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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

A ANÁLISE SINTÁTICA E SEMÂNTICA DA LINGUAGEM


SEGUNDO RUDOLF CARNAP E ALFRED TARSKI

RENATO MACHADO PEREIRA

SÃO CARLOS
2013
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

A ANÁLISE SINTÁTICA E SEMÂNTICA DA LINGUAGEM


SEGUNDO RUDOLF CARNAP E ALFRED TARSKI

Renato Machado Pereira

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Filosofia como parte dos
requisitos para a obtenção do Título de
Doutor em Filosofia.

Orientador: Prof. Dr. Bento Prado de


Almeida Ferraz Neto.

SÃO CARLOS
2013
Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária/UFSCar

Pereira, Renato Machado.


P436as A análise sintática e semântica da linguagem segundo
Rudolf Carnap e Alfred Tarski / Renato Machado Pereira. --
São Carlos : UFSCar, 2013.
161 f.

Tese (Doutorado) -- Universidade Federal de São Carlos,


2013.

1. Verdade. 2. Analiticidade. 3. Semântica. 4. Sintaxe. I.


Título.

CDD: 121 (20a)


Dedicatória

Para o Professor Mark Julian Richter Cass.


In memorian.
Agradecimento

Primeiramente, agradeço a Deus pelos dons do entendimento, da inteligência,


da sabedoria e da ciência e, principalmente, porque sem Ele nada é possível.

À Raquel, minha esposa, pelo amor, paciência, carinho, dedicação e muito


apoio nas várias horas durante os anos de preparação desta tese, enfim, por estar sempre ao
meu lado e porque toda conquista minha é dela também.

À minha família: Valdivino, Diva, Rodrigo e Raquel, pelo apoio emocional,


psicológico, financeiro, pelos vários momentos de carinho, dedicação, confiança e amizade
que foram fundamentais para que eu conseguisse vencer mais esse desafio e, principalmente,
por serem responsáveis por tudo o que alcancei.

Ao meu estimado orientador Prof. Dr. Mark Julian Richter Cass (in memorian),
pela paciência, orientação, esforço, dedicação, pelas valiosas sugestões, pelo grande e
cuidadoso trabalho de revisão do conteúdo e por suas enormes contribuições na melhoria
deste texto. Um muito obrigado é pouco.

Ao meu atual orientador Prof. Dr. Bento Prado Neto, por ter aceitado continuar
a orientação deste trabalho, pelo apoio e confiança depositados e pelas orientações e
correções.

Agradeço a todas as pessoas que estiveram ao meu lado que me apoiaram e me


ajudaram nessa fase da vida.

Aos professores e funcionários do Departamento de Filosofia da UFSCar, em


especial à Profª. Drª. Marisa da Silva Lopes, ao Prof. Dr. Bento Prado Neto, ao Prof. Dr.
Paulo Roberto Licht dos Santos, ao Prof. Dr. Luiz Roberto Monzani e ao Prof. Dr. Franklin
Leopoldo e Silva, pelas contribuições em minha formação de mestrado e doutorado.
Aos membros das bancas de defesa e qualificação, Profa. Dra. Léa Carneiro
Silveira, Prof. Dr. João Vergílio Gallerani Cuter, Prof. Dr. Tiago Tranjan, Prof. Dr. Marcelo
Silva de Carvalho, pelas orientações e sugestões.

Aos professores, Prof. Dr. Pedro Malagutti, Profª. Drª. Itala D’Ottaviano, Prof.
Dr. Luciano Vicente e Profª. Maria do Carmo Sodré Ayres, pelas orientações, ajudas e
incentivos.

A todas as pessoas cujos nomes não se encontram aqui, mas que, de alguma
forma, contribuíram para que este trabalho se realizasse.
“Importante e urgente como libertar criaturas humanas de prisões
inumanas é ir em socorro de verdades prisioneiras de
sistemas de ideias que as retêm e asfixiam.”
Dom Hélder Câmara

“O amor é a chave que abre a porta que leva à verdade suprema.”


Martin Luther King
Resumo

Esta tese tem por finalidade examinar as mudanças do pensamento de Rudolf


Carnap em relação à análise da linguagem frente às inovações dos trabalhos de Alfred Tarski.
Para tanto, buscaremos esclarecer a análise sintática da linguagem apresentada por Carnap em
sua obra a “Sintaxe Lógica da Linguagem”, e a análise semântica da linguagem proposta por
Alfred Tarski, para, então, discutir a influência de Tarski nos trabalhos posteriores de Rudolf
Carnap.

Palavras-chave: Verdade, Analiticidade, Semântica, Sintaxe, Tarski, Carnap.


Abstract

The purpose of this thesis is analyze the changes in the thinking of Rudolf
Carnap in relation to the analysis of language before the innovations of the work of Alfred
Tarski. To this end, we will seek to explain the syntactic analysis of language presented by
Carnap in his work "Logical Syntax of Language". Secondly, the semantic analysis of the
language proposed by Alfred Tarski. To then discuss the influence of Tarski in the later work
of Rudolf Carnap.

Key Words: Truth, Analyticity, Semantic, Syntax, Tarski, Carnap.


Sumário

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10

CAPÍTULO I .......................................................................................................................... 17

LINGUAGEM FENOMENOLÓGICA E FISICALISTA ................................................................ 17

1. Introdução .................................................................................................................... 18

1.1 A Linguagem Fenomenológica ................................................................................... 20

1.2 A Linguagem Fisicalista ............................................................................................. 27

CAPÍTULO II ......................................................................................................................... 34

A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP ................................ 34

2. Introdução .................................................................................................................... 35

2.1 Linguagem I, Linguagem II e Sintaxe Geral .............................................................. 36

2.2 Modo Formal do Discurso ......................................................................................... 41

2.2.1 Sentenças Lógicas ................................................................................................... 42

2.2.2 Sentenças-Objetos ................................................................................................... 58

2.2.3 Sentenças Quase-Sintáticas ..................................................................................... 60

2.3 Linguagem-Objeto e Metalinguagem ......................................................................... 63

2.4 Princípio de Tolerância ............................................................................................. 71

CAPÍTULO III ....................................................................................................................... 77

A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI ................................ 77

3. Introdução .................................................................................................................... 78

3.1 Definição Formalmente Correta da Verdade............................................................. 82

3.2 Definição Materialmente Adequada da Verdade ....................................................... 86

3.3 Definição da Verdade ................................................................................................ 92


3.4 Linguagem-objeto e Metalinguagem ......................................................................... 94

3.5 Definição da Verdade a partir da Definição de Satisfação .................................... 102

3.6 A interpretação de Carnap à teoria de Tarski ........................................................ 113

CAPÍTULO IV...................................................................................................................... 129

A INTEGRAÇÃO DA SINTAXE COM A SEMÂNTICA SEGUNDO CARNAP ............................... 129

4. Introdução .................................................................................................................. 130

4.1 Sistema Sintático e Semântico de uma Linguagem .................................................. 132

4.2 Considerações sobre a “Sintaxe Lógica da Linguagem” ........................................ 146

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 149

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 156


Introdução

Filosofia analítica é o nome dado a um conjunto de correntes da filosofia


contemporânea que trata de um problema muito antigo: a análise a qual devemos entender
algo como a tentativa de reescrever de maneira diferente e, de alguma forma, com termos
mais adequados quaisquer declarações filosóficas que desejarmos. Algumas vezes, costumam-
se associar as teorias analíticas com a visão metafísica que Bertrand Russell chamou de
Atomismo Lógico e, outras, com a visão antimetafísica da doutrina do Positivismo Lógico, o
nome pelo qual ficaram conhecidos os resultados dos trabalhos de um grupo de estudiosos
interessados em filosofia da ciência que se reuniam em Viena. Apesar das diferenças, essas
correntes filosóficas tinham pelo menos em comum ideia de que a análise era uma das tarefas
mais importantes do filósofo (URMSON, 1956, p. vii).
Desse modo, na perspectiva analítica das correntes citadas, o filósofo deveria
traduzir ou descrever as declarações filosóficas em uma linguagem adequada. Mas qual
linguagem seria ela? O que exatamente estaríamos expressando nessa linguagem adequada? E
qual a relação existente entre as declarações filosóficas e a linguagem? Essas são algumas das
perguntas a que um filósofo deve procurar responder. Em outras palavras, a tarefa do filósofo
consiste em construir a linguagem, dar uma explicação geral do mundo (ou da realidade, ou
dos fatos, ou de estados-de-coisas, etc.)1 e relacionar linguagem e mundo de maneira a
preservar o valor-de-verdade2 e o sentido de seus constituintes.
Poderíamos pensar que a língua natural (como o português, ou o inglês, etc.) já
cumpre esse papel de descrever o mundo, mas é de comum acordo entre a maioria dos
filósofos que ela é inadequada para a expressão da filosofia, principalmente, por apresentar
uma gramática que conduz a contradições. De fato, defenderá, o lógico e matemático polonês
Alfred Tarski, que na língua natural é impossível definir a noção de verdade ou sequer usá-la
de maneira a não gerar contradições e estar de acordo com as leis da lógica. Destaca-se aqui o
problema de autorreferência conhecido como Antinomia do Mentiroso, o que está contido nas

1
Nós entenderemos o mundo, ou a realidade, ou os fatos, ou estados-de-coisas, etc., como algo extralinguístico,
ou seja, como algo que não pertence à linguagem.
2
Verdade e falsidade são chamadas de valores-de-verdade de uma sentença.
INTRODUÇÃO 11

línguas naturais. A versão clássica dessa antinomia pode ser descrita pela seguinte sentença:
“Esta sentença é falsa”, sobre a qual não podemos decidir seu valor-de-verdade.
Do ponto de vista de Russell, o estudo da gramática é capaz de jogar muito
mais luz numa questão filosófica do que é comumente suposto por um filósofo e, assim, a
solução dos problemas filosóficos estaria no estudo da lógica-matemática e da filosofia
matemática. Ele considerava que a lógica, da qual ele acreditava que a matemática com todas
as suas complexidades poderia ser derivada, era um esqueleto adequado da linguagem capaz
de expressar as declarações filosóficas.
Vejamos, de maneira panorâmica, a análise do Atomismo Lógico de Russell: a
linguagem deveria ser concebida basicamente como uma coleção indefinidamente larga de
declarações simples ou elementares, chamadas de sentenças atômicas, e de composições de
declarações elementares (através de conectivos lógicos como “e”, “ou” e “não”), chamados de
funções-verdade de suas sentenças constituintes. A verdade das sentenças atômicas era
estabelecida por meio extralógico, isto é, uma sentença atômica é feita verdadeira através do
que hoje é chamado vagamente por “correspondência com os fatos”. E a verdade e falsidade
de uma função-verdade de sentenças atômicas só poderiam ser determinadas através da
verdade ou falsidade das sentenças atômicas por elas constituídas. Além disso, o mundo
deveria consistir de um número de fatos atômicos indefinidamente largos para os quais as
sentenças atômicas verdadeiras correspondessem; e como as proposições atômicas são
concebidas como independentes, logicamente, esses fatos devem ser concebidos como sendo
independentes extralogicamente; sem tal correspondência entre linguagem e fato parece, para
os atomistas lógicos, que seria impossível falar sobre o mundo. Desse modo, o mundo é
tomado ser de estrutura idêntica a, e representado perfeitamente por, uma linguagem com a
estrutura da lógica apresentada na obra Principia Mathematica de Russell e Whitehead, cuja
gramática seria perfeita, diferentemente da enganosa língua natural (URMSON, 1956, p. 14-
21).
Neste ponto, temos duas instâncias de naturezas diferentes sendo relacionadas:
de um lado, um sistema lógico estruturado sob a base de sentenças atômicas, de outro, um
mundo estruturado sob a base de fatos atômicos e a relação entre elas se dá por meio de uma
verdade extralógica. Várias perguntas surgem de imediato: O que seriam as sentenças
atômicas (suas formas e relações)? O que seriam os fatos atômicos? Como se dá essa
correspondência entre elas?
INTRODUÇÃO 12

Tratar da pergunta sobre as declarações elementares é discutir questões lógicas


ou sintáticas da linguagem, tratar da pergunta sobre fatos no mundo é discutir questões
metafísicas e tratar da correspondência entre elas é discutir questões semânticas da linguagem.
Muitos filósofos, lógicos e matemáticos procuraram discutir essas perguntas. E a presente tese
pretende focar nas respostas apresentadas por alguns dos pensadores do Círculo de Viena; em
particular nas respostas apresentadas por Rudolf Carnap em sua obra a “Sintaxe Lógica da
Linguagem” e a complementação dada por Alfred Tarski nas obras relativas à “Concepção
Semântica da Verdade”. No que segue, apresentaremos a problemática que a tese procurará
discutir, esclarecendo essa divisão de campos em: sintaxe, metafísica e semântica.
Dentro do nosso contexto, vamos entender “metafísica” sob duas perspectivas:
como sentenças metafísicas, que são declarações que não possuem conteúdo fático, isto é, são
declarações sobre “a ideia”, “o absoluto”, “o incondicionado”, “o infinito”, “o ser do ente”,
“não-ente”, “coisa em si”, “espírito absoluto”, “espírito objetivo”, “essência”, etc.; e como um
estudo sistemático que trata de mostrar qual é a estrutura última dos fatos no mundo para o
qual a referência é feita quando uma declaração verdadeira é realizada. Na medida em que o
objetivo desse estudo sistemático é alcançado, ele nos permite saber, precisamente, a estrutura
última do mundo.
Do ponto de vista dos atomistas lógicos, o método analítico é metafísico, pois
trata da análise dos fatos, da clarificação da estrutura e das interrelações dos fatos, e, assim,
do mundo, por outro lado, os pensadores do Círculo de Viena consideravam sem sentido esse
tipo de análise e argumentavam que a filosofia era a análise e clarificação apenas da
linguagem.
Um traço comum entre eles era a aversão profunda à metafísica. Eles a
consideravam como um obstáculo à resolução dos genuínos problemas filosóficos, como
expressões sem sentido, como incorreções da linguagem, como algo que deveria ser banido do
conhecimento seguro. O detalhe dessa perspectiva é que eles não tratavam a metafísica como
uma especulação inútil (sem valor), mas como uma pseudo-especulação, isto é, uma
especulação sem sentido para a filosofia.
Essa rejeição da metafísica fica evidenciada através da proposta do positivismo
lógico de classificar todo o discurso com sentido em duas categorias: de um lado, as sentenças
sintéticas cujos sentidos estão relacionados à sua verificação e ao seu conteúdo fático, e, de
outro, as sentenças analíticas cujos valores de verdade poderiam ser decididos por meio de um
cálculo lógico ou matemático (as quais nada diriam acerca do mundo e seriam simples
INTRODUÇÃO 13

consequências da nossa decisão de usar símbolos lógicos). Todas as demais sentenças, que
não se enquadrassem nessas duas categorias, seriam sem sentido, como o eram as sentenças
metafísicas.
De fato, inicialmente o critério dos positivistas lógicos em relação ao sentido
de sentenças sintéticas, chamado de “princípio da verificação”, procurava identificar o sentido
com as condições de verdade extralógica que as sentenças da filosofia faziam a respeito do
mundo. Assim, uma sentença teria sentido se fosse possível determinar o seu método de
verificação, isto é, se fosse possível determinar as condições que fariam com que ela fosse
considerada verdadeira (caso em que as condições por ela estabelecidas de fato se
verificassem) ou falsa (caso em que as condições por ela estabelecidas não se verificassem).
Desse modo, as sentenças metafísicas são consideradas sem sentido, por não proverem um
método de verificação.
Com efeito, os positivistas lógicos procuraram desenvolver sua análise sob o
ponto de vista de que o sentido de uma sentença é dado pelo seu método de verificação. Um
exemplo desse pensamento pode ser encontrado na obra a “Construção Lógica do Mundo”
(1928) de Rudolf Carnap, em que o estudioso descreve um sistema linguístico chamado de
linguagem fenomenológica, o qual era fundamentado na lógica, que estava sob forte
influência do Principia Mathematica de Russell e Whitehead, e na redução do mundo para o
“dado sensível”, isto é, uma maneira de reconstruir o mundo a partir da percepção interna
(sensações) das experiências individuais (1928, p. 7).
Para Carnap, essa linguagem era potencialmente capaz de descrever todas as
sentenças com sentido em termos dos “dados sensíveis”, isto é, a verdade de uma sentença
seria diretamente verificada através da pessoa a cuja experiência a sentença se refere.
No entanto, essa concepção de sentenças em termos de dados sensíveis foi
muito criticada. Uma das principais objeções era a dificuldade em se estabelecer a que partes
do mundo as sentenças elementares supostamente faziam referência. Se cada um de nós é
limitado a interpretar qualquer sentença como sendo a descrição de nossas próprias
experiências individuais, é difícil ver como poderemos comunicar o todo, isto é, o mundo.
Uma outra importante objeção era que a redução do mundo às sentenças em
termos de dados sensíveis, expressadas num sistema lógico, não poderia ser vista como uma
relação lógica, pois é uma relação de instâncias de naturezas diferentes. Então, o que poderia
ser essa redução? Alegará o próprio Carnap, e outros positivistas lógicos, que falar de
INTRODUÇÃO 14

comparações entre sentenças em termos de dados sensíveis e partes do mundo é, novamente,


tratar de assuntos metafísicos, como fizeram os atomistas lógicos.
Então, Carnap conclui que tentar relacionar uma estrutura lógica com o mundo
(ou a estrutura última do mundo) era uma atividade desprovida de sentido. E, mais, buscar
estabelecer uma comparação entre uma estrutura lógica e a estrutura do mundo, que sendo
extralógico deveria servir-lhe de parâmetro, geraria um paradoxo: para que o mundo possa
servir de parâmetro, ele tem de manter uma estrutura independente, além de permanecer
externo à lógica. No entanto, para que a relação entre eles possa ser feita, para o que o
parâmetro possa ser efetivado como parâmetro, é necessário trazê-lo para dentro da lógica,
internalizá-lo, desnaturá-lo como parâmetro (TRANJAN, 2010, p. 229-230). Assim, qualquer
tentativa de descrever o mundo através de uma linguagem lógica parece utilizar de meios
metafísicos e gerar paradoxos.
Desta forma, diante das dificuldades apresentadas pela linguagem
3
fenomenológica, Carnap abandona esse sistema e toma uma atitude mais radical . Sua posição
na obra a “Sintaxe Lógica da Linguagem”, foi de que a análise deveria ser apenas restrita à
sintaxe da linguagem, ou seja, as discussões filosóficas deveriam acontecer somente sobre
sintaxe lógica e não sobre a sua correspondência com fatos. Ele procurou defender que a
filosofia era um ramo da lógica, a qual ele chama de “lógica da ciência”, e seu
empreendimento foi tratar os problemas filosóficos como questões que dizem respeito apenas
à forma, ao modo de composição e às relações estruturais entre as expressões e sentenças da
linguagem. Neste momento, o filósofo passa a voltar sua atenção para outros sistemas
linguísticos: a linguagem da matemática (que compreende as funções com argumentos reais e
complexos, o cálculo infinitesimal, a teoria dos conjuntos, etc.); e a linguagem fisicalista
defendida pelo positivista lógico Otto Neurath, que compreende que toda declaração pode ser
expressa na linguagem da física, isto é, por referência aos processos no espaço e no tempo.
Com efeito, a análise desse ponto de vista carnapiano é a identificação da
filosofia com a lógica da ciência, isto é, a filosofia é apenas a clarificação da estrutura da
linguagem. No entanto, essa estratégia exclusivamente linguística considerava sem sentido a
análise dos fatos no mundo e rejeitava a possibilidade da correspondência entre linguagem e
mundo dada pela verdade extralógica.
Dentro da perspectiva de que a análise é a descrição ou tradução das
declarações filosóficas em uma linguagem adequada, e que o sentido de sentenças é dado pelo

3
Cf. CARNAP, 1937, p. 7-8.
INTRODUÇÃO 15

seu método de verificação, surgem algumas questões: é possível conceber as declarações


filosóficas dentro desse sistema carnapiano sem estabelecer alguma relação com o mundo? É
possível aceitar esse sistema sem a verdade extralógica? Isto é, a filosofia pode ser apenas
sintaxe lógica? A solução desses problemas é o que a tese pretende discutir.
O próprio Carnap reconhecerá em sua autobiografia que a sua “Sintaxe Lógica
da Linguagem” foi demasiadamente restritiva: “eu não devia ter dito que a filosofia ou
filosofia da ciência eram simplesmente problemas sintáticos, mas deveria ter dito de maneira
mais geral que são problemas metateóricos” (1963, p. 105), isto é, que são além de sintáticos
também problemas semânticos. Quem contribui consideravelmente nesse reconhecimento foi
o autor Alfred Tarski.
Segundo Carnap (1963, p. 110-111), a primeira vez em que ele esteve com
Tarski, ficou surpreendido ao perceber que este entendia o conceito de verdade segundo a
acepção comum, incluindo a verdade extralógica. Carnap perguntou-lhe como se poderiam
estabelecer as condições de verdade, mesmo que de uma declaração elementar, por exemplo,
“esta mesa é preta” e Tarski respondeu: é simples; a declaração “esta mesa é preta” é
verdadeira se, e somente se, esta mesa é preta.
O desejo de Tarski era trazer a semântica à discussão, pois esta, até aquele
momento era vista com bastante suspeição. Ele não estava interessado em explorar todo o
campo da semântica, isto é, o que se ocupa das relações dos símbolos linguísticos de qualquer
linguagem (de maneira especial as línguas naturais), com os objetos por ela designados, mas
tinha a intenção de se ocupar apenas dos conceitos que relacionam as expressões de uma
linguagem formalizada, que contém sua estrutura claramente e exatamente especificada, com
os objetos ou estados de coisa a que se referem tais expressões.
Em particular, o tratado tarskiano assegura um método lógico para construir
definições de verdade lógica e extralógica inerente a sistemas linguísticos. Para estabelecer
esse método, é necessário servir-se de uma segunda linguagem, chamada de metalinguagem,
que contenha as expressões da linguagem sob investigação (chamada de linguagem-objeto),
ou as suas traduções, e, por conseguinte, que inclua constantes descritivas, como, por
exemplo, a palavra “preta” do exemplo anterior. Esse novo instrumento metalinguístico atraiu
fortemente Carnap, principalmente por constituir um meio para explicar com precisão muitos
conceitos ocorrentes nas disputas filosóficas.
Desse modo, a grande contribuição de Tarski para a Filosofia Analítica foi
prover um método lógico, sem usar de meios metafísicos e sem gerar paradoxos, para definir
INTRODUÇÃO 16

conceitos semânticos, em particular o de verdade para linguagens formalizadas. Assim, a


proposta de Carnap na “Sintaxe Lógica da Linguagem” pode ser complementada com os
novos instrumentos apresentados por Tarski. E, nesse sentido, são as obras posteriores de
Carnap, nas quais há um intenso trabalho no campo da semântica.
Nessa nova fase do pensamento carnapiano, podemos distinguir três
componentes na análise: a “análise sintática da linguagem”, que trata apenas das próprias
expressões e das relações entre elas, sem referências extralinguísticas; a “análise semântica da
linguagem”, que estabelece as propriedades fundamentais daquela família de conceitos que
expressam relações entre as expressões de uma linguagem e os objetos designados por elas; e
também, sob a influência de C. S. Peirce e de C. W. Morris, a “análise pragmática da
linguagem”, que trata das referências feitas aos falantes da linguagem ou, em termos mais
gerais, do uso da linguagem.
Em resumo, a presente tese pretende examinar atentamente as mudanças do
pensamento de Rudolf Carnap frente às inovações dos trabalhos de Alfred Tarski. Para tanto,
buscaremos esclarecer a análise sintática da linguagem apresentada por Carnap em sua obra a
“Sintaxe Lógica da Linguagem”, para, então, mostrar como Tarski conseguiu convencê-lo de
que a noção semântica da verdade possibilita também a análise semântica da linguagem.
Procuraremos percorrer algumas obras carnapianas para elucidar a evolução do
seu pensamento quanto à análise da linguagem. Assim, no primeiro capítulo trataremos da
primeira mudança do ponto de vista de Carnap, isto é, da passagem da linguagem
fenomenológica para a linguagem fisicalista; o segundo versará sobre a análise sintática da
linguagem de Carnap; e o quarto, e último capítulo, reportará a análise semântica dele. No
terceiro capítulo discutiremos o estabelecimento da análise semântica da linguagem através
das obras de Tarski e a interpretação de Carnap quanto à semântica tarskiana.
Capítulo I

Linguagem Fenomenológica e Fisicalista


CAPÍTULO 1. LINGUAGEM FENOMENOLÓGICA E FISICALISTA 18

1. Introdução

O Positivismo Lógico ou Empirismo Lógico foi o nome pelo qual ficaram


conhecidos os resultados dos trabalhos de um grupo de estudiosos interessados em filosofia
da ciência que se reuniam em Viena, em torno do professor Moritz Schlick, que havia se
transferido para lá em 1922. Juntamente com especialistas de diversas áreas do conhecimento,
os estudiosos passaram a se reunir para discutir aspectos relacionados a problemas
epistemológicos referentes à ciência, até que em 1929, com o objetivo de sistematizar as
ideias discutidas por eles, publicaram um manifesto intitulado “A Concepção Científica do
Mundo: o Círculo de Viena”.
Após a publicação desse manifesto, os membros do Círculo de Viena, como
passaram a ser conhecidos, organizaram diversos congressos, encontros e a publicação de
uma revista chamada “Erkenntinis” (Conhecimento). Porém, com os problemas advindos das
Grandes Guerras Mundiais e também pelo assassinato de Schlick, em 1936, por um aluno, os
encontros filosóficos em Viena chegaram ao fim.
Contudo, a influência exercida pelo Círculo de Viena estendeu-se muito além
da sua existência e muitos foram os membros que continuaram a discutir e divulgar as suas
ideias. Por exemplo, o filósofo e lógico Rudolf Carnap, um dos principais expoentes do
Círculo e um dos autores do manifesto, transferiu-se em 1936 para a Universidade de Chicago
nos Estados Unidos, e continuou a produzir muitas obras revisando e completando as teses
defendidas pelo positivismo lógico (CARNAP, 1963, p.73-74).
Encontramos o pensamento inicial desse grupo no texto de 1929, no qual Hans
Hahn, Otto Neurath e Rudolf Carnap subscrevem o prefácio de “A Concepção Científica do
Mundo: o Círculo de Viena”, um opúsculo com apenas sessenta páginas que estava destinado
a constituir o manifesto do célebre Círculo de Viena. Podemos resumir as ideias centrais desse
texto nas seguintes teses inter-relacionadas:
• A tarefa do trabalho filosófico consiste no esclarecimento dos problemas e das
sentenças filosóficas. O método desse esclarecimento é a “análise lógica”, isto é,
mediante a redução das sentenças filosóficas para sentenças sobre dados dos sentidos
que são verificáveis e tem conteúdo fático. Esse método é a característica inovadora
CAPÍTULO 1. LINGUAGEM FENOMENOLÓGICA E FISICALISTA 19

do positivismo lógico, através dele que se constata sentido para as sentenças


filosóficas. (1929, p. 10-12).

• Os positivistas lógicos renegam a metafísica. Há uma forte crítica linguística a


metafísica, que através da análise lógica constata ser sem sentido, pois não podem ser
verificadas e não possuem conteúdo fático (1929, p. 10-12). O objetivo comum dos
adeptos ao Círculo de Viena não era apenas uma atitude livre da metafísica, mas
antimetafísica (1929, p. 9).

• Os positivistas lógicos admitem como sentenças com sentido apenas: as analíticas e as


sintéticas a posteriori. As sentenças analíticas são constituídas pelas sentenças da
lógica ou da matemática. Por sua vez, as sentenças sintéticas a posteriori se apoiam
sobre dados dos sentidos e seu sentido está identificado à sua verificação e ao seu
conteúdo fático (1929, p. 11-12).

• O esforço do trabalho científico tem por objetivo alcançar uma ciência unificada,
mediante a aplicação da análise lógica (1929, p. 12). Isto é, construir uma linguagem
que abarcasse apenas as sentenças analíticas e sintéticas a posteriori, excluísse as
sentenças sem sentido (como as sentenças da metafísica), e que servisse de
fundamento para a filosofia e para toda ciência.

Note-se que estamos falando sobre a disposição inicial que animava os


membros do Círculo de Viena quando ocorreram as suas primeiras reuniões e divulgação de
seus pensamentos. Posteriormente, haveria muitas revisões nestes conjuntos de ideias, mesmo
porque o Círculo não foi constituído por um grupo com ideias homogêneas e os temas
discutidos nunca foram exatamente da espécie que favorecessem um fácil consenso.
De modo geral, os pensadores desse grupo pretendiam colocar a filosofia na
‘via segura da ciência’ e, para tanto, teriam de proceder a uma eliminação sistemática de todo
o discurso metafísico. Em particular, uma das estratégias foi propor uma classificação de todo
o discurso com sentido em duas categorias: em sentenças analíticas e sentenças sintéticas (a
posteriori). Desse forma, a filosofia foi reduzida a um exame das suas sentenças com a
finalidade de averiguar se estas têm ou não sentido.
Em outras palavras, a análise filosófica era concebida pelos membros do
Círculo de Viena como uma clarificação de sentenças. Quando, realizando a análise, o
filósofo procura fazer a redução (ou tradução, ou descrição) de sentenças filosóficas para
outras sentenças mais claras, na verdade, ele está procurando dar uma explicação sobre a
CAPÍTULO 1. LINGUAGEM FENOMENOLÓGICA E FISICALISTA 20

estrutura da linguagem. Então, a filosofia foi identificada com a “análise lógica da


linguagem”, isto é, a filosofia seria apenas clarificação da estrutura da linguagem.
No entanto, essa análise lógica da linguagem foi motivo de muitas discussões
pelos empiristas lógicos e foi concebida de maneiras diferentes. Destacam-se as concepções
distintas de Moritz Schlick e de Otto Neurath, que, basicamente, diferenciam-se por aquele
defender uma linguagem fenomenológica e este uma linguagem fisicalista.
Podemos encontrar algumas das obras exemplares que descrevem essas
linguagens em a “Construção Lógica do Mundo” e “Pseudoproblemas na filosofia” de 1928, e
na “Sintaxe Lógica da Linguagem” de 1934 do autor Rudolf Carnap. O filósofo desenvolveu,
em suas obras, fases diferentes do positivismo lógico: na “Construção Lógica do Mundo” e
“Pseudoproblemas na filosofia”, ele apresenta a linguagem fenomenológica; na “Sintaxe
Lógica da Linguagem”, a fisicalista e a análise sintática da linguagem; e em seus trabalhos
posteriores, a linguagem fisicalista e a integração da análise sintática com a semântica e a
pragmática.
Essas mudanças apresentadas por Carnap exibem um crescimento no campo da
lógica em relação à interpretação da linguagem e de seu papel fundamental nas ciências. Há
uma passagem da utilização da linguagem fenomenológica para a linguagem fisicalista que
reflete uma discussão mais ampla em relação à utilização ou não da “verdade extralógica” e a
possibilidade de relacionar sentenças e o mundo. Neste capítulo, trataremos dessa passagem
da linguagem fenomenológica para a fisicalista a partir dos textos de Rudolf Carnap.

1.1 A Linguagem Fenomenológica

Rudolf Carnap publicou em 1928 o artigo “Scheinprobleme in der


Philosophie” (Pseudoproblemas na Filosofia), e uma obra, intitulada “Der Logische Aufbau
der Welt” (Construção Lógica do Mundo), escritos entre 1922 e 1926. Estavam, portanto,
praticamente concluídos quando o filósofo começou a fazer parte do Círculo de Viena e
influenciaram consideravelmente as ideias iniciais do positivismo lógico4.

