era seguro e, como se não pudesse piorar, transar com a última
pessoa em quem deveria confiar.

Mas ele não disse. Era o tipo de assunto que deveria deixar morrer, se
queria mesmo que acabasse.
E ele queria muito.

Nicole bateu palminhas animadas quando Alexandre saiu do provador


com a camisa social azul-cobalto.

Ele, por sua vez, revirou os olhos.

— Essa cor é horrível.

— Para, fica linda em você! — A mulher se pôs de pé, rodeando o filho


antes de assentir com a cabeça. — Não vejo problema algum.

— É brega.

— Azul nunca é brega, querido.

— É um noivado, eu não quero chamar mais atenção que os noivos. —


Na verdade, eu adoraria passar completamente despercebido. — Acho que
vou com um preto. Básico. Ainda tenho bastante tempo pra pensar nisso.

Foi a vez de Nicole revirar os olhos. Ela levantou uma camisa lilás que
Alexandre não quis nem olhar duas vezes para decidir que também não era
uma opção.
Eles saíram juntos pela loja, parando para analisar uma peça aleatória
ou outra. Depois de duas semanas sem ver a mãe, Alexandre podia fazer o
sacrifício de sair para olhar algumas roupas ao lado dela. Mesmo que tivesse
mais que o necessário em casa.

— Noivados são ótimos para encontrar noivas, sabia? Ou... noivos —


ela comentou, casualmente. A risada do filho a fez bufar. — Estou falando
sério! Conheci o seu pai em uma festa de noivado.

— Não estou procurando por um casamento, Nicole.

— Ora, Xander. Você entendeu. Não precisa sair de lá casado. — Ela o


puxou para a seção de calças, pegando uma ou outra para colocar na sua
frente. Nem sempre pedindo pela sua aprovação, apenas analisando por cima
se ficaria bom no seu corpo. — Com uma paquera, talvez.

— Com uma paquera — Alex repetiu, girando o anel de lobo em seu


dedo médio em um gesto entediado. — Estamos nos anos oitenta?

Ele recuou em outra risada quando Nicole o beliscou.

— Foi mal, você sabe que eu te amo.

— Você é terrível. — Nicole levou as duas peças que Alexandre havia


aceitado levar para a mulher que os atendia, dando um tapa na mão de
Alexandre antes que ele estendesse o próprio cartão. — É um presente.

— Nicole...

— Quieto, Xander.

— Não gosto quando você paga pelas minhas coisas.

— Ele é tão teimoso... — a mulher sorriu para a atendente, que lançou


um olhar interessado até demais na figura alta e mais jovem ao lado da
mulher elegante. Não que Alexandre não estivesse bem vestido, mas o estilo
despojado e jeans definitivamente o destoava da mãe. — Nunca trouxe
ninguém pra casa, acredita?
Alexandre sorriu na direção da moça, um pedido silencioso de
desculpas pela mãe.

— Onde você quer almoçar? — ela perguntou quando as sacolas foram


entregues, jogando a trança para as costas.

— Qualquer lugar bem gorduroso, por favor.

— Não. — Ela sequer hesitou. — Pensei naquele restaurante em que


montamos a salada...

— Por que você perguntou? — resmungou, inclinando-se para pegar as


sacolas das mãos de Nicole. Ela não protestou dessa vez. — Comida
mexicana não é melhor?

— Talvez — ela cedeu, balançando a mão.

Precisaram parar por um instante, quando uma garota abordou


Alexandre para pedir por uma foto. Nicole tirou a foto como o que bem era –
uma mãe com um sorriso largo e orgulhoso tomando conta de metade do seu
rosto. Quando a menina que não parecia ter mais do que quinze anos se
afastou, Alex limpou a garganta.

— Querem marcar uma entrevista comigo para semana que vem. Parte
daquela lista de pessoas com menos de trinta anos que são influentes, coisa
assim.

— Oh, que incrível! — Nicole sorriu, animada.

— Pediram para que fosse gravado lá em casa. Eu sei que vocês não
gostam de cruzar essa linha, mas...

— Se você se sente seguro com isso, não vejo problema algum. —


Nicole parou para pedir por uma mesa mais privada ao atendente do
restaurante mexicano da rua. Alexandre puxou a cadeira para ela, antes de se
sentar. — Bom, você está um pouco acima de nós há algum tempo.

— Que besteira. — Alex balançou a cabeça. — Tem certeza que não é


um incômodo? Posso pedir para marcarem em uma semana em que estejam
viajando, aí não precisariam aparecer.

— Tudo bem, querido. Só confirme com Ângelo antes.

Alexandre assentiu, observando a mãe passear com o olhar pelo


cardápio como se não fossem pedir a mesma coisa de sempre no fim.

— Acho que vou pedir enchiladas vegetarianas.

— Acha? — provocou, acenando para um garçom. Pediu por uma


porção pequena de enchiladas vegetarianas com pouco molho para Nicole e
tacos para si mesmo. Com molho pra caralho. E Vinho. Vinho era essencial
quando Nicole estava presente.

O de sempre.

— E a equipe, como está? — Nicole se inclinou para frente, apoiando o


rosto sobre a mão delicada.

— Bem. Melhor que o esperado, talvez. — Alexandre deu de ombros,


olhando ao redor brevemente. — Só... Bruno e Ivan parecem mais
estressados ultimamente. Mas é com o lance da adoção.

— Ainda não deu certo, não é? — a mulher suspirou, desanimada. —


Eles serão pais incríveis quando conseguirem.

— Bruno ainda consegue fingir que não é grande coisa, eu acho. Mas
Ivan anda com a cara mais azeda que o normal. — Alex agradeceu quando
suas taças foram preenchidas até um pouco abaixo da metade pelo Pinot
Grigio escolhido pela mulher. Ele esperou que o funcionário se afastasse
para continuar. Mesmo que conversassem em português, havia sempre o
risco de alguém ali entender bem algo que diziam. — É ridículo, Nicole. Eu
não consigo pensar em pessoas que cuidariam melhor de uma criança do que
eles... E você, é claro. Mas, é, você entendeu.

— Entendi — Nicole sorriu carinhosamente. — Acredito que é algo


que dará certo, Xander. Basta esperar.

— A maioria não tem que esperar.


— Eu esperei dois anos por você, não é?

Algo dentro de Alexandre revirou, mas não de uma forma


completamente ruim. Um pouco de culpa o atingiu, porque parte – a maior
dela – da longa espera de Nicole havia sido sua culpa. Mas ele a amava, e
estava com ela. Havia acabado bem, no fim.

Sua expressão deve ter denunciado o que pensava, porque Nicole soltou
a taça e pegou a sua mão sobre a mesa.

— O que eu quero dizer é que tudo acontece no seu tempo. Bruno e


Ivan são incríveis e têm profissionais incríveis ao lado deles, então é apenas
uma questão de tempo.

— Só não gosto de vê-los assim — suspirou, bebendo um gole


generoso do vinho. Nicole fez uma careta, o que quase o fez engasgar em
uma risada. — Não posso beber o meu vinho em paz?

— Não é assim que se bebe um vinho.

— Você surtaria se visse como eu bebo quando estou com meus


amigos.

Nicole ergueu uma sobrancelha na sua direção, mas ignorou a


provocação.

Alexandre ajeitou a postura quando o celular tocou em seu bolso.


Normalmente, ignorava qualquer ligação que viesse em um momento com
seus pais, mas era Bruno.

E Bruno nunca ligava. Ivan, sim. De vez em quando, para dúvidas e


questões urgentes sobre o trabalho, apenas se fosse algo que não pudessem
resolver por mensagens. Mas Alexandre não conseguia pensar em uma única
vez em que recebeu uma ligação do seu colega de equipe.

— Desculpa, é o Bruno. Preciso atender — murmurou para Nicole,


colocando-se de pé para ir até a área aberta do restaurante, onde não havia a
música suave e o ruído de pessoas. — Oi, Campos.
— Alex, oi. Hm, você tá ocupado?

A aflição na voz de Bruno era quase palpável. Alex engoliu a tensão


que se formou em sua garganta, girando nervosamente o anel em seu dedo.

— Parei pra almoçar com a Nicole, mas você pode falar.

— Você vem pro Brasil semana que vem, né?

— É, eu vou.

— Eu estava pensando… se você não gostaria de nos ajudar com o


processo da adoção antes. Vão lá em casa conversar com a gente e nosso
advogado comentou que seria bom ter alguém de confiança pra, sabe, dizer
que acha que vamos ser bons pais. — Bruno soltou o ar ao terminar, como
se estivesse o prendendo desde o início. — Ivan não quis falar com você
porque não sabia se você aceitaria, mas seria bom, você sabe…

Ter a opinião de alguém que também veio de uma família adotiva.


Bruno não terminou, mas Alex sabia o que ele queria dizer. Conhecia o
processo mais do que gostaria.

— É claro, só me dizer o horário — assentiu, mesmo que Bruno não


conseguisse ver. — Quero ajudar com o que eu puder.

— Bom, você já vai ajudar muito fingindo que acha que eu vou ser um
pai foda. — Bruno brincou.

— Não preciso fingir sobre isso. Talvez sobre as suas capacidades de


me tratar bem, mas…

— Não gosto de adolescentes — o mais velho devolveu, já soando


extremamente mais relaxado do que quando Alexandre atendeu a ligação. —
A menos que seja minha criança. Você entendeu.

Alex sorriu. Gostava de Bruno pra cacete. Se já o admirava antes de


conhecê-lo, foi algo que apenas se intensificou depois.
Por algum tempo, até chegou a considerar a possibilidade de Bruno não
gostar da sua presença na equipe. Qualquer um sabia de sua amizade com o
espanhol que o acompanhava desde o seu primeiro ano, e que ele talvez não
aprovasse a troca tanto quanto Ivan dizia que sim. Um novato quando
tinham pilotos tão experientes de sobra.

Se era o caso no início, Alexandre não sabia. Mas estaria mentindo se


dissesse que Bruno fazia com que se sentisse desconfortável entre a equipe e
o seu círculo mais próximo.

— Nicole disse que é só uma questão de tempo.

— Eu queria que Nicole me adotasse, e eu amo a minha mãe — Bruno


suspirou. — Valeu, cara. Você não faz ideia do quanto isso é importante pra
nós.

— Acho que eu tenho uma ideia. É por isso que quero ajudar. —
Alexandre se virou quando avistou o garçom servindo a comida para Nicole
em sua mesa. — Ei, a minha comida chegou. Me ligue se precisarem de
mais alguma coisa, tudo bem?

— Valeu mais uma vez, Alex.

Uau, bom. Aquilo era novo.

Ele suspirou longamente antes de voltar para mesa, onde Nicole ainda o
esperava para começar a comer.

— Algum problema? — ela o fitou quando se sentou novamente.

— Não, eles só precisam de alguém para conversar com a assistência


social sobre a adoção. Eu aceitei.

— Está vendo? Eles estão quase lá — Nicole sorriu largamente,


estendendo uma garfada das enchiladas vegetarianas na sua direção, como se
ele não provasse a cada vez que visitavam aquele restaurante. —
Experimenta, Xander. Ah, me diz. Por que você resolveu ficar mais um dia
na França?
Alexandre fez questão de aproveitar a boca cheia para pensar em uma
resposta.

Não valia a pena contar sobre Basile. Não quando o mecânico francês
não cruzaria mais com o seu caminho. Não quando não era o tipo de coisa
que tornaria a acontecer.

Basile Beauchene havia sido apenas mais um evento em sua vida. E


eventos são passageiros. Não importava o quanto tivesse gostado do tempo
com o rapaz, ou o quanto tivesse o interesse de conhecê-lo mais a fundo.

Acontece.

— Eu não podia deixar de visitar alguns lugares de Marselha —


mentiu, balançando a cabeça. — Já visitou o Notre Dame de la Garde?
 
NOVE

Baz estava ferrado. Muito ferrado, aparentemente.

Dom havia dito que queria vê-lo em sua sala em uma hora, até que
terminasse de resolver algumas coisas em uma reunião com um fornecedor.

Bom, isso havia sido há cerca de cinquenta e dois minutos, e Baz estava
recostado na parede ao lado da porta do escritório. Ignorava todo o trabalho
que tinha a fazer na esperança de que Dom o chamasse com alguns minutos
de antecedência, mascando o gosto amargo e sôfrego da garganta.

Dom não o chamava para conversar em seu escritório. Nunca. Muito


menos marcava a hora para uma conversa. Quando Dom tinha algo a dizer,
bom ou ruim, ele simplesmente o fazia sem enrolar. Nesse quesito, eram
muito parecidos.

Assim como em muitos outros.

Merda, Baz seria demitido. O que faria sem aquele emprego?


Dificilmente encontraria um lugar para trabalhar. Se tivesse que levar o bico
de entregador do Palladium como algo fixo, ou até mesmo ficar no bar com
Moreau, surtaria. Tinha economias o suficiente para se manter por um bom
tempo, mas e depois que se formasse? Seu dinheiro deveria servir para dar o
fora do prédio universitário e dar entrada no seu próprio apartamento quando
se formasse. Não para pagar um aluguel.

Não poderia ser algo sobre as corridas no Palladium, porque nada fora
do normal havia acontecido. A última vez que correra havia sido no mês
anterior. Também não poderia ser sobre ter ficado com um piloto
mundialmente famoso, até porque já havia se passado meses e mais meses
que Alexandre Duarte havia pisado ali.

Merda.

Dom não o mandaria embora, certo? Já não tinham uma relação de


chefe e empregado há muito tempo. Se é que o tiveram em algum momento.

— Basile, pode entrar — Dom disse, a voz grave não muito alta. Era
como se ele soubesse que Baz estaria do lado de fora, próximo a sala.

Baz limpou a garganta, arrumando a postura antes de entrar.

As pessoas diziam que Dom era alguém intimidador. Baz,


sinceramente, não se lembrava de pensar o mesmo nem quando não o
conhecia bem, mas não tirava a razão de quem falava isso. O homem parecia
saído de uma dessas séries sobre motoqueiros que vagavam pelo mundo em
seus veículos de duas rodas, sobreviviam tranquilamente no meio do nada e
almoçavam o que caçavam. Coisas do tipo.

E não era algo muito longe disso, ao que Baz sabia. Dom não se abria
sobre sua vida pessoal, mas Baz ainda o conhecia muito bem.

— Senta, garoto — ele mandou, apontando para a cadeira do outro lado


de sua mesa.

— Não — respondeu, antes que pensasse demais. Não que contrariar


seu chefe fosse um hábito, mas estava nervoso o suficiente para negar
aquilo. Quantas coisas tinham o poder de deixá-lo assim?

Dom ergueu uma sobrancelha, cruzando os braços.


Era impossível discutir com Dom.

— Basile, senta.

Baz se sentou. Dom soltou uma respiração pesada, levantando-se de sua


própria cadeira para se acomodar na ponta da mesa, mais perto de Baz.

— Se é pra me chutar, você podia ao menos me deixar terminar o mês


pra vir o salário completo. Sugestão, sabe.

— Do que você tá falando, Baz?

— Se eu fiz alguma merda, você pode só me falar — concluiu. — Não


tenho medo de assumir meus erros, só acho que...

— Por que você não me deixa falar antes de chegar à conclusão de que
eu vou te mandar embora?

Baz mordeu a língua, desviando o olhar para a parede repleta de fotos.


Ainda assim, a inquietação na sua perna direita não parou. Muito menos o
gosto ruim na língua.

Dom havia entrado na sua vida anos antes, quando a oficina não fazia
nada além da manutenção de carros de passeio normais. Quando um Basile
de catorze anos passava pela rua da oficina todos os dias, desde que voltar da
escola sozinho porque seu pai esquecia de buscá-lo havia se tornado uma
rotina.

Na verdade, seu pai se esqueceu nas primeiras vezes. Depois, Baz


apenas achou que ele deixara a obrigação de lado de uma vez quando
percebeu que o garoto era perfeitamente capaz de andar os cinco quilômetros
da escola até em casa.

Mas Baz gostava de carros desde que se entendia por gente. Não apenas
da ideia de dirigir um – ainda estava longe de ter idade suficiente pra isso –,
mas do funcionamento deles. O pouco que podia descobrir com a internet
não era o suficiente, porque Baz queria entender mais. Queria ver de perto.
Por isso, quando ele passou por uma oficina onde o dono fazia algo no
carro do lado de fora, Baz se aproximou.

Dom não lhe deu muita bola no início. Afinal, era apenas uma criança
curiosa e elas apareciam todos os dias, uma atrás da outra, aproveitando pelo
seu gosto de trabalhar ao ar livre. Logo o menino iria embora.

Mas Baz retornou no dia seguinte. E em todos os dias que vieram


depois, exceto sábados e domingos. Dom continuava agindo como se não
passasse duas a três horas ali, observando-o, talvez até mesmo ao seu lado.

— Onde você mora, garoto? — Dom perguntou, um dia, pegando o


menino de surpresa.

— No San Felice.

— O restaurante perto do autódromo? — Quando Basile assentiu, o


homem fez uma careta. — Isso é longe, o que você faz aqui?

— Voltando da aula.

— E você mora em um restaurante? — Dom perguntou, como se toda


aquela história lhe parecesse uma mentira. Talvez realmente estivesse
duvidando. Baz não prestou muita atenção na época.

— Minha mãe é a dona.

— E por que ela não te busca na escola?

— Porque ela tá no hospital. — Basile se inclinou para mais perto do


carro, apontando para uma peça em específico. — O que é?

— Não encosta — Dom disse, dando um tapinha na sua mão. — É o


reservatório do lavador de para-brisas. E o seu pai?

— Viajando, eu acho. — O garoto apontou para outra peça, esperando


que Dom respondesse. — O reservatório costuma ficar no canto direito, né?
Por que esse é diferente?
Ele não respondeu. Ao invés disso, Dom puxou chaves do bolso da
calça surrada, afastando-se para chegar até um carro do outro lado da rua.

— Vem, eu vou te levar pra casa — ele disse, não abrindo muito espaço
para discussão. Basile aparecia por lá em todos aqueles dias, mas ainda sabia
do limite a não ser ultrapassado que era entrar no carro de um desconhecido.
Sua mãe já havia falado muito sobre isso.

Quando percebeu que o menino não entraria no carro, Dom soltou um


palavrão.

— Você vai e volta andando todos os dias?

— Só volto — Baz negou, balançando a cabeça enquanto se inclinava


para mais perto do carro com o capô aberto outra vez. O homem se
aproximou apenas para afastá-lo da lataria com uma mão no seu ombro.

— Não tem ninguém que possa te buscar?

Que possa, sim. Que queira, não. Baz não verbalizou aquilo, apenas
negou com a cabeça outra vez.

Dom não tentou mudar aquela situação, mesmo quando Baz continuou
retornando nos dias seguintes. Mas algo havia mudado. Ele deixava que o
menino se aproximasse mais, até respondia todas as suas perguntas. Quando
estava de bom humor, ensinava como o serviço deveria ser feito.

— Posso trabalhar com você? — Basile havia perguntado em algum


momento. Já frequentava o lugar há quase dois meses. Sabia o suficiente
para serviços básicos e pequenos. Dom tinha que deixar, certo?

— Não — Dom sequer hesitou ao dizer, um cigarro equilibrado entre os


lábios rachados.

— Por quê?

— Quantos anos você tem? Onze?

— Quase quinze. Faltam dois meses.


— Nem fodendo.

— E quando eu tiver quinze?

— Posso pensar.

Basile completara quinze anos, e Dom ainda não deixou que ele
trabalhasse na oficina.

Sabia que Dom estava apenas aguardando pelo momento em que ele se
cansaria da rotina dali e sumiria, assim como todas as outras crianças
curiosas que já haviam passado por lá. Mas isso não aconteceria, e perceber
que o homem pensava isso dele só lhe deu algum incentivo a mais para
continuar. Baz continuou indo cada bendito dia da semana, até o momento
em que Dom deixou de comprar apenas uma marmita para o almoço.

Quando tinha dezesseis anos, Dom o buscou no colégio. Não porque já


eram próximos o suficiente para que sua relação incomum saísse da oficina,
mesmo que já se conhecessem há dois anos.

Mas porque, pela primeira vez em tanto tempo e sem dar notícias,
Basile não havia aparecido. A primeira reação do homem foi procurá-lo no
colégio. E lá estava ele.

Na diretoria.

De cara fechada e com os braços cruzados, o garoto chutava levemente


a mochila de um lado para o outro no chão.

— Cadê o seu pai, garoto? — ele perguntou, porque já havia desistido


de perguntar pela mãe, que estava sempre no hospital, há muito tempo.

— Ele disse que estava vindo. Três horas atrás.

Dom revirou os olhos.

— Levanta. Você vai comigo.


— Você é o meu pai agora? — Baz perguntou, a ironia clara em sua
voz. Dom não sabia dizer ao certo se isso era sua culpa, mas o garoto tinha a
língua cada vez mais afiada. Um porre.

— Cala a boca. Quem tem que te liberar?

— A diretora fica naquela sala ali.

Baz duvidava que Dom conseguiria tirá-lo dali. Duvidava muito.


Afinal, não tinham nenhum grau de parentesco e o mecânico não tinha
qualquer contato com a sua família.

Era um conhecido. Por mais que fizesse parte da sua rotina há dois
anos, ainda era apenas um conhecido. Dom não demonstrava pensar de
forma diferente, então era isso.

— Levanta — a voz grave do homem soou, e Dom deu um tapinha na


parte de trás da sua cabeça quando passou na sua frente. Basile trocou um
olhar com a diretora, que o encarava com uma cara feia. — Basile, se eu
ouvir que você arranjou briga no meio da aula outra vez, vou acabar com a
sua raça.

Dom não parecia realmente bravo. O que só fez a careta da diretora


piorar, se é que ela podia ter uma careta ainda mais feia do que normalmente
tinha.

Provavelmente ela estava irritada por vê-lo indo embora tão facilmente.
Baz pegou a mochila do chão, acompanhando o mais velho até o carro.

— Não vou entrar no seu carro — declarou, cruzando os braços.

— Garoto, eu te tirei da porra da diretoria.

— Mas não é meu pai, nem meu parente. Você nem se considera meu
amigo — Baz rebateu.

— Ah, vai se ferrar.


— Mas eu entraria no carro do meu chefe se ele me oferecesse uma
carona — completou, rapidamente.

Dom o fitou, estreitando os olhos. Aparentemente, aquele era o seu jeito


de tentar intimidar alguém. Não funcionava com o mais novo. Nunca havia
funcionado. Em vez disso, Basile sorriu.

— Beleza, tá contratado.

— O que me garante?

— Quê?

— O que me garante que você não vai me chutar do emprego assim que
eu pisar fora do seu carro? — O garoto ergueu uma sobrancelha.

Dom não era paciente. O homem soltou uma série de palavrões


enquanto pegava algo no carro.

Não tinha paciência, mas era laranja. Como a mãe de Baz também
costumava ser, nos bons tempos.

Uma caneta. Uma caneta e um pedaço de papel. Dom escreveu algo


usando o próprio carro como apoio, antes de estender para Basile.

Com letras apressadas – ou irritadas –, ele havia escrito algo como “Eu
contrato Basile por período indeterminado ou até ele acabar de vez com a
minha paciência” e sua assinatura.

— É ótimo negociar com você — Baz disse, guardando o papel no


bolso antes de entrar no carro.

Daquele dia em diante, Dom o buscou no colégio diariamente.


Obrigava-o a fazer todo o dever de casa antes de permitir que o ajudasse
com os carros. O levava para casa às cinco, mesmo que a oficina só fechasse
às onze da noite.

Eventualmente, Dom conheceu seu pai. Eles se odiaram desde o


primeiro segundo, mas não era como se Dom já não tivesse as piores
impressões sobre um pai rico que preferia sumir, em vez de cuidar do filho
que não tinha ninguém enquanto a mãe continuava sempre… no hospital.
Outro ponto que nunca conversaram sobre. Não até que não houvesse mais
volta.

Eventualmente, Basile teve dinheiro suficiente para comprar um carro


usado. Caindo aos pedaços, talvez, mas com o seu dinheiro. Até que ele
próprio, com a ajuda de Dom, consertasse os problemas mais graves no
veículo e remediasse os que poderia ignorar até que se tornassem os novos
mais graves.

Eventualmente, Basile entrou na faculdade. Não que isso tenha o


atrapalhado de qualquer forma. Na verdade, foi o passo que fez Dom
acreditar que já poderia trabalhar na oficina durante todo o horário em que
não estivesse no campus.

Eventualmente, quando Basile estava velho o suficiente para se


aventurar nas noites de festas francesas, ele conseguiu novos clientes. Não
qualquer tipo de clientes. Clientes grandes.

Clientes que lhe renderam uma bronca quando Dom descobriu de onde
vinham.

— Corridas ilegais, Basile?!

— Corridas casuais — Baz corrigira, calmo. Ele observou Dom andar


nervosamente pelo escritório. Revirou os olhos, esticando as pernas sobre a
mesa. — Rendem uma grana boa e o bar é legal. Você também gostaria,
aparece lá qualquer dia.

— Te tirar da cadeia não vai me render uma grana boa.

— Ninguém é preso por arrumar carros só porque participaram de


corridas ilegais, se liga. — O rapaz deu de ombros, analisando de modo
distraído a tatuagem que havia feito na semana anterior, no antebraço. Não
era a primeira, e definitivamente não seria a última. — Tô fazendo o meu
trabalho sem fazer a merda.
Uma semana depois, Dom precisou tirar Basile da cadeia por fazer a
merda. Em sua defesa, estava curioso para conhecer a sensação de passar dos
100km/h em um carro caro.

Um mês depois, também precisou deixar todo o trabalho de lado


quando a mãe de Basile, Geneviève, aquela que nunca havia sido um
verdadeiro tópico entre eles, deixou o hospital. Mas não com vida. Porque,
muito mais do que o esperado, o garoto precisava dele. E para sua surpresa,
havia a necessidade de estar lá por ele também. Não era uma obrigação.

Dom não tinha filhos. Na verdade, nunca havia sido casado. Saía com
mulheres entre um período de tempo e outro, mas seu trabalho era o seu
maior foco. O que mais amava, o que nunca deixaria de lado por nada…
Nada, além de um rapaz com tendências preocupantes para se meter em
confusões quando deixado sem supervisão por muito tempo.

— Eu sou gay — Basile disse, em algum momento. Havia pedido para


conversarem em particular no seu escritório, e Dom estava crente de que ele
pediria demissão. Baz tinha notas ótimas na faculdade, seria uma questão de
tempo até que lhe oferecessem oportunidades melhores.

Até que ele procurasse por oportunidades melhores.

Mas não. Não naquele momento, pelo menos.

— O quê?!

— Eu sou gay — Baz repetiu, encarando as próprias mãos.

— E eu com isso?

O rapaz o fitou. Basile já era extremamente diferente do garoto que o


havia observado trabalhar em silêncio por dias durante o caminho da escola
para casa. Mais forte, mais alto. Mais um pé no saco, definitivamente. Um
adulto.

— Sei lá, achei que devesse saber.

— Bom, não muda nada na minha vida. Portanto, eu não dou a mínima.
— Não pensa em me demitir ou algo assim?

— Por que eu te demitiria por isso, garoto? — Dom resmungou,


gesticulando com a mão para que Baz se levantasse. — Sai da minha sala,
tenho mais o que fazer.

Dom observou Basile deixar o escritório com um sorriso largo no rosto.


Ele pensava que não mandaria aquele garoto embora em ocasião alguma.

Naquele momento, anos depois, Basile tinha a certeza absoluta de que


seus dias com Dom estavam contados. Por que outro motivo ele o chamaria
na sua sala? Ele parecia sério pra caralho. De um jeito que não costumava
ser na sua presença.

Baz o conhecia como ninguém, sabia quando algo o estressava. E, bem,


estava no contrato que ele iria embora quando a paciência de Dom se
esgotasse. Talvez fosse o momento.

Por que a possibilidade o incomodava tanto? Baz se esforçou para


engolir o gosto seco e amargo que invadiu agora as suas narinas, o
impedindo de respirar por um momento.

— Seu pai me ligou.

É, aquilo era pior.

— Por quê? — Baz arrumou a postura.

— Ele quer que eu te libere do trabalho.

— Então você vai me mandar embora.

— Eu vou conversar com você, porque o seu pai quer que trabalhe com
ele.

Baz riu, balançando a cabeça.

— Ele é engraçado.
— Eu acho que você deveria ir. Vão te treinar nos próximos meses e, na
próxima temporada, você vai trabalhar com eles. Já tá tudo pronto pra você.

— Mas eu não vou, e você sabe disso. Eu não vou trabalhar pro meu
pai.

Dom passou as mãos pelo rosto, respirando fundo.

— Garoto, vai se formar em algumas semanas. Sempre teve notas


ótimas. Tá na hora de procurar algo melhor.

— Eu não quero algo melhor. Eu quero trabalhar aqui. — Baz cruzou


os braços. — Gosto do meu emprego.

— Você vai mesmo negar uma oportunidade de trabalhar na Fórmula 1,


Basile?

— Não é uma oportunidade, é a porra de um castigo. Não quero


conviver com o meu pai.

— Bom, nesse caso, eu vou ter que te demitir.

— Não, você não vai. — Baz se levantou, indo até Dom. Impedindo-o
de mexer nos papéis da escrivaninha. — Quanto ele te pagou?

— Nada, Basile. Eu quero o melhor pra você e não preciso ser pago pra
isso.

— Ele te pagou, né? Ele é do tipo que consegue tudo assim. Eu dou um
jeito de te pagar o mesmo valor, tenho um dinheiro guardado.

Baz tentou segurar o braço de Dom mais uma vez, mas não forte o
suficiente para segurá-lo de verdade. Não usaria qualquer força maior com
Dom. Nunca. Mas queria que ele parasse com aquela merda. Imediatamente.

— Basile, seu pai não me pagou. Me solta.

— Eu trabalho de graça, não precisa me pagar — insistiu.


— Basile, cala a boca. — Dom empurrou o seu ombro. — Se não fosse
o merda do seu pai, você correria até o inferno pra conseguir uma
oportunidade dessas. Não vai deixar passar porque ele é um bosta. Você vai
e vai mostrar pra ele que você é foda, que ele perdeu a chance de ter por
perto uma criança incrível.

Se aquilo deveria motivar Baz, não funcionou. Porque Dom não sabia
quem o pai de Basile realmente era. Dom não fazia a menor ideia. Dom
nunca entenderia. A possibilidade de ter que conviver com o pai, preso ao
emprego em uma equipe de Fórmula 1, por melhor que a Ritz-Carlton
pudesse ser, enchia o seu corpo de ânsia. Queimado. Espesso.

Basile não queria ter que provar ser nada ao pai. Basile queria ficar ali.
Já tinha perdido demais, merecia escolher onde e com quem ficaria. Na
oficina, no Palladium. Com Dom. Com Moreau, por mais que dissesse não
suportar o amigo.

— Foda-se você — cuspiu, afastando-se do mais velho. — Foda-se


você, Dom. Vai à merda.

— Fique com raiva o quanto quiser, você vai me agradecer em algum


momento — ele rebateu, tranquilo. Mais tranquilo que Baz gostaria. Dom
realmente se importava tão pouco com o quanto queria ficar? — Quando
estiver amando seu emprego novo, venha me agradecer.

Basile deixou a oficina sem dizer mais nada.

O único lugar onde se sentia seguro. Onde a única pessoa que parecia
entendê-lo de verdade ficava.

Baz estava completamente sozinho outra vez.


 
DEZ

Alexandre Duarte foi capturado pelas câmeras da premiação em sua


melhor forma. O recente corte nos fios novamente dourados, bagunçado e
moderno. O blazer preto e lustroso sobre uma camisa de gola alta. As
correntes prateadas e anéis tão característicos. A mão relaxada na cintura de
Jolene – melhor amiga ou namorada? – tornou-se motivo de burburinho em
pouco tempo. Ninguém esperava que ele aparecesse acompanhado. Ou, pelo
menos, acompanhado por alguém além de seus pais, que haviam entrado
alguns minutos antes.

— Quando eles vão parar de insistir por um beijo em público? —


Jolene brincou, baixo. Com uma mão, a atriz jogou os fios pintados de um
loiro acobreado e longos para trás ao posar para uma nova foto.

— Quando um de nós arrumar um namoro de verdade. Ou nem isso.

— Esse é o preço para um pouco de paz? Uau.

Alexandre riu, inclinando-se na direção de Jolene para afastar uma


mecha do cabelo que caía sobre o rosto da atriz. Os cliques dispararam.
— Você também não ajuda, Alexandre — ela disse, entre um sorriso
desajeitado.

— Você gosta da atenção — rebateu. — Quando cair na rede de alguém


que, ao contrário de mim, não gosta de aparecer também, vai sentir minha
falta.

— Isso é um pedido de namoro?

— Não sejamos apressados. Podemos só aproveitar que estamos


dividindo o mesmo quarto do hotel.

— Seja mais romântico, Duarte. Nicole não te criou assim.

Alex riu. Se não fosse por Jolene, ele tinha a certeza de que aquela noite
seria infinitamente mais chata do que já esperava que fosse.

Não entenda mal, Alexandre estava feliz por estar ali. Era a porra do
seu primeiro mundial. Era um marco na sua história, era estar em um lugar
onde, há alguns anos, jamais pensou que estaria. Era ultrapassar inúmeras
barreiras que a vida havia colocado no seu caminho. Era provar, não apenas
para si, que poderia ser mais. Havia comemorado muito sobre isso desde a
última corrida. Comemorações entre família, entre amigos e entre a própria
equipe. Alexandre diria que estava cansado de comemorar, se ainda não
ficasse tão eufórico sempre que parava para pensar demais no assunto.

Mas não fazia com que gostasse de eventos formais. Não quando os
eventos formais envolviam gente velha e chata.

— Vamos entrar, eu estou morrendo de sede — disse, puxando


suavemente a atriz pela mão.

Precisaram parar para cumprimentar e conversar com um número


razoável de pessoas que queriam parabenizá-lo antes que conseguisse,
finalmente, encontrar alguém que lhe oferecesse bebidas. Ainda segurando a
mão de Jolene, Alex olhou ao redor, procurando por Nicole e Ângelo. Ou,
talvez, Bruno e Ivan. Seus pais provavelmente estariam onde quer que os
dois estivessem. Até onde sabia, dividiriam uma mesa.
Mas Alexandre não os encontrou. Na verdade, parou de procurar por
eles assim que o viu.

Basile Beauchene. O francês parecia cruelmente deslocado em seu


terno, bebendo champanhe e olhando diretamente na sua direção também.
Por que ele estava ali? Ele deixou muito claro que não suportava respirar o
mesmo ar que o pai, mas estava ao lado do homem em uma premiação.
Claramente não era o seu ambiente, mas ele estava ali. Como qualquer outro
convidado.

Alex não esperava vê-lo. Inferno, Alex não tinha plano algum para
olhar novamente na cara daquele homem. Não até o prêmio da França
seguinte, talvez, porque era esperado que Basile aparecesse no autódromo,
assim como fizera da última vez. Mas poderia se preparar para isso.

Não para aquilo. Alex desviou o olhar, levando a mão livre até o rosto
para massagear uma têmpora. Péssima hora para dores de cabeça.

— Achou Nicole? — Jolene perguntou, um tanto alheia ao que estava


acontecendo. Quando percebeu sua expressão, ela ergueu uma sobrancelha.
— O que foi?

— Lembra do cara que eu fiquei na França?

— O filho do Beauchene?

— Basile. Sim, esse. Ele tá aqui.

— Sério?! Onde? — Jolene fez menção para olhar ao redor, mas Alex
segurou o seu rosto.

— Você não pode ser um pouco mais discreta? — pediu, umedecendo


os lábios subitamente secos. Não deveria ficar tão nervoso em encontrar
alguém com quem tinha ficado, mas estava.

Mas, bem, era o ambiente onde sempre tinha tudo sob controle. E o seu
único erro estava ali, alguns metros à frente.

— O cara tatuado do lado do Beauchene — disse, baixo, para a atriz.


Jolene olhou ao redor discretamente, bebendo um gole de seu
champanhe antes de olhar na direção da mesa certa.

— Uau, ele é gostoso.

— Eu sei.

— Ok, eu te entendo agora. Eu também perderia um voo por ele.

Então, Basile acenou. Havia um sorriso ácido em seu rosto.

Quando Jolene devolveu o gesto animadamente, Alexandre revirou os


olhos, virando-se para ficar de costas para a mesa onde seu… amigo estava...

— Você é uma atriz e não consegue fingir que não tá encarando


alguém?

— Não estou no trabalho, amor — ela disse, despreocupada. — Não é


como se você pudesse fingir que ele não existe pro resto da noite.

— Eu gostaria.

— Ah, eu odiaria fingir que um cara desses não existe.

Alexandre estreitou os olhos na direção da mulher.

— Estou um pouco confusa, essa é a sua cara de ciúmes por minha


causa ou por ele? — Jolene provocou.

— Porra, eu preciso de um cigarro — resmungou, respirando fundo


quando finalmente viu onde Nicole e os outros estavam.

Alexandre fez o que podia para esquecer da presença marcante do


francês ali, mais perto do que pretendia estar em… em muito tempo. Ainda
não fazia sentido algum que o comparecimento dele ali fosse real.

Mas Alex o ignorou. Ignorou quando se aproximou de seus pais, porque


o sorriso no rosto de Nicole naquela noite em especial era bonito demais
para que perdesse tempo pensando em qualquer outra coisa. Ela estava
radiante. Orgulhosa.

Orgulhosa. O orgulho de Nicole significava milhões de vezes mais do


que qualquer pessoa poderia pensar.

Alex o ignorou porque aquela era, também, a sua noite. A sua


premiação. O seu sonho de criança.

Foda-se. Basile não apareceria meses depois para ameaçá-lo com a


informação de que já tinham transado, certo? Ele não faria isso. Não o
conhecia, mas se deixara acreditar na ideia de que Basile não o faria, e
esperava não estar errado.

Alexandre subiu no palco quando seu nome foi chamado. Recebeu o


troféu e disse palavras que havia treinado em frente ao espelho e no banheiro
desde que vencer aquele título tornou-se uma possibilidade cada vez mais
presente na sua vida. Não olhou na direção onde ele estava, porque sabia que
perderia as palavras no instante em que o fizesse.

O piloto brasileiro riu ao olhar na direção de Nicole. A mulher tentava,


em vão, limpar as lágrimas que ameaçavam estragar sua maquiagem
impecável.

— Meu discurso foi tão ruim assim? — provocou, aproximando-se para


abraçar a mãe. — Não chora, Nicole.

— É de felicidade, eu tenho o direito. — Nicole segurou o seu rosto,


olhando-o como se fosse a primeira vez que o via. Com admiração. Amor.
Muito amor. O sentimento de ser esmagado pelo amor de Nicole era sempre
a melhor sensação do mundo, e Alex ainda não acreditava que realmente
tinha esse amor para si. — Você é meu filho.

— É, eu sou — concordou, beijando a mão da mãe.

Ao levantar o olhar, Alexandre capturou os olhos de outra pessoa. De


Basile. O rapaz inclinou a cabeça em um cumprimento silencioso, talvez
uma parabenização. Alex umedeceu os lábios, acenando suavemente em
resposta.
Quando Basile se afastou da mesa em que estava com o pai, o mais
novo dono do título limpou a garganta.

— Eu já volto — disse, lançando um olhar rápido na direção de Jolene,


que dizia para que ligasse caso algo importante demais acontecesse, antes de
se afastar.

Com alguns metros de distância, apenas por segurança, Alexandre


seguiu Basile. Acenou rapidamente na direção de qualquer pessoa que
ameaçou se aproximar para uma conversa que duraria mais do que gostaria –
naquele momento, dois segundos a mais já seria muito.

O piloto entrou no elevador junto do francês, fitando a câmera de


segurança do cubículo por um momento. Mesmo quando as portas se
fecharam, nenhuma palavra foi dita.

Em termos gerais, não se conheciam. Não tinham nada a dizer um para


o outro.

Alexandre observou a tela do elevador indicar que estavam no último


andar, onde o terraço ficava.

— Eu não esperava te ver aqui — disse, quando o frio da noite de Paris,


onde a premiação acontecia, atingiu o seu rosto.

Basile riu, balançando a cabeça. Ele afrouxou a gravata, abrindo


também os primeiros botões da camisa branca.

— É o seu jeito de dizer que não me queria aqui?

— Eu não tenho nenhuma opinião formada sobre a sua presença ou


ausência. — Alexandre olhou ao redor, apenas para ter certeza de que não
haveria nenhuma câmera de segurança ali. — Mas não esperava que a
presença fosse uma possibilidade. Só isso.

— Eu sei, estou te zoando. — O francês cruzou os braços, recostando-


se na parede mais próxima. Observava o piloto, que permanecia imóvel. Ele
tirou o vape do bolso do terno, tragando demoradamente a essência. Alex se
perguntou se ainda era a mesma de quando se conheceram. — Parabéns. Foi
um bom ano pra você.

— Foi.

— É estranho te ver no personagem.

— Perdão? — disse, franzindo o cenho. Quando Basile ergueu


suavemente o queixo como se o desafiasse a se aproximar, Alexandre se
aproximou.

— No personagem. Alexandre Duarte, o piloto exemplar. Você surgiu


do nada e é tão impecável em tudo que se propõe a fazer. Como isso seria
possível? — Basile sibilou, deslizando o olhar por toda a extensão do piloto
mais uma vez. Alexandre não sabia ao certo se aquilo deveria ser um elogio
ou uma ofensa. — Você não levanta a voz, é tão bonito. Tão carinhoso, sua
relação com sua mãe é admirável. Conquistador, ninguém sabe se você está
namorando a atriz do momento ou se os boatos de que você fode por cada
cidade que passa são reais. Não te torna menos desejável, de qualquer modo.
Na verdade, a ideia de ir pra cama com você é muito discutida. Mas você
sabe disso. Você gosta de toda a atenção.

Alex não sabia que merda era aquela. Não sabia até onde Basile queria
chegar.

Mas aquelas palavras o deixavam inquieto. Inquieto demais.

— Você gosta, porque é divertido saber que está se saindo tão bem em
esconder quem realmente é. Saber que, quando ninguém estiver olhando, vai
ter algo que é só seu.

— E quem eu realmente sou? — disse, mais na defensiva do que


gostaria. Quem era aquele cara para dizer que estava fingindo ser alguém
que não era? Basile não o conhecia.

Suas interações eram bastante limitadas a… um conflito e sexo. Muito


sexo. Raiva e a parte de si que escondia de todos que não faziam parte de sua
rotina.
E Baz sabia que isso já era uma parte grande de quem não demonstrava
quando olhos e câmeras estavam apontados na sua direção. Baz sabia que o
que ele conhecia era o que não deveria, considerando que não se conheciam
de verdade. Que não confiavam um no outro.

A compreensão o atingiu como um soco. Alex resmungou um palavrão,


recostando-se na parede bem ao lado de Basile, em derrota. Balançando a
cabeça, o piloto tirou um cigarro do bolso, acendendo com o isqueiro que,
surpreendentemente, foi entregue na sua direção por Baz.

— Eu não sei, mas eu conheço o Alexandre que não tenta esconder algo
tão idiota quanto o hábito de fumar. — O francês se inclinou na sua direção,
inspirando suavemente quando Alex soltou a fumaça pela boca. O brasileiro
conteve dentro de si a vontade de se inclinar para frente, para mais perto dos
lábios entreabertos de Basile. — Um que teria me dado um soco se
descobrisse que quero mexer com ele, porque quem seria o filho da puta que
ousaria bater de frente com ele? E que tem uma boca surpreendentemente
suja quando tá perto de gozar. O Garoto de Ouro ficaria envergonhado se
visse esse cara, e eu odeio o Garoto de Ouro.

Eu odeio o Garoto de Ouro. Bem, Alexandre também o odiava pra


caralho.

No segundo seguinte, Alex equilibrou o cigarro entre o dedo indicador


e o do meio para puxar Basile pela gravata frouxa para um beijo. O frio da
noite se foi em questão de segundos, porque as mãos de Baz o percorrendo
foram o suficiente para esquentar cada centímetro do seu corpo.

Baz engoliu cada suspiro, respiração e arfar que Alexandre ousou soltar
enquanto suas bocas permaneceram coladas. Quando o francês o obrigou a
se afastar, puxando-o pelos fios loiros com os dedos firmes, Alex soltou um
gemido quase revoltado.

— Bom saber — ele sussurrou, mais para si mesmo do que para


Alexandre.

— Por que você tá aqui? — Alex perguntou, mais como uma


reclamação do que como uma pergunta. Por que ele estava ali, dizendo tudo
aquilo, bagunçando-o com as mãos, a boca e as palavras?

Baz tornou a se aproximar, como se fosse beijá-lo outra vez.

Ele não o fez. Em vez disso, observou um Alexandre – o piloto da


noite, a estrela que todos queriam tocar, mas não podiam – totalmente
rendido esperar pelo novo contato em vão. Basile se afastou com um passo
seco, soltando o cabelo loiro. Se era sua cor natural ou mais uma pintura do
brasileiro, não dava a mínima. Parecia muito mais ele, de alguma forma.

— Porque eu vou te destruir, não ficou óbvio? — ele declarou, antes de


sair pela mesma porta pela qual haviam entrado, deixando Alexandre
completamente sozinho outra vez.

Com palavras ditas ao vento, a noite parisiense gritou para que fosse
embora e esquecesse aquilo. O aviso de que era um erro, algo perigoso,
brilhou diante de seus olhos novamente. De novo, como na noite em que viu
o rapaz no Palladium, meses atrás.

Não o suficiente para fazer com que quisesse se afastar, aparentemente.


 
PARTE DOIS — DOCE

“Hoje eu acordei tão cedo


Pra falar que eu quero abrigo
Mas não posso ser seu”
ONZE

O início de uma nova temporada poderia ser facilmente considerado a


fase favorita de Alexandre.

Scuderia Astoria tinha a sua história, e Alexandre a amava desde


sempre. Desde muito antes que ser um piloto em qualquer categoria do
automobilismo fosse sequer uma possibilidade.

Fazer parte disso era muito. Mais do que poderia um dia colocar em
palavras.

Alexandre gostava da oportunidade de um novo ano com sua equipe.

E ele sabia que a atenção sobre ele estaria tão intensa quanto nunca.
Algo natural sobre o mais recente campeão mundial, mas que apenas
reforçava o seu maior mantra – que não era um ano aberto a qualquer tipo de
falha, distração ou perda de tempo. Em hipótese alguma.

— Alex, como foram as férias de campeão mundial? — o câmera do


reality que ainda acompanhava a categoria perguntou, seguindo-o entre todas
as pessoas que passavam por perto pela entrada do circuito do Barcelona. —
Ou não é possível descansar quando seus pais também fazem parte desse
meio?

O piloto ajustou os óculos escuros sobre o rosto, passando os dedos


entre os fios claros antes de dar de ombros.

Família também era um dos principais tópicos ao seu respeito. Nicole e


Ângelo não eram tão abertos para a mídia, sequer davam entrevistas mesmo
antes de adotá-lo, e Alexandre respeitava isso. Sabia dos motivos de Nicole,
e não queria ser o responsável por um problema causado por isso.

— Meu pai se aposentou há alguns anos, então ele não faz muito além
de me dar uma bronca por passar muito tempo sentado com a postura ruim
na frente do computador — brincou, torcendo para que aquela resposta fosse
o suficiente. E não era uma mentira. Ângelo o acompanhava vez ou outra
durante os exercícios na casa, auxiliava nos alongamentos e até fazia
massagens nos seus ombros quando pedia, só porque ele era muito bom
nisso. Mas não era como se seu pai cobrasse algo, como um superior. Longe
disso. Se Alexandre acordava indisposto, visivelmente ansioso ou cansado,
Ângelo preparava uma quantidade não muito saudável de pipoca com
manteiga e o chamava para assistir algum filme de ação ruim apenas para
tirá-lo da cama. — Sabemos quando separar o meu trabalho do ambiente
familiar, a minha preparação para uma nova temporada não os envolve na
maior parte do tempo.

— E Nicole?

Nicole não quer ser citada.

— Nicole é ótima com a parte motivacional — respondeu, simplista.


Alexandre acenou na direção do piloto de uma outra equipe que passou por
perto antes de voltar a atenção para o câmera que ainda o seguia. — Se você
espera algum tipo de parentesco que fique no meu pé, talvez deva perguntar
sobre Bruno e Ivan.

— Eles estão se dando bem com a adoção, aliás?

— Hora dos testes, até mais tarde — cortou, acenando antes de entrar
na área da equipe. Onde o homem só teria permissão para entrar com
liberação direta da Astoria. Não era o caso, e obrigado Deus.

Durante as férias, a informação de que Bruno e Ivan estavam em um


processo de adoção vazou. Ninguém sabia ao certo de onde ou como, mas
todos souberam que havia uma criança cada vez mais perto de entrar para a
família Campos. Uma criança brasileira, de acordo com as notícias. Uma
criança que estava, pouco a pouco e cuidadosamente, sendo introduzida a
uma vida diferenciada da maioria das famílias que procuravam pela adoção.
Uma vida onde seus pais eram figuras públicas, viajavam semanalmente e
faziam parte de um esporte considerado de grande risco.

Delicado. Provavelmente mais fácil se não precisassem ligar com as


sanguessugas que procuravam por informações que não deveriam ir a
público antes do planejado. Mas Alexandre podia ignorar a raiva que sentia
sempre que alguém realmente achava que ele soltaria alguma novidade que
não lhes dizia respeito para sentir-se feliz porque, finalmente, aquele
processo estava dando certo. Havia, sim, uma criança com Bruno e Ivan.
Não de forma integral, ainda. Mas tudo indicava que, em breve, todos os
documentos seriam devidamente assinados.

Todos os documentos para que Camilla fosse, oficialmente, parte


daquele lar.

— Bom dia, família — disse, deixando a mochila no canto da sala de


reuniões onde todos já estavam reunidos. Ivan digitava algo em seu celular
com um sorriso largo no rosto. — Novidades?

O mais novo se inclinou na direção do russo, vendo-o conversar com a


mãe de Bruno, que havia acabado de enviar uma foto de Camilla. Alex já
conversara com a menina duas ou três vezes no Brasil, nas semanas em que
ela ficava com os dois para uma adaptação.

— Ela tá com a minha mãe esse final de semana — Bruno explicou. —


Não nos acompanharia nas viagens sempre, então é bom ver como seria a
adaptação nesse caso também.

— Saquei, faz sentido.

— Enfim, podemos começar — Ivan disse, guardando o celular.


Pela hora seguinte, Alexandre ouviu Ivan e os engenheiros da equipe
repassarem as principais mudanças e desempenho esperado do novo carro e
suas atualizações. Não apenas isso, mas também sobre as agendas e
compromissos dos pilotos para a semana.

Nenhuma novidade para o mais novo. Ele desviou o olhar


distraidamente para o lado de fora da sala, observando o fluxo de pessoas
andando pela área do circuito.

Até visualizar a figura alta e inconfundível de Basile.

Deus, estava cansado de vê-lo inesperadamente. Odiava imprevistos.


Odiava ser pego de surpresa. E genuinamente pensava que, após a cerimônia
de premiação no final do ano anterior, estaria finalmente livre dele.

Eu vou te destruir. Basile estaria acompanhando a equipe durante o ano


inteiro?

— Porra — Alex soltou, antes que pudesse se conter. Ele olhou na


direção de sua equipe, que o encarava em confusão. — Foi mal, eu acabei de
lembrar que não avisei pra Nicole que já havia pousado.

Ivan assentiu, voltando a atenção para o que Bruno falava novamente.


Algo sobre a equipe de mídias. Alex já não estava realmente prestando
atenção.

Alexandre ainda não sabia o que Basile queria dizer quando insinuou
que o destruiria, mas as palavras estavam começando a preocupá-lo pra
valer.

Alguém como Baz tinha, de fato, um potencial interessante para acabar


com Alexandre Duarte. De várias formas. Era uma ameaça para o seu plano
de manter-se longe de qualquer problema.

— Os primeiros testes começam em uma hora, então nós terminamos


por aqui — Ivan anunciou, levantando-se da mesa. — Alex, me avise se
tiver qualquer questão com os carros. Você costuma perceber os problemas
mais rápido.
— E eu não percebo? — Bruno perguntou, erguendo uma sobrancelha
na direção do marido.

— Você pensa que é um erro seu e não me diz nada. Felizmente ou


infelizmente, Alexandre se acha um piloto bom demais pra isso.

— Não me faça esfregar o meu título na cara do Bruno outra vez, acho
que vai ficar chato — o mais novo ironizou, ignorando a revirada de olhos
de Campos. — Até daqui a pouco.

Alexandre deixou a sala em silêncio, olhando ao redor quando saiu da


área da equipe.

Basile não estava mais em lugar nenhum que pudesse ver. Uma parte de
Alexandre torcia para que permanecesse assim – longe dele.

A outra sabia perfeitamente que isso seria impossível.


 

Basile o encontrou no estacionamento privado do autódromo.

Ele já havia notado isso – Basile sabia quando Alexandre o queria dizer
algo, e vice-versa, como havia acontecido na premiação. Não era necessário
muito além de um olhar e alguns minutos de espera.

— Bom carro — o francês disse, parando ao seu lado para recostar-se


na BMW também. — É seu?

— Alugado. Não sou tão clichê e não viajo com meus carros. — Alex
cruzou os braços. — Pensei que você nunca trabalharia em uma equipe de
Fórmula 1.

— Eu adoro a forma como você sempre parece tão triste em me ver.

O piloto soltou uma respiração pesada.

— Tudo bem, vamos mudar de assunto — Basile sibilou, olhando ao


redor. — Como você se sentiu no novo carro?

— Eu deveria pensar que você quer informações pra sua equipe?

— Ainda não confia em mim? Isso é uma pena. — Baz olhou para si
mesmo por um momento. — Eu fico tão mal assim de verde? Meu pai
realmente não tem o melhor gosto na escolha de cores.

Dessa vez, Alexandre não conteve uma risada anasalada. Cansada,


principalmente. Aqueles testes foram a prova de que talvez precisasse
descansar um pouco mais. Preparar-se para entrar em um carro novamente
era muito diferente de estar dentro do carro – especialmente se fosse um
carro novo, cheio de atualizações com as quais deveria se acostumar.

— É isso — Baz murmurou, se inclinando para ficar na sua frente,


provavelmente mais perto do que deveria. Afinal, estavam onde qualquer um
poderia vê-los.

Dia 1: Manter-se distante já prova ser uma meta fadada ao fracasso.

— Isso o quê?

— Você sorri pouco — Baz explicou.

— Dizem que eu sorrio demais, isso é novo.


— Só quando os outros esperam que você sorria. Já parou pra observar
o quanto você sorri quando acha que ninguém está te observando? É muito
pouco. Você tem uma cara emburrada em período integral e gosta de fingir
que não.

— Você me fez rir com uma brincadeira, qual é a grande vitória nisso?

— É um passo mais perto de te fazer tirar a roupa pra mim outra vez,
pra ser bem sincero.

Quando Alexandre desviou o olhar, rapidamente, Basile se inclinou


para mais perto. Se não fosse a mão de Alex em seu ombro, eles
definitivamente se tocariam.

— O que você quer comigo, Basile?

— Muita coisa. A lista é extensa.

O brasileiro o fitou.

Não tinha uma única chance de que pudesse mentir e dizer que Basile
não o atraía. Do sotaque puxado no inglês até as tatuagens, que só fora capaz
de ver quando ele estava sem as roupas, e a boca suja. Ou as mãos grandes,
e…

— No meu hotel — disse, empurrando o ombro do francês.

— Eu tinha ideias melhores, mas vou respeitar o seu tempo. — Baz


tirou o celular do bolso, estendendo na sua direção. — Salva o seu número e
eu te mando uma mensagem.

Alex ergueu uma sobrancelha na direção do francês. Queria saber quais


eram as tais ideias melhores, ou o que ele queria com o seu número. Não
seria mais fácil apenas aparecer na porta do seu quarto?

— O quê?! Eu não vou vazar o seu número, para de ser tão


desconfiado. — Quando Alexandre pegou o celular entre um palavrão para
salvar o contato, ele bufou. — Eu não aguentaria viver desconfiando de
qualquer um que cruza o meu caminho.
Não que eu aguente, Alex pensou, devolvendo o aparelho para ele.
Trocar mensagens era um passo muito maior do que o que pretendia dar.

— Mas, falando sério, verde fica ruim em mim? — Baz ironizou mais
uma vez, como se quisesse aliviar o clima. Ou só aliviar o clima de Alex,
especificamente. Baz parecia sempre tranquilo demais para qualquer coisa
ao seu redor.

— Não. Combina com seus olhos. Mas o carro da sua equipe ainda tá
feio pra caralho esse ano.

— Não é culpa minha, eu só cuido do que vem dentro do pacote — Baz


gesticulou, apontando na sua direção enquanto se afastava lentamente. —
Falando nisso, as sete vezes que você quase saiu da pista hoje foram culpa
sua ou da sua equipe?

Alexandre ergueu o dedo do meio para o mecânico – engenheiro, ainda


estava processando que ele agora fazia parte de uma equipe –, mas não
conteve um sorriso torto com a expressão divertida de Baz.

— Até mais tarde, mon chéri.


 
DOZE

Basile não estava em um de seus melhores momentos.

Mas, bem, não era como se não soubesse que dividir o mesmo oxigênio
que seu pai por mais que cinco minutos seria pedir para que sua vida se
transformasse em um inferno.

Sua equipe – ou o que deveria ser sua equipe, porque Baz ainda não se
sentia realmente parte daquilo que todos juravam que se tornaria a sua
segunda família – não era ruim. Na verdade, todos os seus colegas de
trabalho na Ritz-Carlton pareciam ser pessoas extremamente talentosas e
toda essa baboseira que se esperava de alguém que trabalhasse na porra da
Fórmula 1.

Mas ainda não era o seu lugar. Ou ele só não estava fazendo o mínimo
esforço, já que não queria estar ali desde o início.

Não que não fizesse o seu trabalho por isso. Longe disso. Basile poderia
ser o babaca que fosse quando quisesse, mas não deixaria de cumprir com as
suas responsabilidades.
Ou que fingiria estar adorando a experiência. Nunca pensou que diria
isso, mas daria de tudo pela oportunidade de desmontar um Fiat velho
qualquer na oficina de Dom.

Dom, a quem não via ou trocava uma palavra há meses. Meses.

Havia sido, no mínimo, complicado no início. Afinal, via e conversava


com Dom quase diariamente há anos, sem faltar um dia. Não sabia que
sentiria tanta falta do velho até o momento em que ele deixou de fazer parte
da sua rotina.

Acontece. Era uma fase passada.

Naquela tarde, após os primeiros treinos, sua cabeça estava um pouco


focada demais em certo piloto. Piloto rival. Fosse lá como deveria enxergar
Duarte agora que estava oficialmente do lado da equipe de seu pai.

Não que um pouco de rivalidade não fosse natural. Até saudável, na sua
opinião. Afinal, era um esporte onde apenas os primeiros – o primeiro –
poderia ser vitorioso.

Acontece.

Enquanto ouvia seu pai falar sobre o desempenho do carro para a


equipe – que poderia melhorar, mesmo que Basile achasse que o carro havia
se saído perfeitamente bem principalmente nas mãos de Laurent, até mesmo
melhor que Alexandre ou Bruno em suas Astorias –, Basile digitou uma
mensagem para o seu contato mais recente.

Alexandre. Formal demais, Baz não gostava disso. Ele mudou o nome
para Alex antes de enviar.

Baz: o quão foda é o hotel da vez?


A mensagem foi visualizada em uma rapidez impressionante. Em
questão de segundos, os pontinhos que indicavam que Alexandre estava
digitando apareceram na tela.

Hm.

Alex: quem é?

Baz: esperando mensagem de outro engenheiro bonito?

Alex: ah, é você.


Alex: é um hotel bonito. mas o quarto é um pouco menor que o da
França, se é isso que você quer saber.

Baz: o espaço que eu quero é a cama. o serviço de quarto é bom?

Alex: estou tentando adivinhar onde você quer chegar.

Baz: lugar nenhum, mas é engraçada a sua cara confusa me


respondendo.

Alex: eu não estou com uma cara confusa.

Baz: você acabou de olhar ao redor pra saber se eu estou te vendo.

Alex: onde você tá?

Baz: bem longe, mas você é previsível. enfim, me passa o número do


quarto e peça algo legal pro jantar. não vou comer antes de sair.

— Basile, você tem algo mais importante a resolver? — seu pai


perguntou, chamando a sua atenção.
Sim, eu tenho. Milhões de coisas mais importantes que isso. Basile se
limitou a balançar a cabeça, mas só porque toda a atenção da sala estava
sobre ele.

Mas não era como se conseguisse conter a si mesmo por muito tempo.

— Eu estava olhando todas as análises que concordam no mesmo ponto


de que o nosso carro se saiu surpreendentemente bem hoje. Sinceramente,
não vejo motivo para essa reunião.

— Para sermos ainda melhores, Basile — Bernard falou em seu tom


duro de sempre. Quem olhasse de fora pensaria que era apenas o seu
tratamento para o ambiente de trabalho, que não misturaria a família com o
emprego. Mas Basile sabia bem que aquele era seu pai sendo gentil com o
filho. — Não é o que você quer?

— Obviamente eu quero, mas não é como se eu concordasse em


procurar infinitamente por algo que, matematicamente, não temos como
encontrar outra resposta. — Basile gesticulou rapidamente na direção dos
papéis na mesa, dando de ombros. — Talvez deva conversar com a equipe
de estratégia. Trocar os pneus depois de dez voltas no nosso primeiro
circuito é, no mínimo, pedir pra perder vantagem.

— Terminamos por aqui — Bernard anunciou, após um período longo


de silêncio. Quando Baz se levantou para acompanhar os outros que
pareciam loucos para dar o fora dali, seu pai continuou: — Basile, fica.

Laurent, que estava em silêncio durante toda a reunião – mas resignado


demais ao seu mero cargo de piloto para ousar abrir a boca contra o chefe –,
olhou na sua direção como se desejasse sorte antes de sair também.

— Você acha que é bonito me desafiar na frente de todos? — Bernard


perguntou, cruzando os braços. — Que vai chamar a atenção pra você e
todos vão te achar o incrível?

— Não acho nada além de que você está procurando por melhoras que
não existem. Não faz sentido algum cobrar algo assim.
— Basile, quando eu disser algo, quero que você cale a boca e faça o
que eu estiver mandando — o mais velho avisou. — Não sou seu pai aqui,
sou seu superior.

— E você foi meu pai em algum momento? — Baz rebateu, cruzando


os braços. Quando Bernard ergueu uma sobrancelha, o rapaz revirou os
olhos. — Não finja surpresa. Você me arrastou pra cá, lide com a minha
forma de trabalho.

— Isso é um lugar de gente grande, Basile. Não uma de suas corridas


de brincadeira.

— Certo. Vai me demitir?

— Não, eu não vou.

Baz bufou, sentindo o telefone vibrar no seu bolso. Ao ver o contato de


Alexandre brilhar na sua tela, ele balançou a cabeça.

— Tenho mais o que fazer, bom trabalho pra você — disse, guardando
o celular novamente no bolso para sair da sala.

Bernard o impediu, segurando o seu pulso com a mão firme.

— Não me envergonhe, Basile. Você não veio para brincar.

— Estou fazendo o meu trabalho, mas abaixar a cabeça pra você nunca
não faz parte do contrato — devolveu, puxando o braço de volta. — Não
espere que eu te adore como um ídolo só porque arranjou o seu trono aqui.
Por sinal, é uma merda. Você não é nenhum Nikolaev, por mais que tente ser.

Basile pôde ouvir a série de palavrões que deixou a boca de seu pai
conforme se afastava. Não que aquilo o afetasse de qualquer forma. Não
mais, pelo menos.

— Fala, mon chéri — disse, ao atender a ligação de Alexandre. Baz


apoiou o aparelho entre a orelha e o ombro enquanto procurava pela mochila
na sala cheia de seus colegas de trabalho.
— Finalmente. Você não respondeu as minhas mensagens mais. —
Basile pensou em responder que era porque seu pai estava infernizando a sua
vida mais uma vez, mas trazer o assunto para um lado familiar com o piloto
brasileiro não estava nos seus planos. Para um lado familiar ou pessoal, em
qualquer outro sentido. — O que você quer jantar? Porque o hotel oferece
um pouco de tudo no meu cardápio, mas eu não sei do que você gosta. Em
qualquer caso, eu posso só pedir um delivery de fora.

— Você tá realmente preocupado com isso?

— Bom, eu não quero pedir nada que você não coma — ele explicou,
com naturalidade.

— Eu já comentei como você é fofo? — A provocação fez o piloto


bufar, mas Baz não estava mentindo. E fazia com que se perguntasse como
Alexandre era com as pessoas realmente próximas dele. Tão atencioso
quanto, sem nem mesmo perceber?

Basile tinha uma imagem muito diferente sobre quem era aquele cara
antes de chegar perto dele. E não estava errado em pensar que ainda havia
muito a descobrir sobre quem Alexandre era quando não precisava manter
suas defesas tão altas.

Para quem ele se mantinha com os pés atrás? Àquela altura, não parecia
ser apenas para a mídia.

— Eu não sei, mon chéri. Não sou seletivo, você pode pedir qualquer
coisa. — Baz deu de ombros. Não dava a mínima para o jantar, sendo muito
sincero. — O que você vai pedir?

— Salada.

— Argh, chato. Aceito qualquer coisa provavelmente saída de um


refrigerador.

— Eles têm nuggets.

— Perfeito.
— Esse vai ser o seu jantar?

— Quer algo mais romântico? Você pode pedir para complementarem


com batatinhas — provocou, acenando na direção de Laurent antes de sair.

Alexandre bufou mais uma vez do outro lado da linha.

— Chego em uns vinte minutos, mon chéri — disse, por fim. — Meu
nome está na recepção?

— Sim, e… minha segurança sabe que você está vindo, então não vão
procurar por uma faca em você ou algo assim.

— Eles sabem sobre mim?

— Sabem que você é um amigo — Alex disse, hesitante. Como se


amigo fosse uma palavra envenenada e Basile nunca devesse estar dentro de
sua definição.

— Um amigo? Mon chéri, você está apressando muito as coisas.

Baz riu quando a ligação foi finalizada pelo piloto sem qualquer
despedida.

O hotel onde a Astoria estava hospedada não era muito longe dali, mas
Basile optou por pegar um motorista de aplicativo, por precaução.

Afinal, era a sua primeira vez saindo da França para trabalhar.

Daquela vez, Basile foi muito bem recebido pela equipe responsável
pela segurança da Astoria. Imaginava que Alexandre tivesse algum tipo de
combinado para manter aquilo em segredo com o homem que autorizou a
sua entrada. Até mesmo com Bruno e Ivan, porque duvidava que o piloto
fosse abrir a boca sobre ele para os colegas de equipe. Mesmo com uma
história ridícula de amizade.

Alexandre abriu a porta do quarto no sétimo andar e o puxou para


dentro em um movimento rápido. Basile pensou em dizer que nada impediria
as câmeras de segurança de vê-lo ali e que era ridículo tentar se esconder de
um corredor vazio, mas não o fez. Alexandre não mudaria o jeito de se
proteger de tudo de um dia para o outro.

— A comida chegou faz uns cinco minutos — o piloto informou,


apontando para os pratos sobre a mesinha do quarto.

— Certo. — Basile se aproximou do rapaz, tocando o abdômen


definido para empurrá-lo contra a parede mais próxima. A respiração de
Alexandre acariciou o seu rosto em um toque doce quando se aproximou
mais. — Você está muito vestido pro meu gosto, considerando que sabia que
eu viria.

— Você não vai comer?

— Não agora — negou, raspando os lábios sobre a boca entreaberta do


piloto.

— Bom, poderia ter me dito antes. Eu pedi agora porque não queria que
você comesse algo frio.

Quando Basile recuou um pouco, erguendo uma sobrancelha,


Alexandre revirou os olhos.

— Você me chamou pra me alimentar ou pra foder comigo?

— Deus — Alex soltou, exasperado. Ele desviou o olhar rapidamente,


passando os dedos entre o cabelo claro. Basile queria puxar aqueles fios. A
noite inteira.

— Sabe, isso não vai funcionar se você ficar pensando em quem é o


meu pai e esse tipo de merda.

— Não é tão fácil assim.

Basile se afastou. Apenas o suficiente para deixar a mochila com suas


coisas de lado e livrar-se da própria camisa. Ainda recostado na mesma
parede, imóvel, Alexandre o observava como se, na verdade, estivesse
esperando que Basile desistisse e fosse embora.
Não que a ideia não passasse pela sua cabeça. Seria melhor para si
mesmo e para o piloto que não continuassem com isso.

Mas também não era como se não gostasse do que havia ali –
absolutamente nada além da atração sexual. E Alexandre era bonito, tinha
uma boca admirável, um tanto interessante e, principalmente, vida
profissional e social o suficiente pra não ter tempo de encher o seu saco
quando não quisesse. Era o tipo de coisa que gostava. Nenhum tipo de
compromisso, por mais casual que fosse, quando as roupas voltaram para o
corpo.

Mesmo que aquele caso fosse uma ocasião diferente. Se alguém errado
descobrisse, seria um inferno.

Por isso, Basile gostava de contar com a sorte e ignorar essa parte.

Por isso ele não iria embora. Não daquela vez.

— Relaxa — instruiu, aproximando-se novamente do piloto. Como o


esperado, Alexandre pareceu fazer o contrário de relaxar quando tornou a se
aproximar.

Baz pensou em perguntar o que fez o piloto desconsiderar tanto todos


os riscos que ele estava remoendo naquele exato momento na noite em que o
conheceu. Ele não parecia nem um pouco preocupado com o fato de estar em
um bar cheio de pessoas desconhecidas, em meio a uma corrida ilegal, e
convidando um completo estranho para o seu quarto de hotel.

Se fosse só por causa dos malditos documentos de confidencialidade,


Basile não teria problema nenhum em assiná-los para que ele parasse de
pensar tanto na possibilidade de alguém descobrir o que estavam fazendo ali.

Baz afastou os pensamentos quando deslizou uma mão entre os cabelos


da nuca de Alexandre, puxando o suficiente para fazê-lo erguer o queixo,
dando espaço para que pudesse deslizar a boca pelo seu pescoço. Um toque
superficial, de início. Basile inspirou o cheiro de perfume masculino caro e
desodorante, o que indicava que ele havia tomado um banho pouco antes.
Alexandre tinha o gosto de pêssego mais uma vez. Basile ainda não
gostava desse fato, apesar de gostar da sensação.

Também gostou do som que o brasileiro soltou quando mordiscou o


ponto de encontro do seu ombro com o pescoço e usou a mão livre para abrir
o zíper de sua calça. Movimento suficiente para já poder sentir os músculos
do piloto relaxarem um pouco.

Alexandre era fodidamente receptivo ao toque, e gostava disso. Agia


como se gostasse de ter o controle e manter-se na liderança em todos os
aspectos possíveis, e então…

— Isso, mon chéri — incentivou em um sussurro, tocando-o sobre o


tecido de sua roupa íntima. — O que você quer?

Como sempre, Alexandre se inclinou para procurar pela sua boca,


olhando-o como se tivesse acabado de cometer um crime, quando usou a
mão que estava no seu cabelo para mantê-lo no lugar.

— Eu fiz uma pergunta.

— Quero que você me leve pra cama — Alex arfou. — E eu quero a


sua boca.

— Mesmo? — Quando o piloto assentiu positivamente, Basile se


aproximou para mordiscar o seu lábio inferior. Só porque Alexandre Duarte
tinha uma boca bonita demais, e seria um pecado não a beijar o quanto
pudesse. — Onde você quer a minha boca, Alexandre?

Ao invés de uma resposta verbal, soltou algo parecido com um gemido


quando o tocou. Em um movimento lento, Baz o masturbou e apreciou a
vista que era o piloto simplesmente aproveitando a sensação da mão o
acariciando.

— Alex.

— Você precisa parar de me fazer perguntas em momentos assim — ele


reclamou, entre outro gemido quando Basile deslizou o polegar pela sua
fenda. — Eu não consigo pensar.
— Eu sei. Acha que eu não lembro de como você ficou quando eu te
fodi no meu apartamento? — Alex soltou uma respiração pesada, como se a
lembrança já fosse o suficiente para fazê-lo estremecer por dentro. Basile
não duvidava que fosse, pessoalmente. — Você não saberia responder o seu
nome se eu perguntasse.

Alexandre provavelmente diria algo, mas sua boca aberta soltou um


novo gemido quando Baz voltou a atenção para o seu pescoço.

— Você ainda não respondeu a minha pergunta — Basile relembrou.

— Por que eu deveria escolher? — A provocação fez o francês erguer


uma sobrancelha. Corajoso. — Você me procurou hoje. Me surpreenda.
 
TREZE

Alexandre Duarte tinha algum problema em se manter nas suas decisões.


Como a decisão de nunca mais trocar uma palavra com Basile Beauchene –
ou, pela política da boa vizinhança, nunca mais acabar na cama com ele já
seria o suficiente.

Em sua defesa, era difícil pensar em manter qualquer coisa enquanto o


francês o chupava como se fosse o seu último dia de vida. Alex estava
começando a pensar que a morte em questão seria a sua, porque não havia
uma chance de ainda conseguir respirar normalmente depois do orgasmo que
se tornava cada vez mais próximo.

Aparentemente, a regra de não ultrapassar os limites na véspera de uma


corrida ou treinos – testes, naquela ocasião – ainda estava na memória de
Basile sem que ele precisasse ser relembrado.

Considerando a última vez, era melhor assim. E por mais que


Alexandre gostasse e estremecesse dos pés à cabeça com a ideia do rapaz o
tomando como bem quisesse outra vez, a decisão de priorizar seu
desempenho no carro para o dia seguinte se mantinha intacta.
Pelo menos isso.

Alexandre olhou a bagunça de fios castanho-escuros que Basile havia


se tornado após tempo demais – porque ele havia parado de contar após
cinco minutos, sinceramente –, provocando-o com a boca. Com as mãos
fortes segurando as suas pernas, para impedi-lo de fechá-las ou de mover-se
demais, Basile chegava perto de onde Alex o queria, apenas para afastar
pouco depois.

Era a porra de uma tortura. E gostava disso. Talvez não gostasse com
outra pessoa, como já havia acontecido, mas Baz ainda fazia tudo de um
jeito tão bom que Alexandre quase desejava que não acabasse.

Poderia jurar que a sua mente ficou um pouco mais nebulosa quando os
olhos verdes de Basile encontraram os seus sob a luz fraca e alaranjada do
quarto. Alexandre se arrependeu de não a ter apagado antes de acabar ali,
porque seria um pouco menos vergonhoso se Baz não o visse tão bem
quando estava prestes a colapsar no colchão.

— Baz. Porra.

— Sim? — Baz ergueu uma sobrancelha, deitando a cabeça sobre a sua


coxa em uma expressão tão falsamente inocente que Alexandre ficaria com
raiva em qualquer outra ocasião.

Em vez disso, ele revirou os olhos, fitando o teto quando Basile


envolveu o seu pau com uma mão, usando a outra para provocá-lo mais
abaixo. O francês plantou um beijo na região da sua virilha, quase o
chamando de volta para a conversa.

Foda-se a conversa.

— Eu sei que você já gozou e está muito bem, mas eu também gostaria
da minha vez.

— Quem disse que eu fiquei bem depois de gozar?

Alexandre o fitou como se tivesse acabado de ouvir que tirou zero em


uma prova do colégio. O quê?!
— Calma, mon chéri. É brincadeira — ele riu, inclinando-se para
alcançar a sua boca em um beijo que derrubou suas costas novamente na
cama. Alex o puxou para mais perto, um braço ao redor do pescoço de Baz.
— Você se preocupa tanto assim com o meu orgasmo? Que fofo.

— Se você me chamar de fofo outra vez, eu vou acabar com você —


arfou, inclinando a cabeça para que o rapaz tivesse acesso ao seu pescoço.
Basile o beijou e mordeu, masturbando-o como se não tivesse pressa
alguma. Mas, bem, Alex tinha. Moveu o quadril contra a mão e a perna de
Basile, soltando o que deveria ser um gemido, mas pareceu ir um pouco
além. Era um pedido. — Baz, por favor.

— Você fica lindo quando implora pra gozar — Basile sussurrou contra
o seu ouvido, levando-o até a borda outra vez. Deus. O francês desceu
novamente a boca pelo seu peito, raspando os dentes pelos seus mamilos.
Deslizando a língua molhada pela sua virilha. — Por favor o quê?

Alexandre implorou. Por favor. Eu quero gozar. Por favor, Baz. Eu


quero a sua boca. Porque sua dignidade foi embora a partir do momento em
que a visão de Basile nu o fez pedir para que pudesse fazê-lo gozar antes
dele.

Quando Baz finalmente o deixou, Alex deixou que uma série de


palavrões escapasse, e seus dedos puxaram o cabelo escuro do francês em
um aperto forte. Quando sua mente pareceu clarear um pouco, pensou que
talvez devesse pedir desculpas por isso.

Alexandre levantou a cabeça para se desculpar no instante em que


Basile se aproximou para outro beijo úmido e bagunçado. Insistente e quase
erótico demais para algo que veio depois do seu orgasmo. Se pudesse – se
conseguisse –, Alexandre pediria para que ele o fizesse chegar nesse limite
outra vez só por causa do beijo.

Ele não olhou quando o rapaz se afastou, o seu peso deixando a cama.
Alex fechou os olhos, sentindo o formigamento desaparecer do seu corpo
lentamente. Talvez Basile estivesse se vestindo – sabia que ele não ficaria
durante a noite, nem o queria ali quando acordasse também. Era mais seguro
se ele saísse durante a madrugada, não quando qualquer pessoa de sua
equipe poderia encontrá-lo.