4
Cf. CARNAP, 1929, p. 10-12.
CAPÍTULO 1. LINGUAGEM FENOMENOLÓGICA E FISICALISTA 21

O referido artigo trata de maneira menos técnica dos assuntos da obra e os dois
textos defendem a identificação da filosofia com a linguagem fenomenológica5. Contudo,
Carnap descreve nesses trabalhos não a totalidade da construção dessa linguagem, mas
somente apresenta sua concepção de como ela poderia ser executada, e, após estabelecer as
regras através das quais se operacionaliza o projeto de construção, dá o artigo e a obra por
encerrados. Essa construção estava envolvida com consideráveis dificuldades e essa pode ter
sido uma das razões pela a qual ele não completou o trabalho.
O projeto de construção da linguagem fenomenológica estava fundamentado na
“logística”, que se refere à lógica moderna iniciada por Frege e que se encontrava sob forte
influência do Principia Mathematica de Russell e Whitehead, e na redução do mundo para o
“dado dos sentidos”6 ou “objetos autopsicológicos”, isto é, uma maneira de reconstruí-lo a
partir de uma percepção individual interna (sensações) dos objetos extralinguísticos (1928, p.
7). Segundo o comentador Anders Wedberg:

Aufbau [Construção Lógica do Mundo] é uma tentativa de explicar certos traços do


mundo ou da realidade (o mundo, ou realidade, da ciência), ou do nosso
conhecimento deste, por meio do estudo de um modelo. O modelo de mundo do
Aufbau é “fenomenalista” ou mesmo “solipsista”. Seus conceitos básicos pertencem
à psicologia introspectiva e, particularmente, à fenomenologia da percepção. (…) O
modelo de mundo do Aufbau é construído em acordo com a teoria simples dos tipos
de Russell. Entre os seus elementos há, por conseguinte, certos “elementos básicos”
(os indivíduos do Principia Mathematica) que formam a base para uma hierarquia
de conjuntos e relações. Quando construímos um modelo de mundo estamos,
segundo Carnap, livres para escolher os elementos básicos de muitas maneiras
diferentes. No Aufbau ele os retira do reino “autopsicológico”, isto é, da sua própria
vida mental. (WEDBERG, 1975, p. 17).7

Dessa forma, temos como base da linguagem fenomenológica os objetos


autopsicológicos, isto é, os dados dos sentidos obtidos de nossas experiências elementares, as
quais consistem na “totalidade de tudo aquilo que um sujeito experimenta num determinado
momento do tempo” (WEDBERG, 1975, p. 17), isto é, sensações, sentimentos e
pensamentos, tais como a percepção de determinada cor ou de determinado formato.
Para Carnap, os objetos autopsicológicos devem ser concebidos pela Teoria
Gestalt da psicologia (1928, p. 108-109), esta propõe que “nossa experiência perceptual de

5
A palavra “fenomenológica” utilizada na expressão “linguagem fenomenológica” não tem sua origem num
empréstimo à corrente filosófica que nasce com Husserl. A linguagem fenomenológica não é propriamente o da
análise “dos modos subjetivos nos quais se constitui uma objetividade”, mas sim o de uma descrição dos
fenômenos quase à la Ernst Mach (preservando toda a distância que os separa), e talvez essa expressão tenha
sido efetivamente tomada de empréstimo ao vocabulário da física. (PRADO NETO, 2007, p. 52).
6
Sobre os equívocos em utilizar a palavra “dado”, Cf. SCHLICK, 1932, p. 40-43.
7
Grifos do autor e os colchetes são nossos.
CAPÍTULO 1. LINGUAGEM FENOMENOLÓGICA E FISICALISTA 22

objetos complexos é algo distinto da experiência de uma mera soma de elementos sensoriais”
(SMITH, 1998, p. 51), ou seja, não podemos considerar como percepção básica de um objeto
um acumulado de percepções individuais, mas a percepção dos objetos como um todo. Por
exemplo, a audição de uma música, em que notamos que esta é diferente da simples sequência
das notas musicais utilizadas. Carnap adota esta posição, para propor a impossibilidade de
reduzir percepções (ou experiências) a parcelas sensoriais menores e, com isso, estabelecer
esta forma de impressão como o objeto epistemológico mínimo de sua linguagem.
Desse modo, determinadas porções de experiência (objetos autopsicológicos)
nos permitem produzir sentenças (declarações elementares), representando experiências
elementares do tipo Gestalt, como por exemplo “agora há um triângulo no meu campo visual”
ou “no quarto ao lado, há uma mesa de três pernas”, as quais servem como base para a
construção das outras sentenças da linguagem fenomenológica, isto é, as outras sentenças
seriam funções-verdade das sentenças a respeito de objetos autopsicológicos. É importante
notar que, com isso, ele não está dizendo que as experiências elementares sejam elementos
definidos; ele apenas está dizendo que “sentenças podem ser feitas a respeito de certos lugares
no fluxo da experiência” (1928, p. 109).
Para Carnap, essa linguagem fenomenológica era potencialmente capaz de
descrever todas as sentenças com sentido e eliminar o discurso metafísico. O critério de
sentido dessas sentenças seria o de verificação e de conteúdo factual, o qual ele apresenta em
“Pseudoproblemas na Filosofia”:

O significado de um enunciado reside no fato de que ele expressa estado de coisas


(concebível, não necessariamente existente). Se um enunciado (ostensivo) não
expressa um estado de coisas (concebível), então não tem nenhum significado; só
aparentemente é um enunciado. Se o enunciado expressa um estado de coisas, então
é significativo para todos os eventos; é verdadeiro se esse estado de coisas existe,
falso se ele não existe. (CARNAP, 1928, p. 325).

E acrescenta a relação entre verificação e o conteúdo factual:

Se um enunciado p expressa o conteúdo de uma experiência E, e se o enunciado q é


igual a p ou pode-se derivá-lo de p e das experiências anteriores, seja por
argumentos dedutivos seja por indutivos, então dizemos que a experiência E
“fundamenta” q. Diz-se que um enunciado p é “testável” se se pode indicar as
condições sob as quais ocorreria uma experiência E que fundamenta p ou a
contradição de p. Diz-se que um enunciado p tem “conteúdo factual” se as
experiências que fundamentariam p ou a contradição de p são pelo menos
concebíveis, e se se pode indicar suas características. Segue-se destas definições que
se um enunciado é testável, então ele sempre tem conteúdo factual, mas o inverso
geralmente não vale. (...) Não tomamos o ponto de vista estrito que requer que todo
enunciado esteja fundamentado, ou seja, testável; ao contrário, consideramos
CAPÍTULO 1. LINGUAGEM FENOMENOLÓGICA E FISICALISTA 23

significativos os enunciados mesmo que possuam somente conteúdo factual, mas


não estão nem fundamentados nem são testáveis. (CARNAP, 1928, p. 327-328).

Desse modo, o sentido de uma sentença é dado por uma certa


“correspondência” com uma experiência que possa ser concebida. No entanto, Carnap não é
claro no tratamento da relação entre a experiência e as sentenças a respeito dos objetos
autopsicológicos. As sentenças têm seu sentido dado pela comparação com a experiência
através da percepção individual interna (sensações), mas isso não mostra qual a relação entre
a expressão linguística do objeto autopsicológico e o estado de coisa que descreve essa
expressão. Dessa forma, Carnap não propõe a correspondência entre sentenças e experiências
de maneira rigorosa, mas de modo mais informal, apenas com o objetivo de fundamentar a
sentença a respeito de objetos autopsicológicos, isto é, de garantir a existência de um
conteúdo factual.
Uma sentença que se fundamenta em experiências passadas e que não podem
ser verificadas, como é o caso das sentenças da história, da geografia e da antropologia, para
Carnap devem ser consideradas como possuidoras de sentido, mas de modo algum como
verdadeiras. “As sentenças que possuem conteúdo factual são significativas desde que, pelo
menos, se conceba que as reconheceremos mais cedo ou mais tarde como verdadeiras ou
falsas” (CARNAP, 1928, p. 328).
Em particular, as sentenças que contêm um novo conceito, ou um conceito cuja
legitimidade está em questão, é necessário e suficiente para dizer que ela tem sentido, apontar
quais as condições experienciais que se devem supor válidas para que a sentença seja
chamada de verdadeira e quais são as condições em que ela é chamada de falsa.
Neste ponto, uma dificuldade surge: como apontar quais as condições
experienciais que tornam uma sentença verdadeira ou falsa a partir da percepção interna de
um indivíduo? Note que a verdade ou falsidade de uma sentença só é diretamente verificada
pela pessoa a cuja experiência a sentença se refere e, dessa forma, tais experiências seriam
incomunicáveis.
Se quisermos a informação da experiência de outra pessoa, teremos que
entender o que ela diz sobre sua experiência. E isso parece implicar em que temos que atribuir
o mesmo significado para as palavras como ela o faz, mas como podemos confiar que isso
sempre ocorrerá?
Quando uma pessoa nos diz que está com dor, será que o que ela entende por
dor tem o mesmo significado que nós atribuímos para essa palavra? Quando uma pessoa nos
CAPÍTULO 1. LINGUAGEM FENOMENOLÓGICA E FISICALISTA 24

diz que está vendo alguma coisa vermelha, como saberemos que o que ela chama de vermelho
não seria azul para nós? Assim, na medida em que as palavras de uma pessoa se referem ao
conteúdo de sua experiência, elas podem ser inteligíveis apenas para ela mesma.
Schlick procurou responder a essa objeção, tomando como base a sua distinção
entre estrutura e conteúdo de uma experiência. Segundo ele, uma linguagem fundamentada
em dados sensíveis seria incomunicável quanto ao conteúdo, mas não quanto à sua estrutura
(SCHLICK & CARNAP, 1988, p. XIII). Para ele, embora nada possa garantir que os dados
sensíveis associados por um sujeito ao vocábulo “dor” sejam os mesmos que outra pessoa
associa a esse termo, pode-se constatar que o mesmo é usado em situações comuns, isto é, que
se reconhecem os mesmos comportamentos associados à palavra “dor” (SCHLICK, 1934, p.
79-80). Ou ainda, a mesa que uma pessoa percebe pode ser diferente daquela que nós
percebemos, mas nós estaríamos de acordo em dizer que certas coisas são mesas e outras não.
Assim, para Schlick, as diferenças de conteúdo devem ser desconsideradas,
mas é possível estabelecer nossas experiências como ordenadas pelas suas semelhanças. Essa
semelhança de estrutura que nos proporciona um mundo comum; é apenas a descrição desse
mundo comum, isto é, da estrutura, que é comunicável.
No entanto, segundo um dos grandes divulgadores da filosofia do positivismo
lógico, Alfred Ayer (1956, p. 206-209), essa distinção entre conteúdo e estrutura de uma
experiência não parece ser sustentável. Se nós não pudermos saber o que uma pessoa entende
por mesa como poderemos analisar o que ela entende por “mesas semelhantes”? Qual é o
argumento que o comportamento de uma pessoa, enquanto revelando nada do conteúdo de sua
experiência, apresenta a estrutura de sua experiência como sendo a mesma que a nossa?
Schlick sugere que, mesmo que não compreendamos o significado das palavras quando uma
pessoa as usa, sabemos que ela as aplica para a mesma coisa.
Porém se não sabemos nada sobre o conteúdo de sua experiência, como
saberemos se a pessoa aplica suas palavras de um modo consistente com o nosso? Com essas
questões, Ayer não está querendo afirmar que pessoas diferentes não conseguem se entender,
ou que isso não é provado pelo seu comportamento, mas, deseja sustentar que não há
justificativa para separar estrutura e conteúdo e contra-argumentar que estrutura pode ser
comunicável enquanto conteúdo não. Assim, para o filósofo, há razões suficientes para
duvidar da aplicação do uso de uma linguagem para sentenças sobre estrutura tanto quanto
para sentenças sobre conteúdo de uma experiência.
CAPÍTULO 1. LINGUAGEM FENOMENOLÓGICA E FISICALISTA 25

O próprio Carnap conclui, em sua obra “Testabilidade e Significado”


(Testability and Meaning) de 1936, que a ambição positivista de reduzir todos os conceitos da
ciência a uma linguagem sobre dados dos sentidos não era inteiramente adequada (1936, p.
463-466). E mais, ele mostra, neste artigo, uma objeção em relação às sentenças linguísticas e
à percepção (dados dos sentidos). Tomemos a seguinte sentença declarativa acerca de um
objeto extralinguístico (físico):

(1) “Em 6 de maio de 1935, às 16 horas, existe uma mesa redonda e preta em meu quarto.”

Tomaremos como percepção um predicado “P” tal que “P(b)” signifique: “a


pessoa no lugar espaço-temporal b tem uma percepção do tipo P”. Note que, para facilitar a
construção do argumento, Carnap utiliza na sentença de percepção a referência a um lugar no
espaço-temporal, mas na formulação original da linguagem fenomenológica da “Construção
Lógica do Mundo” (1928), isso não ocorre, há apenas um elemento de “consciência”. Assim,
a sentença (1), pode ser reduzida para uma conjunção das seguintes sentenças condicionais
(2), acerca de percepções (possíveis):

(2a) “Se, em maio,... alguém está em meu quarto e olha em tal ou qual direção, tem uma
percepção visual de tal ou qual tipo.”
(2a’), (2a’’), etc. Sentenças similares acerca de outros aspectos possíveis da mesa.
(2b) “Se ... alguém está em meu quarto e esfrega suas mãos nesta ou naquela direção, tem
percepções táteis deste ou daquele tipo”.
(2b’), (2b’’), etc. Sentenças similares acerca de outras aproximações possíveis à mesa.
(2c), etc. Sentenças similares acerca de possíveis percepções de outros sentidos.

Porém, nenhuma dessas sentenças (2), e nem mesmo uma conjunção de


algumas delas, seriam suficientes como uma descrição de (1); devemos tomar por completo a
série que contém todas as percepções possíveis daquela mesa, sobre a qual não se tem
garantia de que seja uma série finita. Se a série de sentenças (2) não é finita, então não existe
nenhuma conjunção delas; e, nesse caso, a sentença original (1) não pode ser reduzida às
sentenças de percepções.
Mais ainda, mesmo toda a série de sentenças (2) – não importando se ela é
finita ou infinita – não implica a sentença (1), pois pode acontecer que (1) seja falsa, embora
toda sentença (2) seja verdadeira. Por exemplo: suponhamos que no momento do enunciado
CAPÍTULO 1. LINGUAGEM FENOMENOLÓGICA E FISICALISTA 26

não exista nem uma mesa preta redonda em meu quarto, nem qualquer observador. (1) então é
falsa e (2a) é uma sentença de implicação universal:

“(∀x) (x está ... em meu quarto e olha ...) → (x percebe ... )”,

que podemos abreviar desta maneira:

(3) “(∀x) (Px) → (Qx)”

que pode ser transformada em

(4) “(∀x) (~Px) ∨ (Qx)]”

(dessa maneira, (2a) pode ser formulada em palavras como: “Para qualquer pessoa, ou não, é
o caso de que ela está em meu quarto em maio ... e olha ... ou ela tem uma percepção visual
deste ou daquele tipo”). Ora, segundo nossa suposição inicial, para toda pessoa x é falso que x
está naquele momento no quarto e olha ...; em símbolos:

(5) “(∀x) (~Px)”.

Como (4) é uma disjunção e (5) é verdadeira por suposição, então (4) é
verdadeira e, logo, (2a) também é verdadeira (e analogamente toda sentença das outras
sentenças da série (2)), enquanto (1) é falsa. Assim, a redução para dados dos sentidos mostra-
se inválida. Ou, dito de outra forma, não é logicamente possível reduzir sentenças da ciência
às sentenças condicionais sobre a possibilidade de percepção de um determinado objeto
extralinguístico (físico).
Esse exemplo de que tratamos é uma sentença sobre um objeto físico
diretamente perceptível, se tomarmos como exemplo sentenças acerca de átomos, elétrons,
campo elétrico e semelhantes, seria ainda mais claro que a redução, em termos de percepção,
não é possível.
Enfim, Carnap foi chegando à conclusão de que a linguagem fenomenológica
não era adequada para uma análise filosófica do conhecimento. Na própria obra a
“Construção Lógica do Mundo” (1928), o filósofo já se apresentava como “tolerante” em
relação à qual linguagem utilizar na reconstrução do mundo (CARNAP, 1963, p. 51-52).
Poderíamos, diz ele, utilizar como linguagem básica a linguagem da física, que estabelece
relações entre pontos espaços-temporais do contínuo espaço-temporal8, em vez de começar a

8
Cf. §62 em CARNAP, 1928, p. 99-100.
CAPÍTULO 1. LINGUAGEM FENOMENOLÓGICA E FISICALISTA 27

reconstrução através de objetos autopsicológicos. Assim, Carnap, desde a “Construção Lógica


do Mundo” (1928), mantém a posição de que é possível “escolher” uma linguagem entre
muitas para a análise filosófica do conhecimento.
O filósofo admite na autobiografia (1963, p. 96), que passa a ter preferência
pela linguagem fisicalista por insistência de Otto Neurath. Este insiste, em vários artigos, que
o sistema linguístico básico para todas as ciências é aquele que fala sobre processos no espaço
e no tempo: a linguagem fisicalista. Apresentaremos essa linguagem no próximo tópico.

1.2 A Linguagem Fisicalista

Otto Neurath afirmava que todo discurso com sentido está inserido nos
sistemas linguísticos das ciências, que deveriam, segundo ele, ser unificados por meio de uma
linguagem e de uma sintaxe única para facilitar a comunicação entre os diversos ramos das
ciências e evitar qualquer discurso metafísico. Especialmente Neurath, dentre os membros do
Círculo de Viena, incentivava o debate em torno da unificação das ciências e da construção de
uma linguagem única para todas elas, o que, segundo ele, seria a linguagem fisicalista.
A partir de 1931, encontramos as primeiras obras dele ligadas a esse tipo de
linguagem, a qual o autor propunha em oposição à linguagem fenomenológica. Por exemplo,
a obra “Sociologia Empírica” (Empirical Sociology) (1931c), estabelece de que forma a
unificação das ciências sociais pode ser feita em uma base fisicalista; os artigos, “Fisicalismo:
A filosofia do Círculo de Viena” (Physicalism: The Philosophy of the Viennese Circle)
(1931a), “Fisicalismo” (Physicalism) (1931b), “Sociologia e Fisicalismo” (Sociology and
Physicalism) (1931d) e “Sentenças Protocolares” (Protocol Sentences) (1932), tratam dos
pontos de discordância com os outros filósofos do Círculo de Viena.
Diferentemente de Carnap, em a “Construção Lógica do Mundo” (1928),
Neurath não propõe que o programa construcional da ciência se dê sob a base de objetos
autopsicológicos (NEURATH, 1932, p. 204), como se fosse um edifício sendo erguido a
partir de seus alicerces. Pelo contrário, o filósofo propõe a seguinte metáfora no seu artigo
“Sentenças Protocolares”: somos como marinheiros que precisam reconstruir seu barco em
mar aberto, nunca podendo desmontá-lo em uma doca seca e lá reconstruí-lo com os melhores
materiais (1932, p. 201). Para ele, não há como tomar sentenças sobre objetos
CAPÍTULO 1. LINGUAGEM FENOMENOLÓGICA E FISICALISTA 28

autopsicológicos e conclusivamente estabelecidas como o ponto de partida das ciências (1932,


p. 201). A ciência é uma atividade em constante processo de reconstrução e não podemos
considerar que existe uma base fixa sobre a qual ela se apoia.
Desse modo, Neurath propõe a utilização de “sentenças protocolares” de
natureza fisicalista, isto é, que tomam como base os objetos extralinguísticos de observação
do sujeito e, nesse sentido, podem ser entendidos como os objetos da física que fazem
referência apenas a processos no espaço e no tempo. Assim, sentenças protocolares são
sentenças factuais em que há a especificação de um substantivo pessoal e a referência para
processos no espaço e tempo. Por exemplo, a sentença:

“Protocolo de Otto às 3:17 horas: [às 3:16 horas, Otto disse a si mesmo: (às 3:15 horas, Otto
percebeu que havia uma mesa no quarto)].”,

representa uma sentença protocolar completa.


Para Neurath, tais sentenças protocolares estão sujeitas a mudanças dentro da
linguagem fisicalista, isto é, as sentenças protocolares não são primitivas e estão sujeitas à
verificação (1932, 205). Aqui, precisamos ter cuidado com o que Neurath entende por
“verificação”. A ideia de verificação é que as sentenças protocolares podem ser descartadas
da linguagem fisicalista (1932, p. 204). Quando uma sentença protocolar está em questão,
devemos compará-la com o sistema à nossa disposição e determinar se esta entra em conflito
ou não com ele. Se uma nova sentença conflita com o sistema, devemos descartá-la como
inútil (ou falsa), embora seja possível incorporá-la se modificarmos o sistema de modo que
ele continue consistente, desta forma, essa nova sentença seria chamada de “verdadeira”
(1931b, p. 53 e 1932, p. 203).
Assim, a linguagem fisicalista deve ser um sistema “coerente” de sentenças
protocolares. Essa noção de coerência propõe que a verdade seja uma característica
dependente de um sistema de sentenças, e não da relação de uma sentença com a experiência,
como Carnap propunha.

Sentenças são sempre comparadas com sentenças, certamente, não com alguma
‘realidade’, e nem com ‘coisas’, como o Círculo de Viena pensava até agora. (...) Se
uma sentença é feita, ela deve ser confrontada com a totalidade das sentenças
existentes. Caso concorde com elas, é anexada a elas; se não concorda, ela é
declarada “não-verdadeira” e rejeitada. (...) Não pode haver outro conceito de
verdade para a ciência. (NEURATH, 1931b, p. 53).9

9
Grifos do autor.
CAPÍTULO 1. LINGUAGEM FENOMENOLÓGICA E FISICALISTA 29

Assim, se o critério para a aceitação de uma sentença num sistema de crenças é


a coerência, deve sempre haver a possibilidade de ela ser eliminada do sistema, caso seja
incoerente – quer seja uma sentença protocolar ou uma lei científica.
Por outro lado, refuta Schlick (1934, p. 69-71), essa verificação não pode ser
feita exclusivamente em termos de outras sentenças, pois seria sempre possível indagar pela
verificação destas, o que obrigaria a um regresso infinito. Se a tarefa de verificação é
realizável, deve-se, em algum momento, abandonar o nível da expressão linguística e recorrer
a um ato que aponte em direção ao que não se pode exprimir por nenhuma sentença: a
experiência.

Quem toma a sério a coerência como único critério da verdade, deve considerar as
lendas poéticas tão verdadeiras quanto um relato histórico ou as proposições de um
manual de química, sendo suficiente que as lendas sejam de tal tipo, que não
encerrem nenhuma contradição. (SCHLICK, 1934, p. 71).

Mas Neurath (1932, p. 205), não se utiliza apenas do critério de coerência, para
ele as sentenças protocolares são construídas a partir de um sujeito (o substantivo pessoal da
sentença), em um processo no espaço e no tempo, isto é, a sentença tem conteúdo factual que
ocorreu, ou ocorrerá, em um determinado tempo e espaço. Quando se trata de uma sentença
protocolar, que descreve uma predição, ela poderá ser checada (ou controlada) apenas se nós
indicarmos “quando” e “onde” uma mudança nessa predição ocorrerá (1931b, p. 54).
Essa é a grande diferença em relação às sentenças sobre objetos
autopsicológicos: as sentenças protocolares estão condicionadas a um determinado espaço e
tempo. E mais, as sentenças protocolares são intersubjetivas, pois os substantivos pessoais
podem ser substituídos por coordenadas e coeficientes de estados físicos. Não há distinção
entre o “eu” e o outro em um protocolo, “pode-se distinguir um protocolo-Otto de um
protocolo-Karl, mas não um protocolo próprio de um protocolo dos outros” (NEURATH,
1932, p. 206)10.
Cada sentença protocolar se relaciona com a ciência unificada da mesma forma
que as outras, não importa se foram feitas “por mim” ou por outra pessoa. Com isso, para
Neurath, “todo o quebra-cabeça das outras mentes está resolvido” (1932, p. 206)11. Em “A
Unidade da Ciência” (The Unity of Science) (1934), o próprio Carnap (1934, p. 66-67), afirma
que a linguagem fisicalista é a única linguagem intersubjetiva conhecida, e como a ciência é

10
Grifos do autor.
11
Grifos do autor.
CAPÍTULO 1. LINGUAGEM FENOMENOLÓGICA E FISICALISTA 30

um sistema de sentenças intersubjetivamente válidas, então, a linguagem fisicalista é a


linguagem da ciência.
No final do texto “Sentenças Protocolares”, Neurath apresenta uma parábola
para ilustrar esse sistema. Ele fala de uma máquina, na qual se colocam sentenças
protocolares. Leis científicas e sentenças protocolares já aceitas fazem as engrenagens da
máquina funcionar, elas fazem soar uma campainha quando alguma sentença protocolar gera
contradição no sistema. Quando isso acontece, deve-se substituir a sentença que causou o
problema, ou reconstruir a máquina. “Quem reconstrói a máquina, ou de quem são as
sentenças protocolares colocadas dentro da máquina não faz diferença. Qualquer um pode
testar suas próprias sentenças protocolares, tanto quanto as de outros” (NEURATH, 1932, p.
207).
Em resposta a Neurath, Carnap escreveu os artigos Psychologie in
Physikalischen Sprache de 1932 (traduzido para o inglês, Psychology in Physical Language –
“Psicologia na Linguagem Fisicalista”) (1932c) e Die Physikalische Sprache als
Universalsprache der Wissenschaft de 1932 (traduzido para o inglês, The Unity of Science,
em 1934 – “A Unidade da Ciência”) (1934), em que ele concorda com Neurath que a
linguagem total capaz de abranger todo o conhecimento deveria ser construída através da
linguagem fisicalista (CARNAP, 1963, p. 99).
Em um primeiro momento, a tendência “fundacionalista” de Carnap, isto é, em
ter uma base formada de sentenças elementares que são concebidas como o “fundamento”
para as outras sentenças, ainda prevalecia. Na obra “A Unidade da Ciência” (1934), a base do
seu sistema ainda era fixa e única, mas de natureza fisicalista, (ao contrário da base
autopsicológica que era apresentada na linguagem fenomenológica). De fato, o caráter
revisável da base do sistema de sentenças ainda não aparece; Carnap afirma que “as sentenças
mais simples na linguagem protocolar são sentenças protocolares, isto é, aquelas que não
precisam de justificação e que servem como fundação para todas as outras sentenças da
ciência” (1934, p. 45)12.
Neurath apresenta seus argumentos contra esse fundacionalismo de Carnap no
artigo Protokollsätze, publicado no terceiro volume da revista Erkenntnis de 1932, (traduzido
em inglês, Protocol Sentences – “Sentenças Protocolares”) (1932), e Carnap replica com seu
artigo Über Protokollsätze (traduzido em inglês, On Protocol Sentences – “Em Sentenças
Protocolares”) (1932a), também publicado no mesmo volume de Erkenntnis, afirmando que

12
Grifo do autor.
CAPÍTULO 1. LINGUAGEM FENOMENOLÓGICA E FISICALISTA 31

não há nenhuma disputa real entre eles: uma vez que estão simplesmente sugerindo diferentes
métodos de construção da linguagem da ciência, ambos são possíveis e legítimos (CARNAP,
1932a, p. 457).
Os métodos a que Carnap está se referindo para a construção da linguagem da
ciência são os que ele apresentou em “A Unidade da Ciência”, segundo os quais as sentenças
protocolares se situam fora da linguagem do sistema, criando uma estrutura fundacionalista. O
outro é o apresentado por Neurath em “Sentenças Protocolares”, que postula que a linguagem
protocolar é um jargão universal situado no domínio da linguagem do próprio sistema da
ciência. Assim, Carnap apresenta as duas propostas, deixando claro desde o início qual é seu
objetivo:

(...) as questões relativas às sentenças protocolares ocorrem fora ou dentro da


linguagem do sistema e de sua exata caracterização são (...) respondidas não por
argumentações, mas por postulações. (...) penso que as respostas não se
contradizem. Elas devem ser entendidas como sugestões para postulados; a tarefa
consiste em investigar as consequências destas diversas postulações possíveis e em
testar sua utilidade prática. (CARNAP, 1932a, p. 458).

Tendo feito tais considerações, Carnap continua o seu texto apresentando as


duas possibilidades de construção da linguagem da ciência. Começa descrevendo a linguagem
apresentada em “A Unidade da Ciência”, através do exemplo de uma máquina que mostra
números de “1” a “5” em determinadas circunstâncias. Por observação, é possível determinar
que está chovendo levemente quando a máquina mostra simultaneamente “1” e “4”; que está
chovendo forte quando mostra “1” e “5”; que está nevando levemente quando a máquina
mostra “2” e “4”; que está nevando forte quando marca “2” e “5”; que está chovendo granizo
de maneira leve quando marca “3” e “4”; e que a combinação “3” e “5” nunca foi observada.
Com isso, diz Carnap, é possível construir o seguinte dicionário que possibilita a tradução dos
sinais da máquina em sentenças que podemos compreender (1932a, p. 458):

1: está chovendo
2: está nevando
3: está chovendo granizo
4: fraco
5: forte

O filósofo ainda dá outro exemplo a partir do idioma de um estrangeiro, o qual


não entendemos. Ele diz “re bim” e “re bum” quando está chovendo fraco ou forte,
CAPÍTULO 1. LINGUAGEM FENOMENOLÓGICA E FISICALISTA 32

respectivamente; “sche bim” e “sche bum” para neve fraca e forte, e “he bim” se estiver
chovendo granizo levemente. Assim, é possível construir outro dicionário, o qual possibilita a
tradução de enunciados da linguagem do estrangeiro para sentenças da nossa linguagem
(1932a, p. 459):

re: está chovendo


sche: está nevando
he: está chovendo granizo
bim: fraco
bum: forte

Assim, a primeira forma de linguagem é composta por um conjunto de


sentenças protocolares, que são os sinais da máquina ou os enunciados do estrangeiro, um
conjunto de sentenças da nossa linguagem e as regras de tradução que conectam um conjunto
ao outro. Para Carnap, qualquer processo observável (de uma máquina, de um homem, etc.),
para o qual uma regra de tradução tenha sido construída é válido como uma sentença
protocolar (1932a, p. 459).
No tópico seguinte, o filósofo trata do segundo método de construção da
linguagem da ciência. Novamente, parte do exemplo da máquina que mostra números
conforme a situação meteorológica, mas, desta vez, altera os sinais que a máquina emite de
maneira que ela não mais mostre os números, mas as próprias sentenças da linguagem, como
“está chovendo”, “está nevando”, etc. Com isso, a tradução não é mais necessária e as
sentenças protocolares passam a fazer parte do domínio da linguagem. Com o exemplo do
estrangeiro a mesma coisa ocorre, este substitui a sua fala (dita no seu idioma), pelas
sentenças de nossa linguagem, como se tivesse aprendido a falar a nossa língua (1932a, p.
463-464).
Contudo, Carnap considera que o sistema descrito não é exatamente igual ao
proposto por Neurath, uma vez que este exige que as sentenças protocolares tenham uma
forma específica, como por exemplo, que um substantivo pessoal ocorra na sentença
protocolar. Assim, Carnap subdivide o segundo método para a construção da linguagem da
ciência unificada em: (A) com restrições em relação ao que é uma sentença protocolar, como
no sistema de Neurath e outra (B), em que não há restrições, de modo que qualquer sentença
possa, sob certas circunstâncias, ser considerada uma sentença protocolar. Considerando que
CAPÍTULO 1. LINGUAGEM FENOMENOLÓGICA E FISICALISTA 33

Neurath já expôs sua linguagem fisicalista, Carnap se dedica a exemplificar o segundo tipo
(B) (1932a, p. 464-465).
Enfim, após apresentar as duas formas de linguagem e mostrar que elas podem
ser construídas de maneira consistente, Carnap passa a compará-las. Sua conclusão é de que a
primeira forma de linguagem (a sua do artigo “A Unidade da Ciência”), na qual as sentenças
protocolares estão fora do sistema, tem a vantagem de qualquer linguagem poder se tornar
uma linguagem protocolar, desde que sejam construídas regras de tradução apropriadas. A
segunda forma de linguagem (semelhante à apresentada em “Sentenças Protocolares” por
Neurath), tem a vantagem de unificar a linguagem do sistema e de não haver necessidade de
regras de tradução (1932a, p. 469). E, em seguida, ele afirma:

(...) em todas as teorias do conhecimento até agora tem restado certo absolutismo:
nas realistas, um absolutismo do objeto, nas idealistas (incluindo a fenomenológica),
um absolutismo do “dado”, da “experiência”, do “fenômeno imediato” (...) no
positivismo lógico (...), ele toma a forma de um absolutismo da sentença-primitiva.
(...) Pesando os vários pontos mencionados, a segunda forma de linguagem do tipo
B (...) parece ser a mais adequada entre as formas de linguagem atualmente
discutidas na filosofia da ciência (CARNAP, 1932a, p. 469-470).