O piloto soltou um suspiro ao ouvir o barulho do chuveiro. Banho.


Certo, sim. Fazia mais sentido do que simplesmente se vestir e ir embora,
como da primeira vez, talvez porque estivessem ambos mais suados. Podia
colocar a culpa disso em Baz. Totalmente culpa de Basile. Ele gostava que
fosse mais que um oral que acabaria em cinco minutos.

Ou, talvez, fosse o que Alexandre gostasse. E Baz sabia, era o que o
entregava. Se lembrava bem, havia pedido para ser surpreendido.

Enquanto encarava a meia-luz do quarto, Alexandre se perguntou se


deveria entrar no chuveiro com Basile. Não. Íntimo demais.

Sexo? Sim. Banho juntos? Muito.

Quando o rapaz saiu do banheiro, ele se aproximou. Basile se inclinou


sobre o piloto com uma sobrancelha erguida, deslizando os dedos pelo
cabelo grudado no rosto de Alexandre pelo suor.

— O que é? — perguntou, imitando o gesto de erguer a sobrancelha.

— Estou checando se você não desmaiou com o orgasmo. — Quando


Alexandre afastou a mão dele com um tapinha, Basile sorriu. — É, você
parece bem.

— É claro que eu estou bem — resmungou, sentando-se sobre o


colchão.

Alex observou Baz vestir apenas a calça antes de se afastar outra vez.
Quando voltou, ele tinha o prato de nuggets em mãos.

— No que você tá pensando? — ele perguntou, analisando a latinha de


refrigerante antes de abri-la e dividir a bebida entre os dois copos sobre a
mesinha.

— No meu carro.
Baz o encarou.

— Eu acabei de te dar o melhor orgasmo da sua vida e você tá


pensando no seu carro? Isso é estranho, mon chéri. Eu deveria me sentir
ofendido?

Alexandre soltou uma risada baixa. Ou melhor, cansada. Talvez ainda


não estivesse em seu melhor estado novamente.

— Eu vou perguntar mais uma vez, já que você não me respondeu mais
cedo — Basile disse, inclinando-se para se apoiar na moldura do pé de cama.
— Como você se sentiu com o carro novo? Ouvi dizer que fizeram grandes
mudanças.

— Você viu os testes. Eu quase saí da pista umas dez vezes.

— Nas curvas. Você não conseguiu estabilizar a parte inferior — Baz


concordou, porque realmente havia prestado alguma atenção especial no
carro da Astoria. — Bruno se saiu consideravelmente bem, então talvez seja
uma questão de costume. Você sentiu essa diferença em outros momentos?

Alexandre assentiu.

Uma parte dele estava um tanto surpresa por, em pouco tempo, terem
mudado completamente o tom e o assunto do momento. Basile pareceu
pensativo por um segundo, como se realmente procurasse por algo que
pudesse ajudá-lo.

— Imagino que você não me daria o projeto do carro pra uma olhada,
então acho que eu não sou de muita ajuda. — Basile pegou mais um nugget
do prato, dando de ombros. — Você anda muito tenso. Isso atrapalha.

— Por que você acha que eu ando tenso? — perguntou, com uma
careta.

— Porque você está. — O francês se inclinou para frente mais uma vez.
— E eu consigo ver você ficando tenso outra vez só porque eu falei. Relaxa,
mon chéri. Vai acabar morrendo antes dos trinta e cinco se continuar assim.
— Pare de fazer comigo as piadas que eu faço com Bruno, é estranho
— resmungou, levantando-se da cama. Alexandre pairou ao lado de Basile
por um segundo antes de se inclinar para inspirar o cheiro de sabão e
desodorante do seu pescoço. E, também… — Você usou o meu perfume?

— Vai saber quantas vezes na vida eu vou ter a chance de usar um


perfume da Chanel sem precisar chupar o pau de alguém antes.

— É uma reclamação?

— Não, mas eu genuinamente gostaria de poder comprar um perfume


de quatrocentos dólares sem peso na consciência. — Basile bebeu um longo
gole do refrigerante, olhando na sua direção por um longo momento. —
Muito bom, aliás.

— Eu sei. — Alexandre pegou uma toalha limpa e roupas mais


confortáveis antes de ir para o banheiro.

Ele tentou não demorar sob o chuveiro. Dez minutos foram o suficiente.

Mas, quando deixou a água quente, Basile não estava mais no quarto.
Não havia um sinal de suas coisas, muito menos de sua mochila ou sapatos.
Nada.

Alexandre estava sozinho no quarto.


 
Alexandre chegou ao autódromo de Barcelona cedo. Com um café
gelado em mãos, ele aproveitou alguns minutos do lado de fora para
conversar com alguns fãs e assinar algumas camisetas. Algo que sempre
fazia quando tinha a chance, o que não costumava ser comum em dias de
corrida, quando os circuitos lotavam de pessoas e era impossível passar por
qualquer lugar que não tivesse barreiras de metal ou seguranças por perto.

— Bom dia, Duarte — Laurent, o piloto principal da Ritz-Carlton, o


cumprimentou com um aperto leve no ombro. Alex o encarou por um
segundo antes de voltar a atenção para um garoto que pedia por uma foto.

— Bom dia — respondeu, inclinando-se para a foto.

— Como vão as coisas? — o piloto perguntou, e Alexandre precisou


conter a si mesmo de fazer uma careta.

Não tinha nada contra Laurent. Longe disso, achava que ele parecia ser
alguém interessante, apesar da rivalidade estressante que havia se instalado
entre suas equipes. Nunca haviam tentado conversar de verdade ou sequer
foram colocados em um mesmo ambiente para uma conversa, fora os
momentos de coletiva de imprensa que, no fim, serviam apenas como
tentativas de alimentar mais essa rivalidade.
Mas, bom, desde a cerimônia de premiação, quando Jolene conseguiu
atraí-lo, as coisas pareciam estranhas.

Alexandre não soube de nada até às quatro da madrugada, quando


Jolene finalmente apareceu no quarto que estavam dividindo no hotel,
dizendo que nunca mais queria vê-lo. Primeiramente, pensou que ele tinha
feito algo. E, Deus sabia, Alexandre não teria problema algum em acabar
com a existência de Laurent Drumond se esse fosse o caso.

Mas Jolene jurou que ele não fizera nada. Nada negativo, pelo menos.
O que apenas tornava toda a situação ainda mais estranha, porque ela ainda
se negou a explicar muito além de que haviam se beijado. Muito. O que não
era, de todo, uma surpresa. Jolene já comentou sobre achar o piloto bonito e
ela tinha o costume de conseguir o que queria – Alexandre incluso nessa
equação.

No fim, ele não sabia absolutamente nada além de que Jolene estava
fingindo que o piloto da Ritz-Carlton não existia desde então. Ou fazia de
conta que ela própria não existia, considerando que Alex a convidou para os
treinos e ela negou educadamente, dizendo que tinha algum tipo de
compromisso familiar.

Besteira.

Mas Laurent sabia que Alexandre mantinha contato constante com a


atriz. O que Laurent não sabia era que Alexandre não fazia a menor ideia do
que infernos havia acontecido. Se ele esperava algum tipo de notícia ou
ajuda, estava procurando pela pessoa errada.

— Bem — respondeu, afastando-se um pouco para tirar uma foto com


um homem e seu filho. — E você?

— Perfeitamente bem.

Ou não. Alexandre olhou ao redor ao entrar na área permitida apenas


para funcionários, membros e convidados das equipes e das mídias.

— Bom dia, querido. Você tem uma entrevista com aquela revista
esportiva em vinte minutos, sobre jovens talentos do esporte. — Marissa, sua
gerente de imagem, se aproximou quando entrou na área da Astoria. — Mais
tarde, você tem a coletiva com o Ronan da Alpha e gravações para o reality.
Não deve demorar muito, eles querem falar sobre as expectativas para a
temporada.

— O que eu falei sobre muitas coisas em um único dia? — murmurou,


mexendo o café com o canudinho reutilizável de metal. — Não podemos
marcar as gravações do reality pra amanhã?

— Posso tentar, querido. Mas não prometo, você sabe que eles sempre
cobram por um pouco mais de você.

— Eu te amaria pra sempre se você conseguisse, aposto que isso vale


mais — brincou, afastando-se da mulher. — Já tomou seu café, Marissa?

— Já, Alex — ela riu, revirando os olhos. — Te vejo em vinte minutos.


Não venha puxar o papo sobre minha família pra tentar me enrolar outra vez.

— Jamais! — disse. Tentaria de uma forma ou de outra.

Alexandre entrou em sua sala com o celular em mãos, checando as


notícias da manhã e as mensagens mais recentes.

Ele parou no instante em que percebeu a segunda presença no espaço.

Basile estava deitado sobre o seu sofá.

— Como você conseguiu entrar aqui? — perguntou, deixando a


mochila de lado.

— É absurdamente fácil. Não fique tão surpreso. — O Beauchene se


levantou preguiçosamente, como um gato que havia acabado de acordar. —
Bom dia, mon chéri.

Alex observou o francês se aproximar e pegar o café da sua mão,


bebendo um gole generoso.

— O que é isso? Frappuccino?


— Basile, você não pode andar na área da minha equipe — alertou,
puxando o café de volta.

— Por quê?! Você ainda acha que eu vou roubar informações ou algo
assim? Supera, Alex. Não sou o James Bond, tenho preguiça demais pra
qualquer trabalho investigativo, e você não facilitaria a minha vida.

— Não importa o que eu acho. E se te pegarem?

— Eu me ferro sozinho. Ainda não te entregaria — ele disse, dando de


ombros.

Alex o fitou. Basile não parecia estar mentindo, mas ainda era estranho
que ele estivesse disposto a ser descoberto sozinho, para não o envolver na
confusão que seria um engenheiro da Ritz-Carlton invadindo o espaço da
Astoria sem permissão – teoricamente.

Caso acontecesse, Alexandre não seria idiota o suficiente para


realmente deixar que ele sofresse todas as consequências sozinho, todos
pensando que ele estava ali para roubar informações ou afetá-los de alguma
forma. Contaria a verdade, ou a parte menos chocante dela – se é que haveria
algo pouco chocante no que estavam fazendo.

Mas preferia não correr o risco do que contar com a sorte. Quando
estava no trabalho, pelo menos.

— O que você veio fazer aqui?

— Sei lá, tô matando o serviço.

— Seu pai não vai ficar irritado?

Basile riu.

— Como se ele não estivesse sempre irritado. Principalmente comigo.

— Eu não entendo. Por que você está na equipe, se não quer?


— Porque ele não me deu escolha. Simples. — Não parecia algo
simples na visão de Alex, mas não era como se pudesse perguntar demais.
Se Bernard não gostava da presença do filho, por que tinha o arrastado para
fazer parte da equipe? — Enfim, eu vou te chupar. Você prefere deitar ou vai
ficar em pé?

— Nem fodendo. Eu tenho uma entrevista em uns quinze minutos.

— Te faço gozar em cinco. Não pretendia demorar como ontem, de


qualquer modo.

Alexandre encarou o rapaz, perguntando-se de que ala do inferno ele


tinha escapado para ser… assim.

— Devo concluir que você vai ficar em pé? — Baz perguntou, na


ausência de uma resposta.

— Como você achar melhor.

— Se eu fizesse o que eu acho melhor, não iria apenas te chupar. Mas


saquei.

Alex olhou para o relógio na parede. Exatamente quinze minutos para a


entrevista que, sinceramente, estava tentado a pedir que Marissa cancelasse
de última hora.

Normalmente, jamais deixaria que qualquer pessoa interferisse no seu


trabalho. Não estava nos seus planos jogar tudo no lixo por alguém –
principalmente se esse alguém não passava de uma coisa casual.

Então, havia Basile Beauchene. Que era um compilado do que deveria


evitar se quisesse proteger não apenas seu trabalho e imagem, mas também a
si mesmo.

Mas, pela primeira vez em anos, Alexandre não queria se proteger.


Merecia uma folga, não? Ser responsável o tempo inteiro – policiar a si
mesmo para isso – estava tornando-se cada vez mais cansativo. Mais atenção
somada à sensação infinita de que um espirro errado o destruiria.
Basile, por mais riscos externos que oferecesse, ainda representava
algum tipo de segurança. Não dava a mínima para a fama ou dinheiro. Na
verdade, Alex achava que o francês o odiaria se dependesse apenas disso.
Ele não queria exposição quase tanto quanto o próprio Alexandre. Não tinha
interesse em conhecer a sua família ou fazer parte da sua vida. Todas as
portas que Alex mantinha fechadas permaneceriam fechadas se dependesse
dele. Conversariam sobre o que ambas as partes quisessem, se quisessem.

E, bem, ele era bom na cama. Vários pontos positivos em um único


tópico, mas Alexandre não pensaria demais nisso se não quisesse gozar antes
que Basile tivesse a chance de realmente começar o que queria ali. Até
então, ele só estava o acariciando contra a porta.

Era difícil afastar algo assim. Alguém que lhe passasse uma segurança
como aquela. Basile era transparente ao extremo. Não conseguiria esconder
se não gostasse de algo, assim como não escondia que não dava a mínima
para boa parte do que acontecia ao seu redor. Não conseguiria esconder uma
mentira. Não conseguiria esconder se estivesse com Alexandre por qualquer
outro motivo senão afastar o que quer que o estressasse para fazer o piloto
arquear as costas sobre o colchão de um hotel caro.

E ir embora sem uma despedida. Alexandre podia aprender a viver com


essa parte.

O piloto mordeu o lábio para conter um ruído quando a língua de Baz o


percorreu. Ao contrário do dia anterior, o francês realmente não perdeu
tempo. Basile o chupou com toda a confiança e segurança que carregava ao
simplesmente existir. Os dedos cravados dele nas suas pernas o impediram
de ditar qualquer ritmo quando prendeu uma mão no cabelo bagunçado, mas
Alex gostou.

Gostava que Basile não precisava de qualquer tipo de direcionamento.


Ele apenas sabia o que deveria fazer.

— Isso vai durar uns dois minutos — soltou, fitando o teto branco da
sala.

— É um elogio, certo?
— Silêncio. Você pode continuar.

— Resolveu ser mandão hoje? — Basile provocou, mas também voltou


ao que estava fazendo antes que Alex tivesse a chance de responder.

Os dedos do seu pé se contraíram conforme o esforço para não deixar


qualquer som alto demais escapar tornou-se maior.

— Porra, Baz — ronronou, sentindo o rapaz ajoelhado levá-lo mais


fundo. O brasileiro mordeu o lábio o suficiente para machucar quando
gozou. Não o suficiente para manter o silêncio, aparentemente. Alexandre
recostou a cabeça contra a porta, fechando os olhos. Estava entre aproveitar
um pouco mais a sensação de formigamento que percorreu o seu corpo
quando Basile se colocou de pé, a fim de prestar atenção a qualquer sinal de
que alguém havia escutado qualquer coisa do outro lado.

O outro o encarou com um sorriso ridículo no rosto. Alexandre


provavelmente parecia patético e bagunçado. Em sua própria defesa, Baz o
pegou de surpresa ali.

— Te sobraram uns sete minutos pra se arrumar para sua entrevista.

Alex queria acabar com aquele cara. Em vez disso, se limitou a


empurrá-lo para o lado, para procurar pelo seu uniforme.

— Você vai se virar pra sair daqui — avisou, livrando-se das roupas
para vestir as cores da Scuderia Astoria. Roxo e preto. Basile o observou por
um segundo, antes de percorrer a sala para olhar as folhas sobre a mesa.
Relatórios e alguns resultados do carro que Alexandre não permitiria que
qualquer pessoa de fora visse.

Foda-se. Basile não precisaria de nenhum relatório para conseguir


acabar com a sua vida se realmente quisesse.

— Seu carro tá superaquecendo? — ele perguntou, franzindo o cenho


enquanto folheava os papéis que Alexandre não tinha sequer olhado.

Mas teria o feito se não houvesse nenhum francês em sua sala quando
chegou.
— Acho que sim. Nada que não possamos resolver.

— É bom resolverem, porque a Ritz tá com um carro foda pra esse ano.
Motor novo.

— Que animador — resmungou. — Você fala como se torcesse pra nós


e a Ritz não fosse sua equipe.

— A Ritz não é minha equipe, eu só existo nela por obrigação. —


Basile o observou livrar-se dos brincos e correntes, organizando os
acessórios na mesa. — Não torço pra ninguém a esse ponto. Só gosto mais
da sua equipe.

— Gosta?

— Nada pessoal. Mas… — Baz deu de ombros, balançando a cabeça


como se pensasse em suas próximas palavras. — Mas é legal quando uma
equipe promove tantos assuntos importantes. Primeiro a questão racial, com
Bruno. Mas LGBTQIA+ depois. Vocês adoram ignorar umas regras pra
defender o que pensam, isso me deixa levemente inclinado a simpatizar com
seus rostinhos bonitos e toda a propaganda de que são uma família. Melhor
que a Ritz, e eu acho que não preciso discursar sobre o chefe dela.

— Não é uma propaganda — Alex disse, fechando o zíper do macacão.


— Nós somos uma família. Trabalhamos pra isso. Bruno e Ivan se esforçam
pra criar esse ambiente de verdade. É por isso que todos amam trabalhar
aqui.

— Fofo. — Baz gesticulou, parecendo desinteressado. — Você tá


ocupado essa noite?

— Não que eu saiba.

— Bom saber. — O rapaz soltou os papéis, olhando ao redor, como se o


espaço não muito grande o deixasse inquieto. Alexandre não se
surpreenderia se fosse o caso. — Aliás, o que rolou com aquela garota do
futebol que você tava namorando?
Alex demorou um segundo para entender – e lembrar – do que ele
estava falando.

Ah, a garota do futebol. Amiga de Mariana. Íris. Sim, ela mesma.

— Nós não namoramos. Conheci a Íris na festa de noivado de uma


amiga e ficamos por umas duas semanas. — Deu de ombros. — Mas ela não
curte a ideia de qualquer coisa mais séria com alguém que viaja tanto. E eu
não gosto da ideia de qualquer coisa mais séria com alguém que vai me
culpar por virar notícia. Faz parte da minha vida, e eu não tenho como mudar
isso.

— Mas você queria.

— O quê?

— Alguma coisa mais séria. Foi a primeira vez que você saiu tanto com
alguém em público.

— Por que você tá perguntando sobre isso?

Basile deu de ombros.

Alexandre não sabia ao certo o que queria com Íris quando a conheceu.
Ela era legal, sim. Interessante e talentosa no campo, tinha muito potencial
para crescer no futebol. Era carinhosa, mesmo que ainda parecesse não saber
conviver com certos bloqueios do piloto.

Mas quando a atenção – invasões e ataques inclusos – da internet


tornaram-se mais intensos, as coisas deixaram de dar certo. Antes que Alex
pudesse se apegar demais, o que foi bom para que conseguisse seguir com a
sua vida quando acabou, mas uma merda grande o suficiente para que ele
tivesse ainda mais certeza de que se envolver com alguém seria pedir para se
magoar. Da próxima vez, talvez não tivesse a sorte de superar tão facilmente.

— Esqueci de perguntar se você tava com alguém antes de chupar seu


pau ontem.

— Eu não ficaria com você se estivesse namorando alguém.


— Eu não tenho como saber. — Baz fitou o seu uniforme. — Você fica
bem de roxo. Já comentei?

Alex abriu a boca para responder, mas parou quando ouviu batidas na
porta da sala.

— Já vou, Marissa! — exclamou, pegando as luvas e a balaclava do


uniforme sobre o sofá.

— Marissa comentou que você estava quase atrasado, Xander.

Alex congelou, os olhos arregalados.

Não era Marissa. Era Nicole, sua mãe.


 
CATORZE (flashback)

Alexandre lembrava-se perfeitamente bem da primeira vez que viu Nicole


Duarte.

Ele não tinha uma casa. Tinha onde deitar-se durante à noite, onde
comer e descansar. Mas não era uma casa.

Em momentos ruins, Alex ainda se perguntava se isso havia mudado.

Nicole entrou na enfermaria com seu sorriso largo e caloroso. Os


cabelos escuros e longos estavam presos em uma trança bem arrumada.

Ela se sentou na sua frente, e Alexandre a odiou. Parando para pensar,


anos depois, o ódio do primeiro momento não fazia sentido algum. Nicole
não fez nada além de sorrir.

Mas, bem, o Alexandre de anos antes não era muito além de raiva e dor.
Mais raiva do que dor. Ele sabia bem como esconder o que doía sob o ódio.
Esconder das pessoas ao seu redor, de si mesmo.
Nicole parecia ser o contrário. Ela era feliz. Verdadeiramente feliz,
apesar de qualquer problema que poderia estar no seu caminho. Não
precisava conhecê-la para saber disso.

Ele a odiou tanto por isso.

— Oi, tudo bem? — ela perguntou, a voz baixa. Baixa, mas


aconchegante. A voz de Nicole era como uma carícia para o garoto de
apenas quinze anos.

É claro que não está tudo bem, tem sangue saindo do meu nariz,
Alexandre pensou em responder, mas Nicole – leu no seu crachá – não
merecia a sua palavra.

— Comentaram que você vai pro castigo. Outra vez. — A mulher se


inclinou para alcançar um pano úmido para o garoto. Alex não conseguiu
conter uma risada seca e anasalada que escapou pelo seu nariz. O
movimento apenas fez o seu rosto doer mais, mas não era como se ligasse
demais para isso também. — Não é confortável estar lá. Muito menos se
você estiver machucado.

— Vou machucar mais o outro cara da próxima, então — resmungou,


pegando o pano da mão da mulher em um movimento rápido. Nicole se
inclinou para tentar olhar o corte quase cicatrizado da semana anterior acima
da sua sobrancelha, mas ele recuou. — Não encoste em mim.

Alexandre a fitou, apenas para ter certeza de que ela não tentaria se
aproximar outra vez antes de inclinar a cabeça para trás.

— Não faz isso! — ela exclamou, quase exasperada. Quando Nicole


tocou o seu braço, o garoto tornou a fuzilá-la com o olhar. — Não é bom
levantar a cabeça quando o nariz sangra.

— Foda-se — murmurou, pressionando o pano úmido no rosto. — O


que eu faço?

— Só espera um pouco com o pano no rosto. Deve resolver.


Alex o fez, observando atentamente a mulher enquanto ela arrumava a
enfermaria. Duvidava que ela fosse enfermeira, considerando que não usava
um jaleco ou qualquer coisa do tipo. Mas nunca tinha a visto ali.

E, bom, estava lá há muito tempo. Muito, muito tempo. Conhecia todos


que trabalhavam ali como a palma da sua mão. Em quem deveria ficar de
olho, de quem deveria manter distância.

Nicole não duraria um mês naquele inferno. Os garotos que eram piores
que ele acabariam com a paz dela em duas semanas. Uma, se não pegassem
leve. Ela tinha a cara de quem não aguentaria muita coisa ali antes de
implorar para dar o fora.

E ele ficou ansioso para ver aquilo acontecer. Dor sob a raiva.
 
QUINZE

Alexandre passou um braço sobre os ombros de Nicole, deixando um


beijo leve sobre a testa da mulher ao se afastar da equipe de filmagens.

— Você poderia me avisar que viria, eu teria encontrado um jeito de


arrumar a minha agenda pra você — disse, pela quinta ou sexta vez.

— Eu só passei pra dar um oi, Xander. Tenho um voo de volta para o


Brasil essa noite. — Nicole olhou ao redor, acenando para uma pessoa ou
outra que conhecia. O paddock todo, Alex diria. Não havia uma pessoa ali
que conhecesse a figura de Nicole e não a amasse. Se Ângelo estivesse a
acompanhando na viagem, mal conseguiriam dar cinco passos sem alguém
os abordando para um cumprimento ou uma conversa rápida. — Marissa
comentou que você pediu pra realocar as gravações do reality. Nós não já
conversamos sobre postergar compromissos?

Droga, Marissa.

— Em minha defesa, eu preciso visitar um museu da cidade — mentiu.


Dizer que estava com preguiça de lidar com as perguntas de gente de um
reality que só procuraria por brechas para intrigas e sensacionalismos que
não existiam faria Nicole começar seu discurso sobre lidar também com o
lado chato da vida que ele havia escolhido para si. Sabia que ela estava certa,
mas não é como se fosse concordar em voz alta também. — Relaxa, Nicole.
Está agindo como se eles não pudessem gravar isso em qualquer momento
do ano e depois fingir que eu falei hoje. Não tem muita coisa autêntica ali
pra dizer que eu seria o único.

Alex relaxou um pouco ao ver Basile cruzar o seu caminho ao lado de


Laurent. Deixara o engenheiro em sua sala para sair com Nicole, torcendo
para que ele desse um jeito de vazar da área da Astoria sem ser visto.

Não podia dizer que ele não era bom em passar despercebido. Fosse lá
como fizesse isso.

— Nicole, por que não avisou que viria? — Bruno se aproximou


quando voltaram para a área da equipe. Assim como Alexandre, o piloto
mais velho já estava uniformizado.

— Eu me fiz a mesma pergunta.

— Porque eu gosto de fazer surpresas. — A mulher olhou ao redor,


soltando um suspiro. — Eu não sabia que sentia tanta falta desse ambiente.

— Ninguém mandou o seu marido se aposentar antes da hora.

— Ele merecia um descanso — Nicole justificou, dando um tapinha no


ombro do filho quando Ivan se aproximou. — Vai, hora dos seus testes.

— Não suma, eu vou te levar pra tomar um café depois — disse,


inclinando-se para beijar o rosto da mãe antes de se afastar.

— Só se você também conseguir uma torta de morango.

— Tudo pra você, Nicole. Você sabe disso.

Ela sabia, sim.

Enquanto se preparava para entrar no carro, Alexandre observou Ivan


falar algo sobre o desempenho do carro de Bruno, lembrando-se de Basile
falando que relaxar talvez o ajudasse.

Suspirou, ajustando as luvas nas mãos antes de entrar no carro.

Um dia a mais com um novo era sempre melhor que o anterior.


Alexandre sentiu-se mais seguro, mais firme. Respirar fundo sempre que a
pressão parecia prestes a atrapalhá-lo também ajudou.

Quando voltou para a área de sua equipe, Ivan tinha um sorriso


satisfeito no rosto. O suficiente para que boa parte do bloco de gesso em seu
peito sumisse.

— Perfeito, Alex — ele disse, tocando o seu ombro. — Melhor que


ontem. Você se sentiu melhor?

— Definitivamente — assentiu, agradecendo baixinho quando


estenderam uma garrafa de água na sua direção. — Fui mais rápido?

— O suficiente, o que é ótimo.

— Legal — murmurou, respirando profundamente ao arrumar os fios


suados para trás. Nicole estava ali perto, observando a transmissão da tela de
Bruno, que continuava na pista. — Tô liberado?

— Vou te liberar da reunião do dia, mas só porque a Nicole veio. Não


pense que vai virar rotina.

— Eu nunca pensaria isso — ironizou, afastando-se para ir até a mãe.


— Eu tomo um banho e em meia hora podemos sair. Que tal?

— Não vou estar atrapalhando?

— Não, Nicole. — Balançou a cabeça entre um gole de água. —


Relaxa. Ivan me liberou, e eu já planejava sair.

Nicole o encarou, estreitando os olhos como se esperasse descobrir


alguma mentira com a força da mente.

— Não me olha assim.


— Tudo bem, mas só porque eu realmente gostaria de uma torta agora
— ela cedeu, balançando a mão. — Tome um banho e se arrume, Xander.

Alexandre se apressou. A oportunidade de sair com seus pais durante os


finais de semana de corrida eram raros, acontecendo apenas quando eles
viajavam ao seu lado. Aquela era uma oportunidade atípica, e, enquanto sua
mãe estivesse ali, queria aproveitar o tempo com ela.

O piloto saiu do chuveiro e alcançou o celular com uma mão, checando


rapidamente as mensagens mais recentes. Foi uma surpresa ver uma de
Basile, precisava admitir. Enquanto vestia uma calça limpa com uma mão,
ele abriu a conversa com o francês para ler a mensagem.

Baz: suponho que não tenha tempo pra mim hoje

Alex: não vai rolar, foi mal

Baz: tudo bem, deu pra ver que você ficou animado com a surpresa
Baz: enfim, você foi bem no carro hoje

Alex: tentei relaxar, foi o que você disse

Baz: bom garoto

Alex: isso é um fetiche ou uma tentativa de elogio?

Baz: como se você não gostasse quando eu te elogio

Alex: tchau, eu vou sair com a minha mãe

Alex guardou o celular no bolso da calça com um resmungo baixo,


afastando o Beauchene da mente para terminar de se arrumar.
O piloto saiu da sala, aproximando-se de onde Nicole o esperava, ao
lado de Ivan.

— O carro que eu aluguei tá lá fora, não precisamos pegar um de


aplicativo — disse, acenando na direção do mais velho enquanto se
afastavam.

Alexandre dirigiu pelas ruas movimentadas de Barcelona enquanto


ouvia Nicole falar sobre a sua semana, os trabalhos em eventos beneficentes
que ela tanto gostava e os planos para viajar com Ângelo, que estava
ocupado com o trabalho na academia de pilotos, onde foi contratado após se
aposentar da rotina de viagens das equipes de Fórmula 1.

Era algo que se identificava com Nicole. Assim como ela, odiava
pensar em ficar muito tempo em um único lugar.

— Vamos levar o Bonner dessa vez — ela disse, referindo-se ao


dobermann alemão. — Ângelo disse que o hotel oferece um spa para cães,
e…

— Você sabe que ele odeia essas coisas — riu, imaginando o desespero
do animal em ter que ficar em silêncio e imóvel por mais de dois segundos
para um tratamento em um spa. — Ele vai ser o terror de quem estiver lá.

— Bom, pode ser a oportunidade perfeita para que ele aprenda a se


comportar perto de pessoas desconhecidas.

— Como se ele soubesse se comportar até com quem já conhece —


ironizou. — Me mande fotos disso, eu preciso ver o caos.

— Você, Alexandre, é o maior culpado por ele ser assim. Não educou o
William quando ele era pequeno e agora que é um adulto, acha que pode ser
como quiser.

— Eu diria que o nosso William Bonner está na fase da pré-


adolescência. Ele tem um ano e meio.

— E com ela vem a rebeldia. Reconheço isso de algum lugar.


— Você é tão engraçada. — Alexandre beliscou suavemente o braço de
Nicole ao parar o carro em frente a uma cafeteria consideravelmente
movimentada. Não conhecia nada ali, mas a internet indicava que era um
bom lugar.

E era. O tipo de lugar que Nicole adorava, com a decoração elegante e


delicada, o cheiro de bolo saído do forno e chocolate. A mulher soltou um
suspiro animado ao ver as dezenas de opções expostas apenas na entrada do
lugar.

— Duvido que conseguem ter uma torta melhor que as da Aria, mas
vou admitir que parecem boas.

— Pedir qualquer coisa melhor que algo feito por Aria é demais,
Xander — Nicole disse, deslizando a ponta do dedo indicador pelo cardápio
atentamente. — Mas aposto que são ótimos.

Nicole acabou optando por uma torta de morango – o que, para Alex,
não era uma surpresa de forma alguma – e café com menta. Alex ficou feliz
em pedir apenas por um brownie e café puro.

— Você só vai pedir isso? — Nicole ergueu uma sobrancelha, o


repreendendo silenciosamente.

— Não vou me entupir de bolo durante o final de semana.

— Xander, até amanhã de manhã você já vai ter queimado todas as


calorias.

— Eu pego um pedaço do seu, feliz?

— Não, mas não adianta discutir com você — ela disse, dando de
ombros. Alex balançou a cabeça com um sorriso, agradecendo à atendente
quando seus pedidos foram entregues.

Nicole ainda tinha a mesma calma de quando se conheceram. Um


pouco mais, talvez. Era algo que gostava de acreditar que construíram
juntos, mas principalmente graças a ela.
Nicole sempre esteve em paz consigo mesma, mesmo que a vida
colocasse obstáculos no seu caminho.

Alexandre foi um deles, e ele sabia disso. Ainda assim, Nicole o amou.

E o fez desde o primeiro momento. Essa parte ainda era surpreendente


para ele. Antes de ser a sua mãe, Nicole se tornou sua melhor amiga, uma
confidente. Alguém – a única, na época – em quem sentia que poderia
confiar plenamente sem o medo de uma traição.

Para alguém como Alexandre, a necessidade de segurança e confiança


veio muito antes da fama. Era intrínseco a ele. E Nicole foi a primeira pessoa
a convencê-lo de que era possível encontrar isso em outra pessoa.

Mesmo que ele tenha se recusado a enxergar isso por um longo tempo.
Quase dois anos, para ser mais exato.

E, enquanto Nicole falava sobre o quanto estava feliz com os seus


resultados na Astoria – ela nunca deixava de falar sobre isso –, Alexandre
Duarte se deixou relembrar do quanto era a pessoa mais sortuda do mundo
por ter cruzado o caminho com a sua verdadeira família.
 
DEZESSEIS

Alexandre nunca havia parado para pensar no próprio casamento. Afinal,


todo mundo tem uma ideia básica do que quer quando for concretizar
legalmente o relacionamento com a pessoa que ama, não é? Mas não
Alexandre.

Sequer pensava que alguém poderia gostar dele a ponto de desejar um


casamento.

Ainda assim, era o tipo de pessoa que adorava estar em casamentos.


Dos casamentos das amigas de Nicole até aquele, o de Mariana e Daniel, não
havia nada que Alexandre não gostasse.

O casamento da vez foi organizado na casa de campo de Daniel, na


Irlanda. Nesse quesito, identificava-se bem com eles: era privativo, quieto e
bonito. Não havia muitos convidados quando chegou, e estava um pouco
atrasado para o início da cerimônia.

Alexandre se aproximou de onde Bruno e Ivan guardavam um lugar


para ele.
— Você não conseguiu vestir algo que não te transformasse no centro
das atenções? — Bruno reclamou, embora a brincadeira fosse nítida em seu
tom de voz. Alex não estava vestindo nada demais, em sua própria opinião.
O conjunto de terno completamente preto seria até simples, se não fosse pelo
destaque a mais que as correntes e anéis dessem.

Mas, de acordo com Baz, uma pessoa normal fecharia os botões de


cima da camisa. No mínimo. Mesmo que ele tivesse dito nas mensagens
seguintes à foto que Alexandre mandou que a roupa o deixava extremamente
gostoso.

— É o que eu normalmente visto. — Deu de ombros.

— Justamente por isso.

— Então a culpa não é da roupa, eu sou naturalmente o centro das


atenções.

Bruno revirou os olhos, virando na direção do marido.

— Eu nunca vou te perdoar por me fazer conhecer esse cara.

Ivan riu, dando de ombros.

Alexandre acenou para os convidados que conhecia. Tanto Fernando


quanto Paulo estavam na primeira fileira organizada para a cerimônia, com
outro casal de padrinhos. Enquanto Assis parecia perfeitamente calmo, Paulo
não conseguia parar de tagarelar algo no ouvido do namorado, que não
respondia com muito além de algumas palavras.

Daniel foi o primeiro a entrar, do lado da mãe. A irmã mais nova parou
ao lado dele para entregar uma caixinha que provavelmente continha as
alianças.

Era esperado que ele estivesse feliz. Afinal, era o seu casamento. Mas
Daniel William parecia radiante ao acenar para os convidados em seu terno
branco. Mesmo enquanto trocava algumas palavras com Fernando durante a
espera pela noiva, ele mal conseguia conter o sorriso dentro de si.
— Sabe, isso me lembra que no nosso casamento… — Ivan começou,
olhando na direção do marido.

— Não. Cale a boca. Ninguém mais precisa saber disso.

— O quê? — perguntou, olhando para Ivan.

— Ele faz questão de contar isso pra todo mundo — Bruno resmungou,
balançando a cabeça. — Vou sair daqui e ir direto pro divórcio.

— Bruno me ligou faltando quinze minutos pra começar a cerimônia —


Ivan começou, e Bruno cobriu parte do rosto com uma mão. — Só pra
perguntar se eu queria mesmo casar com ele, porque ia ser muito trabalhoso
se eu desistisse depois de assinar os documentos.

— Quinze minutos, Bruno?! — exclamou, olhando para o piloto mais


velho.

— Eu estava tenso, tudo bem? Quando você se casar, vai entender.

— Se eu casar — corrigiu, recostando-se novamente na cadeira. — E se


acontecer, ainda vai demorar um bom tempo. Eu precisaria encontrar alguém
disposto a ficar comigo primeiro.

— Olhando por esse lado, é realmente difícil — Bruno ironizou,


fazendo-o bufar.

— Eu dizia a mesma coisa, mas já sabemos onde eu fui parar — Ivan


interrompeu. — Um brasileiro chato me arrastou pra um banheiro de uma
festa e me beijou.

— Perdão? Se me lembro bem, você veio no meu ouvido dizer como a


minha bunda ficava linda quando eu usava jeans.

— Você estava bêbado, nada do que você diz pode ser confiável. —
Ivan se inclinou para beijar o ombro do marido. — Mas, pensando bem, a
sua bunda fica mesmo linda em jeans.
— Acho que eu vou gorfar — resmungou, virando o rosto para olhar
em outra direção.

Não que não estivesse acostumado em ver Bruno e Ivan agindo como o
que eram – casados – quando não estava trabalhando, principalmente nas
vezes em que passava alguns dias na casa deles no Brasil ou quando
visitavam seus pais na Austrália. Mas também não significava que gostaria
de ver seu chefe e seu colega de equipe se beijando.

Seu celular vibrou na hora certa, puxando a sua atenção.

Baz.

Baz: achou o caminho ou se perdeu no meio do nada irlandês?

Alex: para a sua felicidade, eu achei o caminho. o meu motorista, na


verdade.

Baz: é claro que você pagou por alguém pra dirigir pra você, alexandre

Alex: ninguém pode me julgar. queria que eu me perdesse pra sempre?

Baz: meus finais de semana de corrida seriam muito mais sem graça sem
você me implorando por um pouco de atenção

Alex: eu imploro por atenção, mas você me mandou mensagem

Baz: apenas preocupado com a possibilidade do meu piloto ter se


perdido
Baz: sua ex realmente está aí?
Alexandre olhou ao redor, procurando por Íris. Estava preparado para
alguma piada vinda diretamente do humor único e ácido de Basile, mas
queria saber o quanto teria que se afastar de alguém para evitar confusões.

Íris cruzou o olhar com o seu do outro lado da fileira de cadeiras, e


estreitou os olhos imediatamente. Certo, ainda temos ressentimentos.

Alex: é, tá sim
Alex: só não parece muito feliz em me ver

Baz: é uma pena, eu ia pedir que agradecesse por mim por ter te deixado
livre

Alexandre conteve uma risada, comprimindo os lábios para não chamar


a atenção de Bruno e Ivan, que ainda conversavam tranquilamente.

Alex: foi mais uma decisão minha do que dela

Baz: posso agradecer de outro jeito, então


Baz: esse casamento tá tão chato a ponto de continuar conversando
comigo?

Alex: nem começou, estamos esperando a noiva


Alex: você é um saco, nem tudo gira em torno de você

Baz: sim, só você mesmo


Baz: pegue o buquê por nós, querido
Sua atenção voltou para a entrada quando a música tornou a tocar e
Daniel quase tropeçou ao arrumar a postura.

Mariana entrou ao lado do pai, sorridente, assim como o noivo. Alex


ainda a achava fodidamente linda, mesmo que já não tivesse a mesma queda
– ou melhor, penhasco – de quando a conhecera. O vestido simples e
rendado tinha um decote fundo, mas não muito revelador. O buquê de rosas
vermelhas, clássico, era o que dava mais cor à combinação, assim como a
rosa que prendia um lado do cabelo cacheado e volumoso.

Daniel sussurrou algo que a fez rir quando ela se aproximou. Como se
não existisse mais ninguém ali, Daniel continuou dizendo palavras que
Alexandre e outros convidados não conseguiriam ouvir, graças à distância.

Provavelmente era privado demais, de qualquer forma.

Alexandre não ligava tanto, não tinha a necessidade de ter um


relacionamento na maior parte do tempo. Tinha total consciência de todos os
fatores de sua vida que complicariam esse tipo de coisa caso tentasse – seus
colegas de trabalho falavam sempre sobre isso. Algo assim era, com toda a
certeza, apenas um plano para os próximos anos.

Talvez quando começasse a pensar em se aposentar.

Ainda assim, Alexandre tinha os seus momentos. A vontade de ter algo


apenas para si com outra pessoa. O privado compartilhado. A certeza de que,
no fim do dia, não estaria sozinho em casa.

Alexandre Duarte temia a sensação de solidão, e talvez fosse um dos


motivos para que ainda se sentisse tão bem ainda morando com os pais. Na
Austrália, sempre haveria alguém rondando pela casa, mesmo um dos
funcionários – que, parando para observar, era nítido que eram como parte
da família também.

Mas pensar em ter algo diferente – e algo mais – com alguém era uma
ideia atrativa. Porque todos ao seu redor conheciam o sentimento, mas
Alexandre sentia que ainda não. Independentemente de todas as pessoas com
quem já ficara durante a sua vida, que só começou de verdade a partir do
momento em que foi adotado, ainda não sentia que alcançara o sentimento
como o que Bruno e Ivan, Mariana e Daniel tinham.

E, no fundo, em uma parte de si que ainda pensava que talvez não


valesse tanto quanto o mundo fazia parecer que o Garoto de Ouro valia, dizia
que provavelmente nunca alcançasse.
 

— Como as coisas com Bruno começaram? — perguntou, quando já


estavam sentados em uma das mesas organizadas no gramado da casa para a
festa. Bruno estava distante, conversando com a família de Mariana. Ivan
parecia mais interessado em aproveitar o cardápio vegetariano. — Digo, eu
sei que vocês começaram se odiando e tudo mais, mas como isso mudou?

— Nós nunca nos odiamos, Alex — o russo disse, balançando


suavemente a taça de vinho que tinha em mãos. — Quer dizer, pelo menos
da minha parte. É claro que havia a rivalidade natural entre equipes, como
existe com você e Laurent, por exemplo. Tivemos uma ou duas intrigas
depois de ultrapassagens, mas nunca chegou a ser ódio. Você sabe como as
notícias andam.

Ivan olhou na direção do marido, soltando um suspiro.


— Mas Bruno sempre foi transparente sobre absolutamente tudo, então
ninguém duvidava de quem ele era. Foi uma questão de tempo até que todos
ficassem meio fascinados por ele, porque não existia dia ruim pra ele. —
Ivan coçou distraidamente a barba loira, pensativo. — E, bem, ele também é
bonito. Acho que eu fiquei mais fascinado que a maioria. Tivemos uma festa
com outros pilotos, e acabou acontecendo.

— Então ele também já estava de olho em você?

— Acho que Bruno ainda demorou um pouco pra me desassociar da


imagem fechada e sem graça que eu tentava passar na época. Talvez ele só
se atraísse fisicamente, nunca chegamos a conversar sobre isso. Quando nos
beijamos pela primeira vez, eu só queria que ele me visse. — O mais velho
inclinou levemente a cabeça, abrindo um sorriso torto. — Eu nem sabia que
ele não era hétero, mas não perderia nada tentando.

— Mas ele não é.

— Não, então nós começamos a sair. Depois dos treinos e das corridas,
talvez até antes. Não era grande coisa mesmo, mas era legal ter alguém com
quem eu não tivesse medo de me relacionar. Quando eu percebi, já queria
conhecer a família dele, vê-lo durante a semana e usar as férias pra visitar a
casa dele no Brasil. — Bruno voltou para a mesa, e olhou entre eles com
curiosidade, querendo saber sobre o assunto. — Não que eu soubesse
demonstrar muito disso na época.

— Eu achava que você realmente me odiava na maior parte do tempo.


Você e a sua cara fechada — Bruno reclamou, ao entender. O piloto olhou
para Alexandre. — Sabe a cara que ele faz nas reuniões com os engenheiros?
Era a cara dele. O tempo inteiro.

— Que terror.

Ivan revirou os olhos, mas passou um braço pelos ombros do marido de


uma forma quase protetiva. Se não soubesse que estavam em um lugar
completamente seguro, quase acharia que havia algo ali ameaçando o piloto.

— Você ainda se casou comigo — ele argumentou, por fim.


— Não que eu tenha muita escolha, você meio que é o único que
aceitou minha condição de cozinhar pra mim e ainda se tornar vegetariano.

Bruno se inclinou para deixar um beijo estalado no rosto de Ivan.

— Fofos, vai ser estranho ver vocês como colegas de trabalho de novo
depois disso.

— Como se você já me respeitasse como seu chefe antes — o russo


resmungou.

— Oi! — Alex virou o rosto para ver Mariana, que se aproximou para
cumprimentá-los ao lado de Daniel. Ela havia trocado de roupa, e estava
vestindo um vestido branco de seda que ia até a altura dos joelhos. — Só
estou tendo tempo pra falar com os convidados agora, me desculpem.

— Relaxe, querida. Você sabe que também foi assim no nosso


casamento. — Bruno gesticulou, despreocupado. — Parabéns, aliás. Foi tudo
lindo.

— Nem me fale, precisei de meia hora pra arrumar a maquiagem


borrada — ela sorriu mais ao abraçar Alexandre. — Tudo bem?

— Perfeito — assentiu. — Você tá linda, Mari.

— Gostou? — ela girou rapidamente, jogando os cachos sobre o


ombro. — Eu não ia aguentar ficar tempo demais com um vestido longo e
cheio de frescuras. Enfim, você anda me devendo atualizações sobre outra
coisa, não é?

Alex conteve uma risada.

— Não tem nenhuma atualização, engraçadinha. — Beliscou levemente


o nariz da mulher, balançando a cabeça.

— Mas vocês ainda estão juntos?

— Juntos é uma palavra muito forte.


— Ah, certo. Vocês ainda fodem? — ela se corrigiu.

Alex olhou ao redor mais uma vez, rindo baixo.

— Jesus, Mari.

— Me responde! — ela protestou, empurrando levemente o seu ombro.


— Ele pareceu tão legal da vez que nos vimos.

— Baz é interessante e o nosso lance é legal justamente por não existir


qualquer tipo de compromisso — explicou. — Só isso. Acho que nenhum de
nós pensa no assunto.

— Sabe, talvez você devesse tentar dar uma chance pra isso… —
Mariana sugeriu, inocentemente. — Você merece, sabe.

— Adoro como todo mundo tenta achar um namoro pra mim —


ironizou. — Estou muito bem solteiro, Mari. Não precisa se preocupar.

Muito bem.

Muito, muito bem.

Talvez.

— Vou fingir que acredito, mas só porque eu realmente preciso jogar o


meu buquê para as madrinhas — ela disse, balançando suavemente as flores
antes de se afastar para o pequeno palanque montado na área da festa, de
frente para as mesas.

Alexandre parou de prestar atenção no pequeno aglomerado de pessoas


que se juntou ao redor da noiva, pegando uma nova taça de champanhe
assim que um garçom passou ao seu lado.

Estava distraído demais em sua própria conversa mental sobre sua


completa falta de sorte quando o assunto era relacionamentos, que levou um
susto quando algo caiu diretamente no seu colo.
O buquê de Mariana. Tinha que ser piada. A recém-casada olhava na
sua direção em completa surpresa, então não era como se pudesse dizer que
ela jogou propositalmente na sua direção.

Impossível. Ou nem tanto assim, afinal.


 
DEZESSETE

Basile não estava brincando quando disse que o carro da Ritz-Carlton


estava tão bom quanto no ano anterior. Havia mais potencial para brigas
pelas primeiras posições, também envolvendo outras equipes.

Isso tornou-se nítido na primeira corrida. Na segunda e na terceira. Na


quarta, quando quase colidiu com Laurent em uma curva mais estreita,
Alexandre precisou juntar todas as suas forças interiores, até mesmo as que
nem sabia que existiam, para evitar xingar o piloto e a equipe. Não era do
seu feitio. Não publicamente, pelo menos.

Na corrida de Miami, já havia um estresse crescente dentro do último


campeão mundial. Não porque Alexandre não sabia perder – embora essa
parte ainda tirasse algumas noites de sono –, mas porque não havia nada no
mundo que o afetasse mais que a sensação de estar decepcionando as
pessoas que confiaram nele. Em uma capacidade que deveria ter.

Deveria conseguir fazer algumas ultrapassagens, cobrir a reta de Bruno


quando preciso, apresentar os melhores desempenhos. Quando se estava em
uma equipe como a Scuderia Astoria, era o mínimo.
E mais ainda, quando se estava em uma equipe como a Scuderia
Astoria e tinha um histórico familiar como o seu, próximo de tantas figuras
do esporte, era esperado que você tivesse em mãos todas as cartas
necessárias para estar sempre um passo à frente de qualquer outra pessoa.
Não fazia tanto sentido, mas era a realidade. Ninguém gostava de pensar em
uma Astoria se classificando para a oitava posição em um sábado –
especialmente a de Miami, onde tinham uma torcida concentrada graças ao
período em que Ivan e Bruno moraram por lá antes de voltar para o Brasil,
quando se casaram.

Consequentemente, uma torcida que também esperava uma corrida boa


de Alexandre Duarte.

E é claro, havia o título do ano anterior.

Enquanto saía do autódromo de Miami, ajustando o moletom sobre a


cabeça e os óculos escuros sobre os olhos, Alexandre olhou ao redor. Ao
entrar no carro alugado da vez, ele suspirou. Ainda se lembrava
perfeitamente do caminho para a maioria dos locais turísticos que costumava
visitar por lá, mas ainda perdeu algum tempo pesquisando pelos endereços
no GPS do celular.

O piloto pulou no assento do motorista quando alguém bateu na janela


ao seu lado.

Basile riu com o seu susto, afastando-se apenas para ir até o outro lado
do carro e entrar do lado do passageiro. Alex olhou ao redor mais uma vez,
procurando por qualquer sinal de alguém por perto. Não havia ninguém.

— Para onde você tá indo? — o francês perguntou, arrumando os fios


escuros antes de colocar um boné da Ritz-Carlton sobre a cabeça.

— O que você tá fazendo aqui?

— Uau, o jeito que você me recebe sempre me deixa com o coração


quente de amor — ele ironizou. — Te vi saindo e resolvi dar um oi.

— Oi — disse, esperando que ele saísse em seguida.


Não era como se não o quisesse ali, embora também não soubesse o que
queria de Baz. Não se falavam desde os treinos em Barcelona, nada além de
algumas trocas de olhares e alguns cumprimentos rápidos. Mesmo tendo o
número um do outro, não era como se tivessem o que conversar tão
frequentemente.

Além disso, não estava lá com cabeça para conversar com alguém como
se nada estivesse acabando com a sua paz de espírito nas últimas semanas.

— Oi — Baz respondeu, mas não moveu um músculo sequer para sair


do carro. — Laurent comentou sobre um bairro cheio de restaurantes de
comida cubana. Little Havana, acho. Você conhece?

— Conheço.

— Podemos ir lá?

— Nós?

Basile assentiu, despreocupado.

— Você vai sair com mais alguém?

— Não.

— Podemos dar uma volta juntos, se é assim. Imagino que você


conheça uns lugares legais, já que seus chefes moram aqui.

— Moravam, eles se mudaram faz tempo.

— Tanto faz, pessoas como vocês vivem mudando de casa o tempo


inteiro. — Ele deu de ombros. — Voltando ao assunto, você vive turistando
por aí, e eu queria fazer o mesmo. Eu nem sairia da França se não fosse esse
emprego estúpido, então vou tirar algo bom disso.

Ele não falava como se fosse grande coisa. E, parando para pensar,
realmente não era. Basile não estava pedindo por nada além de um passeio
por qualquer lugar que achasse interessante – no caso, Little Havana. Talvez
fosse legal, talvez o ajudasse a tirar as coisas da cabeça.
Isso se ignorasse a parte de ser visto e reconhecido por alguém.

— Se você quiser ir comigo, vai ter que tirar esse boné — disse,
apontando para o boné verde do engenheiro.

Basile revirou os olhos, mas pegou o boné roxo da Astoria no


compartimento do carro para substituir.

— Feliz?

— Não muito, mas agradeço a consideração.

— Seu humor de merda tá estampado na sua cara há tempos, não pense


que eu estou surpreso. — Basile tirou o vape do bolso da calça, revirando os
olhos.

Alex não o respondeu. Em vez disso, mandou uma mensagem para


Ivan, avisou que estaria ocupado até mais tarde e deu a partida no carro.

— Você só quer passar por Little Havana? — perguntou, algum tempo


depois.

— O pessoal da equipe comentou sobre alguns outros lugares, mas eu


não conheço nada pra dizer que me interessei ou não. — O francês apoiou os
pés sobre o painel do carro, balançando os coturnos perfeitamente limpos. —
Se você tiver algum lugar legal, eu animo.

— Eu falaria sobre o Design District, mas você vai odiar.

— O que é?

— Um bairro com galerias de design, e…

— Não, próximo. Isso tem cem por cento cara de coisa da sua mãe, fez
parte de algum passeio em família de vocês?

Na verdade, sim. Alexandre revirou os olhos, mas não escondeu o


sorriso torto. Não estava surpreso com o desinteresse de Basile nas
programações que envolviam as galerias de arte de Nicole. Desconfiava que
só havia gostado tanto nas ocasiões em que o fez por estar acompanhado da
mãe.

— Você é um saco — murmurou, balançando a cabeça. — Mas sei de


um lugar.

— Onde?

— Surpresa. Vamos pra Little Havana depois. — Alex olhou o relógio


no pulso, parando em um sinal vermelho.

— Vou fingir que confio no seu gosto refinado.

— Você entrou no meu carro pra me ofender?

Basile riu. O tipo de risada que denunciava qualquer tipo de


pensamento malicioso que tivesse passado pela sua cabeça com aquela
pergunta.

O piloto parou o carro em frente à construção gigante que era o Phillip


and Patricia Frost Museum of Science.

— Um museu? — Baz se inclinou para olhar ao redor, ainda dentro do


carro.

— Para de reclamar e vem logo.

Basile bufou. O francês saiu do carro pouco depois, acompanhando-o.


Ainda havia uma distância mínima, apenas para evitar qualquer… problema.

O Frost Museum tinha seu diferencial. Construído e feito para ser uma
experiência diferenciada.

Alexandre amava aquele lugar.

— Você já veio aqui antes? — Baz perguntou, depois de entrarem.

— Algumas vezes, mas nunca em um final de semana de corrida —


confessou, olhando ao redor. Não estava tão movimentado, considerando ser
um sábado, mas havia uma quantidade razoável de pessoas ali,
principalmente estudantes do que parecia ser o Ensino Fundamental. —
Sempre fazem uma exposição sobre Fórmula 1 nessa época.

— Entendi a sua lógica. Ele é engenheiro, vai gostar de ver uns carros
— Baz provocou, ainda olhando ao redor. Ele até podia tentar esconder, mas
seu interesse e curiosidade sobre o lugar eram visíveis. E nem haviam
entrado em um dos espaços especiais do lugar ainda. — Seja mais original,
Alexandre.

Alex revirou os olhos, parando de frente para o francês. E Baz estava


distraído o suficiente para não perceber, o que quase o fez bater de frente
com Alex. Próximos demais, considerando que estavam em um local
público.

Quando Basile fez menção de se afastar, mais como um reflexo


automático, o piloto o segurou no lugar.

— Se você tiver a capacidade básica de ser legal por quarenta minutos,


talvez eu seja legal com você também.

— Depende do seu conceito de legal. Se te envolver sem roupa, eu


posso pensar no caso. — Baz inclinou levemente a cabeça, fitando-o como
se tentasse compreender exatamente o que estava acontecendo ali. Como se
Alexandre não dando a mínima para a possibilidade de alguém os ver fosse
algo inacreditável.

E era. Até mesmo para si próprio.

— Talvez envolva — disse, por fim, afastando-se para continuar o


caminho até a primeira entrada do museu. — Vamos, a próxima sessão do
planetário deve começar daqui a pouco.

Basile o acompanhou em silêncio, ainda prestando atenção em tudo ao


redor deles. Não como Alexandre costumava fazer, procurando por algum
imprevisto, algum problema. Não, o francês estava atento a artes expostas na
paredes, pessoas ao seu redor.
O que normalmente passaria despercebido, Basile dava sua total
atenção. Alex parou ao lado dele em um dos quadros. Parecia abstrato, sem
muitas formas que realmente passassem uma percepção específica. Cores
quentes, apesar do título da obra. Desespero.

Baz fez uma careta, como se o quadro estivesse conversando com ele.
O francês balançou a cabeça antes de voltar a atenção para Alex, voltando a
acompanhá-lo até o planetário.

— O que tem de legal aqui? Eu fui em planetários a minha infância


inteira.

— Não nesse planetário — rebateu, revirando os olhos.

Aparentemente, Baz não demorou para perceber o que queria dizer. A


tela de transmissão do planetário do Frost Museum não era como qualquer
outra. Parecia próxima e muito maior. Era como ver o céu estrelado
absurdamente perto.

No escuro, Alex se inclinou para puxar o rapaz pela mão até os assentos
vazios mais próximos.

Já havia visitado aquele lugar várias vezes, de fato. Mas sozinho, e


apenas uma vez com o pai. Estar com alguém – especialmente com Basile –
parecia uma experiência completamente nova, como se todo aquele lugar
fosse uma novidade também para o piloto.

Ou, talvez, não o lugar. Mas a sua companhia. A mão de Baz era
inquieta, mas não o soltou por um segundo sequer enquanto todo o local
iluminava-se com o show de luzes de estrelas, planetas e buracos negros.

Por mais simples que pudesse ser, Alexandre gostou da sensação de


simplesmente segurar a mão de alguém. A mão de Baz. Ele não sabia se
lidaria bem caso um dia essa sensação fosse embora de forma definitiva.
 
Basile estava encantado com o lugar.

Depois do planetário, da exposição sobre a pré-história, o aquário e a


especial de Sherlock Holmes, Alex estava convencido de que seria difícil
tirar o engenheiro dali sem que passassem por todas as outras exposições,
mesmo aquelas que jurava que Baz não teria interesse algum em ver.

Ele parou quando o Beauchene se distraiu com o piso do andar


científico, que acompanhava cada passo com luzes coloridas. O tipo de coisa
que atraía uma quantidade admirável de crianças – e um cara de vinte e dois
anos. Basile mantinha as mãos nos bolsos da calça enquanto percorria
discretamente a extensão do piso.

Alex tirou o celular do bolso para registrar o momento no mesmo


instante em que Baz levantou o olhar na sua direção, o que rendeu um dedo
do meio entre as fotos.

— Fofo — provocou, o que parecia uma vingança justa contra a


quantidade de vezes que o rapaz o chamou da mesma forma.

— É… realista — ele disse ao se aproximar, ainda pisando com um


cuidado impressionante. — Enfim, o que vamos ver agora?
— A exposição de Fórmula 1, antes que o museu feche. — Alexandre
olhou o relógio mais uma vez. Estavam lá há quase duas horas, mas ele não
daria meia hora. Não sabia se era o tempo passando muito rápido ou a
presença de mais alguém o mantendo absorto. — Temos uns vinte minutos
até te chutarem pra fora.

— Ninguém vai me chutar pra fora — Baz resmungou, revirando os


olhos. — Você é famoso, vai conseguir liberar mais uma hora pra gente se
pedir com o seu sorrisinho de galã.

— Eu nunca sei se você fala esse tipo de coisa pra me ridicularizar ou


como um elogio.

— Nesse caso, é um elogio.

— Você precisa mesmo de mais uma hora por aqui? Achei que quisesse
um tour por Little Havana também.

Basile deu de ombros. Ele parecia prestes a dizer algo, mas parou ao
entrar na área da exposição especial do mês.

Alex não o julgava. Também ficou um tanto sem palavras quando


entrou, pouco atrás dele.

Era suspeito para falar, mas aquela era facilmente a melhor exposição
do museu.

Começava com réplicas perfeitas de carros e uniformes mais antigos.


Telas que carregavam textos sobre os primórdios do esporte, vídeos de
testes, equipes e pilotos que marcaram história ao longo dos anos. A cada
passo, a história da Fórmula 1 era contada para quem estivesse ali.

Alexandre poderia dizer que conhecia cada detalhe de tudo aquilo de


cor, mas a experiência de ver, mesmo que em um museu, os elementos e
imagens que formaram isso de forma tão linear ainda era algo que só poderia
encontrar ali. Parecia inacreditável que fosse o espaço mais vazio – talvez
por estar próximo ao horário de fechar, mas Alex poderia facilmente morar
ali, se tivesse permissão para isso.
Ao fim da extensa sala, ele parou.

A parede do fim do corredor era um espaço exclusivo para o último


campeão mundial. Para ele. Não era como se a ficha de que era o piloto
número 1 da temporada anterior ainda não tivesse caído, mas estar no fim de
uma exposição inteira para o esporte era o tipo de coisa que não esperava
ver. Poderia lidar perfeitamente com as câmeras, com um mundo inteiro de
olho na sua vida – mesmo que, às vezes, não lidasse tão bem assim.

Mas ver que fazia parte – que era – a história de algo tão incrível como
o automobilismo ainda era o tipo de coisa que lhe tirava o ar de vez em
quando. Fazia com que tudo valesse a pena.

Basile, que havia parado e se separado dele a alguns metros para ver
uma seção menor reservada especificamente para os construtores, finalmente
parou ao seu lado. Em silêncio.

— Sabe o que é engraçado? — murmurou, enquanto uma edição de


seus vários momentos de pódio, até mesmo os que vieram antes de fazer
parte da Astoria, passavam em uma tela que ocupava a maior parte da
parede. — Eu passei a maior parte da minha vida com medo de não ser bom
o bastante. E agora eu estou em um museu com um espaço sobre mim.

— Bom o bastante pra você? — Basile questionou.

— Pra mim? — perguntou, voltando o olhar para o francês.

— Achei que estivesse óbvio a esse ponto. — Baz deu de ombros,


tirando o boné da sua cabeça ao se aproximar mais. Alexandre tinha quase
certeza de que aquele lugar tinha mais câmeras de segurança os vigiando que
a casa de Nicole e Ângelo, mas não era como se fosse impedir Baz de se
aproximar. — No fim, a única pessoa que te cobra tanto é você mesmo.

Basile desceu o olhar para a sua boca por um segundo, como se fosse
beijá-lo.

Mas ele se afastou, deixando-o sem o boné. Não havia uma chance de
que ele saísse dali sem ser reconhecido por, pelo menos, uma pessoa.
Talvez fosse a intenção de Baz ao sair dali. Não tinha como saber.

De qualquer modo, o que ele havia dito continuou ecoando pela sua
cabeça enquanto olhava suas imagens reproduzidas no telão. Havia
momentos ao lado de Nicole, de Ângelo, Bruno, Ivan e outras pessoas de sua
equipe. Pessoas que realmente importavam para ele, que trabalhavam ao seu
lado e o acompanhavam quase diariamente. Nenhuma delas demonstrava,
em momento algum, que não fosse bom o bastante para a posição que
ocupava. Fosse como piloto, como parte da Astoria ou como filho.

Ninguém além dele mesmo. Alexandre sabia reconhecer o momento de


alguns daqueles registros a ponto de lembrar-se bem de seus pensamentos na
maioria delas.

Se era o bastante, se estava fazendo algo errado, se não havia algum


tipo de decepção por trás dos sorrisos que aquelas pessoas direcionavam
para ele.

Olhando como um telespectador, não havia nada.

Nada além dele mesmo.


 
DEZOITO

Depois de quase uma hora a mais no museu – puramente por culpa de


Basile, porque parte da equipe do lugar o reconheceu assim que deixou a
sala da exposição –, Alexandre finalmente conseguiu entrar no carro.

— Você me usou pra conseguir mais tempo no museu? — perguntou,


franzindo o cenho na direção do rapaz que parecia perfeitamente confortável
do lado do passageiro enquanto mandava fotos do museu para alguém. Para
Laurent, provavelmente. Alex notou que eles eram amigos próximos.

— Ainda faltava a exposição sobre raio-x em peixes, e eu precisava de


uma distração.

— Você é um bosta.

— Obrigado, mon chéri. Parece ser uma opinião muito popular sobre
mim, então gosto de ver como um elogio. — Basile tornou a apoiar os pés
no painel do carro, deixando o boné roxo de lado para arrumar os fios
escuros. Ele claramente não gostava daquilo, mas não chegou a reclamar.
Isso fez com que Alexandre se sentisse um pouco mal. Por obrigá-lo a
manter-se disfarçado para sair. Não era o tipo de coisa que Basile fazia,
obviamente. Mas ali estava ele.

E pior, sem reclamar. Basile Beauchene não reclamar de algo que ele
não queria fazer era algo fora do comum. Alex provavelmente se sentiria
menos culpado se ele enchesse o seu saco sobre isso.

— O que é a cicatriz no seu abdômen? — Baz perguntou, como se não


fosse nada demais. Para ele, provavelmente não era. E nem deveria ser.

Mas, bem, tudo era algo demais quando se tratava de Alex.

Era a única coisa de uma vida que ele havia deixado para trás que ele
ainda carregava consigo e não tinha como se livrar.

— Meu apêndice rompeu quando eu tinha uns… — Alex parou para


pensar. Não havia muita coisa que se lembrasse da época. — Sei lá, sete
anos. Talvez oito. Eu não me lembro.

— Porra. — Baz se remexeu no assento, como se pensar na situação lhe


causasse dor. — Você não estava com Nicole ainda, né?

— Nicole me adotou dez anos depois — respondeu, apenas, torcendo


para que a falta de detalhes fosse o suficiente para que Basile entendesse que
não era um assunto que quisesse tratar naquele momento. Nunca, para ser
sincero.

Alexandre parou o carro em um estacionamento próximo a Little


Havana, o bairro típico cubano de Miami, um dos principais pontos
turísticos do local.

Ainda havia uma distância, conforme percorriam as ruas movimentadas


do local. Basile parou uma vez ou outra para comprar um petisco aqui e ali
para si e para Alex. Mesmo que insistisse para que ele não o fizesse.

— Você não precisa comprar nada pra mim, Basile. Eu nem posso
comer tudo isso tendo corrida amanhã — bufou quando ele estendeu um
sanduíche artesanal na sua direção.
Ele revirou os olhos, mas insistiu para que pegasse. Alex aceitou, só
porque já estava pago. Baz podia comer o suficiente para fazê-lo passar mal,
mas não podia fazer o mesmo.

— Para de ser chato — ele reclamou.

— Me perdoe por ser responsável. Isso é mais gorduroso que o meu


cardápio da semana.

— Seu cardápio é horrível, já falamos sobre isso.

Alexandre não se deu ao trabalho de responder. Só porque Basile


parecia animado com toda a experiência turística desde cedo e não queria ser
o responsável por isso sumir. Se não fosse pela companhia, provavelmente
ainda estaria remoendo suas frustrações por Miami.

Seria deprimente.

Quando já estava tarde o suficiente para que sua hora de ir para a cama
se tornasse uma preocupação – e Basile já parecesse ter comido o suficiente
para se sentir satisfeito por uma semana –, ele se aproximou do francês.

— Onde você tá hospedado?

— Não precisa me levar, eu ainda vou dar uma volta por aí.

Alex o fitou.

— Então eu posso te acompanhar, ou…

— Relaxa, mon chéri. Você tem a sua hora. — Basile balançou a


cabeça, olhando ao redor antes de se aproximar um pouco mais,
considerando o pouquíssimo movimento da rua. — Mas você tá com uma
cara bem melhor agora, então eu acho que me saí bem.

Alex piscou, confuso.

— Como assim?
— Sei lá, você parecia precisar de alguém de fora do círculo da sua
equipe, trabalho e essa merda toda. Achei que seria bom te distrair. —
Quando o piloto ergueu uma sobrancelha na sua direção, ele deu de ombros.
— Embora eu tivesse planos que envolvessem uma cama, pra ser sincero. O
museu e isso aqui também foram legais.

— Você não queria conhecer Miami?

— Bom, acho que sim. Foi legal e talvez eu faça mais vezes, já que
viajar com um bando de gente chata e ficar longe da minha gata é a minha
nova rotina — Baz confessou, deslizando os dedos entre o cós da sua calça.
— Mas não era meu intuito inicial.

Alexandre o puxou pela gola da camiseta, unindo seus lábios em um


beijo que, se não estivesse encostado na parede lateral de um restaurante do
bairro, teria se desequilibrado.

Se pudesse, faria todo tipo de coisa suja e errada que jamais deveria ter
pensado em fazer com alguém como ele. Se não ali, no carro. Não tinha a
menor vontade de esperar até chegar no hotel.

Se pudesse. E por mais que beijar Basile, a boca com gosto de menta do
sorvete que ele havia acabado de tomar, fosse o suficiente para acordar todos
os sentidos do seu corpo em estado de alerta máximo, não podia. Não em um
sábado. Em termos oficiais, já deveria estar relaxado em sua cama há um
bom tempo.

— Acho que isso foi um agradecimento, então por nada — o francês


provocou, puxando suavemente o seu lábio inferior entre os dentes.

— Você pode aparecer no meu hotel amanhã. Depois da corrida —


Alex disse entre um sussurro enquanto se inclinava para deslizar a boca entre
o pescoço tatuado de Basile, que soltou algo que poderia ser facilmente
comparado a um ronronar. — Consigo agradecer melhor lá.

— Se eu soubesse que só precisava fazer companhia na sua tarde sem


graça de turismo pra te ver animadinho assim, teria feito isso desde a
primeira corrida — ele rebateu, rindo quando Alex empurrou o seu ombro.
Baz se aproximou o suficiente para beijá-lo outra vez. Da forma que apenas
Baz conseguia beijar, como se fosse apenas uma preliminar.

Como se ele não quisesse apenas tirar tudo de Alex, mas que ele o
entregasse por escolha própria.

— Você não pareceu achar sem graça enquanto brincava com o piso do
museu — murmurou, soltando um som em reclamação quando Baz se
afastou.

— Até amanhã, mon chéri — ele disse, já se afastando. — Tente ganhar


a corrida.

— Não preciso que você me peça isso.

— Veremos.

Alexandre observou o rapaz se afastar com um sorriso torto no rosto.

Sim, sentira falta da sensação de sair com alguém sem o peso de que
precisava dar algo em troca.
 
Alexandre venceu a corrida de Miami com vantagem sobre os outros
pilotos, em um pódio ao lado de Bruno. O tipo de pódio que pedia por uma
comemoração especial.

Depois de comemorar com parte da equipe por quase duas horas na área
exclusiva de um bar – sem ingerir uma gota de álcool, importante dizer –,
Alexandre encontrou Basile o esperando em seu quarto de hotel. De verdade,
ele nunca entenderia a facilidade do francês em achar meios para entrar onde
não deveria, com ou sem permissão.

Mas não era, de todo, uma reclamação.

Depois do que pareceu ser a noite inteira sem muitas palavras, mas
provavelmente não havia passado de pouco mais de uma hora, Alexandre
seria incapaz de abrir a boca para reclamar de Basile. Ou de qualquer outra
coisa.

— Você quer comer alguma coisa? — perguntou quando Basile se


levantou da cama para ir ao banheiro.

— Eu quero o que você escolher, não tenho nenhuma preferência. —


Baz chutou as roupas jogadas pelo chão, soltando um palavrão baixo. — Me
empresta alguma coisa sua?

— Pode pegar na minha mala — assentiu, apontando para a mala roxa


do outro lado do quarto. — O compartimento da direita é para as roupas que
eu uso pra dormir, são mais confortáveis.

— Você arruma a sua mala?

Alex ergueu uma sobrancelha, apoiando-se sobre os cotovelos para


olhar na direção do rapaz. Ou das costas tomadas por mais e mais tatuagens,
um dragão ocupando a maior parte da extensão de pele.

Se não tinha parado para observar o quanto as costas de Basile eram


bonitas até então, fazia-o naquele momento.

— Sim — respondeu, por fim. — Por quê?


— Que organizado. — Baz o fitou por cima do ombro, com o sorriso
debochado que o fez revirar os olhos. — Sério, eu nem sabia que era
possível encaixar tanta coisa em uma mala.

— Nicole me ensinou. Ela viaja muito.

— E você também.

— No meu caso, é quase sempre pra correr. Nicole viaja porque não
tem a capacidade de ficar olhando para o mesmo quintal por mais de alguns
dias.

Basile pendurou uma calça de moletom sobre o ombro, dispensando


uma camiseta.

— Se você não viajasse pra correr, seria igual. — Não parecia uma
pergunta. E Baz não estava errado. — E não é como se você ficasse trancado
no quarto, então é quase a mesma coisa. Você gosta de viajar.

— Você não gosta?

Ele deu de ombros.

— A oportunidade é incrível, mas eu sou mais caseiro. Gosto de uma


rotina fixa. E, por mais irônico que isso possa parecer, não dê risada, eu
gosto de regras.

Alexandre não conteve uma risada, o que fez o francês fazer uma
careta.

— Foi mal. É engraçado e completamente uma mentira.

— No caso, são regras impostas por mim mesmo — ele completou. —


Não gosto que me tirem do meu ambiente. Ou que me obriguem a fazer algo.
Ou, sei lá, qualquer coisa que não venha de uma decisão minha.

Parando para pensar, fazia muito sentido. Muito mesmo. Alexandre


ainda conseguia se adaptar de alguma forma quando algo saía do seu
controle, quando era preciso rearranjar algo em sua rotina – em maior parte,
porque ele não tinha uma formada e fechada.

Basile, sim. Do pouco que sabia, ele tinha uma rotina muito específica
no ano anterior. Algo resumido à sua faculdade, o emprego na oficina – o
que havia acontecido com a oficina, aliás? – e a hora extra no Palladium.
Uma rotina que, de modo geral, não dependia de outras pessoas.

Algo totalmente diferente do que era trabalhar com a Fórmula 1.


Alexandre sabia disso como ninguém. Baz provavelmente odiava estar ali
quase tanto quanto Alexandre odiava sentir-se preso a algo.

— Você não podia simplesmente recusar o emprego? — perguntou,


finalmente.

— Não. Meu pai provavelmente ficou entediado e resolveu que era hora
de usar a minha existência para entretenimento próprio. — Baz não tentou
esconder o tom ácido, mas Alex não se incomodou daquela vez. Sabia que o
problema não era ele. — Você vai me deixar tomar um banho e pedir o jantar
ou vai continuar me fazendo perguntas no chuveiro?

— Você podia ser um pouco mais legal comigo depois de me comer por
quase uma hora.

Basile forçou um sorriso falso em resposta antes de se trancar no


banheiro.

Alexandre pediu por uma porção de batatas-fritas com queijo e bacon,


só porque parecia bem o tipo de coisa que Basile gostava. E porque tinha
conseguido o pódio do dia, merecia algum tipo de folga da dieta, mesmo que
duvidasse que aguentasse comer muito daquilo sem passar mal.

Não se surpreendeu nem um pouco ao perceber que o francês estava


usando o seu perfume outra vez ao sair do banheiro, quando se levantou para
tomar o seu banho.

— O serviço de quarto deve vir daqui a pouco, eu pedi pra trocarem os


lençóis — disse, um pouco distraído. Ninguém poderia culpá-lo, certo?
Certo.
— Você não quer deixar mais óbvio que transou comigo? Tipo, sei lá,
pedir pra comprarem camisinhas.

— Nenhum funcionário seria irresponsável o bastante pra expor algo


assim e acabar com a reputação do hotel com um processo de invasão à
privacidade que eu começaria contra eles. — Alex deu de ombros. — Bom,
pode acontecer. Mas as chances são mínimas.

— Isso é ridículo.

— O quê?

— Eu não viveria sem o mínimo de privacidade. Ter que ficar com


alguém pensando na probabilidade de alguém que não deve, no caso o
mundo inteiro, descobrir é ridículo.

— Bom, eu não quero que o mundo saiba que eu sou bissexual. Não é o
tipo de coisa que eu vá gostar que se torne o único assunto sobre mim.
Ainda. Isso pode mudar amanhã. — Alex fechou a mala depois de pegar
roupas limpas, revirando os olhos. — Deveria ter pensado sobre o quanto é
ridículo antes de vir. E não só dessa vez.

Alex não esperou por uma resposta antes de bater a porta do banheiro.
Como o de costume, era provável que Basile já não estivesse mais lá.

Não seria uma surpresa e, enquanto enrolava mais que o normal sob o
chuveiro, Alex quase esperava que fosse o caso.

Mas, quando saiu, Basile ainda estava ali. Tinha uma porção generosa
no seu colo, mas parou de comer no instante em que parou ao lado da cama.
Os lençóis realmente haviam sido trocados, aparentemente.

— Eu não estava falando de você — Baz disse, por fim. — Eu sei o que
é ter que esconder isso por… segurança, seja lá como queira chamar. Eu sou
gay e meu pai é um merda sobre qualquer coisa que saia da bolha dele. Nós
nunca falamos sobre isso, mas definitivamente faz parte dos mil e um
motivos que ele arranja pra me infernizar, porque eu não faço questão de que
seja um segredo há alguns anos. Desde que eu pude falar pro Dom, na
verdade. Mas eu sei o quanto é uma merda. Eu sinto muito se dei a
impressão de que a minha opinião era quanto a sua escolha sobre isso. Não
era. É… esse mundo que você precisa viver.

Alex soltou uma respiração pesada. Por mais que também não gostasse
do que a vida como uma pessoa pública significava, estava acostumado. De
uma forma ou de outra, havia sido preparado para esse tipo de coisa desde o
momento em que deixou o lar adotivo em que vivia para morar com Nicole e
Ângelo. Ninguém esperava que Alexandre se tornasse tão grande, mas
sabiam que ele chamaria a atenção.

Basile, não. Baz não era uma celebridade, não precisava lidar com
olhos ao seu redor por onde passasse.