Neste ponto, parece ser o passo definitivo da aceitação de Carnap às outras


formas de linguagem, em particular, da linguagem fisicalista de Neurath. Podemos dizer que
ele rompe com aquilo que chama de absolutismo, na teoria do conhecimento, e apresenta um
ponto de vista “convencionalista” quanto à forma lógica da ciência. A partir desse momento,
ele passa a desqualificar a discussão da maneira como estava sendo conduzida no Círculo de
Viena e a defender a tese de que “não é nosso negócio criar proibições, mas chegar a
convenções” (1937, p. 51) 13. Essa atitude de Carnap, em suas obras posteriores, receberá o
nome de “Princípio de Tolerância”. Para ele, devemos substituir as proibições pelo
esclarecimento das suposições de cada linguagem.
Fazendo a escolha pela forma de linguagem semelhante à apresentada por
Neurath, Carnap aceita que as sentenças básicas da ciência sejam revisáveis e admite o
requisito da coerência do sistema. Marca-se aqui um novo projeto de Carnap: desenvolver a
sintaxe lógica da linguagem, isto é, a identificação da filosofia com a “análise sintática da
linguagem”. Esse projeto foi desenvolvido em sua obra a “Sintaxe Lógica da Linguagem” de
1934, trataremos dela no próximo capítulo.

13
Destaque do autor.
Capítulo II

A Análise Sintática da Linguagem segundo Rudolf Carnap


CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 35

2. Introdução

Neste capítulo, focaremos na obra de Carnap, “Sintaxe Lógica da Linguagem”,


escrita por volta de 1932 e 1933. A primeira edição alemã desta apareceu em 1934 e uma
segunda versão em inglês, revisada e aumentada, foi elaborada durante o ano de 1936 e
publicada em 193714. A partir disso, procuraremos apresentar e examinar a identificação da
filosofia com a análise sintática da linguagem, que Carnap transpareceu na seguinte citação:

Mas o que resta, então, para a filosofia, se todas as sentenças que afirmam alguma
coisa são de natureza empírica e pertencem à ciência factual? O que resta não são
sentenças, nem uma teoria, nem um sistema, mas apenas um método: o método da
análise lógica (...). No seu uso positivo, o método da análise lógica serve para
clarificar conceitos e sentenças com significado, para lançar os fundamentos lógicos
da ciência factual e da matemática. (...) É esta tarefa de análise lógica, de
investigação dos fundamentos lógicos, que se pretende referir com a expressão
“filosofia científica”, por contraste com a metafísica. (CARNAP, 1932b, p. 77).15

Na busca de restituir à filosofia a tarefa de abrigar apenas as sentenças com


sentido, isto é, as sintéticas e analíticas, Carnap lhe incumbiu de estudar um ramo da lógica,
chamada por ele de “lógica da ciência”. “A lógica da ciência toma o lugar do inextricável
emaranhado de problemas que é conhecido como filosofia” (1937, p. 279)16. Desse modo,
caberia à filosofia, enquanto lógica da ciência, a análise sintática da linguagem, isto é, ela
seria apenas a clarificação da estrutura da linguagem.
Como exemplo, Carnap propõe a construção de uma linguagem, chamada
Linguagem II, na qual as sentenças sintéticas e analíticas só teriam sentido se pudessem ser
expressas, ou traduzidas, em um sistema linguístico fisicalista e lógico-matemático. Esse
sistema pode ser entendido como a linguagem de que a física se utiliza, ou seja, aquela que se
ocupa das estruturas e relações dos objetos da física fazendo referência apenas a processos no
espaço e no tempo; e como a linguagem de que a lógica-matemática se utiliza, ou seja, aquela
que se ocupa das estruturas e relações de símbolos lógicos ou matemáticos, os quais não
fazem nenhuma referência extralinguística. Apenas essas sentenças, expressadas ou traduzidas
nesse sistema, pertencerão à lógica da ciência, serão chamadas de “sentenças sintáticas” e
constituirão o “modo formal do discurso” (1937, p. 238 e 280).
14
Usaremos como referência bibliográfica a obra traduzida para o inglês, Logical Syntax of Language, de 1937.
15
Grifos do autor.
16
Grifos do autor.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 36

Desse modo, a análise sintática da linguagem consiste na tradução das


declarações filosóficas para o modo formal do discurso – em sentenças sintáticas – e,
consequentemente, a tradução é o critério que separa as sentenças com sentido da lógica da
ciência das que são desprovidas deste (1937, p. 284).
Com efeito, na obra a “Sintaxe Lógica da Linguagem”, a análise carnapiana é
apresentada de maneira estritamente sintática. Influenciado pelos componentes do Círculo de
Viena, Carnap via com suspeição a possibilidade da análise da linguagem de outro modo além
do sintático. No entanto, problemas ficarão evidentes, principalmente, o tratamento das
sentenças sintéticas desvinculadas dos objetos extralinguísticos e a rejeição da verdade
extralógica.
Assim, nos próximos tópicos, procuraremos desenvolver um aprofundamento
sobre essa análise sintática da linguagem de Carnap, procurando destacar os problemas em
assumi-la.

2.1 Linguagem I, Linguagem II e Sintaxe Geral

O objetivo de Carnap, em sua obra a “Sintaxe Lógica da Linguagem” era dar


uma exposição sistemática da “análise sintática da linguagem” (1937, p. xiii), isto é, um
método que pudesse explicar, com clareza e exatidão, as sentenças e as relações entre elas,
sem fazer nenhuma referência extralinguística. De modo mais geral, a análise sintática da
linguagem devia prover com exatidão uma sintaxe lógica que estabelecesse regras de
construção e dedução de sentenças através da manipulação puramente simbólica sem
nenhuma referência extralinguística.
O trabalho de Carnap pode ser visto como uma investigação, de grande rigor
metodológico, sobre a natureza da linguagem. Ele considerava que as sentenças, definições e
regras da sintaxe, de uma linguagem, eram relativas à forma dessa linguagem (1937, p. 3).
Para Carnap, como também para Alfred Tarski17, as línguas naturais eram um
meio inadequado para a expressão da filosofia e procurava construir uma linguagem mais
apropriada a esse fim (1937, p. 2).

17
Cf. TARSKI, 1933, p. 153.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 37

Tanto em oposição à linguagem da logística18 quanto à linguagem estritamente


científica, a língua natural contém sentenças cujos caracteres lógicos (...) não
dependem apenas de sua estrutura sintática, mas também de circunstâncias extra-
sintáticas. (...) No que segue, nós lidaremos apenas com linguagens que não
contenham nenhuma expressão que dependa de fatores extralinguísticos.
(CARNAP, 1937, p. 168).19

O intento de Carnap pode ser visto como a busca por traduzir de maneira mais
clara todas as declarações filosóficas proferidas através da língua natural por meio da
construção de uma sintaxe geral aplicável a qualquer linguagem, chamada de “lógica da
ciência” (1937, p. 153 e 282).

Aparte das questões das ciências individuais, apenas as questões da análise lógica da
ciência, de suas sentenças, termos, conceitos, teorias, etc., são deixadas como
questões genuinamente científicas. Nós chamaremos este complexo de questões de
lógica da ciência. (...) Então, de acordo com essa visão, uma vez que a filosofia está
purificada de todo elemento não científico, apenas a lógica da ciência permanece.
(...) a lógica da ciência toma o lugar do inextricável emaranhado de problemas que
é conhecido como filosofia. (CARNAP, 1937, p. 279).20

A ambicionada lógica da ciência, que serve de sintaxe base para as linguagens,


dever ser uma espécie de cálculo sintático com aparatos suficientes para uma manipulação
regrada de símbolos e capaz de alcançar formulações exatas e provas rígidas. Era
precisamente essa abordagem sintática que caracterizava a noção de “linguagem formalizada”
para Carnap. Assim, o método “formal” da análise sintática da linguagem era o método
sintático, isto é, pura manipulação simbólica sem referências extralinguísticas.

Por cálculo entende-se um sistema de convenções ou regras do seguinte tipo. Essas


regras dizem respeito a elementos – chamados símbolos – a respeito de cuja
natureza e relações não se assumem nada além do fato de que estão distribuídos em
várias classes. Qualquer série finita de símbolos é uma expressão do cálculo em
questão. (...) Quando sustentamos que a sintaxe lógica considera a linguagem como
cálculo, não queremos dizer que a linguagem não é nada mais que um cálculo. Nós
apenas queremos dizer que a sintaxe está relacionada com a parte da linguagem que
tem os atributos de um cálculo, isto é, está restrita ao aspecto formal da linguagem
(CARNAP, 1937, p. 4-5).21

A linguagem como cálculo possui um vocabulário e uma sintaxe, isto é, um


conjunto de símbolos e as regras de formação e de transformação. Para Carnap, símbolos são
quaisquer elementos, de natureza variada, instituídos como objetos de manipulação das regras

18
Logística se refere à lógica moderna iniciada por Frege e que estava sob forte influência do Principia
Mathematica de Russell e Whitehead.
19
Grifos do autor.
20
Grifos do autor.
21
Grifos do autor.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 38

sintáticas. Segundo ele: “não assumiremos que símbolo (...) designe qualquer coisa” (1937, p.
5), afirmando que não se deve supor que os símbolos tenham referência extralinguística.
Fixados os símbolos de uma linguagem, a sintaxe desta diz respeito às
possíveis estruturas e relações de ordem e tipo dos símbolos. Os símbolos quando colocados
em série formam as expressões. Uma expressão da linguagem é chamada de sentença quando
consiste em tal e tal modo, de símbolos de tal e tal tipo, ocorrendo em tal e tal ordem (1937, p.
4).

(...) o desenvolvimento da lógica durante os últimos dez anos mostrou claramente


que ela só pode ser estudada com algum grau de acuidade quando baseada, não em
juízos (pensamentos, ou conteúdo de pensamentos), mas em expressões linguísticas,
das quais as sentenças são as mais importantes, porque apenas para elas é possível
estabelecer regras rigorosamente definidas. E de fato, na prática, todo lógico desde
Aristóteles, ao estabelecer regras, lidou principalmente com sentenças. (CARNAP,
1937, p. 1).

As regras de formação e de transformação definidas por Carnap (1937, p. 38 e


169) como regras de “consequência direta”, contêm as informações sintáticas que
caracterizam a linguagem como cálculo.

Assumiremos que a definição de ‘consequência direta’ será dada na seguinte forma:


“ 1 [uma expressão] é dita uma consequência direta de 1 [uma classe de
expressões] em S se: (1) 1 e todas as expressões de 1 têm uma das seguintes
formas: ... ; e (2) 1 e 1 satisfazem uma das seguintes condições: ...”. A definição,
assim, contém sob (1) as regras de formação e sob (2) as regras de transformação de
S. (CARNAP, 1937, p. 169).22

A tarefa das regras de formação é a construção da definição de sentenças, ou


seja, ela estabelece quais expressões da linguagem são consideradas sentenças elementares e
determina as operações para formação de sentenças compostas23. Por sua vez, as regras de
transformação estabelecem quando uma sentença pode ser derivada (deduzida) diretamente de
um conjunto de outras sentenças (as premissas).
Alguns lógicos admitem apenas regras definidas de transformação, ou seja,
aquelas que permitem a derivação de uma sentença (conclusão) a partir de um conjunto finito
de premissas, mas, nas linguagens que Carnap se propusera a construir há também a admissão
de “regras indefinidas de transformação”, isto é, as que permitem a derivação de uma
sentença a partir de um conjunto infinito de premissas. Por exemplo, suponhamos os

22
Destaque do autor e colchetes nossos.
23
Carnap define sentenças compostas como sentenças que podem ser construídas a partir de sentenças
elementares por meio de aplicações finitas de operações de regras de formação.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 39

predicados numéricos “número par” e “número ímpar”, representados simbolicamente por

“Px” e “Ix”, respectivamente, onde x é uma variável numérica. A sentença “(∀x)(Px ∨ Ix)”
pode ser deduzida das classes infinitas de sentenças: CP = {P0, P2, P4, P6, P8, ..., Pn, ...},
onde n é um número natural par (para facilitar, vamos admitir que zero pertença ao conjunto
dos números pares), e CI = {I1, I3, I5, I7, ..., Im, ...}, onde m é um número natural ímpar.
Carnap dividiu as regras de transformação definidas e indefinidas em dois
métodos dedutivos (1937, p. 99-100):

1. Método de derivação (ou d-método): admite apenas regras definidas.


2. Método de consequência (ou c-método): admite regras definidas e indefinidas.

Sua motivação em definir regras indefinidas estava relacionada à busca de um


critério completo de validade para a matemática clássica (funções com argumentos reais e
complexos, o cálculo infinitesimal, a teoria dos conjuntos, etc.). As regras definidas permitem
a definição de conceitos que dependem de um número finito de passos e uma classe finita de
premissas, como “demonstrável” e “refutável”, por outro lado, as regras indefinidas permitem
a definição de conceitos que dependem de um número infinito de passos e de uma classe
infinita de premissas, como “analítico” e “contraditório” (a definição desses conceitos será
apresentada mais adiante).
Enfim, como exemplo da estrutura de uma linguagem, Carnap cita toda
disciplina matemática bem determinada e o sistema de regras do xadrez (1937, p. 5). Neste
caso, as peças do jogo são os símbolos; as regras de formação determinam a posição das
peças, ou seja, funcionam como se fossem as sentenças da linguagem, assim, dependendo da
ordem (posição) da peça representa uma sentença elementar ou composta; e as regras de
transformação determinam os movimentos das peças que são permitidos, isto é, as
transformações (movimentos) admissíveis de uma posição em outra, ou seja, como deduzir de
sentenças (posições de uma peça) uma outra sentença (outra posição).
Carnap ainda distinguiu a sintaxe de uma linguagem em “pura” ou “descritiva”.
A sintaxe pura nada mais é que uma análise combinatória de símbolos, por exemplo, a sintaxe
que a lógica-matemática se utiliza, ou seja, aquela que se ocupa com as estruturas e relações
de símbolos lógicos ou matemáticos, os quais não fazem nenhuma referência extralinguística.
Por sua vez, a sintaxe descritiva está relacionada com as propriedades e relações sintáticas de
expressões empíricas, por exemplo, a sintaxe que a linguagem fisicalista se utiliza, ou seja,
aquela que se ocupa com as estruturas e relações sintáticas dos objetos da física, isto é,
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 40

fazendo referência apenas a processos no espaço e no tempo (1937, p. 7 e 284). Como


exemplo desta distinção, Carnap afirma que a sintaxe descritiva está relacionada com a
sintaxe pura, assim como geometria física está relacionada com a geometria da matemática
pura (1937, p. 7). E também afirma: “Sintaxe, pura e descritiva, nada mais é que a matemática
e a física da linguagem.” (1937, p. 284).
Com efeito, a análise sintática da linguagem adotada por Carnap assume uma
natureza bastante específica: trata-se de construir linguagens formalizadas ou, mais
precisamente, de estudar o modo de construção da sintaxe das linguagens, bem como as
próprias linguagens resultantes, em suas diferentes características. Em particular, essa
trajetória foi importante para mostrarmos a base das linguagens que ele se propusera a
construir – a Linguagem I e a Linguagem II – e uma Sintaxe Geral que serviria para qualquer
linguagem.
Primeiramente, ele construiu uma linguagem específica, denominada
“Linguagem I”, possuindo uma linguagem formalizada da lógica essencialmente elementar,
capaz de exprimir uma porção limitada da aritmética elementar dos números naturais. A
limitação consiste especialmente no fato que são admitidas apenas propriedades numéricas
definidas (regras definidas de transformação), ou seja, apenas aquelas determinadas mediante
uma série finita de sentenças.
Depois, ele construiu uma segunda linguagem muito mais rica, denominada
“Linguagem II”, que compreende a Linguagem I como sublinguagem (todos os símbolos e as
sentenças de I), conceitos do c-método, toda a matemática clássica (funções com argumentos
reais e complexos, o cálculo infinitesimal, a teoria dos conjuntos, etc.) e, além disso,
sentenças da física (CARNAP, 1937, p. 11 e PASQUINELLI, 1983, p. 53). A Linguagem II
contém uma sintaxe pura e descritiva, pois além de conter expressões da matemática e da
lógica, ela proporciona a possibilidade de construção de sentenças relativas a qualquer
domínio de objetos (1937, p. 11 e 181-182).
Por fim, na parte IV, Carnap procurou construir a “Sintaxe Geral”, em suas
palavras (1937, p. 167): “Nesta seção, tentaremos construir uma sintaxe das linguagens em
geral, ou seja, um sistema de definições de termos sintáticos que seja abrangente o suficiente
para ser aplicável a absolutamente qualquer linguagem”24. Em outras palavras, a sintaxe geral
é uma teoria geral da manipulação simbólica, que visa a estabelecer um conjunto de regras,
referidas a símbolos, que se articulem de modo a permitir a formação de sentenças e

24
Grifos do autor.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 41

estabelecer as relações entre estas, aplicável a qualquer linguagem. Porém, como Carnap
afirma em sua autobiografia, essa “Sintaxe Geral” não foi nada mais que um esquema
programático para um futuro trabalho, que foi tratado de maneira fragmentada e, às vezes, não
totalmente satisfatória (1963, p. 104).
Enfim, Carnap apresentou a análise sintática da linguagem relativa às duas
linguagens e à Sintaxe Geral e, quando necessário, destacaremos em qual delas a nossa
discussão estará envolvida. No próximo tópico, apresentaremos a sintaxe pura e a sintaxe
descritiva que são necessárias para a construção do modo formal do discurso.

2.2 Modo Formal do Discurso

Para Carnap, a tradução das declarações filosóficas para o modo formal do


discurso era o critério que separava as sentenças com sentido da lógica da ciência das outras,
em particular, das sentenças metafísicas (1937, p. 284). Nesse sentido, a análise sintática da
filosofia deve ser entendida como a clarificação da estrutura da lógica da ciência e esta é
realizada mostrando como construir as sentenças sintáticas e fazendo claras as relações entre
elas.
Manter essa análise sintática da filosofia não seria uma tarefa fácil de defender,
visto que as declarações filosóficas parecem falar sobre tipos de entidades como relação,
qualidade, número, significado e assim por diante, que não são formas linguísticas, para
resolver essa situação, Carnap dividiu as sentenças tratadas em qualquer campo teórico em
“sentenças-objetos”, “sentenças lógicas” e “sentenças quase-sintáticas” (PASSMORE, 1957,
p. 379).
As sentenças-objetos são entendidas como aquelas que estão relacionadas com
os objetos do domínio em consideração, tais como investigações que dizem respeito às suas
propriedades e relações. Por outro lado, as sentenças lógicas não se referem diretamente aos
objetos, mas às sentenças, termos, teorias, e assim por diante, que se referem aos objetos. Em
certo sentido, as sentenças lógicas são também sentenças-objetos, desde que se refiram ao
domínio da lógica e da matemática.
Um exemplo ilustrativo da diferença entre sentenças-objetos e sentenças
lógicas, pode ser visto em relação ao domínio da zoologia: as sentenças-objetos dizem
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 42

respeito às propriedades dos animais, às relações destes uns com os outros e com demais
objetos; por outro lado, as sentenças lógicas dizem respeito às sentenças da zoologia e às
conexões lógicas entre elas, aos caracteres lógicos das definições ocorrendo naquela ciência,
aos caracteres lógicos das teorias e hipóteses que podem ser (ou tenham sido) desenvolvidas,
e assim por diante (1937, p. 277).
Para Carnap, as frequentes obscuridades presentes nas declarações filosóficas
eram devidas ao uso do “modo material do discurso”, isto é, a forma como expressamos as
declarações filosóficas usando a língua natural. O hábito de formular sentenças, neste modo
de discurso, fazem-nos pensar que estamos lidando com objetos extralinguísticos tais como
números, coisas, propriedades, experiências, estados de coisas, espaço, tempo, verdade,
designação etc. O “modo material do discurso” é constituído de sentenças quase-sintáticas que
são aquelas que não são genuinamente sintáticas (1937, p. 239). Uma vez que fosse possível
traduzir as sentenças quase-sintáticas para sentenças sintáticas em uma determinada
linguagem, Carnap considerava que as disputas filosóficas desapareceriam.
Desse modo, uma sentença lógica, ou uma sentença-objeto, ou um sentença
quase-sintática só terá sentido se puder ser expressa ou traduzida através da sintaxe pura ou
descritiva da linguagem em questão. Apenas essas sentenças expressas ou traduzidas nessa
linguagem pertencerão à lógica da ciência, serão chamadas de “sentenças sintáticas” e
constituirão o “modo formal do discurso” (1937, p. 238 e 280).
A tentativa, ou a efetiva tradução dessas sentenças para sentenças sintáticas,
permite a classificação delas em sentenças analíticas, ou sentenças sintéticas, ou pseudo-
sentenças (sentenças sem sentido). Para um melhor esclarecimento dessa classificação,
trataremos, nos próximos tópicos, separadamente, das sentenças lógicas, sentenças-objetos e
sentenças quase-sintáticas.

2.2.1 Sentenças Lógicas

Com relação às sentenças lógicas, é garantido pelo Teorema 34e.11 (1937, p.


116) que todas elas são L-determinadas, ou seja, são: ou sentenças analíticas, ou
contraditórias. Como as sentenças lógicas se referem ao domínio da lógica e da matemática,
suas traduções para sentenças sintáticas são necessárias apenas para decidir quais são
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 43

verdadeiras logicamente e quais são falsas logicamente dentro da linguagem em questão.


Essas regras de tradução da sintaxe pura, chamadas de Conceito de Analiticidade, foram
apresentadas de maneiras diferentes na Linguagem I, Linguagem II e Sintaxe Geral.
Na verdade, Carnap não desenvolveu um conceito absoluto de analiticidade,
ele define os termos “demonstrável”, “analítico” e “válido” e a negação desses termos,
respectivamente, refutável, contraditório e contraválido, sempre relativos a uma linguagem. A
diferença entre esses termos está relacionada aos conceitos de consequência e derivação, em
que as definições de alguns são do d-método, chamados de d-termos, e outros do c-método,
chamados de c-termos, e, consequentemente, são utilizados em linguagens específicas. Além
disso, Carnap apresenta uma tabela que mostra a correspondência entre cada termo (1937, p.
101):

d-termos c-termos
(depende do método de derivação) (depende do método de consequência)
Derivação Consequência
Demonstrável Analítico
Refutável Contraditório

De maneira particular, os conceitos de analítico e de válido (e de suas


negações, contraditório e contraválido) coincidem nas Linguagens I e II, pois pertencem ao c-
método. Carnap justifica a criação do termo “válido”, pois convém que “analítico” seja
exclusivo para linguagens que contenham apenas regras de transformação (como na
Linguagem I e II), enquanto que “válido” deve ser usado para linguagens que apresentem,
além das regras de transformação, também as regras da física, tais como as leis naturais
(1937, p. 173-174 e 175).
Na Linguagem I, que exprime uma porção limitada da aritmética elementar dos
números naturais, Carnap definiu, primeiramente, o conceito de derivação, para então definir
os outros conceitos: demonstrável e refutável. O filósofo chega a comentar, rapidamente, que
uma sentença é analítica quando é logicamente e universalmente verdadeira, mas afirma, em
seguida, que esse conceito seria discutido posteriormente, fazendo referência à construção
deste na Linguagem II, em que há a expressão de toda a matemática clássica (1937, p. 28). Os
conceitos citados são assim definidos:
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 44

Derivação (d-método):
Definição: A derivação de um conjunto de premissas 1, 2, ..., m (este conjunto é sempre
finito e pode ser zero), é uma série de sentenças de qualquer tamanho finito, tal que toda
sentença da série é uma das premissas, ou uma definição25, ou derivável diretamente26 de uma
ou mais das sentenças que a precede na série. Se n é uma sentença final de uma derivação
com as premissas 1, 2, ..., m, então n é dito derivável de 1, 2, ..., m (1937, p. 28).

Demonstrável (d-método):
Definição: uma sentença é demonstrável quando é derivável de uma série nula de premissas e,
por isso, de qualquer sentença (1937, p. 28). Uma derivação sem premissas é chamada uma
“prova”. Uma prova é uma série de sentenças, das quais cada uma é uma sentença primitiva27,
ou uma definição, ou é diretamente derivável das sentenças que as precedem na série. A
sentença final de uma prova é chamada de uma sentença demonstrável (1937, p. 29).

Refutável (d-método):
Definição: uma sentença é refutável quando sua negação é demonstrável (1937, p. 28).

Na Sintaxe Geral, há o mesmo procedimento da Linguagem I, mas com a


diferença de que é definido o conceito de “consequência”, que é uma regra de transformação
indefinida, isto é, que permite a derivação (consequência), de uma sentença a partir de um
conjunto infinito de sentenças (c-método), ao invés do conceito de “derivação” da Linguagem
I, que é uma regra de transformação definida, a qual permite a derivação de uma sentença a
partir de um conjunto finito de sentenças (d-método). Assim, Carnap definiu, primeiramente,
“consequência”, para então, construir os outros conceitos: válido e contraválido.

Consequência (c-método):
Definição: Uma sentença 1 é chamada uma consequência da classe de sentenças 1 (a classe
pode ser finita ou infinita), se 1 pertence a toda a classe sentencial i que satisfaça as

25
Uma definição explícita (CARNAP, 1937, p. 23) consiste de uma sentença da forma “ℨ1 = ℨ2” ou “ 1 ≡ 2”,
onde ℨ1 (uma expressão numérica) ou 1 (uma sentença) é chamado definiendum, e contém o símbolo que está
sendo definido, e ℨ2 ou 2 é chamado definiens. O símbolo “=” representa a identidade entre expressões
numéricas e “≡” representa a equivalência entre sentenças (CARNAP, 1937, p. 49).
26
3 é dito “diretamente derivável” de 1 ou de 1 e 2, quando, com a ajuda de uma das regras de inferência
(são apresentadas 4 regras de inferência na Linguagem I, cf. CARNAP, 1937, p. 32), 3 pode ser obtida de 1,
ou de 1 e 2.
27
Segundo Carnap, é usual não formular todo o sistema de regras de inferência, completando esse sistema com
sentenças demonstráveis na base do sistema total de regras que são chamadas sentenças primitivas. A escolha
dessas regras e sentenças primitivas é arbitrária. O sistema pode ser alterado omitindo uma sentença primitiva e
estabelecendo, no seu lugar, uma regra de inferência, e inversamente. (CARNAP, 1937, p. 29). Ele apresenta um
esquema de sentenças primitivas para a Linguagem I, cf. CARNAP, 1937, p. 30.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 45

seguintes duas condições: 1. 1 é uma subclasse de i; 2. Toda sentença que seja uma
consequência direta de uma subclasse de i pertence a i. (1937, p. 172).

Válido (c-método):

Definição: uma sentença é válida quando é consequência de uma série nula de premissas
(1937, p. 173-174).

Contraválido (c-método):
Definição: uma sentença é contraválida quando sua negação é válida (1937, p. 174).

Por outro lado, procedimento diferente foi apresentado na Linguagem II, na


qual o termo “consequência” foi definido posteriormente ao conceito de analítico e
contraditório. A esse respeito, Alberto Coffa comenta: “A segunda estratégia para definir
verdade e consequência em LSL [Sintaxe Lógica da Linguagem] aparece na seção 34, quando
analiticidade é definida para a Linguagem II. (...) Carnap nunca explicou a razão para essa
mudança de estratégia, (...)” (1987, p. 550)28. Porém, a razão de Carnap era técnica, ou seja, a
única estratégia capaz de alcançar seus objetivos, a saber, o de circunscrever a classe de
sentenças analíticas de toda a matemática clássica (1937, p. 98-102).
A Linguagem I possui apenas regras definidas de transformação e, a partir do
conceito de derivação, foi possível definir o conceito de “demonstrável” e “refutável”, que
representam a noção de prova formal dessa linguagem. No entanto, um jovem lógico-
matemático, chamado Kurt Gödel, publicou em 1931 resultados revolucionários em relação a
linguagens capazes de exprimir uma porção limitada da aritmética elementar dos números
naturais. Esses resultados podem ser enunciados, de modo aproximado, da seguinte maneira:

Teorema I: Todo sistema consistente da aritmética é incompleto.

Um sistema é dito consistente quando uma sentença deste e sua negação não
são verdadeiras ao mesmo tempo nesse sistema. E um sistema é dito ser completo, quando
qualquer sentença, , formulável neste, é tal que ou sua negação é demonstrável nesse
próprio sistema; em caso contrário, esse sistema é dito incompleto. Tal teorema de Gödel
significa, portanto, que existem sentenças aritméticas tais que nem elas, nem suas negações,
são demonstráveis no sistema da aritmética que se adotar (como, no caso, da Linguagem I).

28
Os colchetes são nossos.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 46

Essas sentenças são chamadas indecidíveis no sistema considerado. Assim, em qualquer


sistema consistente da aritmética existem sentenças indecidíveis.
Como uma sentença e sua negação constituem enunciados contraditórios, uma
delas é necessariamente verdadeira, lembrando que, no caso da Linguagem I, toda sentença
lógica é analítica (verdadeira logicamente) ou contraditória (falsa logicamente) (CARNAP,
1937, p. 40). Em consequência, existem sentenças aritméticas verdadeiras, formuláveis em
dado sistema da aritmética, mas que não são demonstráveis no mesmo, e isso se verifica em
qualquer que seja o sistema em questão, como na Linguagem I. Frisemos, pois, que este fato
não constitui imperfeição deste ou daquele sistema consistente, porém é inerente a qualquer
um deles (COSTA, 1977, p. 37).
Assim, o critério de validade, baseado apenas nos d-termos, demonstrável e
refutável, não consegue classificar todas as sentenças lógicas do sistema, sempre haverá
sentenças que não são nem demonstráveis, nem refutáveis, mas que são verdadeiras.
Apesar disso, Carnap desejava encontrar um critério completo de validade para
a Linguagem II, isto é, um método que pudesse classificar todas as sentenças lógicas do
sistema: tanto as demonstráveis e refutáveis, quanto as não demonstráveis e não refutáveis.
Então, ele construiu na Linguagem II os conceitos de analítico e contraditório que
representam, segundo ele, um critério completo de validade lógica. Esses conceitos podem ser
definidos independentes do conceito de consequência e, após definido consequência, é
possível relacioná-los. No que segue, apresentaremos o conceito de analiticidade, a definição
de consequência e a relação entre eles, o que Carnap empreendeu fazer na construção da
Linguagem II.
Sua ideia foi construir o conceito de analiticidade através dos conceitos de
redução, valoração e avaliação. Em resumo, uma sentença será chamada sentença analítica
quando tais e tais outras sentenças lógicas cumprirem certas condições – por exemplo, essas
sentenças forem analíticas – de tal forma que esse processo de referências sucessivas chegue
ao fim em um número finito de etapas. Procederemos de uma sentença para sentenças mais
simples, isto é, de uma sentença para sua “sentença reduzida”, para então verificarmos os
possíveis valores que essas sentenças mais simples podem assumir e concluirmos seu status
sintático (se é analítico ou contraditório). Por exemplo, se z ocorre como uma variável livre
em uma sentença aberta , então nós chamaremos de analítico, quando e somente quando,
todas as sentenças fechadas, obtidas pela substituição da variável z por certos valores, são
analíticas.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 47

Uma sentença é dita reduzida quando pode ser transformada em uma forma
padrão (usualmente mais simples), a partir das 9 regras: RR 1-9. Trata-se de um procedimento
que permite converter qualquer sentença dada em outra sintaticamente equivalente, adequada
ao prosseguimento das etapas seguintes. Essa padronização permite visualizar as
características lógicas importantes de uma sentença, para usá-las de maneira simplificada e
organizada. Apresentaremos um resumo das 9 regras (1937, p. 103-105):

RR 1: Todo símbolo definido deve ser eliminado com ajuda de sua definição (na Linguagem
II, todas as definições são explícitas).29

RR 2: Regras para construção da forma padrão das expressões:


a. 1≡ 2 deve ser substituído por ( 1 → 2)∧( 2 → 1).

b. 1 → 2 deve ser substituído por ~ 1 ∨ 2.

c. ~( 1 ∨ 2) deve ser substituído por ~ 1 ∧~ 2.

d. ~( 1 ∧ 2) deve ser substituído por ~ 1 ∨~ 2.

e. 1 ∨( 2 ∧ 3) ou ( 2 ∧ 3) ∨ 1 deve ser substituído por ( 1 ∨ 2) ∧( 1 ∨ 3).

RR 3: Regras para expressões com dois ou mais termos com disjunção e conjunção:
a. Se dois termos de uma disjunção (ou conjunção) são iguais, então, o primeiro deve ser
cancelado.
b. Se 1 é uma disjunção (ou uma conjunção), da qual os dois termos tem a forma 2 e
~ 2, então, 2 deve ser substituído por , o modelo das sentenças analíticas (ou ~ , o
modelo das sentenças contraditórias, respectivamente)30.
c. Se 1 é uma disjunção da qual um membro é , então 1 deve ser substituído por .
d. O termo ~ de uma disjunção deve ser cancelado.
e. O termo de uma conjunção deve ser cancelado.
f. Se 1 é uma conjunção da qual um membro é ~ , então 1 deve ser substituído por
~ .

29
Um símbolo definido na Linguagem II é uma constante indefinida ou uma constante definida através de uma
cadeia de definições das quais nenhum operador ilimitado ocorre (cf. CARNAP, 1937, p. 45). Uma definição
explícita consiste de uma sentença da forma “ 1 ≡ 2”, onde 1 (uma sentença) é chamado definiendum, e
contém o símbolo que está sendo definido, 2 é chamado definiens (cf. CARNAP, 1937, p. 23). Uma vez que
toda definição é explicita na Linguagem II, é possível eliminar um símbolo definido, ocorrendo em 1, através
de variáveis quantificadas (cf. CARNAP, 1937, p. 89-90).
30
Carnap designa a “equação-zero”, em símbolos “0=0”, como o símbolo , que ele utiliza como o modelo para
as sentenças analíticas (cf. CARNAP, 1937, p. 84).
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 48

RR 4: Regra para eliminação do quantificador existencial limitado: o quantificador existencial


limitado deve ser convertido em um quantificador universal limitado, isto é,

(∃x)yFx≡¬(∀x)y(¬Fx)31.

RR 5: Regras para equações com expressões:


a. 1= 1 (expressões iguais) deve ser substituído por .
b. ℨ1’ = ℨ2’ (o sucessor de expressões numéricas iguais) deve ser substituído por ℨ1 = ℨ2
(expressões numéricas iguais).
c. 0 = ℨ1’ ou ℨ1’ = 0 (o sucessor de uma expressão numérica igual a zero) deve ser
substituído por ~ .
d. ℨl = ℨd (uma expressão lógica igual a uma expressão descritiva32) deve ser substituído
por ℨd = ℨl.

RR 6: Regras para eliminação de variáveis sentenciais x1:


a. Seja x1 a primeira variável livre de 1(x1). 1(x1) deve ser substituído por
1( )∧ 1(~ ).

b. (∀x) 1(x) deve ser substituído por 1( )∧ 1(~ ).

c. (∃x) 1(x) deve ser substituído por 1( )∨ 1(~ ).

RR 7: Regras para eliminação de operadores de descrição, chamados de K-operadores. Uma


expressão que possui um K-operador é da forma (Kx)y( ) que significa: o menor número até
(e incluindo) y para qual é verdadeiro e quando tal número não existe é zero. Tais
expressões devem ser substituídas, por definição, pela expressão correspondente que
apresenta apenas quantificadores existenciais e universais33.

RR 8: Regras para eliminação do quantificador universal limitado: deve-se eliminar o


quantificador universal limitado, transformando a sentença com quantificador em uma série

31
Cf. Sentenças primitivas PSII9 em CARNAP, 1937, p. 91. A simbologia que utilizamos para os
quantificadores limitados é semelhante ao de Carnap que utiliza as variáveis x e y como os limitantes do
quantificador. Por exemplo, a sentença “(∀x)3(Vermelho(x))” significa o mesmo que:
“Vermelho(0)∧Vermelho(1)∧Vermelho(2)∧Vermelho(3)”, isto é, “toda posição até 3 é vermelha” (cf.
CARNAP, 1937, p. 21).
32
Uma expressão é chamada descritiva quando apresenta predicados descritivos, ou seja, predicados que
expressam propriedades de um objeto linguístico, ou de uma posição, ou uma relação entre vários objetos
linguísticos ou posições, e functors descritivos, ou seja, functors que expressam propriedades e relações de
posição por meio de números; uma expressão é chamada lógica quando não apresentam predicados e functors
descritivos, isto é, aquelas que expressam apenas propriedades e relações lógico-matemáticas. Cf. CARNAP,
1937, p. 13-14 e 25.
33
Cf. CARNAP, 1937, p. 22-23 e 92.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 49

de sentenças. Por exemplo, da sentença do modo material do discurso “x é verde”, que pode
ser traduzido para o modo formal do discurso como “Verde(x)”, formamos a sentença com um

quantificador universal limitado: “(∀x)3[Verde(x)]”, que pela regra pode ser transformada na
sentença “Verde(0)∧Verde(1)∧Verde(2)∧Verde(3)”.

RR 9: Regras para os quantificadores sentenciais ilimitados. A partir das regras anteriores,


apenas quantificadores (existenciais e universais), ilimitados ocorrem como operadores.
a. Os quantificadores devem ser levados para o início da sentença.

b. ~(∀x) 1x deve ser substituído por (∃x)(~ 1x).

c. ~(∃x) 1x deve ser substituído por (∀x)(~ 1x).

A aplicação em um número finito de passos dessas regras sobre uma sentença


1, transforma 1 em 2. Quando nenhuma das regras de redução pode ser mais aplicada à
sentença, então, essa sentença é chamada reduzida ou reductum de e simbolizada por ℛ
1

(1937, p. 105). e ℛ são sempre mutuamente deriváveis, ou seja, a sentença reduzida é


1

equivalente à sentença original, garantindo que o status sintático de ℛ é igual ao status


34
sintático de 1 .

Em seguida, Carnap trata dos possíveis objetos que satisfazem as sentenças


reduzidas. Atribuir valores para as variáveis livres de uma função sentencial sem um critério
tornaria todas elas em sentenças analíticas, assim, ele constrói as regras de “valoração”, VR 1-
2 (1937, p. 108-109), e de “avaliação”, EvR 1-2 (1937, p. 110).
Segundo o filósofo, a “valoração” de uma variável são os possíveis valores que
ela pode assumir. Uma valoração para uma variável numérica é um número, mais
precisamente, uma expressão numérica que representa os números, a valoração para um
predicado de primeira ordem é um conjunto de expressões numéricas. Ele descreve, através
das regras VR 1-2, quais são as classes de valorações possíveis para as variáveis de todos os
tipos lógicos da Linguagem II. A classe de valorações associada a certo tipo lógico fornece,
para os propósitos da definição de analiticidade, a classe dos elementos que as variáveis
daquele tipo lógico podem assumir como valor.
A Linguagem II contém a aritmética, isto é, ela encerra, em seu aparato
sintático, um modelo dos números naturais. Desse modo, abrange os números naturais que são

34 R
Essa equivalência é garantida pelo Teorema 34b.1: 1 e são sempre mutuamente deriváveis. (CARNAP,
1937, p. 105).
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 50

expressos formalmente através da série de expressões numéricas: 0, 0’, 0’’, 0’’’, …, obtida a
partir de “0” pela aplicação reiterada da operação de acrescentar o símbolo “ ’ ”, ou através de
“functors”, ou seja, uma função especial que carrega (ou preserva) as relações e estruturas dos
subconjuntos de objetos de uma categoria para outra definidos como ( ) = ′, e
aplicando ao número “0” obtemos a série: 0, u(0), u( u(0)), … Carnap assume os
elementos da série, os quais chama de “expressões acentuadas”, como o conjunto domínio das
sentenças lógicas (TRANJAN, 2010, p. 250). Isto é, a valoração para termos de ordem zero
(de tipo lógico 0, ou seja, termos individuais35), é sempre uma expressão acentuada, como
afirma a regra VR 1.a. Por exemplo, se “x” designa um variável sintática de ordem zero da
Linguagem II, a classe de valoração de “x” será as expressões acentuadas da linguagem: 0, 0’,
0’’, 0’’’, ...
A valoração para uma expressão argumento rg de n termos, do tipo t1, t2, t3,
..., tn (variáveis sintáticas), é uma classe ordenada de valorações que pertencem aos tipos t1 até
tn respectivamente (regra de valoração VR 1.b). Por exemplo, para uma expressão argumento
com 2 variáveis sintáticas x1 e x2, a classe de valoração de x1 e x2 serão os pares ordenados de
expressões acentuadas, (V1, V2), em que a primeira coordenada V1 é a classe de valoração de
x1 (uma expressão numérica por VR 1.a) e a segunda V2 a classe de valoração de x2 (uma
expressão numérica por VR 1.a).
A valoração para uma sentença r( rg), r indica uma expressão predicado e
rg indica um argumento de tipo lógico t1, cujos termos são do tipo {t1}, é uma classe de
valorações do tipo t1 (regra de valoração VR 1.c). Por exemplo, r( rg) pode ser “Primo(x)”
que significa “x é um número primo”, onde “Primo” é uma expressão predicado e “x” é um
argumento de “Primo” (1937, p. 13-14). Assim, a classe de valoração da variável sintática “x”
seria uma expressão numérica, como “ 0’’’ ”, enquanto a classe de valoração do predicado
“Primo” seria um conjunto de expressões numéricas, como {0’’, 0’’’, 0’’’’’, 0’’’’’’’}.
A valoração para uma sentença u( rg1)= rg2, onde rg1 é do tipo lógico t1
e rg2 é do tipo lógico t2, cujos termos são do tipo (t1 : t2), é uma correlação muitos-para-um
por meio da qual, para toda valoração do tipo t1, exatamente uma valoração do tipo t2 está
correlacionada (regra de valoração VR 1.d). Por exemplo, u( rg1)= rg2 pode ser
“Soma(x1, x2) = x3” que significa “a soma de x1 e x2 é x3” onde “Soma” é um functor e x1, x2 e
x3 são variáveis sintáticas, como x1 = 0’’, x2 = 0’’’ e x3 = 0’’’’’. Assim, a classe de valoração
das variáveis sintáticas são expressões numéricas, enquanto a classe de valoração do functor
35
Carnap apresenta uma classificação dos “tipos” de expressões. Cf. CARNAP, 1937, p. 85.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 51

“Soma” seria o conjunto das tríades ordenadas de expressões numéricas, como {(0, 0’, 0’’),
(0’’, 0’’’, 0’’’’’), (0’, 0’, 0’’)}.
Nesse sentido, o primeiro conjunto de regras de valoração (regras VR 1.a-d)
indica como realizar a construção da classe de valorações de tipos lógicos cada vez mais
elevados com base nas classes de valorações de tipos lógicos mais simples. Todas essas regras
remetem, portanto, à valoração de tipo lógico mais simples, que é a valoração de variáveis
numéricas com expressões acentuadas (TRANJAN, 2005, p. 101).
Carnap fornece ainda um segundo tipo de regras que estabelece de que modo,
dentro de uma sentença, a valoração das expressões deve ser feita. Como o primeiro conjunto
de regras de valoração (VR 1), indicava as classes de valorações associadas a cada tipo lógico,
o segundo conjunto de regras (VR 2), indica quais as restrições quanto à valoração das
expressões de acordo com a função que elas têm dentro de uma sentença. A ideia é garantir
coerência na valoração dos diferentes termos de uma sentença. Em resumo, a regra VR 2.a
afirma que a expressão acentuada “0” será tomada como valoração para expressões numéricas
da forma “0”; Pela VR 2.b, se em uma sentença aparece a variável livre x e, em outra posição
dessa mesma sentença, a expressão “ x’ ” (que indica o sucessor de x), a valoração de x’ fica
determinada pela valoração de x. Se x receber como valoração uma expressão acentuada “ 0’’
”, então x’ deve receber como valoração o sucessor dessa expressão, no caso, “ 0’’’ ”;
Segundo a regra VR 2.c, seja as valorações 1 até n satisfazer os termos 1 até n de uma
expressão, então, a classe ordenada 1, 2, ..., n será tomada como a valoração dessa
expressão; Segundo a regra VR 2. d, primeiramente, seja 1 ser uma expressão da forma
r( rg) e sejam as valorações 1 e 2 satisfizerem r e rg respectivamente, então, a
valoração que está correlacionada por 1 para a valoração 2 será tomada como a valoração
de 1; depois, seja 1 ser uma expressão da forma u( rg1) e sejam as valorações 1 e 2

satisfizerem u e rg respectivamente, então, a valoração que está correlacionada por 1

para a valoração 2 será tomada como a valoração de 1.

A estratégia que permite a Carnap definir as sentenças mais simples e as


compostas e a classe de valorações para todos os tipos lógicos da Linguagem II é a utilização
do “método recursivo”, o qual consiste de uma ou mais regras que especificam os membros
mais básicos de um conjunto particular, seguido por regras que mostram como outros
membros do conjunto são construídos a partir dos membros mais básicos. Tais regras
discursam sobre as sentenças abertas, isto é, nas quais ocorrem variáveis livres, e a
composição de sentenças abertas, mas não sobre as sentenças fechadas (nas quais não
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 52

ocorrem variáveis livres), que serão contempladas na própria definição de analítico e


contraditório. Não podemos afirmar nada em relação às sentenças abertas, isto é, estas não
podem receber um status sintático. Porém, quando as variáveis são substituídas por certas
valorações, a sentença se transforma em uma sentença parcial, isto é, uma afirmação
individual que pode ser diretamente verificada. As regras de avaliação, EvR 1-2, buscam
“avaliar” esse tipo de sentenças. Elas indicam se uma sentença, diante de uma valoração para
suas variáveis, faz uma afirmação correta – caso em que deve ser substituída por , o modelo
das sentenças analíticas – ou faz uma afirmação incorreta – caso em que deve ser substituída
por ~ , o modelo das sentenças contraditórias. Vale ressaltar que essas regras de avaliação
não estão tratando das sentenças quantificadas, as quais serão tratadas apenas na própria
definição de analítico e contraditório. Enfim, as duas regras afirmam o seguinte (1937, p.
110):

EvR 1. Seja a sentença parcial ter a seguinte forma sintática r( rg), isto é, r indica uma
expressão predicado de determinado tipo lógico e rg indica um argumento do tipo lógico
exigido por r; e seja a valoração 1 e 2 satisfazerem rg e r respectivamente. Se a
valoração 1 pertence à valoração 2, então é substituído por ; caso contrário por ~ .

Por exemplo, seja “Primo (A)” uma sentença na qual “Primo” é uma expressão
de predicado numérico e, consequentemente, “A” é uma expressão numérica. Desse modo, a
valoração de A será uma específica expressão acentuada VA, ao passo que a valoração de
Primo será um específico conjunto de expressões acentuadas VP (o conjunto de expressões
numéricas ao qual o predicado se aplica). Por essa regra, as sentenças parciais “Primo(A)”
deverão ser substituídas por , caso VA pertença a VP; caso contrário, deverão ser substituídas
por ~ . Mais especificamente, se tomarmos como valoração para A, por exemplo, o número
“3”, isto é, VA = 0’’’ (como se escolhêssemos o número 3 para o lugar da expressão numérica
A), uma possível valoração para Primo seria VP = {0’’, 0’’’, 0’’’’’, 0’’’’’’’}, ou seja, a
expressão Primo estaria sendo valorada pelo predicado numérico {2, 3, 5, 7}; Assim, a
expressão acentuada “ 0’’’ ” pertence ao conjunto de expressões {0’’, 0’’’, 0’’’’’, 0’’’’’’’},
isto é, valoração VA pertence a VP. No caso dessas valorações, portanto, a regra EvR 1
determina que a sentença Primo(A) seja substituída por . Se A fosse valorada por outra
expressão numérica, digamos “ 0’’’’ ” (VA = 0’’’’), então VA não pertenceria a VP, e a
sentença deveria ser substituída por ~ .
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 53

EvR 2. Seja a sentença parcial ter a seguinte forma sintática 1 = 2, isto é, a forma de
uma definição explícita; e seja a valoração 1 e 2 satisfazerem 1 e 2 respectivamente. Se
a valoração 1 é idêntica à valoração 2, então é substituído por ; caso contrário por ~ .

Em outras palavras, seja a sentença parcial ter a forma sintática “ 1 = 2” e


seja, para cada uma dessas expressões, valorações V 1 eV 2 adequadas aos respectivos tipos
lógicos. Quando V 1 for igual a V 2, ou seja, V 1 e V 2 forem a mesma valoração, a
igualdade “ 1 = 2” transforma-se na igualdade “V 1 = V 2”, diretamente aferível. Desse
modo, essa igualdade deverá ser substituída por somente se as duas valorações, de fato,
forem iguais.
Essas regras tratam apenas de sentenças simples, quando Carnap expande para
sentenças compostas, isto é, uma série de sentenças abertas ou fechadas ligadas por
conectivos lógicos (sem considerar quantificação), ele enuncia o Teorema 34c.1: “Seja 1 ser
uma sentença reduzida sem quantificadores. A avaliação de 1, com base em qualquer
valoração das expressões que ocorrerem, conduz em todo caso, a um número finito de passos,
para o resultado final que é ou ~ ” (1937, p. 110). Por exemplo, suponhamos uma
sentença reduzida composta de uma série de sentenças abertas ou fechadas ligadas por
conectivos lógicos (sem quantificadores), e seja a classe de valorações que satisfazem as
expressões de . Dessa forma, poderemos avaliar cada sentença parcial que compõe e
transformá-la, pelas regras de avaliação, em ou ~ . Como resultado, obteremos uma série
de sentenças ou ~ ligadas entre si por conectivos lógicos. Como a intenção é chegar
apenas em ou em ~ , devemos aplicar as regras de redução novamente até chegar a elas.
Mais especificamente, exemplificando, se uma sentença reduzida tem a forma “ 1 ∧ 2”,

em que 1 e 2 são sentenças simples abertas ou fechadas, e se, para certa valoração das
expressões de , 1 é transformada em ℜ , e 2 é transformada em ~ ℜ ; então, pela regras de
avaliação, é transformada em “ ∧ ~ ”. Aplicando as regras de redução, no caso a regra
RR 3.b, obtemos a sentença ~ .
Finalmente, todo esse aparato técnico vem dar apoio à importante definição de
analiticidade da Linguagem II, que, em resumo, quer dizer o seguinte: A definição de
analítico será estruturada de tal modo que uma sentença será chamada analítica se e,
somente se, toda sentença que resulta de por meio da avaliação na base de uma valoração
for analítica; e será chamada contraditória quando pelo menos uma dessas sentenças
resultantes forem uma sentença contraditória. Carnap (1937, p. 111-112) descreve 3 regras –
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 54

DA 1-3 – para definir analítico e contraditório, as quais começam pela definição que abrange
as classes sentenciais (DA 1), depois as sentenças (DA 2) e, por fim, as sentenças com n
quantificadores (DA 3).

DA 1. Definição de analítico e contraditório para a classe sentencial 1. Distinguimos os


seguintes casos:
A. Nem toda sentença de 1 é reduzida. É condição necessária e suficiente para que 1

seja analítica (ou contraditória), que a classe das sentenças reduzidas das sentenças de
1 seja analítica (ou contraditória, respectivamente).
B. Toda sentença de 1 é reduzida e lógica. É condição necessária e suficiente para que
1 seja analítica que toda sentença de 1 seja analítica. É condição necessária e
suficiente para que 1 seja contraditória que pelo menos uma sentença de 1 seja
contraditória.
C. As sentenças de 1 são reduzidas e pelo menos uma delas é descritiva36.
a. Uma sentença aberta ocorre em 1. Seja 2 ser a classe que resulta de 1

quando substituímos todas as suas sentenças ix1x2...xn pelas sentenças

fechadas (∀x1)(∀x2)...(∀xn)( ix1x2...xn). É condição necessária e suficiente


para que 1 seja analítica (ou contraditória), que 2 seja analítica (ou
contraditória, respectivamente).
b. As sentenças de 1 são fechadas. É condição necessária e suficiente para que
1 seja analítica que todas as sentenças lógicas i de 1, que resultam da
valoração das variáveis (isto é, substituindo todos os símbolos descritivos por
variáveis de tipo lógico adequado – uma mesma valoração para ocorrências
distintas do mesmo termo e valorações diferentes para termos diferentes),
sejam analíticas. É condição necessária e suficiente para que 1 seja
contraditória que para uma arbitrária valoração de todas as variáveis que
ocorram em 1, haja pelo menos uma sentença em 1 que é contraditória em
relação a esta valoração.

36
Uma sentença é chamada de descritiva quando apresenta predicados descritivos e functors descritivos. Cf.
CARNAP, 1937, p. 13-14 e nota 22.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 55

DA 2. Definição de analítico e contraditório para uma sentença 1.

A. 1 não é uma sentença reduzida. É condição necessária e suficiente para que 1 seja
analítica (ou contraditória) que ℛ (a sentença reduzida de
1 1) seja analítica (ou
contraditória, respectivamente).
B. 1 é uma sentença reduzida e aberta (da forma 1x). É condição necessária e
suficiente para que 1 seja analítica (ou contraditória) que a sentença fechada

(∀x)( 1x) seja analítica (ou contraditória, respectivamente).


C. 1 é uma sentença reduzida, fechada e lógica.

a. 1 tem a forma (∀x1)( 2x1). É condição necessária e suficiente para que 1

seja analítica que 2 seja analítica para toda valoração de x1. É condição
necessária e suficiente para que 1 seja contraditória que 2 seja contraditória
para pelo menos uma valoração de x1.

b. 1 tem a forma (∃x1)( 2x1). É condição necessária e suficiente para que 1

seja analítica que 2 seja analítica para pelo menos uma valoração de x1. É
condição necessária e suficiente para que 1 seja contraditória que 2 seja
contraditória para toda valoração de x1.
c. 1 tem a forma ou ~ . É condição necessária e suficiente para que 1 seja
analítica que 1 tenha a forma . É condição necessária e suficiente para que
1 seja contraditória que 1 tenha a forma ~ .
D. 1 é uma sentença reduzida, fechada e descritiva. É condição necessária e suficiente
para que 1 seja analítica (ou contraditória) que a classe contendo apenas a sentença
1, representado simbolicamente por { 1}, seja analítica (ou contraditória,
respectivamente).

DA 3. Definição de analítico e contraditório para uma sentença reduzida 1 em relação à


valoração (essa regra serve de auxiliar para as outras regras DA 1-2). é uma série de
valorações que consiste de uma valoração para cada variável de 1.

A. 1 tem a forma (∀x1)(∀x2)...(∀xn)( 2x1x2...xn). É condição necessária e suficiente


para que 1 seja analítica em relação à valoração quando, para toda valoração 1 de
x1, 2 de x2, ..., n de xn, 2 é analítica em relação à 1, 2, ... e n. É condição
necessária e suficiente para que 1 seja contraditória em relação à valoração
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 56

quando, para pelo menos uma valoração 1 de x1, ou 2 de x2, ..., ou n de xn, 2 é
contraditório em relação à 1, ou 2, ..., ou n.

B. 1 tem a forma (∃x1)(∃x2)...(∃xn)( 2x1x2...xn). É condição necessária e suficiente para


que 1 seja analítica em relação à valoração quando, para pelo menos uma
valoração 1 de x1, 2 de x2, ..., n de xn, 2 é analítica em relação à 1, 2, ... e n.

É condição necessária e suficiente para que 1 seja contraditória em relação à


valoração quando, para toda valoração 1 de x1, 2 de x2, ..., n de xn, 2 é
contraditório em relação à 1, 2, ..., n.

C. 1 não contém quantificadores. É condição necessária e suficiente para que 1 seja


analítica (ou contraditória) em relação à valoração quando o resultado da avaliação
de 1 na base de é (ou ~ , respectivamente).

Desse modo, a definição de analiticidade, tendo por base as regras de valoração


e avaliação, classifica todas as sentenças lógicas não demonstráveis da Linguagem II em
analítico ou contraditório.
Tendo estabelecido o conceito de sentença analítica e contraditória, Carnap
parte para a definição de “consequência” para a Linguagem II. Para isso, ele se utiliza do
conceito de incompatível e compatível: “Duas ou mais sentenças são chamadas incompatíveis
(uma com a outra), quando a classe constituída por elas é uma classe contraditória. Caso
contrário, são chamadas compatíveis”. E, em seguida, define consequência: “uma sentença é
uma consequência lógica de outras sentenças se, e somente se, sua antítese for incompatível
com essas sentenças” (1937, p. 117). E, também define simbolicamente: “uma sentença 1 é
chamada uma consequência da classe de sentenças 1 em II, se 1 +

{~(∀x1)(∀x2)...(∀xn)( ix1x2...xn)}37 é contraditória”. A ideia, contida nessa definição, é que


ao considerarmos uma sentença 1 sendo consequência de outras sentenças, no caso, de uma
classe de sentenças 1, é necessário que a classe 1 não seja contraditória quando
adicionamos a sentença 1. Por exemplo, suponhamos que 1 seja uma sentença analítica e
que 1 seja analítica e deduza 1, então, é de se esperar que o conjunto formado por 1 ea
negação de 1 seja contraditório.

37
A expressão “ 1 + {~(∀x1)(∀x2)...(∀xn)( ix1x2...xn)}” representa a classe de sentenças 1 acrescida da
sentença “~(∀x1)(∀x2)...(∀xn)( ix1x2...xn)”.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 57

Estabelecida à definição de consequência, Carnap acrescenta alguns teoremas


que tratam dos conceitos de analítico e consequência. Para classificar também as sentenças
demonstráveis ou refutáveis em analíticas ou contraditórias, é necessário que esses conceitos
tenham relação com o conceito de consequência, o que é possível a partir dos seguintes
teoremas:

Teorema 34i.17: Toda sentença primitiva da Linguagem II é analítica (1937, p. 128).38


Teorema 34i.18: Toda definição da Linguagem II é analítica (1937, p. 128).39
Teorema 34i.20: Se 3 é diretamente derivável de 1 ou de 1 ou 2, então 3 é uma
consequência de 1 ou de 1 ou 2, respectivamente (1937, p. 128).
Teorema 34f.2: Se 1 é analítico e 1 é uma consequência de 1, então 1 é analítico (1937,
p. 118).

E, através desses teoremas, podemos deduzir que:

Teorema 34i.21: Toda sentença demonstrável na Linguagem II é analítica (1937, p. 128).

Enfim, uma importante vantagem da definição de analítico e contraditório na


Linguagem II, consiste no fato de que ela é uma classificação completa das sentenças lógicas
da Linguagem II em analítica e contraditória, enquanto a correspondente classificação das
sentenças lógicas na Linguagem I em demonstrável e refutável é incompleta (1937, p. 173).
Carnap acredita que construiu uma definição de verdade lógica para a Linguagem II, mas,
como veremos mais adiante, ele falha quanto à superação de antinomias (trataremos desse
assunto nos próximos tópicos).

38
Cf. Sentenças Primitivas da Linguagem II em CARNAP, 1937, p. 91-92. A demonstração da analiticidade das
sentenças primitivas segue dos teoremas 34i.2-14 (cf. 1937, p.125-128) e 34h.1-2 (cf. CARNAP, 1937, p. 121-
123).
39
Toda definição na Linguagem II é uma sentença da forma “ 1 = 2”, onde 1 (uma expressão argumento) é
chamado definiendum e 2 é chamado definiens. A demonstração da analiticidade de todas as definições de II
segue da regra de redução RR 1 e o teorema 34e.7 (cf. CARNAP, 1937, p. 115).
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 58

2.2.2 Sentenças-Objetos

Se uma declaração filosófica for dada, então a tradução dela, no modo formal
do discurso, não precisa sempre ser entendida, mas deve sempre ser possível. Sentenças que
não determinam univocamente sua tradução são, assim, demonstradas serem desprovidas de
sentido. De modo geral, sentenças que não fornecem um mínimo de indicação para determinar
a sua tradução são consideradas fora do domínio da lógica da ciência e, portanto, incapazes de
qualquer discussão (1937, p. 313).
As sentenças metafísicas são um tipo de sentenças-objetos, as que tratam de
objetos que não pertencem ao domínio da física, isto é, que não fazem referência aos
processos no espaço e no tempo. Como essas sentenças não lidam com objetos da física, não
podem ser expressas ou traduzidas em sentenças sintáticas. Elas eram chamadas de pseudo-
sentenças e estavam excluídas do domínio da lógica da ciência (1937, p. 278).
Desse modo, para Carnap, uma sentença que não pudesse ser traduzida para
uma sentença sintática era considerada sem sentido; apenas aquelas que puderem ser
traduzidas é que terão sentido e poderão ser classificadas em sentenças analíticas, ou
contraditórias, ou sintéticas. No tópico anterior, apresentamos as sentenças lógicas que,
através da tradução para sentenças sintáticas, tinham a possibilidade de ser classificadas em
sentenças analíticas ou contraditórias. Agora, quando uma sentença sintática não pode ser
classificada, nem como sentença analítica, nem como sentença contraditória, ela será
considerada sintética.
Em geral, as sentenças-objetos que permitem a descrição de algum domínio
específico (como o da física), traduzidas para sentenças sintáticas, eram consideradas
sintéticas, mas também é possível que algumas dessas sentenças-objetos sejam analíticas ou
contraditórias, o que é contemplado nos casos da definição de analiticidade. Por exemplo,
suponhamos que o predicado “Verde” (de um tipo lógico qualquer), seja um predicado
introduzido na Linguagem II. Em geral, a sentença “Verde(A)” – em que A é um argumento
(variável ou constante) do tipo lógico adequado – será sintética. Porém, uma sentença como
“Verde(C)∨~Verde(C)”, (assumindo que C seja uma constante), deverá, certamente, ser
considerada analítica. Já uma sentença como “Verde(C)∧~Verde(C)”, deverá ser considerada
contraditória.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 59

A análise mesmo das sentenças sintáticas que podem ser classificadas como
sentenças sintéticas era tratada apenas sintaticamente, isto é, com regras de formação e
transformação apenas internas à linguagem (voltaremos nesse assunto nos próximos tópicos).
Assim, a análise sintática de algum domínio específico, como parte da lógica da ciência, é a
sintaxe descritiva da linguagem, isto é, aquela que se ocupa das estruturas e relações sintáticas
dos objetos da física fazendo referência apenas a processos no espaço e no tempo. Carnap não
apresenta uma exposição completa dessa análise, diz que apenas oferecerá algumas sugestões
e que deixará a análise completa para uma futura investigação (1937, p. 316).
Ele apresenta as regras de transformação de uma linguagem que possui uma
sintaxe descritiva como sentenças ou leis primitivas, isto é, como sentenças ou leis
presumidas como verdadeiras extralogicamente (1937, p. 316). A questão de escolha de uma
sentença ou lei primitiva é arbitrária (1937, p. 29), isto é, uma questão de convenção. Caso a
nova sentença, ou lei primitiva, inserida na linguagem gere contradição, deve-se omiti-la, ou
mudar as regras de transformação para que a nova sentença, ou lei, seja válida (logicamente);
caso não gere contradição, deve-se conservá-la.
Além disso, apresenta as regras de formação de sentenças e expressões de uma
linguagem que possui uma sintaxe descritiva através de predicados e functors descritivos. Os
predicados descritivos expressam propriedades de um objeto linguístico, ou de uma posição,
ou uma relação entre vários objetos linguísticos ou posições. Por exemplo, “Verde(3)”
significa “a posição 3 é verde”; enquanto os functors descritivos expressam propriedades, ou
relações de posição, por meio de números. Por exemplo, “ !"(3) = 5” significa “a
temperatura na posição 3 é 5”.
Assim, uma sentença-objeto como: “No ponto k1, k2, k3, no instante k4, a
temperatura era k5”, pode ser traduzida para a sentença sintática: “ !"($% , $' , $( , $) ) = $* ”,
em que “temp” é um functor descritivo. Ou ainda, a sentença-objeto “No ponto k1, k2, k3, no
instante k4, há um campo elétrico com os componentes k5, k6, k7” pode ser traduzida para a
sentença sintática: “ +($% , $' , $( , $) ) = ($* , $, , $- )”, onde “el” é um functor descritivo.
Desse modo, a maioria dos conceitos da física e de outras ciências como a
biologia, a sociologia, etc., que são propriedades e relações de certos domínios, podem ser
traduzidas na lógica da ciência (em particular na Linguagem II), desde que apropriados
predicados e functors descritivos sejam introduzidas na linguagem como termos primitivos.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 60

2.2.3 Sentenças Quase-Sintáticas

As sentenças quase-sintáticas, nas quais as sentenças da filosofia estão


contidas, são como sentenças-objetos que, por causa de uma formulação enganosa, parecem
se referir a objetos extralinguísticos enquanto, na verdade, referem-se às designações desses
objetos.
De modo geral, vamos entender sentença quase-sintática da seguinte maneira:
suponhamos que B seja o domínio de certos objetos, cujas propriedades são definidas em uma
linguagem L, e que exista, em relação a B, uma propriedade P1(x), na qual x representa um
objeto, e em relação à linguagem L, uma propriedade sintática de expressões P2(y), em que y
representa uma expressão, tal que sempre, e apenas quando, P1 qualificar um objeto, P2
qualifique a expressão que designa aquele objeto. Nós chamaremos P2 a propriedade sintática
correlacionada a P1 e P1, chamaremos de propriedade quase-sintática. Toda sentença que se
refere a uma propriedade quase-sintática P(x), na qual x representa um objeto, chamaremos de
sentença quase-sintática. Tal sentença pode ser traduzível em uma sentença sintática que se
refere à propriedade P2(y), em que y é a designação de x (1937, p. 234). Por exemplo, a
sentença
( 1) “cinco não é uma coisa, mas um número”
é uma sentença quase-sintática, pois tem as propriedades quase-sintáticas “coisa” e “número”.
Aparentemente, 1 expressa uma propriedade do cinco, no entanto, 1 não diz respeito ao
número cinco, mas, sim, à palavra ‘cinco’. Desse modo, podemos traduzi-la para o modo
formal do discurso como:
( 2) “‘cinco’ não é uma palavra-coisa, mas uma palavra-número”.
A sentença 1 representa uma sentença do modo material do discurso e a
sentenças 2 representa uma correlata sentença sintática de 1 no modo formal do discurso
(1937, p. 285).
Outro exemplo ilustrativo de sentenças quase-sintáticas são as “sentenças
semânticas”, isto é, que afirmam alguma coisa sobre significado, conteúdo, sentido de
sentenças ou expressões linguísticas de algum domínio. Segundo Carnap (1937, p. 285), uma
sentença como “A leitura de ontem foi sobre Babilônia” parece afirmar alguma coisa sobre
uma entidade física particular, a cidade da Babilônia, mas, na realidade, ela não diz nada
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 61

sobre Babilônia. A sentença somente diz alguma coisa sobre a leitura de ontem e a palavra
“Babilônia”.
O mesmo ocorre com sentenças semânticas que envolvem relação de
designação, estas, geralmente, apresentam uma das seguintes expressões semânticas: ‘tratar
de’, ‘falar sobre’, ‘significar’, ‘nomear’, ‘é o nome de’, ‘designar’, etc. Uma sentença como
“A estrela-do-dia designa (ou significa, ou é o nome para) o sol” parece dizer alguma coisa
sobre a entidade física, sol, mas, na realidade, não diz nada sobre o sol, ela somente diz
alguma coisa sobre a palavra “estrela-do-dia” e a palavra “sol”.
Especificamente, fez parte do projeto de Carnap mostrar que as sentenças
semânticas podiam ser traduzíveis em sentenças sintáticas. Ele dedicou várias páginas à
apresentação de exemplos. Vejamos um deles: vamos construir a sentença sintática
correlacionada, ou seja, a tradução para o modo formal, de uma sentença que expressa relação
de designação. Consideremos novamente a sentença:

A estrela-do-dia designa o sol.