— Eu fico na defensiva com o assunto, acabei te interpretando mal —


assumiu, ajustando-se desajeitadamente na cama. — Desculpa.

— Você tá sempre na defensiva — Baz rebateu, embora também não


soasse como crítica maldosa. — Eu não sou muita coisa, você realmente não
precisa tentar ser demais comigo também.

Alex comprimiu os lábios, assentindo, ainda sem jeito. Não era como
esperava terminar a noite – com uma conversa sobre como lidava com a sua
bissexualidade, ou como o mundo lidaria com ela. Mas falar sobre isso com
Basile era, no mínimo, interessante. Estranho, mesmo que bom. Importante,
ainda que apenas para Alex.

— Enfim, você realmente sabe como escolher um jantar pra mim — o


francês mudou de assunto, despreocupado, voltando a atenção para o lanche
que exalava cheiro de gordura e calorias. — Isso tá muito bom.

Alex sorriu, se inclinando para comer ao lado do rapaz enquanto


checava as mensagens mais recentes no celular. Respondeu Nicole, que
perguntou como havia sido o seu dia. Jolene, que estava comentando sobre
as gravações de um novo filme.

Naquela noite, Basile dormiu ao seu lado pela primeira vez. Sem muita
conversa ou sem a necessidade de ser um grande evento – Alex sabia que se
ele não estivesse tão cheio de comida, provavelmente teria dado o fora.
Dividiram a cama até que Basile fosse embora, apenas na manhã seguinte,
ainda antes que o piloto brasileiro acordasse.
 
DEZENOVE

Bruno Campos e Ivan Nikolaev assinaram os documentos de adoção em


uma tarde de segunda-feira.

Na terça-feira, Camilla os acompanhou até sua nova casa.

Havia sido – e continuaria sendo, todos sabiam – um processo


complicado. Delicado. Com várias nuances a serem observadas com cuidado
especial. Bruno e Ivan sabiam que a criação de uma criança no meio em que
viviam não seria algo simples. Mas estavam dispostos a fazer o que fosse
preciso para que Camilla tivesse a melhor criação possível.

Ela chegou à casa em um condomínio fechado. O casal vivia ali desde


que decidiram adotar Camilla. Carregavam uma mala pequena,
provavelmente por não ter muitas roupas. Não que fosse um problema,
porque Alex já tinha visto o quarto preparado para ela, e Camilla teria mais
roupas do que qualquer criança deveria realmente ter, mas Bruno era
exagerado demais para ter muita noção sobre isso. Ele queria agradar sua
filha o quanto pudesse.
A menina, que já visitara a casa algumas vezes durante os períodos
usados para adaptação, abriu um sorriso largo ao ver Alexandre lá. Ela
deixou a malinha rosa com Ivan, que foi o responsável por buscá-la, para
correr até o piloto mais novo em um abraço.

— Ei, gatinha — murmurou, beijando a testa da criança. — Bem-vinda,


como você tá?

— Bem — ela disse, como se fosse apenas mais um dia. Não como se
ela estivesse chegando em sua nova casa. — Eu assisti à corrida de ontem.

— Você acha que eu fui bem? — Ergueu uma sobrancelha. O circuito


de Montreal não foi uma decepção. Depois de finalizar em terceiro, com
Bruno em primeiro e apenas o piloto alemão de outra equipe na sua frente,
não era como se pudesse chamar a corrida de fracasso. Mas queria ter sido
melhor.

— Sim, mas o Bruno foi melhor.

— Ele teve sorte.

— Eu ouvi isso, Alexandre — Bruno exclamou, da cozinha. — Pare de


tentar transformar a Camilla em uma das suas fãs.

— Seria muito clubismo se ela chegasse te escolhendo — rebateu,


observando a menina se afastar para abraçar o mais velho.

— Eu gosto dos dois. — Camilla ficou na ponta dos pés para ver o bolo
de chocolate que estava sobre a bancada da cozinha. — É pra mim?

— Só depois do almoço — Bruno disse, afastando a travessa. — Você


pode deixar as suas coisas no quarto enquanto a comida não fica pronta, que
tal?

Ivan estendeu a mão na direção da menina, oferecendo-se para


acompanhá-la até o quarto. Camila olhou rapidamente para Alexandre antes
de aceitar, puxando a malinha rosa consigo.
— Ela parece muito mais aberta com você — Bruno murmurou,
virando-se na direção do fogão.

— É normal, eu também confiava mais em qualquer pessoa que não


fosse meus pais quando eles me adotaram. E eu já era bem mais velho que
ela.

— Mas nós tivemos o período de adaptação.

Alex suspirou, se aproximando de Bruno para ajudar com a comida.

— Ela não é um bebê, Bruno. Já deve ter visto muita coisa antes de
vocês aparecerem. O que nós mais vemos são esses adultos que adotam
esperando algo que possa ser domesticado, uma criança que vá atender todas
as expectativas, seja lá qual forem. Quando não atendemos, eles nos
devolvem. — Bruno parou para olhar na sua direção como se o rumo da
conversa o surpreendesse. Bem, era a primeira vez que o assunto realmente
se tornava um tópico. — Ou só fingem que não existimos porque não podem
nos devolver. Eu fiquei aterrorizado quando os documentos com Nicole e
Ângelo foram assinados, e eu já tinha dezessete anos. Camilla só deve estar
com medo de se decepcionar, dá pra ver que ela já ama vocês.

Alexandre não tinha problema algum em falar sobre a sua adoção. Na


verdade, tinha orgulho de qualquer oportunidade de falar sobre o quanto
Nicole e Ângelo foram incríveis para ele. Era melhor do que quando
tornavam a sua vida antes disso um tópico em potencial.

— Cabe a vocês saber respeitar esse tempo sem fazer com que ela se
sinta sozinha. Tem uma linha muito tênue entre dar o espaço e deixar a
pessoa de lado — continuou, jogando o molho na panela com o macarrão. —
Mas vocês vão se dar bem, relaxa. Eu sabia que você entraria em pânico, por
isso me ofereci pra vir.

— Eu não tô em pânico — Bruno rebateu, mais na defensiva do que


uma pessoa que não estava em pânico deveria responder. Ele fez uma careta.
— Só não quero que ela se sinta desconfortável aqui.

— Bruno, você daria o mundo inteiro pra ela se pudesse. Ivan também.
Vocês amam essa menina desde que a viram pela primeira vez, já é mais do
que muitos que tentaram me adotar antes de Nicole aparecer.

— Mais pessoas tentaram te adotar antes dela?

— Bom, alguns apareceram. Conversaram comigo, mas não ia muito


além disso. Eu não fazia muita questão na época, só queria chegar à
maioridade pra me livrar daquele lugar por mim mesmo — Alex suspirou,
cruzando os braços. — O pessoal que trabalhava lá também não tinha muitas
esperanças pra mim.

— Ninguém achava que Nicole queria adotar, também.

— Ela não queria. Eu fui um tropeço no caminho dela. Longa história.

Bruno parecia prestes a perguntar sobre o assunto, mas Camilla saiu do


quarto em passos saltitantes ao lado de Ivan.

— Eu tenho um quarto só pra mim! — ela exclamou, subindo com


alguma dificuldade no banquinho da cozinha.

Alexandre observou a menina conversar com seus pais sobre como


havia sido a sua semana, a despedida das outras crianças e sobre os
brinquedos do seu novo quarto, enquanto comia um prato generoso de
macarrão com molho branco.

Eles ficariam bem. Muito bem. Assim como ele, Nicole e Ângelo
ficaram bem.
 
O nome de Basile brilhou na sua tela para uma chamada de vídeo
quando estava se preparando para dormir.

Estranho. Baz não o ligava.

Depois de Miami, Alex poderia dizer que eram… amigos. Ou algum


tipo de amizade com benefícios. Não conversavam e não tinham feito nada
além de trocar um cumprimento rápido e discreto em Montreal, uma semana
depois, porque sua agenda estava especialmente cheia na ocasião, com a
gravação de entrevistas locais e um comercial, além da participação em um
programa de televisão. Em países como o Canadá, a atenção midiática era
maior. Baz entendia isso – ou, pelo menos, ele não reclamou quando recusou
o convite dele para se encontrarem quando fosse possível.

Era o tipo de coleguismo com benefícios que não lhe cobrava nada.
Gostava disso.

Alexandre atendeu à chamada esperando algum tipo de emergência,


mas a câmera estava simplesmente apontada para um gato. Não, não um
gato. Corvette. Demorou alguns segundos para se lembrar dela, mas seria
impossível esquecer do nome.
— Baz? — chamou, erguendo uma sobrancelha enquanto apoiava o
celular no espelho para terminar de se arrumar. — Por que eu estou vendo a
sua gata?

— Precisa de um motivo específico pra olhar para Corvette? — O


francês virou a câmera para si mesmo, embora ainda fosse possível ver
Corvette perto dele. Não parecia ser o mesmo apartamento em que ele vivia
no ano anterior, e Basile estava na cozinha. Corvette se espreguiçou sobre a
bancada antes de pular em direção ao chão, como se ter que ouvir a conversa
não fosse do seu interesse. — Você sequer tem barba pra estar se barbeando?

Alex revirou os olhos.

— Tenho, só não deixo crescer o suficiente para que alguém perceba —


disse, molhando o rosto para tirar o que havia sobrado do creme de barbear.
— Eu fico horrível. O que você quer?

— Sei lá, tô entediado e imagino que você seja desocupado como eu


durante a semana.

— Na verdade, eu não sou.

Era, sim. Não que fosse verbalizar isso, ou assumir que precisava
procurar pelo que fazer durante a semana para não se sentir entediado.

— Tanto faz, você parece desocupado agora. — Basile mexeu na


comida de sua panela, dando de ombros. — Onde você tá?

— Brasil. Vou passar a noite no Ivan e no Bruno até a hora do meu voo
pra casa.

— Eles assinaram a adoção hoje, né?

Não era uma surpresa que Basile soubesse. Qualquer um que


trabalhasse com Fórmula 1 sabia de alguma forma, o que consequentemente
fazia com que todo o mundo soubesse também.

Alexandre assentiu.
— Isso é legal — Baz murmurou, voltando a atenção para a tela do
celular. — Eu era fã pra caralho do Ivan quando era mais novo.

— Eu também. — Alexandre olhou para a figura de Basile na tela do


celular, percorrendo os olhos pelas tatuagens que cobriam toda a extensão do
seu pescoço até onde a camiseta branca o cobria. — Você ainda trabalha na
oficina quando não tá viajando?

— Não. Dom me demitiu — ele respondeu, dando de ombros. — Sabe,


agora eu entendo a galera que é meio obcecada por você sem te conhecer.

Alexandre ergueu uma sobrancelha.

— Por quê?

— É uma merda te ver sem camisa e não poder te tocar. — Alexandre


revirou os olhos, desviando o olhar o quanto antes. — E, considerando a
quantidade de vídeos e fotos sem camisa que você posta, deve ser
insuportável. Você tá corando?

— Não. — Estava. Mas porque elogios sem aviso prévio o deixavam


sem jeito.

— Fofo — Baz riu quando o piloto ergueu o dedo do meio na sua


direção, pegando o celular quando saiu do banheiro para o quarto de
hóspedes. — Você já vai dormir? Tão cedo?

— Foi um dia cansativo.

— E se eu te pedir pra bater uma pra mim? — ele provocou, em um


tom debochado. Embora, se Alex concordasse, ele definitivamente não
reclamaria.

— Cala a boca, Basile — bufou, se jogando na cama espaçosa do


quarto. — Quem tem tesão nisso?

— Mon chéri, você se surpreenderia.


— Foda-se, o que você tá cozinhando? — Alex perguntou, mudando de
assunto. Se entrasse demais naquele tópico, talvez não conseguisse afastar a
mente disso. Não era o que queria.

— Sopa. — Baz virou o rosto para falar algo com Corvette, em francês.
Ele se afastou da câmera, voltando com a gata no colo alguns segundos
depois. — Seu cachorro já teve uma fase rebelde? Corvette anda
insuportável esses dias.

— William Bonner é um dobermann, eles vivem em uma fase rebelde


infinita — disse, observando o francês deslizar os dedos entre as orelhas da
gata delicadamente antes que ela pulasse do seu colo outra vez. Ele fez uma
careta. — Mas ele é treinado, então conseguimos viver sem ter tênis
mastigados em cinco segundos. Costumava ser pior quando ele era mais
novo.

— Corvette acha que só porque vai fazer um ano pode agir como
quiser. Ela derrubou todos os meus discos da prateleira.

— Que cruel — ironizou, arrumando os fios loiros para trás.

— Eu senti a ironia, mon chéri. Você odiaria se o seu cachorro


derrubasse, sei lá, seus troféus. Você sequer tem espaço pra eles em casa?

— Eles ficam na sede da Astoria — negou. — Mas, se ficassem em


casa, eu faria o óbvio e deixaria em algum lugar onde o Bonner não
conseguisse alcançar.

— Isso se aplica a cães, mas não a uma gata. — Baz pareceu desligar o
fogão, pegando o celular para sair da cozinha. — Esses bichos fazem o que
bem entendem.

— Você diz como se não mimasse essa gata com a sua vida.

— Não estamos falando sobre mim.

Alex sorriu suavemente com a resposta, levantando para alcançar o


moletom que havia deixado sobre a mesinha do quarto.
— Você tá ocupado no final de semana de Ímola? — Basile perguntou,
soando um tanto desinteressado.

— Não que eu saiba, Marissa sempre me avisa sobre maiores


programações com algum tempo de antecedência — respondeu, após pensar
por alguns segundos. — Por quê?

— Quero que você saia comigo.

— Ah, você quer?

— Quero. E você vai.

— Acho que não tenho escolha, então tudo bem. — Alex olhou o
relógio, soltando um suspiro. — Eu vou dormir agora.

— Claro. Rotina de sono e essas coisas chatas — Baz assentiu. — É a


sua cara.

— Pode reclamar o quanto quiser de mim, mas foi você quem me ligou.

— Pra te mostrar Corvette, não fique se achando tanto. — Baz apontou


a câmera na direção da gata mais uma vez, que estava ao seu lado no sofá.
— Boa noite, mon chéri.

— Boa noite. Vou preparar a nossa programação para Ímola.

Quando a ligação foi encerrada e as luzes do quarto foram apagadas,


Alexandre encarou o escuro de seu quarto.

De algum modo, dormir foi muito mais fácil após aquela conversa.
 
PARTE TRÊS — TRISTE PRA SEMPRE.

“Eu quero ser maior


Eu quero ser melhor
Me quero mais bonito
Eu quero estar contente
Mas eu simplesmente não consigo”
VINTE

O clima de Ímola não era propício para uma programação turística, mas
isso não chegou a impedir Basile de deixar o hotel na sexta-feira.

Além disso, precisava sair para distrair a cabeça de alguma forma. Nem
mesmo uma nevasca o impediria.

Embora o clima naquele momento não parecesse muito longe disso.

Alexandre o esperava na esquina, encolhido em seu casaco grosso, as


bochechas e a ponta do nariz levemente avermelhados. Ele parecia diferente
ali.

Mais suave. Mais claro. Talvez fosse porque o hotel escolhido pela
Ritz-Carlton fosse em uma área pouco movimentada e não precisasse se
preocupar com muitas pessoas ao redor ali, mas Alexandre parecia ter
acabado de sair de um comercial de cotonetes. Qualquer coisa que lembrasse
toda a calmaria e paz que, sinceramente, Baz estava longe de sentir naquele
final de semana.
Talvez por isso fizesse tanta questão de estar ali com o piloto. Para se
distrair. De alguma forma, Alexandre Duarte era bom em tirar a sua cabeça
da merda, provavelmente sem sequer perceber.

Era como ouvir a melodia feroz de um piano que, subitamente, tornava-


se tranquila.

— Parei pra pensar e acho que eu deveria ser pago pra ser o seu guia
turístico pelo mundo — ele disse, ajustando a touca sobre os fios loiros
ondulados.

— Como se eu não pagasse depois — rebateu. Alexandre tirou uma


mão do bolso do casaco para deslizar pela sua nuca, inclinando-se para
alcançar a sua boca em um beijo. Lento, provocativo e com o gosto de algo
mais. Confiança. Alex tinha comentado que gostava de Ímola, mas Basile
não sabia que a ponto de deixá-lo tão animado.

Alex se afastou tranquilamente para entrar no carro.

Basile não tinha o costume de passar mais tempo que duas ou três
noites com as pessoas com quem se envolvia – por falta de tempo, falta de
interesse. Sua rotina não estava mais tranquila apesar da formação na
faculdade e um único emprego, mas, ainda assim, Alexandre parecia
merecer um tipo de atenção.

O que seria ridículo, se considerasse o quanto achava ridículo que ele


fosse o queridinho da temporada simplesmente por ter o bônus do carisma.
Mas, bem, Baz nunca prometeu coerência.

E a cada vez que Alexandre dava um pouco de si, Basile queria mais.
Não havia muito o que fazer sobre isso.

— Eu não quero parecer chato, mas agradeceria se você me dissesse


para onde estamos indo dessa vez — disse ao entrar no carro alugado da vez.

Alexandre soltou uma risada quase satisfeita, como se deixá-lo


esperando por uma resposta fosse satisfatório. Quando Basile soltou um
palavrão em francês, o piloto balançou a cabeça.
— Você vai gostar.

Bom, grande resposta. Baz não conseguia pensar em grandes


programações para aquele dia, uma vez que a tarde foi cheia de reuniões de
ambas as equipes para o final de semana. Depois das cinco horas em uma
noite tão fria não era exatamente o horário ideal para quem queria passear
por qualquer lugar. Talvez Alex o levasse para comer em algum de seus
restaurantes famosos no mundo inteiro por servir porções mínimas de
comidas – e nem eram tão excepcionalmente boas assim –, mas poderia
reclamar com ele sobre isso depois, se fosse necessário.

Alexandre parou o carro em frente a uma construção antiga, mas muito


bem conservada. Não havia qualquer movimentação no lugar. Na verdade,
parecia fechado. Apenas as luzes interiores e algumas da entrada estavam
ligadas.

— O que é isso?

— Teatro Farnese — Alex respondeu, simplista.

— Parece fechado.

— Porque está.

— Ah, legal. Nós vamos encarar a entrada a noite inteira?

— Não, nós vamos visitar. — Alex girou as chaves do carro entre os


dedos antes de sair.

Basile bufou antes de acompanhá-lo. Na entrada, havia uma mulher


esperando por Alexandre, que o cumprimentou com um sorriso largo e
derretido, acompanhado por um inglês carregado pelo sotaque italiano. Tella,
como dizia o crachá, demorou alguns segundos para perceber a presença de
Baz, parecendo surpresa ao ver mais alguém ali.

— Esse é Basile, um colega de equipe. Espero que ele possa me


acompanhar por hoje.
— Claro! — Tella assentiu, entusiasmada. Basile ainda estava
processando a informação, mas não era difícil perceber o quanto a mulher
parecia decidida a tornar toda a experiência o mais agradável para a figura
famosa dos convidados noturnos. — Bem-vindos, eu vou acompanhar vocês,
e…

— Na verdade, eu já conheço o lugar. Não queremos incomodar, então


podemos fazer o passeio sozinhos.

Tella piscou, claramente dividida entre seguir as regras que ela


definitivamente tinha em seu emprego ou abrir mão delas para agradar o
piloto. Basile quase sorriu com a expressão da mulher, porque seria cômico
se ela não parecesse tão indecisa. Ela trocou um olhar com o vigia do teatro
por um momento antes de assentir, o sorriso caloroso voltando ao seu rosto.

— Claro, sintam-se à vontade.

Alexandre respondeu com um sorriso. Não o sorriso que costumava ser


direcionado para Basile, porém. Não. Era outro sorriso.

Baz o acompanhou em silêncio pelo corredor da entrada, olhando ao


redor antes de falar algo.

— Me diz que você não usou o seu sorriso de galã pra conseguir entrar
em um teatro durante a noite, Alexandre.

O piloto virou na sua direção, dando de ombros.

— E se eu tiver usado?

— Por quê?

— Porque não tivemos tempo pra sair durante o dia e, sinceramente, é


melhor sem a quantidade de turistas que vêm em grupos. Isso sem
mencionar que a iluminação noturna daqui é impecável.

Alexandre falava como se nada daquilo fosse grande coisa. Talvez não
fosse para ele. Para quantas pessoas ele já tinha conseguido a entrada em
monumentos históricos fora do horário normal?
Baz conteve um palavrão. Aquele cara parecia mesmo viver em uma
realidade alternativa.

— Bom, esse é o Farnese. Ou Parma, se quiser soar íntimo — Alex


disse, tirando a touca branca que cobria os fios ondulados. Ele bagunçou
desajeitadamente o cabelo antes de continuar. — Dizem que é um tipo de
plágio arquitetônico do Teatro Olímpico de Vicenza, mas o arquiteto nunca
escondeu que serviu de inspiração e, sinceramente, não faz sentido nenhum
chamar de plágio. Mas isso é conversa pra outra hora. Foi construído em
1618, a pedido do duque de Parma e Piacenza, e surpreendentemente ficou
pronto no mesmo ano. Mas só foi inaugurado dez anos depois.

— Claro, ricos adoram comprar o que não vão usar — ironizou,


olhando ao redor. Basile não podia se importar menos com toda aquela
explicação, mas era adorável ver o quanto Alexandre sabia. E o quanto ele
parecia achar tudo incrível, de uma forma que Baz não conseguia enxergar.

— Silêncio. O duque ficou doente e só puderam inaugurar no


casamento do filho dele com a filha de um grã-duque, longa história. —
Alex gesticulou, parando na entrada da área principal do teatro. — Sabe o
mais engraçado? O Teatro Farnese nunca foi usado como um teatro. Só em
casamentos.

— Que romântico.

— Um desperdício. O teatro só voltou a ser utilizado três séculos


depois, em 1990. É recente.

— Se você não fosse um piloto tão bom, eu aconselharia a realmente


seguir a carreira de guia turístico — provocou, olhando ao redor. Alexandre
tinha o levado não para a área geral do teatro, mas para o palco. — Nós não
poderíamos estar aqui, imagino.

— Você acha que eu sou um bom piloto? — Alex se aproximou mais, o


suficiente para que Basile pudesse sentir a respiração suave do brasileiro
contra o seu rosto. Uma mistura de amarelo e rosa, um dia de verão
ensolarado.

— Como se você não soubesse.


— Mas eu gosto quando você diz.

Alexandre deslizou os lábios entre os seus, devagar.

Quando Basile se inclinou para finalmente beijá-lo, o piloto se afastou.


Teria xingado, se não escutasse o barulho dos saltos de Tella se
aproximando.

Basile o observou agir como se estar ali, no palco, tivesse sido um


engano, e que já estariam de saída. Seguiram para outros corredores e ouviu
explicações sobre a história do lugar para as quais ainda não dava a mínima.

— Por que você sabe tanto sobre esse lugar? — perguntou quando
Alexandre se despediu de Tella com o sorriso de galã.

— Não só sobre esse. — O piloto colocou as mãos nos bolsos do


casaco, parando ao se aproximar do carro. — Quando fui adotado, comecei a
pesquisar sobre os lugares que queria conhecer. A história deles, essas
coisas. É uma experiência completamente diferente quando você sabe de
onde aquilo veio. É, provavelmente, mais informação inútil do que eu
preciso.

— Não vou discordar. — Basile olhou ao redor, checando mais uma


vez a estrutura externa do lugar. — É mais uma diferença entre nós dois.

— Não entendi.

O francês não conteve um sorriso quase irônico com a súbita


preocupação na voz de Alexandre. Não queria que soasse como uma
reclamação, porque realmente não era uma, mas era adorável que o piloto se
preocupasse com a possibilidade de ser.

— Na verdade, eu não deveria estar surpreso. Você sempre enxergou


tudo de uma forma muito… técnica, talvez. Você sabe de todas essas
curiosidades e fatos históricos, arquitetônicos e culturais, como o motivo,
época e intuito do seu processo — explicou, colocando as mãos nos bolsos
para protegê-las da brisa fria ao se aproximar do brasileiro. — Você observa.
Eu sinto. Acho que vou esquecer tudo que você me disse em meia hora, se é
que eu já não esqueci pelo menos da metade.
— Eu meio que já esperava isso, sendo bem sincero — ele murmurou.
— Mas acho que entendo o que você quer dizer.

Baz piscou. Bem, aquilo era uma surpresa.

— Entende?

— Acho que sim, desde que nós visitamos o museu. Você nunca
pareceu ligar pra quem fez o quadro exposto ou todo o contexto histórico, o
que eu acho fascinante analisar quando se está olhando para uma obra de
arte. — Alex mudou o peso do corpo de um pé para o outro
desajeitadamente antes de se aproximar mais. Ele chegou perto até que
Basile pudesse alcançar a corrente prateada em seu pescoço com o dedo
indicador, fechando ainda mais qualquer distância que havia entre eles. Mas
aquele cara estava ali, dizendo que havia notado algo sobre Baz, que estava
acostumado demais a não ser compreendido ou notado. Significava mais do
que deveria e não tinha culpa sobre isso, droga. — Na verdade, é como se
você conversasse com a arte. E é legal, o que provavelmente é a pior palavra
que eu poderia usar pra definir, mas acho que também já comentei que não
consigo raciocinar quando você chega tão perto.

— Meigo — brincou, raspando os lábios sobre a boca entreaberta de


Alexandre. Se afastasse o suficiente para que ele visse o quanto parecia
admirado com a observação, poderia acabar se envergonhando. — Para onde
nós vamos agora, mon chéri?

— Você tá com fome? — ele perguntou. — Tem um lugar por aqui com
um sanduíche de mortadela que é incrível. Você precisa conhecer.
 
Basile tirou o casaco assim que entrou no espaço aquecido do hotel.
Estava exausto, mas, ainda assim, um tanto leve. Melhor. O tipo de sensação
que viria após uma tarde de trabalho ao lado de Dom, uma noite no
Palladium.

E, ainda assim, diferente. Pela primeira vez, talvez, não soubesse como
definir uma sensação em algumas poucas palavras.

Não que ela tenha durado muito. Baz parou no meio da recepção do
hotel ao ver o pai sentado em um sofá, encarando-o como se soubesse de
algo que não deveria.

Ele sabia?

— Boa noite — disse, arrumando o casaco sobre um ombro para


procurar o cartão de entrada do quarto nos bolsos.

— Onde você estava?

Basile parou. Precisou respirar fundo por longos cinco segundos antes
de virar-se na direção de Bernard novamente, mantendo-se o mais sereno
possível. Calmo. Tranquilo. Demonstrar qualquer coisa além disso seria dar
mais abertura para que o pai o infernizasse.

— Resolvi sair pra dar uma volta. Não vou viajar e ficar trancado no
quarto só porque não estou trabalhando.

— Com quem?

— Sozinho.

— Mentira.

Basile soltou uma risada seca, antes que pudesse conter a si mesmo.

— Tanto faz. Acredite no que quiser — murmurou. — Já terminou o


interrogatório?

— Basile, se você estiver levando um dos meus funcionários pra


cama…

O rapaz precisou encarar a parede e prender a respiração por alguns


segundos.

Porra, aquele cara era louco.

— Acredite em mim, eu não tenho a menor pretensão de foder com


alguém dessa equipe. Não que seja da sua conta.

— Você é meu filho, é óbvio que é da minha conta.

— Não vamos entrar no tópico de paternidade, você sabe o que eu


penso sobre isso — murmurou, afastando-se para entrar no elevador. Quando
Bernard se levantou para acompanhá-lo, o mais novo soltou um suspiro
cansado. — Você quer ser profissional, então me trate como um funcionário.
Vai ser muito melhor que fingir que você já se importou de verdade comigo
em algum momento.

— Não ligo pro que você faz desde que não afete a imagem da minha
equipe.
— Porque um dos seus engenheiros chupando o meu pau
definitivamente seria o escândalo do ano, eu sou tão influente — ironizou,
encarando o homem quando ele se recostou do outro lado do elevador.

O campeão mundial o fazendo, sim, seria o escândalo do ano. Por isso


Basile daria a vida pra não deixar que a ideia sequer passasse pela cabeça de
Bernard.

— Seu palavreado é uma vergonha.

— Se vamos falar de coisas vergonhosas, talvez eu deva citar o seu


discurso de valores familiares na mídia que nunca foi realmente colocado em
prática. União e amor?! Poupe-me, Bernard. Minha mãe morreu sozinha por
sua culpa, e você sequer se dignou a aparecer no enterro.

— Pare de falar sobre o que você não sabe — ele avisou, devagar.

— Eu sei o suficiente. Que você a deixou em um hospital, porque não


queria o fardo de cuidar da pessoa que jurou amar até a sua morte em uma
igreja. E ainda tirou o meu direito de vê-la, porque eu ainda precisava de um
acompanhante para poder entrar na ala em que ela era tratada — Basile
cuspiu. — Você sabe quem começou a me levar, anos depois? Dom. Ele
assinava a merda da autorização para que eu tivesse permissão pra ver a
minha mãe.

— Ele sempre foi um oportunista.

— Ele nunca ganhou nada fazendo qualquer coisa por mim. Melhor que
você, que precisou que a polícia te ligasse para que eu pudesse te ver depois
de seis meses viajando como se fosse solteiro e sem filhos. Aliás, você tem
filhos por aí. Só nunca assinou um documento de paternidade pra eles. Eu
deveria dizer que tenho sorte quanto a isso, não é?

Assim que as portas do elevador se abriram, Bernard o empurrou para


fora, a mão forte envolvendo o seu braço. Basile soltaria um ruído com a dor
causada junto à pressão da surpresa, mas se limitou a fuzilar o homem com o
olhar.
Apenas com o olhar. Porque sabia bem que, no momento em que
encostasse um dedo em Bernard Beauchene, mesmo que para autodefesa, ele
encontraria um jeito de usar isso ao seu favor.

— Porque o seu jeito de chamar atenção sempre foi assim, se


envolvendo com o que não deveria. — Bernard o pressionou contra a parede
do corredor mais uma vez. Mais forte. E Basile adoraria dizer que estava
surpreso com a movimentação, mas não estava. Nem um pouco. Pelo canto
do olho, ele não soube identificar uma maldita câmera de segurança sequer.
Hotéis ricos e seu senso de proteção do caralho. — Você deveria me
agradecer por te dar a oportunidade de fazer algo além de consertar carros
em uma oficina de lixo, ter o seu próprio apartamento. Vinte e dois anos e
nunca tinha feito nada que prestasse com a sua vida até agora.

Baz encarou a parede, esperando que o homem o soltasse. Bernard


esperou por uma resposta, por menor que fosse, antes de finalmente libertar
o braço do filho do aperto.

— Chegue mais cedo amanhã, eu quero que você analise os gráficos


dos treinos pra mim — ele finalizou antes de entrar no último quarto do
corredor.

Então, o silêncio. Ou, pelo menos, era o que Basile acreditava ter vindo
depois. Podia ouvir claramente o som da própria respiração, antes contida. O
pulso vibrando por todo o seu corpo.

A dor no peito que se tornou mais intensa quando conseguiu trancar a


porta do próprio quarto. O vermelho junto do escuro nunca foi a sua
combinação favorita.

Mas, bem, essa era a vida ao lado de Bernard Beauchene. Com sorte, só
precisaria aguentar mais alguns meses.

Meses.

O rapaz encarou o número de Dom na tela do celular. Se ligasse, ele


provavelmente não atenderia. O que Dom ainda iria querer com ele? Porra
nenhuma. Não deveria nem pensar em ligar, muito menos em uma situação
como a que estava.
Chamar Alexandre era uma opção tão ridícula quanto. Alexandre, o
piloto que muito provavelmente não o via como mais que alguém que
poderia passar o tempo quando não estivesse com sua equipe ou sua família.
Uma distração.

Não que Baz o julgasse por isso – bem, seria hipócrita.

Mas Alexandre tinha o mundo inteiro. Basile não tinha ninguém. Mais
uma vez.
 
VINTE E UM

Quando Alexandre saiu do banheiro, Baz já estava lá. Quando mandou


uma mensagem avisando que ele teria um passe livre para o seu quarto se
quisesse aparecer por lá naquela noite, não achava que ele apareceria tão
rápido.

— Foi uma perda de tempo se vestir, espero que você saiba disso. —
Basile umedeceu os lábios, dando de ombros um momento depois. — Ou
não, eu gosto quando você tira a roupa pra mim.

— Boa noite — riu, usando a toalha para terminar de secar o cabelo. —


Você veio em menos de quinze minutos. Sentiu saudades?

— Você pode sonhar com isso, mas eu só estava desocupado e


entediado. — Baz o analisou por um instante, sentando-se no canto da cama
e gesticulando para que o piloto se aproximasse.

Alex o fez, embora realmente não planejasse fazer nada tão cedo.

Não ainda.
Basile o deixou se livrar da camisa que havia acabado de vestir antes de
se inclinar para deslizar os lábios pelo seu abdômen, os olhos ainda presos
aos seus.

A resposta de Alex à provocação saiu como uma respiração densa, os


dedos presos aos fios bagunçados de Baz enquanto o rapaz o provocava com
a boca, uma mão o tocando sobre o tecido grosso da calça que usava para
dormir.

— Se você não tivesse se vestido, seria mais fácil — o francês ironizou,


antes de deslizar a língua pouco acima do cós da calça.

— Não que você não possa se livrar disso sem muito trabalho.

— Você sabe que eu gosto de aproveitar o meu tempo. — Merda, Alex


sabia. E gostava disso nele, também.

Mas não o suficiente para esperar tanto. Não dessa vez, em específico.

Alex passou os braços ao redor do pescoço de Baz ao sentar-se no seu


colo, beijando o canto da sua boca.

— E se eu quiser fazer no meu tempo? — sussurrou, a respiração


falhando no instante em que as mãos de Basile tocaram a sua cintura. O
pressionando contra a própria ereção.

Basile se inclinou para alcançar os fios loiros da sua nuca, puxando-os


para que pudesse arranhar os dentes pelo seu pescoço.

— Vá em frente, mon chéri. Você está no comando hoje.

Alexandre não sabia como o toque de alguém poderia ser tão


fisicamente superficial e, ao mesmo tempo, lhe causar tanto. Baz gostava de
vê-lo reagir a inúmeras sensações antes de aproveitar ele mesmo.

Baz tornou a segurar a ponta do seu queixo com os dedos, fechando os


olhos antes de tocar seu lábio inferior com a boca.

— O que você quer que eu faça?


O brasileiro tinha a leve impressão de que aquilo não era lá algo que
Basile costumava fazer – ceder ao seu gosto pelo controle, deixar que
alguém ditasse os próximos passos. E Alex gostou da sensação de fazer parte
dessa exceção mais do que imaginou que gostaria.

Ele se inclinou para colar os lábios nos do francês. Poderia pensar em


inúmeras coisas que poderia pedir para que ele fizesse – sinceramente,
estava ansioso para tentar todas elas dali para frente. Mas uma em específico
permaneceu na sua mente.

— Você já se masturbou pensando em mim?

Baz o fitou. Considerando a expressão no seu rosto – e


surpreendentemente Alexandre já sabia identificar algumas – ele estava se
decidindo entre contar a verdade ou não. Isso era resposta o suficiente, mas
Alex ainda queria ouvi-lo falar em voz alta.

— Não se sinta tão especial — ele disse, empinando suavemente o


queixo enquanto descia os olhos pelo seu pescoço e peito. — Por quê?

— Eu quero ver.

Alexandre não costumava ter problemas em existir perto de pessoas


bonitas. Estava acostumado, até.

Mas ele ainda sentia que estava perto de derreter toda vez que Basile
sorria. Não qualquer sorriso, mas os sorrisos direcionados especialmente
para ele.

Talvez fosse a forma como o Beauchene o olhava – enquanto o fodia ou


enquanto conversavam, até mesmo quando cruzava o olhar com ele após
uma corrida. Independentemente do momento, os sorrisos de canto,
desavergonhados e cheios de pensamentos, que Basile lhe direcionava eram
uma das poucas coisas capazes de tirar completamente a sua concentração a
qualquer momento.

Como o sorriso que ele abriu naquele instante, também.

— Você gosta disso?


— Nunca tentei. Só me parece... interessante.

— Me ver batendo uma pra você parece interessante? Boa escolha de


palavras.

— Aja como se eu não estivesse aqui.

— Sim, porque é muito fácil ignorar a sua presença.

— Não precisamos fazer nada que você não queira — assegurou,


embora soubesse que Baz daria pra trás se não se sentisse confortável
imediatamente. Ele estava longe de ser alguém que não deixava suas
vontades explícitas.

Ele balançou suavemente a cabeça, se inclinando para beijá-lo mais


uma vez. Não da forma suave como Alexandre havia feito minutos atrás.

Baz livrou-se da camiseta com a estampa de alguma banda que Alex


não conhecia entre o beijo, usando uma mão livre para deslizar os dedos pelo
pescoço do piloto.

— Tu étais complètement fait pour moi.

Alexandre não fazia a menor ideia do que aquilo deveria significar –


mas estava acostumado a escutar Baz soltar, acidentalmente ou não, palavras
e frases em francês, então provavelmente queria dizer que estava indo bem.

O piloto soltou um suspiro quase insatisfeito quando ele interrompeu o


beijo.

— Não vou conseguir fazer nada se você continuar no meu colo, mon
chéri.

Baz manteve uma mão firme na sua cintura enquanto se afastava com
cuidado. Já havia percebido que ele tinha algo com aquela parte do seu corpo
em especial, e era quase engraçado como Baz sempre parecia encontrar um
modo de tocar a região pelo maior tempo possível.
Alexandre se acomodou em um canto da cama, acompanhando o
francês com o olhar enquanto ele parecia tranquilo em tirar o vape do bolso
da calça e tragar uma vez antes de se livrar de vez da peça de roupa. Ele
parecia estar indo muito bem na parte de fingir que Alexandre não estava ali,
porque mal olhou na direção do piloto enquanto isso.

— Ansioso? — ele perguntou, mas o tom de ironia e provocação era tão


óbvio que Alex se limitou a revirar os olhos e ignorar.

— Você é um exibido, deve estar ansioso pra me fazer ficar te olhando.

— Não vou negar, também acho a ideia interessante. — Alexandre


estava prestes a comentar o quão engraçado era estarem batendo um papo
tão casualmente enquanto Baz estava prestes a bater uma, mas fechou a boca
no instante em que ele se livrou da cueca e estendeu a mão na frente do seu
rosto. — Cuspa.

Adoraria dizer que Baz pediu, mas ele ordenou. Alexandre manteve o
olhar preso aos olhos esverdeados do francês ao fazê-lo, e precisou conter a
si mesmo para não voltar atrás e pedir que pulassem logo para a parte em
que Baz o fodia naquela cama.

Baz inclinou suavemente a cabeça para trás com os olhos fechados ao


tocar a ereção que seria impossível de ignorar se Alexandre não estivesse tão
interessado no rosto dele e em toda a parte superior do seu corpo. Basile não
era uma das pessoas de corpo mais definido que conhecia – sabia diferenciar
um corpo de academia e um definido pelo trabalho braçal do dia a dia como
o de Baz –, mas as tatuagens faziam bem o trabalho de chamar a atenção
para ele.

Basile tocou a si mesmo devagar, mas firme. Provavelmente era como


fazia quando estava sozinho, porque não se importou em deslizar os dedos
por todos os pontos que Alexandre sabia que ele mais gostava de ser tocado.
Ele mordeu o lábio inferior com um sorriso, provavelmente porque a
expressão no rosto do brasileiro em observar aquilo estava mais afetada que
o esperado.
Alexandre pensou em livrar-se das poucas peças de roupa que tinha no
corpo para fazer o mesmo, mas parecia impossível pensar em desviar o olhar
do cara à sua frente. E maldito o momento em que pediu para que aquele
homem se masturbasse para ele, porque sua vontade era gravar para que
pudesse assistir novamente depois.

Não são os fios de cabelo que caem pelo rosto de Baz, ou os músculos
de seus braços e pernas que se retraem e se evidenciam a cada novo toque
que ele dá a si mesmo, e surpreendentemente muito menos o pau dele – que
é muito bonito mesmo assim, inclusive.

É o rosto de Basile. A forma como ele fecha os olhos ao tocar seus


pontos favoritos, ou a mordida no lábio inferior para abafar os gemidos que
ele deixa escapar. Entre uma pausa de tempo e outra, Baz ainda umedece os
lábios com a ponta da língua, e Alexandre precisa conter a si mesmo também
para não se aproximar e reivindicar aquela boca.

Bem, foda-se. Alexandre se aproximou devagar, chamando a atenção


do francês pouco antes de beijá-lo. Baz não pareceu achar ruim, porque o
ajudou prontamente a ficar nu e desceu a mão para tocá-lo, tendo a audácia
de sorrir ao arrancar tão rapidamente um ruído satisfeito da sua garganta.

— Acho que olhar não é meu lance — murmurou, deslizando os braços


ao redor do pescoço do francês.

— Que pena, eu até que estava me divertindo. — Baz alcançou a


camisinha que havia deixado sobre a cômoda do quarto. Alexandre se
inclinou suavemente para beijar a curva do pescoço dele, não contendo um
sorriso ao ouvir um suspiro silencioso de Basile. O Baz que não tinha o
costume de ser vocal, mas que soltou um gemido baixo quando raspou a
ponta dos dedos pelos seus mamilos e mordiscou sua orelha.

Uma vez na cama com Baz nunca era como a anterior. Talvez porque
estivessem se conhecendo cada vez mais, talvez porque ambos gostassem de
experimentar diferentes sensações um com o outro. Não importava.

Naquela noite, Baz não parecia provocativo como sempre. Ele não usou
vários minutos para levá-lo até a boca e carregá-lo até a borda como o de
costume. Ao invés disso, Basile o fodeu duro e lento, entre beijos
desajeitados e molhados, mãos curiosas e que pareciam decididas a levá-lo
do céu até o inferno em questão de segundos.

Em especial, quando uma dessas mãos envolvia o seu pescoço. O


aperto firme que o fazia revirar os olhos e potencializava qualquer outra
sensação que viesse a seguir. Alexandre não considerava que pudesse gostar
tanto disso até Baz, mas tinha a impressão que ele mesmo colocaria a mão
tatuada do francês ali caso não acontecesse.

— Eu quero que você goze depois de mim — Baz disse, o sotaque


francês tão evidente como nunca. Alex se sentiu um tanto dividido entre
reclamar sobre Basile ter parado de movimentar o quadril ou sobre a ordem
que ele havia acabado de soltar.

Não achava que poderia se conter por mais tempo, sinceramente. E Baz
sabia que seria difícil, porque não fez questão de esconder o sorriso quando
se inclinou para beijar quase carinhosamente demais o seu lábio inferior.

— Por quê?

— Não me olhe assim, mon chéri. — Baz se mexeu minimamente ao


beijar um ponto atrás da sua orelha, e Alexandre mordeu o lábio para conter
um ruído. — Você parece excepcionalmente bonito essa noite, eu quero ver
isso um pouco mais.

O brasileiro fechou os olhos, respirando profundamente ao sentir as


mãos firmes de Baz percorrendo pela sua cintura, ameaçando tocá-lo onde
ele havia ignorado durante todo aquele tempo.

— Acha que consegue fazer isso por mim, Alex? — ele perguntou. Não
como se estivesse pedindo para segurar seu orgasmo quando isso parecia
impossível, principalmente quando suas mãos percorriam de forma cruel sua
virilha, mas como se estivesse perguntando se poderia alcançar algo da
prateleira mais alta. Quando Alexandre não o respondeu, Baz pressionou
suavemente o seu pescoço. — Olhe para mim, mon chéri.

Ele o fez, e se arrependeu no mesmo instante. Basile também parecia


excepcionalmente bonito coberto pela fina camada de suor, alguns fios
negros de cabelo grudados em seu rosto, as tatuagens das quais jamais se
cansaria de olhar.

— Como você quer que eu te faça gozar? — Baz passou


superficialmente o polegar pelos seus lábios em uma carícia suave. — Eu
posso te chupar ou usar meus dedos, sei que você não precisa que eu te toque
ali pra chegar lá.

— Fofo da sua parte lembrar como eu costumo gozar. Também sabe


quando é o meu aniversário? — murmurou, só porque estava impaciente o
suficiente para isso.

— Você faz aniversário no Ano-Novo. Deveria ter perguntado algo que


eu não encontraria no Google. — Baz sorriu, provavelmente porque não
conseguiu disfarçar bem sua expressão surpresa ao ver que seu ficante casual
e completamente proibido sabia sobre a data do seu nascimento. Era algo
básico, de fato, mas não esperava que ele soubesse. E descobrir isso quando
ele estava o fodendo era, provavelmente, a parte mais estranha de toda a
situação. — Minha boca, então? Tudo bem.

Quando Basile tornou a movimentar o quadril tão intensamente quanto


antes e Alexandre se viu a um segundo de alcançar o orgasmo que não
estava autorizado a liberar, ele fechou os olhos.
 
Alexandre foi o primeiro a se pôr de pé, apenas para ligar novamente o
aquecedor do quarto que havia sido desligado na hora anterior e procurar por
um cigarro.

— Eu vou passar a noite aqui — Baz declarou, não deixando muito


espaço para que Alex protestasse contra isso. Não que fosse. Basile sabia das
recomendações de segurança.

Sair o mais cedo possível. Não ser visto. Não chamar atenção.

Se isso fosse devidamente seguido, não precisaria se preocupar com o


resto. Aquele era o tipo de responsabilidade que nenhum deles ignoraria.

— Você sabe onde ficam as roupas que eu uso pra dormir — assentiu,
recostado na saída do quarto para a varanda, sabendo que o francês seria o
primeiro a levantar para usar o chuveiro. Como sempre.

Baz separou uma roupa mais quente para si mesmo antes de se


aproximar de onde o piloto se encontrava. Sem dizer nada, ele pegou o
cigarro que estava entre os seus lábios para tragá-lo demoradamente,
soltando a fumaça pelo nariz antes de se inclinar para capturar a sua boca em
um beijo.
Baz gostava de beijar depois de gozar, e Alex já havia notado isso. Não
apenas beijar, como se tornava mais físico, como se quisesse prolongar a
sensação de torpor que acompanhava o toque após o orgasmo.

Quando ele se afastou, Alexandre ergueu uma sobrancelha.

Havia uma marca arroxeada no seu braço, que se tornou visível quando
estendeu o cigarro na sua direção. A marca clara de dedos, como se uma
mão tivesse o pressionado com muito mais força que o necessário para
segurar alguém.

Sabia que não tinha feito aquilo. E se não fosse pelo final de semana
movimentado que estavam tendo de ambas as equipes, até pensaria que
Basile podia ter conseguido aquilo ficando com outra pessoa. Não seria um
problema, não havia qualquer combinado de exclusividade ou algo assim
entre eles.

Mas não era o caso.

— O que aconteceu com o seu braço? — perguntou, quando o francês


já estava a caminho do banheiro. Baz pareceu ficar confuso por um segundo
antes de seguir o seu olhar e encarar a região.

— Briguei com o Bernard.

Cacete. Sendo sincero, Alexandre não sabia que tipo de resposta


esperava. Mas aquela possibilidade parecia simplesmente ridícula, porque…
porque nunca considerou que a relação entre Basile e o pai fosse realmente
ruim a esse ponto. A ponto de machucar fisicamente.

Mas Baz o respondeu como se não fosse grande coisa, como se fosse
parte de uma rotina à qual já deveria estar acostumado. Que Bernard era um
merda, isso sabia desde sempre.

Aquilo ia além.

— Ou ele brigou comigo, veja da forma como quiser — Baz continuou,


naturalmente. — Não é como se eu revidasse.
— Baz, que porra?! — exclamou, soando mais exasperado do que
pretendia. O piloto foi até ele, deixando o cigarro de lado para analisar
melhor a marca. Não era chamativa, mas estava ali. Não era qualquer tipo de
pressão que deixava aquele tipo de rastro. — Por quê?

— Porque ele é assim, Alexandre. Deve ter percebido que eu ando


saindo durante as viagens e enfiou na cabeça dele que eu tô fodendo com
alguém. O que eu estou, mas ele acha que é alguém da Ritz. — Basile puxou
o braço de volta, estalando a língua. — Ele nem imagina que pode ser você,
relaxa.

Aquela possibilidade nem havia passado pela cabeça de Alexandre.


Estava milhões de vezes mais preocupado com Baz, e parecia idiota como o
francês não notava isso.

— Ele já fez isso outras vezes?

— Só quando eu era pirralho e ainda tinha que morar com ele. Mas
ninguém muda mesmo.

Alexandre continuou o encarando conforme Baz continuava seu trajeto


até o banheiro do quarto.

Era, no mínimo, revoltante. Por que Basile ainda estava agindo como se
não fosse nada demais?

Era por isso que ele queria passar a noite ali?

Alex entrou no banheiro, observando-o em silêncio.

— Pare de agir como se eu fosse quebrar, Alexandre. — Baz revirou os


olhos, entrando debaixo da água quente. Quando Alex se aproximou mais,
ele abriu um espaço para que ele se molhasse também. — Ele não faz isso o
tempo inteiro, também. É um pé no meu saco, e o principal motivo pra que
eu odeie essa vaga na equipe é ele, mas não é tão recorrente assim. Eu
mantenho distância na maior parte do tempo, assim como eu fiz a minha
vida inteira.

— Se acontecer outra vez, quero que você ligue pra mim.


Baz o encarou, e o espaço no banheiro pareceu ficar menor.

— Por que eu ligaria pra você?

Boa pergunta, Baz. Alex olhou para a equimose novamente e o seu


estômago se revirou um pouco.

— Porque eu não quero que você lide com isso sozinho — disse, por
fim. — Por isso, caso ele encoste em você outra vez, eu quero que me ligue.
Principalmente se for semana de corrida e eu estiver por perto.

— E o que você vai fazer? — Baz perguntou, embora estivesse


claramente debochando com a situação. Como se não acreditasse que faria
algo. — Eu sei me defender.

— Mas não deveria pensar em precisar se defender dele. — Alexandre


se aproximou mais, praticamente o encurralando contra a parede fria do
banheiro. — Acho que você não entendeu o quanto eu estou falando sério
sobre isso, Basile. Nem que eu tenha que arruinar de vez a carreira e a vida
desse cara, ele não vai mais encostar um dedo em você. E nós dois sabemos
que eu tenho a capacidade de acabar com ele com uma ligação.

— Você ameaçando acabar com a carreira do meu pai é mais excitante


do que provavelmente deveria ser — Baz murmurou, parecendo um pouco
surpreso com toda a situação. — Obrigado, eu acho.

— Ele faz isso com outras pessoas da equipe?

— Ele não seria tão idiota assim — o francês suspirou, deslizando os


dedos entre o cabelo molhado. — Você realmente precisa dormir, mon chéri.
Tem uma corrida amanhã.

Alexandre não queria sair do assunto. Na verdade, queria fazer algo


sobre aquilo naquele mesmo instante, mas não parecia ser o tipo de assunto
que Baz ainda queria prolongar.

Ele responderia suas perguntas, daria os detalhes que pedisse, porque


tinha se convencido de que não era importante o suficiente ou algo do tipo,
mas não significava que ele não se importava por inteiro. Ou, pelo menos,
que ele admitisse que se importava de alguma forma.

O resto do tempo no banheiro foi passado em silêncio. Baz se deitou


primeiro, enquanto Alex respondia rapidamente as mensagens que tinha
ignorado pelas últimas horas.

E mandar outra para Nicole.

Alex: o que você sabe sobre bernard beauchene?


Alex: boa noite, te amo muito <3 penso em você o tempo todo.

Depois de colocar o aparelho para carregar, Alexandre se deitou ao lado


de Basile, uma distância não muito grande entre eles. Ainda assim, uma
distância.

— Alex. — A voz de Basile soou, súbita e direta. Apenas um bom


tempo depois, quando o piloto estava perto de cair no sono.

— Sim?

— Posso mesmo te ligar se acontecer outra vez?

— Deve, Basile.

— Certo.

Quando Alex acordou, Baz não estava mais lá. O que era esperado, mas
ainda torcia para perceber quando ele se levantasse. Seu sono não era tão
pesado assim, mas o engenheiro era silencioso demais.

O dia dividido entre algumas entrevistas e gravar uma publicidade para


a equipe não lhe deu oportunidades para parar. Ou para mandar uma
mensagem para Baz, perguntando se estaria tudo bem. Depois da noite
anterior, gostava ainda menos da ideia dele trabalhando na Ritz-Carlton. E
desgostava mais de Bernard.

O piloto parou quando viu o homem sentado em uma das mesas na área
externa da equipe verde ao lado do filho, embora apenas ele falasse. Parecia-
se mais com uma discussão unilateral, uma bronca, porque Basile ainda
permanecia em silêncio enquanto fingia não ouvir e digitava algo em seu
celular.

Alexandre se aproximou, sentando-se na cadeira vaga da mesa. Se


Bernard o olhou em surpresa, Baz pareceu em pânico por um segundo, antes
de conter a si mesmo respirando fundo.

— Com licença — o piloto disse. — Você é Basile, não é?

Baz piscou, atônito. Aparentemente, ele não sabia fingir tão bem
quando pego de surpresa.

— Sim — Bernard respondeu, na ausência de algo vindo de Baz. —


Meu filho. Algum problema?

A forma como o homem pronunciou que Baz era seu filho, como se não
o quisesse, fez o punho de Alexandre se fechar sob a mesa.

— De forma alguma — negou, recostando-se na cadeira


confortavelmente. — Mas eu precisava conhecer o engenheiro do qual todos
estão falando por aí.

Baz ergueu uma sobrancelha como se estivesse ordenando para que


parasse.

Tarde demais.

— Aparentemente, o nome dele está popular entre os engenheiros. Eu


não sabia que era algo de família. — Alex se inclinou para frente, como se
fosse contar um segredo. — Eu tomaria cuidado. Ivan está sempre
procurando por novos talentos e não perde a oportunidade de recrutar um
bom nome pra equipe. E, clubismo de lado, ele sempre consegue o que quer.
Bernard o encarou como se tivesse acabado de contar uma história de
terror ou algo parecido. Não que Basile estivesse muito diferente.

O piloto da Astoria se levantou com um acenar suave antes de se


afastar, deixando um Basile tentando muito conter um sorriso que insistia em
querer aparecer em seus lábios.
 
VINTE E DOIS

Alex descobriu que o final de semana de Silverstone seria também o


aniversário de Baz apenas no dia em questão.

No caminho para a área de sua equipe, um grupo de funcionários


recebeu o filho de Beauchene com uma pequena comemoração. Alex ainda
precisou de alguns segundos observando a expressão surpresa e um pouco
aborrecida do francês até perceber que cantavam os parabéns.

Merda. Não fazia a menor ideia de que era o aniversário dele. Não tinha
comprado nada. Não tinha dito nada.

O piloto bufou, pegando o celular do bolso.

Alex: por que não me disse que é seu aniversário?


Obviamente, Basile não respondeu na hora.

Quando ele respondeu, tempo depois o suficiente para que Alexandre


participasse de uma entrevista, tivesse uma reunião com Ivan e Bruno e
vestisse o uniforme.

Baz: porque não é importante

Alex: ?
Alex: vai se foder

Baz: meu bem, não me importo com o meu aniversário

Alex: eu me importo

Por um momento, os três pontinhos que indicavam que Basile estaria


digitando algo apareceram e sumiram algumas vezes.

Tempo demais para uma resposta tão curta.

Baz: aceito um jantar legal no seu quarto depois que você ganhar a
corrida

Alex pensou em uma resposta, mas não teve a chance de digitá-la.

— Alex, vamos — Ivan disse, batendo suavemente na sua porta antes


de seguir pelo corredor.
Ele o fez, mas parou no meio do caminho ao ver Marissa fazendo algo
no seu celular. Como estava sempre fazendo, cuidando de suas redes sociais.

— Marissa, preciso de um favor — soltou, aproximando-se dela. —


Rápido.

A mulher arregalou os olhos, olhando ao redor.

— Eu fiz alguma coisa errada?

— O quê?! Não, pelo amor de Deus — bufou, balançando a cabeça. —


Você pode sair durante a corrida e comprar algumas coisas pra mim?

— Acho que posso…

— Certo. Eu tenho que ir, então vou falar com alguém pra te passar a
lista e a senha do meu cartão. — O piloto deu um beijo estalado no rosto da
mulher antes de se afastar. — Dou todas as entrevistas que você quiser
depois. Te amo!

Marissa continuou o encarando como se estivesse falando com outra


pessoa conforme se afastava.

Bom, talvez estivesse. Mas Alex não poderia dizer que não gostava da
sensação.
 
Alexandre não tinha como deixar o quarto do hotel mais arrumado. Da
comida até os docinhos e a cama, tudo estava em sua mais perfeita ordem.

Não era uma festa de aniversário perfeita, mas era um pouco disso. O
básico. Se Baz estaria mesmo longe de casa na noite do seu aniversário,
queria fazer o mínimo para que, pelo menos, fosse uma noite legal.

Mesmo que o dia não parecesse estar ao seu favor. De uma quinta
colocação na corrida até o tipo de ligação que acabava com o seu humor.

Mas, bem. Nada que não pudesse ignorar enquanto Basile estivesse ali.

Alex se deixou relaxar ao ouvir as batidas na porta.

— Aberta — disse, observando o francês entrar no quarto. Baz olhou ao


redor como se estivesse com medo de uma bomba de confetes explodir na
sua cara antes de realmente entrar.

Alex não tinha exagerado. Não tanto assim.

— Eu ainda estou profundamente magoado que você não me disse que


era o seu aniversário. Não por falta de oportunidade.
— Eu diria que foi por falta de oportunidade, sim. Minha boca estava
um pouco ocupada ontem, antes dos treinos. — Basile soltou uma risada
leve quando o piloto revirou os olhos, colocando as mãos nos bolsos da calça
escura ao se aproximar da mesinha ao lado da cama. Ele apontou para a
comida. — É pra mim?

— Não é como se o hotel desse algum tipo de buffet de aniversário,


mas sim. — Alex se aproximou, beijando superficialmente a boca do
moreno. — Feliz aniversário. Se eu soubesse antes, teria planejado algo
melhor.

— Cala a boca — ele murmurou, se inclinando para alcançar um


brigadeiro. — Só isso já é melhor que o meu dia inteiro, pode acreditar.
Valeu. Isso é aquele docinho que todo mundo gosta no Brasil, né?

Baz ainda parecia um pouco desajeitado, talvez até deslocado. Alex não
tinha parado para pensar o que o aniversário dele podia significar – não é
todo mundo que diz que não se importa com a data do próprio nascimento –,
mas ainda queria fazer algo minimamente legal. Imaginou que fosse ser
bom.

Mas, considerando o sorriso contido no rosto do francês, como se fosse


uma criança ganhando o presente que havia pedido para a família durante o
ano inteiro, Basile pareceu realmente gostar do pouco que estava ali.

— E nem acabou, você me subestima demais.

Baz ergueu uma sobrancelha, parando antes de colocar já o terceiro


doce na boca.

— Como assim, não acabou?

Alex puxou uma caixa do closet, estendendo na direção do francês.

— Eu deveria me preocupar com o que você conseguiu comprar?


Porque mal faz uma hora que você saiu do autódromo.

— Bom, não fui eu. Não pessoalmente. Eu escolhi, mas…


— Você mandou alguém comprar por você — Baz concluiu. — É claro.

— Eu não teria tempo! E a intenção segue a mesma — se defendeu,


esticando mais a caixa na sua direção. — Pega logo. Você vai gostar.

Baz o encarou por mais alguns segundos antes de pegar o embrulho,


sentando-se no canto da cama.

Ele ergueu uma sobrancelha ao ver o que era.

— Você comprou um perfume caro pra mim?

— Não o mesmo que eu uso, seria um pouco estranho. Mas ainda é


Chanel. — Alex tornou a se inclinar na sua direção, inspirando suavemente o
seu pescoço. — E combina mais com você. Ácido.

— O que isso deveria significar?

— Interprete como quiser — sussurrou, tirando a caixa do colo de Baz


ao raspar os dentes pela curva do seu pescoço. Basile soltou um ruído baixo,
puxando-o para mais perto. — Ouvi dizer que a sua equipe fez uma festa pra
você.

— Ninguém me beijou lá, então acho que você ainda sai ganhando. —
Baz usou uma mão para deslizar os dedos entre o seu cabelo, a outra
puxando a regata branca para cima. Um incentivo para que o piloto a tirasse
logo. — Obrigado pelo perfume, mon chéri.

Basile poderia jurar que aquele era o melhor aniversário que tinha em
anos. Não apenas porque havia um piloto realmente empenhado em fazê-lo
soltar todos os sons e palavrões que nunca achou que soltaria na cama com
alguém, sentir todo o misto de sensações sufocantemente boas que nunca
tinha sentido antes. Mas porque parecia ser o seu dia de verdade. Um dia
com alguma importância não apenas para si mesmo, mas para alguém ao seu
redor.

Uma pessoa, pelo menos.


O aniversariante o puxou para mais um beijo molhado quando estavam
sob o chuveiro, aproveitando mais da sensação das mãos do piloto o
dedilhando. Sem muitas palavras.

Ou, pelo menos, até que fosse necessário.

— Você tá ocupado essa semana? — perguntou quando Alex se afastou


para lavar o cabelo. Ele estava deixando crescer, aparentemente. Os fios
loiros já não tão curtos lhe davam um ar mais maduro, mais velho.

— Tenho um evento com Nicole amanhã, acho. Tenho que confirmar


com Marissa.

— E depois, livre?

— Sim — disse, aproximando-se outra vez. Curioso. Interessado.


Muito interessado. — Por quê?

— Você podia aproveitar e passar a semana no meu apartamento — Baz


respondeu, casualmente. Alex levou alguns segundos para se dar conta de
que a próxima corrida já seria na França, e Basile morava na França. — Vai
ser a minha vez de ser guia turístico.

Alexandre piscou, pensando por um momento no que aquele convite


significaria. Uma semana longe de suas responsabilidades, porque o trabalho
não o alcançava quando estava com Baz. Uma semana não se limitando ao
cardápio, segurança e horários de um hotel, a um espaço menor e impessoal
demais. Alexandre podia gostar de viajar pelo mundo, mas gostava ainda
mais quando seus destinos apresentavam algum tipo de conforto.

No fim, parecia uma procura infinita por algum lugar que se parecesse
com uma casa para ele.

— Só se você comprar comida suficiente pra manter a minha dieta —


respondeu, por fim.

— O milionário aqui é você, aposto que consegue comprar e fazer a sua


própria comida. — Basile se inclinou para prender o seu lábio inferior entre
os dentes. — É um sim?
Alexandre revirou os olhos, empurrando o seu ombro para continuar o
banho.

— É um sim, se minha agenda estiver realmente livre. Mas separe o


espaço na cama pra mim.

— Como se você não invadisse o meu espaço o tempo inteiro quando


estamos dormindo — Basile rebateu, enquanto puxava a toalha para sair do
chuveiro.

— Nós não dormimos juntos muitas vezes.

— Mas em todas, eu saí do quarto depois de meia hora tentando tirar os


seus noventa quilos de cima de mim.

— Oitenta e sete — Alex corrigiu, como se fosse uma informação


realmente relevante.

— Que seja.

— Se você me acordasse antes de ir embora sem dizer nada, não seria


tão trabalhoso. — Alex desceu o olhar pelo corpo ainda úmido do francês.
Havia uma tatuagem de uma carta de baralho no seu antebraço esquerdo que
poderia jurar que era recente. Já havia percorrido aquelas tatuagens o
suficiente para saber bem disso.

— Não gosto de despedidas.

Alexandre estalou suavemente a língua, vestindo a calça que havia


separado para dormir. Depois de secar o cabelo rapidamente, ele tornou a
pairar ao redor de Basile.

— Qual é o melhor jeito de saber o quanto alguém quer me ver


novamente? — ele perguntou, embora não parecesse procurar uma resposta
de verdade. — Eu amo despedidas.
 
VINTE E TRÊS (flashback)

Alexandre soltou um palavrão baixo quando Nicole apareceu na porta do


quarto que dividia com outros garotos.

— Diga que eu não vou — resmungou, bagunçando o penteado ridículo


que outra pessoa tinha feito no seu cabelo, arrumando os fios castanhos para
trás. Alex sentia falta do loiro dourado que havia ido embora naturalmente
com o passar dos anos. — Pela milésima vez. Já que ninguém nessa merda
me escuta.

— Alex, eles parecem ser pessoas incríveis. — Nicole parou ao lado da


sua cama, exibindo aquele sorriso largo que ela carregava de um lado pro
outro. — Não é fácil encontrar casais que procuram adotar alguém com a sua
idade, você sabe disso. Por que não dar uma chance?

— Se eles querem alguém com a minha idade, tem algo por trás disso.
Sempre tem. — Alexandre chutou os tênis surrados para longe, livrando-se
também da camiseta de colarinho branco que haviam lhe dado.

— Você não precisa se preocupar com isso. Se eles não tiverem boas
intenções, nós vamos descobrir.
— Você é engraçada — o garoto riu, seco. — Adotaria alguém de
dezesseis anos?

— Eu não tenho nada contra a ideia — ela disse, suavemente. — E


você completa dezesseis em dois meses.

— Besteira. Ninguém liga pra nós depois que passamos dos cinco anos.
Dos seis, no máximo. Eu já cheguei nesse buraco fora do prazo de validade.
— Alex estreitou os olhos na direção de um garoto que parecia interessado
demais em ouvir a conversa, até que ele desviou o olhar. Depois de vestir
uma de suas próprias camisetas, aproximou-se mais de onde Nicole estava,
parando de frente para ela. Eram praticamente da mesma altura, Alex sendo
um ou dois centímetros mais alto. — Mostre a minha ficha para eles. Aposto
que vão mudar de ideia em dois segundos.

Nicole piscou, confusa. O sorriso havia desaparecido do seu rosto.

— Você nunca olhou a minha ficha, não é? — perguntou, balançando a


cabeça. Quando Nicole negou, Alex soltou um suspiro. Que previsível. —
Não que eu esperasse que sim. Não é algo que ficam exibindo por aí. A ficha
pra pais em potencial é outra.

— Não mostram a sua ficha completa?

— Por que mostrariam? A maioria aqui teria ainda menos chances de


encontrarem uma família, como todos fingem procurar pra nós, se fizessem
isso. — Alex apontou para um dos garotos do quarto, que assistia à televisão
distraidamente. — Na ficha falsa, ninguém diz que aquele cara já tentou
fugir umas cinco vezes. E provavelmente vai tentar mais. Na ficha falsa,
ninguém diz que eu me envolvo em brigas com aquele babaca do quarto
cinco toda semana ou sobre a “tendência violenta” que eu sei que os
funcionários daqui sussurram sobre mim. Não, Nicole. Isso afastaria todos
os futuros pais que procuram pela criança perfeita. Mudam até as nossas
notas de provas, se for necessário.

— Eu não sabia…

— Eu não esperava que soubesse — interrompeu. — Agora, se você me


permitir, preciso roubar o controle da televisão daquele cara pra assistir à
classificatória da corrida de domingo. Diga para os pais em potencial que eu
vomitei meu almoço ou algo assim e mostre à Lara, aquela garota bonitinha
de sete anos do quarto rosa. Aposto que vão querer até comprar a menina.
Ninguém pensa em nós, mas quem fala com ela sempre fica meio obcecado.
Não julgo, ela é um amor.

— Comprar?

Alexandre soltou uma risada pelo nariz conforme se afastava da mulher.


Não estava nem um pouco surpreso que ela não soubesse – não imaginasse
ou não acreditasse, que seja – sobre as pessoas que pagavam à diretora
daquele lugar pra conseguir adiantar todo o processo. Não sabia como ela
ainda estava ali.

Alexandre sempre via Nicole por lá. Mesmo sendo recente entre os
funcionários voluntários, a mulher já tinha conquistado boa parte das
crianças, e até mesmo alguns dos mais velhos.

Inesperado. Isso só fazia com que quisesse mais e mais distância da


mulher.

Ele tinha uma rotina dentro daquele lugar, algo que havia montado com
o passar de sua vida.

Domingos de corrida eram um ponto em especial dessa rotina. Não


importava o horário, a televisão era sua. Nem que precisasse brigar com
alguém pelo controle. Para a sua sorte, sua obsessão pelo automobilismo não
era algo apenas dele, e outras pessoas também pareciam se interessar.

— Meu marido trabalha com ele — Nicole disse, sentando-se ao seu


lado enquanto uma entrevista com Ivan Nikolaev passava na tela pequena da
sala.

Ele a fitou, erguendo uma sobrancelha.

— Duvido.

Nicole sorriu. Não de forma irônica ou debochada. Ela tirou o celular


do bolso, dando alguns toques antes de estender o aparelho na sua direção.
Era uma foto onde ela aparecia ao lado de um homem que Alexandre
não conhecia e o piloto da temporada, Ivan Nikolaev. O russo não parecia o
sério de sempre, mas exibia um sorriso, como se a companhia de Nicole e o
homem o deixasse puramente feliz. Ivan abraçava os ombros da mulher com
carinho. Muito carinho.

— É seu marido?

— Sim. Ângelo é fisioterapeuta de Ivan.

— E por que você trabalha aqui? — Por que você está perdendo tempo
aqui? Seria a pergunta mais próxima do que Alex queria dizer.

— Porque eu gosto, Alex — ela explicou, como se não fosse grande


coisa. Deveria ser? Alexandre não conseguia visualizar alguém realmente
gostando daquele lugar. Outros voluntários pareciam até tentar fingir que
sim, mas nunca conseguiam. — Você gosta de corridas?

Alex ergueu uma sobrancelha na direção de Nicole, porque não


esperava que ela continuasse puxando assunto.

Ninguém puxava assunto com ele.

— Gosto.

Nicole não o respondeu, porque a transmissão da corrida parecia mais


importante naquele momento. Mas havia um sorriso no rosto da mulher,
como se ela estivesse feliz com o andamento da conversa.

Ou, talvez, como se estivesse feliz em conseguir conversar com


Alexandre. Não era como se suas interações anteriores tivessem sido muito
boas.

— Você vai ler a minha ficha? — perguntou, em algum momento


durante a corrida.

— Não me importo com isso, não é da minha conta.


Alexandre não sabia ao certo o que pensar sobre aquilo. Nicole poderia
mentir, dizer que não se importava e apenas fingir que não tinha lido nada.

Só não parecia do feitio dela. Era ridículo que se sentisse tão seguro
sobre isso, considerando que não a conhecia de verdade. Mas sabia que
Nicole não mentiria caso lesse sobre o seu histórico.

O garoto se deixou relaxar no sofá, voltando a atenção para a corrida


que assistia ao lado de Nicole Duarte.
 
VINTE E QUATRO (flashback)

Nicole não levava jeito apenas com crianças e adolescentes. Ela levava
jeito com qualquer pessoa.

Mas, sim. Principalmente os mais novos.

Desde sua adoção, quando pessoas começaram a se interessar pelo novo


integrante da família de Ângelo e Nicole, ela deixou claro que jamais seria
uma obrigação que ele a acompanhasse em eventos e qualquer ocasião onde
não se sentisse confortável. Não importaria o que perguntassem ou o que
dissessem, ele não precisaria estar onde não quisesse.

Alexandre já havia levado tudo aquilo em conta quando concordou com


o processo de adoção. Ele sabia que fazer parte de uma família – qualquer
uma, até mesmo as que não tinham certa atenção da mídia como aquela –
cobraria algumas obrigações, mesmo que Nicole insistisse que não. Era o
mínimo diante de tudo que ela havia feito por ele, certo?

Certo. Alex estava certo que sim.


Seu primeiro jantar em um evento beneficente foi assustador, para não
dizer aterrorizante. Tanto Nicole quanto Ângelo deram o seu melhor para
que a sua presença não se tornasse alvo da atenção dos convidados, mas era
inevitável. Alexandre perdeu a conta de quantas pessoas se apresentaram
para ele, beijaram o seu rosto, elogiaram do seus cabelos aos pés. Que
menino lindo você arranjou, Nicole. Já pensou em procurar uma agência
para ele? Eu conheço um fotógrafo que tiraria fotos incríveis dele, assim
vocês poderiam… Ele não pertencia àquele mundo. Pensar que todos seriam
pelo menos um pouco como Nicole, até mesmo como Ângelo, havia sido
estupidez. Alex queria vomitar.

Felizmente, em um sentido figurado. Seu estômago ainda estava vazio


demais e seu apetite foi embora antes mesmo que o jantar fosse servido.

Nicole o encontrou um pouco mais tarde, no corredor das escadas de


emergência do lugar, um cigarro entre os lábios enquanto jogava um jogo
qualquer que havia acabado de baixar em seu celular novo. Esperava que
conseguisse sumir por uma hora ou duas sem ser notado antes de voltar para
perto da mulher, como se nada tivesse acontecido. Mas lá estava ela,
sentando-se ao seu lado no corredor empoeirado e sujo, não se importando
muito com o vestido que comprou apenas no dia anterior.

— O que conversamos sobre cigarros? — ela perguntou, calma. Alex


respirou fundo, apertando o espaço entre os olhos com a ponta dos dedos
antes de apagar o cigarro no chão. — Você ainda não tem idade pra fumar e
faz mal pra sua saúde, Xander.

— Foi mal. Roubei de um cara antes de vir pra cá — ele disse,


limpando a garganta quando percebeu o olhar impactado de Nicole na sua
direção. — Bom, não roubei dele. Da mesa dele. Foi um furto, não um
roubo. Merda. Foi mal, Nicole. Essa gente é um saco.

— Eu disse que você poderia ficar em casa, caso não quisesse vir.

— Eu queria vir. Não faria sentido não fazer parte da vida de vocês
também. — Não quando vocês já são uma parte tão grande da minha. Não
quando vocês mudaram a minha. Alex não continuou em voz alta. Não por
alguns segundos, pelo menos. O garoto esmagou o cigarro com um pouco
mais de raiva que deveria sob a sola do tênis vermelho. A única peça
colorida no conjunto de camisa social e calça preta. Também se sentia
ridículo naquela roupa. Mesmo anos depois, ternos e roupas sociais em um
geral ainda não o agradavam. Não da forma convencional. — Só acho que
eu não sirvo pra esse tipo de coisa. Quem fica do meu lado por mais de cinco
minutos já pode perceber isso. Tipo, o que eu tô fazendo com vocês? Essa
merda toda é completamente diferente de conversar com você quando eu
ainda morava com um bando de gente como eu.

Nicole permaneceu em silêncio, a ponta do salto alto batendo


suavemente contra o piso de concreto.

— Alex, você quer voltar?

— Não, Nicole. Porra, não. Não foi isso que eu quis dizer, foi mal. — O
garoto esfregou os olhos com os punhos fechados, esforçando-se para
respirar fundo. Que hora de merda pra não saber escolher as palavras,
Alexandre. É bem a sua cara. Menos de um mês que havia oficialmente se
mudado para o apartamento de Nicole e Ângelo, e já estava estragando tudo.
Achava que levaria mais tempo, pelo menos. Dois meses, talvez três. Talvez
tempo o suficiente para que completasse seus tão esperados dezoito anos e
Nicole já não tivesse desculpa nenhuma para mantê-lo por perto. — Eu não
quero voltar. Mas se você quiser que eu volte…

— Eu também não disse isso — Nicole o interrompeu, deslizando os


dedos pelos seus pulsos com cuidado. Se ele não quisesse ser tocado, diria.
Alex sempre dizia quando ser tocado por qualquer pessoa, até mesmo
Nicole, estava fora de questão. Alex não resistiu, então puxou os braços dele
para que pudesse olhar para o seu rosto. — O que foi, Xander?

— Por que você me escolheu?

Cedo demais para aquela pergunta, também. Mas não eram


desconhecidos, não haviam começado a interagir recentemente. Por mais
que suas conversas mais pessoais e íntimas de Nicole só viessem alguns
meses antes que ela mostrasse interesse na adoção, já se conheciam há três
anos.
Nicole sabia tudo sobre ele. Dizendo ou não.

— Porque eu nunca procurei por alguém que se encaixasse em gostos


ou preferências pessoais, eu não procurava por ninguém — ela explicou,
devagar. Algo que Alex também já sabia, mas talvez precisasse escutar mais
uma vez. Mais outras vezes. Ele se deixou ser abraçado pelo perfume doce.
— Porque eu penso em você o tempo todo, Xander. E, que eu saiba, isso
significa algo.

Alex esfregou o nariz, fungando profundamente entre os braços de


Nicole. Sabia que a vida fora do ambiente caótico e desconfortável – apesar
de ser uma zona de conforto – no qual havia crescido seria difícil, mas
achava que seria forte o suficiente para não chorar na primeira oportunidade.
Talvez não fosse tão forte assim. Não tanto quanto sempre se esforçou para
fazer parecer.

— Também penso em você o tempo todo.

Parando para pensar, anos depois, seria muito mais fácil para ambos
dizer eu te amo. Era o que aquilo realmente queria dizer, no fim. Mas talvez
não fosse o momento.

Definitivamente não era o momento. Nicole sabia que Alex já estava


assustado o suficiente para lidar com uma confissão do tipo. Dizer que
pensava em alguém o tempo todo era a forma mais leve, simples e
igualmente profunda de dizer que se ama alguém. Por qual outro motivo
você pensaria em alguém o tempo todo, afinal?

— Sobre as pessoas, você não precisa se encaixar. — Nicole deslizou


os dedos delicados entre os fios loiros bagunçados. — Faça com que gostem
de você do jeito que você é. Na verdade, sem a parte do furto, Xander. Não
vou defender isso.

Alex riu baixo sob o tom mandão de Nicole, porque até nisso ela seguia
sendo a pessoa mais doce que ele já encontrara na vida.

— Pode deixar, sem a parte do furto.