É necessário que fique evidente, na sentença, a distinção entre a designação e


o objeto extralinguístico. A designação de um objeto pode ser um nome próprio ou uma
descrição desse objeto, se uma sentença (por escrito), refere-se a um objeto extralinguístico –
o sol – então, nesta sentença, uma designação desse objeto deve ocupar a posição do sujeito –
por exemplo, a expressão “estrela-do-dia” (com aspas), ao invés de estrela-do-dia (sem
aspas); o objeto extralinguístico não pode simplesmente ocupar o lugar da coisa mesma – isto
é, o sol – no papel. Desse modo, Carnap afirma: “Se uma sentença diz respeito a uma
expressão, então uma designação desta expressão (...) e não a própria expressão, deve
ocupar o lugar do sujeito na sentença” (1937, p. 154)40.
Para completar a tradução, falta o termo semântico “designa” do exemplo, que
claramente não é sintático, pois relaciona as expressões da sentença com o objeto a que se
referem essas expressões – o sol. O caminho para resolver essa situação é a tradução dos
termos semânticos em termos puramente sintáticos. Nesse caso, Carnap necessitou definir
termos sintáticos capazes de substituir o papel do termo “designa”. Assim, três definições são
importantes: “conteúdo”, “equipolência” e “sinônimo” (que são definidas igualmente para a
Linguagem I, Linguagem II e Sintaxe Geral).

40
Grifos do autor.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 62

Conteúdo:
Definição: o conteúdo de uma sentença é a classe das sentenças não analíticas (ou não
válidas), que são consequência de . (1937, p. 42, 120 e 175).

Equipolência:
Definição: duas sentenças são equipolentes quando tiverem o mesmo conteúdo. (1937, p. 42,
120 e 176).
Teorema: duas sentenças são equipolentes se, e somente se, cada uma delas for uma
consequência da outra. (1937, p. 120).

Sinônimo:
Definição: duas expressões, 1 e 2, são chamadas sinônimas quando cada sentença 1, em
que ocorre a expressão 1, é equipolente à sentença 2 que surge de 1 quando 1 é
substituída por 2 (1937, p. 42, 120 e 176-177).

Seguindo sua análise estritamente sintática, Carnap construiu a noção de


“sentido” ou “significado” através do conceito sintático de conteúdo, que não depende de
nada extralógico, mas apenas da relação de consequência entre sentenças. E as definições dos
termos “equipolência” e “sinônimo” correspondem ao que é, usualmente, falado na língua
natural como “sentenças equivalentes em sentido” e “expressões equivalentes em sentido”,
respectivamente. A expressão “equivalente em sentido” deve ser entendida como “de sentido
lógico equivalente” e não como “designando o mesmo objeto”.
Desse modo, o termo “designa” pode ser traduzido, formalmente, através do
termo “sinônimo”, e a tradução completa da sentença quase-sintática “A estrela-do-dia
designa o sol” fica

A palavra “estrela-do-sol” é sinônimo da palavra “sol”,

a qual chamamos de sentença sintática correlacionada e corresponde a uma sentença do modo


formal do discurso.
Para enfatizar e mostrar a capacidade de tradução das sentenças do discurso
material para o formal, Carnap apresenta muitos exemplos, dos quais selecionamos alguns
(1937, p. 289-290):
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 63

Modo Material do Discurso Modo Formal do Discurso


(sentenças quase-sintáticas) (sentenças sintáticas correlacionadas)

A sentença 1 significa (ou afirma, ou tem o 1 é equipolente à sentença “A lua é


significado), que a lua é esférica. esférica”.

Há uma tradução equipolente do latim para o


A palavra ‘luna’ no latim designa a lua. português em que a palavra “lua” é o
correlato da palavra “luna”.

As expressões ‘melro’ e ‘pássaro preto de “Melro” e “pássaro preto de bico amarelo”


bico amarelo’ têm o mesmo significado. são sinônimos.

As sentenças 1 e 2 têm o mesmo


As sentenças 1 e 2 são equipolentes.
significado.

2.3 Linguagem-Objeto e Metalinguagem

Como veremos no próximo capítulo, a estratégia de Alfred Tarski para


defender a análise semântica da linguagem estava relacionada à necessidade de existirem duas
linguagens distintas – a linguagem-objeto e a metalinguagem – para evitar as antinomias e os
paradoxos, em particular, a Antinomia do Mentiroso.
O problema de autorreferência conhecido como Antinomia do Mentiroso, foi
inspirado num conto de Epimênides. Consta que Epimênides, um cretense, dissera: “Todos os
cretenses são mentirosos”. Porém, se analisarmos essa sentença, constataremos que ela não é
uma antinomia. Pois, dizer que alguém é mentiroso, não é dizer que tudo o que ele diz é
mentira. Ou seja, enquanto é verdade que Epimênides, que é um cretense, está chamando a si
mesmo de mentiroso, disso não se segue que sua declaração seja ela mesma uma mentira.
Contudo, esse conto inspirou a versão clássica dessa antinomia que pode ser descrita pela
seguinte sentença:

“Esta sentença é falsa”.

Se esta sentença é verdadeira, então ela é falsa, porque o que ela diz é que ela é
falsa (e, portanto, verdadeira e falsa). Se ela é falsa, então ela deve ser verdadeira, pois ela é
exatamente o que ela diz que é. Assim, se ela é falsa, então ela é verdadeira (e, portanto,
verdadeira e falsa). Ou seja, a sentença é verdadeira se, e somente se, ela for falsa. Porém, de
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 64

acordo com o princípio de não-contradição, ela tem de ser ou verdadeira ou falsa e, de


qualquer forma, ela é ambas as coisas.
Em versões mais ou menos variadas, essa antinomia era bem conhecida, e
preocupava tanto os filósofos antigos como os modernos. Inclusive, conta-se que ela estava
tão intrincada a Fileto de Cos (340-285 a.C.) que foi escrita em sua lápide:

“Ó estranho: Fileto de Cos eu sou.


Foi o Mentiroso quem me matou,
Pelas péssimas noites que me causou.”
(CARNIELLI & EPSTEIN, 2006, p. 24).

A seriedade com que Tarski encara a antinomia do mentiroso é notória. Desde


logo, considera que a antinomia, e outras que lhe foram aparentadas, constituiriam um dos
principais obstáculos ao reconhecimento da legitimidade científica de alguns conceitos
semânticos.

Na minha opinião, seria errôneo e perigoso, do ponto de vista do progresso


científico, depreciarmos a importância da antinomia do mentiroso e de outras
antinomias e tratarmo-las como brincadeiras ou jogos sofísticos. É um fato que
estamos aqui, na presença de um absurdo, e que fomos compelidos a afirmar uma
sentença falsa (dado que (...) a equivalência entre duas sentenças contraditórias é
necessariamente falsa). Se levarmos o nosso trabalho a sério, não podemos tolerar
este fato. Temos de descobrir a sua causa (...). (TARSKI, 1944, p. 23).

Também Carnap, na “Sintaxe Lógica da Linguagem”, ocupou-se da discussão


da necessidade de distinguir essas duas linguagens e chegou a afirmar em sua autobiografia
que a tese principal dessa obra era apresentar a importância da “metateoria” na Filosofia
(1963, p. 105). Mas sua concepção inicial de metateoria era a construção da “metalinguagem
sintática” (1963, p. 111), que daria suporte para a linguagem em investigação, através do
tratamento exclusivo das formas das expressões da linguagem sem referência alguma ao
significado dessas expressões, e que contribuiria, essencialmente, para clarificar a formulação
dos problemas filosóficos. Em particular, a metalinguagem sintática e a linguagem-objeto
para permanecerem dentro do objetivo estritamente sintático de Carnap, não poderiam ser
duas linguagens separadas e nem fazer referências extralinguísticas. Desse modo, na “Sintaxe
Lógica da Linguagem”, o filósofo procura desenvolver sua análise sintática da linguagem sem
ter que recorrer a uma segunda linguagem distinta daquela em investigação, sempre
procurando demonstrar que a metalinguagem sintática estava contida na linguagem-objeto.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 65

Foi somente quando conheceu os artigos de Tarski, que Carnap percebeu que a
metateoria também poderia incluir a semântica e ser capaz de construir a “metalinguagem
semântica”, que é distinta e mais rica do que a linguagem-objeto e que permite fazer
enunciados sobre a relação de designação e sobre a verdade lógica e extralógica (1963, p.
111). Esta nova metalinguagem interessou sobremaneira a Carnap, ao ponto deste de tratar,
em suas obras posteriores, da integração da sintaxe com a semântica através da
metalinguagem semântica de Tarski.
Desse modo, o processo de mudança de pensamento de Carnap, frente às
inovações de Tarski, perpassou por discussões comuns entre eles. A fim de apresentar a
relação entre a metalinguagem sintática e a metalinguagem semântica, trataremos, neste
tópico, da metalinguagem sintática que Carnap expôs na “Sintaxe Lógica da Linguagem” e
retomaremos o assunto nos próximos capítulos.
Logo na introdução da “Sintaxe Lógica da Linguagem”, Carnap já apresenta a
distinção entre as duas linguagens, às quais ele dá o nome de linguagem-objeto, como chama
Tarski, e linguagem-sintaxe, no lugar de metalinguagem, que não vai ganhar adeptos na
literatura, e, por isso, usaremos indistintamente os termos “metalinguagem” e “linguagem-
sintaxe”:

(...) nós começaremos por construir a sintaxe e depois, mais tarde, prosseguir com a
formalização dos seus conceitos e, assim, determinar seu caráter lógico. Ao seguir
esse procedimento, interessamo-nos por duas linguagens: em primeiro lugar, pela
linguagem que é objeto de nossa investigação – iremos chamá-la de linguagem-
objeto – e, em segundo lugar, pela linguagem na qual falamos a respeito das formas
sintáticas da linguagem-objeto – iremos chamá-la de linguagem-sintaxe. Como já
dissemos, iremos tomar como linguagem-objeto certas linguagens simbólicas; como
linguagem-sintaxe, usaremos de início simplesmente a língua inglesa com a ajuda de
alguns símbolos góticos adicionais. (CARNAP, 1937, p. 4).41

Carnap é insistente nessa distinção ao longo de sua obra, chega a criticar bons
lógicos por omitirem essa distinção e apresenta várias situações nas quais ela é necessária. Por
exemplo, observa que, às vezes, a abreviação para uma expressão é confundida com a
designação da expressão, mas a diferença é essencial, além disso, enfatiza que, quando se
trata de uma expressão da linguagem-objeto, a abreviação dessa expressão deve pertencer à
linguagem-objeto, mas a designação dela deve pertencer à metalinguagem (1937, p. 157).
O filósofo inicia sua Parte II – A construção da sintaxe da Linguagem I – com
a seguinte pergunta: “Há a necessidade de duas linguagens separadas?” (1937, p. 53). Em

41
Grifos do autor.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 66

outras palavras, há a necessidade de que a linguagem-objeto e metalinguagem sejam


construídas em linguagens diferentes? Carnap responde negativamente, dizendo que é
possível formular a linguagem-objeto e a metalinguagem na mesma linguagem, sem causar
nenhuma contradição.
Carnap está fazendo uma abrangente discussão sobre o assunto e retoma,
sempre que necessário, a questão. Neste primeiro momento, quando sua preocupação está
voltada para a construção da sintaxe da Linguagem I, a sua afirmação é justificada pelo
método de aritmetização da sintaxe que havia aprendido de Kurt Gödel. Isto é, Carnap sabia
que toda linguagem que tenha a seu dispor recursos para expressar a aritmética elementar dos
números naturais possuía recursos para expressar a sintaxe pura (ou parte da sintaxe pura).
Para tanto, bastava corresponder os símbolos e sequências de símbolos de uma linguagem
qualquer para números e, assim, as sentenças, acerca desses símbolos e suas combinações,
poderiam ser traduzidas para sentenças da aritmética.

Por meio dessas estipulações sobre termos- e séries-números, todas as definições da


sintaxe pura tornam-se definições aritméticas, isto é, definições de propriedade de,
ou relações entre, números. Por exemplo, a definição verbal de ‘sentença’ já não
terá a forma: “Uma expressão é chamada uma sentença quando ela consiste de
símbolos combinados de tal e tal modo”; mas, ao invés: “Uma expressão é chamada
uma sentença quando sua série-número satisfaz tais e tais condições”; ou mais
exatamente: “Um número é chamado a série-número de uma sentença quando ela
satisfaz tais e tais condições”. (...) Todas as sentenças da sintaxe pura seguem dessa
definição aritmética e, assim, são sentenças analíticas da aritmética elementar.
(CARNAP, 1937, p. 57).42

Logo, todas as sentenças de uma linguagem formalizada, na medida em que


podem ser traduzidas para sentenças da aritmética, podem ser interpretadas como sentenças
sintáticas acerca de uma linguagem. Dessa maneira, qualquer linguagem capaz de falar de
números e de relações entre números, era capaz de falar de si mesma, ou seja, capaz de
expressar a sua própria sintaxe. E, desse modo, Carnap construiu a sintaxe da Linguagem I,
dentro da própria Linguagem I, sem que houvesse a necessidade de uma segunda linguagem.
Contudo, essa capacidade de expressar a sintaxe da linguagem na própria
linguagem permite formas indesejáveis de autorreferência. A possibilidade de sentenças
autorreferentes na linguagem pode causar problemas. Por exemplo, é possível que uma
sentença aritmética afirme a seguinte sentença sintática autorreferente:

“Esta sentença é não demonstrável”,

42
Destaques do autor.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 67

o que configura uma sentença que expressa a sua própria indemonstrabilidade. E é porque
essa sentença afirma a sua própria indemonstrabilidade que sua eventual demonstração, ou
refutação, produz uma situação paradoxal. Se supusermos que uma linguagem S, que
contenha apenas sentenças lógicas seja não-contraditória, isto é, quando uma sentença de S e
sua negação não são demonstráveis, ao mesmo tempo em S (1937, p. 128 e 207-208), essa
sentença será indecidível (nem demonstrável e nem refutável). Podemos perceber isso, com
base no teorema que afirma que “toda sentença demonstrável é analítica”43, através do
seguinte raciocínio:

(1) Se “Esta sentença não é demonstrável”, é analítica, então, ela não é demonstrável.
(2) Se “Esta sentença não é demonstrável”, é demonstrável em S, então ela não pode ser
analítica, pois em S toda sentença demonstrável é analítica, portanto, “Esta sentença
não é demonstrável”, não pode ser demonstrável em S.
(3) Consequentemente, “Esta sentença não é demonstrável” é analítica, (já que “Esta
sentença não é demonstrável” afirma que não é demonstrável em S), e temos
(4) “Esta sentença não é demonstrável”, é analítica e indemonstrável em S.
(5) Mais ainda, a negação de “Esta sentença não é demonstrável”, isto é, “Esta sentença é
demonstrável”, também não é demonstrável em S, pois se fosse, “Esta sentença é
demonstrável”, deveria ser analítica (toda sentença demonstrável é analítica), e nesse
caso, “Esta sentença não é demonstrável” seria contraditória, contrariando (4).
(6) Conclusão, “Esta sentença não é demonstrável” é analítica e, “Esta sentença não é
demonstrável” e “Esta sentença é demonstrável” são indemonstráveis em S, e,
portanto, nossa linguagem S é incompleta, ou seja, existem sentenças em S que são
analíticas, mas que não são demonstradas em S.
Já havíamos chegado a essa conclusão no tópico 2.2.1, no qual mencionamos
os resultados de Kurt Gödel e destacamos que os d-termos, demonstrável e refutável, são um
critério incompleto de validade para a Linguagem I. Com efeito, o método de aritmetização
permite a construção da sintaxe da Linguagem I, na própria Linguagem I, mas não possibilita
a construção de um critério completo de validade para a matemática.
Na busca do critério completo de validade para matemática, Carnap volta-se
para a construção da Linguagem II. Ainda em busca de defender sua análise estritamente

43
Esse teorema vale para as Linguagens I e II. Cf. CARNAP, 1937, p. 40 e 128.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 68

sintática, ele afirma que também é possível formular a sintaxe da Linguagem II, na própria
Linguagem II. Em suas palavras:

Nós já formulamos a sintaxe da Linguagem I na própria linguagem. Do mesmo


modo podemos formular a sintaxe da Linguagem II na própria Linguagem II e com
uma extensão ainda maior, já que na Linguagem II, conceitos sintáticos indefinidos
[definido a partir do conceito de consequência] podem também ser definidos
[definidos a partir do conceito de derivação]. (CARNAP, 1937, p. 129-130).44

É importante observar que a Linguagem II contém a Linguagem I e,


consequentemente, os d-termos de I estão contidos em II, logo, tais conceitos podem ser
definidos na própria sintaxe de II, seguindo o mesmo método de aritmetização empregado em
I, no entanto, esse raciocínio não serve para a definição de conceitos do c-termo, de maneira
particular, a definição de “analítico”. As seguintes questões são levantadas, quando Carnap
deseja definir na Linguagem II o conceito de analítico (1937, p. 113):

1. A definição de “analítico (em II)”, pode ser traduzida em uma metalinguagem


estritamente formalizada?
2. A própria Linguagem II pode ser usada como a metalinguagem para este propósito?

A resposta do filósofo foi que a segunda questão deve ser respondida


negativamente e a primeira afirmativamente, fazendo menção ao tópico 60, o qual mostrará
que para nenhuma linguagem S, a definição de ‘analítico em S’ poderá ser formulada na
própria S como metalinguagem.

(...) A prova que dissemos anteriormente faz um uso essencial do termo ‘analítico
(em II)’; mas este termo (como nós veremos mais tarde) não pode ser definido em
alguma sintaxe formulada na Linguagem II. (CARNAP, 1937, p. 133-134).

(...) ‘analítico em II’ não está definido em II (veja p. 219) (...). (CARNAP, 1937, p.
149).

A intenção de Carnap, no Tópico 60, é verificar se a formulação da sintaxe de


uma linguagem S, na própria S, conduz a contradições. Em particular, a questão se volta para
o problema de autorreferência, conhecido como “Antinomia do Mentiroso”, ou seja, na
possibilidade de construir a Antinomia do Mentiroso em uma linguagem S consistente, isto é,
quando a sentença de S e sua negação não são analíticas, ao mesmo tempo, em S, e que
contenha a aritmética e, desse modo, uma sintaxe aritmetizada de S em si mesma, quando,

44
Colchetes nosso e destaque do autor.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 69

para uma propriedade sintática formulada, em S, uma sentença de S que atribua essa
propriedade a si mesma cause uma contradição.
Como tratamos no tópico 1.2.1, os c-termos, analítico e contraditório,
constituem uma classificação completa das sentenças lógicas de uma linguagem, em outras
palavras, para uma linguagem S, toda sentença lógica de S ou é analítica ou é contraditória. Se
substituirmos na sentença do mentiroso a palavra “falsa” por “contraditório” obteremos:

“Esta sentença é contraditória”,

que corresponde exatamente à sentença do mentiroso, pois, supondo que essa sentença
pertença à linguagem S, podemos observar que ela não está de acordo com o princípio de não-
contradição. Se afirmarmos que a sentença é analítica, ela afirma que é contraditória, e, desse
modo, ela é analítica e contraditória ao mesmo tempo. Do mesmo modo, se afirmarmos que
ela é contraditória, então, ela diz que não é contraditória, e, portanto, ela é analítica.
Conclusão, a sentença é analítica (logicamente verdadeira), se, e somente se, for contraditória
(logicamente falsa), contrariando o princípio de não-contradição.
E o seguinte resultado é apresentado através de um teorema: “Se S é
consistente, ou pelo menos, não-contraditório, então ‘analítico (em S)’ é indefinível em S”
(1937, p. 219)45. E o mesmo pode ser afirmado para outros conceitos do c-método (na medida
em que eles não coincidem com os conceitos do d-método), como válido, consequência,
equipolência, etc.
Desse modo, Carnap conclui que se a sintaxe de uma linguagem L1 contém o
termo ‘analítico (em L1)’, este deve ser definido em uma metalinguagem L2 que seja mais rica
em modos de expressão do que L1. Dessa maneira, o perigo da Antinomia do Mentiroso pode
ser evitado. Por exemplo, a sentença que inicialmente nos conduziu a uma contradição pode
ser reescrita da seguinte maneira,

Esta sentença é contraditória-em-L1,


que é uma sentença da metalinguagem L2 e, consequentemente, não é paradoxal, ou seja, a
sentença pertence à metalinguagem L2, mas ela não é autorreferente, pois faz referência a uma
sentença da linguagem-objeto L1.
Do mesmo modo, o termo ‘demonstrável (em L1)’ pode, sob certas
circunstâncias, ser definido em L1; se é possível ou não, depende da riqueza de modos de
expressão que está disponível em L1. Em relação às linguagens I e II, ocorre o seguinte:

45
Grifos do autor.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 70

‘analítico em I’ não é definível em I, mas é definível em II; ‘analítico em II’ não é definível
em II, mas é definível em uma linguagem mais rica; ‘demonstrável em I’ pode ser definido
em I, desde que seja um d-termo; e ‘demonstrável em II’ pode ser definido em II (1937, p.
219).46
Enfim, apesar de Carnap apresentar a distinção entre linguagem-objeto e
metalinguagem, para defender sua análise estritamente sintática, ele acredita que é possível
trabalhar com as duas dentro de uma única linguagem, ou seja, acredita que se pode construir
a sintaxe de uma linguagem nela própria, de maneira particular, para os d-termos. Apesar
disso, no decorrer de suas discussões, reconhece que nem todo termo pode ser definido dentro
da própria linguagem-objeto e afirma que, para a definição dos c-termos, de maneira especial
“analítico”, é necessária uma metalinguagem mais rica que a linguagem-objeto para defini-los
e superar as antinomias.
Contudo, essa construção de uma metalinguagem externa à linguagem-objeto,
para definir os c-termos, invalida a análise sintática da linguagem de Carnap. O meio
requerido para definir o conceito de “analítico em II” não é sintático, pois exige uma
hierarquia de linguagens, isto é, há a necessidade de defini-lo fora da linguagem em
investigação (na metalinguagem), e o conceito, estando na metalinguagem, faz referências
extralinguísticas à linguagem em investigação. Carnap estava ciente disso e também propõe
uma solução: “Se nós tomarmos como nossa linguagem-objeto não o todo da Linguagem II,
mas regiões concêntricas, então a nossa linguagem-sintaxe não precisa estar fora do domínio
de II” (1937, p. 113).
O filósofo (1937, p. 88) entende por “regiões concêntricas” da Linguagem II
fragmentos ordenados II1, II2, II3, ..., que formam um série infinita, de tal maneira que a
Linguagem II pode ser considerada a soma das regiões II1, II2, II3, ... No que diz respeito aos
símbolos, sentenças e derivações da linguagem, toda região está contida em todas as regiões
sucessivas. Assim, Carnap faz a seguinte divisão da Linguagem II: a região II1 não contém
predicados e functors, mas contém todos os outros símbolos da Linguagem II. A Linguagem I
está contida em II1; e II1 está contida em todas as outras subsequentes regiões; a região II2

46
Outra conclusão importante de Carnap (1937, p. 221-222), que já tinha sido observada por Gödel, foi em
relação à Aritmética. Sua ideia de trabalhar com apenas uma linguagem foi justificada pela aritmetização da
linguagem, que permitia a interpretação dos termos e sentenças de uma linguagem como sentenças da aritmética,
porém as investigações das antinomias mostraram que qualquer extensão da aritmética formulada em uma
linguagem é necessariamente defeituosa em dois aspectos: não é possível definir alguns termos aritméticos e é
possível afirmar certas sentenças aritméticas irresolúveis, isto é, quando ela não é nem demonstrável e nem
refutável.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 71

contém predicados e functors de primeira ordem; e, de modo geral, a região IIn contém
predicados e functors de ordem . − 1.
Desse modo, não é possível definir “analítico em IIn”, para qualquer n, na
própria IIn como metalinguagem, mas é sempre definível em uma região mais extensível IIn+m
(em particular, na região IIn+1). Através dessa estratégia, toda definição de “analítico em IIn”
pode ser formulada em II como metalinguagem.
No entanto, é duvidoso que a diferença entre a hierarquia de linguagens e uma
linguagem construída hierarquicamente seja suficiente para manter a análise sintática da
linguagem em relação aos conceitos do c-termo. Carnap acredita que construir a hierarquia de
linguagens intralinguisticamente é capaz de preservar seus objetivos sintáticos, mas essa
defesa revela, implicitamente, sua falha. Pois, embora o conceito de analiticidade para alguma
região concêntrica possa ser definida em alguma região subsequente, o conceito geral de
“analítico em II” não pode ser definido na Linguagem II. Assim, mesmo que o método
sintático forneça meios para a análise de uma linguagem, sem recorrer a uma outra
linguagem, muitos conceitos fundamentais da lógica, especialmente o conceito de
analiticidade, não pode ser explicado pela análise sintática da linguagem. A definição desses
conceitos requer o emprego de uma metalinguagem que não esteja contida em sua respectiva
linguagem-objeto (FRIEDMAN, 1988, p. 93 e OBERDAN, 1992, p. 255-256).
Posteriormente, Carnap reconhecerá essa falha do sistema sintático em seu
livro “Introdução à Semântica” de 1942 (p. 247) e tratará de uma solução para a definição dos
c-termos através da utilização da teoria semântica. Voltaremos nesse assunto nos próximos
capítulos, em particular, quando tratarmos de linguagem-objeto e metalinguagem na
concepção de Alfred Tarski.

2.4 Princípio de Tolerância

Devemos frisar que, para Carnap, o papel da lógica da ciência não era de
fornecer o valor-de-verdade de uma sentença sintática externamente à linguagem. A análise
do filósofo permanece sintática mesmo para sentenças sintéticas, isto é, ele desconsiderava a
possibilidade das sentenças sintáticas corresponderem a objetos extralinguísticos e rejeitava o
conceito de verdade extralógica por este não ser um termo sintático.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 72

Verdade e falsidade não são propriedades sintáticas apropriadas; geralmente, se


uma sentença é verdadeira ou falsa não pode ser vista por sua estrutura, isto é, pelo
tipo e ordem serial dos seus símbolos. (CARNAP, 1937, p. 216).47

Carnap atentou para o fato de que se aceitasse o termo “verdadeiro” (no sentido
de verdade extralógica), como sintático, poderia apagar a diferença fundamental entre os
modos material e o formal do discurso. Sua justificativa parte da definição de sentenças
quase-sintáticas. Seja L1 uma linguagem qualquer e L2 uma linguagem que possui apenas
sentenças lógicas, Carnap define a sentença 1 em L1, como uma sentença quase-sintática, se
existe uma sentença lógica 2 em L2, e as seguintes condições são satisfeitas: 1. L1 é uma
sublinguagem de L2; 2. L2 seria a metalinguagem que contém a sintaxe de L1; 3. A sentença
1 em L1 é equipolente à sentença 2 em L2, ou seja, a sentença 2 em L2 é a sentença
sintática correlacionada a sentença quase-sintática 1 em L1 (1937, p. 235-236). Desse modo,
as sentenças do modo material do discurso estariam contidas na linguagem-objeto L1, e as
traduções dessas sentenças para o modo formal do discurso estariam na metalinguagem L2,
sendo que as traduções são construídas através da substituição dos predicados quase-sintáticos
pelos sintáticos correlatos e todo símbolo referente a um objeto pela designação desse
símbolo. O problema surge quando adicionamos o predicado “verdadeiro” a uma linguagem
que possui uma sintaxe descritiva, pois toda sentença dessa linguagem tornaria uma sentença
quase-sintática. Se tomarmos “verdadeiro” como um termo sintático, toda sentença 1x de
uma linguagem descritiva, em relação a uma expressão x, tornaria quase-sintático, pois, pela
condição (3) da definição de quase-sintático, G1x seria sempre equipolente a sentença da
metalinguagem “x é tal que 1x é verdadeiro”, mas “x é tal que 1x é verdadeiro” é uma
sentença quase-sintática, visto que, a veracidade de 1x parece depender da correspondência
para certos objetos “x”, e não para a designação desses objetos, e, consequentemente, 1x é
também uma sentença quase-sintática. Assim, incluir termos semânticos, como “verdade
extralógica”, na metalinguagem sintática, trivializa a definição de quase-sintático e apaga a
distinção entre os modos material e formal do discurso.
Desse modo, Carnap rejeitou a “verdade extralógica”, pois ao contrário
invalidaria a sua análise sintática da linguagem. O instrumento metalinguístico na “Sintaxe
Lógica da Linguagem” só é possível dentro da própria linguagem em investigação, a qual não
tem riqueza suficiente para o tratamento de conceitos semânticos. Portanto, o seu argumento

47
Destaque do autor.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 73

contra o conceito de “verdade extralógica” segue do seu entendimento da análise da


linguagem como estritamente sintático.
Mas como conceber as sentenças sintéticas, dentro de uma linguagem
específica, sem que haja uma verificação do seu valor-de-verdade? A resposta de Carnap é:
inserindo as sentenças sintéticas como sentenças primitivas, isto é, assumindo
presumidamente que são verdadeiras extralogicamente. O processo de verificação das
sentenças sintéticas seria anterior à lógica da ciência. É papel de um cientista (físico, biólogo,
sociólogo, etc.) observar e fazer declarações e verificar a veracidade das mesmas, e não da
lógica da ciência (1937, p. 317).
Mas, então, qual a importância da lógica da ciência, se o processo de
construção do conhecimento pelos cientistas é anterior à construção da lógica da ciência?
Carnap justificaria dizendo que a construção da lógica da ciência propiciava a clarificação das
sentenças de uma determinada área do conhecimento e possibilitava uma discussão coerente
entre cientistas. Um exemplo ilustrativo é a tradução de sentenças filosóficas para o modo
formal do discurso sobre um mesmo assunto, mas de diferentes linhas de pensamento:

Modo Material do Discurso Modo Formal do Discurso


(sentenças filosóficas) (sentenças sintáticas correlacionadas)

As expressões numéricas são classes-


Os números são classes de classes de coisas.
expressões de nível dois.

Os números pertencem a um tipo especial As expressões numéricas são expressões de


primitivo de objetos. nível zero.

Segundo Carnap (1937, p. 300), a primeira sentença filosófica é defendida


pelos Logicistas48 e a segunda pelos Formalistas49. Estas duas definições de número, no modo
material, podem trazer discussões infrutíferas quanto à qual delas está correta e o que
realmente os números são. Por outro lado, no modo formal, fica muito mais clara a
compreensão das mesmas e é muito fácil compará-las. Embora ainda sejam possíveis várias
interpretações e Carnap acentua que a determinação da linguagem é fundamental para a

48
A doutrina dos Logicistas foi amplamente desenvolvida na célebre obra Principia Mathematica de Bertrand
Russel e Whitehead, cuja tese fundamental pode ser resumida assim: a matemática reduz-se à lógica. Cf.
COSTA, 1977, p. 3-7.
49
O criador e principal representante dos Formalistas é o analista alemão David Hilbert, um dos maiores
matemáticos contemporâneos. O formalismo nasceu das vitórias alcançadas pelo chamado método axiomático.
Segundo esse método, toda teoria formal Matemática deve ser organizada em um sistema axiomático, ou seja,
possui um certo conjunto de objetos e consta de termos primitivos, regras de formação de fórmulas a partir deles,
axiomas (ou postulados), regras de inferência, proposições e teoremas. Cf. COSTA, 1977, p. 31-33.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 74

interpretação da veracidade ou falsidade das mesmas. Por exemplo, para pelo menos uma
linguagem em geral, as duas sentenças poderiam ser verdadeiras; ou para todas as linguagens,
elas poderiam estar (em partes) erradas; ou para a linguagem da física ou da biologia elas
poderiam nem ser coerentes. Assim, a questão da verdade ou falsidade delas não pode ser
discutida sem referência a uma linguagem, mas podemos questionar se esta ou aquela forma
de linguagem é a mais apropriada para esses conceitos e suas finalidades.
Essa atitude de valorizar a clarificação das sentenças, através da tradução no
modo formal do discurso, e a necessidade de interpretá-las sempre relativa a uma linguagem
determinada, em detrimento da discussão acerca de qual, dentre dois ou mais conceitos,
aquele que é mais correto e da discussão acerca de quais conceitos são permissíveis e quais
devem ser eliminados, é uma atitude tolerante de Carnap que ele chama de: Princípio de
Tolerância.
A formulação geral do Princípio de Tolerância, segundo ele (1937, p. 51), era:
“não é nosso negócio criar proibições, mas chegar a convenções”50. As proibições deveriam
ser substituídas pela diferenciação definicional, isto é, deveríamos substituir as proibições por
uma distinção apropriada das diversas formas de linguagens. Em muitos casos, isso acontece
através de investigações simultâneas (análogo a Geometria Euclidiana e a Geometria Não-
Euclidiana), de formas de linguagem de diferentes tipos – por exemplo, uma linguagem que
admite regras definidas ou indefinidas de transformação, ou uma linguagem admitindo ou não
a Lei do meio excluído.
E acentuava que a discussão devia versar sobre regras sintáticas:

Em lógica, não existe moral. Todos têm a liberdade de criar sua própria lógica, isto
é, sua própria forma de linguagem, da maneira que desejar. Tudo o que se exige, se
quiser discuti-la, é que formule seus métodos claramente e dê regras sintáticas ao
invés de argumentos filosóficos. A atitude tolerante que aqui está sendo sugerida é,
(...), a atitude que é tacitamente compartilhada pela maioria dos matemáticos.
(CARNAP, 1937, p. 52).51

As palavras de Carnap, em especial o trecho “dê regras sintáticas ao invés de


argumentos filosóficos”, assumiam um tom particularmente duro ou provocativo. Visto assim,
o Princípio de Tolerância era uma proposta tolerante com respeito àquilo que era clarificado
através das regras sintáticas e intolerante no que diz respeito à falta de clareza, voltando o
olhar das discussões para a linguagem. A construção de uma linguagem como um cálculo

50
Destaque do autor.
51
Destaque do autor.
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 75

simbólico era aquilo que, primordialmente, tem de ter significado. Se a construção de uma
linguagem formalizada poderia ser significativamente descrita, se seu regime de operação
simbólica poderia ser significativamente instituído, então não deveria haver motivos,
baseados em significado, para sua rejeição (TRANJAN, 2010, p. 237). Em outras palavras,
qualquer cálculo simbólico, desde que fosse bem formulado, era admissível como sistema
formal sintático. Nas palavras de Carnap (1937, p. 164): “Portanto, é uma questão de escolha
da forma da linguagem – isto é, do estabelecimento das regras da sintaxe e da investigação
das consequências destas”.

Com esse princípio acreditamos que Carnap forneceu, da maneira filosoficamente


mais profunda e consistente, um marco do pensamento teórico em lógica, de
influência permanente e frutífera para quase toda a pesquisa que se seguiu na área.
Em outras palavras, acreditamos que o Princípio de Tolerância conseguiu escapar
ileso à derrocada da abordagem sintática. Ele não apenas permaneceu atuante em
todo o pensamento posterior de Carnap, como também se revelou um dos resultados
verdadeiramente fundamentais que orientam as melhores concepções hoje
disponíveis acerca da lógica formal – de sua função e de sua posição no sistema de
conhecimento. (TRANJAN, 2010, p. 12).

Como tratamos no tópico anterior, a análise sintática da linguagem possui


falhas irreparáveis, como a impossibilidade de definir o conceito geral de analiticidade.
Através dessa tolerância às formas de linguagens, Carnap é suscetível à discussão de novas
teorias lógicas e, em suas obras posteriores, o Princípio de Tolerância deixa de ser restrito ao
método apenas sintático e passa a ser mais abrangente, em especial, incluirá o método
semântico.
Ele reconhecerá a dificuldade em defender a identificação da filosofia com a
análise sintática da linguagem e exporá, em sua autobiografia, que a “Sintaxe Lógica da
Linguagem” foi demasiadamente restritiva: “eu não devia ter dito que a filosofia ou filosofia
da ciência eram simplesmente problemas sintáticos, mas deveria ter dito de maneira mais
geral que são problemas metateóricos” (1963, p. 105), isto é, que são além de sintáticos
também semânticos. Quem contribuirá consideravelmente nesse reconhecimento é Alfred
Tarski, através das suas obras sobre os fundamentos da semântica teórica e da definição de
verdade.
Assim, é nessa atitude tolerante de Carnap que o filósofo revela sua
flexibilidade às novas teorias, desde que elas permanecessem com a análise rigorosa da
linguagem, através de uma simbolização adequada e suficientemente regrada, tal como
exemplificado na matemática. Como Tarski tratará da sua teoria semântica através de uma
CAPÍTULO 2. A ANÁLISE SINTÁTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO RUDOLF CARNAP 76

extensa sistematização da linguagem e de seus conceitos, até mesmo muito similares à


utilizada por Carnap na construção da “Sintaxe Lógica da Linguagem”, ele atenderá à
tolerância carnapiana e revolucionará o pensamento deste.
Desse modo, apresentaremos no próximo capítulo, as ideias de Tarski que
defendem a análise semântica da linguagem e que mudarão o pensamento de Carnap em
relação ao tema.
Capítulo III

A Análise Semântica da Linguagem segundo Alfred Tarski


CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 78

3. Introdução

O lógico e matemático polonês, Alfred Tarski, ficou conhecido por fornecer


rigorosas definições para noções úteis em metodologia científica – que deve ser entendida de
forma a contemplar as ciências dedutivas –, principalmente, a definição de verdade. Para ele,
o estudo da linguagem constituía uma parte essencial da discussão metodológica das ciências
dedutivas. Em particular, sua ambição era o estabelecimento da semântica de uma linguagem
– que, grosso modo, se ocupasse de certas relações entre as expressões de uma linguagem e os
objetos (ou estado de coisas), a que se referem essas expressões – como uma parte na
metodologia da ciência. Seu interesse era colocar-se contrário a qualquer tendência de
rejeição de conceitos semânticos (TARSKI, 1935, p. 402 e TARSKI, 1944, apud MORTARI
& DUTRA, 2006, p. 195) e opor-se à análise puramente sintática da linguagem (1933, p.
166), como, por exemplo, a rejeição do conceito de verdade extralógica por alguns membros
do Círculo de Viena (em destaque, a rejeição do conceito de verdade extralógica por Carnap,
em sua obra “Sintaxe Lógica da Linguagem”, como tratamos no capítulo anterior).
Através de conferências à Sociedade Filosófica de Varsóvia, em torno de 1929,
Alfred Tarski apresentou seu primeiro texto sobre a concepção de verdade, intitulado: “Sobre
o conceito de verdade com referência às ciências dedutivas formalizadas”. Contudo, sua
publicação só veio a ocorrer em 1933, já complementado por consideráveis acréscimos,
primeiramente em polonês, depois traduzido para o alemão e mais tarde para o inglês com o
título “Concept of Truth in Formalized Language” (O Conceito de Verdade em Linguagens
Formalizadas), no volume Logic, Semantics, Metamathematics de 1956, (que apresenta uma
coletânea de artigos do Tarski traduzida para o inglês), traduzido também para o italiano e
recentemente para o português por Cezar Augusto Mortari e Luiz Henrique de Araújo Dutra.
Nesse artigo, ele discute, de maneira bastante técnica, os critérios necessários
para a construção de uma definição de verdade relativa a uma linguagem e dá exemplos de tal
definição para algumas linguagens como o Cálculo de Classes. Apesar de ser um texto muito
técnico, apresentando ricas classes de resultados matemáticos, ele atraiu um público
diversificado, sendo valorizado por alguns filósofos por prover uma análise filosoficamente
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 79

significativa da natureza da verdade, mas também foi alvo de muitas críticas, principalmente
por apresentar um conceito que parecia se diferenciar das tendências do positivismo lógico52.
Posteriormente, Tarski apresentou outro importante artigo, “O Estabelecimento
da Semântica Científica” (um resumo da comunicação apresentada no Congresso
Internacional de Filosofia Científica de 1935 em Paris), que reportava o seu desejo de trazer a
semântica à discussão da metodologia científica, o que, até aquele momento, era visto com
bastante suspeição53. E, mais tarde, Tarski ainda publicou outros dois artigos sobre a natureza
da verdade, porém, sem todo o tecnicismo lógico do artigo de 1933, com um caráter mais
filosófico e também com o objetivo de expressar sua opinião a respeito de algumas objeções
que haviam sido levantadas sobre o tema. Tais textos foram publicados em inglês nos anos de
1944, sob o título “The Semantic Conception of Truth and the Foundations of Semantics” (A
Concepção Semântica da Verdade e os Fundamentos da Semântica), e de 1969, sob o título
“Truth and Proof” (Verdade e Demonstração).
No artigo “O Estabelecimento da Semântica Científica”, ele apresenta a sua
interpretação do termo “semântica”, que é usado em seus trabalhos num sentido mais
específico que o habitual:

Vamos entender por semântica a totalidade das considerações que dizem respeito
aos conceitos que, de modo geral, expressam certas conexões entre as expressões de
uma linguagem e os objetos e estados de coisas a que se referem tais expressões.
(TARSKI, 1935, p. 401).

Tarski não estava interessado em explorar todo o campo da semântica, isto é, o


aquele que se ocupa das relações dos símbolos linguísticos de qualquer linguagem, de
maneira especial as línguas naturais, com os objetos por ela designados, mas pretendia se
ocupar apenas dos conceitos que relacionam as expressões de uma linguagem formalizada,
que contém sua estrutura claramente e exatamente especificada, com os objetos ou estados de
coisa a que se referem tais expressões. Em outras palavras, Tarski (1933, p. 165-166 e 1935,
p. 402-403), restringe sua investigação apenas à semântica de linguagens formalizadas, nas

52
Encontramos na autobiografia de Carnap: “Neurath acredita que o conceito semântico de verdade não podia
conciliar-se com o critério estritamente empirista e antimetafísico” (1963, p. 112) característicos do pensamento
de alguns dos componentes do Círculo de Viena.
53
Lembrando que a visão fortemente difundida por alguns adeptos do Círculo de Viena era que a análise da
linguagem deveria ser apenas sintática (como tratamos no capítulo anterior).
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 80

quais os conceitos estão relacionados com a forma e o arranjo dos símbolos que compõem
essa linguagem, em detrimento das línguas naturais54.
Como exemplo de conceitos semânticos de linguagens formalizadas, ele cita os
conceitos de “denotação”, “satisfação” e “definição”, que aparecem, por exemplo, nas
seguintes sentenças:

A expressão ‘o vencedor de Jena’ denota Napoleão;


A neve satisfaz a condição ‘x é branca’;
(
A equação ‘ = 2’ define (determina unicamente), a raiz cúbica do número 2.

Para o autor, o conceito de “verdade” também deveria ser incluído como


semântico, pelos menos em sua interpretação como verdade-como-correspondência, de acordo
com a qual ‘verdadeiro’ significa o mesmo que ‘corresponde à realidade’. (1935, p. 401). No
artigo de 1944 (p. 336), Tarski propõe o nome de “Concepção Semântica da Verdade”, para
designar a sua concepção de verdade e afirma que “o problema de definir a verdade se mostra
intimamente relacionado ao problema mais geral de estabelecer os fundamentos da semântica
teórica” (1944, p. 336), isto é, de caracterizar de maneira precisa os conceitos semânticos e de
estabelecer um modo de usá-los logicamente que evite objeções e que preserve o real e
intuitivo significado dos conceitos (1935, p.402).
Em uma perspectiva histórica (1944, p. 337), a semântica sempre desempenhou
um papel importante nas discussões de filosofia e de lógica. Contudo, embora o significado
dos conceitos semânticos, como são usados na língua natural, pareçam bastante claros e
compreensíveis, todas as tentativas de caracterizar esse significado de maneira geral e exata
fracassaram. E, o que é pior, diversos argumentos nos quais esses conceitos estavam
envolvidos, e que pareciam inteiramente corretos e baseados em premissas aparentemente
óbvias, com frequência conduziam a paradoxos e antinomias, como a “Antinomia do
Mentiroso” (de que trataremos nos próximos tópicos).
Para Tarski a principal fonte de dificuldade estava no seguinte: “não se teve
sempre em mente que os conceitos semânticos têm um caráter relativo, que eles devem
sempre estar relacionados a uma linguagem particular” (1935, p. 402). Ou seja, o erro sempre

54
Em alguns de seus textos, Tarski parece se deixar levar pelo entusiasmo geral com sua teoria e acreditar na
extensão da sua teoria semântica para linguagens não formalizadas, como a língua natural. Cf. TARSKI, 1969, p.
114. Mas suas considerações a esse respeito é diferente em “A Concepção Semântica da Verdade e os
Fundamentos da Semântica”, quando ele é reticente quanto às possibilidades de extensão de seus métodos para o
domínio da língua natural. Cf. TARSKI, 1944, p. 338-339.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 81

consistiu em construir a semântica de uma linguagem na própria linguagem, os conceitos


semânticos simplesmente não têm lugar na linguagem à qual eles se relacionam, ou seja, a
linguagem que contém sua própria semântica, e na qual valem as leis usuais da lógica. Assim,
reconhecida essa dificuldade, era possível superar a suspeição em relação à semântica e
desenvolver os fundamentos da semântica na metodologia científica. Para tanto, Tarski
apresenta os seguintes passos (1935, p. 402-404):

(1) Devemos começar pela descrição da linguagem cuja semântica desejamos


construir.
(2) Devemos construir uma outra linguagem na base da qual a semântica da linguagem
em investigação deverá ser desenvolvida.
(3) Devemos determinar as condições, sob as quais podemos utilizar os conceitos
semânticos, que preservem o real e intuitivo significado deles.

Em relação ao passo (1), chamado por Tarski de correção formal55 (1944, p.


332), a definição de um conceito semântico apenas pode ser formalmente correto se respeitar
as regras que regem a construção de definições. Tais regras só adquirem um sentido
completamente definido quando lidamos com uma linguagem em que sua estrutura está
especificada.
Em relação ao (2), para a superação dos paradoxos e antinomias, em particular,
da Antinomia do Mentiroso, o autor propõe a construção de uma outra linguagem na base da
qual a semântica da linguagem em investigação deverá ser desenvolvida. Essa linguagem,
denominada “metalinguagem”, deve conter uma vocabulário rico o suficiente para nomear
cada uma das expressões da linguagem em investigação, denominada “linguagem-objeto” e
deve contemplar termos de caráter lógico.
Como regra geral, temos de distinguir as duas linguagens que estão envolvidas
na definição dos conceitos semânticos: por um lado, a linguagem na qual as definições estão
sendo expressas (metalinguagem) e, por outro, a que pertence às expressões cujos conceitos
semânticos estamos definindo (linguagem-objeto). Tendo estabelecido as duas linguagens,
facilmente podemos superar os paradoxos e antinomias.

55
Tarski se utiliza da terminologia lógica medieval. Cf. TARSKI, 1944, p. 334.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 82

Em relação ao passo (3), chamado por Tarski de adequação material56 (1944, p.


332), a definição do conceito semântico deve captar (ou ser conforme) o significado comum,
testemunhado pelo uso, do conceito.
Contudo, para o autor, esses passos eram de natureza preparatória e auxiliar,
desta forma, ainda era necessário um procedimento que estabelecesse a utilização dos
conceitos semânticos na metalinguagem. Neste momento, com a intenção de possibilitar o
diálogo sobre semântica, Tarski estava preocupado em respeitar os critérios estabelecidos
pelos adeptos ao Círculo de Viena (1935, p. 405-407). Para tanto, ele teria, ao menos, que se
adequar aos princípios essenciais do positivismo lógico, como a aversão à metafísica. Nesse
sentido, em relação à linguagem, o caminho era desenvolver sua teoria dentro de um sistema
linguístico fisicalista e lógico-matemático. Mais especificamente, os conceitos semânticos de
linguagens formalizadas precisam ser definidos em termos dos conceitos usuais da
metalinguagem e, assim, reduzidos a conceitos puramente lógicos, os conceitos da linguagem
que está sendo investigada e os conceitos específicos da sintaxe da linguagem (TARSKI,
1944 apud MORTARI & DUTRA, 2006, p. 192).
O caminho para conseguir essa redução, era lidar primeiro com o conceito
semântico de “satisfação”, por dois motivos: a definição desse conceito apresenta
relativamente poucas dificuldades; e os outros conceitos semânticos são facilmente redutíveis
a ele (1935, p. 406-407). Alcançado esse intento, a semântica poderia ser considerada parte da
metodologia da ciência e tornar-se-ia um assunto essencial no estudo da linguagem.
O exemplo paradigmático desse empreendimento, foi a “Concepção Semântica
da Verdade”, na qual Tarski construiu uma definição da “verdade” materialmente adequada e
formalmente correta, e que é claramente extensível a uma série de outras noções semânticas.
Discutiremos nos próximos tópicos esse exemplo.

3.1 Definição Formalmente Correta da Verdade

As linguagens possuem um papel fundamental na construção da “Concepção


Semântica da Verdade” de Tarski. Nas palavras do próprio autor:

56
Tarski se utiliza da terminologia lógica medieval. Cf. TARSKI, 1944, p. 334.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 83

(...) devemos sempre associar a noção de verdade, assim como a de sentença, a uma
linguagem específica; pois é óbvio que a mesma expressão que é uma sentença
verdadeira em uma linguagem pode ser falsa ou sem sentido em outra. (TARSKI,
1944, p. 333).

Para ele (1969, p. 113), a definição de verdade deve ser relativa a uma
linguagem particular. Tarski afirma que a verdade é um atributo das sentenças57 (enquanto
objetos físicos, ou classes de tais objetos), mas acrescenta que ela é um atributo que as
sentenças têm ou não, dependendo, entre outras coisas, do seu significado e da sua estrutura
gramatical na linguagem em questão.
Por isso, de certa maneira, não é correto afirmar “a definição de verdade de
Tarski”, mas sempre uma definição de verdade referente a uma dada linguagem. No ensaio de
1933, o que o autor faz é apresentar a definição de verdade para uma linguagem particular, no
caso a linguagem do Cálculo de Classes, e depois descrever, de um modo geral, como é que o
mesmo método de construção da definição pode ser aplicado a outras linguagens com uma
estrutura mais ou menos semelhante. Nas palavras dele:

Não pretenderemos de todo dar aqui uma definição geral única do termo [“sentença
verdadeira”]. O problema que nos interessa será dividido numa série de problemas
separados, cada um dos quais relativos a uma só linguagem. (TARSKI, 1933, p.
153).58

Portanto, não há apenas uma definição da verdade; de fato, nem mesmo


possuímos duas ou mais concepções da verdade aqui, o que temos é uma concepção da
“verdade-em-L1”, uma concepção da “verdade-em-L2” e, assim, por diante.
A relativização é necessária pelo fato de que as linguagens tratadas são
diferentes em significado e estrutura e, principalmente, porque Tarski deseja eliminar termos
semânticos primitivos, pois considera que nenhuma das noções semânticas é, pré-
teoricamente, suficientemente clara para ser empregada com segurança (HAACK, 1978, p.
151).
Assim, procurando evitar termos semânticos primitivos e considerando suas
condições de definição da verdade – formalmente correta e materialmente adequada –, Tarski
restringe consideravelmente as linguagens de sua investigação. Em outras palavras, ele deseja

57
Respeitando as ideias do positivismo lógico, o portador-de-valor-de-verdade escolhido por Tarski precisava
necessariamente ser algo físico (uma cadeia de sons ou de sinais concretos) ou lógico-matemático, o qual, então,
era as expressões linguísticas, mais especificamente, as sentenças declarativas (TARSKI, 1933, p. 156 e
TARSKI, 1944, p. 332-333).
58
Colchetes nossos.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 84

construir uma concepção infalível, neutra em relação a outras concepções e teorias, mesmo
que isso torne a concepção da verdade exclusiva de poucas linguagens.
Por exemplo, as línguas naturais não respeitam as condições impostas e,
consequentemente, falham na construção da concepção semântica da verdade (veremos os
motivos nos tópicos seguintes). Nas palavras do Tarski (1944, p. 338): “(...) para todas as
línguas naturais, linguagens “faladas” – o significado do problema [da definição da verdade] é
mais ou menos vago, e sua solução apenas pode ter um caráter aproximado”59.
Desse modo, Tarski se dedica, principalmente, ao estudo das “linguagens
formalizadas”, isto é, uma linguagem em que sua descrição é especificada claramente e
exatamente. Para ele (1935, p. 403), uma descrição da linguagem é clara e exata apenas
quando sua especificação é puramente estrutural, ou seja, quando empregamos nela somente
os conceitos relacionados à forma e ao arranjo dos símbolos e expressões compostas da
linguagem. Tarski é um daqueles pensadores que veem nas línguas naturais um meio
inadequado para a expressão e o desenvolvimento da ciência e que acalentam a esperança de
que linguagens mais apropriadas a esse fim possam, finalmente, substituir a linguagem de
todos os dias no discurso da metodologia da ciência (1944, p. 338-339 e 1969, p. 112-113). E
chega a afirmar:

Linguagens formalizadas são completamente adequadas para a apresentação da


lógica e de teorias matemáticas; e me parece que não há nenhuma razão essencial
porque elas não podem ser adaptadas para uso em outras disciplinas científicas e em
particular para o desenvolvimento das partes teóricas das ciências empíricas.
(TARSKI, 1969, p. 114).

Como dito anteriormente, a noção de verdade para Tarski deverá ser


formalmente correta e materialmente adequada. Para que uma definição seja formalmente
correta, é preciso que ela obedeça às regras formais que regem a construção de definições, tais
regras só adquirem um sentido completamente definido quando lidamos com uma linguagem
formalizada.
Desse modo, antes de construirmos uma definição formalmente correta, será
preciso especificar de modo claro e exato a estrutura da linguagem. Para tanto, Tarski (1944,
p. 337-338 e 1935, p. 402) apresenta um caminho a ser seguido:

• Devemos caracterizar inequivocamente a classe das expressões que sejam


consideradas significativas.

59
Grifos do autor e os colchetes são nossos.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 85

• Devemos indicar todas as expressões que decidiremos usar, sem defini-las e que se
chamam termos indefinidos ou primitivos.
• Devemos fornecer as regras de definição para introduzir termos definidos ou
novos.
• Devemos estabelecer critérios para distinguir, dentro da classe de expressões,
aquelas a que chamaremos sentenças.
• Devemos indicar todas as sentenças primitivas ou axiomas, isto é, as sentenças que
decidiremos afirmar sem prova.
• Devemos formular as condições nas quais poderemos afirmar uma nova sentença
da linguagem ou teorema.
• Devemos fornecer as regras de inferência (ou regras de transformação), mediante
as quais poderemos deduzir novas sentenças a partir de outras sentenças
previamente afirmadas.

É importante essa especificação porque, por exemplo, não podemos demonstrar


que certo número é primo, ou que todos os números primos têm certa propriedade, numa
linguagem que não contenha o termo primo.
As definições são utilizadas para introduzir novas expressões na linguagem, as
quais permitirão formar novas sentenças, que não eram antes formuláveis nela e que podem
agora ser ou não demonstradas. Mas, se essa introdução de novas expressões não obedecesse
a certas regras, o enriquecimento daí resultante poderia acabar por desvirtuar completamente a
linguagem, por exemplo, tornando-o inconsistente.
Essas regras, sobretudo, dizem respeito à relação entre o novo termo introduzido e os
que anteriormente já pertenciam à linguagem. O significado do novo termo deve ser
especificado, utilizando-se apenas aqueles já disponíveis na linguagem. A definição é, ela
própria, uma sentença da linguagem que faz essa especificação. Esse enriquecimento da
linguagem tem grande importância para Tarski, principalmente quando formos discutir sobre
metalinguagem.
O caso que mais interessa dos predicados para Tarski (1969, p. 104) é aquele
em que a definição tem a forma de uma bicondicional. Ao lado esquerdo da bicondicional, dá-
se o nome de definiendum e ao direito o de definiens. A expressão que se quer definir ocorre
apenas no definiendum, pois seria circular tentarmos especificar o significado de uma palavra
como “primo” usando esse mesmo vocábulo na nossa especificação: quem não
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 86

compreendesse já a palavra “primo”, não poderia compreender a definição. No caso presente,


como queremos definir a expressão “x é verdadeira”, é de se esperar que a definição tenha a
forma:

x é verdadeira ↔ p

e que a palavra “verdadeira” não ocorra na sentença que ocupa o lugar de “p” (isto é, no
definiens). É também necessário evitar-se a falácia do círculo vicioso, que consiste em definir
um termo com base num outro que, por sua vez, é definido com base no primeiro (ou que,
mais indiretamente, é definido com base num terceiro que, por sua vez, é definido com base
no primeiro). Isto se evita impondo-se, como condição, que as expressões que ocorram no
definiens pertençam ao vocabulário primitivo (SANTOS, 2003, p. 99).
Enfim, para Tarski (1944, p. 337-339), uma definição da verdade formalmente
correta segue a especificação da estrutura de uma linguagem, ou seja, a especificação das
sentenças, palavras e conceitos que desejamos usar para definir a noção de verdade e também
das regras às quais a definição deve ser submetida.

3.2 Definição Materialmente Adequada da Verdade

Pela sua ligação exclusiva à língua natural e ao uso efetivo da expressão, o


objetivo da adequação material é bem mais problemático e indefinido do que o da correção
formal, para o qual, como vimos, existem regras precisas que guiam a decisão (SANTOS,
2003, p. 101-102). A dificuldade tem origem na heterogeneidade daquilo que está sob
comparação, pois não se trata de confrontar duas definições, mas de comparar o significado
explicitado numa definição com o significado implícito no uso. A isto se acresce o fato de que
muitas expressões da linguagem corrente são vagas e ambíguas (TARSKI, 1944, p. 348), pelo
que qualquer definição explícita só poderá concordar com alguns aspectos do seu uso,
negligenciando outros. Desta forma, quais são os critérios que devemos ter para determinar se
uma definição é ou não é adequada?
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 87

Tarski considera que, a limite, a questão só poderá ser resolvida pelo método
do inquérito estatístico aos usuários da linguagem60. Todavia, ainda aí, coloca-se a questão de
saber se os falantes têm, em geral, condições para entender a definição que lhes seria
apresentada, especialmente se esta envolver o recurso a um certo vocabulário técnico.
Para o autor, (1944, p. 334), a questão da adequação tem o seu lugar quando a
definição pretende captar, ou ser, conforme o significado comum, testemunhado pelo uso, da
expressão. Assim, ele nos convida a refletir sobre a questão: ‘em que condições a sentença “a
neve é branca” é verdadeira ou falsa?’. Para Tarski devemos embasar na “concepção clássica”
da verdade, pois diremos que a sentença é verdadeira se a neve é branca; e falsa se a neve não
é branca.
Ele chama de “concepção clássica” a concepção filosófica da verdade que,
hoje, é mais comumente conhecida por “concepção correspondentista” ou “concepção da
verdade-como-correspondência” e opõe-na às concepções rivais como a pragmática61 e a
coerentista62. Como formulações representativas da concepção da verdade-como-
correspondência, Tarski menciona as seguintes (1933, p. 153-155; 1944, p. 333-334; 1969, p.
102):

(1) Dizer daquilo que é que não é, ou daquilo que não é que é, é falso, enquanto
dizer daquilo que é que é, ou daquilo que não é que não é, é verdadeiro.