— Agora, você me dá os cigarros.


— Eu só roubei um — mentiu.

— Alexandre Duarte — ela repreendeu, devagar.

— Gosto do seu sobrenome em mim — comentou, inocentemente. —


Diz mais uma vez?

Nicole revirou os olhos, inclinando-se para roubar o maço de cigarros


do bolso da sua calça.

Mesmo sabendo que Alexandre ainda encontraria um jeito de conseguir


mais depois.

— Vem. Não vou deixar mais ninguém encostar em você.

Aos vinte e cinco anos, Alexandre Duarte mexeu com o maço de


cigarros guardado em seu bolso enquanto esperava por Nicole na entrada do
elevador. Quando ela finalmente apareceu, terminando de colocar o par de
brincos dourados, ele revirou os olhos.

— Nicole, você não tinha escolhido os brincos prateados?

— Não combinavam com meus sapatos — ela rebateu, se aproximando


para fechar os botões abertos da sua camisa preta, destacada pelos detalhes
bordados em vermelho. Alex tornaria a desabotoar os três primeiros depois,
quando ela estivesse ocupada demais cumprimentando suas dezenas de
amigos no jantar. — Lindo, Xander.

Alex se inclinou para beijar a testa da mãe.

Nicole era participante ativa de inúmeros eventos beneficentes.


Enquanto Ângelo preferia continuar trabalhando na Austrália, em uma
academia de pilotos, Nicole preferia viajar pelo mundo. Conhecer e ajudar
pessoas, deixar a sua marca. Alexandre a entendia mais do que imaginava,
mesmo que em aspectos e formas diferentes.

E Alex gostava de fazer companhia em seus vários eventos. Gostava de


ver o sorriso tomando conta do rosto da mãe.
— Você deixou suas malas prontas? — ela perguntou, no caminho.
Alexandre aproveitou o sinal vermelho do trânsito para olhar na direção da
mulher. — Sabe que não vai arrumar nada quando chegar. Você sempre fica
enrolando.

— Sim, senhora — ironizou. — Tudo pronto.

— Lembrou de pegar as suas camisetas lisas, e…

Alex sorriu com a preocupação, apenas assentindo para todas as


perguntas de Nicole.

Anos antes, ele jamais imagina um aspecto sequer de sua vida atual.
Jamais imaginaria ser um piloto de Fórmula 1, ter um título e correr ao lado
de pessoas a quem admirava desde adolescente. Jamais imaginaria ter a
oportunidade de conhecer o mundo.

Mas, principalmente, jamais imaginaria que faria parte de algo que


pudesse chamar de família. Nicole o havia proporcionado isso antes mesmo
que percebesse – afinal, o que era família para Alexandre antes de Nicole e
Ângelo? E continuava o fazendo desde então. Não parecia ter pensado em
abrir mão dele por um único segundo. Não, Alexandre duvidava que
abandoná-lo havia sido sequer uma opção em algum momento. Não como
ele esperava que aconteceria.

Mesmo que ele não merecesse. Mesmo que não fizesse nada à altura.
 
VINTE E CINCO

Alexandre não esperava ver o tempo carregado de nuvens acinzentadas


quando saiu do aeroporto. Era, no mínimo, preocupante. Circuitos com
chuva não eram lá seus favoritos.

Se não chovesse durante o final de semana, ele estaria feliz.

Ainda assim, o piloto ajustou os óculos escuros e o boné – não o com a


logo de sua equipe, mas um simples e discreto – sobre a cabeça, olhando ao
redor.

O Tesla inconfundível de Basile o esperava no estacionamento do


aeroporto. Alex puxou a mala um pouco maior do que a que costumava
carregar consigo, já que o período fora de casa seria maior.

O rapaz saiu do carro assim que se aproximou, já abrindo o porta-malas


para que pudesse colocar a bagagem ali.

— Você veio passar o mês e eu não tô sabendo? — ele resmungou,


encarando a mala prateada. — Você nem vai precisar de tantas roupas,
Alexandre.
— Por precaução — rebateu. — E eu não vou passar a semana inteira
nu na sua cama, Basile.

— Veremos. — Baz deu de ombros, despreocupado. Alex piscou,


observando-o voltar para dentro do carro.

Bom, não era como se esperasse uma festa de boas-vindas por parte
dele. Mas ainda achava um pouco estranho – não de um modo negativo – o
convite para passar a semana no apartamento dele.

Não, não estranho. Não era a palavra certa.

Inesperado. Do pouco que sabia dos aspectos mais pessoais de Basile,


tinha conhecimento de que seu apartamento era algo como um refúgio.
Privado. É possível descobrir muito sobre uma pessoa a partir do lugar em
que mora.

Então, bem, não era como se Alexandre se visse em uma posição na


qual Baz confiaria nele para existir nesse espaço. Não até o convite, pelo
menos.

— Tá a fim de passar no Palladium hoje? — ele perguntou durante o


caminho. — Acho que é dia de apostas.

— Pode ser, sim. — Alex pendurou os óculos escuros na gola da


camiseta. — Você não mora mais no mesmo lugar, né?

Basile balançou a cabeça negativamente.

— Moro mais perto do autódromo agora.

— Irônico — comentou. — Queria ficar mais perto do trabalho?

O francês revirou os olhos, sorrindo um pouco.

— Mais perto do restaurante da minha mãe.

Dessa vez, Alex permaneceu em silêncio. Não sabia como Basile lidava
com a partida da mãe, então como diria algo? Seria como se alguém
completamente desconhecido perguntasse sobre qualquer coisa da sua vida
antes da adoção.

Não que fosse um completo desconhecido para Basile. Ou, pelo menos,
gostava de pensar que não era.

Que seja.

— Eu não sabia que ela tinha um restaurante.

— É a referência pra quem quer comer bem perto do autódromo. Foi


assim que ela conheceu o meu pai. — Baz soltou uma respiração pelo nariz
que deveria ser uma risada, Alex imaginava, mas não soou como uma. — Eu
passo lá de vez em quando, nada mais justo que arrumar um lugar por perto.

— Claro — concordou, encarando as próprias mãos.

Baz entrou em um estacionamento fechado de um prédio, deixando o


carro na vaga marcada pelo nome "DEBRUYNE".

— Não é a vaga errada?

— O quê?! — Baz encarou a parede, levando alguns segundos para


entender a confusão. — Ah, não. É meu sobrenome. Por parte de mãe, no
caso.

Basile Debruyne. Isso era uma novidade.

— Combina com você.

— Eu sei — ele sorriu, saindo do carro.

— Você prefere usar esse sobrenome?

Baz pensou por um segundo antes de dar de ombros.

— Não me importo, na verdade. Usei Debruyne pra fechar o


apartamento, porque não queria chamar atenção de alguma forma com o
nome que vem de Bernard. E porque gostaram de mim quando eu disse que,
tecnicamente, o restaurante aqui perto é meu. Até me deram uma cesta de
doces esperando que eu, sei lá, desse descontos em um jantar.

Alex o seguiu até o elevador, olhando ao redor. Claramente era um


prédio mais confortável e aconchegante que a construção universitária onde
ele morava antes. Não era algo luxuoso, mas se parecia com um lar.

Alexandre tirou os tênis antes de entrar, mas o pouco que viu quando a
porta foi aberta mostrava bem isso.

Sem muita decoração além de algumas plantas e brinquedos para


Corvette. Cores neutras. Uma bagunça organizada.

— Oi — Baz disse, fechando a porta atrás do piloto.

— Oi — cumprimentou. — Apartamento legal. É a sua cara.

— Valeu, eu não quis mudar muita coisa do que era quando eu cheguei.
— Baz olhou ao redor, dando de ombros. — Espaçoso demais, eu ainda não
me acostumei.

— Você mora sozinho, é comum sentir isso.

— Deve ser — ele suspirou, afastando-se. Parecia procurar por algo,


olhando nos cantos atrás de móveis. Não algo, Alex concluiu. Basile puxou a
gata branca que estava na extremidade entre o móvel da televisão e a parede.
— Corvette também não se acostumou.

— Ela sempre fica escondida entre os móveis?

— Só quando eu passo muito tempo fora de casa — ele explicou,


sorrindo suavemente ao olhar Corvette. — Ela faz isso desde que nos
conhecemos. E foi difícil convencer que eu não queria machucá-la quando a
tirava de dentro do armário da cozinha.

Baz a deixou perto dos brinquedos antes de se aproximar outra vez.


Dessa vez, o francês o puxou pela gola da camiseta larga para um beijo.
Como se, só então, estivesse o cumprimentando como Alex esperava que
fosse quando o viu no estacionamento do aeroporto.
Dessa vez, não antes de um treino ou de uma corrida. Ainda estava
processando a informação de que teria uma semana livre perto do
engenheiro antes de precisar dividir o seu tempo entre ele e o trabalho.

Não que fosse uma divisão muito justa. Ultimamente, sua cabeça estava
muito mais presa em como encontraria um jeito entre um sábado e um
domingo para se encontrar com Basile. Um cara com quem não deveria
trocar uma palavra sequer sem ser notado – ou causar suspeita por parte do
seu chefe ou colega de equipe.

Alexandre pensaria mais sobre isso, se a mão de Baz não tivesse


puxado a sua atenção de volta para ele com uma facilidade impressionante.
Os dedos percorreram a sua cintura devagar, mas firmes.

— Se você estiver cansado da viagem, pode dormir até a hora do racha


— ele disse, baixo, os lábios pairando pelos seus.

Para falar a verdade, Alex estava cansado. Entre o jantar beneficente ao


lado de Nicole e o voo, estaria exagerando se dissesse que dormiu por mais
de trinta minutos. Não que não estivesse acostumado a virar noites, mas se
fosse mesmo para o bar depois, precisaria de algum descanso.

— Aceito, depois de um banho — cedeu, embora estivesse


profundamente tentado a dispensar para continuar beijando Basile.

Teria tempo para isso depois. Tempo de sobra. Mais uma vez, a saída da
rotina de contar os minutos para o momento em que ele deixaria o seu quarto
ainda não fora completamente processada.

— Deixei uma toalha pra você no banheiro do quarto — Baz informou,


deixando um beijo sobre o seu lábio inferior antes de se afastar. — É a
segunda porta do corredor, você pode deixar a sua mala lá.

Alex o observou ir até a cozinha e pegar o que parecia ser um sachê


com comida para gatos antes de ir para o quarto.

Mandou uma mensagem para Nicole para dizer que estava tudo bem,
que pousou em segurança, e outra para Jolene, para dizer que já estava com
Baz. Não daria dez minutos para que ela respondesse com algo sobre não
fazer algo que ela não faria – o que era arriscado, porque Jolene não era lá a
pessoa mais responsável do mundo.

Apenas depois de um banho quente e de se livrar das roupas da viagem,


vestindo algo o mais confortável possível, Alex saiu do quarto. Baz digitava
algo em seu celular enquanto deslizava os dedos da mão livre entre a
pelagem da gata, que parecia confortável em seu colo.

Ao vê-lo ali, o francês ergueu uma sobrancelha.

— Aconteceu alguma coisa?

— Bom, eu não estou acostumado a chegar na casa de alguém pela


primeira vez e me apossar da cama pra um cochilo sozinho.

Baz sorriu, e foi o suficiente para fazer Alex revirar os olhos, porque
sabia que sairia alguma piadinha ridícula da boca dele nos próximos
segundos.

— Mon chéri, você poderia simplesmente me pedir pra dormir com


você.

— Convencido, eu só tenho o mínimo de modos.

— Me seduzindo desse jeito, como eu poderia negar? — Baz continuou


provocando, beijando suavemente a cabeça da gata antes de tirá-la do
próprio colo. Corvette não pareceu se importar, simplesmente se
aconchegando no canto do sofá para continuar descansando.

— Você é ridículo.

Basile tirou a camiseta que usava, jogando-a sobre a cabeceira da cama


antes de se acomodar sobre o colchão. Ele deu alguns tapinhas ali para
indicar que se deitasse também.

— Também quer que eu conte uma história? — ele tornou a provocar, o


que lhe rendeu outra revirada de olhos por parte do piloto.
— Quando eu sair daqui pra passar a semana sozinho em um hotel, não
reclame.

— Você nunca faria isso. — Baz deslizou os dedos pelos fios escuros e
rebeldes, inclinando-se o suficiente para deslizar os lábios pela curva entre o
seu pescoço e seu ombro. Mesmo se tentasse, Alexandre seria incapaz de
conter o suspiro que saiu de sua boca. — Se eu te disser pra ficar, você vai
ficar.

— Você é muito confiante pro meu gosto.

— Posso citar várias situações em que você fez o que eu mandei sem
reclamar — Baz rebateu. E, merda, Alex sabia que ele poderia mesmo. O
moreno mordiscou o seu ombro antes de se afastar, apenas o suficiente para
deitar a cabeça no travesseiro. — Durma, mon chéri. Você não vai ter tempo
pra descansar durante a noite.

Só então, talvez, Alexandre tenha realmente se dado conta do quão


cansado estava. Ele dormiu em questão de poucos segundos, sob a sensação
dos dedos de Basile deslizando pela sua espinha, enrolando no cabelo loiro
escuro e ondulado.

Mas, quando despertou, estava sozinho. O quarto estava mais escuro do


que quando dormiu, o que indicava que já era noite. Porra, era pra ser um
cochilo.

Alex respirou profundamente por um segundo, passando as mãos pelo


rosto antes de se pôr de pé. Podia escutar uma conversa abafada pela porta
fechada do quarto. Se não tivesse escutado Basile chamando a outra pessoa
pelo nome – Moreau –, pensaria que era alguém que não deveria saber da
sua presença ali.

A conversa cessou momentaneamente quando apareceu na sala,


atraindo o olhar tanto de Moreau quanto de Basile. Erguendo uma
sobrancelha, Moreau disse algo na direção de Baz, que respondeu com um
sorriso torto.

— Boa noite, eu tenho a impressão de que sou o assunto dessa conversa


e gostaria de, no mínimo, entender o que vocês estão falando — resmungou,
tentando e falhando em arrumar o cabelo.

— Ele perguntou por que tem um piloto sem camisa no meu


apartamento, porque tem inveja — Baz respondeu, simplista. Ele parecia
pronto para sair, e Alex se sentiu subitamente mal por dormir tanto quando
tinham combinado que sairiam quando anoitecesse.

— E ele respondeu que é porque queria testar sua resistência de


campeão mundial — Moreau concluiu, o inglês dele muito mais carregado
pelo sotaque francês do que o do amigo.

— Suas fantasias sexuais sobre mim são tão públicas assim? —


perguntou, observando Basile se levantar e aproximar.

— Foda-se, ele não vai saber das melhores partes — Baz disse baixo o
suficiente para que o amigo não o ouvisse. Então beijou o canto da sua boca.
— Conseguiu descansar, mon chéri? Sua cara melhorou um pouco.

Alex ainda precisou de alguns segundos processando a aproximação e a


pergunta feita na frente de outra pessoa. Não que Moreau fosse uma
preocupação – não o conhecia bem, mas a confiança de Basile nele
significava algo –, contudo por não esperar qualquer coisa na presença de
uma terceira figura. Talvez estivesse acostumado demais em esconder tudo
de todos, até mesmo daqueles que jamais pensou que esconderia algo tão
simples quanto um ficante.

Ficante? Sim. Ficante.

— Deu pra recuperar as energias — respondeu, por fim. — Eu nos


atrasei?

— Não, ainda é cedo. Eu saí pra comprar as coisas pro almoço de


amanhã. Eu não tinha muito do que você come.

Considerando que, até onde sabia, a alimentação de Baz consistia em


carboidratos de sobra, aquilo era muita coisa.

— Baz, eu estava brincando quando disse que você teria que manter a
minha dieta. Eu até pesquisei restaurantes por aqui que preparassem o que eu
costumo comer.

— Cala a boca, não tenho como devolver as compras agora — ele


resmungou, gesticulando com a mão. — Nós saímos em vinte minutos, pode
ser?

— Me diz uma coisa, Dom sabe sobre isso aí? — Moreau perguntou,
gesticulando na direção dos dois. Alexandre agradeceu mentalmente o claro
esforço que ele estava fazendo para falar em uma língua que entendesse na
sua frente.

Baz fechou a cara quase imediatamente.

— Não é da conta dele — ele resmungou, ríspido, antes de completar


com algo em francês.

— Vou roubar aquela corrente de prata que você deixou no banheiro,


espero que saiba disso — Alex disse, mudando o assunto. — Não me deixe
ter acesso aos anéis, você vai acabar perdendo todos pra mim.

— Vou colocar um cadeado no meu armário.

— Não é como se você já não tivesse saído dele há anos, não faz mais
muita diferença — Moreau brincou. Quando Baz ergueu o dedo do meio na
direção dele, o rapaz sorriu e se levantou. — Eu tenho que chegar mais cedo
pro meu turno, então vejo vocês lá. Bom te ver, Duarte. Me avise se
precisarem de uma terceira pessoa.

— Não tenho nada contra a ideia. — Deu de ombros, atraindo um olhar


quase chocado de Basile.

— Eu vou fingir que você não insinuou isso pra não ficar pensando
sobre pelo resto da noite. — Baz tirou o celular do bolso. — Você tem
quinze minutos pra deixar a bunda pronta pra ir.

— Sim, senhor — ironizou.

— Hora errada pra me chamar assim, mon chéri.


Alexandre riu a caminho para o quarto.

Não esperava sair para qualquer lugar durante a noite. Imaginava que
Basile o faria visitar um local turístico qualquer, como normalmente faziam.

Restava-lhe usar uma calça jeans e uma camiseta preta básica, além da
corrente prateada de Basile que estava sobre a pia do banheiro.

— Com que frequência você faz abdominais? — o francês perguntou


assim que deixou o quarto pela segunda vez.

— Todos os dias, ou quase — respondeu, erguendo uma sobrancelha.


— Por quê?

— Sua cintura é absurdamente bonita.

— Obrigado?

Baz sorriu, girando as chaves do carro antes de jogá-las na sua direção.

— Você dirige hoje.

— Sério? — Alex não tentou esconder a animação, olhando o chaveiro


do Tesla em suas mãos.

— Não vamos falar sobre isso, não quero mudar de ideia. — Basile
puxou o casaco de couro que estava jogado sobre o sofá, inclinando-se para
beijar a cabeça de Corvette. — Um arranhão e eu te chuto pra fora.

— Não seria mais fácil, sei lá, levar no Dom?

— De todos os lugares possíveis, eu levaria meu carro pra um cinema


antes de pensar em levar pro Dom — Baz disse. Se era para soar como algo
irônico ou não, Alex não sabia. Mas soou ácido, quase magoado. Talvez o
assunto de demissão realmente não fosse tão simples quanto pensava.

Poderia deixar o assunto para depois.


— Você age como se não tivesse uns dez carros melhores que esse —
Baz zombou, observando-o admirar o painel do carro. — Eu vi aquela
entrevista em que você mostrou a sua garagem. Sinceramente, é ridículo.
Você mal sai de casa quando não tá viajando.

— Por que todo mundo gosta de julgar minha admiração por


automóveis? — rebateu.

— Porque é o mínimo. É um dos momentos em que eu me pergunto por


que continuo saindo com você. — Quando Alex o fuzilou com o olhar,
Basile sorriu. — Vamos, mon chéri. Se você se comportar, posso pensar em
te deixar dirigir na volta também.

— Ah, você faria isso? — devolveu, seco.

— Eu sou um cara bem legal.

— Claro — bufou, olhando pelo retrovisor para sair do estacionamento


enquanto Basile colocava o endereço do bar no GPS.

As proximidades do prédio onde Basile morava eram tranquilas, apesar


de consideravelmente turísticas. Os restaurantes eram familiares demais para
qualquer tipo de tumulto.

Bem diferente do ambiente que era o Palladium. Ao virar uma rua, já


era possível ver os carros acumulados e as pessoas entre eles.

O Palladium estava longe de parecer caro, mas tinha o seu charme. Não
apenas pelos carros caros e coloridos – o que chamou a sua atenção da
primeira vez –, mas pela decoração neon e a música chamativa.

— Para o carro por aqui, não quero deixar entre o resto do pessoal —
Baz instruiu, apontando para uma das vagas livres no início da rua.

Alex assentiu, parando onde ele havia indicado.

— Não tem mesmo problema em me trazer aqui? — perguntou,


olhando na direção do aglomerado de sessenta pessoas e um pouco mais, se
considerasse que provavelmente havia mais pessoas dentro do
estabelecimento.

Basile pareceu confuso.

— Por que teria?

— Bom, sei lá. Você sabe, eu não quero causar confusão caso alguém
me reconheça — explicou, dando de ombros. — Não que eu vá chamar
atenção, eu sei ficar no meu canto, mas…

— Mon chéri, eu vou te explicar algo sobre o Palladium — Baz disse,


calmamente. — Nós permitimos que essas corridas aconteçam, que essas
pessoas continuem participando disso como se não fosse proibido. A maior
parte da galera é universitária e, durante uma semana cansativa, é um lugar
isolado e legal pra fingir que o resto do mundo não enche o nosso saco.
Ninguém vai fazer qualquer coisa que chame atenção da polícia ou de
pessoas de fora. Isso inclui surtar sobre a sua presença.

— Mas, da primeira vez que eu apareci…

— Eu disse que não queria você aqui por isso, eu sei — ele suspirou,
dando de ombros. — Eu só queria que você vazasse, senso de proteção pro
caso de você implicar com o lugar ou algo assim.

Alexandre o fitou.

— E você foi comigo pro hotel mesmo assim.

— Você é gostoso, o que esperava que eu dissesse? — Baz usou o


espelho do retrovisor para arrumar o cabelo antes de se inclinar para beijar o
seu lábio inferior. — Resumindo, pode fazer o que quiser ali. Teoricamente,
você é amigo de Moreau, e ele tem a maior moral entre a galera. Se alguém
te reconhecer e ele disser pra não tirar fotos, não vão tirar fotos. E tem os
pontos extras de ser meu amigo, teoricamente. Eles me amam.

— Amam, é?
— Com exceção dos que deviam grana pro Dom, mas isso é uma outra
situação. — Baz puxou o vape do bolso, saindo do carro em seguida.

Alex o acompanhou, alguns passos atrás.

Observou algumas pessoas se aproximarem de Baz e o


cumprimentarem como se não o vissem há eras – o que era o caso, se o
trabalho o estivesse impedindo de aparecer também no bar com a mesma
frequência do ano anterior. Como se a sua presença fosse algum motivo para
comemorar. Mesmo que não entendesse nada do que diziam ali, era notável
como estavam animados com a sua presença.

— Vem. — Ele gesticulou, indicando o interior do bar.

Moreau estava atrás do balcão bebendo algo avermelhado, como se não


estivesse no meio do seu turno. Basile disse algo em francês para o amigo,
que se limitou a assentir com a cabeça e empurrar uma cerveja na direção do
moreno.

— Você quer alguma coisa sem álcool? — Baz perguntou, fazendo uma
careta quando o amigo roubou o vape da sua mão.

— Uma água com gás — assentiu.

— Qualquer coisa pra você, amor — Moreau soltou, fazendo Basile


revirar os olhos.

— Você pode parar de dar em cima dele?

— Ciúmes? — Alex provocou, soltando uma risada quando ele bufou.

— Não, ele só vai ficar insuportável se você der muita moral.

Moreau empurrou uma garrafinha de água com gás na sua direção, e


Alex agradeceu com uma piscadela. Só para irritar Basile.

— Pelo amor de Deus, vocês são nojentos — ele resmungou.


— Até onde eu me lembro, é no seu apartamento que eu vou passar a
noite. — Alex abriu a garrafinha de água com gás, olhando ao redor. —
Quem vai correr hoje?

Baz acompanhou o seu olhar por um momento antes de apontar para


um pequeno grupo aglomerado do lado de fora.

— O cara de vermelho e o de verde. Mas eles não rendem muita coisa,


mal sabem usar a marcha direito — ele explicou. — Gosto do Christian, o
que tem o piercing na sobrancelha.

— Só porque ele vive te pedindo jogos de pneus novos — Moreau


disse. — E pagava a mais quando era você na oficina.

— Gosto de quem me banca.

— Anotado. — Alexandre analisou o rapaz por mais alguns segundos,


descendo o olhar pelas tatuagens que tomavam conta de seus braços. Tinha
menos que Baz, mas ainda eram muitas.

Aparentemente, ele percebeu que estava olhando. Porque acenou com a


cabeça na sua direção suavemente, um meio sorriso tomando conta do seu
rosto.

— Até o final da noite você já vai ter feito o bar inteiro se apaixonar
por você — Baz comentou, revirando os olhos ao beber mais um gole.

— É o meu charme natural.

— E eu achando que fosse só exagero dos sites de fofoca. — O moreno


soltou parte da fumaça que havia inspirado pelo nariz antes de liberar o resto
pela boca. — Parabéns, Garoto de Ouro.

Alex poderia jurar que o seu estômago se contorceu um pouco ao ouvi-


lo. O brasileiro se esforçou para beber um longo gole da água antes de falar
algo.

— Não me chame assim — pediu, devagar.


Basile olhou na sua direção, erguendo uma sobrancelha, como se a
reação fosse completamente inesperada. Alex imaginava que realmente
fosse, mas não era como se fosse explicar algo sobre aquilo para ele.

Ou para qualquer pessoa.

— Por quê?!

— Só… não. Não me chame assim, Basile — repetiu. Poderia ignorar o


mundo inteiro o chamando daquela forma, mas não Baz ou qualquer outra
pessoa com quem convivesse.

— Certo. Eu vou falar pro pessoal se preparar, já volto. — O moreno se


afastou, parando para falar com uma pessoa ou outra.

Ao mesmo tempo em que, depois de cumprimentar Basile rapidamente,


Christian se aproximou. Ele pediu uma água para Moreau antes de virar-se
na sua direção.

— A moral daqui subiu pra termos a honra da presença de uma


celebridade? — o rapaz perguntou, descendo o olhar pelo seu pescoço. Alex
não sabia nada sobre Christian, mas poderia chutar que ele não era francês.
Havia um sotaque no seu inglês, mas não como em Baz ou, principalmente,
Moreau.

Moreau falou algo em francês, citando o Beauchene. Christian ergueu


uma sobrancelha, exibindo um sorriso muito mais interessado.

— Amigo de Basile, entendi. — Christian estendeu a mão. — É um


prazer te conhecer, Alexandre. Meu nome é Christian. Posso pagar uma
bebida pra você?

— Chris — Moreau repreendeu.

— O quê?! É só uma bebida, Baz não pode latir pra mim por isso.

— Sou o motorista da noite, não vai rolar. — Alex balançou a


garrafinha de água. — Mas obrigado.
— Eu até te chamaria pra dar uma volta depois, mas acho que a minha
jogada de usar o meu carro pra impressionar alguém não funcionaria nesse
caso.

Talvez Alex tivesse um tipo. No geral, qualquer cara com mais


tatuagens que pudesse contar. Christian era inegavelmente bonito.

Não que pensasse em ter qualquer coisa com ele, nem mesmo de uma
noite. Mas, bem, sabia que não tinha lá muita autopreservação.

— Pra sua sorte, eu não sou muito exigente — respondeu, por fim.
Quando notou o olhar de Basile, que ainda estava do lado de fora, o piloto
sorriu um pouco mais. Porque Baz não parecia irritado, chateado ou
qualquer coisa do tipo ao vê-lo conversando com outro cara. Na verdade, ele
parecia até se divertir com a situação. — Mas acho que já tá na sua hora de
correr. Ouvi dizer que você é a promessa da noite.

— Claro. — Christian começou a se afastar, ainda olhando na sua


direção. — Se eu ganhar, você bebe comigo?

— Motorista da noite, Christian — relembrou.

— Eu dou um jeito nisso. — Christian parou ao passar do lado de onde


Baz estava. Eles pareceram trocar algumas palavras em francês, Basile
empurrando o seu ombro na direção do carro verde estacionado logo ali.

— Chega de flertar, mon chéri — Beauchene disse, na sua direção


dessa vez. — Acho bom você apostar contra Christian.
 
VINTE E SEIS

Basile observou Alexandre fumar um cigarro enquanto conversava com


uma garota.

O racha da noite havia se iniciado há cerca de dez minutos, mas ainda


levaria algum tempo para terminar. Se Alexandre estava interessado em
acompanhar no início, ele não parecia mais.

Não que isso incomodasse Baz. De forma alguma, na verdade. Sabia


que, no fim da noite, ainda seria para o seu apartamento que o piloto iria,
independentemente de quantas pessoas ele chamasse a atenção ali – e não
eram poucas, mas aquela garota em especial parecia determinada a arrancar
uma casquinha de Alexandre.

Ele era como um camaleão, e Basile já havia percebido isso há algum


tempo. Não de maneira ruim. Pensava ser uma questão de fingir ser alguém
que não era, mas era algo mais. Alexandre sabia se adaptar a qualquer
ambiente em que estivesse para fazer com que as pessoas ao redor gostassem
dele, aprovassem quem ele era. Naquela noite, ele não parecia o piloto de
Fórmula 1 mundialmente famoso, a presença requisitada em inúmeros
eventos e entrevistas ao redor do mundo, o cara que estampava propagandas
de marcas grandes e só tinha em seu closet roupas que pareciam valer mais
que um ano de aluguel do antigo apartamento de Baz. Parecia um cara
qualquer, que talvez Basile encontrasse andando na rua, entre os corredores
de sua antiga faculdade, comprando macarrão instantâneo e iogurte natural
em um corredor do supermercado. Autopreservação. Afinal, se ele agisse ali
como a estrela que era, não se encaixaria e chamaria mais atenção. Basile
imaginava que isso viesse de muito antes da fama, muito antes que ele fosse
reconhecido como parte da família de Nicole e Ângelo. Antes da sua adoção,
o que já parecia ser uma zona de conversa proibida em todas as hipóteses.

Baz tinha a impressão de que nunca seria uma conversa, não importava
quanto tempo passasse. Alexandre também cortava o assunto com as pessoas
mais próximas dele, como seus companheiros de equipe ou até a atriz – de
quem Baz nunca lembrava o nome – que o mundo jurava que era a namorada
dele? Com seus pais adotivos? Era de se imaginar que sua família soubesse
de seu histórico, mas não significava que falassem disso.

O que tinha de tão ruim no passado de Alexandre?

A garota que o abordou era bonita. Tinha o cabelo longo pintado de um


tom chamativo de laranja e uma maquiagem bem feita. Parecia o tipo de
Alexandre, se é que o rapaz tinha mesmo algum tipo.

Baz era o tipo de Alex? Não sabia de seu histórico com outros caras
para opinar sobre isso.

— Vai mesmo deixar ele cair na rede da Veronica? — Moreau se


inclinou na sua direção, um sorriso travesso tomando conta do seu rosto.
Quando Baz apenas deu de ombros, virando o resto de sua cerveja, o amigo
ergueu uma sobrancelha. — Você gosta? O que é isso, algum fetiche que
vocês têm? Quer dizer, eu sempre soube que essa galera famosa esconde
esses fetiches, mas você…

— Não é um fetiche, babaca. Por que eu me importaria se não


namoramos?

— Você genuinamente não liga?

— Não dou a porra da mínima — respondeu, simples.


— Imaginei que vocês tivessem algum acordo sobre isso. Sabe, já estão
nessa há meses.

— Eu poderia citar os acordos que temos quando estamos fodendo, mas


é pessoal demais até pra mim. — Baz olhou novamente na direção de
Duarte, que tinha uma mão percorrendo a cintura da tal Veronica enquanto
sussurrava algo no ouvido dela. Considerando a expressão da garota, era
algo bom. Talvez bom ainda fosse pouco. — Você sabe que eu não me
importaria de ter uma terceira pessoa nesses casos, desde que fosse um
homem.

— Bom, mas todas as outras vezes foram com pessoas que você
conhecia em um dia e já podia fingir que nunca tinha visto depois. Não com
um… ficante fixo. Espera, você o deixaria chamar outro cara?

— Você soa como um conservador. É sexo, Moreau.

— Não sou conservador, só quero colocar o meu nome na lista.

— Você não vai encostar um dedo nele, menos ainda se eu estiver


junto.

— Nunca me arrependi tanto de ser seu amigo — Moreau suspirou,


inclinando a cabeça para observar a cena de Alexandre, que já estava com a
boca no pescoço da garota. — Nossa, ele é bom. Garoto de Ouro e coisa
assim, né.

Garoto de Ouro. A reação de Alexandre quando Basile o chamou dessa


forma foi, no mínimo, inesperada. Ele pareceu irritado, mas também
decepcionado. Como se Baz o chamando pelo apelido que o mundo o havia
dado em seu primeiro ano na Fórmula 1 fosse decepcionante. Ele nunca
reclamou antes, por que naquele momento? Não se importar com o título
também era uma mentira?

— Não o chame assim — murmurou. — Ele não gosta.

Basile desviou o olhar quando dois carros viraram a esquina no final da


rua, apenas alguns minutos antes do previsto.
Como o esperado, o carro de Christian estava na frente. O filho da puta.

— Quem diria que o cara com um 720S venceria outra vez — Moreau
ironizou, afastando-se quando o carro de Chris parou em uma derrapada que
era bem a cara dele, o típico movimento para chamar ainda mais a atenção
para si.

Basile observou o inglês sair do automóvel, um sorriso convencido no


rosto suado.

— Ele se ofereceu pra pagar uma bebida pra mim. — Alexandre estava
ao seu lado, equilibrando o cigarro entre os lábios. Poderia jurar que o
cabelo dele não estava tão bagunçado como naquele momento cinco minutos
atrás.

— Você se livrou de Veronica bem rápido — comentou, descendo o


olhar pelos lábios levemente inchados do rapaz.

— Não me livrei de ninguém, ela só voltou pro grupo de amigas dela.


— Ele acenou na direção da garota, que estava entre cinco ou seis garotas.
Veronica soltou uma risadinha ao acenar de volta. — Me diz, qual é o seu
lance com o Chris?

— Ele é um cliente antigo do Dom, só isso.

Alexandre ergueu uma sobrancelha.

— Só isso?

— Saímos algumas vezes.

— E..?

— E nada, mon chéri. Ele é bonito e tem a grana que o pai dá todo mês,
mas não é lá muito interessante, se você separar o carro dele.

— E eu sou interessante? — Alex perguntou, inclinando levemente a


cabeça com seu sorriso divertido, alguns fios loiros começando a cair pela
sua testa. Se ele não os cortasse, logo precisaria prendê-los para evitar que
caíssem pelo rosto. Se não estivessem em um lugar aberto, teria o beijado ali
mesmo.

Muitas cores. A maioria tão vibrante que Basile poderia jurar ser o
suficiente para fazer a sua cabeça doer, mas gostava. Gostava muito.

— Você é? — devolveu.

— Me responda você.

— Sua companhia é… prazerosa — soltou, porque não sabia ao certo


como dizer para alguém que gostava da sua companhia sem parecer ridículo.

— Eu tenho certeza que é a primeira vez que você é minimamente legal


com as palavras — Alex ironizou. — Doeu muito?

— Não tanto quanto vai doer quando eu te trancar no quarto mais tarde.

— Kinky, gostei.

É claro que Alexandre gostava. Deveria se surpreender?

Basile continuou bebendo quando um grupo de conhecidos se juntou ao


lado de Moreau, Christian incluso. Pareciam realmente interessados em
conversar com Alexandre, de uma forma que o piloto não pareceu nem um
pouco incomodado. Ele falou sobre a rotina de treinos em casa, alimentação
e preparação para as corridas e até mesmo sobre toda a parte da engenharia
dos carros.

— Dá pra entender por que você gosta dele. — Christian se aproximou,


recostando-se no carro ao seu lado. — Ele é meio nerd igual a você.

Baz o encarou, erguendo uma sobrancelha.

— Não sei o que você quer dizer.

— Por favor, Baz. Ninguém tá caindo na conversa de que você trouxe


um cara pro Palladium, que é quase o seu santuário, e ele é só um amigo —
Christian riu. — E, se estivesse enganando alguém, seu olhar também
denuncia tudo. Você olha a estrelinha como se quisesse engolir o garoto
enquanto ele fala sobre o funcionamento dos motores do próprio carro.

Revirou os olhos.

— Não te culpo, ele é bem gostoso. — Baz o fuzilou com o olhar ao


ouvir isso. — Ei, relaxa. Ele até se recusou a beber comigo.

— Baz, acho que já deu a minha hora — Alex disse, aproximando-se


calmamente. Ele acenou com a cabeça na direção de Christian antes de
continuar. — Não posso abusar dos dias livres pra perder a minha rotina de
sono, você sabe.

— Claro que não pode — disse, tornando a olhar na direção de


Christian. — Até qualquer dia.

— Até. — O rapaz acenou, cruzando os braços sobre o peito. — Você


não vai voltar pra oficina, né? O garoto novo que o Dom arranjou é uma
merda, mal sabe trocar um pneu.

Baz parou. Sem reação.

— Eu não sabia que ele tinha contratado alguém — disse, devagar, na


direção de Moreau. O merdinha que não disse nada sobre isso. Moreau o
encarou como se o pegasse no flagra, o ridículo.

— Acho que é mais um estagiário, ele ainda está ensinando as tarefas


mais difíceis.

— Não torna o garoto menos incompetente — Chris rebateu. — Ele


deixou um dos meus pneus novos cair.

— Moreau, quanto tempo depois que eu fui embora esse… garoto


chegou?

— Sei lá. Um mês, talvez.

O queixo de Baz quase caiu.


— Baz, vamos embora — Alex disse. — Depois você pensa nisso, tudo
bem?

— Você deveria ter me dito. — Baz apontou para Moreau, mas não deu
tempo para que ele desse uma resposta antes de se afastar, ao lado de
Alexandre, para entrar no carro e ir embora.

Alex permaneceu em silêncio enquanto dirigia. Enquanto estavam no


elevador e enquanto Baz colocava comida para Corvette, segurando-a no
colo como se quisesse impedir que ela fosse embora. Como se ela tivesse
algum motivo para ir embora.

— Eu vou pro chuveiro — o piloto disse, por fim. — Tem algo que eu
possa fazer?

— Não. — Baz se sentou no sofá com a gata.

Alexandre o encarou por mais alguns segundos antes de virar na


direção do quarto. Baz estava claramente chateado, mas talvez não quisesse
falar.

Ou, talvez, só não sentisse que tivesse o direito de falar sobre. Alex
entendia bem esse sentimento.

O piloto voltou para a sala, enfiando as mãos nos bolsos do casaco


tensamente.

— Quer falar sobre o Dom comigo? — ofereceu, com cuidado. Baz


olhou na sua direção com uma sobrancelha erguida. Alex limpou a garganta.
— Se você quiser.

— Não é nada demais, talvez eu só esteja exagerando.

— Você ficou chateado, então acho que é algo.

Basile respirou fundo, balançando a cabeça.

— Dom deve ser o mais próximo que eu já tive de uma família, e


mesmo assim ele me mandou embora na primeira oportunidade. Pra achar
um outro garoto qualquer pouco depois. — Baz deslizou os dedos entre as
orelhas de Corvette, que amoleceu um pouco mais no seu colo. — E é
engraçado, porque ele disse que nunca faria algo que me machucasse.

— E se ele não fez com o intuito de te machucar? — Quando Baz o


encarou, Alex engoliu em seco. — Eu sei que você pensa que ele fez por
algum motivo egoísta ou simplesmente porque não liga pra você. Mas, bem,
parece que você nunca ouviu a versão completa dele. Não vale a pena tentar?

— A versão completa é que o meu pai pediu pra me chutar pra


academia de engenheiros da equipe e ele me demitiu. Simples.

Alexandre suspirou ruidosamente.

— Vocês me pareceram próximos desde que eu fui na oficina pela


primeira vez, e eu mal te conhecia naquela época — ele explicou. — Eu
gosto de pensar que família de verdade não faz nada com um intuito
negativo. Dom é a sua família de verdade?

Baz não respondeu. Era? Provavelmente. Tinha um pai que parecia


empenhado em infernizar a sua vida, uma mãe que já havia falecido e Dom.
Dom, que ensinou tudo o que sabia para trabalhar na oficina. Que o fez
estudar mesmo quando não queria, porque seus estudos deveriam vir antes
do trabalho. Que o aceitou quando tinha certeza de que não seria aceito. Que
se certificou de que estaria em segurança onde quer que estivesse.

Isso era ser família, certo? Era o que filmes passavam, e mesmo que
Dom tivesse o feito de uma maneira um pouco desviada, ainda havia tornado
Basile quem ele era. E Basile gostava de quem era, de quem se tornou graças
a Dom.

— Amanhã, nós vamos até a oficina e você vai conversar com ele —
Alex declarou, um sorrisinho cruzando o seu rosto. — Não me olhe assim,
você sabe que quer isso. Nada de ser orgulhoso por aqui. Veja pelo lado
bom, você vai até ver pessoalmente esse tal garoto que ele contratou.

Alexandre tinha um ponto, Baz precisava admitir. Por motivos um


pouco egoístas demais, queria ver com os próprios olhos. Para ter a certeza
de que quem quer que fosse o novo funcionário de Dom, não era alguém
melhor.

— Mas agora — Alex continuou, inclinando-se na sua direção para


beijar o seu lábio inferior — nós vamos pro chuveiro, e eu vou tirar isso da
sua cabeça.
 
VINTE E SETE (flashback)

Basile teve os fones arrancados do seu ouvido quando Aneurysm, do


Nirvana, ainda estava na metade. Ele olhou na direção de Dom com uma
expressão fechada.

— O que foi?

— Hoje é seu aniversário, garoto. O que você tá fazendo aqui? — o


mais velho perguntou, cruzando os braços.

— Trabalhando. O que mais eu estaria fazendo?

— Sei lá, enchendo a cara. Não é o que os delinquentes da sua idade


fazem com dezoito anos?

— Uau, cara. Você me chama de delinquente na minha cara bem no


meu aniversário. — Baz balançou a cabeça, voltando a atenção para o carro
no qual estava trabalhando.

— Não finja inocência, não é como se você não fosse um.


— Mas é indelicado falar isso em voz alta. — Diante do silêncio, Baz
levantou o olhar para o homem. Dom o encarava como se estivesse se
segurando para não socar a sua cara. Típico. — Não quis comemorar. Acho
que vou dar uma volta no Palladium mais tarde, mas não é nada demais. É só
mais um dia normal.

Dom revirou os olhos, jogando um pano limpo na sua direção.

— Limpa as patas, nós vamos sair.

Baz o encarou, confuso. Mas logo o acompanhou enquanto limpava as


mãos no pano.

— Para onde nós vamos?

— Tá afim de fazer mais uma tatuagem?

Definitivamente. Perto de Dom, Basile ainda não tinha muitas aos


dezoito anos. Não além de algumas que lhe cobriam o braço esquerdo e parte
do direito.

— Se eu tivesse grana…

— Eu pago. — Dom deu dois tapinhas na bancada da entrada da


oficina, chamando a atenção de Moreau, que jogava algo em seu celular.
Como sempre. Basile não sabia por que Dom continuava pagando o garoto
para não fazer porra nenhuma naquela mesinha o dia inteiro. — Fecha tudo,
Moreau. Nós vamos sair.

— Tá brincando comigo, né? — Baz perguntou. — Eu fiz alguma coisa


legal e você tá me recompensando?

— Sim. É seu aniversário. — Dom jogou as chaves do portão principal


para Moreau, que já estava fechando as portas da entrada secundária. — Nós
vamos fazer tatuagens, menos você, Moreau. Sua mãe me mataria.

— Relaxa, eu tenho medo de agulhas. — O garoto, que ainda era um


pouco mais novo que Baz, deu de ombros. — Mas fico legal se você
comprar bolo.
— Pode ser.

Baz iria colapsar.

— Qual é, Dom. Não precisa — disse, devagar.

— Uhum — Dom respondeu, deixando claro que não estava dando a


mínima. — Eu acho que vou fazer uma na perna, e você?

O rapaz revirou os olhos, olhando na direção de Moreau quando o


amigo cutucou o seu ombro.

— É seu aniversário. Vamos comemorar.

Baz pretendia comemorar de alguma forma, como encher a cara no


Palladium, mas sem incomodar Dom. Ele havia comentado no dia anterior
que estava com problemas com fornecedores de peças ou algo assim, o que
automaticamente o deixava mais pilhado que o normal. Baz não queria
atrapalhar – era um dos motivos pelos quais escolheu trabalhar no seu
aniversário, também, para aliviar o serviço das costas do mais velho.

E para não ficar sozinho em um apartamento silencioso. Em dias como


aquele, era um pouco mais difícil focar.

Dom os levou até um estúdio de tatuagens e piercings perto dali, onde


um de seus amigos trabalhava. Baz já o tinha visto passando pela oficina
algumas vezes apenas para conversar com o mais velho, então devia ser
alguém de confiança.

— Escolhe uma — Dom instruiu, pegando um energético do frigobar


do lugar, voltando para uma conversa com o amigo.

— Qualquer uma? — Baz perguntou, passeando o olhar pelo álbum de


desenhos prontos.

— Qualquer uma — o mais velho assentiu, despreocupado.

— Quer ajuda? — Moreau se inclinou, com um pedaço de torta que


roubou da cozinha em mãos.
— Não. Se você fosse tatuar algo, com certeza escolheria o Bob
Esponja ou algo assim.

— Bem, é cultura. — Moreau estendeu a torta na sua direção, e Baz


apenas negou com a cabeça. — Você e Dom que gostam dessas coisas mais
sérias e tal.

Baz parou em uma página, chamando novamente a atenção de Dom.

— Eu quero essa — disse, apontando para o desenho de um dragão. —


Nas costas, do tamanho do tigre que você tem.

— É claro que você escolheria a maior possível — Dom riu, entregando


o cartão para o amigo. Rafael, se Baz tinha escutado bem.

— Se quiser, eu pego outra. Tem uma rosa que ficaria muito legal no
meu braço, e…

— Ele vai fazer o dragão — Dom disse, ainda olhando para o tatuador.
— Vai lá, Baz.

Basile relaxou enquanto Rafael preparava todo o material para a


tatuagem, sabendo que seria impossível terminar aquele desenho em uma
única sessão, sem passar horas e horas ali até que o lugar fechasse.

— Feliz aniversário, cara — Rafael sorriu na sua direção, separando a


tinta da tatuagem. Quando ajustou as luvas nas mãos, ele continuou. — Dom
fala muito sobre você.

— Droga, você deve me odiar desde já — ironizou, embora não


duvidasse que Dom o xingasse para os amigos. — Obrigado, mesmo assim.

— Que nada. — Rafael gesticulou para que se deitasse sobre a maca.


— Até onde eu sei, Dom perderia um braço antes de perder o melhor
funcionário dele.

— O único funcionário além de mim é o Moreau, não é muito difícil ser


o melhor.
— Você entendeu, cara — o homem riu. — Agora, fica quieto. Não
quero acidentalmente desenhar um pênis nas suas costas.

— Acidentalmente — repetiu, mas permaneceu quieto enquanto o


homem começava a tatuagem. Seu pai o mataria quando descobrisse, mas
não era como se Bernard já não tivesse o matado mentalmente com o olhar
quando viu a primeira, a segunda e até a última tatuagem. Baz já tinha
perdido a conta de quantas fizera nos últimos cinco meses. E não pretendia
parar tão cedo.

Se é que pararia um dia.

Depois de quase uma hora, Dom entrou na sala. Ele examinou o


desenho, erguendo uma sobrancelha.

— Puta merda, ele tá fazendo um pênis gigante nas minhas costas?

— Um bem grande — o mais velho confirmou, trocando um olhar


divertido com o tatuador. — E bem realista. Você deveria ter pedido um com
menos pelos, pelo menos.

— Se você fizer ele rir e eu errar o traço, mato os dois — Rafael


resmungou. — Precisa ser um pênis perfeito.

— E aí, garoto, tudo bem? — Dom perguntou, por fim.

— Tudo ótimo. Eu poderia morar aqui e estaria muito bem.

— Rafael não teria tanta paciência quanto eu pra lidar com você, então
vamos ignorar isso.

— E você tem? — Baz ergueu uma sobrancelha, contendo uma risada


quando o homem mostrou o dedo do meio na sua direção antes de sair da
sala.

Mais meia hora, e a sessão foi finalizada. Baz ainda teria que voltar
para finalizar, mas era o máximo que teria pelo dia.

— Valeu — disse, trocando um high-five com Rafael ao se pôr de pé.


— Vou assumir que você já sabe de todos os cuidados necessários e nos
economizar do discurso. Feliz aniversário mais uma vez, cara.

Dom estava terminando uma tatuagem com outro funcionário do


estúdio quando saiu. Uma mariposa abaixo da sua orelha. Era um dos poucos
lugares visíveis e disponíveis que ele ainda tinha para novas tatuagens.

— Olha, agora você também tem um pênis tatuado — brincou,


recuando em um pulo quando o homem chutou o ar na sua direção. —
Moreau já morreu de tédio ou ainda tá por aqui?

— Ele deve ter acabado com a torta, então tá tudo bem. — Dom
gesticulou, desinteressado. — Espera lá, garoto. Eu já vou.

Basile o obedeceu, soltando uma risada ao ver Moreau um pouco


focado demais em mais um pedaço de torta que estava em seu prato.

— Não vai sobrar espaço pro bolo — disse, roubando uma garfada do
doce.

— Porra, ainda vai ter bolo?

— Sei lá. — Deu de ombros, observando Dom sair da sala onde estava
em uma conversa com o tatuador. Ainda parecia surreal que ele havia
fechado a oficina para sair com ele e Moreau, mas estava sendo um dia
incrível. Mais do que esperaria para qualquer aniversário. Era a primeira vez
que alguém fazia qualquer coisa especial para a data. — Nós vamos voltar
pra oficina?

— Negativo — Dom negou.

Meia hora depois, estavam em uma das melhores cafeterias da cidade.


Baz poderia jurar que um lanche de lá já lhe custaria metade do salário pago
por Dom.

— Escolhe um bolo.

— Escolher? — Baz o encarou.


— Eu vou acabar vomitando — Moreau murmurou, admirando os
bolos da vitrine. — Mas vou vomitar feliz.

Baz ainda estava olhando para Dom, incrédulo demais. Primeiro a


tatuagem, e então o bolo que quisesse de uma cafeteria pomposa demais para
o seu gosto. Não estava reclamando, mas não esperava esse tipo de coisa de
forma alguma. Dom não era exatamente do tipo que presenteava ou
demonstrava muito, mas aquilo pareceu o mundo para Baz, e ele não sabia
ao certo como deveria lidar com o sentimento.

Dom apenas assentiu, porque uma das atendentes do lugar, de trinta e


poucos anos, parecia um pouco interessada demais em conversar com ele.
Não que fosse uma total surpresa. Estava acostumado a ver Dom flertando –
ou o que quer que fosse aquilo – com mulheres vez ou outra.

— Quero o de limão — disse, por fim. — Pode ser?

— Pare de perguntar se pode ser se eu te dei a escolha, garoto. — Dom


apontou para o bolo, e a mulher se afastou para cortar um pedaço generoso
para eles.

Depois da primeira mordida, Baz começou a achar que Moreau iria


mesmo vomitar.

Mas, ainda assim, estava feliz. Feliz pra caralho. Sentia-se como uma
criança em sua primeira festa de aniversário temática. Uma tatuagem e bolo
que valia mais que as suas compras de mercado do mês, com uma velinha de
19 anos – porque não tinham a de 18 ali, aparentemente?! Sim, feliz pra um
caralho.

Quando Dom o deixou na portaria do prédio, mais tarde, Baz o encarou


dentro do carro.

— O que foi? — o mais velho perguntou. Parecia prestes a falar mais


alguma coisa, quando Baz o abraçou. Desajeitadamente, pelo pouco espaço
do carro, e hesitantemente. O homem permaneceu imóvel por alguns
segundos antes de retribuir o abraço, tomando cuidado com a região onde o
garoto havia feito a tatuagem mais cedo. — Feliz aniversário, garoto.
— Obrigado — Baz murmurou. Quando a consciência de que,
provavelmente, era a primeira vez que abraçava Dom o atingiu, ele apertou
um pouco mais os braços ao redor do pescoço do homem. — Por tudo, ok?

— Não me agradeça. Eu tô aqui pra isso.

— Me xingar e se aproveitar do meu trabalho?

— Sinceramente, Basile, eu quero que você se foda.

Baz riu, se afastando do mais velho.

— Você é foda — disse, abrindo a porta do carro.

— Eu sei. — Dom bagunçou o seu cabelo, empurrando o seu ombro


para que saísse. — Vai dormir. Quero você na oficina amanhã bem cedo.

Baz saiu, um sorriso que chamaria de idiota se fosse em qualquer outra


pessoa. Mas anestesiado demais pelo dia completamente fora do roteiro, e
ainda assim incrível, que havia passado perto de Dom e Moreau.

Não se lembrava da última vez que se sentiu tão feliz na vida.


 
VINTE E OITO

— Eu não sei se você pode comer isso — Alex disse, devagar, pelo que
parecia ser a milésima vez.

Obviamente, Corvette não pareceu entendê-lo.

— Olha, eu sei que tem um cheiro bom — continuou, enquanto a gata


passeava pela bancada perto do fogão, como se só esperasse Alexandre virar
as costas para roubar o bacon da frigideira. — Baz vai me matar se eu te der
algo que você não pode. Eu não sei muito sobre alimentação pra gatos. Mas
meu cachorro já comeu um cone de trânsito e ainda tá vivo.

Corvette parou e Alex se inclinou para acariciar a cabeça da gata. Como


ela gostava, já havia notado. Deslizando os dedos entre as orelhas, o
brasileiro sorriu um pouco ao ouvir um ronronar em aprovação. Ou, pelo
menos, era o que parecia.

Afastou-se devagar, para continuar preparando o café da manhã.


Claramente, sua rotina de sono era muito diferente da que Basile tinha.
Enquanto já tinha saído para invadir a academia do prédio, feito compras
extras em um mercado próximo – porque, aparentemente, Baz desconhecia a
existência de temperos não industrializados para preparar algo – e
conversado com Nicole ao telefone, o francês ainda dormia profundamente.

— Acho que não tem problema em te dar frutas, certo? — perguntou,


mesmo que a gata não fosse responder. Alex estendeu um pedaço de maçã na
direção de Corvette, que o ignorou. — Tudo bem, você é um pouco fresca.
Eu também não gostava muito de frutas antes que a minha mãe me obrigasse
a comer. A Nicole, no caso.

— É claro que você foi um fresco até os dezoito anos. — A voz rouca e
sonolenta de Basile soou atrás dele, e Alexandre se virou para ver o rapaz
surgindo do corredor, os fios escuros bagunçados e um óculos de grau sobre
o nariz. Alex não fazia a menor ideia que Baz precisava de óculos. — Bom
dia, mon chéri. Eu estava me programando para fazer o café.

— Acho que você se esqueceu que eu sou altamente rigoroso com a


minha rotina de sono. Acordei com vontade de correr. — Alex cruzou os
braços, observando as tatuagens pelo peito e costas nus de Basile enquanto o
rapaz olhava toda a comida na cozinha. — A academia do prédio é ótima.

— Nunca usei — Baz bocejou, balançando a cabeça. — O quão cedo


você acordou?

— Se seis da manhã é cedo pra você, acho que vamos ter problemas se
começar a ver a minha rotina quando não estou viajando com um cara.

— Atletas — Baz resmungou, olhando na sua direção ao se aproximar


para acariciar a cabeça de Corvette. — E eu não sou só um cara, me valorize
um pouco mais. O que foi?

— Você usa óculos.

— Não tenho condições para colocar as lentes nos meus primeiros


trinta minutos de vida depois de acordar, então eu agradeceria se você
fingisse que não viu isso. — Baz revirou os olhos quando percebeu que Alex
não parecia muito disposto a desviar o olhar. O francês levantou os óculos,
deixando-os sobre a cabeça. — Você vai continuar me encarando?

— Vou.
— Você é um saco de manhã, e eu nem posso ir embora porque o
apartamento é meu — ele bufou, pegando um pedaço da omelete que Alex
deixou separada. — Eu jurava que você tinha alguém pra cozinhar pra você
ou algo assim.

— Eu tenho, mas não significa que eu não saiba alguma coisa. Aria me
ensinou boa parte do que eu sei, na verdade. Gostou?

— Me parece a versão gourmet de uma omelete normal, mas não é


ruim.

— Falando em coisas ruins — Alex começou, indo até um dos armários


da cozinha. — Você tem noção do que é isso?

Baz olhou o compartimento por alguns segundos, procurando por


algum problema.

— Meu jantar?

— Basile, aqui deve ter miojos suficiente pra uns dois meses, comendo
diariamente. Com que frequência você come isso?

— Eu odeio cozinhar e isso é rápido, fácil e gostoso. O que você pode


dizer sobre mim? Você fuma.

— E vai te matar antes dos vinte e cinco. — Alexandre ignorou


completamente a última parte.

— Ainda tenho dois anos de vida? Que incrível — Baz ironizou, um


sorriso entre os lábios enquanto ele comia a omelete. — Não me olhe assim,
mon chéri. É macarrão instantâneo, não veneno de rato.

— Não que os efeitos sejam tão diferentes a longo prazo.

— Que dramático — ele murmurou de volta, ainda um pouco


sonolento. — Você já comeu?

— Comi antes de ir pra academia.


Baz assentiu, estendendo a mão livre para coçar delicadamente o
focinho da gata. Corvette se inclinou na direção do prato, e ele estendeu um
pedaço para ela.

— Ela tá com você há muito tempo? — perguntou, e Baz pareceu


precisar de algum tempo para perceber que estava se referindo a Corvette.

— Desde recém-nascida. Alguém a deixou perto da oficina. — Corvette


se inclinou na direção do prato mais uma vez, e Baz simplesmente deixou
que ela comesse o pouco que havia restado da comida. — Dom pagou pelo
tratamento das primeiras semanas, antes que ela pudesse realmente ficar
comigo. Não sabemos sobre a mãe ou irmãos até hoje.

Alex assentiu, sem saber ao certo o que dizer.

— Não precisamos realmente ir à oficina se você não se sentir bem em


conversar com Dom. — Teria dito isso na noite passada, se tivesse tempo.
Não queria parecer que estava forçando Beauchene a fazer qualquer coisa.

— Não, você tá certo — Baz suspirou, balançando a cabeça. — Mesmo


se não resolver nada, xingar o Dom e seja lá quem esteja trabalhando com
ele vai fazer com que eu me sinta muito melhor.

— Você é ótimo. — Alex se inclinou, deslizando a ponta do nariz pela


nuca de Baz. — Quer que eu vá ou fique por aqui?

— Você vem comigo, quero ver a reação do Dom quando você estiver
lá — Baz suspirou, jogando a cabeça para o lado. — Ele é meio obcecado
pela Vesper.

Alex parou, erguendo uma sobrancelha.

— Não tinha uma equipe pior pra ele torcer?

— Ele é das antigas, deixa ele. — Baz deu de ombros antes de puxar
Alexandre de volta para o próprio pescoço.

Alexandre soltou uma risada baixa, percorrendo as mãos pelo peito do


francês até chegar na região da sua virilha. Quando Baz fechou os olhos,
deixando escapar um suspiro baixo, o piloto raspou os dentes pelo seu lábio
inferior.

— Você não cansa? — Baz soltou, puxando suavemente os fios loiros


de Duarte para juntar suas bocas em um beijo rápido.

— Não era você que queria testar minha resistência de atleta, ou algo
assim?

Se Baz ainda pretendia esperar realmente acordar para fazer qualquer


coisa, eram planos passados. O mais novo pressionou os dedos longos na
nuca de Alexandre, umedecendo os lábios quando ele sorriu.

Ele sabia que teria o que queria, independente do quanto Baz enrolasse.

— Para o quarto. Você sabe onde eu deixo as camisinhas.

Alexandre assentiu quase obedientemente demais para o que ele


costumava ser, inclinando-se apenas para percorrer os lábios pelo seu queixo
antes de ir para o quarto, a calça larga de moletom deixando quase demais de
seu corpo à mostra. Se Baz não o conhecesse, diria que era sem querer.

Baz revirou os olhos, pegando um copo de água antes de voltar para o


quarto, fechando a porta para que Corvette não acabasse entrando.

— Eu não disse que você poderia se tocar, mon chéri — repreendeu,


observando a figura do piloto na sua cama, uma mão ao redor do próprio
pau.

— Você estava demorando, então pensei que eu teria que me virar


sozinho. — Quando Baz levou uma mão até o rosto para tirar os óculos,
Alexandre balançou a cabeça. — Fique com eles. Eu gosto.

Basile sorriu. O sorriso que deixava claro para Alex que ele levaria o
tempo que quisesse ali só para calar a sua boca, porque quanto mais o
provocasse, mais ele se sentiria decidido a arrancar aquela atitude do seu
rosto.
Alexandre poderia jurar que só aquele sorriso era o suficiente para fazer
com que a sua mente ficasse um pouco perdida entre o espaço-tempo. Algo
assim. Ou era apenas a presença de Baz que era a única coisa capaz de
colocá-lo fora dos trilhos – não em um sentido ruim, muito pelo contrário.

O piloto deixou que Basile explorasse toda e qualquer pele disponível


com a boca. Seu pescoço, seu peito – usando os dentes quando se tratava dos
seus mamilos, o que só fez com que Alexandre soubesse que viria muito
rápido, ou que Baz o provocaria até que não tivesse forças para levantar a
cabeça.

Não que fosse algo ruim.

— Vire-se — Baz ordenou no momento em que Alexandre estava


esperançoso de que a boca dele chegaria ao seu pau. Não se consegue tudo o
que quer mesmo, não é?

Alex o fez, mordendo o lábio para conter um suspiro quando Basile


mordeu o seu ombro. Quando moveu o quadril contra ele, que tinha ainda a
roupa íntima no corpo, Baz segurou o seu quadril com uma mão.

— Ainda não, mon chéri — ele ronronou, deslizando a mão pelo seu
peito, beliscando um mamilo.

Alexandre respirou profundamente, mas não disse nada. Não enquanto


Basile deslizou os dedos pelo seu corpo, até alcançá-lo lá. Mas sem mover
um músculo sequer depois disso.

— Porra, eu te odeio — Alex soltou, deixando a cabeça cair sobre o


travesseiro.

— Mentir é pior. — Mesmo de costas para ele, podia sentir o sorriso de


Baz. Gostava de fazer aquele bostinha sorrir como se tivesse a sua vida em
mãos mais do que deveria. — Diga o que eu quero ouvir, Alexandre.

Ouvir Basile o chamando pelo nome, o sotaque francês acentuado como


nunca, poderia facilmente levá-lo ao limite antes que percebesse. Isso e
aqueles dedos provocando sua entrada, nunca indo além.
— O que você quer ouvir?

— Engraçado perguntar, normalmente você diz sem que eu tenha que


pedir. — Baz usou a mão livre para puxar o seu cabelo, levando-o em um
beijo molhado e quase suficiente para que Alexandre se esquecesse do que
ele estava pedindo. — Você não quer que demore, não é, mon chéri?

Alexandre responderia que não, não queria que demorasse, mas o som
que saiu da sua boca quando Basile deslizou dois dedos pela sua entrada.

Baz queria que pedisse por ele. Não, não que pedisse. Que implorasse,
que implorasse por mais do que apenas ele poderia entregar ali, até que
chegasse ao seu limite.

Alexandre manteria seu orgulho intacto se Basile não entregasse o


prometido sempre tão bem. O piloto estremeceu com o pensamento.

Basile beijou a sua espinha, murmurando algo que Alexandre não


entendeu. Provavelmente não entenderia mesmo se ele falasse em inglês ou
até mesmo português.

Não entendeu, mas sabia que já havia escutado-o dizer aquilo antes.

— Tu étais complètement fait pour moi.

Não que fosse conseguir perguntar o que aquilo significava no estado


em que estava.

Ele arrancou de Alexandre todos os pedidos que queria, entre sussurros


e gemidos. Enquanto o tocava, provocava, nunca da forma como esperava.
Se passasse mais cinco minutos recebendo nada quando poderia ter Baz,
provavelmente colapsaria.

— Bom garoto — Basile disse, raspando os lábios abaixo da sua orelha.


Alex respondeu com um resmungo baixo que se transformou em uma
reclamação quando os dedos do mais novo o deixaram. Baz riu, inclinando-
se para alcançar a camisinha que Alex havia deixado ao seu lado. — Mais
alguns segundos, mon chéri.
Alex não queria esperar mais um segundo. Porra, queria que Basile o
fodesse como nunca podiam durante o final de semana, assim como fizeram
na noite anterior. Quantas vezes tinham a chance de transar da forma como
queriam?

Ah, e Baz o faria. Alex só não queria ter que esperar por isso. Porque
havia algo sobre como o francês o tocava, como não parecia fazer o menor
esforço, e ainda assim encontrava todos os pontos certos que o levavam para
o limite, à beirada de um precipício. Alexandre queria cair.

Basile meteu de uma única vez, engolindo qualquer som que escapou
da sua boca em outro beijo.

— Isso, mon chéri — ele disse, contra os lábios entreabertos, as mãos


firmes na sua cintura entre os movimentos duros do quadril. Quando
Alexandre empinou a bunda contra ele, tentando levá-lo mais fundo. Mais.
Era só mais. — O que você quer, Alex?

— Você sabe o que eu quero — respondeu, impaciente, curvando-se na


cama. Se Basile não aumentasse a porra do ritmo, Alex sentia que iria
facilmente explodir.

Basile prendeu os dedos de uma mão no seu cabelo, puxando forte o


suficiente para colar as suas costas contra o peito úmido pelo suor.
Alexandre gostava profundamente quando ele o fazia, o que era um
incentivo a mais para deixar os fios ondulados crescerem. Baz usou a outra
mão para masturbar o seu pau enquanto batia contra ele.

Se estivesse parando para contar e analisar – o que não estaria fazendo


naquele momento, mesmo se quisesse –, aquela seria a melhor foda que já
tivera com Basile. Talvez por estar em seu próprio território, na França e no
seu apartamento, deixasse-o mais confiante. Mais solto. Mais determinado a
se mostrar o babaquinha insuportavelmente talentoso e capaz de lhe dar seus
melhores orgasmos que era.

Alexandre já não estava nem um pouco preocupado em fazer qualquer


coisa além de aproveitar a sensação que Basile queria lhe proporcionar.
Poderia lidar com ele se gabando depois.
Basile normalmente tentaria prolongar o momento, fazê-lo se segurar
na borda até que estivesse prestes a chorar ao pedir por permissão para
gozar. Mas, aparentemente, ele também não queria esperar. Beauchene o
masturbou até que viesse em um orgasmo intenso, que o faria cair
novamente na cama se ele não o estivesse segurando tão firmemente.

Em vez de dizer qualquer coisa, Basile deslizou dois dedos pela sua
boca, fazendo-o provar de si mesmo antes de beijar a sua boca aberta. E,
porra, era a coisa mais sexy que ele já tinha feito. Não o melhor ângulo, mas
não era como se isso fosse grande coisa naquele momento.

Basile inspirou em seu pescoço ao gozar, prendendo os dedos na sua


cintura para manter-se no lugar. O francês apoiou a testa suada no seu
ombro, respirando fundo enquanto soltava uma série de palavras em francês.

— Bom dia, mon chéri — ele ironizou, após o que pareceram ser vários
minutos, entre uma risada quase sem ar. Quando Alexandre levantou o dedo
do meio na sua direção, ele deu um tapa leve na sua bunda. — Sexo de
manhã. É tão a sua cara.

— É quando eu tenho energia. Não tenho culpa se você demora duas


horas pra despertar.

— Ah, estou bem desperto agora, não precisa se preocupar. — Quando


Alexandre fez um esforço a mais para tentar sentar, Basile o parou,
deslizando uma mão pelo seu peito e beijando o seu queixo ao murmurar um
"espera" que o loiro quase não ouviu de tão baixo. Ele sumiu no banheiro,
voltando sem a camisinha e com uma toalha úmida em mãos, que usou para
limpá-lo.

Era a primeira vez que ele o fazia. Então, bem, Alexandre apenas o
encarou um pouco perplexo nos primeiros segundos, enquanto Basile
deslizava a toalha pelo seu abdômen e entre suas coxas.

— Vá para o banheiro, eu vou trocar a roupa de cama — ele instruiu,


por fim. Antes que um sorriso tomasse conta do seu rosto. — A menos que
você precise de ajuda para andar, mon chéri.
— Você se acha demais — resmungou, embora houvesse um mínimo
desconforto ali. Alex disfarçou uma careta ao andar até a mala aberta sobre a
mesa do quarto, observando-o separar lençóis limpos. — Não quer que eu
ajude?

— Não precisa. — Baz deu de ombros. — Eu termino em cinco


minutos.

Alex assentiu, indo para o banheiro em silêncio. O brasileiro esperou


que a água esquentasse antes de entrar sob o chuveiro, usando os dedos para
deixar a água se espalhar pelo cabelo bagunçado.

Ele encarou os produtos ao lado, procurando pelo shampoo. Mas, bem,


não sabia francês. Nem uma palavra.

No máximo, talvez, um bonjour e mon chéri. A segunda,


especialmente.

— Por que você tá encarando a parede? — Baz perguntou, surgindo ao


seu lado.

— Qual desses é o shampoo? — perguntou, apontando para as


embalagens ali.

Basile soltou uma risada, balançando a cabeça antes de estender uma


delas na sua direção.

— Antipelliculaire é o shampoo, après-shampooing é o condicionador


— ele explicou. Alexandre poderia jurar que seria o contrário, mas lidaria
com falsos cognatos mais uma vez, como havia sido quando precisou
aprender o inglês em pouco menos de três meses para se mudar para a
Austrália com Nicole e Ângelo.

Embora, precisasse admitir, estava bem mais interessado em Basile


falando francês. Mesmo com coisas simples, como shampoo e
condicionador.

— Antipelliculaire — repetiu, sabendo que havia soado ridículo, pela


expressão que Baz fez. — Ei, eu não sou nativo. Dá um desconto.
— Dou se você não gastar todo o meu shampoo. — Ele pegou a
embalagem das suas mãos.

Alex o observou espalhar o produto pelos fios escuros pelo canto do


olho, enquanto lavava o próprio cabelo.

Baz se inclinou, mordiscando a lateral do seu queixo.

— Oi — murmurou, mordendo o lábio para conter um sorriso.

— Oi, mon chéri. Me deixe usar a água.

Alex iria se afastar, mas o braço de Basile na sua cintura o impediu. Ele
ficou ali, sob a água ao lado do francês. Não, colado seria uma expressão
melhor. Baz usou a mão livre para jogar os fios para trás, alcançando o seu
pescoço com a boca.

Se Alexandre tivesse condições de ficar duro uma segunda vez em tão


pouco tempo, ficaria. Baz era bom com a boca, aonde quer que fosse.

Eles repetiram o processo com o condicionador, sem mudar a distância


que havia ali, Basile plantando um beijo pela sua pele quando menos
esperava.

— Podemos almoçar fora depois de ver Dom — ele disse, entregando a


toalha na sua direção depois.

— Hm, onde? Não acho que eu posso ir em qualquer lugar. —


Definitivamente não. Não quando era o começo do período em que as
equipes começavam a chegar no local da corrida da semana. As cidades
sempre pareciam mais atentas à presença de pilotos e outras figuras do
automobilismo. — Eu realmente ficaria feliz em preparar algo por aqui.

— Nós vamos no restaurante da minha mãe — ele disse, simples. —


Tem umas salas de reuniões fechadas, é bom e calmo. Saudável. Você vai
curtir.

Alex poderia apenas assentir. Ele observou ainda Basile se vestir,


agradecendo mentalmente e em segredo quando ele abriu mão de colocar as
lentes de contato – como se só as mantivesse o tempo inteiro antes para
impedir que Alex descobrisse, mas isso não fosse mais uma preocupação.

Quando Baz vestiu o casaco escuro de couro, perguntando se já estava


pronto para ir, Alexandre se deu conta de que dificilmente um final de
semana seria realmente completo se não contasse com a presença de Basile
Beauchene ao seu lado por um segundo que fosse.
 
VINTE E NOVE

Basile poderia fingir o quanto fosse, mas seria inútil mentir para si
mesmo e dizer que não estava nervoso de ir até a oficina pela primeira vez
em meses. Desde o dia que foi mandado embora.

Não se surpreenderia se Dom o mandasse vazar no primeiro segundo.

Uma parte de si esperava que o mais velho o fizesse, na verdade. Seria


menos trabalhoso lidar com uma rejeição imediata. Basile estava
acostumado com elas.

Alexandre estava dirigindo ao seu lado, guiando o Tesla com a


confiança que ele tinha assim que entrava em qualquer automóvel, fosse um
que alcançasse mais de 200Km/H em milésimos ou um carro de passeio.

Talvez Basile estivesse um pouco hipnotizado pela forma como seu


braço tensionava cada vez que precisava virar um pouco mais o volante,
enquanto sua mão livre descansava e deslizava pela sua perna
distraidamente. Com uma bandana preta mantendo os fios claros longe do
rosto e uma de suas roupas, uma camiseta surrada e um casaco jeans escuro,
ele se parecia mais com algum tipo de integrante de banda do que um piloto
de Fórmula 1.

Não tinha estruturas para aquele cara o tocando em momentos


completamente aleatórios.

— É aqui, não é? — ele perguntou, olhando para a fachada da oficina.


Basile assentiu, enquanto Alexandre parava o carro sob a chuva leve. Se o
tempo piorasse, Baz tinha certeza de que ele não conseguiria mais esconder
a tensão para a corrida.

O piloto o acompanhou em silêncio, apenas sorrindo na direção de


Moreau em um cumprimento, mesmo que Basile mal tenha olhado na
direção do amigo.

Não até precisar fazê-lo.

— Abre — Baz ordenou, apontando para a entrada de funcionários


fechada. Moreau ergueu uma sobrancelha na sua direção, como se estivesse
preocupado com a possibilidade de Basile entrar e começar a destruir o
lugar. — Quer que eu quebre a sua cara como um incentivo?

— Ele não vai quebrar nada, aqui ou lá dentro — Alex prometeu,


pousando o queixo no ombro do moreno com um sorriso tranquilizador. —
Ou qualquer outra coisa que o coloque numa delegacia. Não vou deixar.

— Cara, relaxa um pouco — Moreau suspirou ao se aproximar com as


chaves, mas parou ao lado deles. — Não foi fácil pra ninguém depois que
você foi embora. Não pense que você não fez falta, principalmente pro Dom.

— Eu não fui embora, eu fui chutado — Baz rosnou, recebendo uma


pressão dos dedos de Alexandre na sua cintura. Como um aviso para que se
acalmasse. — Abre essa merda. Eu não sou idiota a ponto de quebrar algo.

— Além dos sentimentos de alguém? Vamos ver — o rapaz ironizou,


embora não parecesse querer soar muito engraçado. Ainda assim, Moreau
abriu a porta.
— Valeu — Alex murmurou, acompanhando Basile para o interior da
oficina.

A primeira coisa que ouviram foi um par de vozes masculinas,


obviamente em francês. Baz reconhecia facilmente a voz de Dom, que
parecia mais rouca que o normal, mas não identificou a outra voz. Mais
jovem, talvez que tivesse acabado de passar pela puberdade. Ou um pouco
mais que isso. Pareciam se divertir enquanto Dom passava instruções para
algum serviço que envolvia a troca de óleo de um dos carros.

Seu estômago embrulhou um pouco, um gosto desagradável pesando


em sua língua.

Sob uma música do The Jins que soava pela caixa de som da oficina,
Dom estava ao lado de um garoto. De uns dezoito anos, no máximo
dezenove. O mais velho tinha o cabelo grisalho mais curto, mas a barba
parecia um pouco maior, dando-lhe um ar um pouco mais velho. Talvez até
responsável. Ele também parecia mais magro, mas Basile sabia dos projetos
que nunca entravam em prática de emagrecer e comer menos besteiras.

Como se quisesse dar algum tipo de privacidade, Alexandre parou


alguns passos atrás.

Dom notou a sua presença no segundo seguinte, e quase tropeçou nos


próprios pés ao ajustar a postura, desligando a música quase imediatamente.
O garoto o olhou, confuso.

— Basile, oi. — Dom limpou a garganta, esfregando as mãos em um


pano limpo. — Oi.

— Oi, Dom. — Baz olhou ao redor, vendo alguns carros de clientes


recorrentes e conhecidos. A maioria que ele próprio havia arranjado para a
oficina. Era bom ver que os clientes não pareciam ter se afastado com a sua
demissão. Baz sabia que o lugar era relativamente conhecido pelos seus
serviços, e esperava que Dom não tivesse prejuízos.

Apesar de tudo, sempre esperou que Dom não passasse por dificuldades
que envolvessem a oficina. Aquele lugar era a vida dele tanto quanto era a
sua.
Basile não tinha nada a falar. Era ridículo, e só estava percebendo
naquele momento. Por que estava ali? Porra. Seria muito mais fácil se Dom
o chutasse para longe.

Trocou um olhar rápido com Alexandre, apenas para se certificar de


que ele ainda estava ali. Talvez também como um pedido silencioso por
ajuda, não que fosse admitir isso.

Dom andou um pouco, até que o piloto finalmente estivesse no seu


campo de visão também. Ele arregalou um pouco os olhos. Primeiro, em
surpresa. Depois, confusão. O que veio depois, Basile não saberia identificar
o que era aquela expressão.

— Bom, podemos conversar no meu escritório? — ele perguntou, por


fim. Basile assentiu. Dom voltou a olhar para o garoto, abrindo um sorriso
fraco. — Vai tomar um banho, eu te levo pra aula hoje.

A cara de Baz se fechou um pouco mais com isso. E Dom notou,


porque um sorriso engraçado tomou conta do rosto do mais velho enquanto
ele rumava ao escritório.

Baz gesticulou para que Alex o acompanhasse, porque ainda não queria
conversar com Dom sozinho. Ele não entenderia uma palavra do que
dissessem, então não era como se tivesse que se preocupar com o que não
quisesse que o piloto soubesse.

O que era… Baz não sabia ao certo. Não havia nada que pensasse que
seria um problema caso Alex descobrisse. Ele já sabia de todos os aspectos
da sua vida, na verdade. Do pai de merda até a mãe falecida, e esses eram os
assuntos que normalmente manteria para si mesmo. Não como um segredo,
mas porque sabia que algo sempre mudava quando as pessoas sabiam das
partes mais privadas na sua vida.

Mas Alexandre não fez nada além de ouvi-lo e entendê-lo, até mesmo
jurar proteção e companhia quando precisasse. Baz não era burro o bastante
para continuar achando que o que havia entre eles era apenas casual – e
estaria sendo profundamente desonesto consigo mesmo se dissesse que, caso
necessário e sob sua capacidade, não faria o mesmo para ele. Importavam-se
um com o outro.

E, mesmo que não falasse, não compartilhasse tudo o que se passava na


cabeça que já havia visto o mundo inteiro várias vezes, Alexandre Duarte
não estava muito longe disso, também.

Baz não tinha pressa. Ele riu baixo com a expressão deslocada do piloto
no escritório, como se soubesse que não estaria ali se não fosse pelo pedido
de Baz, que se aproximou para tocar suavemente a sua cintura e indicar que
se sentasse no sofá.

Se Dom parecia surpreso com a presença do piloto ali, Baz riria da


expressão quase aterrorizada ao ver a interação tão próxima, se ainda não
estivesse tão preocupado com o rumo daquela conversa.

— Foi fácil achar alguém pra me substituir? — perguntou, por fim.

— Não. É bem difícil, se considerarmos que ainda não achei ninguém


que superasse as expectativas que você deixou. — Dom arrumou os papéis
espalhados pela mesa. Baz conseguiu ver o símbolo de consultórios médicos
em alguns deles, mas não perguntou nada.

— Então você preferiu pegar outro pirralho desocupado pra ser o novo
mascote da oficina?

Mesmo sem entender, Alexandre levantou a cabeça na sua direção,


erguendo uma sobrancelha. Havia notado o tom ácido demais na sua
resposta, provavelmente. Baz não queria tentar esconder o quanto a situação
ainda o incomodava.

Baz odiava a sensação de ser substituído.

Então, o mais velho sorriu.

— O pirralho desocupado tem dezoito anos é meu sobrinho, Basile.

O mais novo arregalou os olhos, o que fez apenas com que o sorriso no
rosto de Dom aumentasse um pouco mais.
— Como assim?

— Você sabe, eu tenho uma irmã em Paris. Ela está passando por
alguns problemas de saúde desde o ano passado e eu fiquei responsável pelo
garoto — ele explicou, dando de ombros. — Ele é bom. Eu gostaria que
tivesse o conhecido antes.

Basile se moveu, um pouco desconfortável.

— Até onde eu sei, ele nem sabe trocar pneus.

— Não é como se fosse fácil substituir um funcionário como você, nós


dois sabemos disso. — Dom se levantou, parando na sua frente. — Eu te
deixo sem supervisão por alguns meses e você arranja um piloto de
estimação, Basile? Da Astoria?!

Dom havia dito o nome da equipe como se fizesse a sua boca doer, e
Alexandre notou. O piloto ergueu uma sobrancelha na direção do mais
velho.

— Você sabe, eu gosto de confusão — Baz explicou, gesticulando na


direção do brasileiro para que ele não se preocupasse. O mais novo olhou
Dom por mais alguns segundos, antes de se aproximar mais dele.

Basile poderia contar nos dedos as vezes que havia abraçado Dom. Não
tinham lá uma relação muito baseada no toque, porque Dom não era alguém
fã de qualquer contato físico.

Mas Dom o envolveu com os braços fortes como nunca havia feito ali.
Depois de meses de distância quando não haviam passado mais que dois ou
três dias sem se ver nos últimos anos, estar novamente com o mais velho
era… muito. Basile não saberia colocar em palavras. Ou em sensações. E,
sendo quem era, Baz normalmente era bom em traduzir reações em
sensações.

O mais novo envolveu o corpo do mais velho com os braços, puxando-


o para mais perto e escondendo o rosto no seu ombro.
— Como você tá, garoto? — Dom perguntou, dando alguns tapinhas
nas suas costas.

— Odiando o meu novo emprego, eu vou te odiar pra sempre por me


mandar embora.

Dom se afastou, apenas o suficiente para olhar diretamente no seu


rosto.

— Você sabe que, no fim, eu não tive muita escolha — ele sugeriu.

Merda, Baz sabia. Sabia bem que, no fundo, quando Bernard queria
algo, ele conseguia. Por mais que tentasse fingir que não.

— É tão ruim assim? — o mais velho continuou, empurrando


suavemente o seu ombro.

— Eu não aguento mais entrar em aviões. Passar dias longe de


Corvette. Aguentar Bernard gritando o dia inteiro. Fingir que eu adoro
trabalhar com esse esporte. O clima é…

— Tudo bem, já entendi. Longa lista de reclamações. — Dom olhou


mais uma vez na direção de Alexandre, que parecia se esforçar para parecer
desinteressado na conversa enquanto jogava algo no celular. — O que é
isso?

— É um piloto de Fórmula 1.

— Não me diga, garoto. Como isso começou?

— Ah, começou faz tempo. Na última corrida daqui.

Dom ergueu uma sobrancelha.

— Há um ano? E você não pensou em me dizer nada?

— Por que eu te diria sobre com quem eu transo? — Baz fez uma
careta. — Não é nada demais.
— Você o trouxe aqui, então me parece algo.

Baz encarou o piloto por alguns segundos, ponderando a fala de Dom.

Gostava de Alexandre, e negar isso seria idiota, talvez até infantil. Não
era como se o amasse ou pensasse constantemente em um futuro com ele –
Basile não pensava em um futuro de modo geral –, mas ainda tinha
consciência de que o piloto tinha acesso a partes de sua vida que
pouquíssimas pessoas tinham. E muita abertura para participar do seu futuro,
independentemente de como ele fosse. Isso era algo.

Não que fosse verbalizar tamanha verdade. Não tão cedo, não para
Alexandre.

— Pare de me olhar como se estivesse descobrindo um animal não


identificado, eu só arranjei alguém que durou mais que duas semanas.

— Mais de um ano — Dom observou.

— Quase a mesma coisa — resmungou, dando de ombros.

— Tinha que ser da Astoria?!

— Ele tá acabando com a minha equipe, não é? — Alexandre


perguntou, ao ouvir o nome da equipe outra vez.

— Eu avisei que ele é meio obcecado, mon chéri.

Dom estreitou os olhos, se aproximando de onde o piloto estava.

— Dom. É um prazer — ele disse, em um inglês com pouquíssimo


sotaque.

Alexandre se colocou de pé para apertar a mão do homem.

— Alexandre. Basile fala muito de você.

— Só coisas ruins, aposto.


— É o jeito dele se expressar — ironizou, fazendo Baz revirar os olhos.
Mesmo que ver o piloto e Dom interagindo fosse… interessante. — Foi mal
por roubar o título da sua equipe no ano passado. E, sabe, esse ano outra vez.
Eu já iria me preparando no seu lugar.

— Eu o odeio — Dom disse, em francês, na direção de Basile, um


sorriso falso no seu rosto. — Tira esse cara do meu escritório.

— Você não estragaria o rostinho dele, o mundo se revoltaria contra


você — Baz sorriu de volta, olhando na direção de Alexandre. — Você
consegue arranjar um ingresso pra esse final de semana?

— Não precisaria nem pedir. — Alex deu de ombros.

— Legal, o Dom vai. — Dom olhou na sua direção por um momento, e


Baz balançou a cabeça. — Ele e o pirralho. Dois ingressos, pode ser?

— Basile, não precisa — o mais velho disse, soltando uma respiração


pesada pelo nariz.

— Só preciso mandar uma mensagem pra algumas pessoas, mas


consigo — Alex assentiu.

Dom estreitou os olhos na direção do piloto.

— Tá tentando me agradar?

— A ideia foi do Baz — ele riu, balançando a cabeça. — Eu faço o que


ele manda.

Dom fez uma careta, mas se recusou a comentar sobre aquilo.

— Eu vou levar o Alex pro San Felice, você não quer vir? — Baz
gesticulou para o lado de fora. — O pirralho também pode ir com a gente.

— Eu tenho que levá-lo pra faculdade, depois vou resolver uns


problemas com o fornecedor de pneus. — Dom estreitou os olhos na direção
de Alexandre outra vez, que apenas abriu o sorriso simpático que
provavelmente abria para encher ainda mais o saco dele. — Aproveitem a
tarde de vocês, mas não muito.

— Relaxa, nós já aproveitamos bem a manhã — Baz murmurou,


atraindo um olhar irritado do homem. — Ok, já tô indo embora.

Basile se aproximou de Dom para mais um abraço demorado, não


contendo um suspiro pesado.

— Você sabe que pode vir aqui ou me ligar caso precise de algo, certo?
— Dom murmurou, de volta ao francês. — Você não tá sozinho, garoto.

Seu peito pesou um pouco, mas Baz se limitou a assentir.

— O mesmo vale pra você. Posso pegar alguns turnos aqui pra aliviar o
seu trabalho, e…

— Nah, você merece descansar quando não estiver trabalhando com a


equipe. Os negócios estão indo bem, garoto.

— Você sabe que eu vou aparecer de qualquer jeito. — Baz soltou uma
risada quando Dom o empurrou, revirando os olhos. — Até, Dom.

Basile acenou na direção do sobrinho de Dom ao sair, enquanto o


garoto arrumava o material dentro de uma mochila. Parando para observar,
eles eram absurdamente parecidos.

Quando olhou para o lado, Alexandre o encarava com um sorriso largo


no rosto.

— O que foi? — perguntou, erguendo uma sobrancelha.

— Você parece bem. Mais leve.

— Não enche. — Sabia que Alex provavelmente estava certo, porque


era assim que se sentia.

— Eu avisei — ele cantarolou de volta, batendo levemente o cotovelo


no seu. — Você é uma cópia dele.
Franziu o cenho.

— Como assim?

— Ah, para — Alex disse, entrando no carro. — Se eu não soubesse


quem é seu pai, poderia jurar que você é da família dele de alguma forma.
Você começou a se tatuar por causa dele?

Baz pensou um pouco.

— Sei lá, eu achava o Dom maneiro por causa das tatuagens.

Alexandre riu mais uma vez ao dar a partida.

— Ele parece legal.

— Ele é. — Baz colocou o endereço do restaurante no GPS,


recostando-se no banco em seguida.

— Pena que ele me odiou.

— Ele não te odeia, odeia a sua equipe. Ele não dá a mínima pra você,
na real. — O francês puxou o celular do bolso, digitando algo. — Só vai te
quebrar se fizer algo contra mim.

— Nesse caso, eu prometo não quebrar o seu coração — ironizou, o


olhar preso ao GPS enquanto dirigia.

— Você não conseguiria nem se quisesse. — Baz inclinou a cabeça


para trás. — Não tenho um coração.

— Eu não me surpreenderia, pra ser sincero.

O San Felice não aparentava ser apenas um restaurante. Era grande o


suficiente para ser um hotel – e talvez fosse, Alexandre não sabia. Também
parecia fechado, porque não havia muita gente ali.

— Esse lugar é gigante — observou ao sair do carro.


— Parecia maior quando eu era pirralho. — Baz olhou ao redor,
soltando um suspiro. — Vem.

Alexandre o seguiu para dentro, chamando a atenção dos poucos


funcionários que estavam ali. Ele não pareceu se incomodar quando um ou
outro se aproximou para falar com ele e pedir fotos.

— Achei que vocês estariam abertos uma hora dessas — comentou com
um dos garçons.

— Estamos limpando tudo pro café da tarde e o jantar, você sabe como
fica movimentado quando tem corrida. É uma loucura — o rapaz respondeu,
embora ainda parecesse distraído demais pela simples presença do piloto
brasileiro. — Eu não sabia que a Astoria já estava aqui.

— É só ele — murmurou, soando o mais casual que conseguia.

— Seu pai não sabe que você é amigo do cara, né? — ele perguntou,
um sorriso engraçado no rosto. — Relaxa, a opinião de todo mundo aqui
continua sendo a mesma. Ninguém vai dizer que você tá compactuando com
o inimigo ou coisa assim.

Porque todos os funcionários do San Felice – os mais antigos, pelo


menos – não gostavam de Bernard.

— Valeu.

— Vocês podem ir pra sala do segundo andar, eu já subo pra anotar os


pedidos.

Baz gesticulou para o piloto, chamando-o para as escadas.

— Ei, eu acho que eu não comentei — Alex disse, tocando suavemente


com a mão na sua. — Mas obrigado por me chamar pra passar esse tempo
aqui. É legal.

O que poderia responder? O convite foi completamente improvisado,


solto antes que pudesse pensar demais no que poderia significar, ou no que
poderia passar para o piloto. Mas alguns dias, mesmo que poucos, longe do
ambiente e da expectativa de uma corrida eram algo que Basile queria ter
com Alexandre.

Apenas para acabar tendo a certeza de que, em outra situação, em


outras vidas, sem a atenção do mundo sobre ele, talvez pudesse pensar em
Alexandre Duarte de uma outra forma. Como mais.

Não que já não o fizesse de vez em quando.


 
TRINTA

É natural que o ser humano não goste de perder. Quem gosta?

Mas Alexandre Duarte odiava perder. Especialmente se a culpa por isso


caísse sobre os seus ombros. Talvez fosse um péssimo perdedor, mas
fracassar não era uma opção no seu meio.

Por isso, quando seu carro bateu contra uma barreira na corrida do GP
da França, jogando todo o seu desempenho do final de semana diretamente
no lixo, o piloto não lidou bem com a situação.

Um erro, um cálculo errado, e ele estava fora.

Parabéns, Alexandre.

O brasileiro precisou de um momento para recobrar os sentidos que, por


alguns segundos, pareceram se embaralhar um pouco. Como se o carro ainda
estivesse em movimento, ou pelo menos o seu corpo. Não havia nada que
preparasse bem um piloto para um impacto. Afinal, impactos eram a máxima
do que deveria ser evitado em uma corrida. Não jogue o seu carro de
milhões de dólares no lixo, porra.
Quando finalmente teve forças para responder aos chamados de Ivan no
rádio, Alexandre precisou conter-se para não soltar um xingamento. Um
xingamento para si mesmo, uma série deles. Merda, Alexandre. Porra.

— Alex, você consegue ficar de pé? — Ivan perguntou, quase


exasperado.

— Consigo. Só preciso de um momento — soltou, pressionando a


língua no céu da boca. O piloto respirou fundo antes de se levantar, saindo
do carro. Já havia uma equipe médica por perto, mas Alexandre levantou as
mãos para indicar que conseguia sair dali andando.

Porra, Alexandre. Ao olhar ao redor, vendo o público nas arquibancadas


olhando diretamente para ele, para o seu carro destruído, Alex mordeu a
língua. Não queria tirar o capacete, mas provavelmente sufocaria se
continuasse com ele na cabeça.

Porra. Porra. Porra.

Se parasse para pensar antes de acelerar, talvez não tivesse acabado


com a merda da corrida.

O piloto chutou o pneu traseiro do carro. Algo que o Garoto de Ouro


não faria. Foda-se.

Merda de estabilização. Foda-se. Conseguia ouvir desde já a voz de


Nikolaev o repreendendo por descontar sua frustração no carro, quando
todas as câmeras de um circuito estavam apontando na sua direção.
Conseguia ouvir a voz de Bruno o culpando por jogar uma primeira posição
para a casa do caralho. Os jornalistas perguntando que merda havia
acontecido. Sua mãe ligando para saber se estava bem.

Não, merda. Alexandre não estava bem depois de acertar com o carro
na porra de uma barreira.

Porra. Porra, porra, porra, Alexandre.

O piloto voltou para a área de sua equipe, sabendo que havia


decepcionado a todos em uma questão de milésimos. Alexandre não os
olhou, porque não poderia. Não quando todos provavelmente pensavam que
era um garoto fracassado. Seu título havia sido uma farsa, uma temporada de
sorte. Na primeira dificuldade, Alexandre perdia os trilhos da própria
carreira.

Ele nunca conseguiria ser bom para sempre. Não era capaz de manter-
se em suas posições.

Seu ouvido ainda zumbia quando a voz grave de Ivan Nikolaev soou ao
seu lado.

— Vá para a enfermaria. Padrão, só para termos certeza de que você


não bateu muito forte — ele ordenou, o que fez o peito de Alexandre se
contrair um pouco mais. Um pouco mais de raiva, de mágoa. Normalmente,
o Garoto de Ouro conseguiria conter tudo aquilo para quando estivesse
sozinho, mas de que adiantaria? Ainda seria a mesma farsa.

Uma farsa. Sim, definitivamente Alexandre era: a merda de uma farsa.

— Vou me livrar do uniforme antes — disse, baixo. Não iria para a


enfermaria. Estava bem.

— Você tem quinze minutos para estar lá. Eu vou checar.

— Não preciso de uma babá. — O Garoto de Ouro não diria isso.

— Mas precisa da merda da enfermaria — Ivan rebateu em uma fala


seca, ríspida. Ele nunca havia falado com Alex daquela forma. Estava tão
decepcionado assim?

É claro, Alexandre. Você acabou com o carro por um erro que apenas
um amador cometeria. Não um campeão mundial.

— Não é um pedido, é uma ordem. Quinze minutos — Ivan relembrou,


voltando a atenção para o piloto que ainda estava na pista. Bruno lutava pela
liderança contra Laurent e o piloto de outra equipe. Acirrado. A posição que
Alexandre tinha na palma das mãos antes de foder tudo.

Porra.
Alexandre andou pela área da equipe com passos pesados, a balaclava
roxa do uniforme brutalmente esmagada entre seus dedos dormentes. Foda-
se.

Ele parou ao ver Basile na sua sala. É claro.

O piloto fechou a porta com um chute suave, respirando profundamente


ao encostar a testa contra a parede.

Silêncio.

Alex se livrou do uniforme, vestindo a primeira roupa mais larga e


confortável que encontrou na mala. Estava suando frio? Talvez fosse apenas
impressão.

Silêncio.

Por que Basile não estava fazendo nada? Falando algo? Era Basile, ele
deveria estar enchendo a merda do seu saco. Fazendo alguma piada ruim que
apenas aumentaria sua raiva e frustração com o momento.

Em vez disso, o francês se aproximou para parar na sua frente, entre o


pouco espaço que havia deixado entre a parede e o próprio corpo. Ele olhou
diretamente nos seus olhos, como se procurasse por qualquer coisa grave.

Ele não encontraria nada. Nada que fosse visível, pelo menos.

— Você não deveria estar na enfermaria, mon chéri? — ele perguntou,


finalmente. — Foi uma batida feia. Você demorou para sair do carro.

— Eu sei — rebateu, mais entredentes do que gostaria. Ou não, que


seja. Não devia merda nenhuma para alguém ali, devia?

Sim, uma boa corrida. Bons resultados. Um pódio. Você devia fazer o
mínimo como piloto. Como a porra do campeão que você queria tanto ser.

— Ei, não venha rosnar pra mim. Eu não tenho medo de você — Basile
disse, baixo. Baixo, mas não menos como um aviso. Se Alexandre queria
morder, Baz também iria. Não de um bom jeito, Alex sabia.
— Eu quero ficar sozinho — soltou, soando o mais suave que poderia
naquele momento. O que demandou mais esforço do que deveria.

Basile endureceu um pouco, parecendo surpreso. Em seguida, ajustou a


postura, afastando-se um pouco.

— Até, então. Me avise se precisar de qualquer coisa que eu possa


fazer.

— Não vou precisar — soltou, automaticamente. — Não esquenta.

— Uau. Perdão, Alexandre, eu adoraria ser um pouco mais útil pra você
quando necessário — Baz resmungou, pegando o casaco que havia deixado
sobre o sofá da sala para sair. — Quando precisar de alguém pra se distrair,
talvez eu volte a ser útil, não?

Antes que Alexandre pudesse responder, Beauchene saiu, batendo a


porta atrás de si.

Porra. Porra. Porra.

Alexandre se sentia tão pequeno. Exposto. Na beira de uma montanha


da qual poderia cair a qualquer momento, e não sobreviveria. Quase não
tinha sobrevivido antes.

E então, ele seria completamente sem utilidade outra vez. Assim como
era antes.

Assim como se esforçava e fingia não ser há alguns anos.

Mas, no fim, nada realmente muda.


 
TRINTA E UM

Basile já estava na cama, ao lado de Corvette, quando a tela do seu


celular se acendeu em uma chamada.

Alex.

Não se falavam desde o domingo da corrida anterior, na França. Mais


de uma semana sem qualquer contato, o que era… incomum. Porque mesmo
que não tivessem tantas conversas prolongadas ou com grandes assuntos,
ainda havia alguma comunicação.

Mesmo que essa comunicação fosse, na maioria das vezes, iniciada por
Alexandre mandando uma foto sem camisa, suado e cansado, depois de uma
sessão de exercícios na academia de onde quer que ele estivesse. Algo que
terminaria com Basile prometendo que acabaria com ele quando tivesse a
chance.

Coisas assim.

Mas não havia nada desde a última vez que se viram pessoalmente.
Basile imaginava a frustração de perder a primeira posição de uma
disputa – porque era o que podia fazer, apenas imaginar. Mas não esperava
que Alexandre descontaria nele.

Quer dizer, estava lá para tentar ajudar depois do susto que havia sido
vê-lo bater com tudo. Para se certificar de que ele estaria bem. Que não
precisaria de alguém ali.

Basile odiava ver qualquer impacto com um carro. Seu trabalho na


oficina de Dom não lidava com os mesmos casos, mas sabia o que uma
batida poderia fazer com alguém. Alguém que podia até sair ileso, mas que
logo se mostraria internamente afetado pelo baque de uma colisão.

Talvez isso o tivesse deixado mais sensível que o normal ao ver


Alexandre, o cara que havia pisado para fora do seu apartamento apenas
algumas horas antes, ir com tudo contra uma superfície sólida. Quando ele
demorou mais que dez segundos para se mover após o impacto, Baz poderia
jurar que todo o seu café da manhã ameaçou sair para fora.

Era demais para ele.

Demais.

Mesmo quando a câmera aérea mostrou Alexandre balançando a cabeça


dentro do carro, provavelmente se comunicando com sua equipe, Baz ainda
não se permitiu relaxar. Ver o piloto cambalear por um segundo ao sair
apenas piorou a sensação de ânsia dentro de si. Já havia visto inúmeros
acidentes pela televisão, alguns piores que aquele impacto, mas estar tão
perto de um que envolvia alguém tão próximo era algo completamente
diferente.

Tivera pesadelos com aquela mesma cena repetidas vezes durante a


semana.

Baz ponderou se deveria atender à chamada de vídeo, mas acabou por


concluir que sim. Não perderia nada, perderia? Ele afastou a sensação de um
cheiro amargo dentro do corpo ao atender.
Alexandre parecia estar sentado em um gramado, os fios recentemente
pintados de um castanho mais escuro presos por uma de suas bandanas.
Nenhuma camisa. Tão típico. Se estivesse certo quanto ao fuso-horário, ele
estava nos primeiros momentos de sua rotina matinal.

— Bom dia — ele disse, brevemente interrompido por um dobermann


que lambeu o seu rosto, mas logo se afastou novamente.

— Boa noite por aqui — murmurou, pousando o celular na mesinha ao


lado da cama para que pudesse continuar acariciando Corvette.

— Você tem algo importante marcado pra essa semana?

Baz ergueu uma sobrancelha antes de negar com a cabeça.

— Ótimo. Você pega um avião pela manhã.

— Perdão?! — disse, devagar. Porque definitivamente havia escutado


errado.

— Eu quero que você venha para a Austrália amanhã. Segunda-feira. O


que já é hoje por aqui, mas nós entendemos.

— Alexandre, eu não vou para a Austrália antes da equipe porque você


quer.

O piloto brasileiro pareceu murchar um pouco. Ele desviou o olhar


rapidamente, apenas estalando a língua para o cão em repreensão por algo,
antes de voltar a atenção para o celular.

— Olha, me desculpa. Eu não deveria ter te mandado embora daquele


jeito, mas eu não penso muito bem quando erro na pista, especialmente
durante a corrida. E eu sei que não justifica, mas eu realmente quero me
redimir, ou coisa assim.

— Se você falar comigo daquele jeito outra vez, eu vou fazer questão
de espalhar pro mundo que você fode mal e paga pessoas pra dizer o
contrário — disse, ainda em uma expressão séria. Porque, merda, não era
como se pudesse realmente resistir à cara de cachorro abandonado que
aquele cara tinha. Chamada de vídeo era realmente o golpe mais baixo que
ele tinha guardado na manga?

— Se eu falar com você daquele jeito outra vez, eu mesmo confesso


que pago pessoas pra dizerem que eu fodo bem — Alex sorriu um pouco,
embora ainda parecesse incerto. — Me desculpa, Baz.

— E o seu jeito de me pedir desculpas é me convidar pra mansão


gigante da sua família com tudo pago?

— Você disse que gosta de quem te banca, não é? — Quando Baz


ergueu uma sobrancelha na direção da câmera, Alex suspirou. — Não.
Pretendo fazer isso de verdade quando você estiver aqui.

— E se eu não quiser?

Alexandre soltou uma respiração quase exasperada. Basile


definitivamente iria, mas queria ver aquele olhar de desespero na cara do
piloto por mais alguns segundos.

— Eu vou te entender se não quiser.

— Acho bom ter um estoque de macarrão instantâneo para mim, mon


chéri — disse, por fim. — Me mande as informações por mensagem. Vou
falar com o vizinho que cuida de Corvette. Os seus pais não vão ligar?

— Eles estão viajando, só devem voltar antes da corrida.

— Ótimo, eu odiaria ter que me esforçar pra passar uma boa impressão
ou algo assim — Basile murmurou, observando Corvette se espreguiçar na
cama. — Eu vou dormir, então nos vemos amanhã.

— Até, Baz. — Alex abraçou o pescoço do cachorro. O que não durou


muito, porque o dobermann realmente parecia incapaz de se manter parado
por mais de cinco segundos. — Eu vou te buscar no aeroporto.

— Você vai tirar um carro da sua coleção pra me buscar? Uau, que
honra — ironizou, fazendo o mais velho revirar os olhos entre um sorriso. —
Boa noite, mon chéri.
— Bom dia, Basile — Alexandre disse, um tom de brincadeira quanto
ao fuso-horário. O sol que batia contra o seu rosto suado era o suficiente
para fazer com que o castanho de seus olhos parecesse dourado, brilhante.

De vez em quando, ele parecia saído de um comercial de roupas íntimas


masculinas – o que, parando pra pensar, Alexandre também já era.

O francês encarou a tela do celular quando a chamada foi encerrada,


antes de virar-se na direção de Corvette.

— Você vai me odiar se eu passar mais tempo que o esperado longe?


 

O sol australiano o mataria.

Basile começou a xingar a si mesmo por viajar com tantas camadas de


roupa para um lugar onde, nessa época do ano, o tempo era tão quente.

Encontrar o carro de Alexandre no estacionamento do aeroporto não foi


difícil. Não sabia qual o piloto tiraria de sua coleção de quase dez carros,
mas Duarte definitivamente era o único em uma população inteira que sairia
de casa para ir ao aeroporto com um Mustang de 1969.
— Eu vou ignorar completamente que você tem o mesmo carro que o
John Wick — resmungou, sentindo a necessidade de esconder as mãos
dentro dos bolsos do carro para disfarçar ou mascarar o formigamento nos
dedos.

O sorriso de Alexandre tornou-se imediatamente mais largo. Nerd.

— Para, é um clássico. Eu sabia que você reconheceria. — Ele fez um


movimento exageradamente teatral ao abrir a porta do passageiro para Baz,
que ergueu uma sobrancelha ao se aproximar. — Oi.

— Por que eu tenho a impressão de que você tá planejando algo que eu


deveria saber?

— Bom, de forma bem básica, você sabe minhas intenções em te


chamar pra passar a semana na minha casa quase completamente deserta.

— Quase?

— Eu não posso pedir pros funcionários vazarem também. Mas não é


como se eles fossem fofocar pros meus pais. — Alexandre deu um passo
para frente, se aproximando mais um pouco. — De modo geral, temos a casa
inteira pra nós. Menos a cozinha. Aria vai me matar se fizermos qualquer
coisa lá.

— E lá se vão meus planos de sexo na cozinha — ironizou.

— Posso te beijar?

Baz piscou, processando a pergunta.

— Você não precisa me pedir esse tipo de coisa.

— Eu não sei se você ainda tá bravo comigo.

— Alexandre, eu nunca estive bravo com você. Chateado, talvez. Eu


não queria te deixar sozinho e fiquei preocupado. A batida foi feia.
— Eu sei. Eu poderia ter pedido um tempo de outra forma. — Basile
poderia jurar que havia algo mais que Alexandre queria dizer depois, mas
impediu a si mesmo ao se inclinar para beijar primeiro o seu lábio inferior
com delicadeza, como se também tentasse pedir desculpas por meio do
gesto. Beijar o piloto ali, no país onde ele morava e era mais reconhecido,
era o tipo de risco que não deveria tentar correr. — Eu pensei em você o
tempo inteiro.

Bom, merda.

Mas gostava dos riscos, não? Os riscos que envolviam Alexandre


Duarte não deveriam fazer com que um arrepio percorresse pelo seu corpo.
E mais que isso.

O doce, vermelho e verde-limão. O tipo de combinação que não deveria


dar certo, mas que Basile gostava mesmo assim. Gostava, e ainda queria
mais. Porque aquele cara provavelmente era o único que o faria sentir
daquela forma.

— Você quer dirigir? — Alex perguntou, balançando as chaves entre os


dedos.

— Se eu bater, você vai me matar — provocou.

— Confio em você — Alex disse, colocando a chave na sua mão e


beijando o seu queixo antes de entrar pelo lado do passageiro do seu lugar.
— Vamos lá, John Wick.

O piloto colocou o endereço no GPS, que indicou que seria cerca de


quarenta minutos de viagem até chegar aonde Alexandre morava com a
família. O que não era uma surpresa, porque ele já comentara uma vez que
morava em um lugar um pouco afastado da cidade.

Ele ligou o som do carro ao esticar as pernas sobre o painel, mas a


música que soou não era em uma língua que Basile entendesse. Português,
provavelmente.

— Quem é? — perguntou, chamando a atenção do piloto. Alexandre


pareceu demorar para entender que se referia ao cantor da música, mas ele
abriu um sorriso assim que percebeu.

— Cazuza.

— Nome interessante — comentou.

— Nome artístico. Ele tem as melhores músicas que eu já escutei na


minha vida.

— Vocês são amigos?

Alexandre se manteve em silêncio por um momento, parecendo conter


uma risada sem graça.

— Baz, ele faleceu antes de eu nascer.

— Ah. — Baz ajustou a postura, um pouco sem jeito. — Que pena, ele
cantava muito bem.

— Vou te fazer ouvir toda a minha playlist de músicas brasileiras. Já


ouviu falar na Marisa Monte?

— Você sabe que eu nem sei o que isso significa, mon chéri.

Alex riu.

— É uma cantora. Você vai gostar, principalmente das letras.

— Vou deixar o tradutor do meu lado quando você tocar.

O brasileiro não respondeu, apenas continuou cantarolando a música


que tocava ali. Ele parecia mais leve do que no início da conversa, como se o
medo de que Basile não agisse como o de costume estivesse se dissipando.

Ele realmente havia pensado que uma única falta e erro de comunicação
faria com que o odiasse para sempre? Uau.

— Você tem algum problema com cachorros? — Alexandre perguntou


quando, de acordo com o GPS, estavam a cerca de cinco minutos da casa dos
Duarte.

— Bom, não. Não até o momento.

— É que o Bonner fica um pouco… histérico com pessoas novas.


Animado. Empolgado. Fora de controle. Mas ele é um amor, eu juro. Você
só não vai ter paz nenhuma nos primeiros… trinta ou quarenta minutos.
Talvez ele te dê cinco minutos de descanso depois disso.

Baz riu, assentindo.

— Tudo bem, acho que eu posso aguentar o ataque de felicidade.

— Ele gosta de quem eu gosto, então é uma zona segura.

Apenas o portão para a entrada do terreno era o suficiente para chamar


a atenção de qualquer um que passasse por ali. Alexandre liberou a entrada
por algum tipo de sinal instalado em seu celular e indicou a entrada para a
garagem onde deixaria o carro – e onde todos os seus outros carros estavam.

— Não repara na bagunça, hoje é dia de limpeza — ele comentou,


gesticulando na direção da tal bagunça, o equipamento e outros itens de
limpeza ao redor dos veículos.

— Eu ainda não acredito que você tem uma coleção de carros. Achei
que isso fosse coisa de filme.

— Sei lá, meu sonho de adolescente era ter os carros que eu via em
filmes e outros que eu achasse maneiros, então é legal. — Ele deu de
ombros, despreocupado. — Olha, aquele é um Mazda RX-7. Velozes e
Furiosos.

É claro que ele teria um carro de John Wick e Velozes e Furiosos.


Basile tocou a pintura impecável, abaixando-se por um momento para olhar
as rodas perfeitamente bem cuidadas.

— Ainda fabricam esse carro? — murmurou ao sair do automóvel em


que estavam, olhando ao redor.
— Não, pararam em 2002. Eu dei meu jeito. — Alex usou o celular
para fechar o portão, acenando na direção de um homem que cuidava do
jardim da mansão. — Vem, o almoço deve estar quase pronto.

O caminho do galpão que era a garagem até a casa não era longo, mas
Basile não conseguiu dar mais que dez passos antes de ver o dobermann –
Bonner, não era? – correndo na sua direção. O cachorro o rodeou algumas
vezes antes de pular na sua direção, perambulando ao seu redor mais vezes
entre pulos e latidos. Ele repetiu o ciclo de movimentos animados com
Alexandre, que se comunicou com ele em uma língua que Baz não entendeu,
mas definitivamente sabia reconhecer.

— Isso é alemão?

— É, ele é… instruído em inglês, alemão e português. Não que ele


realmente obedeça, de qualquer forma. — Bonner sentou na frente do
brasileiro, mas não por mais de dois segundos. — É imparável.

Baz riu da cena, porque o animal parecia realmente indeciso entre


obedecer às ordens de Alexandre ou receber o convidado como de fato
queria.

— Bonner, eu vou te mandar pro banho! — Alex exclamou, e foi o


suficiente para que o cão finalmente parasse. Mais ou menos, porque ele
ainda parecia a um único passo de voltar a saltitar ao redor de Basile. —
Isso. Calma. Você realmente precisa aprender algo com Corvette.

— Que saudades da minha garota — murmurou, bufando baixo.

Alexandre pegou a sua mão – o que já era outro gesto inesperado –,


puxando-o pelo caminho que os levaria até a entrada da casa, enquanto
Bonner continuava a pular e latir ao redor deles.

— Eu realmente espero que você tenha tirado os tênis, Alexandre —


uma mulher disse assim que se aproximaram da cozinha. Ela estava de
costas, então não viu o piloto se livrar dos tênis que calçava silenciosamente.
Muito menos Baz, que repetiu o gesto em seguida.

— Eu nunca esqueço, Aria — o piloto mentiu.


Aria virou-se na direção deles para falar algo, mas parou ao perceber
que Alexandre não estava sozinho. A mulher sorriu.

— Oh, eu não sabia que teríamos um convidado! Poderia ter preparado


algo especial pro jantar, Alexandre!

— E acabar com seus planos para fazer aquele molho perfeito pro
macarrão? Seria um ato muito irresponsável da minha parte. — Alex
apontou para a mulher e depois para Baz. — Aria, esse é o Baz. Baz, essa é a
Aria. Ela manda em tudo por aqui, mas principalmente na cozinha. No seu
lugar, eu casaria comigo mesmo só pra poder conviver com ela também.

— Ele fala muito sobre você — Baz comentou, sentindo-se altamente


observado pela mulher. Por que ela parecia tão surpresa com a sua presença
ali? Achava que convidados de Alexandre fossem comuns, mas talvez não.
Ou, talvez, fossem as suas tatuagens. Talvez ela soubesse sobre seu pai e
pensasse que Alexandre estava andando com quem não deveria? Porra,
deveria ter conversado sobre isso com o piloto antes.

— Aria, você pode pedir pro Carl levar a bagagem do Baz pro quarto?
Obrigado — Alex pediu, deixando um beijo leve na cabeça da mulher que
tinha pouco mais da metade da sua altura ao passar por ela, roubando ainda
um pedaço de algo que estava fatiado sobre a bancada. Aria fez uma careta,
batendo no ombro dele. — Baz, você quer descansar antes de jantar, ou…

— Eu dormi pra caralho no avião, não acho que vou precisar descansar
tão cedo. Mas eu ficaria feliz com um banho.

— Bagagem e banheira, Aria — Alex pediu, acenando para a mulher ao


se afastar. — Eu vou mostrar tudo pro Baz enquanto isso.

— Aproveitem, mas nem tanto — Aria disse, estreitando os olhos em


uma expressão falsa de repreensão.

— Isso eu já não posso prometer — o rapaz murmurou, em uma altura


que apenas Basile poderia ouvir.
 
TRINTA E DOIS (flashback)

Nicole Duarte foi a primeira pessoa em anos que teve acesso a


Alexandre.

E, com acesso, significava que ela era a única que conseguia tirar algo
do garoto além de alguns palavrões, deboches e algumas ameaças.

Em uma tarde qualquer, enquanto a maior parte das crianças e jovens


do lugar assistiam a um filme na sala, Nicole estava focada em uma partida
de xadrez com Alexandre.

— Nicole, eu tenho quase certeza de que existe uma regra sobre o


tempo que você pode usar pra fazer uma jogada, e certeza de que é menos de
dez minutos.

— Você está me atrapalhando — ela rebateu, gesticulando com a mão.

Alexandre riu, balançando a cabeça. Essas tardes de conversas, jogos e


qualquer tempo livre ao lado de Nicole estavam se tornando cada vez mais
frequentes.
Ela o entendia. De alguma forma, sem que precisasse falar sobre tudo o
que se passava pela sua cabeça diariamente, Nicole o entendia. Não lhe
cobrava nada além do que estava disposto a dar, assim como não parecia
esperar nada. Apenas o que ele queria ser era o suficiente.

— Nicole. — Alexandre levantou o olhar na direção da voz feminina. A


diretora, que odiava a existência de Alexandre desde que ele havia pisado
naquele lugar, estreitou os olhos na direção do rapaz, antes de voltar os olhos
para Nicole. Ela suavizou quase imediatamente. Nicole tinha esse efeito
sobre as pessoas. — Podemos conversar?

— Claro. — Nicole olhou na direção de Alexandre, erguendo uma


sobrancelha. — Se você mexer nas minhas peças, eu vou saber.

— Depois de encarar o tabuleiro por tanto tempo, eu não me


surpreenderia. Vai lá, eu não preciso trapacear pra ganhar de você.

Ela riu ao se levantar, acompanhando a mulher para fora do recinto.

Alex não contou quanto tempo Nicole ficou fora, mas havia sido tempo
suficiente para que ele lesse dois ou três capítulos do livro que estava
mantendo-o distraído nos últimos dias – E Não Sobrou Nenhum, da Agatha
Christie, porque gostava de discutir sobre esse tipo de livro com Nicole.

— Porra, finalmente — suspirou, fechando o livro assim que ela entrou.


— O que aconteceu?

Nicole o fitou, e Alexandre soube que algo havia acontecido. E que, de


alguma forma, o envolvia.

Sabendo bem da própria sorte, Nicole estava prestes a afastá-lo para a


eternidade. Era sempre assim. Era por esse mesmo motivo que não a queria
por perto. Pessoas como Nicole nunca ficavam por muito tempo com
pessoas como Alexandre.

Era como o mundo funcionava. Fim. As coisas estavam em pleno


controle antes que ele se esquecesse disso.

— Nicole…? Eu fiz alguma coisa errada?


— O quê?! Alex, não. De forma alguma. Quer dizer…

— Quer dizer… — repetiu, colocando-se de pé. Quando Nicole não


respondeu mais uma vez, o garoto engoliu em seco. — Nicole.

— Bom, elas acham que você está se aproximando de mim pra


conseguir algo.

Elas. A equipe dali. Não era uma surpresa total, porque Alex não era
exatamente o exemplo de comportamento daquele lugar. Talvez estivesse
distraído nas últimas semanas – graças a Nicole, principalmente – mas ainda
não era lá o sonho de criança disponível para adoção.

Na verdade, estava certo de que só sairia dali quando sua idade já não
fosse mais uma desculpa para continuarem o alimentando e dando uma cama
para dormir.

Mas se aproximar de alguém por interesse?! Isso, sim, era demais.


Especialmente se esse alguém fosse Nicole. As condições financeiras da
mulher não eram um segredo para ninguém ali – Alex ainda não sabia por
que ela trabalhava lá –, mas jamais, nunca pensaria em fazer qualquer coisa
por interesse a envolvendo. Ou qualquer pessoa. Era simplesmente ridículo.
Nunca aceitaria um tostão que Nicole oferecesse a ele por pena.

Alexandre engoliu em seco, observando a mulher.

— E você acredita nisso?

— Alex, é claro que não. — Nicole murchou, como se saber que ele
pensava que ela concordaria com um absurdo desses a fizesse mal. — Eu
nunca pensaria algo assim de você. Nunca me deu motivos pra isso.

— Então mande essa gente pra merda. Por que parece que você viu a
porra de um fantasma?

Ela engoliu em seco, apertando suavemente a base do nariz ao respirar


fundo.

— Não era para essa conversa ser assim…


— Assim como, Nicole?! Por que você não me explica?

— Xander, você poderia, por favor, se acalmar? — ela pediu, e só então


o garoto percebeu que estava ofegante. Assustado. Não achava que a
possibilidade de um afastamento de Nicole o assustaria tanto, e a consciência
disso não era lá muito melhor. Não era para fazer tanta questão de alguém.
Não era seguro. — Eu… bom, disse que queria adotar.

— E acham que eu estou tentando fazer com que você me adote?

— Não, Alex. Eu disse que queria adotar você.

O garoto parou. Tinha escutado errado, certo?

Com certeza.

— Você não quer me adotar — disse, baixo.

— Eu não entrei com o processo oficial ainda, mas… bem, eu e Ângelo


gostaríamos de adotar alguém, se esse alguém fosse você. Só você. Só
precisamos saber como seriam os procedimentos.

— Nicole, você não quer me adotar.

— Por que eu não iria querer, Xander?

— Não me chame assim — disse, ríspido. Normalmente não ligaria


para o apelido ridículo que Nicole o havia dado, mas não estava lá em seus
melhores momentos. — Eu já tenho dezessete anos, não preciso de uma
família.

— Todo mundo precisa de uma família.

Alexandre engoliu em seco, com dificuldade. Todo mundo. Ele já tivera


sua chance de ter uma família e a perdera, uma segunda chance não parecia
ser uma possibilidade real. Ele não merecia uma segunda chance.

Ele não era o único a pensar isso.


— Te mostraram a minha ficha, não é?

Nicole respirou fundo antes de assentir.

— Eu não entendo. Por que eu? Por que não uma das crianças? E você
não é, sei lá, velha. Por que você não engravida?

— Porque eu não consigo, Alex.

O garoto soltou uma respiração exasperada. Pediria desculpas por fazer


uma pergunta que claramente a afetou tanto se tivesse a capacidade de falar.
Para Alex, a relação deles não passava de algo que ficaria ali para sempre.
Ou até que ele fosse embora por si só.

Quando Nicole continuou, o garoto respirou fundo mais uma vez.

— Se você não quiser, eu vou entender. Eu entendo que você se sinta


assustado. Entendo que, depois de tanto tempo, você pode achar que tem
algo errado. E, principalmente, entendo que esteja acostumado a pensar que
vai ficar sozinho. — A mulher arrumou as mechas escuras de cabelo que
caíram sobre o seu rosto atrás das orelhas, umedecendo os lábios. — Mas,
Alex, você não precisa ficar sozinho. Você não precisa se contentar com
pouco quando pode ser tanto. Você me conhece, certo? Eu não te
machucaria.

— E se eu te machucar?

Mais uma vez, os ombros de Nicole murcharam.

— Por que você me machucaria, querido?

— Porque eu estrago as coisas. E decepciono as pessoas. Eu erro muito.


Me irrito fácil, todo mundo diz que eu tenho um problema com a raiva. Não
sei ter uma família. O seu marido provavelmente vai me odiar. Eu nem sei
como você não odeia.

— Você sabe o quanto eu fico triste sempre que tenta convencer a si


mesmo que não merece todo o amor e felicidade do mundo? — Nicole
murmurou, calma.
Alexandre não merecia. Ele havia carregado essa certeza durante toda a
vida, então quem era Nicole para dizer o contrário?

— Eu quero ficar sozinho — pediu, fungando baixinho.

— Tudo bem. — Nicole se levantou, abrindo um de seus sorrisos que


seria capaz de confortar qualquer pessoa. — Promete me chamar se precisar
de algo?

O garoto assentiu, mas não pretendia realmente fazê-lo.

Quando Nicole saiu, deixando-o sozinho no quarto, ele se encolheu


sobre o colchão desconfortável de sua cama, repassando a conversa
mentalmente. Nicole Duarte falava como se ele merecer uma vida melhor
fosse um fato, e não apenas uma opinião.

E uma parte dele, uma que não se mostrava existente há mais tempo do
que poderia contar, desejou que fosse verdade.
 
TRINTA E TRÊS

— Você fez alguma faculdade? — Basile perguntou quando Alexandre já


estava perto de cair no sono.

Não que a voz baixa e rouca do francês o tivesse despertado


imediatamente. Depois de um tour rápido por toda a extensão da casa de sua
família, um jantar bem-humorado ao lado de Aria e um bom tempo de
amassos na banheira do quarto, ele estava cansado o suficiente para que o
sotaque e a calma na voz de Baz fossem como uma canção de ninar.
Conforto. Sim, essa era uma palavra que cabia bem ao que estava sentindo
ali, no escuro do quarto ao lado dele.

O rapaz, por sua vez, não parecia tão cansado assim. De acordo com
ele, dezesseis horas de viagem foi o suficiente para que dormisse o que
dormiria em uma semana inteira. Ele estava descansado, mas não tinha
problema nenhum em passar a noite ao lado de um Alexandre em seu quinto
sono. O piloto ainda tinha sua maldita rotina de sono a cumprir.

Depois de uma semana inteira jurando que Basile nunca mais olharia na
sua cara, era bom tê-lo por perto.
— Fiz — disse, após alguns segundos para processar a pergunta. —
Ciências sociais. Não que eu goste muito, mas eu queria ter um diploma. Pro
caso de tudo dar errado.

— Eu me pergunto o que seria dar errado na sua concepção de filho de


milionários.

Alex soltou uma risada sonolenta, os olhos ainda fechados. A sensação


dos dedos de Baz brincando com a barra da sua camiseta não era lá de muita
ajuda para se manter focado, mesmo que não parecesse haver qualquer tipo
de malícia no movimento. Baz provavelmente só estava mexendo com a
peça de roupa porque não conseguia ficar com as mãos paradas por muito
tempo.

— Ser filho de milionários estava entre a lista de coisas que eu achava


que daria errado — murmurou. Normalmente, não falaria esse tipo de coisa
para qualquer pessoa.

Mas Baz não era qualquer pessoa. Baz estava na sua casa, conhecendo
uma parte de si que pouquíssimas pessoas conheciam. Do seu quarto até os
quadros de fotos espalhados pelos corredores. Da bagunça de pôsteres de
filmes antigos que era a sua parede, os livros e CDs organizados na estante e
a garagem repleta de carros que só haviam sido todos mostrados uma vez em
uma entrevista que mal durou quinze minutos. Não era como estar em um
quarto de hotel, onde poderia esconder e fingir que sua vida ia muito além
das pistas de uma corrida da maior categoria do automobilismo.

Por mais que parecesse óbvio, não tinha pensado nisso até ver o francês
analisando a foto que tirou ao lado de Nicole na primeira vez que saíram
para comer um McDonald's, na semana em que os documentos da adoção
foram assinados. Baz não disse nada sobre, mas passou tempo o suficiente
encarando a foto. Como se ela devesse ser – e realmente era – algo grande.

— Mas não deu errado. — Basile deslizou os dedos pela sua cintura.

— Não, não deu — concordou. — Mas eu já sou um pouco conhecido


por me preparar demais pra tudo dar errado.

— Você sempre quis estar na Fórmula 1?


Alexandre abriu os olhos, mesmo que não pudesse ver muito de Baz no
escuro do quarto. Via a silhueta dele contra a iluminação externa da casa,
mas nada além disso. O perfume que ele havia roubado da sua coleção era
um mais suave, o tipo de fragrância que fazia com que se sentisse onde
estava: em casa.

— Eu sempre amei a Fórmula 1. Viver disso não era uma possibilidade,


e eu não gostava de sonhar com coisas impossíveis. Ainda não gosto —
explicou. — Então, bem, eu não pensava em estar. Mas via pessoas como
Ivan, Kohler e Lennox e pensava que seria incrível entrar para a história
como eles. Parando para pensar agora, eu só queria mostrar para alguém que
era mais do que eu parecia ser, e a Fórmula 1 era meu lugar de projeção mais
próximo.

Basile permaneceu em silêncio por alguns segundos, e Alexandre achou


que o assunto seria finalizado ali.

— Você é bom — o francês disse, por fim.

— Talvez eu seja.

— E eu acho que você vai entrar para a história também. Talvez não
agora, mas você é novo.

Dessa vez, Alexandre não conteve um sorriso mais largo, ainda


preguiçoso.

— Eu não me compararia com Ivan, muito menos alguém como Kohler,


mas é muito legal da sua parte.

— Andries Kohler era um filha da puta, não sei se você se lembra.

Qualquer bom fã da categoria do automobilismo mataria Basile por


falar assim da lenda austríaca dos anos 90.

Talvez ele estivesse certo, mas ninguém gostava de admitir que uma
figura extremamente lendária nas pistas era uma pessoa de caráter altamente
questionável.
— Obrigado, Baz — soltou, de forma sincera. Não pensava que estaria
na história como aqueles nomes, mas ver que alguém acreditava nisso era…
bom.

Acreditava, e não esperava ou cobrava isso. Havia uma linha tênue, mas
facilmente identificável.

— E você? — perguntou, depois.

— Trabalhar em uma equipe de Fórmula 1? — Baz perguntou, um


sorriso notável entre as palavras que saíram. Alex assentiu. — Nunca. Ainda
não quero. Eu odeio o meu trabalho e daria qualquer coisa pra voltar a ser só
mecânico na oficina do Dom. Se Bernard me livrar ano que vem, eu vou cair
fora na primeira oportunidade.

Alexandre não esperava uma resposta tão direta.

— Por quê?

— Por que não? Todos agem como se fosse o melhor trabalho do


mundo, e talvez seja. Só não é pra mim — ele explicou. O que, parando pra
pensar, se encaixava muito no que ele tinha dito uma vez sobre não sair da
rotina. — Eu sinto como se estivesse roubando o lugar de alguém que
realmente merecia estar ali, que gostaria do emprego.

— Mas você é um bom engenheiro.

— Não posso negar. — Baz se inclinou para frente, deslizando a ponta


do nariz pela sua nuca. Alexandre não ligava para a proximidade com
alguém para dormir, mas cair no sono sob o toque descompromissado do
francês não era algo ruim de se ter. Mesmo sem abraços ou conchinhas,
ainda havia a presença a mais. O calor próximo. Gostava dessa parte. —
Você tem algo planejado pra amanhã?

— Pensei em sair durante o dia, conheço uns lugares legais. Meus


amigos vão fazer um churrasco. Mas, sabe, um churrasco típico brasileiro,
nada da besteira australiana. Se você quiser, nós podemos passar por lá.
— Mon chéri, você vai me apresentar para os seus amigos? — Baz
provocou, o que fez com que o piloto empurrasse o seu ombro, mesmo o
puxando de volta no segundo seguinte para aconchegar-se perto dele. — É
brincadeira, eu topo. Eles são brasileiros?

— A maioria, sim.

— Tudo bem, só não me acorde antes das dez. É demais pra mim.

— Claro que é demais, você dormiu a sua viagem inteira —


resmungou, tornando a fechar os olhos. — Boa noite, Baz.

Mais uma vez, o francês se inclinou para percorrer o seu pescoço com a
ponta do nariz. Ele não respondeu com palavras, mas Alex imaginava que
aquilo era algo como um boa noite também.

Alexandre acordou quando o sol começava a nascer. Havia colocado


um despertador baixo para evitar acordar Basile também, e talvez tenha
perdido alguns bons minutos analisando pelo que parecia ser a milésima vez
a infinidade de tatuagens que cobria cada centímetro de pele dos braços e
peito do francês. A águia no peito, o tigre no ombro, os morcegos e as
adagas nos braços.

Não havia uma mínima possibilidade de Baz passar despercebido em


qualquer lugar.

Ele mandou uma mensagem para Jolene, confirmando se ela estaria


presente na corrida. Os últimos meses haviam os afastado
consideravelmente, principalmente pela agenda de gravações lotada, mas
realmente esperava tê-la por perto naquele final de semana.

Depois de correr pelo quarteirão ao lado de Bonner por quase uma hora
e fazer mais uma série de exercícios na academia da casa, Alex não conteve
um sorriso ao ver Aria na cozinha. Aria e uma garrafa de café já pronto.

— Bom dia, meu bem — ela cumprimentou, batendo na sua mão


quando tentou pegar um pouco do que parecia ser geleia caseira em uma
panela. — Seu namorado ainda não acordou?
— Ele não é meu namorado e tem sérios problemas pra acordar cedo,
eu não me surpreenderia se ele só levantasse pro almoço.

— Como assim, não é seu namorado?

Alex deu de ombros.

— Não namoramos.

— Mas você o trouxe aqui mesmo assim.

— Ele é confiável, Aria. Eu não traria ninguém que pudesse fazer


qualquer coisa contra mim ou contra a minha família.

— Mas é essa a questão, não é? — a mulher sorriu, cruzando os braços.


— Garoto, eu trabalho aqui desde que vocês se mudaram. Pelas minhas
contas, você deve ter deixado duas pessoas de fora do círculo dos seus pais
pisarem nesse lugar. Jolene e uma jornalista que sequer pisou dentro da casa,
só na sua garagem.

— Não sei aonde você quer chegar — mentiu. Sabia bem o que Aria
queria dizer, só era mais fácil fingir que não. Talvez, assim, conseguisse
mais tempo para pensar em uma resposta.

— Você não é besta, Alex. Esse garoto é importante.

— É claro que ele é. Só não vejo motivos para agir como se fosse uma
grande coisa. Não é como se isso fosse sinônimo de um compromisso. — O
piloto aproveitou a distração para roubar uma colherada inteira da geleia
caseira. — Eu acho que não vou ter um tão cedo.

— Por quê?

— Você já quer saber demais, gata — brincou. Porque Basile gosta de


uma rotina, e é tudo que eu menos tenho. Porque ele não quer continuar
trabalhando com o mesmo que eu, o que significaria uma distância
gigantesca entre nós. Porque ele não demonstra qualquer mínimo interesse
em ter qualquer tipo de compromisso comigo.
Alexandre não se sentia mal por isso. Seria infantil da sua parte se
deixar abalado por algo como um caso que nunca deixaria de ser apenas um
caso. Não seria a primeira vez.

Mais uma vez, ele estava acostumado a nunca ser suficiente para se
encaixar de verdade na vida de alguém. Talvez, quando sua carreira se
estabilizasse de alguma forma e deixasse de ser visto como a grande
novidade do mundo dos esportes e uma nova figura se tornasse mais
interessante, ele tivesse mais chances de construir algo sem tanto medo de
tudo que poderia acontecer com a influência ao seu redor.

— Você pode preparar o café pro Baz? Eu vou tomar um banho e voltar
pro quarto — pediu, fugindo do assunto. Quando ela assentiu, ele agradeceu
baixo antes de se afastar.

Alexandre tomou um banho no chuveiro geral do primeiro andar antes


de voltar para o quarto com o café da manhã separado por Aria.

E, como o esperado, Basile ainda parecia bem longe de acordar. Alex


não o culpava. As cortinas daquele quarto não deixavam um único fio de luz
passar, e o colchão era impossivelmente confortável. Nenhum hotel cinco
estrelas seria capaz de ser melhor que a sua casa.

O piloto revirou os olhos ao perceber que Aria havia separado um


pedaço generoso da torta de morango para Baz. Ela mal o conhecia, mas já
estava disposta a mimá-lo.

— Hora de acordar — anunciou, abrindo parcialmente as janelas.


Apenas o suficiente para clarear um pouco o ambiente antes de deslizar para
baixo dos cobertores, de onde Baz soltou um resmungo irritado para tentar
afastá-lo. — Eu não te convidei pra minha casa pra dormir.

— Ah, vai se foder — Basile grunhiu, enfiando uma almofada na sua


cara. — Que horas são?

— Nove e quarenta e cinco.

— Eu não acredito que você me acordou antes das dez.


— Quinze minutos, Baz.

— Quinze minutos de sono mudam vidas — Baz suspirou, puxando-o


para perto. — Você vai ter que me compensar depois.

— Era pra ser uma ameaça? — murmurou, sob a sensação das mãos do
francês percorrendo da sua cintura até as coxas. — Eu trouxe o seu café.

— Se eu me acostumar com isso, pode ser que eu more aqui também —


ele ironizou. — E eu traria Corvette.

— Corvette poderia ter um quarto só pra ela, se você quisesse.

— E o meu quarto?

— Não entendi, você tem algum problema com esse?

Baz o empurrou para o lado, uma risada preguiçosa o deixando quando


sentou na cama.

— Aquilo é torta?

— De morango. Da Aria. Ela te deu uma fatia duas vezes maior que a
minha, então já sabemos quem é o favorito.

— Eu juraria que ela não me curtiu muito ontem — ele comentou,


esfregando os olhos. — Ou é só coisa da minha cabeça.

— Ela ficou surpresa que eu convidei alguém pra passar uns dias aqui,
só isso — explicou. — Meus pais são reservados quando o assunto é a casa.
Eu também fiquei, com o passar do tempo. Esse lugar é o único em que
ninguém além dos funcionários tem a chance de tocar.

— E por que você me chamou, então?

Alex o olhou.

Bom, boa pergunta.


— Porque eu queria te ver e seria ridículo te pedir pra ficar em um
hotel.

— Entendo. — Baz se inclinou para alcançar o café enquanto ainda


estava quente. — E seus pais não ficariam irritados se soubessem que você
chamou um desconhecido pra ficar aqui?

— Não seria assim. Eles me dão a liberdade de chamar quem eu quiser,


quando eu quiser — murmurou. Talvez só fosse um pouco difícil de
entender a dinâmica de vida que levavam para evitar que o resto do mundo
visse também suas vidas quando estavam em casa. Alex não sabia como
explicar, mas apenas funcionava. — No máximo, ficariam surpresos porque
não é um hábito

— Mesmo sabendo quem é meu pai?

Lá estava. Sobre isso, Alexandre não saberia prever. Não era uma
novidade que tanto Ângelo quanto Nicole não suportavam Bernard
Beauchene por conflitos antigos, mas como poderia saber como eles veriam
o seu… relacionamento com o filho dele?

Seria uma decepção que se colocasse em um risco como esse?

— Não sei — confessou. — Mas não precisa ser uma preocupação.

— Não é, eu vou dar o fora antes que eles voltem. — Baz bebeu um
longo gole do café antes de puxar a torta para si. — Se eu não fosse gay, eu
te trocaria pela Aria.

— Se ela não fosse casada, eu te trocaria pela Aria.

Baz parecia confortável ali, comendo calmamente enquanto o


observava arrumar o quarto. Alex guardou as roupas que haviam sido
deixadas perfeitamente dobradas sobre a mesa, organizando-as no closet.

Ele escovou os dentes e tentou arrumar os fios escuros que pareciam


um caos sempre que acordava, mesmo que fosse impossível. Basile parecia
sempre ter acabado de cair da cama em qualquer horário do dia, mas isso
não o fazia ser menos atraente.
Na verdade, fazia com que ele fosse ainda mais gostoso. Mas era cedo
demais para que Alexandre pensasse em tudo que tornava Baz uma das
pessoas mais atraentes que já conheceu em toda a sua vida.

— Vocês vão almoçar por aqui? — Aria perguntou quando desceram


para o primeiro andar.

— Não, eu vou levar o Baz naquele restaurante que eu gosto —


balançou a cabeça. — Depois vamos pra casa do Victor, então não precisa
fazer o jantar pra nós também, vamos voltar bem tarde. Por que você não tira
o dia de folga?

— Já que você insiste — ela disse, gesticulando como se Alex


realmente tivesse feito um grande esforço para convencê-la. — Vou ao
cinema com meu marido.

— Cara de sorte — Baz brincou, com o vape entre os lábios.

— Eu disse que todo mundo quer casar com você — Alex reforçou,
fazendo a mulher revirar os olhos em um sorriso. — Até amanhã, Aria. E
bom filme com o seu marido.

Alex deixou que Baz escolhesse o carro que usariam para sair – e ele
escolheu o Mazda, legal e não chamativo, de acordo com suas palavras. E o
levou até um de seus restaurantes favoritos, um mexicano que ficava a uma
distância de meia hora de casa.

— Você não sente falta do Brasil? — Baz perguntou enquanto comia


uma porção inteira de tacos vegetarianos, o que deixava sua consciência um
pouco menos pesada por sair da dieta em semana de corrida.

— Eu vivo visitando o Brasil, não é como se eu tivesse tempo pra sentir


falta de lá — disse, dando de ombros. — Da comida, talvez, mas Aria é
ótima em fazer qualquer prato que eu quiser. Até o clima é bem parecido,
dependendo da época do ano.

— Você prefere a Austrália, então?

Alex o fitou, pensando um pouco.


— Não sei se eu prefiro qualquer lugar. Por que preferir um lugar
quando eu posso ver o mundo inteiro?

— Porque, normalmente, alguém sempre tem um lugar para chamar de


casa. — Basile recostou-se no assento, olhando-o com um sorriso torto. Mais
uma vez, como se procurasse entender algo sobre ele que, talvez, nem
mesmo Alex soubesse.

— Minha casa é onde eu possa estar com as pessoas que eu amo.

— Mas, mesmo assim, você nunca se sente em casa.

— Aonde você quer chegar? — Alex perguntou, erguendo uma


sobrancelha.

— Tentando comprovar uma teoria — Baz respondeu, calmamente.


Antes que o piloto pudesse perguntar qualquer coisa, ele continuou. —
Ainda sem muitas evidências.

— Eu sou seu projeto de pesquisa, então? — ironizou.

— Você é meu… — Alexandre não sabia se Baz pretendia terminar a


frase após a mordida em suas tortillas ou se estava insinuando que era
realmente dele, mas o modo como o francês o olhou foi o suficiente para que
não dissesse mais nada.

Alexandre percebeu que a frase não tinha mesmo uma conclusão. Você
é meu. Simples assim, jogado ao vento. O piloto gostou mais do que
provavelmente deveria disso.

Alexandre poderia se acostumar com isso.


 
Quando se mudou para a Austrália com Ângelo e Nicole, Alexandre
tinha a certeza de que se sentiria como um peixe fora d'água. Por um tempo,
foi a realidade. Ainda estava se acostumando com a rotina que envolvia estar
com pessoas que aparentemente o amavam como se tivesse nascido deles.

Isso sem mencionar que, apesar de fazer aulas de inglês durante toda a
semana, não era como se estivesse sempre seguro em si mesmo para existir
quando saíam de casa. Quando ia para as aulas ou precisava conversar com
amigos de Nicole e Ângelo.

Na verdade, quando tudo começou, Alexandre não tinha qualquer


segurança em si mesmo para todos os aspectos da sua vida.

Por isso, quando conheceu um grupo inteiro de brasileiros no primeiro


ano de faculdade, sua rotina se tornou um tanto mais fácil. Não que tivesse
grandes talentos de socialização antes que precisasse aprender a lidar com
mais atenção, quando seu nome começou a tornar-se reconhecido não apenas
como parte da família, mas também nas primeiras categorias do
automobilismo, mas conhecer pessoas que se identificavam um pouco mais
com ele ajudou muito.
E mesmo alguns anos depois, com a sua ascensão à celebridade
internacional, o pequeno grupo continuava intacto.

— É uma galera bem hétero, acho legal deixar avisado — disse quando
Baz entregou as chaves do carro na sua direção. — Menos o Victor, mas não
pense que isso dá algum caráter pra ele.

— Victor é o dono da casa, né? — Baz perguntou, observando os


portões da casa se abrirem automaticamente. A casa de Victor não era tão
grande quanto a sua, mas ainda era um terreno chamativo entre o bairro
residencial. Alex nunca entenderia como o cara conseguia viver em um lugar
tão grande sozinho.

Se morasse sozinho, provavelmente seria em um apartamento como o


de Basile. Pequeno, apenas seu e muito bem-organizado. Sem funcionários
ou espaço para que pessoas tentassem bisbilhotar a sua vida.

— É, ele é filho de um produtor musical brasileiro. Meio príncipe da


música na família, ou algo assim. — Alex tirou o boné que havia
permanecido entre o cabelo castanho durante o dia inteiro, dando de ombros.
— Ele tem uma banda que tá crescendo pra caralho nos últimos meses, você
já deve ter ouvido por aí.

Baz olhou ao redor. A música alta – um funk, claro, porque as festas de


Victor sempre deveriam fazer parecer que estavam em algum bar
universitário de São Paulo – já podia ser ouvida mesmo da parte frontal da
casa.

Era preciso passar por um corredor inteiro para chegar à área traseira do
lugar. Um corredor cheio de fotos com todo tipo de celebridade, porque
Victor gostava de se exibir ao máximo, como se também não fosse
reconhecido facilmente por aí.

Era fácil perceber a diferença entre um churrasco feito por brasileiros


ou por qualquer outra pessoa. Não apenas pela música, mas por toda a
preparação da comida – Alexandre nunca se acostumaria com a falta de
carne de verdade nos chamados churrascos norte-americanos. E, claro, havia
a bebida.
Victor foi o primeiro a notar a sua chegada e se aproximou com um
sorriso largo e uma cerveja em mãos.

— O menos fracassado do nosso grupo! — ele anunciou, chamando a


atenção dos outros caras e, consequentemente, das garotas que os
acompanhavam. Victor o cumprimentou com um abraço úmido,
provavelmente por ele ter saído da piscina pouco antes. — Menos fracassado
ainda, agora que até traz um namorado.

Alex corrigiria, mas não era como se fosse importante.

— Esse é o Baz.

— O cara gostoso do bar? — Caio perguntou.

— Como você sabe disso?

O rapaz sorriu, dando de ombros.

— Tenho meus contatos.

— Jolene? — arriscou. Não se surpreenderia, ela e Caio eram amigos


desde a época em que se conheceram em uma de suas festas de aniversário e
passaram a noite discutindo filmes antigos, como se realmente fosse o
assunto mais interessante a discursar em uma primeira conversa com
alguém.

Caio era um pouco apaixonado nela, mas não admitiria isso. Não se
Jolene não demonstrasse algum sentimento recíproco, o que não era o caso.

— Pode crer.

— Bom saber que eu sou reconhecido por ser gostoso — Baz brincou,
conforme os caras se aproximaram para cumprimentá-lo.

— Eu teria pegado uma cerveja pra você, mas não sei qual tipo prefere
— Victor disse, chamando-o com a mão. — Vem, eu vou te mostrar o que
temos.
Alex observou Basile se afastar com Victor. Não era uma surpresa que
eles se entendessem automaticamente – na verdade, duvidava que Victor não
fosse capaz de fazer com que qualquer pessoa se sentisse confortável perto
dele, mesmo com a expressão de quem pisaria em todos que estivessem no
seu caminho.

Enquanto isso, o piloto cumprimentou as outras pessoas no local, que


consistiam em namoradas – ou menos que isso – de seus amigos.
Normalmente, se preocuparia com a possibilidade de alguém ali não ser
confiável. Mas acreditava que nenhum deles levaria para um dos encontros
dos colegas íntimos alguém que não fosse de confiança o suficiente a ponto
de que, se falasse algo, não aparecesse em uma página de fofocas.

— Minha irmã mais nova é obcecada por você — uma delas disse, mas
não de uma forma invasiva ou desconfortável.

— Eu desconfio que você também seja, mas não conta pro Renato —
Caio ironizou, apontando para o rapaz que ainda conversava ao lado de
Victor e Baz enquanto bebiam. — Ele ficaria com ciúmes.

— Você vai ter que lutar mais se quiser terminar com o meu
relacionamento pra pegar o meu namorado, amor — ela devolveu, voltando
a atenção para Alexandre outra vez. — Mas eu prefiro a Ritz. Sem ofensas.

— Longe de mim me ofender com isso — gesticulou, inclinando-se


para o lado quando Baz se aproximou. — Oi.

— Olá, mon chéri. Sentiu minha falta? — Quando revirou os olhos,


Basile sorriu um pouco mais. — Seus amigos são legais. Caráter
questionável, altas chances de colocarem fogo na casa sem querer. Eu gosto.

— Eles são mais interessantes que eu, eu sei.

— Eles se deixam viver mais que você — ele corrigiu, calmo,


entregando uma cerveja na sua direção. — Eles querem tirar uma foto com
você, aliás. Me empresta o seu celular.

Alex o entregou, juntando-se ao grupo para uma foto.


Não que uma foto realmente tenha acontecido. No instante seguinte,
Alexandre foi carregado e arremessado na direção da piscina por um grupo
de cinco rapazes, que pularam na água logo depois dele.

Baz deixou o celular sobre a mesinha de comidas antes de se aproximar


da borda.

— Eu nunca me senti tão traído em toda a minha vida — Alex disse,


tirando a camiseta que estava usando e jogando na direção do francês. — Eu
confiei em você.

— Como se não me conhecesse — ele devolveu, tirando uma foto do


piloto antes que ele sentasse na borda da piscina, balançando a cabeça
rapidamente para tirar o excesso de água. — Mas ficou um vídeo legal. Fofo.

Alex resmungou um palavrão antes de empurrar Baz para a piscina


também, com roupas e tudo. Mas, mais uma vez, ele foi puxado para a água.

— Sorte a sua que eu deixei a minha cerveja na mesa antes de vir,


babaca. — Baz fez uma careta ao livrar-se do casaco e da camiseta
ensopados. — Estou tentado a te afogar.

— Sua vida seria muito sem graça se não fosse por mim — rebateu,
aproximando-se dele. O francês tentou – e falhou – arrumar o cabelo
molhado. Quando Baz se aproximou o suficiente para passar um braço ao
redor do seu pescoço, ele parou. Talvez não esperasse que Duarte realmente
fosse performar qualquer aproximação maior onde mais pessoas estivessem
presentes, mesmo que o que quer que existisse entre eles não fosse um
segredo ali. — Oi.

— Pare de dizer oi sempre que eu me aproximo de você, mon chéri.

— Você me deixa levemente nervoso — explicou, sentindo os lábios do


rapaz rasparem contra os seus. Céus, o beijaria ali? Realmente?

A noção daquilo parecia um pouco demais. Um dia, poderia ter algo


com alguém como Baz e sentir que não tinha nada a esconder?

— Não, eu não deixo. Seus amigos te verem comigo, sim.


— O problema não é com você — adicionou, rápido. A última coisa
que queria era que Baz sequer cogitasse a possibilidade de que havia algum
problema nele.

Merda, as coisas que faria para que esse tipo de pensamento nunca
passasse por ele.

— Eu sei, Alex.

— Sabe? — perguntou, sabendo que já estavam falando mais baixo do


que era realmente necessário. Duvidava que seus amigos estivessem
realmente prestando atenção na sua conversa com Baz. Provavelmente
estavam ocupados demais brincando de afundarem uns aos outros na água.

— Você é mais fácil de ler do que pensa. Ou eu só não sou tão fácil de
me deixar levar pelo seu sorriso bonitinho.

— De todas as características que já deram pro meu sorriso, bonitinho


deve ser o mais desanimador.

Baz mordiscou o seu lábio inferior, deslizando os dedos pelos fios da


sua nuca, prendendo-os ali.

— Você sabe o que eu quero dizer — ele disse, calmo. — E também


não tem nenhum problema em você.

Alex poderia dar uma lista de coisas que o faziam discordar daquilo. Se
Baz quisesse, ficaria até o dia seguinte falando.

— Eu consigo sentir as pecinhas da sua cabeça queimando nesse exato


momento enquanto me contradiz mentalmente — ele continuou. — Se você
continuar tão tenso, não vou conseguir colocar meus planos pra hoje em
prática.

— Planos?

Basile assentiu, descendo a boca pelo seu pescoço.

Claro. Planos.
— Espero que você saiba que se eu tiver que sair dessa piscina com
uma ereção visível, nunca mais vou olhar na sua cara — avisou, inclinando a
cabeça para que ele tivesse melhor acesso à pele.

— Não vai precisar de uma ajuda?

— Você vai me fazer gozar, e depois eu nunca mais vou olhar na sua
cara — corrigiu, comprimindo os lábios quando Basile pressionou o quadril
contra o seu. — Deus.

— Não. É Baz — ele debochou, ajustando a postura para que pudesse


beijá-lo. — Agora, você vai sair e pegar a minha cerveja, porque eu estaria
muito bem bebendo se não fosse por você me derrubando na água.

— Só porque eu também vou pegar a minha — assentiu, beijando-o


mais uma vez antes de se apoiar na borda da piscina para subir. Baz não fez
qualquer esforço para esconder o olhar na sua direção, mesmo quando voltou
a conversar com os caras, ainda na piscina.

Bem, Alexandre definitivamente poderia se acostumar com isso.


 
TRINTA E QUATRO (flashback)

Alexandre conseguiria contar nos dedos as vezes em que conversou com


as chamadas famílias em potencial.

Nenhuma que realmente o fizesse pensar que alguém teria interesse em


assinar alguns documentos com seu nome.

Até Nicole e Ângelo.

Ele não via a mulher há alguns dias, desde o momento em que ela
viajou para um compromisso familiar, mas sabia o que o estava esperando
para quando ela retornasse. Saber que Nicole realmente queria aquilo ainda
parecia um pouco surreal.

Alex amava a companhia de Nicole mais do que gostaria de admitir.


Amava quem ela era e os momentos em que conversavam por horas
ininterruptas, porque era quando conseguia pensar, mesmo que por pouco
tempo, que alguém também poderia gostar dele de alguma forma.

Mas nunca pensou que ela realmente tivesse qualquer grande


consideração por ele. Não ao ponto de adotá-lo. Nicole conversava com
todas as crianças e jovens que também moravam ali, por que logo ele seria
especial para ela? Não, sem chance.

Ele ainda tinha certeza de que algo daria errado. E se Ângelo não
gostasse dele? Afinal, duvidava que Nicole ainda seguiria com um processo
de adoção se o marido não estivesse de acordo – seria impossível. Era uma
possibilidade. Ângelo Duarte não era qualquer pessoa e sabia disso. Ele
provavelmente gostaria de ter um filho que fizesse jus ao seu nome, que
fosse talentoso, inteligente e mais uma lista de qualidades que Alex tinha
certeza de que nunca poderia gabaritar.

Acontece. O cara trabalhava diretamente com pessoas como Ivan


Nikolaev, então era de se esperar que não tivesse tempo para perder com um
garoto que não teria nada a oferecer.

Nicole foi a primeira a chegar, e Alex precisou conter dentro de si o


impulso de abraçar a mulher. Não era comum que ela passasse mais que dois
ou três dias sem vê-lo, então uma semana já parecia muito. A funcionária
que acompanharia o pequeno encontro ergueu uma sobrancelha na sua
direção, como em um aviso para que se comportasse. Não que precisasse de
alguém mandando se comportar perto de Nicole, porque jamais faria algo
que a fizesse mal.

Não de forma voluntária, pelo menos. Alex parecia ter um tendência a


decepcionar as pessoas sem querer. Normalmente, não se importava tanto
com isso. Mas valia a pena fazer um esforço pela mulher.

— Ângelo precisou atender uma ligação — ela disse ao se sentar,


arrumando as mechas do cabelo escuro que caíram sobre o seu rosto. Nicole
sorriu suavemente na sua direção, calma demais para o quanto aquele
momento parecia decisivo na vida dele. Talvez estivesse exagerando, não?
Mesmo se aquilo não desse certo, Nicole ainda conversaria com ele. Era o
que esperava.

— Oi.

— Oi, Xander. Tudo bem?


Alex se limitou a assentir, porque tinha certeza de que a sua voz sairia
mais trêmula que o necessário se falasse muito. Nicole notou o seu
nervosismo, como ela sempre notava, e chutou levemente o seu pé sob a
mesa.

Ângelo entrou na sala com cuidado. Alex não sabia muito sobre ele
além de que era fisioterapeuta do melhor piloto das últimas temporadas de
Fórmula 1 e era o amor da vida de Nicole – palavras dela. O homem alto e
grisalho abriu um sorriso simpático, inclinando-se para pegar a mão da
esposa e beijar o dorso dela antes de sentar-se ao seu lado.

Ele parecia… simpático. Alegre. Assim como Nicole.

— Alex, esse é Ângelo, o meu marido. — Nicole gesticulou na direção


do homem.

— Oi — murmurou.

— Oi, Alex — ele cumprimentou, com um braço ao redor dos ombros


da esposa em um gesto carinhoso, a ponta dos dedos acariciando o braço de
Nicole. — Ouvi falar muito de você.