60
Cf. TARSKI, 1944, p. 354-355.
61
A verdade pragmática é fundada em consequências básicas ou efeitos práticos de uma crença. O pragmatismo
teve, como fundador, Charles Sanders Peirce, em um artigo intitulado “How to make our ideas clear” de 1878.
Contudo, Peirce, mais tarde, muda o nome de sua teoria de pragmatismo para pragmaticismo, pelo fato de os
filósofos John Dewey, F.C.S. Schiller e William James (1907) terem se apropriado do nome pragmatismo. E, nas
palavras do Peirce, “pragmatismo é uma teoria de análise lógica ou de definição de verdade; e seus maiores
méritos estão em suas aplicações às mais elevadas concepções metafísicas”. (PEIRCE, 1934, v.6, p. 490 apud
IBRI, 1992, p. 102). Para Peirce (1878, p. 199), a distinção entre crença e dúvida constitui uma diferença prática.
As crenças guiam nossos objetivos e moldam nossas ações; a crença é uma indicação mais ou menos certa de
que se estabeleceu em nós algum hábito e, além disso, crenças diferentes são distinguidas pelos diferentes modos
de ação a que dão origem. Por outro lado, a dúvida não produz esses efeitos, ela constitui um estado difícil e
incômodo com o qual lutamos para nos livrar e passar para um estado de crença. E é esse estado incômodo, a
dúvida, que nos impele à investigação, à busca de um estado estável, à uma crença. Assim, para Peirce, a
verdade de uma concepção constitui-se na opinião, a qual está destinada a ser finalmente estabelecida por todos
que a investigam. Mas esse consenso deve ser o do final de uma exaustiva investigação empírica. Nesse
momento, e somente nesse, nossas concepções corresponderão à realidade.
62
As teorias coerentistas não seguem um padrão exato e o próprio termo “coerentista”, como acentua Richard
Kirkham (1992, p. 152), nunca foi definido satisfatoriamente. O máximo que pode ser fornecido como um
esboço geral, segundo Kirkham (1992, p. 152-153), é que um conjunto de duas ou mais crenças é dito coerente
se e somente se: (1) qualquer membro do conjunto é consistente com qualquer subconjunto de outros membros e
(2) cada qual é implicado por todos os outros tomados como premissas (ou, de acordo com algumas teorias
coerentistas, cada um é implicado por cada um dos outros tomados individualmente). Segundo Susan Haack
(1978, p. 138), nem todos os coerentistas concordavam com a necessidade dessas duas cláusulas, as quais ela
chama de consistência e amplitude, respectivamente. Por exemplo, ela cita que alguns coerentistas acreditavam
que a primeira cláusula era o suficiente, enquanto outros afirmavam a necessidade das duas.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 88

(2) Uma sentença verdadeira é uma sentença que diz que o estado de coisas é tal e
tal e o estado de coisas é efetivamente tal e tal.
(3) A verdade de uma sentença consiste na sua concordância (ou conformidade, ou
correspondência) com a realidade.
(4) Uma sentença é verdadeira se designa um estado de coisas existente.

A primeira dessas formulações é a conhecida afirmação de Aristóteles na


Metafísica (ARISTÓTELES, 1969, 1011b26-27). Apesar de manifestar uma preferência por
essa relativamente às três restantes, o juízo de Tarski é o de que nenhuma delas é uma
definição satisfatória da verdade, por exemplo, todas elas sofrem, em maior ou menor grau, de
falta de clareza e de ambiguidade das expressões usadas (TARSKI, 1944, p. 334).
A opção do autor pela concepção correspondentista é fruto da convicção de que
ela capta, melhor do que as concepções rivais, o uso corrente das palavras “verdade” e
“verdadeiro”. Aliás, ele sustenta a opinião de que as outras concepções, tais como a
concepção pragmática e a coerentista, não pretendem sequer captar esse uso corrente,
parecendo, antes, ter “um caráter exclusivamente normativo” (TARSKI, 1969, p. 103).
Tal opção é, portanto, meramente instrumental em relação ao objetivo principal de
formular uma definição de verdade que seja formalmente correta e materialmente adequada,
ou seja, que esteja de acordo com alguns usos “corretos” e “comuns” do termo verdade. No
entanto, parece haver uma tensão entre os objetivos da correção formal e os da adequação
material, pois, por um lado, para ser formalmente correta, a definição de verdade tem de ser
formulada numa linguagem formalizada e, por outro, para atender o critério de adequação
material, parece que a definição de verdade precisa ser dada na língua natural. Realmente,
essa tensão será um traço permanente da teoria de Tarski e o critério de adequação não será
uma solução definitiva, mas determinará uma forma definida. De fato, o que o autor oferece é
um método geral que permite, para as linguagens formalizadas, introduzir, por definição,
certo predicado especial, que somos convidados a reconhecer como sendo o homólogo do
nosso predicado de verdade. Em outras palavras, Tarski propõe uma convenção que capta,
segundo ele, a noção comum de verdade e, ao mesmo tempo, é formalmente correta, pois não
infringi as condições de especificação da estrutura da linguagem.
Assim, de modo geral, uma definição de verdade materialmente adequada,
segundo Tarski, deve implicar em todas as sentenças do seguinte padrão, chamadas tanto de
“forma T” como de “esquema T” ou “convenção T” (1944, p. 335):
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 89

(T) X é verdadeira se, e somente se, p,

em que a letra “p” deve ser substituída por qualquer sentença da linguagem e “X” por um
nome dessa sentença.
Como exemplo da forma T, temos:

“Sócrates é mortal” é verdadeira se, e somente se, Sócrates é mortal,

sendo que “Sócrates é mortal” (com aspas), é um nome da sentença e Sócrates é mortal é a
própria sentença. A qualquer sentença com a forma dessa equivalência, passaremos a chamar
“sentença-T”.
Tarski (1944, p. 354-355), defende a convenção T como o critério de
adequação material afirmando que, se fosse feito um inquérito aos falantes de uma língua
natural como o português, em que lhes fosse apresentada uma amostra de sentenças-T, eles
dariam o seu acordo, se não todos, pelo menos uma grande maioria, a essas sentenças. Ou
seja, ele julga que as sentenças-T refletem o aspecto essencial do uso corrente da expressão “é
verdadeira” (na sua aplicação a sentenças declarativas), de tal modo que estar de acordo com
as sentenças-T é estar de acordo com o significado implícito no uso corrente da expressão.
É importante frisarmos que essa equivalência não pode sugerir que a sentença
que ocupa o lugar de “X” não seja o nome de uma sentença particular e pertença a uma
linguagem geral; e a sentença que ocupa o lugar de “p” seja como fatos no mundo, pois, com
isso, somos levados a acreditar que essa condição de adequação material seria a expressão de
uma concepção da correspondência entre linguagem e mundo63, o que não é o ponto de vista
de Tarski (trataremos mais desse assunto nos próximos tópicos).
Uma grande importância filosófica da convenção T e que, realmente, reflete a
relação entre os termos “X” e “p” está na distinção entre linguagem-objeto e metalinguagem
para evitar antinomias. O termo “X” deve ser substituído por um nome de qualquer sentença
da linguagem-objeto e o termo “p” pela expressão que forma a tradução dessa sentença na
metalinguagem (trataremos mais desse assunto nos próximos tópicos).
Em resumo, nas palavras do próprio Tarski,

63
Por exemplo, Popper acreditava que a convenção T era uma reabilitação da teoria da verdade como
correspondência. Cf. POPPER, 1972, p. 249 e POPPER, 1973, p. 297-302. Cf. Tópico 3.6 A interpretação de
Carnap à teoria de Tarski.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 90

Desejamos usar o termo ‘verdadeiro’ de tal maneira que todas as equivalências da


forma (T) possam ser afirmadas e diremos que uma definição da verdade é
‘adequada’ se todas estas equivalências dela se seguem. (TARSKI, 1944, p. 335).64

Ou seja, a condição de adequação material determina univocamente a extensão


do termo ‘verdadeiro’ (TARSKI, 1944, p. 346) e, assim, podemos definir verdade a partir da
referência a todas as sentenças-T da linguagem.
Cada uma das sentenças-T pode ser considerada uma “definição parcial” de
verdade (TARSKI, 1944, p. 335). Elas possuem a forma de bicondicional que é requerida para
a definição de predicados e explica o significado do predicado “é verdadeira” na sua aplicação
exclusiva a uma certa sentença. Uma definição completa seria uma “conjunção lógica”, ou um
“produto lógico” de todas elas. Por “conjunção lógica”, Tarski tem, em mente, uma conjunção
das sentenças-T. Devido a esse critério, tal definição apenas funciona em linguagens finitas,
por causa da impossibilidade de expressar com a lógica moderna uma conjunção lógica de
infinitas sentenças65.
Segundo os comentadores Susan Haack (1978, p. 143-144) e Richard Kirkham
(1992, p. 207), a condição da forma T serve como um critério para decidir quais são “boas”
teorias da verdade, como um filtro que discrimina, dentre as numerosas teorias da verdade,
aquelas que satisfazem condições mínimas de aceitabilidade e que, portanto, têm alguma
perspectiva de sucesso.
Outro aspecto, que também convém discutirmos, é a impressão de
circularidade que as sentenças-T demonstram (TARSKI, 1969, p. 104). Por exemplo, na
sentença,

“A neve é branca” é verdadeira se, e somente se, a neve é branca,

a sequência de palavras “a neve é branca” ocorre tanto no definiendum como no definiens. No


entanto, essas duas ocorrências têm caracteres distintos. Isso ocorre na diferença entre o uso e
a menção de palavras – uma distinção que é bem mais clara na linguagem escrita do que na
oralidade. Podemos explicá-la por meio da comparação destas duas sentenças:

(I) Platão é discípulo de Sócrates.


(II) “Platão” tem seis letras.

64
Grifos do autor.
65
Tarski expressa essa dificuldade em TARSKI, 1933, p. 188 e TARSKI, 1944, p. 336.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 91

Não se pode concluir dessas sentenças que o discípulo de Sócrates tem seis
letras, pela simples razão de que (II) não diz nada acerca de Platão (o discípulo de Sócrates),
mas fala apenas da palavra “Platão”, a qual é formada pelas letras “P”, “l”, “a”, “t”, “ã” e “o”.
Em casos como esse, diz-se que, em (I), a palavra “Platão” é usada para indicar a pessoa que
foi discípulo de Sócrates, enquanto, em (II), é a própria palavra que é mencionada – e
escrevemos “Platão”.
De modo análogo, na sentença ““A neve é branca” é verdadeira se, e somente
se, a neve é branca”, o definiendum nada diz acerca da neve. Enquanto o definiens fala da
neve e diz que ela é branca. O definiendum fala apenas de uma certa sentença e diz que ela é
verdadeira. Tal como para falar da neve usamos, não a própria neve, enquanto matéria, mas
apenas o seu nome, para falar de uma sentença usamos, não a própria sentença, mas um nome
desta.
A ilusão de circularidade é fruto dos termos usados para formar o nome da
sentença de que queremos falar. O método mais comum de citação é escrever a sentença que
pretendemos nomear entre aspas, mas existem outras maneiras de formarmos os nomes
destas. Nas línguas naturais, há a possibilidade de mencionar, por citação ou por outros
métodos, as sentenças de outras línguas. Isso permite, por exemplo, referirmo-nos (em
português) à sentença inglesa “Snow is white” e explicarmos, em português, em que
condições ela é verdadeira:

“Snow is white” é verdadeira se, e somente se, a neve é branca.

Essa é uma sentença correta, que deve ser considerada como uma definição em
português da verdade da sentença inglesa “Snow is white”.
A sentença-nome poderia também, segundo Tarski (1933, p. 156), ser descrita
quanto à sua estrutura. Por exemplo, indicando como uma sentença pode ser formada a partir
de um certo elenco de símbolos – de letras (maiúsculas ou minúsculas), acentos, sinais de
pontuação e espaços (em suma, de um conjunto de símbolos tal como aquele que encontramos
num teclado de computador). A principal vantagem desses nomes estruturais-descritivos, por
comparação com os mais habituais nomes citacionais, é que eles tornam mais claro o caráter
de objeto físico (ou de classe de tais objetos com uma forma semelhante). Por exemplo,
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 92

uma expressão consistindo de três palavras, das quais a primeira é composta de


quatro letras, N, E, V e E, a segunda de uma letra, É, e a terceira de cinco letras,
B, R, A, N, C, A, é uma sentença verdadeira se somente se neve é branca.

3.3 Definição da Verdade

Uma definição satisfatória de verdade será uma definição materialmente


adequada e formalmente correta. Desse modo, em primeiro lugar, devemos especificar a
estrutura da linguagem66 e, em segundo lugar, estabelecer o critério para a adequação
material, conhecido como convenção T67. A definição geral da verdade será uma conjunção
lógica de todas as sentenças-T da linguagem (TARSKI, 1944, p. 335).
Vejamos um exemplo:
Vamos estabelecer a nossa linguagem formalmente correta, que chamaremos
de L1, de um caso particular do Cálculo Sentencial de 1ª ordem:

Vocabulário de L1:

Conectivos sentenciais: Λ , V

Parênteses: ( , )

A definição de sentenças de L1 é dada a seguir:


Usaremos A e B para representar sentenças.
i. A é uma sentença atômica.
ii. B é uma sentença atômica.
iii. Toda sentença atômica é uma sentença.
iv. (A Λ B) é uma sentença.
v. (A V B) é uma sentença.
vi. Nada mais é uma sentença.

Assim, as únicas sentenças que nossa linguagem L1 possui são:

A, B, (A Λ B) e (A V B).

66
Cf. Tópico 2.1 Definição Formalmente Correta da Verdade.
67
Cf. Tópico 2.2 Definição Materialmente Adequada da Verdade.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 93

Então, queremos uma teoria que implique em todas as sentenças-T seguintes:

“A” é verdadeira se, e somente se, A.


“B” é verdadeira se, e somente se, B.
“(A Λ B)” é verdadeira se, e somente se, (A Λ B).
“(A V B)” é verdadeira se, e somente se, (A V B).

Portanto, uma definição completa da verdade para essa linguagem seria uma
conjunção lógica de todas essas sentenças-T. A conjunção seguinte é exatamente esse tipo de
conjunção lógica68:

Para toda sentença s da linguagem L1, s é verdadeira se, e somente se,


A, e s é idêntico a “A”,
ou B, e s é idêntico a “B”,
ou (A Λ B), e s é idêntico a “(A Λ B)”,
ou (A V B), e s é idêntico a “(A V B)”.

Nós, assim, chegamos à sentença que pode realmente ser aceita como a
desejada definição geral da verdade: ela é formalmente correta e adequada ao sentido em que
implicam todas as equivalências da convenção T.
A linguagem escolhida possui um vocabulário mínimo, para reduzir o trabalho
que deve ser realizado para definir a verdade, mas ela é o suficiente para observarmos que a
conjunção lógica de um número limitado de sentenças é viável. Porém, se houvesse um
número infinito de sentenças essa conjunção lógica seria inviável.
Então, Tarski, para resolver esse problema, desvia sua atenção para outro
conceito: o de satisfação. A ideia será definir o conceito semântico de satisfação e, depois,
definir verdade em termos de satisfação. Discutiremos essa estratégia nos próximos tópicos,
mas, antes, será importante compreendermos a visão de Tarski sobre metalinguagem e
linguagem-objeto, a partir da necessidade de superar os problemas advindos da Antinomia do
Mentiroso.

68
Cf. TARSKI, 1969, p. 107, item (5).
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 94

3.4 Linguagem-objeto e Metalinguagem

Como apresentamos no tópico 2.3, Carnap e Tarski se ocuparam da discussão


acerca da necessidade de duas linguagens para superar antinomias e paradoxos. Porém, o
método carnapiano da análise sintática da linguagem era o método sintático, isto é, pura
manipulação simbólica sem referência extralinguística, e isso não permitia a possibilidade de
uma metalinguagem externa à linguagem-objeto, ou seja, o fato da referência de uma
linguagem na outra extrapolaria a análise puramente sintática.
Em outras palavras, para a defesa da análise sintática da linguagem, era necessária a
construção de uma “metalinguagem sintática” que se caracterizava por ser construída
intralinguisticamente. Mas como observamos anteriormente, a estratégia carnapiana não
solucionava o problema para o conceito geral de “analítico em II”, que exigia uma
metalinguagem mais rica que a linguagem-objeto para superar as antinomias, em particular, a
Antinomia do Mentiroso. Assim, a metalinguagem sintática, utilizada na análise sintática da
linguagem, era extremamente restritiva e impossibilitava a definição de vários conceitos
importantes como verdade, designação, entre outros.
Alfred Tarski apresenta uma estratégia diferente daquela de Carnap, ele
constrói a “metalinguagem semântica”, que veremos que é distinta e mais rica do que a
linguagem-objeto, que possibilita a definição de conceitos semânticos e é capaz de superar os
problemas advindos da Antinomia do Mentiroso.
Assim, para entendermos a estratégia tarskiana, primeiro, precisamos
compreender como a Antinomia do Mentiroso pode ser uma fonte de ceticismo a respeito da
concepção semântica da verdade. Para tanto, temos de apreciar a ligação crucial da antinomia
com as sentenças-T, enquanto paradigmas do uso adequado desse conceito (SANTOS, 2003,
p. 128-136). Essa ligação é especialmente visível na formulação da antinomia de que
trataremos a seguir e que Tarski adota como objeto de análise e que atribui ao lógico Polonês
Jan Lukasiewicz (TARSKI, 1969, p. 108).
Assumindo que o nosso uso do termo “verdade” é adequado e, dessa forma,
que todas as instâncias da convenção T são gramaticais, consideremos a seguinte sentença:

(i) A sentença impressa na linha 29 da página 94 desta tese é falsa.


CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 95

Vamos tomar “s” como sendo a abreviação dessa sentença. Podemos observar
que “s” é uma sentença autorreferente, mas também gramatical e pertencente à linguagem
natural. Olhando para a linha 29 da página 94 desta tese, nós facilmente observamos que “s” é
apenas a sentença impressa nessa página, ou seja,

(ii) “s” é idêntico à sentença impressa na linha 29 da página 94 desta tese.

Como nosso uso do termo “verdade” é adequado, nós podemos afirmar a forma
T em que “p” é substituído por “s”. Assim, temos que:

(iii) “s” é verdadeira se, e somente se, s.

Agora, lembrando que “s” é a sentença (i), nós podemos substituir “s” por (i)
no definiens e obtemos:

(iv) “s” é verdadeira se, e somente se, a sentença impressa na linha 29 da página 94
desta tese é falsa.

Pela regra de substituibilidade dos idênticos69, nós concluímos:

(v) “s” é verdadeira se, e somente se, “s” é falsa.

Isso nos conduz a uma contradição: “s” prova ser tanto verdadeira quanto falsa.
Partindo de sentenças plausivelmente verdadeiras e usando regras de inferência que
conservam a verdade, somos conduzidos a uma conclusão logicamente falsa. Estamos diante
de uma grande dificuldade, mas, como bom lógico, Tarski declara que não podemos nos
conformar com esse fato. Temos de descobrir sua causa:

O surgimento de uma antinomia é para mim um sintoma de doença. Começando


com premissas que parecem intuitivamente óbvias, usando formas de raciocínio que
parecem intuitivamente certas, uma antinomia conduz-nos a algo sem sentido, uma
contradição. Sempre que isto acontece, temos de submeter a nossa maneira de
pensar a uma revisão completa, rejeitar algumas premissas em que acreditávamos ou
aperfeiçoar algumas formas de argumento que usávamos. (TARSKI, 1969, p. 110).

Mas que premissas ou formas de raciocínio deveremos rejeitar? Uma maneira


de evitar a antinomia seria rejeitar as sentenças do tipo (iii); por dois motivos: ou a sentença

69
Regra de substituibilidade dos idênticos: dada a identidade afirmada em (ii), a lei autoriza que, em (iv),
substituamos “a sentença impressa na linha 29 da página 94 desta dissertação” por “s”, obtendo assim a
conclusão (TARSKI, 1944, p. 339).
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 96

(iii) não é realmente uma instância da forma T, ou ela é, mas nem todas as instâncias da forma
T são gramaticais. Porém, para que uma sentença se qualifique como uma instância da forma
T (X é verdadeira se, e somente se, p), basta que no lugar de “X” seja inserido um nome de
uma sentença, gramaticalmente correta, da linguagem a cujas sentenças o predicado “é
verdadeiro” se refere, e que, no lugar de “p”, esteja uma tradução dessa sentença. E sentenças
do tipo (i) são indubitavelmente da língua portuguesa, com significado, e não violam a
gramática dessa língua. Ora, se (i) é uma sentença da língua portuguesa, então (iii) é uma
equivalência irrecusável da forma T.
Assim, a responsabilidade pela contradição deve ser atribuída à ideia de que
todas as instâncias da forma T são gramaticais, porém, essa ideia é inerente à definição da
verdade (lembrando que a definição refere-se à conjunção das sentenças-T), ou seja, a
contradição acontece porque o nosso uso do termo “verdade” é inadequado. Logo, a
responsabilidade pela contradição está na própria “concepção da verdade”, a qual deveria, por
isso, ser abandonada.
Tarski está consciente de que é esse o dilema que enfrenta, ou seja, abandonar
a noção de verdade, e, com ela, uma série de outras noções semânticas, ou impor-lhe
restrições. Inclusive o autor cita uma solução radical do problema: “(...) devemos
simplesmente remover a palavra verdade do vocabulário inglês ou pelo menos nos abster do
seu uso em algumas discussões sérias” (1969, p. 110-111). Tarski (1969, p. 112), realmente,
pretende procurar uma solução que “mantenha essencialmente o conceito clássico da verdade
intacto”, mesmo que para isso “a aplicabilidade da noção da verdade tenha que suportar
algumas restrições”.
Para o autor (1933, p. 267), uma coisa é propor uma modificação de uma
linguagem artificial para uso exclusivo de lógicos e matemáticos, outra seria ter a pretensão
de reformar as próprias línguas naturais, cuja razão de ser está longe de se esgotar no objetivo
de expressar e comunicar teorias científicas. Como veremos, é essa atitude perante as línguas
naturais que está na origem da sua conclusão negativa segundo a qual: “Na linguagem
coloquial, parece ser impossível definir a noção de verdade ou, sequer, usar essa noção de
uma maneira consistente e de acordo com as leis da lógica” (1933, p. 153).
Analisemos, então, o argumento em que Tarski estabelece esta conclusão. Ele
cita três suposições referentes às linguagens que conduzem à antinomia do mentiroso:

(I) Temos suposto, implicitamente, que a linguagem na qual a antinomia é construída


contém, além das suas expressões, também os nomes destas expressões, bem como
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 97

termos semânticos como o termo “verdadeiro” referindo-se a sentenças dessa


linguagem; também temos suposto que todas as sentenças que determinam o uso
adequado desses termos podem ser afirmadas na linguagem. Uma linguagem com
essas propriedades será chamada “semanticamente fechada”.

(II) Temos suposto que, nessa linguagem, as leis ordinárias da lógica são válidas.

(III) Temos suposto que podemos formular e afirmar em nossa linguagem uma
premissa empírica como a sentença (2)70 [sentença (ii) é um exemplo de (2)] que
ocorreu no nosso argumento. (1944, p. 340).71

As três condições que Tarski aqui identifica devem ser aplicadas a qualquer
linguagem na qual a antinomia do mentiroso seja formulável. Desse modo, elas se aplicam
também às línguas naturais. Podemos dizer que (I) atribui às línguas naturais propriedades
responsáveis por tornar (iv), não só uma sentença com significado em uma dada língua
natural, mas uma sentença gramatical nela. E (III) faz o mesmo a respeito de (ii), isto é, ela
equivale a afirmar que (ii) é uma sentença gramatical em uma dada língua natural. As
propriedades que (I) atribui às línguas naturais são (SANTOS, 2003, p. 136):

(a) As línguas naturais contêm nomes de todas as suas expressões (incluindo,


portanto, nomes de todas as suas sentenças).
(b) As línguas naturais contêm termos semânticos aplicáveis às suas próprias
expressões (um caso particular disto é a posse do predicado “é verdadeiro”
aplicável às suas próprias sentenças).
(c) Todas as equivalências da forma T de uma língua natural são sentenças
gramaticais dessa língua natural.

Uma linguagem que possui as propriedades (a), (b) e (c) é uma linguagem
“semanticamente fechada”.
Estes três fatos, concernentes às línguas naturais, têm como consequência que
uma sentença contraditória, como (v), seja verdadeira em certa língua natural – e é isso que
Tarski quer dizer quando afirma que uma linguagem na qual se verifiquem as três condições
enunciadas é uma linguagem inconsistente. Nas palavras do autor:

Estas antinomias parecem fornecer uma prova de que todas as linguagens que são
universais no sentido acima [o mesmo que semanticamente fechada] e para quais as

70
Sentença (2): “‘s’é idêntica à sentença impressa na página 339, linha 11, deste trabalho” (TARSKI, 1944, p.
339).
71
Os colchetes são nossos.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 98

leis normais da lógica vigoram, devem ser inconsistentes. (TARSKI, 1933, p. 164-
165).72

Assim, para qualquer linguagem L, se L é semanticamente fechada, então não é


possível uma definição satisfatória de verdade-em-L. Isso porque, de acordo com a convenção
T, essa definição deverá ter como consequência, para cada sentença de L, a sentença-T
correspondente; mas, como L é semanticamente fechada, existem em L sentenças
autorreferentes, como a nossa sentença s (“s é falsa”), cuja sentença-T correspondente conduz
facilmente (a partir de premissas e condições irrecusáveis) a uma contradição.
Semelhante conclusão é vista na exposição do Tarski no artigo de 1944,
quando propõe outra maneira de evitar a antinomia, rejeitando pelo menos uma das
suposições: (I), (II) ou (III):

Verifica-se que a suposição (III) não é essencial, pois é possível reconstruir a


antinomia do mentiroso sem o seu auxílio. Mas as suposições (I) e (II) mostram-se
essenciais. Uma vez que qualquer linguagem que satisfaça a ambas estas suposições
é inconsistente, devemos rejeitar pelo menos uma delas.
Seria supérfluo salientar aqui as consequências de rejeitarmos a suposição (II), isto
é, de mudarmos a nossa lógica (supondo que isso fosse possível) mesmo em suas
partes mais elementares e fundamentais. Consideramos, então, apenas a
possibilidade de rejeitar a suposição (I). Consequentemente, decidimos não usar
qualquer linguagem que seja semanticamente fechada no sentido que indicamos.
(TARSKI, 1944, p. 340). 73

Ou seja,

• A condição (III), que corresponde a afirmar que (ii) é uma sentença gramatical
em uma dada linguagem, pode ser ignorada, pois, segundo Tarski, é possível
reconstruir a antinomia do mentiroso sem sua ajuda74.

• Rejeitar a condição (II) equivaleria a mudar de lógica, o que é completamente


indesejável.

• Para evitar a conclusão de que a linguagem é inconsistente, resta a


possibilidade de rejeitar a condição (I).

72
Os colchetes são nossos.
73
Destaque do autor.
74
Tarski não esclarece porque a formulação da antinomia do mentiroso não precisa envolver uma premissa
empírica como (ii). Ele tenta reconstruir, de maneira aproximada, a formulação da antinomia sem se utilizar da
premissa (ii), mas não é inteiramente clara. Cf. TARSKI, 1944, p. 358, nota de rodapé 11.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 99

Assim, Tarski rejeita a suposição (I) por causa das consequências de aceitá-la,
ou seja, com a intenção de mostrar as condições que não se podem verificar em uma
linguagem, e aqui ele está se referindo a qualquer linguagem, isto é, não apenas à língua
natural, para qual seja possível um uso consistente e uma definição correta da noção de
verdade, relativa às sentenças dessa linguagem.
Tarski conclui que, se queremos construir uma definição satisfatória da noção
de verdade, temos de nos abster de tomar como objeto qualquer linguagem na qual a condição
(I) se verifica.
No artigo de 1933, a aceitação das consequências da antinomia é bem visível.
Depois de mostrar que a linguagem a que chama “coloquial” – isto é, a linguagem na qual a
antinomia pode ser formulada – é semanticamente fechada (ou ‘universal’) e, por isso,
inconsistente, Tarski conclui o seguinte:

Se estas observações estão corretas, então qualquer possibilidade de um uso


consistente da expressão “sentença verdadeira” que esteja em harmonia com as leis
da lógica e com o espírito da linguagem cotidiana parece ser muito questionável e,
consequentemente, a mesma dúvida ocorre a respeito da possibilidade de construir
uma definição correta dessa expressão.
Pelas razões dadas (...), abandono agora a tentativa de solucionar o nosso problema
para a linguagem da vida cotidiana e, a partir daqui, restrinjo-me completamente às
linguagens formalizadas. (TARSKI, 1933, p. 165).75

Ou seja, ele aceita a conclusão de que, em linguagens semanticamente


fechadas, há sentenças contraditórias que são gramaticais e extrai delas a consequência de que
não é possível construir uma definição adequada de sentença verdadeira-em-L, quando L é
semanticamente fechada – em particular, quando L é uma língua natural. E propõe, então, que
a construção de uma definição adequada da verdade se restrinja a certas linguagens artificiais,
às quais sejam possíveis incorporar restrições que impeçam que elas se tornem
semanticamente fechadas.
Resumindo, Tarski conclui que a Antinomia do Mentiroso é um problema
comum às linguagens semanticamente fechadas, ou seja, aquelas que possuem predicados
semânticos como “verdadeiro”, “falso” e “satisfaz”, que podem ser aplicados às próprias
sentenças da linguagem. Todas as outras linguagens serão chamadas de semanticamente
abertas. Assim, nenhuma sentença de uma linguagem semanticamente aberta pode predicar
uma propriedade semântica de si mesma e, portanto, a Antinomia do Mentiroso não pode ser
expressa nessas linguagens.
75
Destaques do autor.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 100

Logo, Tarski decide abandonar as linguagens semanticamente fechadas e


restringe seu estudo exclusivamente para as outras linguagens. Contudo, estas, não contendo
predicados semânticos aplicáveis às suas próprias palavras e sentenças, não podem definir a
verdade. A estratégia, então, é definir a verdade para uma linguagem particular, através de
uma outra linguagem: a metalinguagem semântica. Segundo Tarski:

Uma vez que concordamos em não empregar linguagens semanticamente fechadas,


temos de usar duas linguagens diferentes ao discutir o problema da definição de
verdade e, de modo mais geral, quaisquer problemas no campo da semântica.
(TARSKI, 1944, p. 341).

Assim, devemos definir dois tipos de linguagens as quais serão (1933, p. 167;
1944, p. 341-343; 1969, p. 114-115):

• Linguagem-Objeto: é a linguagem de que “se fala” e que é o tema de toda a


discussão; a definição da verdade, que estamos buscando, se aplica às sentenças
desta linguagem. O símbolo “p” que figura na forma T representa uma sentença
arbitrária desta linguagem.
• Metalinguagem: é a linguagem em que “falamos acerca da” primeira linguagem
e, em cujos termos desejamos, em particular, construir a definição da verdade
para a primeira linguagem. Toda sentença que figure na linguagem-objeto
também deve figurar na metalinguagem, ou seja, ela deve conter a linguagem-
objeto como parte dela. A metalinguagem deve ter a riqueza suficiente para
nomear cada uma das sentenças da linguagem-objeto. Deve conter termos de
caráter lógico, tal como a expressão “se, e somente se,”, e deve conter
predicados como “verdadeiro”, “falso” e “satisfeito” que são abreviações para
“verdadeiro-na-linguagem-objeto”, “falso-na-linguagem-objeto” e “satisfeito-na-
linguagem-objeto”.