Alex responderia, mas a assistente social ao seu lado o interrompeu


antes que pudesse sequer pensar em algo. Deveria ser uma conversa, mas ela
parecia querer fazer todo o trabalho que requeria a duas pessoas.

Quando ela puxou a ficha de Alexandre, mostrando todos os registros


de seu ótimo comportamento, ótimas notas em todas as matérias e gosto
diversificado entre música e outras artes, ele começou a rir.

Não apenas ele, como Nicole também. A assistente social os encarou


como se tentasse entender qual era a graça, assim como Ângelo.

Se Alex tirasse uma nota maior que 7 em exatas, talvez já fosse muito.

— Nós gostaríamos de conversar a sós com o Alex — ela pediu,


inclinando a cabeça ao abrir o sorriso extremamente simpático que deixaria
qualquer um incapaz de negar o que quer que pedisse. — Seria possível?
Alex assentiu quando a mulher olhou na sua direção.

— Acho que eu perderia a minha postura se ela continuasse falando


todas aquelas besteiras — Nicole disse assim que a porta foi fechada. —
Digo, eu não vejo ninguém escolhendo adotar alguém por gostar ou não de
música clássica.

— Ainda bem, porque eu odeio. — Alex comprimiu os lábios assim


que deixou a fala sair. Ângelo observava a cena atentamente.

— Do que você realmente gosta, Alex? — ele perguntou, com algum


cuidado.

— Eu não sei, nunca parei pra pensar nos meus gostos de forma
específica. Mas eu gosto de ler, de filmes e carros. Ainda mais se tiver um
jeito de misturar isso.

— O que você espera em uma família? — Alex arregalou os olhos


diante da pergunta. O que esperava? Afinal, não era a família em potencial
que deveria esperar algo dele, já que a escolha seria deles no fim? Não era
ele quem deveria se encaixar ao que eles queriam?

O que qualquer pessoa deveria esperar de uma família? Ele era fodido o
suficiente para não saber responder nem mesmo a esse questionamento. Sua
família – se é que poderia chamar disso, quando mal se lembrava deles – não
parecia ter sido lá um grande exemplo. Se tivesse sido, ele nem mesmo
estaria ali.

Ele engoliu em seco enquanto pensava em uma resposta. Não poderia


responder que não sabia, muito menos tirar uma resposta inventada do zero,
porque Nicole o conhecia o suficiente para saber se criasse algo para agradar
ao homem.

— O básico de qualquer tipo de relação — disse, por fim. — Confiança


e segurança. Se eu tiver que viver com alguém todos os dias da minha vida,
ou pelo menos a maioria, eu gostaria de sentir que posso fazer alguém feliz,
ou que essa pessoa deseja o mesmo pra mim. Conforto, segurança.
Confiança. Eu não sei o suficiente disso, acho, mas me parece o básico. Não
muito longe do que eu já sinto quando estou com Nicole, pra falar a verdade.
Os ombros de Nicole tensionaram um pouco, e Alex parou. Tinha dito
algo errado? Não era uma mentira, muito menos um exagero dizer que
Nicole era a única pessoa que fazia com que se sentisse verdadeiramente
seguro e confortável.

— Você se sente assim comigo? — Nicole perguntou, baixo. Quando o


garoto assentiu mais uma vez, ela soltou uma respiração quase aliviada.

Não, não aliviada. Alegre. E havia um sorriso no rosto de Ângelo.

Nesse momento, Alexandre pensou que talvez pudesse começar a se


sentir em casa perto daquelas pessoas.
 
TRINTA E CINCO

Basile estava acostumado a acordar sem a capacidade de respirar


normalmente quando estava na cama com Alexandre.

O cara era fodidamente espaçoso em sua cama que tinha lugar para
duas pessoas além deles, mas poderia conviver com isso.

Talvez sequer fosse uma questão de conviver, porque… gostava.


Mesmo que se recusasse a admitir isso em voz alta, porque seria um pouco
humilhante dizer que curtia acordar com um braço de Alexandre na sua cara.

Menos durante uma ressaca. O mínimo feixe de luz que invadia o


quarto foi o suficiente para fazer seus olhos doerem, junto da cabeça. Tinha
quase certeza de que a sua garganta também não estava em seu melhor
estado, mas não estava disposto a falar para testar.

Baz não era do tipo que bebia muito. Afinal, quando ia para o tipo de
lugar onde pudesse fazê-lo, estava trabalhando ou fazendo companhia para
Moreau. Se bebesse mais que duas ou três cervejas já seria muito.
A noite anterior, porém, havia sido outro caso. Sua cabeça latejou ao
lembrar da bebedeira com os amigos de Alexandre. Da pegação na piscina,
no banheiro e na cozinha da casa de Victor. Merda, Alexandre tornava-se
muito mais inclinado ao toque quando bebia. E não seria Baz a contê-lo,
então também tinha a sua própria parcela de culpa.

Foi a noite de diversão que não tinha há tempos. Não se lembrar com
clareza das últimas duas horas antes de provavelmente cair no sono dizia
muito sobre o quanto tinham aproveitado.

Baz empurrou o ombro de Alexandre para se pôr de pé com uma série


de palavrões. O piloto resmungou algo em português, porque não foi capaz
de entender uma sílaba sequer.

Quando se aproximou da janela para fechar totalmente as cortinas, Baz


parou. Ainda precisou de alguns segundos para que a claridade não desse
tanto a sensação de que seus olhos estavam prestes a derreter, mas soltou um
gemido quando identificou as pessoas que passavam pelo jardim.

— Alex — chamou, mas sem qualquer sinal da vida de Alexandre.


Logo ele, que sempre acordava antes que o sol nascesse. Ridículo.

Baz se aproximou novamente para jogar o travesseiro na direção de


Alexandre, que resmungou algo antes de simplesmente virar-se para o outro
lado.

— Seus pais estão em casa, Alexandre.

O rapaz se levantou quase imediatamente. O que não pareceu ser uma


boa escolha, porque Alexandre quase caiu em um tropeço nos cobertores que
estavam ao redor dele.

— Eu realmente espero que você não esteja falando isso pra me


assustar — ele resmungou, pressionando as têmporas com dois dedos por um
momento.

— Eu sou babaca, mas nem tanto.


— Porra. — Alex se aproximou da janela, observando a movimentação
de Nicole e William Bonner próximo à piscina. — Porra, merda. Eles
falaram que só voltariam no domingo. Merda.

— Eu posso sair pelos fundos.

— O quê?! — A voz de Alex saiu quase estridente enquanto pegava


roupas limpas e toalhas no closet. — Baz, não. Isso é ridículo, eu não vou te
pedir pra sair assim da minha casa. Só… é uma surpresa. Calma.

— Você é o único precisando se acalmar, mon chéri. Sabe, não seria a


minha primeira vez saindo de fininho de algum lugar — rebateu.

— Não. Não é uma discussão aberta, porque não é uma possibilidade.


— Ele fez uma careta, como se pensar demais piorasse a dor de cabeça. —
Olha, eu só vou precisar de alguns minutos pra… explicar a situação. Então,
a menos que você não queira, eu não tenho problemas em ir lá e falar que
estamos juntos. Não quero que você tenha que se esconder aqui.

Estamos juntos. Um bom modo de falar que estavam há um ano


escondendo encontros casuais para transar, mas Basile não diria isso.

Principalmente porque, parando para pensar, resumir o que tinham a


isso ainda parecia pouco.

— Se não for te causar problemas…

— Não vai — ele assegurou, aproximando-se para entregar uma toalha.


E também para deslizar a ponta do nariz contra a pele do seu pescoço.
Mesmo com a mente enevoada pela ressaca, Baz ainda se inclinou na
direção do piloto. — Só se eu descer com cheiro de bebida e piscina, então
recomendo você entrar no chuveiro comigo.

— Tenho quase certeza de que você não precisa de mim pra tomar um
banho, mon chéri.

— Mas eu quero. — Alex se inclinou para beijar o canto da sua boca.


— Tem comprimidos pra dor na segunda gaveta da escrivaninha. Não achei
que você fosse do tipo fraco pra bebida.
— Eu vou te sufocar — ameaçou.

— Cristo, por favor. — Alex soltou uma risada quando o empurrou,


revirando os olhos.

Mas, por mais que ele tentasse esconder, ainda era visível como o
brasileiro parecia mais tenso do que estaria em outra situação. Considerando
o que sabia de Alexandre, sabia também que ele não estava acostumado a
esconder qualquer coisa dos pais.

Mais uma vez, o que o incomodava não tinha qualquer relação com
Basile.

Alex se manteve em silêncio durante o banho, e Baz precisou conter a


vontade de rir quando o rapaz passou ainda mais tempo que o normal em
frente ao espelho para arrumar o cabelo.

— Não se esqueça de estar cheiroso o suficiente pra contar pra sua mãe
que tem um cara no seu quarto — ironizou, fazendo-o bufar.

— Não enche. — Alex deixou o banheiro ao vestir uma camiseta,


parecendo respirar fundo por um momento. — Hm, então eu vou lá. Aí você
pode descer quando eu der um sinal.

— E qual seria o sinal?

— Sei lá, eu mando uma mensagem. — Alex virou-se para sair do


quarto, mas voltou no segundo seguinte. — Você acha que eu…

— Eu nunca pensei que veria Alexandre Duarte, campeão mundial de


Fórmula 1, nervoso pra falar com a mãe — Baz disse, esticando-se na cama.

Ele não dizia de um modo maldoso ou debochado, Alex sabia. Pelo


menos, não completamente debochado.

Ironia era a linguagem do amor de Baz, aparentemente. Dizendo em


voz alta ou não, ele queria fazer com que relaxasse. E estava conseguindo.

Baz sempre conseguia.


— Sabe, eu te odeio — mentiu. — Eu te chamo daqui a pouco.

Nicole não o repreenderia por estar com Basile, sendo filho de Bernard
ou não. Aquela nunca havia sido a sua preocupação.

Mas já o conhecia há meses – um ano desde a primeira vez, porra – e,


durante todo esse período, havia escondido sobre estar sozinho em seus dias
livres. Sobre não estar se encontrando com alguém sempre que ela perguntou
por que parecia sorrir ao celular. Sobre seus motivos para passar uma
semana inteira na França.

Para alguém que considerava a confiança algo básico para que a sua
relação familiar se mantivesse bem, ele havia quebrado isso repetidamente
nos últimos meses.

— Ela já comeu? — perguntou na direção de Aria. A mulher estendeu


uma xícara de café para ele, um sorriso cúmplice tomando conta de seu
rosto.

— Não, então você tem a chance de amaciar o terreno antes de falar. —


Ela empurrou também um prato com um sanduíche natural, o favorito de
Nicole. — Seu pai saiu, então podemos ver o que fazer com ele depois.

— Já comentei o quanto eu te amo?

— Eu sei — Aria sorriu, balançando a mão para que fosse logo. —


Posso levar o café no quarto para o seu namorado.

— Baz vai descer daqui a pouco, não precisa — disse, reforçando o


nome do francês que definitivamente não era o seu namorado. Infelizmente,
uma parte de si pensou. — Valeu, Aria. Por tudo.

Alexandre demorou alguns segundos para se acostumar com a claridade


externa, soltando um palavrão. Talvez devesse ter tomado um dos
comprimidos para dor também.

Tarde demais. Antes de se aproximar de onde Nicole estava, sentada em


uma das mesinhas ao redor da piscina enquanto jogava uma bolinha
repetidas vezes para ele, Alex respirou fundo mais uma vez, arrumando os
fios castanhos que caíram pelo seu rosto.

— Bom dia, linda — disse, inclinando-se para beijar demoradamente a


cabeça da mãe ao colocar o sanduíche natural sobre a mesa. Nicole sorriu
largo ao murmurar um "bom dia" de volta. — Achei que fossem viajar até o
final da semana. Tá tudo bem?

— Um dos meninos do seu pai se machucou, você sabe como ele é com
isso. — Ah, sabia. Ângelo cuidava dos competidores de kart pelo qual era
responsável como um pai. Não era uma surpresa que ele cancelasse uma
viagem que deveria durar a semana inteira se um deles se acidentasse. — E
você?

— De ressaca — admitiu. Nicole provavelmente sabia da noitada pelas


postagens nas redes sociais. Ela soltou uma risadinha ao dar uma mordida no
sanduíche. — Você tem alguma programação para hoje?

— Eu pensei em te chamar para tomar um café no Burch & Purchese,


aquela cafeteria com doces que você gosta. — Nicole se inclinou para dar
um pedaço do sanduíche para Bonner. — Mas não sei se é o tipo de lugar
que seu convidado gostaria de ir.

Alexandre engasgou no café. Ele precisou de um momento para


recuperar o ar antes de encarar a mãe, como se ela tivesse acabado de dizer
que havia um cadáver enterrado no jardim de petúnias da entrada da casa.

— Quem? — gaguejou. Se fazer de idiota era a pior escolha possível,


mas não era como se estivesse pensando bem. Era o melhor que sua mente
em tela azul podia fazer.

— O rapaz que entrou com você de madrugada — ela o fitou, erguendo


uma sobrancelha. — Foi estranho Bonner latir se era só você chegando,
então eu saí do quarto e vi vocês. Você não lembra?

Alex piscou. Não, não lembrava.

— Alex! — Nicole exclamou em repreensão quando percebeu que ele


realmente não fazia a menor ideia do que ela estava falando. Alex pensava
que eles haviam chegado pela manhã, não na noite anterior.

— Em minha defesa, eu não planejava beber tanto! — rebateu, entre


uma risada nervosa seguida de um gemido quase doloroso. — Minha cabeça
vai explodir. O que você viu?

— Você e o seu amigo — ela limpou a garganta — no corredor.


Explicou por que Bonner estava tão animado.

— Nossa. Bom, isso economiza muito trabalho — murmurou,


pressionando as têmporas antes de continuar. — Desculpa, Nicole.

— Não me peça desculpas, Xander. Imagino que esse rapaz seja alguém
importante para que você o traga pra casa, isso é… uma novidade. —
Alexandre não sabia se ela continuaria pensando assim quando soubesse
mais do tal rapaz, mas não queria prender-se demais a esse pensamento.
Ainda. Nicole o olhou, as mãos ainda acariciando entre as orelhas de
Bonner, que tinha a cabeça no colo da mulher. Ela deu de ombros. — Só
tentem chegar vestindo mais que as roupas íntimas da próxima vez.

Merda.

— Eu pensei em contar antes, mas não sabia como.

— Xander, tá tudo bem. Não é como se eu não soubesse que você vai
ter relações com pessoas, ou se apaixonar em algum momento. É natural e
você é jovem, bonito... Só espero que saiba sobre a parte da proteção, como
conversamos sempre, mesmo que você sempre faça exames e…

— Não é isso — interrompeu, contendo uma risada. — Mas eu uso


proteção. Sempre.

— Ah, o que é?

— É o filho do Bernard.

Dessa vez, Nicole parou. Ela ajustou a postura, parecendo processar o


que ele havia dito.
— Bernard… Beauchene? — ela perguntou, só para ter certeza.

— Sim, ele.

— Bom… Isso é uma surpresa. — Alexandre soltou uma respiração


quase exasperada ao perceber o quanto ela parecia surpresa. Sem reação. —
Olhando em retrospecto, também faz sentido. Você perguntou muito sobre
Beauchene nos últimos meses, mas imaginei que ele só estivesse pegando no
seu pé, como sempre.

— Não que ele não faça isso também.

— E o filho dele…

— Baz. Não, ele não é assim. Nós… nos damos bem. Muito bem.

— Mas ele trabalha com o pai — Nicole observou. Não como uma
repreensão. Ela claramente só queria entender.

— Por obrigação.

— Vocês estão namorando?

— Eu não chamaria dessa forma. Mas também estaria mentindo se


dissesse que ele não significa muito pra mim.

Nicole permaneceu em silêncio por mais um momento, o que era


incomum para ela. Muito, muito incomum. Alex pensou em pedir desculpas
por todas as vezes que mentiu sobre estar sozinho, sobre onde havia passado
o dia ou se estava interessado em alguém. Duvidava que sua mãe o odiaria
para sempre por isso – o que tornava todos os seus sentimentos ainda mais
ridículos, provavelmente – mas ainda era o suficiente para que se sentisse
muito mal. Eles nunca seriam como eram se sua relação não fosse tão
baseada na confiança.

— E você pretende… namorar?

— Você sabe o que eu penso sobre relacionamentos, Nicole.


Especialmente se esse relacionamento for com outro cara. Eu não posso.
— Eu não sei como é a sua relação com esse rapaz, Xander, mas não
gosto da ideia de você se privar de ser feliz dessa forma — Nicole começou,
e Alex já conhecia aquele discurso de cor. — Já conversamos sobre isso.

— Eu estou feliz. Não pareço feliz? — perguntou, sorrindo largamente,


mudando de assunto o quanto antes. — Enfim, eu vou chamar o Baz pra
vocês se conhecerem.

— Ah, ele ainda está aqui?

— No meu quarto.

— É claro — ela riu, balançando a cabeça. — Espero que ele esteja


vestindo mais roupas agora.

— Infelizmente — murmurou, baixo.

— Alex!

— É brincadeira! Tô tentando aliviar o clima. — O rapaz pegou o


celular, digitando uma mensagem rápida para Baz.

Alex: pronto pra falar com a fera?


TRINTA E SEIS

Basile nunca tinha conversado com a família de um dos caras que estava
ficando. O que provavelmente não ficou claro, porque ele fez o máximo para
parecer natural e acostumado com esse tipo de coisa quando falou com
Alexandre.

Mas a verdade era essa. Baz não fazia a menor ideia de como deveria
proceder frente a frente com a mãe de Alex. Sabia pouquíssimo sobre
Nicole, o que provavelmente foi o seu maior erro – deveria ter perguntado
sobre para Alexandre, mesmo que soasse estranho. Ela participava de
inúmeros projetos beneficentes, gostava de viajar e tinha uma relação digna
de um comercial de margarina com sua família, algo que juraria ser montado
para as câmeras até conhecer o Duarte e perceber que, tendo mais sob a
superfície ou não, o amor que eles mostravam um pelo outro era genuíno.

Se aquela mulher o odiasse, o que Alex faria?

A responsabilidade de fazer alguém gostar dele era grande demais, Baz


sentia falta de quando não precisava disso para estar com alguém.
Mas não era como se não estivesse disposto a tentar daquela vez. Na
verdade, estava mais que disposto. Estava decidido, e a sensação ainda trazia
um misto de sensações inesperadamente boas para ele.

Droga, queria que Nicole gostasse minimamente da sua pessoa. No que


havia se tornado?

Apesar de tudo, a forma como Alexandre parecia quase pálido quando


se aproximou da mesa em que estavam ainda era cômica. Baz abriu um
sorriso tranquilizador ao sentar-se ao lado dele.

— Baz, essa é a minha mãe. Nicole, esse é o Baz.

— É um prazer, Baz — ela disse, estendendo a mão que Basile apertou


cuidadosamente. Seu tom de voz era doce, calmo. Elegante. Acima de tudo,
Nicole era naturalmente elegante. — Se eu soubesse que estaria aqui, teria
pedido para Aria preparar algo. Alex deve ter se esquecido dos modos para
convidados.

— Eu já experimentei a torta dela, acho que não preciso de mais nada.


— Esperava que ela perguntasse algo sobre o seu pai. Porque, afinal, aquele
seria o grande problema, não? Se Alexandre já não tivesse explicado a
situação precária que era sua relação com o progenitor, era de se esperar que
fosse um assunto.

— Você precisa experimentar o molho de limão siciliano que ela usa no


macarrão, é outra coisa. — Nicole gesticulou, como se sentisse o sabor só de
falar. — Xander também sabe preparar.

— Não tão bem quanto Aria, mas agradeço a consideração — Alex


murmurou. Baz notou a perna inquieta do piloto ao seu lado, então deslizou
uma mão por ele suavemente.

Nicole pareceu notar, mas não demonstrou qualquer tipo de reação. Baz
não afastou a mão, mexendo distraidamente com os fios soltos entre os
rasgos dos jeans de Alexandre.

— Normalmente, eu não me preocuparia com o meu filho se


relacionando com alguém — ela começou. Dessa vez, em francês. De
alguma forma, não parecia uma surpresa que Nicole falasse sua língua
materna tão bem. — Mas ele parece preocupado, e consequentemente eu
estou também. Você saberia me dizer o motivo?

— Uau, se queriam conversar a sós, poderiam só me pedir pra sair. —


Alexandre recostou-se na cadeira, trocando um olhar para Baz, como se
perguntasse se havia saído algum tipo de ofensa da boca da mãe. Balançou a
cabeça, embora tivesse quase certeza de que aquilo ainda era do tipo de
interrogatório que acabaria com ele se respondesse algo errado.

— Ele não quer me machucar, mas pensa que vai acabar acontecendo
uma hora ou outra. Contudo provavelmente é mais fácil para Alex pensar
que eu não quero estar com ele — Baz respondeu. — Se apega aos detalhes
mais insignificantes porque tem certeza de que são eles que vão destruir tudo
e magoar as pessoas. Não me surpreenderia se ele pensasse até hoje em algo
que fez há anos como se, a qualquer momento, o passado fosse voltar pra
pegá-lo. Mas você sabe disso, ele também é assim quando está com você.

Nicole ergueu uma sobrancelha, demonstrando algo que parecia ser


surpresa.

— Você acha que vai acabar machucado?

— Acho que ele está certo em pensar que, caso um dia as coisas sobre
nós se tornem públicas, haveria a movimentação de sempre que ele aparece
com alguém, mas seria oficial. Eu não tenho metade da experiência com a
mídia ou a vida pública que vocês têm, não suporto a ideia de viajar por um
dia inteiro só porque me convidaram pra um jantar chique. Odeio ser o
centro das atenções. Basicamente, tudo que envolve a carreira dele poderia
ficar bem longe de mim. — Baz balançou a cabeça, sentindo os dedos de
Alexandre tocarem os seus sob a mesa. Ele provavelmente não estava
entendendo uma palavra sequer do que diziam enquanto brincava com o
dobermann de metade do seu tamanho, jogando uma bolinha para o animal
com a mão livre. — Tudo isso o faz valer menos? Definitivamente não. Sei
que ele não é nada disso.

— Então a fama não impede que vocês tenham um bom


relacionamento?
— Alex não deixa que a carreira dele seja relevante no que realmente
importa. É algo que eu admiro nele, aliás.

— Ele separa muito bem quando quer — Nicole concordou, inclinando


suavemente a cabeça, como se ainda processasse tudo que havia dito. —
Vocês já chegaram a conversar sobre planos para o futuro? Porque você
claramente os tem.

— No momento, estou tentando mostrar pra ele que temos um futuro —


admitiu. — Ele tende a se assustar se eu disser muito diretamente.

— Ah, eu sei disso. Acredite em mim. — Nicole apoiou o rosto sobre a


mão, analisando-o por mais alguns segundos. — Você não acha que essa
opinião pode mudar?

Nunca. Basile não havia parado para considerar por um segundo sequer
se poderia, um dia, mudar de ideia quanto Alexandre. Mas não precisava
pensar demais para ter a resposta.

— Ele vai precisar me mandar embora se quiser que eu me afaste. Não


vai acontecer de outro modo.

Baz pensou que se incomodaria com o interrogatório, mas era bom


saber que aquela mulher seria capaz de mostrar garras e dentes caso
demonstrasse qualquer resquício de interesses ruins ou egoístas. Saber que
não era o único disposto a proteger Alex, uma vez que ele parecia tão
ocupado pensando em proteger tudo e todos ao seu redor, menos a si mesmo.
Ao contrário de Basile, Alex tinha um refúgio em sua família, para quando
estivesse em casa.

Nicole parecia igualmente reconfortada pela ideia de que, quando não


estivesse ali, ele o teria em Baz.

— O silêncio constrangedor deveria me incomodar? Porque já é muito


estranho ver vocês dois sérios enquanto conversam em uma língua que eu
não entendo muito além do meu próprio nome — ele perguntou, devagar. —
Ninguém recebeu uma ameaça de morte, né?
— Só o meu pai — Baz assegurou, de volta ao inglês, deslizando o
polegar pela palma da mão do piloto. — Bom saber que a sua família
também não gosta nem um pouco dele.

— Eu avisei. — Alex alternou o olhar entre eles, como se ainda


esperasse alguma bomba explodir. — Tudo bem, então?

— Por que não estaria, Xander? — Nicole se levantou, o sorriso largo e


simpático de sempre voltando para a sua expressão. Ela voltou o olhar para
Baz. — Por favor, jante conosco hoje. Você ainda precisa conhecer meu
marido e, principalmente, experimentar o jantar de Aria.

Baz ajustou a postura na cadeira. Era um bom sinal? Parecia ser um


bom sinal.

— Vou ficar o quanto quiserem que eu fique — assentiu, contendo uma


risada com a expressão quase embasbacada de Alex. — Nunca negaria um
convite pra comer algo feito por Aria. Sorte de vocês, porque eu a levaria
comigo pra França se tivesse grana pra isso.

Quando Nicole se afastou, Alexandre soltou uma respiração.

— Bom, hoje está sendo um dia… incomum. — Ele o fitou,


analisando-o demoradamente. — Algo que eu deveria saber? Sabe, além de
que preciso de umas aulas de francês urgentemente.

— Nada que seja da sua conta — disse, inclinando-se para beijar o


queixo de Alexandre. — Viu? O mundo não acabou.

— Claro, acho que eu só tive uns cinco ataques cardíacos em menos de


quinze minutos. Mas estou bem, não é como se eu não lidasse com mais
adrenalina que a maioria da população mundial toda semana. — Alex
deslizou os dedos pelos fios castanhos, soltando uma respiração pesada. A
respiração que ele estava prendendo dentro de si desde o momento em que
havia acordado, provavelmente. — Quer tomar café agora? Eu tô morrendo
de fome.

— Por favor — concordou.


Um muro parecia ter se desfeito em poucos minutos, o que era bom.

A questão era, Alexandre Duarte havia se mostrado um complexo de


muros desde o início. Aquele havia sido apenas mais um dos vários que
ainda apareceriam pela frente.
 

Ângelo Duarte era exatamente o que se via na TV e o que se dizia entre


os corredores de qualquer equipe – talvez intimidasse em um primeiro
momento, mas mostrava-se a máxima do carisma em poucos minutos. Basile
gostou dele quase imediatamente, e conseguiu entender por que trabalhar
com o cara costumava ser o maior sonho de qualquer piloto. Um
fisioterapeuta pessoal como ele seria incrível.

— Você precisava ver, Alex tinha uma postura péssima quando nos
conhecemos — o homem contou, servindo-se de mais um prato cheio de
macarrão com o molho de limão siciliano de Aria. Baz duvidou que aquela
combinação faria algum sentido, mas estava tentado a pedir que a mulher
separasse um pouco para que pudesse levar para casa. Poderia levar molho
no avião? — Me surpreende que ele não tenha desenvolvido uma escoliose
quando mais novo.

Alex fez uma careta, arrumando a postura na cadeira em silêncio.


— Não era tão ruim assim — ele se defendeu.

— Realmente, era péssimo.

— Pensa pelo lado bom, quem te vê hoje pensa que você vive com a
postura perfeita. É até invejável. — Baz empurrou o prato vazio na direção
dele, pedindo silenciosamente que servisse mais. Alexandre o fez. — Valeu.

— Você pode se servir, sabe. Já se aproveitou de muita coisa na casa.

— Alex! — Nicole exclamou, enquanto Ângelo engasgou no vinho.

— Não foi uma piada sexual! — Baz sabia que havia sido, mas não iria
contrariar ele ali. — Ele passou a tarde inteira no campo de minigolfe.

— Você sabe quantas chances de jogar golfe eu vou ter na vida além
dessa? Nenhuma.

— Você pode aparecer quando quiser para jogar golfe, querido. —


Balançou a mão. — Ah! Nós poderíamos ir para o clube, os campos de lá
são imensos, e…

— Não vai rolar, Nicole — Alex interrompeu, baixo. Porque não


saímos publicamente. Porque, daqui um tempo, isso provavelmente vai ter
acabado. Baz não sabia que justificativa estava se passando pela mente de
Alex, mas não importava realmente. Não para Baz, pelo menos.

— Tenho trauma daquele lugar desde que Alex conseguiu acertar uma
bola de golfe na minha testa — Ângelo soltou, em uma tentativa clara de
mudar o clima da conversa.

E ele conseguiu, porque Ângelo Duarte tinha essa capacidade de mudar


completamente qualquer clima com suas histórias. Sim, Basile
definitivamente gostou dele.

Quando estava prestes a colocar um terceiro pedaço de pudim em seu


prato, Baz sentiu o telefone tocar. O nome de Bernard brilhando na tela.

Demorou.
— Eu vou atender, desculpa — disse, mostrando a chamada na direção
de Alex ao se pôr de pé. Seria pior ignorar depois de sumir da França, e
sabia disso.

Basile saiu da casa, inspirado demoradamente o ar fresco da noite antes


de atender.

— Onde você está? — Bernard foi o primeiro a falar, não esperando


por qualquer cumprimento.

— Boa noite, Bernard — devolveu, forçando a si mesmo para não soar


seco demais.

— São três da manhã e você não apareceu na reunião de equipe de hoje,


não apareceu na oficina do seu amigo, naquele bar nojento e não atende a
sua porta. Onde você está, Basile? — Baz precisou afastar o celular do
ouvido, porque mesmo o volume mais baixo ainda não era o suficiente para
fazer com que a voz do pai não machucasse seus ouvidos.

— Nem estou na França, mas obrigado por se preocupar com a minha


integridade física. Você não deveria estar dormindo uma hora dessas?

Baz fitou o céu limpo, respirando fundo mais uma vez.

— Não brinque comigo, Basile. Onde você está?

— Austrália. Até onde eu sei, vamos trabalhar aqui essa semana.

— Por que você viajou antes?

— Porque, se eu ganho um salário decente, é pra conhecer novos


lugares quando eu quiser. Bernard, você interrompeu o meu jantar.

— Foda-se o seu jantar. Você tinha uma reunião hoje, Basile!

— Pra te ouvir falando a mesma merda de sempre?! Não, obrigado.


Além disso, você ignoraria a minha existência se eu aparecesse, vai encher o
meu saco porque eu não apareci?
— Porque você precisa aprender o mínimo sobre responsabilidade, e…
— Baz afastou o celular do ouvido mais uma vez, porque também conhecia
aquele discurso.

Alexandre apareceu ao seu lado, claramente preocupado. Ele era


adorável, infinitamente melhor do que pensava. Merda, Baz ainda não
entendia como ele podia pensar tão pouco de si mesmo.

—... quando você for mais velho, vai me agradecer por isso — Bernard
finalizou, assim que voltou o aparelho ao ouvido.

— Claro, você dizia a mesma coisa quando eu tinha uns treze anos e eu
não vejo motivo algum pra agradecer. — Baz soltou um palavrão quando
Bernard tornou a falar, mas o interrompeu. — Chega. Você queria saber
onde eu estou e eu já falei. Mais alguma coisa?

Quando o Beauchene só continuou com a merda de sempre, Baz


desligou. Seria melhor ter ignorado a chamada.

— Tudo bem? — Alex perguntou. A conversa havia sido toda na língua


que ele não entendia, então talvez pensasse que algo ruim pudesse ter
acontecido. — Quer dizer, não parece tudo bem. Mas você entendeu.

— É só o de sempre.

— Bom, ainda não é tudo bem. Preciso pedir para Nicole ligar para uns
amigos importantes e fazer algo a respeito?

Basile soltou uma risada genuína, porque ele parecia estar falando sério.
E por mais que gostasse da ideia de ver Bernard se ferrar, não seria por
influência de outra pessoa. Uma hora, ele se ferraria sozinho. E Baz estaria
lá para ver isso.

— Não, não precisa — respondeu, aproximando-se o suficiente para


passar um braço ao redor dos ombros de Alex, puxando-o para um beijo. —
Seus pais são legais. Agora eu entendo por que você é tão apegado a eles.

— Eles são. E eles entendem essa coisa de se sentir deslocado em uma


família, em casa e coisas assim.
— Entendem?

— Você sabe, Nicole começou como modelo. Mas a mãe dela pegava
um pouco pesado com toda a vida de dietas, cobrava demais em todos os
aspectos possíveis, e mesmo assim Nicole nunca era boa o suficiente. Eu
nem cheguei a conhecer essa mulher, elas pararam de se falar de vez quando
Ângelo entrou na jogada — Alex explicou, sem acabar com a proximidade
entre eles. Se alguém perguntasse para Baz quem havia ligado para o seu
celular minutos antes, ele já não se importaria o suficiente para lembrar. —
Também tinha uma família bem merda, eles se ajudaram muito. Ele foi o
primeiro namorado dela.

— Romântico.

— Eu gosto muito do que eles têm — Alex soltou, e Baz não precisava
ser nenhum gênio para saber que aquilo era algo que o piloto não soltaria
para qualquer pessoa.

— É o que você quer?

— Companheirismo e amor. Não é o que qualquer um quer?

Então pare de fugir quando alguém tenta te oferecer isso. Baz se


inclinou para beijar o canto da boca de Alexandre, contendo a si mesmo.
Não era o momento para dizer esse tipo de coisa. Ainda não.

— Deve ser — respondeu, por fim. — Vamos voltar para dentro, mon
chéri.
 
TRINTA E SETE

Corridas em casa – porque, no fim, a Austrália era a sua casa há alguns


anos – eram as favoritas de Alexandre.

Basile havia deixado sua casa para ficar em um hotel na noite anterior,
quando a Ritz-Carlton chegou ao país. Seria no mínimo complicado que ele
explicasse onde estivesse para o pai, caso Bernard perguntasse. Por
segurança, ele não ficaria ali.

O que deixou Alexandre com um sentimento estranho no peito. Ter


Basile ali, na sua casa, conversando com seus pais e até mesmo os
funcionários como se fizessem parte da família, dormindo na sua cama,
havia sido demais. Se ainda restava qualquer dúvida de que os sentimentos
sobre o francês evoluíram para algo que seria muito mais difícil de esquecer,
essa dúvida desapareceu. Bem, eu que me foda.

Não mudava nada na situação entre eles. Enquanto mantivesse isso em


mente, ainda estaria minimamente seguro.

Ou melhor, Baz estaria seguro.


Alexandre acordou mais cedo que o necessário no sábado. Depois dos
exercícios de sempre e um café da manhã rápido, ele saiu de casa. Se
estivesse certo, Jolene estaria pousando no aeroporto em dez minutos.

A atriz acenou ao vê-lo a esperando do lado de fora, no estacionamento.


Alex se aproximou para ajudar com as malas – mais que o necessário para
dois dias, definitivamente –, mas não antes de um abraço apertado.

— Acho bom você ganhar essa corrida, Alex. Meu diretor deve me
odiar agora. — Ela jogou o cabelo sobre os ombros, beijando a sua bochecha
demoradamente. — Temos muito a conversar.

— Eu deveria ficar com medo? — perguntou, guardando a mala da


amiga. — Vou te levar pra jantar depois da classificatória, vamos ter tempo
suficiente.

— Ótimo, porque você sumiu completamente nos últimos tempos.

— Eu sumi ou você anda ocupada demais? — Jolene revirou os olhos


na sua direção, não respondendo à pergunta para entrar no carro. — Como
vão as gravações?

— Incríveis, eu sempre quis fazer algo virado pra ficção científica. —


Ela ergueu o celular para tirar uma foto, e Alex se inclinou com um sorriso.
— Termino as filmagens cinco vezes mais suja que o normal, mas faz parte.

— Aposto que você continua linda coberta de suor.

— Você é um amor, mas eu discordo — ela gesticulou.

Jolene contou sobre toda a rotina de estar em um novo set de filmagens


de uma produção muito maior do qual ela estava acostumada a frequentar.
Mesmo que, na prática, não entendesse absolutamente nada daquilo, Alex a
ouviu atentamente, esforçando-se para não rir quando a melhor amiga
começava a reclamar de alguém que não gostava.

Não foi uma surpresa quando a equipe do reality se aproximou no


instante em que pisaram na área do autódromo. Alexandre ficaria chocado se
deixassem que andasse ao lado de Jolene por cinco minutos sem ser
incomodado.

— Jolene, você quer participar de uma entrevista com Alex? — o


câmera perguntou, fazendo Alex revirar os olhos.

— E aparecer em um documentário? Claro — ela aceitou, antes que ele


pudesse pedir para que se afastassem. Alexandre a fitou. — O quê?! Vai ser
bom pra você. Sabe, mostrar o seu lado humano e menos robótico das pistas.

— Eu não sou… robótico — resmungou, mas acompanhou a atriz até o


ponto onde queriam gravar com ela. Não era como se pudesse contrariar
Jolene.

Sua atenção se desviou automaticamente quando, do outro lado, pôde


ver Basile sentado na área externa onde a equipe verde estava, tomando um
café enquanto conversava com outros dois caras com o uniforme de
engenheiros, e foi impossível não notar o novo furo em sua orelha, o brinco
transversal destacando-se entre os outros que ele já tinha e outro piercing no
supercílio. Quando piscou rapidamente na direção dele, o Beauchene
precisou desviar o olhar em uma outra direção, escondendo um sorriso ao
beber mais um gole do café.

Alexandre pegou o celular para enviar uma mensagem para ele


enquanto Jolene conversava com a equipe do reality.

Alex: eu te deixo sozinho por um dia em um país completamente


diferente e você encontra alguém pra te furar?

Baz: me parece que você está triste porque não te chamei, amor

Alex: ficou bom em você

Baz: é claro que ficou, seria estranho se não ficasse


Alex: esqueça o que eu disse, ficou horrendo

Baz: mas você ainda quer me beijar

Alex revirou os olhos ao guardar o celular no bolso, voltando a atenção


novamente para Jolene quando ela o chamou para gravar ao seu lado.

Talvez, um dia, não precisasse ter aquele tipo de conversa apenas por
mensagens quando estivessem em público.
 

— Eu preciso de um banho — Alexandre resmungou, tirando as luvas


do uniforme. Ter garantido apenas o quarto lugar nas classificatórias era o
suficiente para deixá-lo, no mínimo, preocupado. — E de muita comida
chinesa.

— Vou pedir pra entregarem na sua casa — Jolene concordou, com o


celular em mãos. Mas parou no instante em que abriu a porta da sua sala. —
Hm, como o seu amigo entrou aqui?

Alex se inclinou para ver, soltando um palavrão ao ver Baz ali. O piloto
empurrou a amiga para dentro, fechando a porta em seguida.
Baz os analisou por alguns segundos antes de se levantar, guardando os
papéis que estava lendo.

— É engraçado como você ainda fica surpreso em me ver aqui — ele


comentou, aproximando-se de Jolene. — Olá.

— Você é o cara que anda roubando a atenção do meu melhor amigo?


— ela perguntou, estendendo a mão na direção dele. Baz sorriu, beijando o
dorso dela.

— Culpado — ele disse. — Prazer.

— Não é perigoso que ele esteja aqui?

— Ele não liga — Alex disse, aproximando-se do rapaz para tirar o


boné verde dele. — Tenha o mínimo de respeito pelo meu território, Basile.

— Vai ter que me contratar pra sua equipe se quiser que eu use algo
diferente.

— Você recusaria o emprego.

— Realmente — ele admitiu, recuando quando Alex se inclinou para


beijá-lo. Quando o piloto bufou, revirando os olhos, Baz o puxou de volta,
deslizando os dedos entre o cabelo da sua nuca antes de beijar seu lábio
inferior. — Você recupera sua posição na corrida, mon chéri. Hoje não foi
nada.

— Tanto faz — resmungou, embora "tanto faz" fosse a última coisa que
passasse pela sua cabeça quando pensava no resultado de uma corrida. —
Nós vamos jantar lá em casa, você não quer vir também.

— Não vai dar, Bernard quer jantar com algumas pessoas da equipe, e
eu sou uma das vítimas. Mas bom jantar pra vocês.

— Até amanhã, então. — Alexandre se aproximou mais uma vez, o


suficiente para raspar os lábios sobre a boca de Basile. — Quero você indo
direto para o meu quarto depois que eu ganhar a corrida.
— Você vai querer mesmo se não ganhar.

— Não é uma possibilidade. Mas se fosse, realmente.

— Estou ficando um pouco constrangida, vocês querem que eu saia? —


Jolene perguntou, com uma careta.

— Sim.

— Não! — Alex corrigiu, franzindo o cenho na direção do francês. —


Não precisa, Jo. Não temos tempo pra fazer nada, de qualquer forma.

— Mon chéri, eu já fiz muita coisa em menos tempo. Mas você tem
sorte que eu preciso ir mais cedo hoje.

Alex duvidava que poderia chamar isso de sorte, mas se limitou a


respirar fundo quando o rapaz deixou a sala.

— Então, vocês sempre…

— Sem perguntas, por favor — disse balançando a cabeça. — Vamos,


eu realmente quero me entupir de comida chinesa e não posso fazer isso
muito tarde.

Jolene não perguntou. Eles falaram sobre todos os assuntos possíveis


enquanto comiam mais comida chinesa que o necessário e bebiam cerveja
barata na companhia de qualquer filme de terror potencialmente ruim que
aparecesse pelos catálogos de streaming da televisão do seu quarto.

— Você já quis que a sua fama fosse embora? — perguntou, do nada.


— Ou, sei lá, que as pessoas só parassem tanto de se importar tanto com o
que você faz.

A amiga o fitou, pensando por um segundo.

— Não. Não ligo com o quanto se importam com a minha vida.

Alex bufou, inclinando a cabeça para trás.


— Eu queria ser assim.

— Não é tão difícil. Quando você está nisso há muito tempo, acaba
percebendo que não vale a pena se preocupar tanto com algumas coisas. —
Jolene se inclinou para alcançar mais uma latinha de cerveja, mas parou no
meio do caminho. — Isso é sobre Baz, não é?

— Eu não gosto da ideia de abrir mão da minha carreira por alguém.

— Ele te pediu isso?

— Eu não quero envolver o Baz na bagunça que é a minha rotina.

— Mas ele te pediu isso, Alex?

— Nunca chegamos a conversar sobre — disse, dando de ombros. Que


diferença faria? Basile já havia dito tantas vezes o que pensava sobre a vida
como uma celebridade, que não precisava verbalizar que assumir qualquer
tipo de compromisso seria mais um peso do que qualquer coisa boa.

— Você sabe que as coisas não precisam ser tão… limitadas, certo?
Você não precisa parar de correr se quiser ter uma vida com ele. Você não
precisa desistir dele pra ser bem-sucedido. Você não precisa fazer uma
escolha pra ser uma pessoa boa ou ruim.

Alexandre encarou o teto. Como não? Uma escolha ruim, e ele seria
uma pessoa ruim. Era algo tão claro e com tanto sentido na sua cabeça que
não fazia sentido algum pensar que estaria errado.

Ele foi ruim ao mentir para várias pessoas importantes da sua vida.
Afinal, mentir era algo ruim.

Mentir era apenas uma das muitas coisas que o Garoto de Ouro não
faria, mas que Alexandre Duarte vinha fazendo há mais tempo do que
gostaria.

Seu estômago apertou um pouco com o pensamento.


— Eu já bebi mais do que deveria — disse, deixando a latinha que tinha
em mãos de lado. — Vou me arrumar pra dormir, mas você pode continuar o
filme sem mim.

— Nah, você sabe que eu preciso dormir cedo se quiser parecer viva
amanhã. — Jolene se levantou, um pouco cambaleante. — Tome banho no
chuveiro do corredor, eu vou usar a sua banheira.

— Ah, valeu — ironizou, embora não se importasse de verdade com o


chuveiro que usaria. Sinceramente, só queria deitar de uma vez.

Deitar, porque tinha a impressão de que não conseguiria dormir tão


cedo. Talvez fosse o nervosismo para a corrida no dia seguinte, porque era
como sempre se sentia quando as classificatórias não iam como o esperado.
Ou, talvez, porque Basile estivesse na sua cabeça mais que o costume.

O que, considerando o quanto costumava pensar nele, era muito


mesmo.

— Quando você vai me contar o que realmente aconteceu entre você e


Laurent, aliás?

Por um segundo, os olhos da mulher arregalaram.

— Só não rolou. Você sabe, criei expectativas demais.

— Você mente muito mal — riu, balançando a cabeça ao se aproximar


mais uma vez da amiga. — E você nunca ficaria assim por alguém que só
não superou suas expectativas. Na minha opinião, ele é bem mais do que
você esperava e ter realmente gostado de ficar com ele te assusta.

— Uau, desde quando você faz análises tão profundas sobre mim? —
ela ironizou, desviando o olhar. — Vai dormir, Alex. Você tá bêbado.

Alex definitivamente não estava bêbado, mas não insistiria em um


assunto do qual Jolene não queria falar. Sabia que a situação ia além do que
ela queria fazer parecer, mas podia respeitar o tempo dela.
Quando Jolene já estava dormindo no seu quarto e Alexandre tinha a
certeza de que não conseguiria colar os olhos, ele se levantou.

Discar o número de Basile foi um movimento quase automático. Depois


de fechar a porta de vidro da varanda e sentar em uma das cadeiras que
ficavam do lado de fora, o piloto encarou a chamada em espera. Baz
provavelmente já estava dormindo.

Ou não. Tarde ou não, Baz não era lá um bom exemplo de horários de


sono regrados ou algo assim.

— Eu estava no meio de uma chamada de vídeo com a minha gata,


então espero que você tenha um bom motivo para me ligar agora — ele disse
ao atender, e foi o suficiente para que parte do peso sobre seu peito aliviasse
um pouco.

— Como você estava em uma chamada com Corvette?

— A vizinha que fica com ela nos deixa conversar um pouco sempre
que eu estou longe e peço.

— É claro — murmurou, arrependendo-se por não ter pegado o


cobertor antes de sair. Não estava congelante, mas fresco o suficiente para
que o seu corpo se arrepiasse.

— Aconteceu alguma coisa?

— Acho que eu só queria falar com você.

Houve um momento de silêncio, e Alex quase pensou que a ligação


tivesse caído ou que, talvez, aquilo fosse mais do que Baz gostaria de ouvir.

Às vezes era tão difícil saber onde estava a cabeça de Basile.

— Eu acho que eu não digo isso o suficiente — o francês disse, por


fim. — Mas você é um piloto excepcional. Na pista e fora dela, com a sua
equipe. Você é esforçado, focado. Apaixonado. Isso não é muito visto hoje
em dia.
— Eu vou ser piloto principal ano que vem, quando Bruno se aposentar
— soltou. Mais uma vez, Baz se manteve em silêncio do outro lado da linha.
Era a primeira vez que falava sobre isso com alguém de fora da equipe, e a
sensação era ótima. Ou, talvez, era ótima não apenas por ser alguém de fora,
mas por ser Basile. — Ele vai sair. Sabe, agora que tem uma família. Ele
quer ficar mais tempo em casa. Ivan vai continuar como chefe de equipe,
mas… Enfim, Bruno vai sair. Eles querem algum destaque da Fórmula 2,
assim como eu costumava ser.

— E o que isso significa pra você?

— Mais trabalho, talvez. Quer dizer, com certeza.

— Mais trabalho ou uma responsabilidade ainda maior da sua cabeça?

— Não é da minha cabeça — rebateu, mais na defensiva do que


gostaria.

— Eu não duvido que ser o piloto principal de uma equipe seja pouca
coisa, mas acho que você pensa demais quando sabe que vai ter todo o apoio
de todos na Astoria. Vocês não são uma família?

— Eu não quero decepcionar ninguém.

— Você age como se tivesse a certeza de que vai decepcionar, mon


chéri. Você já decepcionou?

— Hoje, por exemplo.

— Ninguém espera que você seja o número um o tempo inteiro. Sabe, é


a coisa do esporte. Seria sem graça se só um ganhasse sempre.

— Eu espero isso de mim.

— Então é algo que podemos trabalhar em você, não acha? — Baz


perguntou, bocejando brevemente depois. — Você se cobra demais. Eu não
gosto disso. Alexandre Duarte não vai acabar se não ganhar uma corrida.
Alguns comentários maldosos nas redes sociais e uns pontos a menos no
campeonato não vão te jogar no lixo. As pessoas que você ama não vão te
ver de forma diferente. Você pensa que eu vou te achar menos se perder a
corrida de amanhã?

Alex não o respondeu. Não era uma questão de achá-lo menos, mas não
explicaria isso.

— Mon chéri, relaxe um pouco — ele pediu, na ausência de uma


resposta. — A quem você tenta tanto impressionar?

Alguém que nem mesmo pode me ver. Merda, Alex estava uma bagunça.

— Porque, bem, você já me impressiona todos os dias sem nem


precisar. Em todos os aspectos possíveis. — Baz era bom demais pra isso, e
Alex quase se sentia mal por deixar o que deveria ser uma noite entre
estranhos evoluir para… tanto. — Sinto que o mesmo vale para Nicole e
Ângelo, para Ivan e Bruno. No fim, não são essas as pessoas que realmente
importam? Você mesmo e quem te conhece de verdade.

Talvez. Mas Alexandre não podia evitar.

Não conseguia.

— Alex? — Baz chamou, após mais alguns segundos.

— Desculpa, eu estava…

— Pensando demais — ele completou. — É por isso que você não


consegue dormir?

— Eu nem sei no que eu estou pensando — confessou. — E, mesmo


assim, sei que é muita coisa.

— Você quer vir pro meu hotel? — Baz soltou. Não parecia carregar
qualquer tipo de malícia, e Alexandre já sabia reconhecer quando o francês
estava o chamando para transar ou para uma conversa qualquer.

Alex deveria recusar. Deveria recusar e ir tentar dormir, porque sair de


casa tão tarde para ir até o hotel de Basile seria mais uma de suas milhares
de escolhas ruins das quais provavelmente se arrependeria depois.
Então, a consciência de algo que já deveria ser estupidamente óbvio o
atingiu. Não tinha mais como fugir quando se tratava de Basile.

— Quero — disse, por fim.

— Te mando a localização — Baz disse. Antes que Alex finalizasse a


chamada, ele adicionou: — Vou estar aqui pra você, Alex.

Na minha opinião, ele é bem mais do que você esperava e ter realmente
gostado de ficar com ele te assusta. A conversa com Jolene repassou
rapidamente na sua cabeça, e parecia ridículo pensar que entendia tão bem a
amiga.

Como Alexandre sabia disso, não fazia a menor ideia. Mas sabia que
Basile não estaria ali apenas naquele momento, como algo tão imediatista.

Se quisesse e permitisse, Baz estaria ali para o resto de sua vida.


 
TRINTA E OITO

Imprevistos sempre acabaram com Alexandre Duarte.

Não era de se surpreender que uma colisão, um problema no carro ou


uma chuva fora da previsão do tempo o afetasse tanto. Não estar no controle
para manter-se em seus planos até o final era o tipo de coisa que ele odiava
profundamente.

Era um dos motivos pelos quais ele odiava a maioria das entrevistas ao
vivo. É claro, havia uma lista de coisas que sua equipe passava para todos os
programas dos quais participavam, o que englobava todos os assuntos que
ele não responderia sobre, portanto não deveriam ser perguntados. Toda a
sua vida antes da adoção era um dos tópicos. Alexandre poderia passar horas
e mais horas falando sobre o quanto conhecer Nicole e Ângelo havia sido
uma das melhores coisas da sua vida, senão a melhor, e tudo de bom que
seus pais eram para ele. Mas nada que viesse antes disso. Nada sobre as
pessoas que se relacionavam biologicamente a ele, sobre sua infância e
adolescência.

Vez ou outra, alguém ainda tentava burlar a regra de alguma forma para
arrancar algo. Como quando perguntavam quais eram as maiores diferenças
do Alexandre Duarte, piloto de Fórmula 1 e celebridade, do Alexandre de
dez, quinze anos atrás. Na primeira vez, Alex travou e interrompeu a
entrevista imediatamente. Mas o tempo o ensinou a preparar-se para esse
tipo de truque também. Nada que um sorriso simpático e uma resposta
pronta não resolvessem rapidamente.

Sua sexualidade também era um desses tópicos.

Essa era um pouco mais difícil de controlar. Ainda assim, Alexandre


sempre foi cuidadoso o suficiente para evitar situações que dessem abertura
para que perguntas das quais não conseguisse fugir acontecessem.

Ou era, até Basile. Sabia reconhecer que estar com o francês o tirava
dos eixos. Beijar qualquer pessoa no estacionamento de um aeroporto, por
mais deserto que estivesse, nunca seria uma possibilidade alguns meses
antes. Quer dizer, o Alexandre do ano anterior provavelmente mandaria a
pessoa pegar um carro de aplicativo antes de se encontrassem.

Mas não faria isso com Baz. Preferia correr um risco que, parando para
pensar racionalmente, parecia mínimo, em vez de colocá-lo nas situações
constrangedoras que já havia feito outras pessoas passarem para que pudesse
se relacionar em paz.

Porque nenhuma dessas pessoas realmente se relacionou com ele além


do que mostrava para o resto do mundo. Basile o conheceu de verdade antes
mesmo de conhecer o Alexandre montado para as câmeras.

Era uma chance muito, muito pequena de algo dar errado. Que mal faria
aproveitar-se das pequenas oportunidades de ter algo minimamente normal
com alguém?

— Você tem algo a comentar sobre a suposta foto sua beijando um


homem que está circulando pelas redes sociais?

A pergunta o atingiu como um soco e, por um segundo, Alexandre se


esqueceu completamente de não demonstrar qualquer tipo de reação quando
uma pergunta que não deveria ser feita acontecia. O sorriso sumiu do seu
rosto, e ele só percebeu que sua expressão havia mudado bruscamente
quando a jornalista recuou em um passo. Alex fingiu limpar a garganta,
esforçando-se ao máximo para organizar a onda gigantesca de pensamento e
pânico que invadia a sua mente.

Como? Havia entrado no hotel de Basile pelo estacionamento e pegou


um quarto para si, porque não poderia chegar ali e dizer que visitaria alguém
sem parecer suspeito demais. Foi até o quarto de Baz, um andar abaixo ao
seu. Passaram a noite conversando sobre tudo e nada ao mesmo tempo.
Nenhum assunto que os envolvesse ou que fosse importante o suficiente para
tirá-lo dali, a cama que não tinha metade do conforto do colchão de sua casa,
mas que tinha Baz sobre ela. Isso era tudo que precisava. Basile enroscou os
dedos longos entre os fios castanhos enquanto conversavam, descendo a mão
pela sua espinha e parando sobre a sua coxa distraidamente.

— Por que você me chamou pra cá? — perguntou quando ambos já


estavam quase caindo no sono, depois de horas de conversa. Poderia enrolar
mais tempo na cama quando voltasse, fingir que não tinha toda a
programação da equipe até o último segundo. Uma vez não mataria
ninguém, certo? — Nós poderíamos conversar tudo isso no celular.

— Não consigo ver você pelo celular — Baz respondeu, a testa colada
na sua.

— Nós sempre fazemos chamadas de vídeo.

— Não — ele repetiu, baixo. Cansado. — Não consigo ver você. Aqui.

Ele deslizou dois dedos pelo início do seu pescoço, parando sobre o seu
pulso. Então, murmurou outro "aqui", ao pousar os lábios na sua testa.

— No escuro, eu te vejo muito bem — concluiu. — Melhor que por


uma chamada de voz ou vídeo. Suas cores são muito mais marcantes
pessoalmente.

Se Alexandre tivesse a capacidade, teria se desintegrado ali mesmo.


Podia sentir o peito inteiro se encolhendo, mas em uma sensação
completamente diferente da que sentia mais cedo. Bom. Muito bom. Não
fazia a menor ideia do que deveria significar que suas cores eram marcantes
– já havia percebido que Baz soltava esse tipo de observação vez ou outra,
involuntariamente –, mas parecia algo ótimo. Bonito.
Quando pensava na ocasião de se apaixonar perdidamente por alguém,
havia um tipo de roteiro na mente de Alexandre. Encontros, momentos em
que se conheceriam com conversas e flertes, uma transa ou outra entre isso,
se a atração fosse para o sexual.

Havia sido outra coisa com Basile. Alexandre conheceu Basile – e vice-
versa – sob a luz fraca de hotéis, lençóis e chuveiros. Pele na boca. Sem
encontros, alguns jantares sobre a cama que pediram para o serviço de
quarto. Nunca havia parado para pensar nisso até então, mas fazia total
sentido ao refletir. Baz era, facilmente, uma das pessoas que melhor o
conheciam, e não precisou de muitas conversas profundas programadas para
isso. No fim, apenas aconteceu. Alexandre duvidava que poderia evitar,
mesmo se quisesse ou tentasse. Talvez devesse tentar mas, pensando bem,
parecia bom que não tivesse se dado conta antes.

No escuro, eu te vejo muito bem. Droga, ele realmente via.

— Eu provavelmente sou um namorado horrível — soltou. — Não


tenho muito tempo livre, não posso sair na rua sem ser reconhecido e não me
sinto confortável em falar sobre a minha sexualidade. Ainda.

Basile abriu um olho, erguendo a sobrancelha.

— É mesmo?

— É. E eu ainda moro com meus pais. Até onde eu sei, isso é uma
vergonha no departamento de adultos.

— Até onde eu sei, você mal pararia em casa se tivesse um apartamento


só seu. Desnecessário.

— Veja como quiser. Mas eu só sei cozinhar o básico, mesmo tendo


uma dieta bem restritiva. Na verdade, tenho uma mania de querer pedir
delivery sempre que tenho uma oportunidade.

— Que interessante. Eu tenho um restaurante. — Baz pressionou os


dedos na sua cintura. — Eu sei, mon chéri. Eu te conheço há mais de um
ano. Por que você está me dizendo tudo isso?
— Me parece o básico que alguém deveria saber pra ter um
relacionamento comigo.

— Anotado. — Alex soltou uma respiração quando Basile deslizou os


lábios sobre os seus. — Estamos em um relacionamento, então?

— Não faça uma festa sobre isso. Era previsível.

— Acho que vou até ter uma ereção — ele ironizou. — Por que isso
veio agora?

— Porque se você não me largou depois de conhecer os meus pais e a


minha melhor amiga, eu não vou te deixar escapar — disse distraidamente,
enroscando as pernas nas de Basile. — Só é cansativo fingir que eu não
quero ter algo a mais com você. Não é assumir publicamente, porque eu
acho que não estou…

— Não faço questão de nada disso, você sabe.

— Mesmo assim, é frustrante não poder jantar em um lugar legal com


você, por exemplo.

— Quer me levar em um jantar romântico? — provocou, fazendo-o


soltar um resmungo. — Alex, realmente não faz diferença pra mim. Relaxa.
Não é sobre isso.

— É sobre…?

Baz suspirou.

— Você é tão virgem.

— Acho que eu sou muita coisa, menos virgem.

— Em relacionamentos, você é. — Baz deslizou a ponta do nariz pelo


seu ombro. — Lembra quando disse que eu deveria ligar se Bernard fizesse
qualquer coisa? Ou quando fez uma cena quando descobriu que era o meu
aniversário? E todas as vezes que você demonstrou que eu era uma parte
importante da sua rotina. Acha mesmo que isso é menos importante que falar
sobre mim pra pessoas que você sequer conhece?

Alex pensou um pouco, mantendo-se em silêncio. Fazia… sentido.

— Quero que você me deixe fazer parte da sua vida tanto quanto você
faz parte da minha — ele continuou. — Gosto dessas conversas que nós
temos. Eu quero te ouvir falando da sua família, sobre pontos turísticos do
mundo inteiro e fazer com que você se sinta melhor quando não se sair bem
em uma corrida.

— Mas não é sua obrigação lidar comigo quando eu for mal.

— Essa é a questão, não é? — ele perguntou. — Não gosto quando


você se cobra demais. Quando pensa que todo o suor que sempre colocou
pra se tornar quem é ainda não é o suficiente. Eu não gosto, então quero que
você se sinta bem comigo. Eu me sinto bem com você.

— É?

— É, Alex. — Baz pousou o queixo sobre a sua cabeça ao puxar os


cobertores do hotel para cima. Era o seu jeito gentil de mandá-lo dormir,
porque estava muito cansado. — Podemos continuar essa conversa depois
que ganhar a corrida, eu não quero você dormindo no volante.

— Você sabe, é bem difícil acabar dormindo no volante. Tem toda a


adrenalina e energia do momento, e…

— Silêncio, mon coeur. — Baz beliscou levemente o seu braço. — Eu


não quero dormir no serviço. Colabore comigo.

Alex comprimiu os lábios, embora ainda não quisesse dormir. O piloto


se inclinou para inspirar o pescoço de Basile, suspirando o aroma de
sabonete.

— Mas você sempre disse que não gosta da fama, e essas coisas —
argumentou, depois. — Eu não quero que abra mão de algo por minha causa.
— Alex, quando eu digo que odeio isso, é muito mais sobre o que você
precisa passar do que sobre mim — ele explicou, pacientemente. — Pare de
se preocupar tanto. Ninguém vai me tirar de você, e eu sairia na rua com um
vestido de carne se fosse necessário provar.

Alexandre sentia-se como um adolescente outra vez. Um adolescente


percebendo que era capaz de receber carinho e amor de alguém, e que talvez
não fosse terminar sua própria história sozinho.

— Referenciar Lady Gaga é muito gay da sua parte — disse, na


ausência de algo a altura para responder.

— Ainda bem que eu realmente sou muito gay.

— Mas eu vou falar sobre você com Ivan e Bruno. Eles estão comigo o
tempo inteiro — disse, alguns minutos depois. Basile não respondeu
imediatamente, o que provavelmente indicava que ele estava quase caindo
no sono novamente quando falou:

— Por que eu sinto que devo me preocupar mais com eles do que me
preocupei com Nicole e Ângelo?

— Porque você provavelmente deve — Alex bocejou, balançando a


cabeça. — Mas isso pode esperar o fim do campeonato, eu não quero contar
do nada.

— Vai ser mais fácil se você tiver o campeonato no papo, entendi — ele
ironizou. — Tudo bem, vamos ver sobre isso quando for a hora. Você vai
dormir agora.

Então, Alexandre se deixou cair no sono pela calma que os braços e o


corpo de Basile o envolvendo proporcionavam. Dormiu até pouco antes do
sol nascer, sem acordá-lo ao se levantar para ir embora. Poderia voltar a
dormir quando estivesse em casa, mas não correria o risco de ficar ali entre o
território de uma equipe rival inteira.

No silêncio absoluto da noite, ele pensou ter escutado Baz sussurrar


algo não tão desconhecido.
— Tu étais complètement fait pour moi.

Mas havia caído no sono antes de ter a chance de perguntar o que


significava.

Não tinha a menor possibilidade de ter uma foto dessa madrugada


circulando. Voltou para casa, descansado até o momento em que precisou se
levantar para ir para Albert Park e vencer a merda da corrida, até estar ali,
dando aquela entrevista ridícula.

A menos que não fosse dessa madrugada.

— Eu nem sei dessa história — afirmou para a jornalista, soltando uma


risada o mais bem-humorada que podia se forçar a soar. — Foi mal, acabei
de sair de uma corrida e posso ter me perdido nas notícias. Qual é a fofoca
criada da vez?

— A namorada de um dos seus amigos postou alguns vídeos da semana


e, em um deles, você aparece beijando alguém que parece ser um homem —
ela explicou. Merda. Puta merda. A festa na casa de Victor.

Mantenha-se no controle da situação. Você decide o rumo da


entrevista, não ela. Havia sido uma das inúmeras lições que lhe enfiaram
goela abaixo quando perceberam que precisaria de ajuda profissional para
aprender a lidar e se comportar em entrevistas.

— Até onde eu me lembre, não beijei ninguém essa semana. E eu


costumo lembrar dos meus encontros. — Alex se inclinou suavemente para
frente, apoiando os braços sobre a grade que o separava da entrevistadora.
Não um homem, mas alguém. Alex não havia beijado ninguém. Ele xingou
até a décima quinta geração daquela mulher enquanto abria um sorriso mais
largo. — Você deve saber, eu tenho a minha fama de romântico.

— Muita gente disse que não seria você — ela concordou, embora não
parecesse tão confiante sobre isso. — Por estarmos perto da reta final do
campeonato, é certo que você não teria tempo para algo além das corridas.

— As pessoas que me acompanham me conhecem. — Alexandre


ajustou a postura, inclinando suavemente a cabeça. — Mais alguma
pergunta?

— Não, obrigada.

Ele se manteve calmo durante todo o percurso até a área da Astoria,


mas podia notar os olhares sobre ele. Cochichos. Sussurros. Tudo sobre ele.

Marissa engoliu em seco ao vê-lo se aproximar. Ainda assim,


Alexandre manteve-se na melhor postura.

— O que aconteceu, Marissa? — perguntou, abrindo a parte superior do


uniforme. Estava suando frio? Aparentemente sim.

— A namorada de Renato postou alguns vídeos e, em um deles, parece


que você está com alguém — ela explicou, cuidadosamente. Era claro que
nem mesmo Marissa sabia ao certo como explicar a situação. Ela não sabia
se era real. Alex não confirmaria também. Ou deveria? — Está tomando
proporções maiores agora. Não foi proposital, podemos pedir para que ela
apague.

— Apagar não seria suspeito?

— Aumentaria as conversas, sim.

É claro que sim.

Ivan parou ao seu lado, cruzando os braços. Considerando a expressão


do russo, ele estava esperando um relatório da situação sem demonstrar
qualquer tipo de maior reação.

Porque se Ivan esboçasse reações, a situação era realmente crítica.


Alexandre não gostava de pensar no que poderia estar passando pela cabeça
dele naquele momento. Estava decepcionado ou preocupado? Trazer
polêmicas para a equipe era a última coisa que Alex queria. Astoria já tinha
Bruno e Ivan, mas eles não tinham fotos vazadas.

Droga, ver Bruno e Ivan em qualquer momento minimamente pessoal


era um evento raro. Além da vez em que o relacionamento secreto deles foi
vazado, Alex não se lembrava de ver circulando qualquer imagem deles.
— No Twitter, a resposta é… positiva? — Marissa fez uma careta, e
Alex não a julgava. Era apenas um assunto estranho demais para ser tratado
de forma tão cética e profissional. Não deveria ser assim, mas era como as
coisas funcionavam no seu mundo. Quando algo explodia, era preciso agir
estrategicamente para conter os danos. — No Instagram, um pouco menos.
Você sabe, é onde estão concentrados os mais conservadores. Mas não é uma
grande preocupação, Alex. A Astoria tem seu histórico quanto ao apoio à
causa e não seria um escândalo se um piloto daqui…

— Mas não é uma certeza que sou eu.

Marissa abriu e fechou a boca algumas vezes, alternando o olhar entre o


brasileiro e Ivan, que permanecia em silêncio.

Ou, pelo menos, permaneceu em silêncio até aquele momento.

— Alex, é você?

— Potencialmente — murmurou. Alex abaixou o olhar para as próprias


mãos, mexendo nas luvas.

— E você quer negar?

— Eu posso simplesmente ignorar e não dizer nada.

Ivan trocou um olhar duro com Marissa, que se limitou a assentir antes
de sair de perto.

— Se é como você quer lidar com a situação, é como vamos fazer —


Ivan declarou. — Você está bem?

— Estou.

Não. Não estava. Não era para ser assim.

Alexandre tinha, de certo modo, tudo planejado para quando se sentisse


pronto para falar sobre o assunto publicamente. Falaria onde as pessoas
escutariam apenas a ele, e não boatos ou teorias. Alex poderia explicar sobre
o seu processo de autodescoberta, que havia começado apenas após a
adoção, já tardiamente. Sobre o quanto queria ser um exemplo para quem
ainda estava se descobrindo, mostrar que não existia uma idade certa para
viver a experiência de se encontrar dentro de seus sentimentos.

Nada perto do que estava acontecendo ali. Por que tentavam tanto tirar
o seu momento dele?

— Tudo bem, vamos seguir normalmente. — Ivan o analisou por mais


alguns segundos, balançando a cabeça em seguida. — Vá para casa e
descanse. Isso vai passar.

Nicole o encontrou na saída da área da equipe depois que se livrou de


todo o uniforme e vestiu roupas confortáveis, uma expressão preocupada em
seu rosto. É claro que ela também já sabia. Ela provavelmente era a única
que reconhecia perfeitamente como a sua cabeça estava naquele instante.

Ela e Baz.

Merda, Baz. Baz. Baz. Alguém havia reconhecido Baz? Alguém de sua
equipe, talvez o seu pai? Se Bernard soubesse daquela forma, seria um
inferno na vida de Baz.

— Xander, você me ouviu? — Nicole se aproximou, segurando o seu


rosto com as duas mãos. — Sinto muito sobre isso, eu sei que você foi
cuidadoso.

— Tudo bem, eu só preciso de um descanso — disse, afastando as mãos


de Nicole do próprio rosto delicadamente para beijar o rosto da mãe.

Nicole insistiu para dirigir, mesmo que houvesse poucas coisas no


mundo que ela odiasse tanto quanto estar atrás de um volante. Alexandre não
reclamou, mas apenas porque não se sentia na menor condição de dirigir sem
perder-se em seus próprios pensamentos e acabar batendo em um poste ou
atravessando um sinal vermelho.

Talvez tivesse sido um grande irresponsável nos últimos meses, mas


não seria a esse ponto.

Ao entrar na garagem de casa e desligar o carro, ela suspirou.


— Xander, sobre a foto…

— Eu não vou fazer nada a respeito. Se alguém perguntar, você não


sabe sobre nada — declarou, ainda sem olhar diretamente na direção da mãe.
— Eu prefiro assim, por enquanto. Tudo bem?

— Claro — ela assentiu, beijando o seu rosto.

Ele fechou a porta do quarto com um chute leve, trancando-a com duas
voltas da chave. Merda. Alex engoliu a bola presa em sua garganta,
apertando os olhos em uma tentativa falha de afastar a dor de cabeça que o
atingiu com o silêncio.

Ao se virar e ver Basile sentado na ponta de sua cama, ele parou.

— Como você entrou aqui?

— A… Nicole me deu o código de acesso do portão — Baz disse,


umedecendo os lábios ao se pôr de pé. — Ei, você está bem?

— Estou. Quer dizer, não. Mas não é tão grave, né? — Alex vomitou as
palavras, soltando o ar que sequer sabia que estava prendendo. O piloto
olhou para a tela do celular de Basile, que estava na cama. Bernard. — Ele
sabe?

Baz deu de ombros, pegando o aparelho para recusar a chamada e


silenciá-lo.

— Considerando as mais de sessenta mensagens e quinze chamadas que


ele mandou na última hora, ele desconfia.

— Porra. Me desculpa — soltou, balançando a cabeça.

— Ei, pelo quê? — Baz soltou uma risada humorada demais para o
quanto Alex estava tenso com toda a situação. — Ele não pode fazer nada
sobre isso. Ele sabe que é pior se fizer algo, não vai espalhar nada.

— Mas vai te infernizar.


— Apenas mais um dia sendo eu.

— Isso deveria me tranquilizar?! — Alex soltou, indignado.

— Deveria. — Baz se aproximou, tocando o seu queixo com a ponta


dos dedos. — Duvido que mais gente me reconheça pela foto, Bernard só
ligou os pontos da viagem e dos últimos meses. Tá tudo bem comigo, mas e
com você?

— Eu só… achei que poderia falar sobre isso quando me sentisse


pronto.

— Nada te impede, mon coeur. Você chegou a ver a foto?

Alex balançou a cabeça. Não queria, não pretendia.

— As pessoas estão falando que é você porque sabem que era uma
reunião privada entre seus amigos e você era o único além de Victor
supostamente sozinho. Também não dá pra ter certeza de nada quanto a ser
você — ele explicou. — É um print borrado de um vídeo. Nós ainda estamos
bem, não estamos?

— Você me chama de outra coisa desde ontem, o que é? — perguntou.

— Mon coeur? — ele ergueu uma sobrancelha, sorrindo levemente.


Alex assentiu com a cabeça. — Meu coração.

— Isso é bonitinho, ainda preciso me acostumar — fungou, pousando a


cabeça no ombro do francês. — Quando você precisa ir?

— Consigo ficar até amanhã de manhã. Mas não precisamos pensar


nisso agora. — Baz se inclinou para beijar a curva do seu pescoço. —
Agora, você vai tirar essa roupa e entrar na banheira comigo. Vamos
comemorar o seu pódio.

Tudo parecia bem. Muito bem, e melhor do que Alex esperava. Ele se
forçou a relaxar e abaixar as defesas que estavam sempre ali para deixar que
Basile o despisse enquanto deslizava a boca por cada centímetro de pele que
conseguisse alcançar, repetindo o movimento com ele. O que não foi
interrompido no trajeto desajeitado até a banheira, muito menos quando já
estavam dentro dela.

— Você sabe tocar piano? — perguntou, quando seus dedos já estavam


enrugados pelo tempo na água. Baz, que tinha os braços ao redor do seu
corpo, levantou a cabeça que estava recostada na borda da banheira. — Eu vi
você olhando pro piano da sala de visitas da última vez que veio. E para o
que tem no restaurante da sua família, também.

— Acho que eu já soube em algum momento da minha adolescência.


Seria muito se eu conseguisse tocar um verso hoje em dia — ele confirmou.
— Minha mãe me ensinou, mas não é o tipo de música que me agrada. Só
me ajudava a pensar na época.

— Como?

Baz não respondeu imediatamente, e Alex considerou pedir desculpas


por ter entrado em um assunto que provavelmente não lhe dizia respeito.

Mas Baz correu uma mão pelo seu peito, mantendo o encostado a ele
em uma carícia. Ele só estava pensando.

— Eu visualizo tudo em cores, sempre fui assim. E cheiros e gostos, de


vez em quando. Ou tudo de uma única vez. Na verdade, eu achei que todos
enxergavam o mundo como eu até entrar no ensino fundamental. Foi um
choque perceber que segundas-feiras não eram cinzas ou que dez não tem
cheiro de laranja pra todo mundo. É sinestesia — Baz disse. — Todo mundo
é um pouco sinestésico, mas algumas pessoas só têm isso um pouco ou
muito mais marcante de várias formas. Minha mãe era, e eu sou também.

— Isso é… legal? — arriscou, fazendo Baz rir.

— É normal pra mim. Na verdade, não consigo imaginar como é não


ser assim. Parece ser estranho sentir e enxergar tudo de uma forma que não
envolva isso. — Ele pousou o queixo no seu ombro, relaxando conforme
falava. — Só parecia ruim quando Bernard estava em casa. Então eu tocava
pra, sei lá, conseguir focar em algo que não fosse a voz dele gritando
comigo. Eu parei quando não tinha mais motivos pra tentar ser bom em algo
que não me interessava de verdade.
Quando sua mãe morreu. Basile não precisava verbalizar isso para que
Alex soubesse.

O piloto assentiu, deixando que o assunto acabasse ali mesmo. Ele


observou Baz se levantar e deixar a banheira, entregando a toalha na sua
direção em seguida. Ele checou o celular rapidamente, apenas para revirar os
olhos e deixá-lo de lado novamente.

— Bernard?

— Esse cara não desiste — ele resmungou. — Vou pegar uma roupa do
seu closet.

— Você tá em casa — gesticulou, revirando os olhos com um sorriso ao


ver o rapaz mexendo nos cremes e hidratantes organizados sobre a pia, como
se procurasse por qualquer coisa que pudesse usar sem um motivo
específico. — Podemos fazer skincare depois.

— Incrível, vou adorar colocar lama milionária no meu rosto — ele


debochou, virando-se na sua direção em seguida. — Por que você tá me
encarando?

— Então, segundas-feiras são cinzas — soltou, fazendo-o deixar


escapar uma risada.

— Odeio segundas-feiras. Mas não é isso que você quer perguntar, não
é?

— Eu não disse nada.

Ele sorriu um pouco mais, balançando a cabeça.

Baz secou o cabelo antes de se vestir, pegando um dos conjuntos de


moletom que Alexandre mantinha separados em um canto específico para as
roupas que usaria em casa. Aparentemente, ele já conhecia seu closet o
suficiente para saber onde procurar o que vestir.

— Pode perguntar, Alexandre — ele disse, jogando-se na cama.


— Hm, perguntar o quê?!

— Você quer saber como é te enxergar. Tá tão na sua cara.

— Eu não disse nada, e você quem está dizendo.

Baz o puxou para o colchão, empurrando-o para pairar sobre ele.

Já tinha desistido de tentar se acostumar com o quanto Basile era


bonito, e parecia ainda mais quando o mantinha perto. Ele beijou um ponto
acima do seu coração, o olhar preso ao seu.

— Eu não gostei de você quando te vi pela primeira vez, você tinha


cheiro de queimado.

— Ah, bom saber — arfou, fechando os olhos quando Baz se inclinou


para beijar seu lábio inferior. — Informação legal.

— Dourado — Baz soltou, alguns segundos depois. — Você é dourado.


Verde, laranja. Não um tom normal de verde, acho que é verde-limão. É…
bonito. Não deveria ser uma combinação legal, mas é. Você é bonito. Seu
perfume é característico, e não falo do que usa. Você. Eu amo você.

Alex piscou. Bem, aquilo era inesperado. E único – porque Baz não
havia dito aquilo no sentido comum, e Alex não sabia ao certo como
identificou a diferença de um eu te amo comum e um eu amo você de Basile.
Alexandre não sabia ao certo como responder.

— Não aja como se você já não tivesse dito o mesmo muito antes de
mim — Baz sussurrou. — Pensa em mim o tempo todo, mon coeur?

Como respira?!

— Porra.

— Você tá vermelho pra caralho, eu deveria tirar uma foto.

— Como você sabe?


— Eu já te vi falando o mesmo para Nicole. Quando você disse pra
mim, resolvi concluir que significava algo — ele explicou.

— Vou parar de existir perto de você.

— Minha mania de observação te incomoda?

— Me assusta.

— Que pena.

Alexandre arrancou aquele sorriso idiota no rosto de Basile puxando-o


para um beijo, os dedos presos ao cós da calça de moletom, trazendo-o
impossivelmente para mais perto do próprio corpo.

Pela primeira vez em muito, muito tempo, Alexandre Duarte conseguiu


viver um momento sem pensar que poderia existir um fim. E parecia muito,
muito bom.
 
PARTE QUATRO — TEMPOS DE GLÓRIA

“Nós corremos nossa vida inteira


Agora já podemos descansar
Deita e o vento te leva
Pra onde você deve estar”
TRINTA E NOVE

— E é assim que você troca um pneu sem quase arrancar seus dedos no
processo — Basile finalizou, chutando o pneu antigo do carro para o lado.
Luc assentiu, desajeitado. — Entendeu mesmo?

— Saquei. Você só faz muito mais rápido que qualquer pessoa normal
— o garoto disse, franzindo o cenho.

— É porque o Dom só me colocava pra fazer isso quando eu era mais


novo, era um inferno — explicou, apontando para os outros pneus do jogo.
— Agora você troca os outros.

O garoto soltou um resmungo que o fez rir, balançando a cabeça ao se


afastar. Luc era uma companhia legal para as tardes na oficina, e Baz
gostava de ensinar o que sabia mais do que esperava que fosse gostar um
dia.

Luc era, de alguma forma, parecido demais e completamente diferente


do tio. Baz não conhecia a irmã do homem – na verdade, mal sabia que ele
ainda mantinha contato com pessoas da família –, mas tinha certeza de que o
carisma do garoto definitivamente não viera por parte de Dom. Era bom ter
alguém ali que tivesse o mínimo de modos.

— Eu te mandei embora duas horas atrás, Basile — Dom disse ao


entrar na oficina com algumas sacolas. O almoço, considerando o horário.

— Tô de férias e muito entediado, você é a única pessoa disponível no


momento pra infernizar. O que você trouxe pra mim? — Aproximou-se,
pegando uma das sacolas.

— E o seu namorado? Achei que você esqueceria que eu existo agora


que tem um carrapato pra chamar de seu.

— Ocupado demais com os compromissos de um piloto duas vezes


campeão mundial — gesticulou, equilibrando o garfo entre os lábios ao abrir
a marmita de comida chinesa que tinha o seu nome. — Acho que ele deve
aparecer por aqui semana que vem.

Se estivesse certo, Alex estava em algum lugar do Brasil. Depois dos


últimos meses que o levaram até o título pela segunda vez, era de se esperar
que sua agenda se tornasse ainda mais ocupada.

Não que isso incomodasse Basile. Merda, longe disso. Talvez nem
demonstrasse o suficiente o quanto estava orgulhoso pra caralho do piloto,
feliz com o quanto ele parecia feliz. Contente em como os tempos mais
recentes foram incríveis para a carreira de Alex e para o relacionamento
deles.

Só era esmagadoramente bom poder contar com alguém como podia


contar com Alexandre. No momento que fosse, para o que fosse. E ele
poderia estar do outro lado do mundo, ainda encontraria um jeito de resolver
o que precisasse.

A ponto de desmarcar uma semana inteira de compromissos para cuidar


dele quando esteve doente, mas Baz ainda estava bravo com isso – foi
apenas uma gripe, droga. A ponto também de comprar comida cara de gato
pra Corvette mesmo estando a milhares e milhares de quilômetros de
distância. O que fez com que se sentisse cerca de dez vezes mais
perdidamente apaixonado por ele. Baz também percebeu que gostar e cuidar
da sua gata quase tanto quanto ele era um pré-requisito fundamental pra
qualquer relação que tivesse.

Quando não estava viajando, Alexandre ia para a França.


Obrigatoriamente, quase. Poderia apenas passar o dia inteiro vendo Baz
trabalhar na oficina – o que fazia Dom entortar a cara toda vez, mas preferia
pensar que era apenas o mais velho sendo propositalmente chato –, porém
ficaria perto dele até o momento de ir para o seu apartamento.

Alexandre comprou um apartamento por ali há algumas semanas.


Porque era muito mais fácil explicar que ele resolveu morar definitivamente
na França ao sair da casa dos pais do que dizer que gostava do lugar o
suficiente para ficar em um hotel a cada duas ou três semanas. Mas nunca
tinham passado um dia sequer no tal apartamento, que nem mesmo estava
mobiliado. Era a cara de Alexandre comprar um lugar para evitar
questionamentos do que ele tanto fazia na França, assim como era a cara
dele preferir passar o tempo inteiro no apartamento de Baz mesmo assim.

Se é que o lugar ainda era só de Baz. Alex já havia se apropriado de


metade do seu guarda-roupa, e sabia que aquilo não era nem um quarto do
que o piloto tinha em roupas.

— Tem certeza de que não tem problema em deixar minhas roupas


aqui? — ele havia perguntado, fazendo uma careta quando Baz separou uma
gaveta inteira só para ele. Ingênuo, porque uma gaveta era o suficiente
apenas para uma parte de sua coleção imensa de camisetas.

— Por que seria? É mais fácil deixar algo aqui do que separar uma mala
inteira toda vez que você voltar. — Baz cruzou os braços, balançando a
cabeça ao perceber que em uma gaveta mal caberia as roupas que ele usava
em casa. Ao se virar para perguntar se ele preferia o lado esquerdo ou direito
do guarda-roupa não muito grande, ergueu uma sobrancelha. — É um
guarda-roupa, mon coeur. Não um pedido de casamento.

— Só não quero ocupar o seu espaço.

— Mais do que você já ocupa dormindo em cima de mim?

Alexandre respondeu com uma cara feia na sua direção, fazendo-o rir.
— Pra sua informação, existem pessoas que pagariam milhares de
dólares pra me ter dormindo em cima delas.

— Espere só até descobrirem que você baba enquanto dorme —


rebateu.

— Aí pagariam pela minha baba.

— Seus fãs são estranhos.

— Quer mesmo falar dos meus? — Alexandre desafiou, e Baz entortou


o nariz dessa vez.

Não tinha fãs. Admiradores, no máximo. Ainda era estranho pensar


sobre isso.

Principalmente porque havia acontecido do mais completo nada.

Estava acostumado a ficar no canto da área da Ritz-Carlton em todas as


corridas. Afinal, não queria ter que aguentar também seu pai gritando no
rádio e para os monitores como se os carros funcionassem pelo comando da
sua voz.

Exceto por uma vez, no circuito de Interlagos. Naturalmente, Alex


estava mais ansioso que o normal para essa corrida, e nem mesmo toda a
programação para conhecer todo tipo de ponto turístico brasileiro que
pudessem havia sido capaz de fazê-lo sossegar. Muito menos quando um
erro nas classificatórias o fez largar da oitava posição.

Alexandre ficou possesso.

Por isso, quando ele chegou à primeira posição quando faltavam apenas
três voltas para o fim da corrida, Basile saiu do canto da área onde os
mecânicos ficavam posicionados para as paradas, a fim de acompanhar tudo
de perto nos monitores onde seu pai ficava – com um cuidado especial para
não sorrir demais quando o piloto da equipe rival ultrapassou a linha da
bandeira quadriculada.
Consequentemente, em algum momento, as câmeras da transmissão ao
vivo o capturaram.

Um tweet com prints da gravação e Basile se tornou automaticamente o


"engenheiro gostoso do paddock". A situação era tão bizarra que Baz passou
quase meia hora encarando a tela do celular mais tarde, enquanto Alexandre
tinha uma crise de riso insuportável na cama do hotel onde o francês estava.

Baz pensou que, talvez, recebesse algum tipo de atenção quando seu
relacionamento com Alexandre se tornasse isso público – mas estavam bem
como estavam, então ainda parecia algo muito distante. Não por existir na
área da sua equipe. Não dessa forma.

— Alguém precisa avisar pra horda de garotas dando em cima de mim


no Instagram que eu sou gay — resmungou, enquanto observava horrorizado
o número de seguidores na rede social crescer mais e mais a cada segundo.
— Nunca mais vou sair de casa.

— Bem-vindo ao mundo da fama, amor. — Alex se inclinou para olhar


a tela do seu celular. — Você se acostuma. Pelo menos não precisa fazer
nada além de ser bonito pra gostarem de você.

— Não vou postar fotos sem camisa.

— Ah, isso é como eu me mantenho. Você vai se dar bem sem mostrar
o peito.

— A diferença é que além de mostrar o peito, você meio que também é


o piloto de destaque das últimas duas ou três temporadas — resmungou.

— E você é um ótimo engenheiro. Use isso ao seu favor.

Quase dois meses depois, e Baz ainda não estava acostumado. Mesmo
respondendo quantos comentários podia sempre que possível – o que parecia
o mínimo –, ainda era estranho que pessoas que não conhecia dissessem que
gostavam dele.

Alex dizia que era normal, que a Internet funcionava assim. As pessoas
não pediam apenas por qualquer tipo de conteúdo junto do piloto, mas
também por qualquer coisa sobre ele. Queriam saber sobre ele, Basile
Beauchene. O que fazia, o que gostava e o que pensava quando estava longe
das pistas como um funcionário da equipe.

— Baz, leva o almoço pro Luc. Se ele se atrasar pra aula, eu vou te
quebrar — Dom ameaçou, arrancando-o de seus próprios pensamentos e
levando-o de volta ao presente.

— Por que eu?

— Porque você colocou o garoto pra trocar um jogo de pneus no


horário de almoço!

— Ele pediu! — rebateu, mas se levantou para sair do escritório com a


marmita do garoto. — Até parece que eu sou o pai do garoto. O sobrinho é
seu.

— Cala a boca.

Baz sorriu, apenas para irritar o homem um pouco mais ao sair.

Por um segundo, ele parou. Alexandre estava ali, na oficina, agachado


ao lado de Luc enquanto trocavam um dos pneus juntos. Basile precisou de
um momento só para repassar mentalmente a agenda do piloto, que sabia
quase de cor e, depois, ter certeza de que não estava imaginando coisas. Ele
não deveria estar ali.

Quer dizer, que bom que estava, mas ele não deveria.

— Luc, hora do almoço — chamou, deixando a sacola com a comida


sobre a mesa. — Seu tio vai me quebrar se você se atrasar. E eu vou te
quebrar se ele me quebrar. Engole isso.

— Coma devagar, senão você vai passar mal — Alex rebateu,


colocando-se de pé. Baz estreitou os olhos na direção do namorado, que
estava com um corte de cabelo novo. Os fios novamente loiros e mais curtos.
Ainda parecia ter um pouco de gel do que quer que ele tivesse gravado nas
últimas horas. — Oi.
— Não fale pro garoto fazer o contrário do que eu digo, tô tentando
educar um adolescente.

— Você educando alguém me preocupa profundamente — ele ironizou,


aproximando-se dele. Quando estava a um passo de beijá-lo, Baz recuou um
pouco, erguendo a mão para deslizar os dedos entre os fios loiros da sua
nuca. — O que foi?

— Estou vendo se ainda dá pra puxar.

O piloto riu, inclinando-se na sua direção mais uma vez. E Baz não o
impediu quando Alex beijou o seu lábio inferior antes de beijá-lo de
verdade, obrigando-o a apoiar as costas na parede atrás de si. A distância não
era um problema quando mantinham um contato constante sempre que
possível, mas Alexandre sempre voltava disposto a passar cada segundo
disponível o tocando como pudesse. Com as mãos, com a boca. Baz gostava
disso mais do que provavelmente deveria. Mas, ora, era o seu namorado.
Seria estranho se não gostasse de absolutamente tudo sobre ele – até mesmo
as coisas que o irritavam.

— Sua maior preocupação com o meu cabelo é se vai poder puxar? —


Alex perguntou, a boca ainda contra a sua.

— Eu sou um cara legal e sei o quanto você gosta. — Baz se afastou


um pouco quando Luc passou perto deles para pegar o almoço. — Achei que
ficaria até a semana que vem no Brasil.

— Eu ia ficar, mas cancelaram metade da minha agenda pro feriado —


ele explicou. — Mas ainda não vou poder passar o Natal com você, foi mal.

— Tudo bem, mon coeur. Eu vou estar com Dom.

Alex soltou um suspiro resignado. Sabia que ele não gostava da ideia,
mas era como algumas coisas continuavam funcionando.

Mas que também pareciam prestes a mudar, de qualquer maneira.

— O lance do Ano Novo tá de pé? — perguntou. Precisou conter uma


risada ao ver como o rosto dele pareceu se iluminar em questão de segundos.
Alexandre Duarte era um capricorniano de 1 de janeiro, o que
significava que seu aniversário era comemorado junto ao Ano Novo.

Naquela ocasião, Alexandre queria comemorar no restaurante de


Geneviève, apenas com a família e amigos mais próximos.

E Baz estaria lá, mesmo que a maioria dos convidados ainda não tivesse
o conhecido . Parecia um evento grande demais para algo que ele poderia
fazer em cinco minutos – apresentá-lo como seu namorado –, mas já estava
acostumado com Alexandre pensando demais em como fazer as coisas do
jeito que ele parecia achar mais adequado. Um pouco exagerado.

— Tá. Ivan e Bruno já disseram que podem também. E a Mariana. Todo


mundo.

— Ótimo, vou confirmar a quantidade de convidados com o pessoal da


cozinha e te mandar o cardápio.

Alex assentiu, depositando um beijo na sua testa.

— O Dom vai te liberar mais cedo? Quero ir pra casa.

Casa. O piloto provavelmente sequer percebia que já estava chamando


o apartamento daquela maneira há algumas semanas, mas Basile gostava. E
muito.

— Ele não vai precisar me liberar se eu sair sem avisar.

— E fazer o homem me odiar mais ainda? Não, valeu.

— Ele não te odeia. Ele odeia a sua equipe.

— Quase a mesma coisa. Não quero nem aparecer na frente dele essa
semana.

— Só porque você é o campeão da temporada? — Baz perguntou,


propositalmente mais alto. Foi uma questão de segundos até que Dom saísse
do escritório para ver o que estava acontecendo, estreitando os olhos ao ver o
brasileiro ali.
— Eu te odeio — Alex resmungou, antes de se afastar para
cumprimentar o mais velho com o sorriso simpático e a lábia que só ele
conseguia ter.

Essa era a melhor parte de ter Alexandre Duarte de volta. Baz não havia
ido a lugar algum nas últimas semanas e, mesmo assim, sentia-se mais em
casa do que nunca naquela manhã.
 
QUARENTA

No dia 31 de dezembro, o rabo de Corvette foi o despertador de


Alexandre. O que seria capaz de fazê-lo se irritar com a gata, se não a
amasse tanto. Merecia acordar um pouco mais tarde na véspera do seu
aniversário, droga.

— Bom dia pra você também — resmungou, tirando a gata do próprio


rosto com uma careta. O piloto franziu o cenho ao ver que Basile já não
estava mais no quarto.

Porque, bem, Baz ainda não era o maior exemplo de uma rotina de
sono. Mesmo tempo a mais dividindo a cama não foi o suficiente para fazê-
lo acordar antes das dez, mesmo em um dia de semana.

Alex estremeceu ao sair do quente da cama, separando roupas mais


confortáveis para depois do banho. Trocou os lençóis – o tipo de coisa que
teria feito antes de dormir, se não estivesse tão cansado na noite anterior.

Pegou o celular assim que saiu do banho e percebeu que Baz não estava
em casa, assim como não havia deixado nenhuma mensagem. Estranho o
suficiente.
Ainda mais estranho quando descobriu que o celular dele estava ali ao
tentar ligar.

Poderia não significar nada, mas também poderia significar algo. Baz
não saía de casa cedo, especialmente em um dia tão frio, muito menos sem o
celular. E, caso acontecesse, ele definitivamente avisaria.

Ainda assim, Alexandre se forçou a não se preocupar demais. Se


aconchegou com Corvette no sofá, mesmo que sua visão periférica estivesse
presa à porta do apartamento.

Basile chegou cerca de quinze minutos depois, quando Alexandre já


estava considerando se era o momento certo para ligar para a polícia. Ou,
talvez, Dom.

A polícia seria a opção mais segura.

— Onde você estava? — perguntou, talvez em um tom acusatório


demais. Baz parou na entrada, olhando ao redor em confusão. Ele soltou
algumas sacolas na bancada da cozinha, erguendo uma sobrancelha.

— Eu precisava comprar pomada de cicatrização pra tatuagem e


aproveitei pra buscar o seu café no San Felice — ele explicou. Baz havia
feito uma tatuagem no rosto na última semana, uma adaga na vertical ao lado
da orelha esquerda. Combinava com ele. — Por quê?

— Leve o seu celular da próxima vez — respondeu, simples.

Mas foi o suficiente para que Baz percebesse o que estava acontecendo.
Ele tirou o casaco grosso que estava usando antes de se aproximar,
inclinando-se sobre ele.

— Mon coeur, quando eu for embora, vou levar Corvette comigo. Você
sabe que eu não a deixaria pra trás.

Alex o fuzilou com o olhar, balançando a cabeça.

— O que você trouxe pro café?


— O mesmo que você sempre pede quando tomamos café lá — Baz
disse, voltando para a cozinha. Ele tirou algumas embalagens das sacolas. —
Café com menta e creme, a torta de chocolate.

— Você sabe que o meu aniversário é só amanhã, né? — perguntou,


levantando-se com Corvette ainda nos braços. Havia uma bandeirinha de
"feliz aniversário!" sobre a fatia de torta.

— Sei, mas eu não vou ter disposição de fazer isso amanhã porque
vamos passar a madrugada na sua festa. Então fica pra hoje.

— Entendi. — Alexandre soltou a gata, sentando-se sobre a bancada


para pegar a torta para si. — Valeu.

— Você ficou mesmo preocupado? — ele perguntou, como se


prendesse uma piada com a situação na ponta da língua. É claro que ele
estava prendendo.

Alex revirou os olhos.

— Você acordou antes de mim e saiu de casa sem o celular, é incomum


o suficiente pra me deixar preocupado. Não é como se eu tivesse chorado só
porque passei cinco minutos longe de você.

— Que pena, seria adorável se você tivesse chorado. — Quando


Alexandre chutou o ar na sua direção, fazendo-o recuar, Baz riu. — A culpa
é sua, na verdade. Um despertador do seu celular tocou mais cedo e me
acordou.

— Deve ter sido o despertador pro aniversário do meu irmão, foi mal.
Fuso-horário não sincronizado. — Alex pegou o celular, notando a
expressão confusa do namorado apenas depois. Ah, claro. Irmão. Baz não
sabia. — Eu tenho um irmão gêmeo. Mas não nos parecemos nem um
pouco, antes que pergunte se tem outro de mim por aí.

— Seu irmão gêmeo faz aniversário em uma data diferente da sua?

— História engraçada, ele nasceu às onze e quarenta e sete. Eu, depois


da meia noite — explicou, dando de ombros. — Ele é uns vinte minutos
mais velho que eu e nasceu no ano anterior. Não somos nem um pouco
próximos, na verdade. Só nos falamos em algumas datas comemorativas e
olhe lá, por mensagem. Eu não o vejo pessoalmente há uns anos.

— Por quê?

— Só… não sei, perdemos o contato quando fomos para a adoção.


Acho que só não tem como recuperar, ou algo assim. — Estendeu o celular
na direção dele, mostrando uma das fotos mais recentes de Augusto. — Mas
ele é legal. Foi adotado com uns dez anos e trabalha no escritório de
advocacia dos pais, que também são pessoas muito boas. Ele se encontrou da
mesma forma que eu me encontrei com Nicole e Ângelo.

— Ele é a sua versão de terno, zero tatuagens, menos músculos e


formado em direito — Baz comentou. — É a sua cara, Alex.

— Você acha? — Ergueu uma sobrancelha, analisando a foto. — Sei lá,


não consigo visualizar.

— Mas você é mais bonito.

— Vou aceitar o elogio — disse, digitando uma mensagem rápida para


o irmão. Toda a conversa entre eles seria resumida em "feliz..." e uma data
comemorativa qualquer. Apenas. Não o incomodava. Soube que não
passariam desse tipo de relação no instante em que o reencontrou, quando já
estava com Nicole.

Talvez porque forçar uma convivência traria de volta tudo o que ambos
não queriam lembrar sobre o período em que ainda viviam como uma versão
muito deturpada de família. Não, nenhum dos dois queria isso. Quando
tiveram seu primeiro reencontro, Augusto não precisou vocalizar o
pensamento para que Alexandre percebesse que ele compartilhava do
mesmo sentimento.

Em um primeiro momento, Alex ficou triste. Depois, a consciência de


que seria melhor assim foi aceita com mais facilidade. Ainda havia aquela
preocupação inevitável que se tem com qualquer pessoa que seja
minimamente sangue do seu sangue, um contato eventual que ainda
mostrava que estariam ali um pelo outro caso fosse realmente necessário, e
era o suficiente.

— Você tá viajando — Baz disse, chamando a sua atenção.

— Hm?

— Você desliga e fica em algum lugar da sua própria mente. Tá


acontecendo bastante ultimamente. — Baz se aproximou, encaixando-se
entre as suas pernas para pegar um pedaço da torta. — Tudo bem?

— É estranho estar de férias, tempo demais pra pensar em muita coisa.


Aliás, devem anunciar Arthur na equipe semana que vem.

A notícia da saída de Bruno da equipe – e da Fórmula 1 – foi uma


surpresa. Mesmo com uma coletiva de imprensa marcada com o intuito de
explicar que estava fazendo isso para dedicar mais de seu tempo à família e
que Ivan continuaria como o chefe da equipe, ainda era um baque.
Precisaram deixar a poeira baixar para marcar a apresentação de Arthur
Saithong, tailandês, que tinha um histórico admirável na Fórmula 2.
Extremamente novo, mas extremamente talentoso.

Exatamente o que Astoria procurava para ser seu mais novo rosto.

Era um garoto legal. Alexandre havia saído para almoçar com ele duas
ou três vezes, e era incrível ver uma pessoa nova entrar no seu meio. Na sua
equipe.

Era até contraditório chamar o período em que estavam de férias


quando ainda mantinha uma rotina de viagens para uma agenda
movimentada. Mas o tempo a mais de descanso que tinha ali era muito mais
do que se daria o direito há um ano. Porque Baz o obrigava a sossegar e
descansar, principalmente.

Como naquele exato momento.

— Incrível, mon coeur. Mas você não precisa pensar nisso agora. —
Basile pousou os lábios na sua testa antes de se afastar para pegar o próprio
café. — Nicole e Ângelo devem pousar em duas horas. Você prefere
encontrar com eles no apartamento ou buscar no aeroporto?

— Você sabe a hora do pouso dos meus pais?

— É fofo como ainda fica surpreso com o quanto eu converso com seu
pai. — Ele separou a comida de Corvette, rindo baixinho.

— Combinei com Nicole que nos veríamos no apartamento, é mais


confortável e eu deixei tudo pronto pra eles.

— Você realmente não vai usar aquele apartamento?

— Isso é um jeito discreto de me chutar daqui? — perguntou, erguendo


uma sobrancelha na direção do namorado.

— Sim, eu tô terminando com você.

— Vai se foder.

— Você sabe que não tô te chutando daqui, Alex. — Baz tornou a se


aproximar, pegando o prato sujo e vazio das suas mãos. — Você não pensa
em se mudar pra esse apartamento? Comigo?

Alex piscou, repassando mentalmente o questionamento.

— Bom, eu não tenho nada contra a ideia. Mas não quero te tirar do seu
apartamento, e…

— Alexandre, você não tem espaço pras suas roupas aqui.

— Ah.

— É, ah. E eu não aguento mais a minha vizinha dando em cima de


você no corredor.

Alexandre não conteve uma risada. Marjorie era uma mulher de setenta
e poucos anos que, aparentemente, não fazia a menor ideia de que Alex era
uma figura famosa, mas que era completamente encantada por ele, chegando
a perguntar por ele para Basile quando estava viajando e preparar o almoço e
o jantar para eles quando estava por lá.

— Podemos pensar nisso — assentiu.

— É uma sugestão. Meu apartamento não comporta a sua coleção de


camisas de seda fina. Além disso, o prédio tem uma academia e
estacionamento pra você, também é perto do restaurante e praticamente do
lado de um pet shop e clínica veterinária, seria muito melhor.

Revirou os olhos, mas não era como se pudesse discordar. Gostava


daquele apartamento, mas sabia que seria mais confortável se morassem em
um lugar mais espaçoso.

O apartamento era grande, privado e confortável. Havia o reformado e


mobiliado para que pudessem receber visitas quando necessário, mas morar
lá também seria uma opção. Uma opção incrível.

Mas, bem, qualquer coisa que envolvesse Basile parecia incrível para
Alexandre. A simples ideia de ter um relacionamento estável com alguém
tão cedo seria uma piada se perguntassem sobre isso há um ano, mas dava
certo com Baz. Simplesmente funcionava, e funcionava muito bem.
 
O pensamento de contar sobre Basile para Ivan e Bruno se mostrou uma
dificuldade maior que o esperado. E Alexandre já esperava algum
empecilho.

Alex tinha absolutamente tudo planejado – um exagero, nas palavras de


Baz. Seria um momento importante, tinha o direito de se preocupar. Se
pudesse, teria contado antes. E queria. Mas também não queria fazê-lo
enquanto Baz não estivesse por perto, e suas agendas não colaboravam
muito para que isso pudesse ter acontecido antes.

A comemoração de Ano Novo – e, consequentemente, do seu


aniversário – organizada no restaurante da mãe de Basile era a parte
principal. Alex poderia jurar que soltou uma respiração mais profunda do
que seria considerável saudável quando todos puderam confirmar presença.

Até mesmo Mariana. Ela sabia sobre Baz, mas também não havia sido
uma apresentação decente. Afinal, Baz não era seu namorado na época em
que ela os flagrou antes de uma corrida.

E era importante que as pessoas mais importantes da sua vida


soubessem sobre Baz. Continuar separando o francês de partes de sua vida
pessoal já não era uma opção, mesmo que ele insistisse que não se importava
com isso. Alex se importava. E muito.

O suficiente pra correr o risco de enfrentar uma bronca de Ivan. Ele


estremeceu só de pensar.

Os dois homens, acompanhados de Camilla, chegaram à França no final


da tarde e usaram as poucas horas até o início da comemoração para
descansar da viagem.

Então, quando eles apareceram no restaurante pela noite, Alex já tinha


um discurso pronto em mente. Sabia que eles desconfiavam de algo –
principalmente depois do Natal, quando perguntaram se ele estava bem por
parecer distante e passar tempo demais na França. Não os julgava.
Teoricamente, não havia absolutamente nada no país que fosse o suficiente
para mantê-lo lá por tanto tempo.

Faltava encontrar um bom momento para trazer o assunto.


— Ei, gatinha! — exclamou, se agachando para abraçar Camilla. —
Como foi a viagem?

— Muito legal, mas o papai não me deixou sentar na janelinha do avião


— ela disse.

— Você sempre começa a passar mal com quinze minutos de voo se


senta na janela, amor. — Ivan revirou os olhos, aproximando-se de Alex. —
Esse lugar é legal.

— É o restaurante da família de um… conhecido. O cardápio do


almoço é sempre incrível, aliás. — Não estava mentindo. Se pudesse deixar
de comer em casa para comer no San Felice, o faria. A equipe da cozinha
daquele lugar era incrível.

Não tão incrível quanto Aria, porém. Ainda ligava para ela
semanalmente.

— Olha, amor, é assim que se faz uma decoração de festa jovem. Você
deveria aprender — Bruno disse, apontando para as luzes coloridas
espalhadas pelo lugar. — Talvez o seu próximo aniversário não pareça tanto
com uma festa de velho.

— Eu tenho mais de quarenta anos, talvez esteja na hora de aceitar que


eu sou velho — Ivan suspirou, inclinando a cabeça na direção do marido. —
Você também. Até se aposentou.

— Quando eu pedir o divórcio e arranjar alguém mais novo, não


reclame.

— Boa sorte em achar alguém que te aguente como eu.

Bruno bufou, gesticulando antes de pegar a filha no colo.

— Vem, nós vamos roubar os docinhos.

— Não encoste na minha mesa de docinhos, Bruno — Alex rebateu.


— Vai negar docinhos pra um homem aposentado e uma criança?! —
ele perguntou, falsamente afetado.

Pretendia trazer o assunto naquele momento, mas Bruno se afastou com


a garota antes que pudesse sequer começar.

— Ele é tão manipulador — Ivan comentou, revirando os olhos. —


Camilla esqueceu o seu presente no hotel, então te entregamos amanhã. Pode
ser?

— Eu disse que não precisava de presentes.

— Que pena — o mais velho disse, arrumando as mangas da camisa


distraidamente. — Você tá morando aqui por perto, né?

— O meu prédio fica na rua de cima — assentiu. O prédio onde ainda


não morava, no caso. Mas Ivan não precisava desse detalhe ainda. — Vocês
podem até ficar por lá quando estiverem por aqui, tem muito espaço.

— Vou confessar, fico curioso pra saber como você está se virando pra
morar sozinho.

Exceto que não estou, Alex pensou, mas se limitou a sorrir, afastando-
se apenas quando Mariana e Daniel entraram no local.

— Você engordou mais desde o Natal? — provocou, abraçando a


jogadora.

— Vai tomar no cu — Mariana rebateu, beijando suavemente o seu


rosto. — Me diz que tem brigadeiro aqui, por favor. Acho que vou explodir
se não comer um brigadeiro hoje.

— Mari, você sabe que desejos de gravidez só costumam aparecer


depois do primeiro trimestre, certo? — Daniel ergueu uma sobrancelha,
cumprimentando Alex com um aceno de cabeça. — Feliz aniversário, cara.

— Todos os brigadeiros dessa festa vão pra você — prometeu,


abraçando Mariana mais uma vez. — Vou proibir todos os outros convidados
de comerem.
— Você é um amor, meu marido deveria aprender com você.

Daniel estreitou os olhos na direção deles, embora ainda tentasse conter


um sorriso.

— Aposto que o Alex não sabe fazer uma massagem como a minha.

— Cara, meu pai é fisioterapeuta especializado em massoterapia.

O sorriso no rosto de Daniel sumiu quase imediatamente, o que fez


Mariana rir.

— Me diz, o seu namorado tá aqui? — ela sussurrou, olhando ao redor.

— Ele deve estar na cozinha, tô esperando o momento pra falar com


Bruno e Ivan.

Mariana soltou um ruído animado.

— Não se engane, essa é a felicidade de alguém que vai ter um


convidado a mais no chá de bebê — Daniel ironizou, recebendo um dedo do
meio da mulher.

— Pode confirmar o nosso nome. E eu vou pegar os brigadeiros pra


você — disse, beijando a cabeça de Mariana antes de se afastar na direção
para a cozinha.

Basile parecia perfeitamente entretido nos doces extras que estavam


separados em um dos cantos da cozinha.

— Você sabe, esses docinhos são dos meus convidados — provocou,


roubando um brigadeiro da mão dele. — Uma grávida, em especial. Oi.

— E eu não sou um convidado? — Baz ergueu uma sobrancelha.

— Você é, mas serei obrigado a te mandar embora se acabar com meus


doces.

— Quanta consideração com o seu namorado.


— Bruno e Ivan chegaram, você quer conversar agora?

— Você diz como se eu estivesse prestes a ser sacrificado, mas


podemos.

Alex abriu a boca para responder à ironia, mas parou quando um dos
funcionários da cozinha do restaurante que haviam ficado para a noite entrou
na sala.

— Hm, Baz. O seu pai meio que tá na porta e insistindo pra que o
deixem entrar.

Basile endureceu automaticamente.

— Nem fodendo.

— A segurança tá conseguindo conter, mas ele vai acabar chamando a


atenção de alguém.

— Porra, eu resolvo isso — Baz resmungou, afastando-se em passos


rápidos. Alex mal processou todo o movimento, ainda momentaneamente
anestesiado pela informação.

Mas Baz não resolveria a situação sozinho. Nem ferrando.

Alex o seguiu, contendo uma respiração ao ver Bernard discutir


acaloradamente com Basile, apontando um dedo para o peito do filho
enquanto rosnava algo. Em francês. Daria qualquer coisa para entender a
língua nesses momentos.

Se é que poderia chamar aquilo de discussão quando Basile permanecia


em silêncio.

— Ei, isso é um evento privado — interviu, calmamente. Porque, no


fim, não importava o quanto odiasse aquele cara. Quanto mais pacificamente
o mandasse embora dali, melhor. Não era o momento para ferrá-lo como
queria. — Eu agradeceria se você fosse embora.
— E isso é uma discussão familiar, você não tem o direito de se meter
— o homem rebateu, o sotaque francês acentuado.

— Eu tenho, principalmente quando você está atrapalhando a minha


festa. Eu paguei para estar aqui hoje. — Aproximou-se o suficiente para
afastar a mão dele de Baz. — Não encoste nele. Estou pedindo
educadamente.

— Se você acha que pode ser o garoto mimado no meu restaurante e


fazer o que quiser só porque tá comendo o meu filho, está muito errado.

Deus. Há muito tempo Alex não tinha que se segurar tanto para não
acertar o punho na cara de alguém.

— Exceto que não é seu restaurante. Não mais, pelo menos.

Baz o encarou, confuso. Assim como Bernard.

— Há uma semana, Valentin assinou alguns documentos que


oficializam Baz como o proprietário do San Felice. O restaurante foi
vendido, sinto muito.

Em qualquer situação diferente, Alexandre sorriria com a expressão


chocada de Baz. Não dessa vez. Não enquanto Bernard estivesse ali.

— O contrato de vocês dava ao gerente a autoridade para tomar esse


tipo de decisão, por isso você não foi notificado — continuou, antes que o
homem perguntasse. — Não que devesse ser em qualquer situação, não é?
Geneviève sempre deixou claro antes de falecer que queria que o restaurante
fosse para o filho dela, não para você. Mas é fácil ignorar um testamento
quando uma das partes está ocupada demais com o luto para se importar com
qualquer tipo de herança. Enfim, não importa. De modo geral, você não tem
o direito de estar aqui.

— Bernard, hoje não — Baz pediu, calmamente. O que era uma


surpresa para Alex, se fosse sincero. Estava acostumado a ver o sarcasmo
passivo-agressivo de Basile quando se tratava em conversar com o pai,
porque ele nunca parecia disposto a recuar o pouco que fosse. — Se você
quiser, nós conversamos amanhã.
— Conversar?! Eu vou ferrar com você, garoto.

— Você também não vai querer fazer isso, aliás — Alexandre interviu,
mais uma vez. — É sério. Eu consigo te ferrar umas cinco vezes mais, no
mínimo.

— E como você faria isso? — o homem perguntou, incrédulo.

— Ah, bem. Eu posso começar com todos os registros de que você foi
um marido e pai horrível durante todos esses anos, porque a família de
Geneviève também não é lá muito sua fã — começou. — E, é claro, eu tenho
acesso a todas as vezes que você conseguiu ser um grande filho da puta
homofóbico com o meu namorado por mensagens e chamadas de voz. Mas
você não deve estar surpreso com isso, já que não parece ligar pra falar sobre
abertamente. Pra minha sorte, as provas de que você também é um chefe de
merda para os seus funcionários são bem acusatórias.

Dessa vez, Alexandre sorriu de forma afetada na direção do homem,


que parecia chocado demais para reagir.

— Não mexa comigo, Bernard. Eu já aguentei as suas inconveniências


por tempo demais. — O piloto se aproximou de Baz, puxando-o pela mão
suavemente para mais perto de si. — Mandar todo o material que eu tenho
pra quem pode te ferrar seria o presente de aniversário perfeito pra mim.

— Algum problema aqui?

Alex se virou, engolindo em seco ao ver Ivan se aproximar com Bruno


ao lado.

Se Bernard já parecia pálido, poderia jurar que ele quase se desintegrou


ali mesmo com a presença do chefe da Astoria.

— Bernard, eu não achei que te veria hoje — o mais velho continuou,


cruzando os braços. Seu olhar passou rapidamente por Alex, Baz e pelas
mãos unidas deles. Ivan estreitou os olhos por um segundo, o
reconhecimento o atingindo.

Não era assim que esperava que ele soubesse.


— Eu só estava de passagem — Bernard disse, balançando a cabeça.
Não parecia mais tão confiante em estar ali como minutos antes. — É o
restaurante da minha família.

— De Baz. Apenas. — Alex se conteria, se já não estivesse se


segurando o suficiente para não o chutar dali de uma vez. — Inclusive, ele
não trabalha mais pra você.

— Já que está de saída, nós vamos voltar para a nossa comemoração —


Ivan prosseguiu, gesticulando para a entrada principal do restaurante. — A
saída é por ali, você deve saber.

O Beauchene recuou, sumindo ao sair em silêncio.

— Porra, eu não pensei que ele daria as caras por aqui — Baz soltou,
balançando a cabeça repetidamente. Ele olhou rapidamente para Ivan, que
continuava ali. — Me desculpa por isso, mon coeur.

— Tá brincando?! Eu espero pela oportunidade de mandar o cara pro


inferno há meses. Tá tudo bem, não tem nada errado aqui. — O piloto
segurou delicadamente o rosto de Baz, impedindo-o de continuar olhando
para Ivan e Bruno como se eles fossem as figuras mais importantes ali. Não.
Alex só se importava com Baz naquele momento. — Ele disse alguma coisa
antes que eu chegasse?

— Só que eu deveria respeitar a minha mãe e não trazer gente como


você aqui, esse tipo de coisa. Nada que me afete de verdade. — Baz franziu
o cenho. — Não faz nenhum sentido, aliás. Ela gostaria de você. Bastante,
na verdade. Quando você pretendia me contar sobre o restaurante?

— Amanhã. Você tem cuidado tanto daqui nos últimos meses, achei
que gostaria de ter o lugar no seu nome — explicou. — Os funcionários
gostam mais de você do que de Bernard, de qualquer forma. Não é um cargo
que vai te demandar passar o tempo inteiro aqui, então também não vai te
atrapalhar com o trabalho na oficina.

— Acho que vou precisar de alguns minutos pra processar tudo que
aconteceu. Ninguém nunca me defendeu assim.
Alex soltou uma respiração, balançando a cabeça. Baz parecia
realmente afetado, o que era uma surpresa. Algo incomum. Quantas vezes ao
longo da vida ele precisou defender a si mesmo para que aquele momento –
que era apenas uma ponta do que Alexandre tinha vontade de fazer com o
homem – mexesse tanto com ele?

— Ele não vai mais te incomodar — prometeu, beijando a ponta do


nariz dele. Baz fez uma careta como se não gostasse do gesto, e Alex
continuou fingindo que não sabia que ele gostava e que até mesmo se
inclinava para pedir silenciosamente que o fizesse de vez em quando. — E
se ele tentar, eu vou fazer exatamente como eu prometi. Acabou, Baz.

Ivan limpou a garganta, fingindo olhar para o outro lado. Alex riu
baixo, pegando novamente a mão de Baz para se aproximar do mais velho.

— Oi.

— É claro que a sua festa precisava ter algum tipo de grande reviravolta
— Bruno comentou. — É Alexandre Duarte. Sua vida é uma novela antiga.

— Eu não sei se isso é um elogio ou uma crítica, mas não vem ao caso.
— Alex gesticulou entre Baz e o casal. — Bem, esse é o Baz. Meu
namorado.

— Namorado — Ivan repetiu, devagar. — E…

— Beauchene — Baz assentiu, como se já soubesse a pergunta que


estava vindo. — Nós já nos vimos durante a temporada. Eu trabalho como
engenheiro na Ritz.

— Trabalhava — Alex corrigiu.

— Trabalhava — ele concordou, não contendo um sorrisinho.

— Bom, isso é… uma surpresa — Ivan murmurou.

— Eu não acredito que você teve a pachorra de mentir que não estava
namorando quando te perguntamos no Natal! — Bruno cruzou os braços,
boquiaberto. — Garoto, esses últimos anos não significaram nada pra você?
Eu me preocupei com essa sua carinha bonita.

— Eu queria contar quando ele estivesse junto! — se defendeu.

— E há quanto tempo isso tá rolando?

— Hm, nós nos conhecemos aqui.

— Esse ano? — Ivan perguntou.

— Ah, não. Ano passado, eu ainda não tinha ganhado o primeiro título.

Bruno engasgou, enquanto Ivan apenas arregalou os olhos.

— Chega — Bruno soltou, por fim. — Vou fingir que não me sinto
traído.

— Tudo bem por vocês, então? — perguntou, devagar.

— Nós não temos muito o direito de opinar nisso, Alex. Mas, bem, eu
não vejo qualquer problema. — Ivan olhou para o marido, que assentiu,
antes de olhar novamente para Baz. — Você é o cara da foto que vazou há
alguns meses, não é?

Baz assentiu.

— Imaginei. Vocês conseguiram manter isso relativamente em segredo


todo esse tempo. Como alguém que já esteve nessa posição… Só tomem
cuidado. — Ivan se aproximou para bater suavemente no ombro de Basile.
— Boa sorte. O Alex é um porre de se conviver.

— Ah, eu sei muito bem disso. Ele mora no meu apartamento


minúsculo.

— Jesus, eu mal consigo dividir uma sala de reunião com ele. — Bruno
revirou os olhos, mas então encarou Basile por mais alguns segundos. —
Espera, você não é o engenheiro gostoso da Ritz?
Ivan encarou o marido, erguendo uma sobrancelha.

— Perdão?

— Eu não acho que ele seja gostoso — Bruno logo adicionou,


gesticulando na direção de Baz. — Muito novo pra mim, você sabe. É só
como chamaram ele quando hitou no Twitter.

— Sou eu — Baz assentiu, suspirando como se lembrar daquilo lhe


causasse calafrios. Talvez causasse. Ser reconhecido por algo assim ainda
era surreal.

— Mas ele pode ser o gostoso da Astoria… — Alex propôs, soando o


mais casual e discreto que podia. O que não era muito.

— Eu não sobreviveria existindo em um ambiente com você e o seu


namorado, Alexandre. Vou usar meu privilégio de marido do chefe pra
impedir que isso aconteça — Bruno resmungou, voltando a atenção para
Basile em seguida. — Nada contra você, eu juro. Enfim, eu vou voltar pra
festa antes que Mariana acabe com os brigadeiros.

Alex olhou na direção de Baz, inclinando-se para beijar


superficialmente os lábios do namorado.

— Tudo bem?

— Por que eu não estaria? — ele ronronou. — Você mesmo disse que
estava tudo bem, aniversariante.

Precisava admitir, havia passado tempo demais pensando em Basile no


seu aniversário.

No fim, a coisa toda foi muito melhor do que havia imaginado. Baz
com seus pais, com Ivan e Bruno – especialmente Bruno, porque a
especialidade de ambos parecia ser encher o saco de seus companheiros
sempre que uma oportunidade aparecia –, interagindo com suas amizades
mais próximas que puderam marcar presença.
Ainda parecia bom demais para ser verdade. Em outras palavras, Baz
parecia bom demais para ser verdade.

E, talvez, Camilla também estivesse um pouco apaixonada demais por


ele. A garotinha havia passado quase meia hora analisando todas as
tatuagens expostas de Baz até as mangas e gola da camiseta, perguntando o
significado até das mais simples.

Mesmo que Baz não fosse lá o tipo de pessoa que realmente pensava no
significado de um desenho antes de marcá-lo na pele. Ele não era como
Alex.

— Essa doeu? — ela perguntou pela milésima vez e apontou para a


adaga ainda em processo de cicatrização no rosto dele.

— Não, não doeu. — Baz havia dito a mesma coisa nas vezes
anteriores também.

— Eu quero fazer uma igual! — Camilla olhou para Ivan, que a


encarou horrorizado. — Eu posso?

— Claro, amor — ele forçou um sorriso, olhando para Bruno em


seguida. — Acha que ela esquece disso nos próximos dez anos?

— Claro, querido. Conte com isso — Bruno assentiu, contendo uma


risada com a expressão do marido.

— Por que você tá me olhando assim? — Baz perguntou, desviando a


atenção da conversa que estava tendo com a menina.

— Você tá muito bonito…

— E você tá levemente bêbado, mon coeur — riu, beijando suavemente


o seu ombro ao pegar a cerveja que estava em suas mãos. — Você deveria
guardar um pouco para depois da meia-noite. Aguente mais… vinte e sete
minutos.

— Tempo suficiente pra você me chupar no banheiro.


— Não. Hoje eu estou profundamente empenhado em ser um cara
muito legal pra sua família e amigos gostarem de mim, e isso envolve evitar
qualquer tipo de atividade libidinosa.

— Só eu tenho que gostar de você — rebateu.

— Você diz isso como se não tivesse definhado profundamente nos


últimos meses de preocupação sobre a reação de Bruno e Ivan quando
soubessem sobre mim.

— Mas eu não te largaria se eles não gostassem de você.

— Sei que não — Baz assentiu, bebendo um gole da cerveja que antes
era sua. — Você só vai me largar se eu te mandar fazer isso.

— Não dá pra ser romântico com você — resmungou, tentando


alcançar a cerveja de volta.

— Vou pegar um refrigerante pra você — ele disse, levantando-se.

Baz demorou um pouco mais que o esperado para voltar. Quando


voltou, ele puxou a sua mão.

— Três minutos, mon coeur. Como é estar cada vez mais perto dos
trinta e da sua aposentadoria?

— Vai se foder, eu não pretendo me aposentar tão cedo.

— Eu dizia a mesma coisa — Ivan comentou, aparecendo atrás de Baz.


Não havia notado que eles estavam juntos na cozinha, mas esperava que
nenhuma confusão tivesse acontecido enquanto não estava de olho. —
Quando percebi, tinha um marido e uma filha. Não que eu esteja
reclamando, mas você pode se surpreender.

— Eu não quero filhos — rebateu, mais na defensiva do que


provavelmente deveria. Depois, olhou para Baz. — Você quer?

— Não, valeu. Prefiro gatos.


— E um cachorro? — propôs.

— E um cachorro, pode ser. Mas Corvette pode não ser lá muito


receptiva.

— Ela vai ser com o nosso cachorro.

Baz riu, o puxando para mais perto quando a contagem regressiva


começou.

Dez.

Nove.

— E se um dia você resolver que quer filhos? — perguntou.

Oito.

— Você acha mesmo que eu vou querer ter filhos? Não é o meu lance.

Sete.

— Mas e se for o seu lance um dia?

— Então nós vamos conversar e ver qual é o nosso lance, mon coeur. —
Seis. Baz deslizou os braços pela sua cintura, abraçando-o. — É uma decisão
em conjunto. Você tá mesmo pensando tão longe?

Cinco.

— Eu sou assim.

Quatro.

— Significa que você pretende estar comigo daqui tantos anos? —


Basile sabia a resposta, mas gostaria de ouvi-la da sua boca mesmo assim.
Ele era um bosta.

Três.
— Não me vejo com mais ninguém — disse, raspando os lábios do seu
namorado. Na frente de sua família e de amigos. De todas as pessoas que
mais importavam na sua vida. Baz não era mais um segredo para as pessoas
que melhor o conheciam. — Você sabe.

— Eu sei. — Dois. — E eu descobri como posso descrever o seu


cheiro.

— Hm, como?

Um.

Quando os fogos se iniciaram, não muito longe dali, Baz sorriu ainda
mais. E ele estava tão fodidamente lindo e feliz, que Alexandre não resistiu
ao impulso de beijá-lo.

E, Deus, esperava ter aquele beijo não apenas no seu Ano Novo, mas
em todos os dias pelo resto da sua vida.

— Casa — o francês disse, por fim. Quando já estavam ofegantes e já


não havia como estarem mais perto um do outro. — Você tem cheiro de
casa. Feliz aniversário, mon coeur. E Ano Novo.

E, Alex sabia, aquele era apenas o início de seus tempos de glória.


 
QUARENTA E UM

Por mais que odiasse admitir, Basile também estava nervoso para
conhecer Ivan e Bruno. Porque, bem, mesmo com a presença dos pais
adotivos de Alexandre, o casal ainda era quem mais convivia com o piloto
brasileiro. Eram parte de sua equipe, família no mesmo nível que Nicole e
Ângelo.

E porque, até onde podia se lembrar, era um fã de Ivan Nikolaev desde


que se entendia por gente.

Manter a postura com Alexandre e outras pessoas do lado era uma


coisa. Se Ivan não fosse com a sua cara, talvez ainda pudesse fingir que a
opinião do ex-piloto não o incomodava. Ele havia ajudado a afastar Bernard
mais cedo, mas o quanto isso significava que ele realmente não via nenhum
problema em ter seu piloto – o principal, a partir da temporada que
começaria em breve – se relacionando com alguém que, em teoria, era tão
próximo de pessoas de uma equipe que sempre fez de tudo para infernizar a
vida deles.

Por isso, quando se afastou do grupo para pegar um refrigerante para o


namorado e viu que o russo também estava na cozinha, Baz percebeu que
talvez não conseguisse se manter tão bem sozinho.

— Você precisa de alguma coisa? — Ivan perguntou quando se virou


para sair dali, na esperança de que não tivesse sido notado. Mas é claro que
ele o viu. Não sabia por que deveria se surpreender.

— Achei que ainda tivessem brigadeiros por aqui, a Mariana… precisa


de mais — mentiu. Tinha quase certeza de que Mariana tinha brigadeiros o
suficiente em sua mesa. Alexandre parecia disposto a fazer aquela festa ser
quase como uma comemoração de criança, com mais doces possível.

— Ah, tem ali — Ivan apontou. Bosta.

Baz se aproximou para pegar os doces, torcendo para que fosse apenas
isso.

Não seria. É claro que não.

— Eu conhecia a sua mãe — ele disse. — Não sei se ela já era casada
na época, por isso demorei para relacioná-la ao restaurante, com Bernard e
você. Sinto muito, aliás.

— Tudo bem. — Deu de ombros. — Ela passou por muito aqui. Como
vocês se conheceram?

— Geneviève tinha um restaurante menor por perto, antes do San


Felice. Você deve saber disso, apesar de não ser nascido na época. — Ivan
bebeu um gole do refrigerante que tinha em mãos, pensando um pouco. —
Acho que ainda era o meu ano de estreia.

— Nossa.

— Eu entendi esse nossa — ele pontuou, com um sorriso bem-


humorado. — Não faz tanto tempo assim.

— Longe de mim sugerir isso.

— Enfim, ela era… especial. Prendia a atenção de qualquer um. —


Ivan cruzou os braços. — Você é muito parecido com ela, parando pra
observar.

— Engraçado, todo mundo diz que eu sou mais parecido com Bernard
— resmungou, roubando um brigadeiro da bandeja.

— Não, você tem os olhos dela. Você enxerga as coisas como ela, é um
olhar muito característico. — O russo se aproximou para também pegar um
doce. — Você olha para Alex da mesma forma que ela olhava para o
restaurante. Quando as mesas estavam cheias, quando alguém elogiava os
pratos.

Basile encarou o mais velho, sem palavras. Sabia do amor que a mãe
tinha pelo restaurante, tudo que ela havia passado para sair de um
estabelecimento minúsculo para se tornar a gerente do maior e melhor
restaurante perto do autódromo, mesmo que ela tenha passado a maior parte
de sua vida após o seu nascimento tratando um câncer agressivo e suas
sequelas.

— Como alguém que manteve um relacionamento em segredo por anos


antes que descobrissem, é bom saber que ele tem alguém que o ama tanto a
ponto de fazer tudo ser um pouco menos pesado — Ivan prosseguiu, por fim.
— Alex é um bom garoto, ele ainda vai muito longe.

— Sou suspeito pra dizer, mas ele é o melhor.

— Sou suspeito pra dizer, mas discordo a favor do meu marido — ele
sorriu. — Enfim, saiba que as portas da minha equipe estão sempre abertas
pra você. Ouvi dizer que é um engenheiro exemplar, e eu gosto de pessoas
exemplares.

Baz pensaria em um jeito educado de dizer que não tinha interesse, não
era a sua área. Já que tinha se livrado de vez do pai, pretendia voltar para a
oficina de Dom integralmente.

Mas como fingir naturalidade quando Ivan Nikolaev casualmente te


convida para trabalhar com ele?

Basile cresceu vendo aquele cara chegar ao topo.


— Hm, bom. Eu vou ver. É — gaguejou. Ridículo.

— Ótimo — ele disse, olhando no relógio. Ivan se aproximou, batendo


levemente no seu ombro. — Quase meia-noite, vamos voltar. E bem-vindo à
família, Baz. Você provavelmente vai se arrepender em algumas semanas.
Especialmente namorando aquele cara.

Bem-vindo à família.

Sim, Basile podia ver uma família para ele ali.


 

Na manhã do seu aniversário, o primeiro dia de janeiro, Alexandre


acordou depois do meio-dia.

Mas depois de uma madrugada inteira comemorando, voltando para


casa apenas depois das quatro, Baz não esperava algo diferente dele. Na
verdade, xingaria o piloto se ele ousasse abrir os olhos antes das dez.

Alex se mexeu sobre o seu corpo, enfiando o rosto na curva do seu


pescoço ao soltar um grunhido sonolento.
Alexandre gostava de aniversários. Havia imaginado isso em sua
própria data, quando ele fez questão de fazer algo – qualquer coisa – para
que não passasse em branco. Percebeu também alguns meses antes, quando
ele planejou toda uma surpresa para Nicole. Era previsível que, em seu
próprio aniversário, ele ficasse um pouco mais animado que o normal.

Por isso, mesmo quando entre o sono que não havia se dissipado, Alex
sorriu contra o seu pescoço como se só então a ficha de que dia era estivesse
caindo como se já não tivesse comemorado a data durante toda a madrugada,
Baz precisou respirar fundo diante da sensação de ter o cara mais bonito do
mundo ao seu lado na cama.

Com o cabelo loiro bagunçado e os olhos ainda estreitos, Alex levantou


a cabeça para olhar na sua direção. E Baz, que achava que nunca seria o tipo
de pessoa a demonstrar demais o quanto queria ter alguém ao seu lado,
sentiu o próprio peito esquentar diante do olhar que o brasileiro sempre
lançava na sua direção quando estavam juntos. Como se não importasse o
quão cansado estava, seu rosto ainda seria a primeira coisa que queria ver ao
abrir os olhos.

— Bom dia, aniversariante — disse, inclinando-se para deslizar a boca


sobre a de Alexandre.

— Bom dia — Alex fungou, esfregando os olhos. — Você tem alguma


coisa pra ressaca?

— Primeira gaveta do banheiro.

— Vai mesmo confiar em mim pra pegar algo em uma caixa de


remédios em francês? — ele perguntou, e Baz não conteve uma risada.
Ainda esquecia que Alexandre mal sabia cinco palavras na língua além das
que havia ensinado para ele. — Posso acabar tomando um comprimido pra
intestino preso e a culpa vai ser sua.

— Besta. Me dá cinco minutos e eu vou pegar pra você — disse,


empurrando levemente o ombro de Alex. Quando ele não se afastou, Baz
suspirou. — Ei, sobre o restaurante…
— Não me agradeça — ele interrompeu, balançando a cabeça. —
Aquele lugar deveria ser seu há anos.

— Como você sabe?

— Eu imaginei que Bernard não ficaria quieto por muito tempo depois
de descobrir sobre nós, então pedi pra Nicole entrar em contato com algumas
pessoas que pudessem ajudar a, sabe, fazer algo caso ele tentasse nos
prejudicar — Alex bocejou, se inclinando para pairar sobre Baz. — Nós
descobrimos que Geneviève deixou o restaurante pra você. Mas seria muito
difícil recorrer com os documentos que provassem isso sem criar uma
confusão para a qual ele poderia se preparar, então eu só comprei no seu
nome mesmo.

— Deve ter sido o equivalente a um passeio no shopping pra você.

Alex sorriu, mas balançou a cabeça ao se aproximar para beijar o seu


lábio inferior.

— Independentemente de quanto fosse, eu ainda daria um jeito de


conseguir isso pra você — ele disse, descendo a boca para mordiscar a sua
mandíbula e, posteriormente, o seu pescoço. Baz até pensou em perguntar se
ele estava mesmo se sentindo mal com uma ressaca quando parecia tão bem,
mas as palavras morreram na sua garganta quando a boca dele tocou no seu
mamilo.

Porra.

Alexandre o tocou por cima da única peça que havia deixado no corpo
para dormir, os olhos castanhos presos e atentos a cada reação que deixava
escapar enquanto Baz puxava, mas sem afastá-lo de seu objetivo, os fios
recentemente aparados do cabelo bagunçado.

Mas antes que o brasileiro pudesse livrá-lo da maldita cueca, a


campainha do apartamento tocou.

Mais especificamente, três vezes seguidas em um espaço ridiculamente


curto de tempo. O que significava…
— Eu juro que vou cometer um crime contra o estatuto do idoso —
resmungou, o que arrancou uma risada de Alexandre. Se Baz ainda não
estava no nível de odiar a sua vizinha apaixonada pelo seu namorado,
começava a chegar bem perto disso.

— Ela deve ter visto na televisão sobre o meu aniversário — ele


concluiu, tropeçando para fora da cama para vestir uma roupa. — Pode ficar
aí, eu me viro com ela.

— Acho que você esqueceu que eu sou meio que o seu tradutor pras
declarações apaixonadas dela — Baz bufou, enfiando o rosto no travesseiro
por cinco segundos antes de se colocar de pé.

— Você sabe que eu ainda posso chupar o seu pau depois que ela for
embora, né? — Alex se aproximou, passando os braços pelo seu pescoço.

— Se você não for me ajudar a não ter uma ereção na frente de uma
idosa, nem chegue perto de mim.

Alex ignorou a ordem – e também a insistência da velha na campainha


– para capturar a sua boca em um beijo.

Em dias como esse primeiro de janeiro, Alexandre Duarte brilhava mais


que o normal. Basile estava acostumado a vê-lo assim, confortável e
confiante em si próprio quando estava com ele ou com sua família. Mas
havia também os dias em que ele mal podia conter-se dentro do próprio
corpo.

Ele estava feliz. Talvez fosse apenas pelo evento de seu aniversário,
mas Baz ainda tinha a impressão de que algo havia mudado em Alex depois
da noite anterior.

Ou melhor, principalmente depois da noite anterior. Baz gostava de ver


Alexandre crescer, tornar-se cada vez mais o piloto e a figura pública que o
mundo admirava. E não tinha problema nenhum em ver isso acontecer pelos
bastidores.

Afinal, ainda seria para o seu lado que ele iria no fim do dia. Ainda
seria a ele que o brasileiro procuraria quando as câmeras que o amavam
tanto se desligassem e ele pudesse fechar a porta de casa para vestir as
roupas surradas – que não combinavam nem um pouco e não se pareciam
com as marcas que ele sempre usava para suas viagens e compromissos.
Ainda seria para Baz que ele olharia quando acordasse – ou para a foto ao
lado de Baz, que era a tela de bloqueio do seu celular. Ainda seria para ele
que Alexandre contaria todos os segredos, novidades e opiniões que tinha a
respeito de absolutamente tudo, porque era assim que eles funcionavam. E
funcionavam muito bem.

Mas depois da noite anterior, Basile tinha uma impressão de que


Alexandre estava também mais confiante sobre si quanto ao mundo. Cada
vez mais perto de se livrar dos limites aos quais havia se inserido para
encaixar na zona segura onde ninguém poderia tocá-lo.

Porque Alexandre Duarte pertencia ao mundo desde o momento em que


foi adotado e passou a ser reconhecido, mas Baz estava pronto para vê-lo ter
o mundo em mãos. Pronto e ansioso, porque não havia absolutamente nada
que o deixasse mais feliz do que ver o cara que amava poder mostrar-se
como queria.

Mais solto, mais perdido entre as cores vibrantes que era.

Quando a campainha tornou a tocar, Baz interrompeu o beijo com um


palavrão abafado.

— Nós vamos nos mudar semana que vem — declarou, revirando os


olhos quando Alexandre parou na frente do espelho para arrumar o cabelo,
como se a vizinha três vezes mais velha que ele fosse realmente uma grande
visita. Babaca. — E nunca mais aparecer por aqui.

— Até lá, você vai ser legal com ela — ele disse, aproximando-se mais
uma vez. Se o som de sua campainha não fosse tão insuportável, talvez
Basile pudesse fingir que nada estava acontecendo e continuar o que
começaram ali de uma vez. — E quando Marjorie for embora, eu posso
pensar em deixar você usar aquela gravata feia pra algo útil outra vez.

O piloto beijou a ponta do seu nariz com uma inocência falsa e


descarada antes de se afastar, saindo do quarto calmamente.
E, bem, Basile amava vê-lo em seus tempos de glória, onde ele deveria
estar.
 
QUARENTA E DOIS

Basile amava estar naquela oficina.

Talvez fosse a sensação de trabalhar com algo que realmente o


entretinha, com pessoas que não o faziam ter vontade de arrancar as
tatuagens da própria pele com as unhas – dependendo do momento.

Sim, era muito bom.

— Baz, aquele cara do Jaguar tá reclamando no telefone que o motor


não tá pegando e quer que você dê outra olhada — Dom disse, na porta do
escritório. — Tá livre a partir das cinco?

Não deveria estar. Havia combinado com Alexandre que o buscaria no


aeroporto às quatro para que começassem a assistir juntos à nova temporada
do reality que passou o ano inteiro os acompanhando e, mais tarde, ir para o
Palladium. O mesmo motivo pelo qual ele foi proibido de abrir as redes
sociais durante todo o dia, para que não levasse qualquer spoiler do
programa – chegando até a brigar com ele mais cedo, quando postou um
story no Instagram da oficina.
Como se Basile não tivesse acompanhado a temporada inteira de perto.
Mas não iria contra o que Alex pediu.

Tinha uma liberdade no trabalho, de fato. A proximidade com Dom


proporcionava isso. Mas não significava, de forma alguma, que abriria mão
de serviços grandes e que trariam algum dinheiro bom pra oficina por isso.

Só teria que avisar Alex antes.

— É, tô livre — confirmou. — Mas não me responsabilizo pelos meus


atos se esse cara continuar usando o tipo de óleo errado pro carro dele, Dom.

— Não reclame, eu ganho mais grana se ele continuar ferrando o


próprio motor e voltando aqui.

Baz revirou os olhos, voltando a atenção para o serviço. Seria melhor


que perder tempo se lamentando por uma ou duas horas a menos ao lado do
namorado.

Com a temporada prestes a se iniciar ativamente em breve, com o


período de lançamento dos novos carros e testes dos mesmos antes das
primeiras corridas, sabia que o piloto número 1 voltaria a passar mais tempo
longe.

Então cada minuto parecia muito.

— Luc, você pode pegar as luvas pra mim? — pediu, olhando para o
garoto que tinha os olhos presos na tela do celular e fones no ouvido. —
Luc?!

Quando o menino não respondeu, Basile revirou os olhos. Se


aproximou de Luc, tirando um dos fones dele.

— Você não vai me ajudar?

— Foi mal, tô assistindo o seu namorado se assumindo.

Baz ia mandá-lo largar o celular e ajudar a fazer a droga do serviço,


mas parou ao processar o que ele havia dito.
— O Alex?

— Você tem outro namorado?

Aquele garoto precisava urgentemente sair de perto dele e de Dom.

— De onde você tirou que o Alex se assumiu?

— Ué, tá no último episódio da série — ele disse, como se Baz devesse


saber.

Em teoria, realmente deveria. Droga, Baz queria socar aquele rostinho


perfeito.

— Me dá isso — resmungou, puxando o celular. — Onde começa?

Luc bufou, se inclinando para voltar em um ponto do episódio.

A câmera mostrou Alexandre sentando-se na sala de gravação.


Considerando que o cabelo dele ainda parecia mais longo que alguns meses,
ele gravou aquilo antes mesmo do fim da temporada anterior.

Desgraçado.

— Eu penso que comecei a me entender com dezessete anos — ele


começou a falar. Para qualquer pessoa que não o conhecesse, Alexandre
Duarte aparentaria carregar a confiança de sempre, como se fosse apenas
mais um dia na sua vida.

Mas Baz sabia reconhecer quando o piloto brasileiro estava nervoso, e


aquela era uma das situações. Alexandre umedeceu os lábios com a ponta da
língua e os pressionou por um segundo antes de continuar.

— Minha família teve um papel muito importante nisso, e eu acho que


nunca seria quem eu sou hoje se não tivesse pais que me apoiassem em cada
decisão que eu tomei. Eu poderia passar o resto da minha vida falando sobre
isso, agradecendo por cada conversa que foi como uma mão me guiando por
todo o caminho. Um que eu tive medo demais para enfrentar sozinho. —
Alexandre fitou alguém atrás da câmera. Pela sua expressão, o sorriso que
tomou conta do seu rosto, Basile só podia imaginar que era Nicole. — Eu me
descobri bissexual aos vinte anos, o que pode ser considerado tarde para
muitas pessoas. Talvez seja, mas eu gosto de pensar que foi o momento certo
pra mim. Antes disso, pode ser que eu não conseguisse e não tivesse o apoio
que tive nessa época.

Baz engoliu em seco, surpreso. Completamente e profundamente


surpreso, porque Alexandre não soltara um sinal sequer de que havia
gravado aquilo durante todos aqueles meses. Foi gravado antes que
começassem a namorar? Não duvidava. Ele sabia que seriam meses até que
os episódios fossem lançados.

— A Astoria também teve um papel muito importante nisso, mas não é


segredo pra ninguém o quanto a equipe se posiciona sobre esses assuntos. Eu
não sei se me sentiria em um ambiente tão seguro se não fosse pela família
que eu formei aqui também — ele continuou, e algumas fotos e vídeos da
época em que Alexandre entrou para a equipe passavam pela tela. — Eu
gostaria que todos tivessem esse tipo de ambiente tão próximo, porque
definitivamente faz toda a diferença.

— E por que você não falou sobre isso antes? Por que agora? —
alguém perguntou, atrás da câmera. O episódio voltou a mostrar o seu rosto.

Alex soltou uma risada. Um pouco desajeitada, um pouco divertida. Ele


parecia alegre em falar sobre o assunto, talvez um pouco aliviado.

— Eu sabia que essa pergunta chegaria. É o que todo mundo quer saber,
não é? — ele brincou. — Todos parecem pensar que é por temer a reação de
quem me acompanha ou medo de perder algo, mas eu nunca me preocupei
com isso. Quer dizer, ainda há muito a melhorar no cenário do
automobilismo quando o assunto é a inclusão, e não apenas de pessoas da
comunidade. Mas eu sempre soube que, mesmo que existam pessoas que se
recusam a usar do bom senso, ainda existe uma maioria muito grande que
continuaria me apoiando. Minha família, minha equipe, as pessoas ao redor
do mundo que me admiram e acompanham a minha carreira. Só não era o
momento… Até agora.
Alex abriu a boca para continuar, mas parou. Por alguns segundos, ele
pareceu apenas pensar em suas próximas palavras em silêncio.

Baz queria conseguir pensar em qualquer coisa, mas o momento, a


consciência de que ele havia mesmo feito aquilo, ainda estava sendo
processada.

— Eu sei que é comum pensar que, a partir do momento que alguém se


torna uma figura pública, é inviável manter algo tão grande como privado
por tanto tempo. Mas, bem, eu queria que isso fosse meu até que eu me
sentisse pronto para falar sobre. No fim, não é apenas sobre dizer que eu sou
um homem bissexual, é sobre entender o que isso pode significar. Eu sempre
senti que, quando falasse sobre isso, precisaria entender sobre o movimento
do qual eu faço parte para usar da minha influência, do meu alcance para
falar sobre isso. — Alex limpou a garganta, ajustando a postura no assento.
— Eu quero fazer a diferença. Não podia falar sobre autodescoberta quando,
sinceramente, só estava no início da minha. Sempre foi muito mais sobre
mim do que sobre o resto do mundo. Mas é isso. Eu sou bissexual.

— E comprometido? — a voz masculina tornou a perguntar, e o sorriso


sem jeito no rosto de Alexandre aumentou.

— Não sei, estou?

— Depois disso só falam um pouco sobre a família dele e partem pra


vitória na temporada — Luc disse, puxando o celular da sua mão. Quando
Baz permaneceu em silêncio, o garoto ergueu uma sobrancelha. — Você não
sabia?

— Não, ele é um babaca — resmungou, pegando o próprio celular do


bolso.

Não sabia se Alexandre atenderia. Até onde sabia, ele estava no


aeroporto, talvez até mesmo já no avião. Droga, queria acabar com ele.

No terceiro toque da linha de espera, ele atendeu.

— Oi, eu embarco em cinco minutos. Aconteceu alguma coisa? — ele


perguntou, um pouco afobado. Talvez pela pressa para embarcar, algo do
tipo.

— Alexandre, você se assumiu em um reality show e achou que seria


interessante não me contar?

Houve um momento de silêncio absoluto. Ou quase, porque ainda foi


possível ouvi-lo soltando um palavrão. Em português, mas já havia o
escutado dizê-lo vezes o suficiente para saber que porra era algum tipo de
palavrão.

— Era pra ser surpresa, por isso eu pedi pra assistir comigo — ele
explicou. — Por que você não me esperou?

— Eu esperei, mas o Luc me contou.

— Droga. — Alex trocou algumas palavras com alguém do outro lado.


Imaginou que ele já estivesse no portão de embarque do aeroporto, porque se
identificou e disse algo sobre seus documentos. — O que você achou?

— Eu… não parei pra pensar ainda, sendo bem sincero. Estou surpreso.
Por que você não me contou nada?

— Não sei — ele admitiu. — Eu não cheguei a assistir, também. Tive


uma reunião com a produção da série quando resolvi que queria gravar
isso, fiz prometerem que não criariam grande caso em cima, como
costumam fazer com tudo, e que não deixariam a informação vazar antes.
Mas eu achei que seria bom fazer com que ficasse marcado em algo que
fosse mais que uma entrevista qualquer. Então gravei e pedi que Nicole visse
por mim quando terminassem de editar os episódios, porque me prometeram
que não lançariam sem que eu aprovasse antes. Nicole aprovou, então eu
disse que poderiam lançar. Mas ainda vou assistir pela primeira vez. Com
você.

— Então não foi algo que te procuraram antes pra fazer?

— Nossa, não — ele riu. — Eu teria os mandado à merda se me


procurassem com uma proposta pra sair do armário sem que eu confirmasse
com antecedência. Sei que, de certa forma, não é bem uma surpresa, só a
confirmação de algo que muita gente já suspeitava. Mas eu gravei porque
quis, eu tomei a decisão. Foi pouco antes que aquela foto na casa de Victor
acabasse saindo.

Antes que as pessoas começassem a desconfiar, e ele ainda não falou


nada por todo aquele tempo.

— Fico feliz, mon coeur. Muito feliz mesmo.

— Eu também — Alex disse, um pouco mais baixo. — Fico feliz em


finalmente falar sobre isso. Talvez investiguem a minha vida pra descobrir o
nome de cada cara com quem já fiquei pra fazer uma matéria no Buzzfeed,
mas acho que faz parte.

— Te incomodaria se descobrissem sobre nós?

— Ah, bem. De certa forma, sim. Eu não gosto da ideia de descobrirem


sobre você, eu quero falar sobre você. — Alexandre pareceu afastar o celular
do ouvido novamente, e Baz pôde ouvi-lo cumprimentando o que parecia ser
um dos comissários de bordo do avião. — Desculpa, eu tô entrando no
avião. Enfim…

— Então você pretende falar sobre nós.

— Em algum momento, sim. Não agora, porque eu realmente não


quero que aproveitem a bagunça do momento pra falar sobre você de uma
forma que possa ser negativa — Alex suspirou, e Baz respirou fundo por um
segundo. Ele era tão, tão bom. Talvez pensasse demais sobre tudo, sobre
todas as possibilidades ruins de uma situação, mas não fazia por mal.

Naquela situação, de qualquer forma, não o julgava. Desde que


oficializou o que existia entre eles e passou a acompanhar tudo que o
cercava de forma mais próxima, havia visto comentários negativos e
agressivos o suficiente sobre ele para que entendesse ainda mais a cautela
que Alex tinha para proteger as pessoas ao seu redor de situações
inegavelmente cansativas, desgastantes e violentas. Viu o piloto passar um
dia inteiro em completo silêncio depois de ler um comentário negativo sobre
seus pais.
Porque o mundo poderia criticá-lo, mas nada o afetaria tanto quanto ver
as pessoas que ele amava atingidas pela crueldade das pessoas.

— Não é o tipo de conversa que eu gosto de ter com você por telefone
— ele disse, por fim. — Tudo bem por aí?

— Sim. Bom, eu não vou poder te buscar no aeroporto, porque um


babaca insiste em ter um carro de meio milhão e usar óleo que ele encontra
no mercado — resmungou, fazendo-o rir. Amava aquela risada. — Tudo
bem se eu te encontrar em casa?

— Perfeito. Eu posso deixar o jantar pronto.

— Pegar comida congelada no San Felice não é preparar o jantar, mon


coeur.

— Droga. Você me conhece tão bem — ele bufou. — Eu vou decolar.


Até mais tarde.

Baz se despediu logo que a ligação foi finalizada.

Mas antes que guardasse o celular no bolso para voltar ao trabalho, uma
mensagem de Alexandre brilhou na tela.

Alex: obrigado por estar sempre do meu lado, gosto de como é a vida
com você.
Alex: você realmente me destruiu, e eu acho que não poderia ser mais
grato por isso.
Alex: penso em você o tempo todo, logo vou estar em casa.
QUARENTA E TRÊS (flashback)

Quando as filmagens foram interrompidas, Alexandre soltou uma


respiração pesada. Pesada e carregada, do tipo que mal sabia que estava
prendendo até finalmente deixar escapar.

Ele olhou para Nicole, que sorriu largamente na sua direção enquanto
uma maquiadora se aproximou.

— Meu irmão é seu fã — ela disse, um pouco baixo demais. Se não


fosse pela proximidade enquanto ela passava o pó no seu rosto,
provavelmente porque estava suando mais que o normal devido ao
nervosismo, talvez não tivesse a escutado. — E é bissexual, ele vai ficar
muito feliz quando o episódio sair. O que vocês fazem na equipe é muito
bom.

— Se nós não falarmos, quem mais falaria? — respondeu, com um


sorriso desajeitado. — Que tal você passar na área da Astoria quando
terminar por aqui? Não sei se ainda vou estar por perto, mas posso deixar um
boné autografado pro seu irmão.
— Sério?! Ele vai surtar. — Alguém a chamou, e ela sorriu um pouco
mais na sua direção. — Obrigada mesmo.

Depois de gravar por mais meia hora sobre o desempenho da equipe


durante o campeonato – o tipo de coisa que deveria ter feito muito antes,
mas tinha enrolado até então –, ele foi liberado. A produção assegurou, mais
uma vez, que mandariam todo o material para ele antes que a nova
temporada fosse lançada. Se quisesse voltar atrás, ainda estaria nos termos
do contrato assinado quanto à gravação daquelas imagens em específico.

Alex não pretendia voltar atrás.

— Como você se sente? — Nicole perguntou, vendo-o tirar o pó do


rosto e bagunçar o cabelo que estava arrumado para as filmagens, com spray
fixador e tudo. Mal via a hora de lavar os fios e livrar-se daquilo.

— Melhor do que eu esperava — confessou, dando de ombros. — Acho


que a ficha vai cair quando os episódios forem lançados. Contar para uma
câmera que não está transmitindo para alguém é… Normal, eu acho.

— Basile te pediu para fazer isso?

— Não, ele nem sabe que eu estou gravando isso. Não pretendo contar
tão cedo, também. — Alex olhou na direção da mãe enquanto amarrava uma
bandana sobre a cabeça. Não tinha a menor condição de sair sem algo
cobrindo a bagunça que estava. — Ele não pediria, de qualquer forma.

Nicole assentiu, sorrindo um pouco mais quando terminou de se


arrumar.

— Eu tenho muito orgulho de você, Xander.

— Eu também teria se visse um adolescente desviado se transformar


em alguém como eu — ironizou, só porque nunca sabia ao certo o que
responder quando Nicole o olhava como se fosse a melhor pessoa que já
tinha conhecido na vida. Às vezes, ainda achava ridículo que alguém como
Nicole parecesse admirá-lo tanto.
— Você não era um adolescente desviado — ela rebateu, aproximando-
se para arrumar alguns fios do seu cabelo sob a bandana. — Só muito
fechado. E sozinho. Ninguém deveria ser tão sozinho.

— Ainda bem que eu conheci você, não é? — Alexandre se inclinou


para beijar o topo da cabeça da mãe, passando um braço pelos ombros da
mulher. — Vamos, eu combinei com Bruno e Ivan que não me atrasaria para
o jantar.

O caminho até o restaurante indiano de uma velha amiga de Nicole –


onde comeriam com seu pai e colegas de equipe – foi tomado pela mulher
contando sobre suas últimas viagens e eventos. Nicole tinha,
definitivamente, as melhores histórias possíveis.

Mas, quando parou o carro em frente ao local combinado, Alexandre


permaneceu no mesmo lugar. Nicole deve ter percebido a tensão, as palavras
que não saíam, porque logo se inclinou para tocar o seu rosto.

— Ei, o que foi? — ela perguntou, baixo.

— Eu gosto do Baz — soltou, por fim. E, Deus, era bom falar sobre
isso com Nicole. Era bom falar sobre o que parecia ser a melhor parte da sua
vida pessoal. — Eu gosto muito, muito mesmo do Baz.

— E isso é um problema?

— Não. Quer dizer, eu não sei. A essa altura, acho que nós estamos em
um mesmo lugar quanto aos nossos sentimentos, então não é como se eu me
preocupasse em levar um fora, acho. — Ou, pelo menos, gostava de pensar
que era o caso. Basile já estava soltando indícios demais nos últimos tempos
de que considerava ter mais do que encontros casuais com Alexandre. —
Mas e se só esses sentimentos não forem o suficiente? Sabe, a longo prazo.

Nicole riu. Não como se estivesse se divertindo com sua situação, mas
uma risada descontraída, relaxada.

— Sabe, eu realmente esperava ter que te dar conselhos sobre um


primeiro amor quando você ainda tivesse uns dezessete ou dezoito anos, no
máximo — ela soltou, fazendo-o rir também, mais baixo. — É como
acontece com a maioria das mães, não é? Esse tipo de coisa acontece na
adolescência.

— Me diz que é normal me sentir assim, por favor — resmungou. —


Ele é tão bonito… E tão inteligente, tão bom. E eu o quero enchendo o meu
saco e zoando minhas fotos sem camisa no Instagram pra sempre. E é uma
droga pensar em como eu poderia nunca ter conhecido o Baz. Você já parou
pra pensar isso sobre Ângelo?

— Não só sobre ele, Xander.

Sobre você também.

— E, sim, é normal se sentir assim — ela completou, inclinando


suavemente a cabeça. — Quando eu conheci Ângelo, tinha certeza absoluta
de que ele se cansaria de mim em algum momento. Ele sempre foi tão
divertido, carinhoso, e eu não era lá o tipo de pessoa que demonstrava muito
carinho. Não por falta de vontade, na verdade.

Era impossível pensar em uma Nicole que não demonstrasse carinho.


Não apenas difícil, impossível. Sua mãe era a pessoa mais carinhosa que já
havia conhecido em toda a sua vida.

— É bom ter pessoas que gostem e queiram acompanhar e participar do


seu crescimento, suas conquistas. — Nicole deslizou os dedos pela trança
distraidamente. — Ângelo não me pediu para mudar, e não teria dado certo
se fosse o caso. Mas ele sempre quis fazer parte de um processo que eu não
deveria tentar fazer sozinha. Eu me via muito em você quando te conheci,
aliás.

— E eu não facilitei nem um pouco pra você — murmurou, e pensar


nisso ainda era amargo.

— Eu não esperava que fosse fácil, mas não queria desistir como as
outras pessoas. — Nicole umedeceu os lábios antes de tocar o seu queixo,
fazendo-o olhar para ela. — Xander, eu sei que você tem medo de que as
pessoas ao seu redor se machuquem e você não possa impedir por conta do
que aconteceu com você quando sua mãe…
— Ela não é minha mãe — interrompeu. — Você é. Eu nem me lembro
do nome dela, do rosto dela, além do que ela fez comigo e com Augusto, não
dá pra chamar isso de mãe. Você é minha mãe.

Nicole pareceu amolecer um pouco diante da última frase, talvez


também porque soubesse que aquele era o tipo de conversa que estavam
enrolando para ter desde o momento em que ela tomou ciência de tudo que
havia acontecido para que ele acabasse naquele lugar, aos oito anos.
Ninguém nunca tivera aquela conversa com ele – talvez apenas sua
psicóloga, mas Nicole não tinha como saber –, e ela, como sua mãe, deveria
ter entrado nisso antes. Só não sabia como.

— O que aconteceu com você quando aquela mulher perdeu a sua


guarda — ela corrigiu, devagar e cautelosa. — Mas também é impossível
prever, e você não pode continuar deixando de viver por achar que tudo seria
sua culpa só porque aconteceu com alguém próximo. Tudo bem? Da minha
conversa com Basile, eu sei que ele não parece ser o tipo de pessoa que
estaria com você da forma que está se não soubesse exatamente o que isso
significa. Independentemente do que vocês decidam sobre tornar algo
público ou não, e eu sei que é uma das suas maiores preocupações, acho que
a prioridade de ambos deveria estar um para o outro.

Foi quase ridículo se dar conta de que nem precisava se perguntar se


pensava que Baz continuaria ao seu lado em uma situação crítica. Ele
definitivamente estaria. Confiaria cegamente nisso.

Antes que pudesse pensar em uma resposta, seu telefone começou a


tocar, o contato de Ivan brilhando na tela.

— Nós deveríamos entrar — murmurou, ainda um pouco anestesiado


pela conversa. — Obrigado por isso, eu acho. O que eu deveria dizer depois
de um desabafo sentimental e amoroso com a minha mãe?

— Que eu sou a melhor do mundo? Também não sei, Xander. Você


meio que nunca veio contar que estava apaixonado antes.

— Você é a melhor mãe do mundo — disse, não contendo um sorriso.


— Bom, isso eu já sei. — Nicole o envolveu com os braços, e Alex não
conseguiu conter o sorriso que tomou conta do seu rosto. — Mas espero que
você saiba o quanto eu te amo.

Como não saberia?

Por um momento, Alexandre pensou em como seria se nunca tivesse


conhecido Nicole e Ângelo.

Nada. Era impossível. Afinal, quem ele seria – teria se tornado – se não
fosse pela presença constante de seus pais? Era tão profundamente grato por
tê-los, e não conseguia se ver longe disso.

No fim, não valia a pena pensar no passado. Mas muito menos nos
futuros possíveis que não haviam acontecido, também naqueles que
poderiam acontecer do presente pra frente.

Podia e deveria focar no presente. No presente que envolvia uma


carreira grandiosa e promissora, uma equipe onde sentia-se acolhido e livre
para ser quem realmente era, com pessoas a quem admirava e podia contar.

No presente que envolvia a sua família, a quem o receberia de braços


abertos sempre que precisasse de um abrigo, que foram as primeiras pessoas
em muito, muito tempo que conseguiram convencê-lo de que merecia ser
amado e que podia amar alguém sem medo.

E no presente que envolvia Basile. Alexandre gostava muito de pensar


nesse.

Alexandre pensava o tempo todo nesse presente.


 
QUARENTA E QUATRO

Basile teve dificuldades para explicar para as pessoas que o


acompanhavam na Internet que não fazia mais parte da equipe do seu pai.

E um pouco mais para explicar que, agora, andaria por aí com um


Scuderia Astoria estampado nas costas.

Não que estivesse trabalhando para a equipe, porque não estava.


Mesmo com a oferta – e leve insistência – de Ivan Nikolaev, Baz se manteve
firme na decisão de não fazer participar integralmente da rotina que seria
fazer parte de uma equipe de Fórmula 1 como a Astoria.

Mas, bem, era muito mais fácil explicar para todo o resto o que estava
fazendo com livre acesso à área da equipe quando dizia que sim, porque
dizer que era o namorado de um dos pilotos ainda não era uma opção. Até
mesmo para outros funcionários da própria Astoria, Basile não passava de
um tipo estranho de engenheiro-auxiliar pessoal de Alexandre. Não havia
nada sobre os carros, estratégias e planos da equipe que não soubesse da
boca do seu namorado, então não era uma total mentira também.
Ainda. Considerando que Alexandre parecia cada vez mais solto perto
dele em público, podia imaginar que ele estava se preparando para fazer com
que aquilo deixasse de ser um segredo.

Começou aos poucos. Depois de se assumir no reality show e ainda


participar de dois ou três entrevistas em programas onde perguntaram mais
sobre o assunto, realmente ver uma matéria no Buzzfeed com os cinco
nomes de celebridades e subcelebridades masculinas com quem ele já havia
ficado – Alex disse que três deles eram uma completa mentira e não fazia
menor ideia de onde haviam tirado o boato – e começarem a especular que
talvez, só talvez tivesse um motivo maior para que ele tenha decidido se
mudar para a França do nada.

Nisso não estavam errados, mas Alexandre não chegou a confirmar


nada.

No período mais movimentado de toda a revelação, Alex aproveitou


que não havia nada acontecendo além das reuniões de preparação da equipe
– que aconteciam virtualmente, em maioria – para passar a maior parte do
tempo em casa.

Após dois meses desde o início oficial da temporada, porém, interagir


em público não era mais lá uma grande preocupação. Afinal, não era como
se fossem se agarrar em público o tempo inteiro caso o mundo soubesse
sobre o relacionamento.

Mas, cada vez mais, Alex parecia sentir-se à vontade o suficiente para
passar dos gestos que seriam considerados normais entre amigos.

Enquanto Ivan falava sobre as estratégias para a corrida da semana, em


São Paulo, o piloto apoiou o braço nas costas da sua cadeira, tocando
suavemente o seu ombro. No meio de uma reunião cheia de pessoas que não
faziam a menor ideia do seu envolvimento com ele. Parecia um gesto
distraído, mas sabia que Alexandre tinha total consciência do que estava
fazendo.

Era o que mais o surpreendia.


— Eu quero a terceira marcha — ele disse, apontando para as curvas
indicadas. — Não vou desacelerar no lago.

— Segunda marcha — Ivan rebateu, erguendo uma sobrancelha na


direção de Baz. Ele também havia notado a movimentação e estava
entendendo tanto quanto o francês. O mais velho voltou a atenção para a
reunião em seguida. — Você pode avançar depois, mas não vai colocar tudo
em risco nessas curvas.

— Já passou da fase de achar que eu vou perder estabilidade em todas


as curvas, Ivan. Agradeça que eu estou avisando agora, e não soltando a
informação no dia da corrida.

Ivan respirou fundo, revirando os olhos. Se não estivesse tão


acostumado com o tipo de discussão que Ivan e Alexandre tinham – já que
havia se aproximado consideravelmente do chefe da equipe e do marido nos
últimos tempos também –, poderia acabar achando que eles estavam
realmente brigando entre si.

Mas era como se comunicavam. Depois dali, iriam para a casa dele e
Alexandre passaria o resto do dia enchendo o seu saco com o marido e a
filha do casal. Era uma relação que o piloto brasileiro sempre deixou claro
para todos que tinha com o superior da Astoria, mas só ao lado dele que Baz
viu que não havia nenhum exagero. Eram mesmo como uma família.

— Fique entre as três primeiras posições nas classificatórias, pelo


menos.

— Moleza — Alex confirmou, tranquilo. — Até parece que eu faria


menos que isso no Brasil.

— Você terminou em décimo primeiro aqui no seu ano de estreia —


Baz provocou baixo, fazendo o piloto beliscar o seu ombro com o braço que
estava ainda apoiado nas costas da sua cadeira.

— Azar de principiante, eu estava nervoso.

Quando a reunião foi finalizada e os outros funcionários da equipe


começaram a se levantar, Alex o cutucou.
— Eu tenho uma entrevista em quinze minutos, então vou pegar um
café. Você também quer?

Baz ergueu uma sobrancelha, alternando o olhar entre o namorado e


dois mecânicos que olharam a cena como se estivessem vendo um filme
acontecer bem na frente deles.

— Aceito, mas eu posso ir com você.

— Não, deixa que eu pego — ele balançou a cabeça. — Volto em cinco


minutos.

Observou-o sair, ainda confuso. Muito confuso. Para alguém que não
passava de algumas interações entre o corredor, um almoço na mesma mesa
de vez em quando e uma tentativa – muitas vezes falha – de comemorar um
pódio sem abraçá-lo por tempo demais, até mesmo um toque entre uma
reunião parecia ser muito.

Quando Alex voltou e entregou o café na sua direção, Basile continuou


o encarando.

— O que foi? — ele perguntou, tirando o celular do bolso.

— Eu que pergunto. Agora você fica me acariciando nas reuniões?

O piloto deu de ombros, despreocupado.

— Você é meu namorado.

— Jura? — ironizou, mas ajustou a postura na cadeira em seguida. —


Você vai falar sobre isso?

— Nós vamos. — Alex o encarou no momento seguinte. — Bom, se


você ainda quiser. Nós não conversamos realmente sobre isso ultimamente.

Não, não conversaram. Simplesmente porque parecia bom o suficiente


da forma que estavam para que se preocupassem com quando tudo se
tornaria público.
Mas Baz sempre deixou claro que não se importaria com o que fosse
feito.

— Não mudei de ideia, você só me pegou de surpresa — confessou,


observando o piloto folhear pelo que parecia ser a milésima vez os relatórios
de desempenho do próprio carro. — Tenho quase certeza de que seus
mecânicos devem estar fofocando nesse exato momento sobre você estar
dando em cima de mim ao se oferecer pra pegar um café. Acho incrível
como as novidades nunca saem da área da equipe, mas correm rápido pra
cacete internamente.

— Nesse caso, acho que eu vou ter que deixar claro que você já é meu
namorado da próxima vez — ele sorriu, deslizando os dedos pelos fios que
haviam sido levemente escurecidos na última semana. — Aí eles vão passar
a fofoca certa. Eu vou para a entrevista agora, você vai me esperar ou vai
embora com Ivan?

— Acho que eu vou com Ivan, disse para Bruno que ajudaria com o
jantar — disse, observando-o vestir o casaco da equipe. — Mas eu posso te
esperar.

— Relaxa, Bruno vai encher o meu saco se eu te prender aqui. — Alex


se inclinou para beijá-lo, mesmo com a porta da sala escancarada para quem
quer que passasse ali. O tipo de beijo que deixava Baz profundamente
tentado a fazer com que ele se atrasasse para os compromissos seguintes em
vinte ou trinta minutos. — Tô feliz que esteja com a gente. Tenho uma teoria
de que você me dá sorte quando me acompanha nas corridas.

— Você já ganhou corridas enquanto eu estava em casa, mon coeur.

— É claro que sim, eu sou o melhor desse grid — ele devolveu,


beijando-o mais uma vez antes que pudesse provocá-lo por ser tão
convencido. Mesmo que, na sua sincera e nem um pouco imparcial opinião,
concordasse com ele. — Mas é mais fácil quando você tá por perto.

Baz desviou o olhar por um segundo quando uma moça da equipe de


mídias passou pela sala. Ela arregalou os olhos por um segundo antes de se
afastar em passos apressados.
— Eu dou quinze minutos pra todo mundo daqui saber que você me
beijou.

— Generoso demais, eu daria cinco minutos. Eles têm um grupo com


todo mundo, menos eu e Ivan. E você, porque só adicionam alguém depois
de um ano inteiro trabalhando aqui.

— O Bruno tá nesse grupo?

— Aham, desde que deixou de ser piloto. Mas não deixa o Ivan saber
disso.

— Certo, agora eu dou cinco minutos.

Alex riu, relaxado. Feliz. Basile gostava do quanto ele parecia


infinitamente mais feliz e solto nos últimos meses. Parando para pensar no
Alexandre que conheceu dois anos antes, que estava sempre preocupado
demais em como seria visto quando saísse de casa, era uma boa evolução.

— Eu preciso ir, até mais tarde — ele disse, beijando a ponta do seu
nariz antes de sair da sala.
 
Se alguém dissesse para ele, Basile Beauchene, dois anos antes, que
estaria feliz em um relacionamento estável com um piloto de Fórmula 1 e
passando a semana na casa de Ivan Nikolaev e Bruno Campos, riria.

Bem, riria já na parte de relacionamento estável. Baz estava


acostumado demais a não sentir que as coisas poderiam passar de uma
atração sexual, e também havia tentado fazer com que evoluísse para mais
que isso vezes o suficiente para que percebesse que talvez só não fosse como
deveria funcionar.

Talvez terminasse como Dom. E Dom era feliz em sua solteirice aos
cinquenta anos. Baz provavelmente também poderia ser.

— Como se diz “gato”? — Camilla perguntou após quatro minutos de


silêncio, o que já era muito quando se estava na presença dela.

— Amor, Basile já deve ter te ensinado todas as palavras do mundo em


francês — Bruno repreendeu, calmo. — Que tal mudarmos de assunto? Ele
pode te ensinar a fazer esse doce que vamos ter para a sobremesa.

— Mas ele não me ensinou a falar gato! — ela protestou. — Eu sei


português e russo, quero aprender francês também.

— Você sabe cinco ou seis frases em russo.

— Já é mais que você — Camilla devolveu, mais inocentemente do que


qualquer outra pessoa responderia. Ela era ótima em fazer alguém calar a
boca com carisma.

— Ela não mentiu — Ivan disse, saindo do que quer que ele estivesse
fazendo no computador. Mesmo da mesa de jantar enquanto trabalhava, o
mais velho estava bastante atento às conversas da cozinha.

Bruno a encarou, boquiaberto.

— Chat, é como se diz gato — respondeu, contendo uma risada


enquanto separava os ingredientes da sobremesa. — Se você me ajudar aqui,
eu te dou todo o creme de chocolate que sobrar.
Camilla se aproximou quase imediatamente, pegando um banquinho
para conseguir ver melhor todos os ingredientes já separados sobre a
bancada.

— Lavou as mãos? — Bruno perguntou, tirando a salada de macarrão


da geladeira e estreitando os olhos na direção da criança. A menina bufou ao
se afastar outra vez, dessa vez para lavar as mãos. — É isso aí, higiene em
primeiro lugar.

— O que nós vamos fazer? — ela perguntou ao voltar.

— Se chama créme brûlée. Minha mãe me ensinou quando eu era


pequeno — disse, colocando os óculos por um momento para checar a
receita mais uma vez no celular. — Mas eu sempre esqueço, então vamos
torcer pra acertarmos dessa vez juntos.

— Até eu sei fazer créme brûlée, Basile. — Ivan ergueu uma


sobrancelha.

— Duvido que você saiba fazer um verdadeiro. Receita secreta da


Geneviève.

— Certo, você me ganhou nessa — ele concordou. — Se é da


Geneviève, ninguém mais consegue fazer.

— Só eu. — Ou, pelo menos, era o que esperava. — Mila, você pode
mexer o leite com o creme no fogão até ferver. Bruno, tudo bem se você
ficar de olho nisso enquanto eu faço o resto?

— Pode deixar, eu ainda tô cuidando do fogão, então já estaria aqui de


qualquer forma. — O ex-piloto assentiu, ajudando a menina a colocar os
ingredientes na panela.

Camilla o ajudou em cada passo da receita, embora estivesse mais


interessada em quando deixaria o chocolate para ela.

Quando Daniel e Mariana, que já estava em seu quinto mês de gravidez


– e Baz não fazia a menor ideia do que entender quando eles falavam na
língua de semanas – chegaram, todo o jantar estava pronto e Alexandre
ainda não estava lá. O piloto mandou uma mensagem sobre se atrasar mais
que o esperado, mas não esperava que ele fosse ficar até tão tarde fora.

— Ele passou a semana inteira visitando um lar adotivo, lembra?


Talvez tenha passado por lá hoje também — Mariana disse, vendo-o checar
o celular mais uma vez depois de comerem. Depois de descobrir que ela e
Alexandre foram algo em algum momento, poderia jurar que as coisas
ficariam estranhas. Mas ela, assim como o marido, pareciam não ligar muito
para isso.

Baz não se lembrava. Ou melhor, não sabia. Durante toda a semana


antes de pousar no Brasil para vê-lo correr, Alex não comentou nada sobre
lares adotivos, muito menos postou nas redes sociais. E ele tinha a mania de
sempre postar tudo.

— É, talvez — concordou, recostando-se na cadeira enquanto Bruno


servia a sobremesa que havia preparado com Camilla.

Mesmo depois que Mariana e Daniel deixaram a casa e Basile arrumou


toda a cozinha com a ajuda de Ivan, Alex não apareceu.

Alexandre só deu as caras quando já estava no banheiro, tomando


banho. Basile o observou livrar-se das roupas e entrar no cubículo do
banheiro do quarto de hóspedes da casa de Bruno e Ivan em silêncio.

O silêncio o incomodou, mas esperaria que Alex dissesse algo.

O piloto brasileiro entrou sob o chuveiro ao seu lado, comprimindo os


lábios antes de se aproximar ainda mais e pousar a cabeça no seu ombro.

— Foi mal, eu perdi a hora — ele soltou, por fim.

— Com a entrevista? — perguntou, deslizando os dedos pelos fios da


nuca do rapaz.

— Não. Eu encontrei Augusto. Sabe, meu irmão.

Baz prendeu a respiração por um momento. Como esqueceria do nome


do irmão de Alexandre quando era o máximo que sabia de sua vida antes da
adoção?

— Você quer falar sobre isso, mon coeur? — perguntou, pegando o


shampoo de Alex para lavar o cabelo dele.

— Ele estava me esperando do lado de fora do autódromo. Queria me


convidar pro casamento dele. — Alex soltou uma risada nasal, sem muito
humor. — Acho que é mais por educação, porque é no mesmo final de
semana da corrida em Miami.

— E você se incomoda com isso?

— Nah, não me incomoda. Mas me surpreende que ele tenha a


consideração de pensar em me convidar. — Alex respirou fundo. — Nós
jantamos, por isso eu demorei. Não queria negar isso a ele.

— Tudo bem, todos sabem que você não furaria o jantar aqui se não
fosse importante.

— É só… — Ele se recostou na parede do banheiro, passando uma mão


pelo rosto para tirar o excesso de água. — De vez em quando, só quando eu
paro pra pensar, é frustrante que ela tenha tirado tanta coisa de mim.

Foi preciso algum tempo para que Basile percebesse que ela era a
forma como ele se referia à mãe biológica.

— Mas eu me acostumei a simplesmente não pensar — ele continuou,


dando de ombros. — O que acabou não sendo tão bom, porque eu absorvi
muita da culpa pra mim. Eu não consegui ser o Garoto de Ouro que ela tanto
dizia que eu deveria ser, eu não fiz o suficiente pra proteger o meu irmão e
evitar que ele passasse pelo mesmo que eu. Se eu tivesse sido bom quando
ela me pedia para ser bom e obedecer, as coisas não teriam levado o caminho
que acabaram levando. Nunca foi ela. Ela me deixou para morrer, e mesmo
assim eu achei um jeito de me convencer de que a culpa foi minha. Com oito
anos.

Baz olhou brevemente para a cicatriz que havia na barriga dele, na


região do apêndice. Nunca havia parado para pensar muito sobre ela, mas a
visão deixou um gosto amargo pela sua boca.
Eu não consegui ser o Garoto de Ouro que ela tanto dizia que eu
deveria ser. Merda, muita coisa fazia sentido agora. Todo o esforço para,
anos depois, ser o Garoto de Ouro que o mundo cobrava que fosse.

Todo o esforço sufocante. Exaustivo.

Ainda assim, Baz não disse nada. Sabia que Alex precisava apenas
falar, e não ouvir. Não por enquanto, pelo menos, mas saberia quando – e se
– ele quisesse sua opinião sobre a situação. Sobre ele, sobre tudo.

— Só que é uma via de mão dupla, acho, porque parar pra pensar não
melhora a situação. Sinceramente, só me dá raiva. Muita raiva. Por mais que
eu tenha uma vida incrível com a família que eu encontrei, ou me encontrou,
ela ainda consegue mexer comigo. E com Augusto, porque ela ainda
procurou por ele anos depois. — Ele fez uma careta, balançando a cabeça.
— Ela é louca, Baz?! Perdeu a guarda de duas crianças, nunca recebeu o que
merecia e acha que pode ir atrás de um deles?! Isso se ela não tiver tentado
vir atrás de mim e eu só não fui informado sobre isso.

— Ei, eu preciso que você respire — pediu, notando o quanto ele


parecia cada vez mais ofegante. Alex assentiu, respirando fundo por um
momento. Baz se aproximou devagar, quase pedindo permissão para tocá-lo
outra vez. — Ela não vai chegar até você, mon coeur. Eu prometo.

Baz não precisou de uma confirmação para saber que poderia tocar o
namorado. Alex deitou a cabeça no seu ombro, a testa entre a curva do seu
pescoço.

Não era apenas uma permissão. Era um pedido. Alexandre precisava


daquele toque.

Ele permaneceu em silêncio, deixando que terminasse de lavar o cabelo


acastanhado antes de entregar a toalha limpa na sua direção.

Observou Alex ligar para Nicole antes mesmo de terminar de vestir as


roupas. Considerando o quão calmamente ele conversou com a mãe em
português, sabia mesmo sem entender que ele não contaria sobre a conversa
com o irmão. Não precisava.
Não era sobre contar algo para sua mãe – sua verdadeira mãe, no fim
das contas –, mas sobre certificar-se de que ela ainda estava realmente ali.

Ao finalizar a chamada, Alex o fitou.

— Você se sente melhor agora? — perguntou, aproximando-se para


arrumar os fios ainda úmidos e bagunçados do piloto antes de deitar de
frente para ele. Alex se aproximou até que suas pernas estivessem
enroscadas, as testas coladas.

— Eu estou bem. A conversa com Augusto só me pegou de surpresa.


— Ele dedilhou a tatuagem na lateral do seu rosto. — O cansaço também
bateu agora.

— Já passou da hora que você costuma dormir. — Baz esticou o braço


para alcançar o interruptor mais próximo da cama, desligando as luzes do
quarto, exceto a amarelada leve que ficava ao lado deles.

— Odeio que ela me faça sentir raiva — Alexandre soltou, mais baixo.
Parecia-se com uma confissão, o tipo de coisa da qual Alexandre tinha
vergonha de dizer em voz alta.

Baz pensou nas vezes em que havia visto o piloto com raiva. Quando
descobriu quem era o seu pai, porque havia automaticamente se
transformado em uma ameaça para tudo que ele se fazia parecer ser. Quando
perdeu uma corrida importante e pensou que uma derrota o destruiria.

Todas as vezes em que Bernard o ameaçou de alguma forma, Alexandre


pareceu ficar a um passo de rosnar e mostrar os dentes.

Baz sabia reconhecer os resquícios de uma relação familiar fracassada.


Parando para pensar, era surpreendente que não tivesse percebido antes.
Talvez por ter sempre em mente a convivência confortável e carregada de
carinho que era a família Duarte, parecia estranho que Alex já tivesse, um
dia, tido algo diferente daquilo. O que ele realmente sempre mereceu.

Fazia muito sentido que ele procurasse tanto se afastar do passado.


— Você sabe, é normal sentir raiva. Humano. — Basile sussurrou de
volta. — Sinto raiva o tempo todo.

Alexandre soltou uma risadinha, o que já poderia ser considerado uma


vitória.

— Você tem raiva acumulada. Tipo um pinscher.

— E você ainda me ama mesmo assim. E não me compare com um


pinscher, porque a única comparação possível pra você é um Golden
retriever e isso não seria uma ofensa.

— Amo. — Alexandre soltou uma outra risada baixa quando Baz


mordiscou o seu queixo. — Obrigado, Baz.

Baz não sabia ao certo pelo que Alexandre estava agradecendo.

Na verdade, Baz sabia. Sabia que Alexandre sentia a necessidade de


agradecer por Basile estar ali, presente e atento a ele.

Essa era a questão — Baz não via qualquer necessidade para que ele o
fizesse. Agradecer por algo que fazia tão naturalmente, de bom grado e com
todo o seu coração era tão desnecessário que em qualquer outro momento o
faria rir.

Ao invés disso, Baz continuou o carinho sobre a pele do piloto.


Alexandre, o Grande. O piloto do momento, endeusado pelo mundo inteiro.
O mesmo que estava encolhido e confortável entre seus braços, reduzido a
ser apenas o rapaz de vinte e poucos anos que ele era.

Baz gostava dos momentos em que podia ver Alexandre não ser
ninguém além de si mesmo.

— Você precisa de algo? — perguntou, suave.

— Você.

— Eu já sou seu, mon loup — assegurou, mais baixo. — E você


realmente não precisa me agradecer. Mais alguma coisa?
— Não, só você. — Alexandre o puxou para mais perto, mesmo que já
não houvesse qualquer espaço maior entre eles. — Do que me chamou
agora?

— Meu lobo.

Ele piscou, confuso.

— Isso é… diferente. Por quê?

— Porque você não anda sozinho, isso é algo seu — explicou. — É a


sua matilha, e você faria qualquer coisa pra proteger quem anda com você. E
vice-versa. Como um lobo.

— Eu não esperava algo tão profundo, mas gostei.

Baz riu, acariciando distraidamente os fios do namorado.

— E o que é aquilo que você sempre me diz? — ele tornou a perguntar.

— O quê?

— Eu não vou conseguir falar, mas você sempre repete em algum


momento. — Alexandre pareceu pensar um pouco. — Acho que a primeira
vez faz muito tempo, e eu até achei que fosse só alguma coisa bem suja e tal.
Mas você ainda repetiu outras vezes com o passar do tempo. Várias vezes.

— Tu étais complètement fait pour moi? — perguntou, devagar, e ver o


rosto do piloto se iluminar como se tivesse revelado um segredo de Estado
altamente secreto foi o suficiente para fazer o dia inteiro valer a pena.

Em momentos como esse, Baz achava hilário como um dia havia


pensado que tinha um coração de pedra, porque sentia-se completamente
derretido por aquele cara.

— Isso! — ele exclamou.

— Você foi completamente feito para mim, Alex.


O Duarte claramente não esperava algo do tipo, porque o encarou como
se ainda estivesse falando em uma língua que não entendia.

Basile ainda se lembrava bem da primeira vez que deixou essas mesmas
palavras escaparem. Porque

— Eu confesso que ainda esperava algo como eu amo a sua bunda ou


coisa assim — ele soltou, finalmente. Baz soltou uma risada baixa.

— Bom, eu amo a sua bunda. Podemos fingir que é isso, se você quiser.

— É muito territorial da sua parte, na minha opinião.

— Eu sou um pouco territorial. — Baz se inclinou, beijando os dedos


do rapaz. — Descansa, Alex.

— Cansou de conversar comigo?

— Sinceramente? Sim. Você me deixou de vela em um jantar com seu


chefe e a sua ex-paquera, foi bem constrangedor — ironizou.

Alexandre soltou uma risada nasal, cansada. Aos poucos, Baz


conseguiu sentir todo o corpo do piloto relaxar sob seu toque. Foi uma
questão de alguns minutos até que ele caísse no sono.

E, antes que Baz também se deixasse ser tomado pelo sono, ele
sussurrou com os lábios pressionados na testa do piloto brasileiro:

— Tu étais complètement fait pour moi, mon coeur.

Se alguém dissesse que ele, Basile Beauchene, estaria em um


relacionamento estável com uma pessoa tão incrivelmente forte, boa e
carinhosa como Alexandre Duarte, piloto de Fórmula 1 ou não, ele riria.

Mas estava feliz. Muito feliz. E fazer parte do pequeno mundo, família
e coração dele era uma das melhores coisas que poderia ter lhe acontecido.
 
QUARENTA E CINCO

Alexandre saiu do banheiro repassando mentalmente sua agenda lotada


para o dia e o resto da semana após a corrida, cantarolando de forma
distraída alguma música do aleatório de sua playlist. Às vezes, era o melhor
jeito que encontrava para se acalmar e se distrair antes de uma corrida.

Ele parou quando, ao tirar a toalha do cabelo, notou Baz o olhando. O


francês sempre havia se arrumado absurdamente mais rápido que Alex para
todas as ocasiões, então não o incomodava que ele ainda estivesse nu como
havia o deixado quando teve coragem e disposição o suficiente para se
levantar, o vape com a essência de pêssego entre os lábios.

— Se você não for para o autódromo mais cedo comigo, é só me avisar


— provocou enquanto procurava pelos anéis e correntes que usaria para a
programação inicial do dia. Havia desistido de se produzir tanto aos finais de
semana desde o ano anterior, por algum motivo, mas estar no Brasil sempre
era um evento para a Astoria, sendo uma equipe originalmente brasileira ou
não. Afinal, seu principal piloto era brasileiro, e o chefe de equipe casado
com um ex-piloto da mesma nacionalidade que marcava a presença na
ocasião. Era uma data de destaque em seu calendário.
— Você acabou de sugar toda a energia do meu corpo e eu mal acordei,
dá um tempo.

— Não fale sugar depois do que eu fiz.

— Foi literalmente o que você fez — Baz rebateu, espreguiçando


demoradamente antes de levantar. Ele se aproximou, alcançando seu pescoço
com um beijo prolongado enquanto colocava os anéis nos dedos. — Você é
lindo.

— Obrigado, me dizem isso repetidamente desde que eu tinha uns onze


anos — brincou, rindo baixo ao vê-lo se afastar com um revirar de olhos. Só
porque ver Basile tentando tanto ser mais afetuoso que o habitual desde a
sexta-feira era quase tão engraçado quanto bonitinho. — Bom dia, querido.

— Bom dia é o caralho, eu tô acordando cedo por você em um fuso-


horário péssimo.

— Pelo menos eu fiz valer a pena, não?

— Não, mas eu aceito um café pra tapar o buraco das horas que eu não
dormi — ele resmungou ao ir para o banheiro.

Alex deixou o quarto ao terminar de se vestir, cumprimentando Bruno e


Ivan antes de abraçar uma Camilla ainda sonolenta e emburrada, o que não
fazia com que fosse menos adorável.

— E o Baz? — Bruno perguntou, estendendo um café na sua direção.

— Banho. — Pegou outra xícara, enchendo-a para Basile. — Vou levar


pra ele.

— É claro que vai, você dá tudo na mão pra ele — o outro brasileiro
provocou, chamando a atenção de Ivan. — O quê?

— Você faz o mesmo comigo, Bruno.

— Bom, tanto faz — ele bufou, revirando os olhos quando Alexandre


sorriu ironicamente na sua direção ao se afastar.
Ao voltar para o quarto, Basile já terminava de se vestir.

— Já comentei o quanto essa camiseta fica boa em você? — perguntou,


deixando o café dele sobre a mesinha do quarto.

— É claro que você acha isso, tem o seu nome estampado e gigante nas
minhas costas — ele resmungou, ajustando os brincos da orelha direita. —
Aliás, eu fiquei sabendo de uma coisa.

— E seria…? — perguntou, arrumando as roupas dos dias anteriores na


mala. Iria para a Austrália com Baz na manhã seguinte, então deixaria tudo
que pudesse pronto.

— Mariana comentou que você passou a semana inteira visitando um


lar adotivo — Baz soltou a informação casualmente, o que não tirou a graça
da situação, porque ele não sabia ser nem um pouco casual. — Você nunca
fez isso.

— Não, nunca fiz — concordou, contendo um sorriso. — E o que tem?

— Hm, eu não sei. Você tem algum plano que envolva alguém do
lugar?

Baz parecia aterrorizado só de pensar que poderia querer adotar


alguém. Ele não odiava crianças, sabia disso. Adorava Camilla, que não
tinha nem nove anos ainda, e se dava super bem ao seu próprio modo com
Luc, que estava no auge da adolescência.

Mas isso não significava, de forma alguma, que ele pensasse em ser pai.
Nem no momento, sendo tão novo, e nem nos anos seguintes. Por Deus,
sequer pensavam em um casamento, e ele estava pensando que queria a
adoção?

— Na verdade, eu tenho — assentiu, sério. Mas a forma como ele


franziu o cenho como se estivesse terminando com ele quase acabou de vez
com a sua postura. — O que você acha de uma menina?

— Dá um tempo, Alexandre — ele soltou, exasperado.


— É brincadeira, Baz. Não é o nosso lance, lembra? — disse, não
contendo uma risada dessa vez. — É um projeto que eu estou tentando
organizar com o instituto do Bruno, mas ainda tá só no papel. Achou mesmo
que eu estaria pensando em adotar sem conversar com você primeiro?

Basile relaxou, revirando os olhos.

— Não é nada demais, na verdade — continuou. — Penso em organizar


alguns passeios pelo autódromo, falar sobre a rotina e vida de piloto. Bruno
também participaria, agora que ele passa a maior parte do tempo em casa.
Explicar o funcionamento dos carros, a parte da engenharia que não faria
uma criança dormir em cinco minutos. Nem é tanto pela informação, mas eu
daria tudo por alguns passeios quando morava em lugares como o que eu
estou visitando agora. Tirar as crianças da rotina pode ser bom, mas também
abre portas para descobrir alguns talentos. Mas, você sabe, é difícil
conseguir algo assim.

— É legal, mon coeur. Muito legal mesmo.

— Você acha? Bruno disse que podemos ver mais se eu conseguir as


liberações básicas, por isso passei a semana inteira por lá.

— Acho, bastante. — Baz terminou o café, e se aproximou para beijar


superficialmente a sua boca. — Você vai conseguir. Ninguém pode
realmente negar algo pra você com essa carinha bonita.

Alex revirou os olhos, mas sem conter o sorriso que invadiu o seu rosto.
Não havia uma única situação em que Basile não o apoiasse ou o
incentivasse, por mais que dissesse que era algo difícil e complicado.

— Você vai no carro comigo — disse, quando estavam na cozinha.


Normalmente, Basile iria com Ivan e Bruno, em outro carro. — Se você não
se importar, claro.

Baz sabia o que aquilo significava, e não se importava nem um pouco.

Depois da sexta-feira, aparentemente ele havia sido promovido a um


funcionário digno do grupo de mensagens da equipe e alvo de milhares de
perguntas sobre como o relacionamento havia começado. O tipo de pergunta
que preferia não responder, principalmente sem o conhecimento de
Alexandre, mas que não se importava em receber.

Não seria tão diferente quando o resto do mundo soubesse, certo? Não
haveria nada que não pudessem apenas ignorar, sendo perguntas inocentes
ou ataques maldosos.

— Por mim, tudo bem — ele respondeu, por fim.

— Parece que eu tô vendo um filho ir pra faculdade pela primeira vez


— Ivan ironizou. — Só acho que vou chorar um pouco quando for a vez da
Mila. Alexandre, por que você não está usando a camiseta da equipe
mesmo?

Alex olhou para a própria combinação de roupas, o jeans rasgado e uma


camisa preta. Os detalhes bordados em vermelho eram o diferencial,
realmente o tipo de roupa que Alexandre usaria para sair até mesmo para
comprar sal no mercado.

— Porque é uma ocasião especial e eu quero estar bonito — ele


justificou, como se devesse fazer todo o sentido.

— A ocasião especial é estar no Brasil ou assumir o seu namorado?

— Estar no Brasil, obviamente.

— Valeu — Baz resmungou, embora escondesse um sorriso enquanto


roubava um pedaço do bolo de chocolate de Camilla. A menina encarou a
mão com cara feia, mas sua irritação pareceu desaparecer ao notar que era a
mão de Baz, que piscou na direção da menina quando ela o olhou.

— Enfim, nós vamos indo. Eu vou chegar cedo pra entrevista naquele
programa que passa todo domingo de manhã, vocês sabem.

— O que tem a apresentadora que quis namorar com você depois de


dois encontros e nunca te superou? — Bruno arriscou.

— Não é o tipo de coisa que você diz na frente do meu namorado, mas
sim.
— Desse jeito, até parece que eu sou ciumento. — Baz arrumou o
cabelo com os dedos, pegando o celular sobre a bancada.

Ele não era. Já tinham conversado algumas vezes sobre não ser um
relacionamento lá muito inclinado à monogamia. Nas palavras de Baz, não
daria a mínima para encontros casuais até o envolvendo também, desde que
Alexandre fosse sempre sincero quanto aos sentimentos sobre ele ou
qualquer outra pessoa.

Alex poderia dizer que pensava o mesmo, mas nenhum deles havia
sentido qualquer tipo de atração por outras pessoas desde então. Não parecia
ser um tópico muito relevante.

Mas, bem, era mais um dos assuntos que sequer era permitido em
envolvimentos anteriores. Gostava de poder conversar tão abertamente sobre
qualquer coisa com Baz, porque sempre chegariam a um acordo no fim.

Alex balançou a cabeça, entregando as chaves do carro alugado para o


namorado.

— Você dirige.
 
Mesmo durante a corrida, quando todos os olhos deveriam estar virados
na direção das telas que transmitiam os carros e as câmeras que deveriam
capturar o circuito de Interlagos, Basile sentia que havia uma atenção a mais
sobre ele.

Acompanhando a transmissão oficial em uma das telas na área da


Astoria, já havia contado três vezes que a câmera ao vivo focou no seu rosto,
como se Alexandre na terceira posição devesse fazê-lo arrancar os cabelos
ou algo assim.

Não que estivesse tão surpreso assim, mas também não tinha tempo
para se preocupar com isso enquanto Alexandre tentava arduamente passar
pelo piloto que estava à sua frente com menos de um segundo de vantagem,
a asa do carro aberta.

Mas, bem, considerando a quantidade de pessoas que começou a seguir


as suas redes sociais desde o momento em que Alexandre desceu do carro e
entrou no autódromo, após atender alguns fãs que estavam do lado de fora e
segurando a sua mão o tempo inteiro, e as perguntas incessantes que ele
recebeu durante esse curto tempo, deveria saber que eram material suficiente
para criar muitas manchetes.

— O que te falaram lá fora? — perguntou, depois de quase meia hora


observando o piloto falar em português ao atender os fãs.

— Perguntaram quando começamos a namorar, esse tipo de coisa. Eu


também não falei muito sobre. — Ele deu de ombros. — Mas uma das
meninas disse que não sabia se queria ser você ou ter você, achei isso
engraçado.

Alex ajustou os óculos escuros sobre os olhos outra vez, acenando para
uma pessoa ou outra que passava por eles a caminho da área onde a equipe
estava instalada. Baz podia sentir a atenção neles.

Droga, quase pôde sentir a queimação em suas costas quando passou


pela área da equipe de Bernard. O homem parou a conversa que tinha com
outro funcionário para franzir o cenho na sua direção e não desviou o olhar
mesmo quando já estavam longe.
— Se ele te disser algo, eu quero saber — Alex soltou, puxando a sua
atenção de volta para ele. Para a mão que apertou a sua, e não para o
ambiente ao redor. — Não acho que ele vá tentar algo, mas quero que me
avise se acontecer.

— Você não precisa me proteger dele, você sabe.

— Mas eu quero — ele rebateu, abrindo o sorriso caloroso e forçado na


direção de uma mulher morena que parecia esperar por ele ao lado de uma
equipe de filmagens. Ela olhou para Basile por um único segundo, mas seu
sorriso vacilou quando o fez. — Me parece um bom momento pra fugir.

— Eu vou adorar ver isso — murmurou de volta, beijando suavemente


o ombro do piloto antes de se afastar. Apenas o suficiente para ver
Alexandre conversando com a mulher por alguns minutos antes que as
filmagens se iniciassem.

Permaneceu ao lado dele antes da corrida, do momento em que


repassou com seus mecânicos a estratégia inicial para o dia, até poucos
minutos antes que precisasse sair de sua pequena sala depois de se alongar e
aquecer, e mais cinco minutos enfiando a cara na água com gelo – Baz nunca
havia entendido aquela mania, mas não era como se pudesse questionar seus
rituais pré-corrida –, até o instante em que ele se preparou para sair dos
boxes com o carro, para posicioná-lo na pista para a volta de formação.

— Nenhum beijo de boa sorte? — ele perguntou, colocando as luvas.

— Como se você achasse que precisa disso pra ganhar — murmurou,


mas se aproximou dele até que suas testas estivessem coladas e Alex pudesse
beijar brevemente a ponta do seu nariz. Era o gesto mais ridiculamente fofo
que ele poderia ter, e Baz gostava. Mais do que achou que gostaria quando
ele fez pela primeira vez. — Mon coeur, Ivan vai brigar comigo se você
continuar perdendo tempo aqui.

Alexandre murmurou um "uhum", sem dar muita importância ao


capturar a sua boca em um beijo demorado. Ou, pelo menos, Baz teve a
impressão de que havia sido demorado, porque a sua percepção de tempo
parecia perder-se um pouco quando Alex o beijava.
— Chega, Alex. — Empurrou-o, rindo baixo com o sorriso quase
travesso que cruzou o rosto do piloto enquanto ele ajustava a balaclava sobre
a cabeça. — Boa sorte.

— Se liga, eu não preciso de sorte.

Droga, Baz amava estar com aquele cara.

Ao lado de Bruno na corrida, ele soltou uma respiração quase aliviada


quando Alexandre conseguiu avançar para a segunda posição. Faltando
menos de quinze voltas para o fim, não seria fácil alcançar Laurent, que
tinha quase dez segundos de vantagem sobre ele.

Mas sabia que Alex só desistiria de chegar em primeiro lugar quando a


última volta chegasse ao fim, então não havia merda nenhuma que o
impedisse de verdade.

— Estou perdendo a estabilidade nas retas — ele soltou no rádio.


Quando responderam que ele poderia fazer uma nova troca para, pelo
menos, tentar uma melhor volta, Baz sorriu.

— Não achei que ele fosse blefar aqui — Campos riu ao identificar o
código, recostando-se no assento e cruzando os braços. — Se eles morderem
a isca, é nosso.

— Ele não costuma blefar, então não vão pensar nisso tão fácil —
argumentou.

Alexandre venceu. Basile sequer tentou esconder o sorriso que cresceu


no seu rosto quando, ainda no carro e pelo rádio, Alexandre agradeceu à
equipe pelo trabalho.

Havia o procedimento padrão após o fim de uma corrida para quem


estaria no pódio que envolvia apenas uma comemoração rápida com a
equipe antes de uma entrevista rápida. Então, a comemoração no pódio.

Mas o piloto brasileiro ignorou completamente qualquer um o


chamando para a sua vez na entrevista ao ver Basile observando-o no canto
do lugar. O cabelo dele estava um caos e ainda estava coberto de suor, mas
nada disso era um problema quando ele parecia tão alegre.

— Acho que você precisa me beijar antes das corridas mais vezes —
ele soltou, ofegante. Ofegante e transbordando uma felicidade que não
parecia caber dentro dele. Qualquer um que não o conhecesse pensaria que
aquela era a sua primeira vitória, porque era o maior sorriso que Baz já havia
visto em toda a sua vida.

Ele parecia tão dourado quanto nunca, todas as cores mais vibrantes que
ele carregava com ele destacando-o de todas as outras milhares de pessoas
que estavam ao redor. Entre tanta gente, Basile ainda teria olhos apenas para
Alexandre.

— Não vou viajar todo final de semana, mon coeur. Lide com isso.

— Eu amo você. — Alex se aproximou, beijando-o desajeitadamente.


Não um beijo prolongado como o que havia dado antes da corrida, porque
ele ainda parecia sem ar para algo assim. — E eu tô tão feliz em ter você
comigo.

— Vencer em casa te deixa emotivo?

— Você é um saco, eu tô tentando ser legal — ele resmungou,


puxando-o para outro beijo breve. — Eu gosto muito mesmo de quem eu sou
desde que conheci você. E é bom poder mostrar pra todo mundo o quanto eu
sou sortudo.

— Mon coeur, você sempre foi assim. Só não se deixava mostrar antes
— assegurou, segurando o rosto dele para arrumar o cabelo dele com os
dedos. Não que melhorasse muito a situação, mas já ajudava um pouco. — E
quem é o mais sortudo entre nós é um tópico discutível. Você fica sempre
afobado assim depois de ganhar aqui? É fofo.

— Não, mas é bom poder comemorar com você.

— Você vai poder comemorar comigo o quanto quiser, mas precisa dar
uma entrevista e subir no pódio agora — riu, e parecia ridículo o quanto
sentia-se absurdamente feliz com aquele projeto de Golden Retriever de
cabelo castanho fora de si em felicidade. Baz o beijou mais uma vez, só o
afastando quando Ivan o chamou de algum lugar. Baz não se importava o
suficiente para procurar de onde, mas o empurrou para que ele fosse logo
falar com a droga do entrevistador. — Você pode descansar agora, Alex.

Porque não havia mais nada que ele tivesse a esconder. Sua
sexualidade, que ele havia levado tanto tempo para se sentir seguro dentro de
si e de sua própria vida. Suas inseguranças, que ele antes achava serem
fraquezas. Tudo que ele havia se tornado não apenas como o piloto de
Fórmula 1 cada vez mais promissor que era, mas como um rapaz que estava
apenas no início de uma vida que ainda tinha tanto pela frente, e Basile
amaria fazer parte dela.

Afinal, aqueles eram os tempos de glória de Alexandre Duarte. E só


estavam começando.
 
EPÍLOGO (cinco anos depois)

Alexandre mal conseguia conter um sorriso no rosto conforme andava


pelo circuito de Interlagos com um aglomerado de mais de trinta crianças de
sete a treze anos. Safira, uma das meninas, segurava fortemente a sua mão
enquanto falava sobre como começou a carreira. Os treinos ao lado do pai, a
academia de pilotos na Austrália, todo o caminho que vinha antes de chegar
até a Fórmula 1, principalmente sobre a Fórmula 2, o período que começou a
se destacar até chamar a atenção de alguém como Ivan Nikolaev.

— Você precisa dormir cedo? — Safira perguntou, fazendo uma careta


quando assentiu positivamente.

Alexandre riu, pegando a menina no colo.

— Mas também é legal viajar o mundo todo.

— Mas você precisa comer verduras — ela contradisse, abraçando o


seu pescoço enquanto caminhava.

Não era a primeira vez que o Instituto Campos organizava uma dessas
excursões onde Alexandre usava uma de suas semanas livres para
acompanhar crianças que moravam em diferentes lares de adoção, da idade
que fossem. Era um dia inteiro com eles, passeando por todo o espaço do
autódromo de Interlagos, falando sobre sua carreira, o funcionamento de
seus carros e a rotina como parte de uma equipe de Fórmula 1. Almoçavam
juntos e, sempre que possível, visitavam ainda a própria sede do Instituto
Campos – normalmente para invadir a sala de Bruno.

Era o tipo de programação que fazia sempre que possível e, nos últimos
dois anos, expandido para fora de São Paulo também. É claro, não havia toda
a visita para o autódromo, mas ainda era uma oportunidade não apenas para
falar sobre a sua vida no automobilismo, mas também de mudar a rotina de
algumas crianças e jovens. No fim, era muito mais sobre isso.

Quando chegou à área dos boxes, mal conseguiu conter um sorriso.


Basile se afastou da parede na qual estava apoiado para aproximar-se. Ele
trocou um high-five com Safira antes de se inclinar e beijar a lateral do seu
rosto.

— Ouvi dizer que tem um futuro engenheiro em algum lugar daqui. —


Ele ergueu uma sobrancelha, rindo baixo quando um dos garotos levantou a
mão. — Ei, cara. Você quer trabalhar com Fórmula 1?

Ele assentiu, e Baz se aproximou mais para se agachar na frente dele. O


menino, que tinha um crachá com o nome Pietro no peito, não parecia ter
mais que nove anos.

— Tem certeza? Lidar com esse tipo de gente não é fácil.

— É incrível — Alex corrigiu, com uma careta.

— Eles fazem você comer só salada por uma semana se o carro não
estiver bom — ele continuou. — É brincadeira. Se você trabalhar com o
Alex, ele até dá cesta de chocolates pra você na Páscoa.

Baz se pôs de pé, chamando as crianças para a parte pela qual ele seria
responsável. Mesmo que estivesse muito longe de ser a mesma coisa,
haviam conseguido um kart para que ele mostrasse, um pouco mais na
prática, um motor e o funcionamento de um veículo feito para ser mais
rápido.
Alex adorava assistir àquela parte como se já não soubesse de forma
muito mais aprofundada todas aquelas informações e bem mais, mesmo
enquanto gravava e tirava fotos para compartilhar tudo nas redes sociais
tanto pessoais quanto também do Instituto Campos, já que era um projeto
dele. Basile respondia todas as perguntas e questionamentos pacientemente,
até mesmo aquelas que pareciam ser as mais simples. Seu português ainda
era carregado do sotaque francês que Alexandre gostava tanto, mas não era
nem um pouco difícil de entender. Na verdade, suspeitava que as crianças
poderiam estar muito mais interessadas em prestar atenção no carro menor
ou até mesmo na figura de Baz do que nas palavras didáticas dele. Alex não
as julgava.

— Vamos dar dez minutos para vocês beberem uma água e lancharem
antes de voltar — instruiu, não segurando uma risada quando um coro infeliz
saiu das crianças. As assistentes sociais que acompanhavam a pequena
excursão indicaram o caminho para banheiros, bebedouros e a mesinha cheia
de comida que haviam separado para o final do dia. — Vamos, vocês sabem
que eu sou legal e ainda tenho mais surpresas pra quando vocês estiverem no
ônibus.

Basile parou ao seu lado, cruzando os braços. Ele tinha cheiro da


essência de pêssego e perfume masculino. Alex adorava aquela combinação.

— Nunca vou me acostumar em ver você ser chamado de tio Alex —


ele disse, em tom de brincadeira. — Te faz parecer um velho.

— Vinte e nove não é tão velho assim — resmungou, inclinando-se na


direção do namorado. — Quer que eu pegue algo da mesa pra você?

— Não precisa, mon coeur — ele negou, acariciando o seu rosto com a
ponta dos dedos. — Ei, acha que consegue colocar Pietro em uma daquelas
oficinas de engenharia para crianças do Instituto? Ele realmente gosta disso.

Alex olhou para o lado, apenas para ver que Pietro era o único que
ainda parecia distraído com o kart, inclinando-se no chão para conseguir
analisar o veículo como se quisesse descobrir sozinho como aquilo havia
sido projetado e montado. Tinha certeza de que, se colocasse as ferramentas
certas nas mãos do garoto, ele ainda encontraria um jeito de desmontar tudo
para tentar refazer sozinho.

— Consigo, sim. Só não posso prometer ficar responsável por ele.

— Eu sei, relaxa. Eu posso conversar com uma das assistentes sobre


isso. — Baz mexeu no piercing transversal de sua orelha direita, distraído.
— Se deixarem que ele participe uma vez, eu já ficaria feliz. Uma vez por
semana, melhor ainda. Mas consigo negociar duas vezes por mês.

— Consegue. Você é mais persuasivo do que qualquer pessoa deveria


ser.

— Vou aceitar como um elogio — ele sorriu. — Nós ainda vamos pro
aniversário do Samu, né?

Alex checou o relógio na tela do celular, assentindo. Talvez chegassem


meia hora atrasados, mas não era lá uma surpresa. A agenda de ambos se
tornava um caos sempre que tinha o mínimo período maior de duas ou três
semanas sem corridas.

Basile, por exemplo, teria duas palestras no dia seguinte sobre


engenharia automotiva para alunos do Ensino Médio. Alexandre já não era
mais o único compromissado dali.

O francês ainda não era o maior fã da atenção e visibilidade que tinha, e


talvez nunca fosse, mas gostava de usá-la para o que curtia e defendia. No
geral, isso sempre envolveria mecânica e engenharia automotiva. Se Baz
pudesse fazer com que jovens se encontrassem naquilo o quanto pudessem,
assim como ele se encontrou quando conheceu Dom, o faria.

Assim como Alex gostava de sentir que, de alguma forma, ajudava


aquelas crianças a se encontrarem em si mesmas. Que era algum tipo de
companhia, diferencial, porque ninguém merecia sentir-se sozinho e deixado
de lado. Quando tinha aquela idade, achava que não merecia a atenção, afeto
e carinho que qualquer um deveria ter para crescer e se descobrir.

Não poderia fazer isso por todas as crianças, adolescentes e jovens


disponíveis para a adoção do Brasil, e menos ainda do mundo, mas fazer
algo já parecia ser um grande passo, e bastava olhar para os olhos
maravilhados, curiosos e animados para saber disso. E ter Basile ao seu lado
para isso apenas tornava tudo muito melhor. Era o seu namorado, o seu
companheiro e colega de trabalho. Mesmo que não passassem todo o tempo
juntos, ainda eram uma presença constante na rotina um do outro.

Isso era incrível. Havia sido um processo até mesmo para Alexandre se
acostumar com a atenção que tornar o seu relacionamento público havia
gerado, mas muito melhor do que esperava. Como não seria, quando tinha
alguém como Basile ao seu lado? Nada que tardes inteiras na cama ou de
bobeira na oficina não o fizessem esquecer sobre o resto do mundo. Depois
de um tempo, Dom havia até começado a aceitar que Baz estava mesmo com
um piloto da Scuderia Astoria.

Aquela era a sua matilha, no fim.

Depois de acompanhar todos até o ônibus contratado que os levaria de


volta, uma fila inteira para abraços e alguns produtos assinados por ele,
Bruno e Ivan distribuídos, Alexandre suspirou. Estava cansado, mas valia a
pena. Valia a pena a ponto de lhe dar energia o suficiente para ainda ir para o
aniversário de uma criança depois dali.

— Você pegou o presente? — perguntou quando Baz parou o carro no


estacionamento do prédio. Já era possível ouvir a música infantil vinda do
salão de festas decorado com personagens da Marvel.

Alex assentiu, mostrando a caixa embalada com um papel colorido que


pegou do banco traseiro.

Samuel – ou Samu, como absolutamente todos o chamavam – foi o


primeiro a notar a sua chegada. O aniversariante de cinco anos deixou o colo
do pai para correr na sua direção, mas a primeira coisa que o filho de
Mariana e Daniel pegou foi o presente. Alex riu, abaixando-se ao lado do
menino enquanto ele rasgava o embrulho para ver o carro de Fórmula 1 de
controle remoto.

— Samu, não é assim que você recebe os convidados! — Mariana


exclamou, com uma careta na direção do filho. Quando o menino, que era
mais a cara da mãe do que do pai, ergueu o carrinho na sua direção, ela
segurou o vestido para se abaixar ao lado dele. — É lindo, príncipe. O que
você diz agora?

— Obrigado? — ele disse, mais como uma pergunta. Quando Mariana


confirmou com a cabeça, ele olhou na sua direção e de Baz. — Obrigado!

— Vamos ver se você consegue ser mais rápido que eu agora —


brincou, bagunçando os cachos do menino. Alex apontou para a fantasia de
Miles Morales, erguendo uma sobrancelha. — Eu não sabia que o Homem-
Aranha podia ficar sem a máscara.

Samu arregalou os olhos, como se não tivesse notado a falta do


principal da fantasia. Ele olhou ao redor, procurando pela máscara.

— Você deixou com o seu pai, Samu — Mariana riu, observando o


menino correr na direção de onde Daniel conversava com outros convidados.
A mulher se colocou de pé para abraçar Alex, e depois Baz. — Eu tô tão
feliz que vocês vieram! O Samu também.

— E você achou mesmo que eu não viria? O atraso é o nosso charme.

— Ele ficou quinze minutos arrumando o cabelo — Baz denunciou,


fazendo-o estreitar os olhos na direção dele. — E mais dez pra arrumar a
roupa. Você sabe como ele é.

— Eu sei — Mariana riu, balançando a cabeça. — O lugar de vocês é


na mesa de Bruno e Ivan! Vou pedir pra servirem os salgadinhos por lá, e…

Ela parou de falar quando Samu voltou, saltitante e com a máscara


sobre a cabeça. O aniversariante fez uma posição de ataque contra Baz, que
não teve dificuldade alguma em segurá-lo.

Enquanto Samu se debatia para fugir de seu inimigo, Baz olhou ao


redor calmamente, apontando para a mesa onde os outros estavam.

— Vão acabar achando que o garoto realmente te odeia — Bruno


comentou quando Baz se aproximou com um Samu ainda preso entre os
braços dele.
— Ele não desgruda mais, a culpa não é minha. — Basile soltou o
menino, que resmungou em reclamação e voltou a atacá-lo para que ele
voltasse a prendê-lo. Baz revirou os olhos com risada, mas o fez, recebendo
um grito alegre da criança quando o virou de cabeça pra baixo. — Nem sei
se vou conseguir sentar.

Aparentemente, iria. Daniel, vestindo uma camiseta que imitava o


uniforme do Capitão América, se aproximou e salvou o menino dos braços
de Baz – embora fosse mais como salvar Baz de Samu, mas ninguém diria
isso em voz alta.

— Ei, eu só vi vocês agora — ele disse, colocando o filho sobre os


ombros antes de cumprimentar primeiro Baz, que estava mais próximo, e
depois Alexandre. — Chegaram faz tempo?

— Acabamos de entrar, relaxa. — Alex olhou para o garoto sentado


sobre os ombros do pai, que parecia subitamente calmo ali. — Parece que foi
ontem que ele nasceu, nossa.

— Nem me fale, eu mal processei que ele estava andando pela casa e
ele já sabe o alfabeto inteiro. — Daniel deu de ombros, suspirando quando
Samu começou a cantarolar o alfabeto. — Não aguento mais noventa por
cento das músicas infantis que existem.

— Daqui a pouco vai chegar a fase dos rolês entre amigos, e você vai
aguentar muito menos — Bruno disse, chamando a atenção de Camilla. A
garota desviou a atenção do celular para franzir o cenho na direção do pai.
— E não importa o quanto ele insista, nunca deixe uma festa do pijama
acontecer na sua casa. Nunca.

— Anotado.

— Nós não fizemos nada demais! — Mila interviu.

— Eu não dormi ouvindo vocês gritarem por causa do Edward Cullen!


— Campos rebateu, fazendo-a revirar os olhos.

— Ninguém mandou ter sono leve. — Ivan deu um tapinha na perna do


marido ao se inclinar para alcançar mais uma das minipizzas vegetarianas.
— E não se pode julgar ninguém por gritar pelo Edward Cullen.

— Obrigada, pai! — ela exclamou.

— Não grite pelo Edward Cullen — Daniel disse, olhando para o


menino. Samu franziu o cenho, provavelmente porque nem sabia quem era o
tal Edward Cullen de quem tanto falavam. — Já basta a sua mãe.

Samu deu de ombros, simplesmente voltando a se pendurar no pescoço


do pai. Aquele garoto não parava quieto.

Já sentado, Alex contou para Ivan e Bruno sobre a manhã com as


crianças e que o fotógrafo do Instituto mandaria todas as fotos no dia
seguinte.

— Eu conversei com Arthur, provavelmente vai participar com você da


próxima vez — Bruno disse. — Ele não fala português, mas é o tipo de
presença que chama atenção pra causa.

— Seria ótimo, na verdade. Algumas crianças sempre perguntam sobre


ele desde o ano passado.

Alex virou a atenção para Basile ao sentir o queixo do namorado pousar


no seu ombro.

— Pare de falar sobre trabalho — ele ordenou, erguendo uma


sobrancelha.

— Sim, senhor — provocou, inclinando-se para raspar os lábios sobre


os de Baz.

— Não me provoque, Alexandre. — Alex levou alguns segundos para


processar a mudança para o francês na conversa. Não que ainda tivesse
dificuldades para se comunicar… decentemente bem. Mas não sabia bem
quando o pegava de surpresa.

— Você me conhece bem o suficiente pra saber que eu sou melhor que
isso quando quero te provocar — respondeu, na mesma língua. O rosto de
Baz se iluminou em um sorriso curto.
— Parem de conversar assim perto de mim, eu entendo tudo — Camilla
resmungou, franzindo o cenho.

Alexandre sabia que, além do russo, a garota também estava


empenhada em aprender francês. Só não sabia que ela estaria tão avançada.

— Ninguém mandou ser tão enxerida — Baz provocou, chutando


suavemente os pés da garota sob a mesa. Mila revirou os olhos, jogando uma
bolinha de guardanapo na direção.

— Crianças — ironizou. Baz empurrou o seu ombro em resposta, mas


Alex o puxou para perto outra vez, beijando o seu lábio inferior.

Nunca houve qualquer dúvida de que Mariana e Daniel seriam pais


maravilhosos, mas ainda era surpreendente como não tiveram grandes
dificuldades a se adaptar à rotina com uma criança desde o início.

Era novo e definitivamente assustador, de acordo com Mariana quando


Alex e Baz a visitaram pela primeira vez. Samuel tinha apenas duas semanas
de vida, e ela garantiu que se tornava mais fácil quando alguém estava ao
lado para ajudar. E no caso do casal, tinham inúmeras pessoas ao redor.

Alexandre entendia o sentimento de poder passar por qualquer coisa


sempre que estivesse com quem confiava, de certa forma. Se não fosse por
pessoas como seus pais, sua equipe e Basile, principalmente, lidar com a
pressão cada vez mais frequente de uma carreira que já ultrapassava das
pistas de Fórmula 1 desde o início.

Samuel, pelo menos, teria aquilo desde o início.

— Vocês ainda vão ficar muito tempo por aqui? — Mariana perguntou,
já no final da festa, enquanto Samu distribuía os saquinhos de lembrança
para as outras crianças presentes na festa.

— Só até amanhã, pela noite. Eu prometi para Nicole que passaríamos a


semana com ela. — Balançou a cabeça, se abaixando para puxar o menino.
— Eu não ganho lembrancinha?
Samu apenas balançou a cabeça, nem tentando esconder o sorriso
travesso do rosto. Ele não era muito de falar entre muitas pessoas, mas talvez
fosse da idade.

— Por quê?

Ele gesticulou com a mão rapidamente, indicando que era grande


demais para ganhar uma lembrancinha.

— Mas se eu brinco com você, eu não sou criança também?

Alex pareceu ter deixado o menino sem argumentos, porque ele olhou
na direção da mãe, como se pedisse ajuda pra se livrar dele.

— Você pode dar brigadeiro pra ele. — Mariana piscou para o filho,
que pareceu achar aquilo ótimo. Samu se afastou para buscar os brigadeiros.

— Eu não acredito que você vai mesmo ficar com os brigadeiros do


menino, Alexandre. — Baz revirou os olhos.

— Relaxa, nós pedimos a mais e tem brigadeiro suficiente pra uma


semana inteira lá em casa — Mariana assegurou. — Bom, nós pedimos pra
mim. Mas o Samu vai ficar bem. Obrigada por virem, mais uma vez. É tão
bom ter vocês nesse tipo de evento.

— Até parece que nós perderíamos, né? — Baz pegou o garoto no colo
quando ele retornou com um pratinho cheio de doces para Alexandre. — E
eu quero receber vídeos de quando você usar o carrinho, pode ser?

Samu assentiu, abraçando o pescoço de Basile demoradamente na


despedida e repetindo o gesto com Alexandre.

O piloto se manteve em silêncio durante todo o trajeto para o


apartamento que tinham comprado no ano anterior, quando as visitas ao país
se tornaram mais frequentes. Não muito grande, porque nunca passavam
mais do que uma semana por lá, mas mais privado que um hotel ou a casa de
Bruno e Ivan.
— Aconteceu alguma coisa? — Baz perguntou, no elevador do prédio.
Alex piscou, voltando a atenção para ele.

— Não, por quê?

— Você tá em um daqueles momentos que você desliga — ele


explicou. — O que já é raro há algum tempo. Aconteceu alguma coisa?

É claro que Baz já o conhecia melhor que ninguém. De um certo modo,


sempre havia conseguido. Sabia desde o início quando estava preocupado
demais e tentava esconder, ou quando algo o deixava chateado.

Aparentemente, a única diferença era que havia se tornado mais fácil


com o passar do tempo. Alex já havia desistido de tentar esconder qualquer
coisa de Baz – mesmo que já não escondessem nada um do outro –, porque
ele sempre descobriria. Às vezes, antes mesmo que contasse.

— Eu só estou pensando — disse, balançando a cabeça enquanto


procurava pelas chaves do apartamento. Baz as tirou do próprio bolso,
encarando-o com um misto de confusão e preocupação. Até porque, de um
certo modo, realmente não havia acontecido nada. O dia com as crianças foi
perfeito, assim como a festa de aniversário de Samu.

— No quê? — Baz chutou os tênis para o lado, livrando-se do moletom


que usava.

Boa pergunta. No quê?

Alexandre pegou o pratinho com os doces da mão dele, pegando um


brigadeiro antes de guardar o restante na geladeira.

— Olhando em retrospecto os últimos… quase sete anos desde que nos


conhecemos…

— Deus, Alex. Fale como alguém normal — Baz riu. — Você vai
terminar comigo?

— Por que eu terminaria com você?


— Você tá pensativo, nervoso e usando palavras difíceis. Então, a
menos que você esteja terminando comigo, não há motivos pra falar como se
estivesse dando o seu discurso de posse da presidência.

Alexandre bufou, ajustando a postura.

— Bom, eu não pensava muito em ter um relacionamento antes de te


conhecer.

— Você continuou não pensando em ter um relacionamento por um


tempo mesmo depois de me conhecer, na verdade — Baz interrompeu,
aproximando-se um pouco mais. Se Alex já estava com dificuldades para
falar, parecia pior com ele tão perto.

— Cala a boca. Enfim, por toda a minha vida, eu desejei alguém que
fizesse com que eu me sentisse em casa mesmo quando minha rotina não me
permitisse estar em casa, que fizesse com que eu me sentisse mais como um
humano e não como algo que deveria ser sempre perfeito. Ou que me fizesse
perceber que eu não precisaria parecer perfeito o tempo inteiro mesmo que
para o resto do mundo, porque quem realmente importa não vai cobrar nada
de mim. — Talvez estivesse vomitando palavras demais que não vinham ao
caso em um momento tão aleatório ou que não fizessem tanto sentido quanto
pareciam fazer na sua cabeça, mas Alexandre perderia sua linha de
raciocínio se pensasse demais em fazer sentido. — E alguém com quem eu
me sentisse corajoso o suficiente para sentir medo e ser vulnerável. E boa
parte disso eu encontrei na minha família, mas…

Quando parou, Basile deslizou a ponta dos dedos pelo seu queixo,
praticamente o obrigando a olhar diretamente para ele.

Alexandre poderia jurar que a sua boca secou. Por que estava tão
nervoso? Aquele relacionamento não havia começado na semana ou mês
anterior. Cinco anos não eram pouca coisa. Sete desde o momento em que o
conheceu, muito menos.

— Mas o quê, mon chéri?

— Mas você é tudo isso e um pouco mais, talvez porque fique comigo
o tempo inteiro e tenha me visto de formas que ninguém mais viu. E eu não
digo isso de uma forma sexual, mesmo que seja verdade também. — Alex
umedeceu os lábios, respirando fundo. — E mesmo que você não esteja
comigo, você ainda tá comigo. Dá pra entender?

— Perfeitamente — ele assentiu, acariciando o seu queixo com os


dedos. — É fácil para mim, Alex. E já fazem cinco anos, eu também sei
como você se sente.

— Eu sei, mas eu nunca pensei que poderia ser. Que eu pudesse não
ser… um tipo de peso ou obstáculo. Seja pela minha rotina, ou pela fama, ou
por ser eu. Essas coisas, você sabe. — Quando Basile assentiu mais uma
vez, Alex suspirou. — E, se acontecesse, não duraria tanto tempo. Nem um
ano, quem diria cinco e mais. Enfim, o que eu quero dizer é que eu sou
muito feliz com você. E talvez eu não diga isso o suficiente, mas gosto de
ver meu futuro bem e com você.

— Você diz diariamente, mon coeur.

— Não, não digo.

— Diz, sim. Alex, você diz de formas ridículas, todos os dias. Até
quando se oferece pra buscar algo pra mim, mesmo que esteja a menos de
cinco metros de distância. É a sua mania mais idiota, mas eu sei o que
significa — Baz sorriu quando revirou os olhos, puxando-o com a mão no
queixo para um beijo leve. — Não pense que precisa dizer esse tipo de coisa
sempre, porque você já demonstra muito bem. Eu também não sou de falar
muito, isso te faz questionar algo?

Alex se limitou a balançar a cabeça.

— Bom saber — ele disse, tocando o seu queixo outra vez. — Você
está falando tudo isso por causa de Vegas, não é?

Droga, Alex era tão previsível assim para ele?

O francês riu outra vez quando fez uma careta.

Alexandre não queria pisar em Las Vegas nunca mais, pelo resto de sua
vida. Um lugar onde você podia acordar casado sem se lembrar de
absolutamente nada não podia ser um bom lugar, então estaria feliz
mantendo distância.

Talvez fosse um exagero, mas não esperava acordar com alianças e um


atestado de casamento após o último Ano Novo, quando viajou para passar
um feriado sozinho com Basile pela primeira vez.

E talvez tivessem bebido demais. E talvez tivessem se casado durante


isso. E talvez tivessem feito tatuagens combinando.

Um lobo sobre o peito, acima do coração. Mesmo que não se lembrasse


do momento em que decidiram que fariam uma tatuagem juntos, não se
arrependia dela. Como se arrependeria? Aquilo era a cara deles, era
impossível negar.

Mesmo que Baz não parecesse ligar muito para o casamento – por que
algo que fizeram durante uma noite de bebedeira importaria tanto? –, Alex
ligava. E muito. Era como funcionava. Se fosse se casar com Basile, o faria
direito. Não significava uma cerimônia gigante e com muitos convidados,
mas o mínimo seria estar sóbrio e não acompanhado por um cosplay tosco
do Elvis Presley.

Baz também não se importou em anular o casamento. De vez em


quando, o tanto que ele não se importava com coisas que faziam Alex ter
uma síncope interior ainda o irritava.

— Eu não penso que você anulou o casamento porque não quer estar
comigo, se é isso que anda te incomodando.

— Não é, longe de mim — mentiu.

— Claro — Baz debochou. — Mas é bom que você saiba que eu sei
bem de seus sentimentos por mim, eu sei antes mesmo de você admiti-los
sobre eles para si próprio.

O francês se inclinou outra vez, beijando-o mais demoradamente.


Ainda lento, carinhoso, mas provocativo. Basile queria que se soltasse, que
procurasse por mais vindo dele.
— E também é bom que saiba que eu também o amo — ele continuou,
deslizando os dedos pela sua nuca, descendo pelo seu peito. — Acho que eu
não preciso dizer que você nunca foi e não é um peso ou um obstáculo, já
deve saber disso. Cada mudança que fiz na minha vida e rotina depois de
você foi feita com todo o meu coração. E se quiser casar de verdade, eu
aceito.

Alex o encarou, recuando bruscamente do beijo.

— O quê?

— Se casar de verdade é o que você quer, eu aceito. — Baz inclinou a


cabeça. — Conversamos sobre isso uma vez, anos atrás. Era um plano para o
futuro, não é? Me parece o momento pra isso, se for o que você também
quiser.

Piscou, surpreso.

— Você quer?

— Eu aceito — Baz frisou. — Seja romântico e faça parecer um


pedido. Mas boa sorte em achar algum solo sagrado que não pegue fogo
quando eu entrar.

— Não quero casar na igreja. Na praia, talvez?

— Não gosto de areia. E aquela casa que sua família tem em Viena?

— Pra alguém que gosta de eventos pequenos, é engraçado você querer


se casar na Áustria — provocou.

— Sabe como é, não é todo dia que se casa com um cara como eu. No
seu caso, é uma sorte grande pela segunda vez. — Baz o olhou, mas não
como se estivesse apenas olhando. Era um dos momentos em que Basile
parecia admirá-lo, mas não por todas as coisas grandes pelas quais era
conhecido como Alexandre Duarte, suas vitórias como piloto ou projetos
fora das pistas. Depois de tanto tempo tentando ser gigante, Alex gostava de
se sentir apenas ele mesmo sob o olhar de Baz. O francês provavelmente
percebeu o rubor que cruzou o seu rosto, porque sorriu ao beijar a sua boca
mais uma vez. — Tire a roupa e vá para o quarto, mon loup. Nós vamos
comemorar o nosso segundo noivado. Você não vai morrer sozinho.
 
AGRADECIMENTOS

Sinceramente, eu não sei como iniciar esses agradecimentos.

Sinestesia foi uma grande experiência desde o início – do momento em


que a ideia nasceu, antes mesmo da publicação de Metanoia, até agora, onde
ele é publicado. Uma experiência muito, muito pessoal, mas que deixa de ser
agora.

Preciso deixar um agradecimento muito especial para o João Vitor –


que a maioria provavelmente conhece como Jão, ou não conhece e tá tudo
bem, mas deveriam conhecer. Mesmo que você provavelmente não vá ler
isso, preciso dizer aqui o quanto você e sua música foram farol para que eu
encontrasse meu caminho em mim, mas também até pessoas que me amam e
me apoiam. Você me ajudou das mais inimagináveis formas, e espero que
esse livro tenha feito jus ao quanto você significa para mim. Gosto de
acreditar que sim. É uma honra te acompanhar e te ver tomar o mundo.

E se você realmente ler isso, espero que tenha gostado.

Para Camilla, Luc, Vic e Rafa, meus maiores presentes desse mesmo
Jão. Camilla, que eu já conhecia muito antes, mas que me trouxe para esse
mundo. Vocês se tornaram minha família em pouquíssimo tempo e eu sou
infinitamente grata por isso. O PodLobers está apenas em seu início.

Para todas as outras pessoas que entraram na minha vida por conta
desse mesmo tal de Jão. Cara, são muitas pessoas. Vocês sabem quem são
vocês pois já xinguei todes pelo menos uma vez por aí. Beijos.

Para Geórgia. Você sabe o quanto foi essencial e especial não apenas
para esse livro, mas principalmente para mim – porque se não fosse
primeiramente para mim, esse livro não seria o que ele é hoje. Obrigada por
todo o apoio dado de todas as formas possíveis, mas em especial deixo aqui
registrado para quem ler que agradeço pela leitura crítica e sinopse para esse
livro. E por ser o meu Baz – literalmente, você é ele. Penso em você o tempo
todo, mon chéri.

Para Anna, que também sempre deu esse apoio que eu costumo precisar
o tempo inteiro. Te vejo em novembro quando o Lewis ganhar em
Interlagos! ☺

Para Kay, que junto da Camilla sempre me ajudaram em todos os


momentos – os bons e ruins. Já deixei claro que vocês são o meu axioma ou
vou mesmo repetir isso em todos os meus livros? Sim, vou repetir sempre.

Para Arquelana e Bianca (ou bibilendo, pra mim esse ainda é o seu
nome). Sou incapaz de colocar em palavras como vocês me ajudaram
durante todo o meu crescimento como pessoa e autora. Todo mundo deveria
ter uma Arquelana e uma Bibi na vida, deixo dito.

Para todes que embarcaram nessa comigo como leitores betas e em


parcerias. Juro, as reações de vocês antes do lançamento acabaram com
qualquer insegurança e me divertiram demais. Obrigada por virem nessa
comigo.

Para quem está aqui, lendo esse livro pela primeira vez – ou segunda,
terceira... Obrigada por me acompanharem também nessa jornada que foi dar
vida para Basile e Alexandre, assim como todas as minhas histórias que já
existem e ainda vem por aí. O apoio de vocês foi e ainda é indispensável
para mim. Obrigada, obrigada e obrigada.
Obrigada.
 
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O QUE VEM AÍ?

Para quem gosta de viagem no tempo, capítulos extras e datas


comemorativas, há muito por vir no Coraverso...
 

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