Como regra geral, temos então de distinguir as duas linguagens que estão
envolvidas em cada definição parcial de verdade – X é verdadeira se ,e somente se, p –, por
um lado, a linguagem na qual a definição é expressa (metalinguagem) e, por outro, a
linguagem a que pertence a sentença cuja verdade estamos a definir (linguagem-objeto). Na
convenção T, o símbolo “X” deve ser substituído por um nome de qualquer sentença da
linguagem-objeto e do símbolo “p” pela expressão que forma a tradução dessa sentença na
metalinguagem (TARSKI, 1933, p. 188).
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 101

Em outras palavras, a definição de verdade-em-O, em que O é a linguagem-


objeto (a linguagem para a qual a verdade está sendo definida), terá de ser dada em uma
metalinguagem, M (a linguagem na qual verdade-em-O é definida).
Neste contexto, o perigo das antinomias semânticas pode ser evitado com o
recurso a uma metalinguagem. Por exemplo, a sentença que inicialmente nos conduziu a uma
contradição,

A sentença impressa na linha 29 da página 94 desta tese é falsa-em-O,

que é uma sentença da metalinguagem e, consequentemente, não é paradoxal, ou seja, a


sentença pertence à metalinguagem, mas ela não é autorreferente e faz referência a uma
sentença da linguagem-objeto.
Segundo Kirkham (1992, p. 385), a metalinguagem é semanticamente aberta,
pois não tem predicados que nomeiem suas próprias propriedades semânticas. Ela tem nomes
para sentenças da linguagem-objeto e um predicado de verdade aplicável a estas, mas não
para as suas próprias sentenças. No entanto, não basta apenas que a metalinguagem tenha
esses recursos: também é preciso que a linguagem-objeto não as tenha, pois, se assim não
fosse, a definição de verdade formulável na metalinguagem seria imediatamente traduzível
para a linguagem-objeto e a contradição obter-se-ia em ambas as linguagens. Nas palavras de
Tarski:

Concluímos, então, que a metalinguagem, que fornece meios suficientes para definir
verdade, deve ser essencialmente mais rica do que a linguagem-objeto; ela não pode
coincidir e nem ser traduzível nesta última, visto que, de outra forma, ambas as
linguagens se tornariam semanticamente universais [ou fechadas] e a antinomia do
mentiroso poderia ser reconstruída em ambas. (TARSKI, 1969, p. 115).76

Desse modo, a condição de “riqueza essencial” da metalinguagem se mostra


não apenas necessária, mas também suficiente para a construção de uma definição satisfatória
de verdade. Isto é, se a metalinguagem satisfaz a essa condição, a noção de verdade pode ser
nela definida e a Antinomia do Mentiroso não pode surgir em nenhuma das duas linguagens77.

76
Os colchetes são nossos.
77
No artigo “O Estabelecimento da Semântica Científica”, Tarski ainda enuncia um resultado quanto a essa
necessidade da riqueza da metalinguagem se nos restringirmos a linguagens baseadas na teoria de tipos: é
possível construir na metalinguagem definições metodologicamente corretas e materialmente adequadas dos
conceitos semânticos se e somente se a metalinguagem for dotada de variáveis de tipo lógico superior ao de
todas as variáveis da linguagem que é tema de investigação (TARSKI, 1935, p. 406).
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 102

Essa é uma característica que Carnap não reconhece na “Sintaxe Lógica da Linguagem”78. A
sua defesa de uma análise estritamente sintática não poderia permitir que a linguagem-objeto
e a metalinguagem fossem duas linguagens separadas. Esse é o ponto de fracasso que derruba
o conceito de analiticidade de Carnap, isto é, que o conceito geral de “analítico em II” só é
possível em uma metalinguagem mais rica que a Linguagem II.
Enfim, tendo em mãos esse conhecimento, partiremos agora para a definição
do conceito de satisfação, que auxilia na definição de verdade para linguagens com um
número infinito de equivalências da forma T.

3.5 Definição da Verdade a partir da Definição de Satisfação

Como vimos anteriormente, cada uma das sentenças-T é uma “definição


parcial” de verdade, e uma definição completa é uma “conjunção lógica” de todas elas. Por
causa dessa “conjunção lógica”, a definição apresentada apenas funciona em linguagens com
um número finito de sentenças, em que é possível expressar todas as sentenças-T.
Surge, então, uma dificuldade e a necessidade de novos recursos que possam
expressar as sentenças-T. A questão é a seguinte: de que modo podemos expressar para cada
sentença de uma linguagem L, semanticamente aberta, formalizada e com meios para formar
um número infinito de sentenças, a sentença-T que lhe corresponde? Como vimos, uma vez
que L tenha infinitas sentenças, o método de formar a conjunção de todas as sentenças-T é
inaplicável, mas, se as sentenças de L forem formadas por aplicações sucessivas de um
conjunto finito de operações a um conjunto finito de sentenças simples, e, se for possível
determinar de que modo que a verdade ou falsidade das sentenças compostas dependem da
verdade ou falsidade das sentenças simples, a dificuldade pode ser vencida (TARSKI, 1933,
p. 189). Assim, o primeiro recurso que aparentemente resolve a dificuldade seria o “método
recursivo”.
Tal método consiste de uma ou mais cláusulas que especificam os membros
mais básicos de um conjunto particular, seguido por cláusulas que mostram como outros

78
Cf. Tópico 2.3 Linguagem-Objeto e Metalinguagem.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 103

membros do conjunto são construídos a partir daqueles mais básicos. Contanto que haja um
número finito de membros básicos do conjunto e um número finito de meios que podem ser
combinados para formar novos membros, um número infinito de novos membros do conjunto
pode ser definido por esse procedimento.
Os membros, segundo Tarski, são funções sentenciais (1933, p. 177; 1944, p.
345), que é uma função composta de sentenças abertas, sendo que estas são expressões
gramaticalmente completas exatamente como uma sentença, a não ser pelo fato de que
possuem variáveis, em um ou mais lugares nos quais se esperaria encontrar um nome, em
outras palavras, variáveis livres (KIRKHAM, 1992, p. 216). Como exemplos de funções
sentenciais temos,

x é discípulo de Sócrates.
x é o pai de z.
a está entre y e z.
y é verdadeiro e x é falso.

Uma sentença aberta não é uma sentença e não podemos afirmar nada sobre
ela, inclusive se ela é verdadeira ou falsa. Podemos transformar uma sentença aberta numa
sentença ao fechá-la. Há dois modos de se fazer isso: substituir as variáveis por nomes, ou
ligar as variáveis a quantificadores. (A lógica exigida pela matemática pode ser satisfeita
apenas com os quantificadores existenciais e universais). Desse modo, uma sentença pode ser
definida “simplesmente como uma função sentencial que não contém variáveis livres”
(TARSKI, 1944, p. 345). Por exemplo, a sentença aberta:

x é um número primo par,

possui apenas um valor para x, a saber x = 2. Se atribuímos a x esse valor, obtemos a sentença:

2 é um número primo par.

Ou, ainda, se atribuímos um valor à variável “y” para a função sentencial “y é


branca”, no caso “y = neve”, obteremos a sentença: “neve é branca”.
Enfim, através do método recursivo é possível expressar as funções sentenciais
mais simples e as funções compostas a partir das primeiras. Contudo, Tarski (1933, p. 189),
ressalva, pela própria definição de função sentencial, que as sentenças são casos especiais de
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 104

funções sentenciais, a saber, as que não possuem variáveis livres. O método recursivo não
exibe todas as sentenças da linguagem, já que especifica as que são abertas e a composição
destas, mas não as sentenças.
Tarski (1933, p. 189), sugere, então, que busquemos um conceito mais geral,
que seja aplicável para as funções sentenciais, podendo ser definido recursivamente e que,
quando aplicada para as sentenças, conduza-nos diretamente para o conceito de verdade.
Essas exigências são encontradas na noção de “satisfação de uma dada função sentencial por
certos objetos”. Ele recorre ao termo semântico “satisfação”, pois este expressa relação entre
objetos arbitrários e funções sentenciais (TARSKI, 1944, p. 345).
Por exemplo, a sentença,

2 é um número par,

é satisfeita pela sequência vazia 〈 〉, isto é, por aquela que não contém nenhum elemento, pois
não depende de nenhum objeto específico para ser satisfeita. Note que, para Tarski (1933, p.
345), o conceito semântico de satisfação não deve ser visto como um critério de verdade,
desse modo, a sentença “2 é um número ímpar”, também é satisfeita pela sequência vazia 〈 〉.
Por outro lado, a sentença aberta com uma variável livre,

x é um número primo ímpar menor que cinco,

é satisfeita pelo número “3”, isto é, pela sequência 〈3〉.


Ou ainda, com duas variáveis livres,

x é professor de y,

é satisfeita pela sequência 〈Sócrates, Platão〉. E podemos observar que a sequência contrária
〈Platão, Sócrates〉, intuitivamente, não satisfaz a sentença aberta. Quando mudamos a ordem
dos objetos numa sequência, mudamos a sequência. Notemos também que podemos conceber
sentenças com um número arbitrário de variáveis livres.
Desse modo, funções sentenciais compostas de sentenças abertas, Fx1x2...xn,
serão satisfeitas por sequências finitas, 〈a1, a2, ..., an〉, e sentenças (sem variáveis livres e sem
quantificadores), serão satisfeitas por sequências vazias. Porém, Tarski, para evitar
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 105

dificuldades técnicas79, prefere utilizar sequências infinitas, o que é apenas uma generalização
do caso com sequências finitas, defendida pelo

Lema A (1933, p. 198): Se a sequência 〈a1, a2, ..., an, ..., am〉 satisfaz a função sentencial
Fx1x2...xn e a sequência infinita 〈b1, b2, ..., bn, bn+1,...〉 é tal que para todo k, k ≤ n, bk = ak, se x1,
x2, ..., xn são variáveis livres, então a sequência infinita 〈b1, b2, ..., bn, bn+1,...〉 satisfaz
Fx1x2...xn.

Em outras palavras, uma dada sequência satisfaz, ou não, a uma certa função sentencial
depende apenas daqueles termos da sequência que correspondem (em seus índices) às
variáveis livres da função.
Para uniformizar o modo de expressão, a satisfação será definida como uma
relação entre funções sentenciais e sequências infinitas, sob a convenção de que Fx1x2...xn é
satisfeita pela sequência 〈a1, a2, ..., an, an+1,...〉, nos casos em que é satisfeita pelos primeiros n
objetos da sequência, podendo o restante ser ignorado (TARSKI, 1933, p. 191; HAACK,
1978, p. 151). Ou seja, por exemplo, a sentença aberta “x1 é verde” é satisfeita por uma
sequência infinita de objetos apenas no caso em que ela é satisfeita pelo primeiro elemento
dessa sequência. Não importa como sejam os outros elementos da sequência, e não importa se
esses outros objetos satisfazem “x1 é verde”; eles são irrelevantes. Como a variável na
sentença aberta é a variável de índice 1, somente importa o primeiro elemento da sequência.
Do mesmo modo, se a sentença aberta tiver uma variável de índice 2, somente importa o
segundo elemento da sequência. E esse mesmo raciocínio vale para as sentenças abertas com
variáveis livres de qualquer índice.
Todo esse processo pode ser descrito em termos gerais como segue (TARSKI,
1933, p. 192):

S satisfaz a função sentencial F se, e somente se, S é uma sequência infinita e p.

Assim, dada qualquer função sentencial F1, substituímos no esquema acima o


símbolo ‘F’ por um nome (estrutural-descritivo), individual de F1 construído na
metalinguagem; ao mesmo tempo, substituímos todas as variáveis livres x1, x2, ..., xn que
ocorrem em F1, pelos símbolos correspondentes ‘S1’, ‘S2’, ..., ‘Sn’, e substituímos ‘p’ no
esquema pela expressão assim obtida de F1 (ou por sua tradução na metalinguagem).

79
Cf. Nota de rodapé 15 em TARSKI, 1944, p. 359.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 106

No caso de funções sentenciais compostas de uma ou mais sentenças abertas,


utilizaremos o procedimento recursivo, ou seja, primeiro indicaremos quais objetos satisfazem
as funções sentenciais mais simples e, então, estabeleceremos sob quais condições dados
objetos satisfazem as funções compostas, construídas a partir daquelas mais simples. Por
exemplo, para alguns conectivos lógicos, devemos proceder da seguinte maneira:

1. Sentenças abertas simples não têm valores-de-verdade, isto é, não são verdadeiras
e nem falsas, mas são satisfeitas (ou não satisfeitas) por sequências de objetos (em
termos gerais por n-uplas ordenadas de objetos).
2. A negação de uma sentença aberta simples F1 será satisfeita por todas as
sequências que não satisfazem F1.
3. A conjunção de sentenças abertas simples F1 e F2 será satisfeita por aquelas
sequências que satisfazem tanto F1 quanto F2.

Neste contexto, Tarski (1944, p. 345), ressalta que essa noção de satisfação
pode sugerir o seguinte: cada variável livre, em uma função sentencial, pode ser substituída
por um nome de um objeto fazendo dela uma sentença verdadeira. E, assim, resulta que
nossas intuições, sobre quando a sentença é verdadeira, guia nossas intuições sobre quando
uma sequência satisfaz a função. Contudo, isso não pode entrar na definição formal de
verdade, porque ‘substituir a variável por um nome do objeto’ é uma noção semântica e a
definição da verdade de Tarski tem de ser construída apenas através dos conceitos usuais da
metalinguagem e, assim, reduzidos a conceitos puramente lógicos, os conceitos da linguagem
que está sendo investigada e os conceitos específicos da sintaxe da linguagem e evitar termos
semânticos primitivos (HODGES, 2010). Desse modo, o objetivo de Tarski, na construção da
definição de satisfação, é relacionar sequências de objetos às funções sentenciais de tal modo
que possamos, posteriormente, definir “verdade” com as sentenças resultantes. Nesse
raciocínio, toda função sentencial, composta de sentenças abertas, que for satisfeita por pelo
menos uma arbitrária sequência infinita de objetos transforma em uma sentença (sem
variáveis livres).
Agora, no caso de sentenças (sem variáveis livres e sem quantificadores), a
satisfação por uma sequência não depende, de modo algum, das propriedades dos termos
desta. Desse modo, pelo Lema A, se sabemos que uma sequência vazia satisfaz uma sentença,
então qualquer sequência infinita satisfaz essa sentença. E, através do
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 107

Lema B (1933, p. 198): se F é uma sentença e ao menos uma sequência infinita satisfaz a
sentença F, então toda sequência infinita satisfaz F,

podemos concluir, que toda sequência infinita satisfaz uma sentença (sem variáveis livres e
sem quantificadores), ou nenhuma sequência satisfaz. Tal conclusão serve de ponto de partida
para Tarski definir “verdade”.
Concluída a definição de satisfação para as funções sentenciais composta de
sentenças abertas e para sentenças (sem variáveis livres e sem quantificadores), sempre
relativas a uma linguagem, Tarski define diretamente a verdade e a falsidade de sentenças
através da satisfação dizendo “uma sentença é verdadeira se é satisfeita por todos os objetos
(ou toda sequência infinita de objetos) e falsa em caso contrário” (1933, p. 195 e 1944, p.
346)80.
Para completar a definição de satisfação, faltam as sentenças quantificadas. Na
definição de satisfação, até agora apresentada, as sentenças abertas, que são satisfeitas por
pelo menos uma arbitrária sequência infinita de objetos se tornam sentenças, e não
encontramos dificuldade em construir a definição de verdade a partir delas. No caso das
sentenças com quantificadores, a ideia é semelhante, mas é preciso observar uma
característica própria do quantificador (TARSKI, 1933, p. 193):

• Uma sentença aberta, precedida por um quantificador existencial, ou seja, uma

expressão da forma “(∃xk)Fxk”, será satisfeita por qualquer sequência de objetos,


naqueles casos em que Fxk for satisfeita por alguma sequência diferindo dessa
sequência no máximo na posição k.
• Uma sentença aberta, precedida por um quantificador universal, ou seja, uma

expressão da forma “(∀xk)Fxk”, será satisfeita por qualquer sequência de objetos,


naqueles casos em que Fxk for satisfeita por todas as sequências diferindo dessa
sequência no máximo na posição k.

Lembrando que as sequências de objetos podem ser qualquer sequência infinita


de elementos, no caso das sentenças com quantificadores, temos uma restrição nos elementos
da sequência. Por exemplo, a sentença existencial,

80
Destaques do autor e os parênteses são nossos.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 108

(∃x1) x1 é um número primo,

é satisfeita por qualquer sequência R, naqueles casos em que “x1 é um número primo” (a
sentença aberta que resulta da eliminação do quantificador existencial), for satisfeita por
alguma sequência S, que difere no máximo na primeira posição, isto é, quaisquer dois termos
correspondentes de R e S deverão ser idênticos, com exceção do primeiro termo de R e S que
podem ser distintos (TARSKI, 1933, p. 171-172). Por exemplo, se tomarmos a sequência R
como sendo [2, 3, 4, 5, 6, 7, ...], a sequência S teria que ser:

[2, 3, 4, 5, 6, 7, ...] ou [3, 3, 4, 5, 6, 7, ...] ou [5, 3, 4, 5, 6, 7, ...] ou ...,

ou seja, toda sequência S do seguinte padrão [x1, 3, 4, 5, 6, 7, ...], em que x1 pode ser
qualquer número primo, satisfaz “x1 é um número primo”. Logo, a característica que o

quantificador existencial exige para que a expressão “(∃x1) x1 é um número primo” seja
satisfeita por qualquer sequência R é que exista, ao menos, uma sequência S, diferindo de R
no máximo na primeira posição, que satisfaça a sentença aberta “x1 é um número primo”.
Como foi possível exibir essa sequência, qualquer sequência de objetos satisfaz a sentença

“(∃x1) x1 é um número primo” e como “qualquer” sequência satisfaz, então, “todas”


satisfazem (HAACK, 1978, p. 152-153).
Outro exemplo, a sentença universal,

(∀x1) x1 é um número par,

é satisfeita por qualquer sequência R, naqueles casos em que “x1 é um número par” (a
sentença aberta que resulta da eliminação do quantificador universal), for satisfeita por todas
as sequências S que diferem no máximo na primeira posição. Por exemplo, se tomarmos a
sequência R como sendo [2, 3, 4, 5, 6, 7, ...], todas as sequência S teriam que ser da forma:

[2, 3, 4, 5, 6, 7, ...] e [4, 3, 4, 5, 6, 7, ...] e [6, 3, 4, 5, 6, 7, ...] e ...,

ou seja, todas as sequências do seguinte padrão [2 ∙ 1, 3, 4, 5, 6, 7, ...], onde % = 2 ∙ 1,


satisfazem “x1 é um número par”. Logo, a característica que o quantificador universal exige

para que a expressão “(∀x1) x1 é um número par” seja satisfeita por qualquer sequência R é
que todas as sequências S, diferindo de R no máximo na primeira posição, satisfaçam a
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 109

sentença aberta “x1 é um número par”. E como “qualquer” sequência R satisfaz “(∀x1) x1 é
um número par”, então, “todas” satisfazem.
Portanto, a definição de verdade ou falsidade de sentenças com quantificadores
também fica “uma sentença quantificada é verdadeira se, e somente se, é satisfeita por todas
as sequências de objetos e falsa em caso contrário”.
Enfim, de modo geral, a definição da verdade a partir de satisfação pode ser
enunciada da seguinte forma padrão (1933, p. 195):

F é uma sentença verdadeira se, e somente se, F é uma sentença e toda sequência infinita de
objetos satisfaz F.

Como podemos ver, essa definição apresenta as características de correção


formal, ou seja, possui a forma de um bicondicional, em que a expressão que queremos
definir ocorre apenas no definiendum: F é uma sentença verdadeira, e a palavra “verdadeira”
não ocorre no definiens. E é materialmente adequada no sentido da Convenção T, isto é,
através da forma padrão da definição de verdade, a partir de satisfação podemos deduzir a
sentença-T correspondente (que não possui “satisfação” em sua composição). Por exemplo,
vamos mostrar para uma função sentencial particular:

(i) x1 é branca.

Seja S uma sequência infinita de objetos tal como <neve, x2, x3, ...>, para
quaisquer xn, . > 1. Temos como definição parcial de satisfação para essa função sentencial,

(ii) S satisfaz “x1 é branca” se, e somente se, neve é branca.

Logo, a função sentencial “x1 é branca” torna-se a sentença “neve é branca”. E


a definição da verdade, a partir de satisfação para a sentença “neve é branca” será :

(iii) “neve é branca” é verdadeira se, e somente se, “neve é branca” é satisfeita por todas as
sequências de objetos.

De (ii) e (iii) deduzimos a relação,

(iv) S satisfaz “x1 é branca” se somente se “neve é branca” é satisfeita por todas as sequências
de objetos,
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 110

que é válida, pois “S satisfaz “x1 é branca”” é extensionalmente equivalente à ““neve é


branca” é satisfeita por todos os objetos”, ou seja, a extensão, ou referência, de “S satisfaz “x1
é branca”” coincide com a extensão de ““neve é branca” é satisfeita por todos os objetos”, a
saber, “neve é branca”. Em outras palavras, a função sentencial “x1 é branca”, quando
satisfeita pela sequência S, tem como imagem81 “neve é branca”, portanto, S satisfaz “x1 é
branca” se, e somente se, neve é branca, e a função sentencial “neve é branca”, quando
satisfeita por todas as sequências de objetos, tem como imagem “neve é branca” ,portanto,
“neve é branca” é satisfeita por todas as sequências de objetos se, e somente se, neve é branca,
logo, se as imagens são iguais na sequência S, as funções são iguais na sequência S.
Desse modo, ““neve é branca” é verdadeira”, também é extensionalmente
equivalente à “S satisfaz “x1 é branca””, que é extensionalmente equivalente à “neve é branca”
e podemos concluir que é válida a relação:

(v) “a neve é branca” é verdadeira se, e somente se, a neve é branca,

que é a forma T da sentença “neve é branca”.


Podemos proceder, de maneira exatamente análoga, com todas as outras
sentenças da linguagem que estamos considerando. Desse modo, a definição da verdade, a
partir da definição de satisfação, é formalmente correta e materialmente adequada como é
exigido para uma definição satisfatória da verdade que Tarski se empreendeu em fazer (1933,
p. 195).
Resumindo, toda a exposição de maneira informal, a definição da verdade
tarskiana em uma linguagem formalizada deve seguir o seguinte roteiro (HAACK, 1978, p.
150):

1. Especificar a estrutura sintática da linguagem-objeto, O, para a qual a verdade


deve ser definida.
2. Especificar a estrutura sintática da metalinguagem, M, na qual verdade-em-O
deve ser definida; M deve conter:
a. ou as expressões de O, ou traduções das expressões de O.

81
Para a função f definida do conjunto A para o conjunto B, se a pertence A, o elemento em B que corresponde a
a é chamado a imagem de a.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 111

b. um vocabulário sintático, incluindo os nomes dos símbolos primitivos


de O, um sinal de concatenação (para formar descrições estruturais de
expressões compostas de O), e variáveis para as expressões de O.
c. o aparato lógico usual.
3. Definir ‘satisfaz-em-O’.
4. Definir ‘verdadeiro-em-O’ em termos de ‘satisfaz-em-O’.

Vejamos esse roteiro, tomando como exemplo uma linguagem simplificada.


Vamos estabelecer uma linguagem, a que chamaremos de L2, de um caso
particular do Cálculo de Predicados de 1ª ordem (HAACK, 1978, p. 154-155). Assim, a
linguagem-objeto (O), será a linguagem L2 e a metalinguagem (M), será composta das
expressões de O, um vocabulário sintático, incluindo os nomes dos símbolos primitivos de O,
um sinal de concatenação e variáveis para as expressões de O, e o aparato lógico usual.

Vocabulário de O:

As expressões de O são:
Variáveis: x1, x2, x3, ..., xn, ...
Letras predicativas: F, G, ... (cada uma tomando um dado número de argumentos)
Conectivos sentenciais: ¬ , Λ

Quantificadores: ∃ , ∀
Parênteses: ( , )

As funções sentenciais atômicas, ou seja, elementares de O, são aquelas sequências de


expressões, ou sequência de sentenças abertas, que consistem em um predicado seguido de n
variáveis. Simbolicamente, Fx1x2...xn.
Usaremos A, B, C, etc., para representar as funções sentenciais atômicas. A definição de
fórmulas gramaticais de O fica:

i. Todas as sentenças são fórmulas gramaticais de O.


ii. Todas as funções sentenciais atômicas são fórmulas gramaticais de O.
iii. Se Ax é uma fórmula gramatical, ¬Ax é uma fórmula gramatical.
iv. Se Ax e Bx são fórmulas gramaticais, (Ax Λ Bx) é uma fórmula gramatical.

v. Se Ax é uma fórmula gramatical, (∃x)Ax é uma fórmula gramatical.

vi. Se Ax é uma fórmula gramatical, (∀x)Ax é uma fórmula gramatical.


CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 112

vii. Nada mais é uma fórmula gramatical de O.

Definição de Satisfação:

Sejam S e Y sequências de objetos. Denotaremos Si para o i-ésimo elemento da


sequência S, onde i é qualquer número natural.
A satisfação pode, então, ser definida, recursivamente, para as funções
sentenciais, ao se dar uma cláusula para cada predicado da linguagem.

1. Para predicados com uma variável:


S satisfaz Fxi se, e somente se, substituindo xi em Fxi por Si dá FSi.
ou seja, uma sequencia S satisfaz a fórmula gramatical F, com variável xi, se,
somente se, substituindo a variável xi pelo elemento Si da sequência S dá a
sentença FSi.

Para predicados com duas variáveis:


S satisfaz Gxixj se, e somente se, substituindo xi e xj em Gxixj por Si e Sj,
respectivamente, dá GSiSj.
e assim por diante para cada predicado.

2. S satisfaz ¬Ax se, e somente se, S não satisfaz Ax.

3. S satisfaz Ax Λ Bx se, e somente se, S satisfaz Ax e S satisfaz Bx.

No caso de funções sentenciais quantificadas temos:

4. S satisfaz (∃xi)Axi se, e somente se, há uma sequência Y, que satisfaz Axi e que
difere de S no máximo na posição i.

5. S satisfaz (∀xi)Axi se, e somente se, toda sequência Y satisfaz Axi e que difere de S
no máximo na posição i.

Notemos como cada cláusula da definição de satisfação corresponde a uma


cláusula na definição de uma fórmula gramatical de O, com exceção da primeira que faz
referência às sentenças da linguagem. Lembrando que uma sentença é uma fórmula
gramatical de O sem variáveis livres e que as sentenças serão satisfeitas ou por todas as
sequências, ou por nenhuma (HAACK, 1948, p. 155).
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 113

Definição de Verdade:

Uma sentença de O é verdadeira se, e somente se, ela é satisfeita por todas as
sequências.

Enfim, nas palavras do Tarski: “o que eventualmente nós obtemos, são


equivalências intuitivas de uma imaginária conjunção infinita de sentenças-T” (1969, p. 115).
Tarski (1969, p. 116), também acentua que sua definição da verdade para
linguagens formalizadas não é um critério de verdade, ou seja, a definição em si não
corresponde a um critério prático para decidir se uma sentença de uma dada linguagem é
verdadeira ou falsa. A tarefa de determinar o valor-de-verdade de uma sentença particular de
uma linguagem é da própria ciência e não da lógica ou de uma teoria da verdade.

3.6 A interpretação de Carnap à teoria de Tarski

Carnap se entusiasmou com a nova teoria semântica de Tarski e com a sua


capacidade de definir conceitos semânticos para linguagens formalizadas, em particular, o
conceito de verdade. A leitura que Carnap faz dos textos tarskianos, e suas discussões com o
próprio Tarski, fazem-no repensar a análise da linguagem.
Nesse sentido, analisaremos, neste tópico, qual foi a interpretação de Carnap à
teoria de Tarski, a qual o fez repensar sua análise exclusivamente sintática da linguagem e
permitir a análise semântica. Através da leitura dos trabalhos de Tarski, Carnap passou a
integrar, na lógica da ciência, a sintaxe e a semântica. Podemos ver isso nessa passagem do
artigo “Fundamentos Lógicos da Unidade da Ciência” (Logical Foundations of the Unity of
Science) de 1938:

Dentro da lógica da ciência, nós podemos distinguir duas partes principais. A


investigação pode estar limitada as formas das expressões linguísticas, isto é, o
modo como às partes elementares são construídas (por exemplo, as palavras) sem
referência a objetos extralinguísticos. Ou a investigação vai além desse limite e
estuda a relação das expressões linguísticas com os objetos extralinguísticos. Um
estudo restrito ao primeiro modo mencionado é chamado formal; o campo de tal
estudo formal é chamado lógica formal ou sintaxe lógica. (...) Na segunda parte da
lógica da ciência, uma dada linguagem e suas expressões são analisadas de outro
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 114

modo. (...) Essa investigação não está restrita a análise formal mas toma em
consideração uma importante relação entre expressões linguísticas e outros objetos –
o de designação. Uma investigação desse tipo é chamada de semântica. (CARNAP,
1938, p. 393-394).

Neste artigo, Carnap enfatiza a distinção entre sintaxe e semântica. No livro


“Introdução à Semântica” (Introduction to Semantics) (1942, p. xi), o autor afirma que essa
distinção é indispensável para a análise da linguagem e, dentro da semântica, destaca também
a distinção entre verdade factual, extralógica, e verdade lógica.
No entanto, tais demarcações não ficam claras nos textos de Tarski. É
interessante observar que este parece não fazer distinção entre verdade lógica e verdade
extralógica, a diferenciação aparentemente ocorre dependendo da linguagem em investigação.
No artigo de 1933, sua definição de verdade é construída para o Cálculo de Classes que é um
fragmento da lógica-matemática, logo, trata-se de uma definição de verdade lógica para o
Cálculo de Classes. O nosso exemplo do tópico anterior, como se trata de um caso particular
do Cálculo de Predicados de 1ª ordem, é também uma construção da definição de verdade
lógica para a linguagem L2. Mas, Tarski afirma em seus artigos que sua definição de verdade
é expansível para muitas outras linguagens formalizadas, como a linguagem da física que
necessita de uma verdade extralógica (1933, p. 209 e 1969, p. 114).
Carnap demonstra em sua autobiografia não concordar com essa falta de
distinção de Tarski e acredita que a referida discussão permanece em aberto (1963, p. 68 e
115-121 e 1942, p. x-xi). Mas, então, por que o filósofo considera a teoria de Tarski relevante
mesmo diante dessa falta de distinção? O ela revela que é tão substancial ao ponto de
converter Carnap? Como veremos, serão muitas as interpretações dos textos tarskianos por
diversos autores, principalmente, quanto à interpretação da Concepção Semântica da Verdade
como verdade lógica, ou verdade extralógica, ou ambas e quanto à caracterização da definição
de verdade como semântica. Assim, dentro desse quadro de interpretações, poderemos
restringir qual a visão de Carnap.
Os artigos de Tarski não são conclusivos em relação à pergunta se sua
concepção semântica da verdade é uma verdade lógica, verdade extralógica ou ambas. Em
certos momentos, este afirma que sua concepção deve caracterizar a noção cotidiana de
verdade e que o mesmo não pretende construir uma nova noção, mas sim capturar o real
significado da noção clássica de verdade, que, hoje, é mais comumente conhecida por
“concepção correspondentista” ou “concepção da verdade-como-correspondência”:
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 115

A definição desejada não visa especificar o significado de uma palavra familiar


usada para denotar uma nova noção; pelo contrário, visa capturar o real significado
de uma velha noção. (TARSKI, 1944, p. 9-10).

Eu devo apenas mencionar que os pensamentos desse trabalho são exclusivamente


concernentes às ávidas intenções que são contidas na denominada concepção
clássica da verdade (‘verdade – correspondência com a realidade’), em contraste, por
exemplo, com a concepção utilitária (‘verdade – em certo respeito à utilidade’).
(TARSKI, 1933, p. 153).

Em alguns trechos, fica subtendido que Tarski pretendia reformular a


concepção clássica, especialmente a partir da concepção aristotélica,

Tentaremos obter aqui uma explicação mais precisa da concepção clássica da


verdade, uma que poderá substituir a formulação aristotélica e preservar as suas
82
intenções básicas. (TARSKI, 1969, p. 103).

No que me diz respeito, não tenho dúvida alguma de que nossa formulação se
conforma ao conteúdo intuitivo da formulação de Aristóteles. (TARSKI, 1944, p.
51)

Para os comentadores Milne (1997, p. 3) e Santos (2003, p. 105) há


semelhanças entre a convenção T – X é verdadeira se, e somente se, p, em que a letra “p” deve
ser substituída por qualquer sentença da linguagem e “X” por um nome dessa sentença – e a
concepção aristotélica – dizer daquilo que é que não é, ou daquilo que não é que é, é falso,
enquanto dizer daquilo que é que é, ou daquilo que não é que não é, é verdadeiro. Ou seja,
pela convenção T, por exemplo, temos:

“Sócrates é mortal” é verdadeira se, e somente se, Sócrates é mortal,

o que se assemelha à formulação aristotélica: dizer daquilo (Sócrates), que é (mortal), que é
(mortal), é proferir uma sentença verdadeira.
Por outro lado, defende Balthazar Barbosa Filho (2003) em seu artigo “Nota
sobre o Conceito Aristotélico de Verdade” que, na realidade, há um desencontro entre Tarski
e Aristóteles acerca do conceito de verdade e se justifica a partir das bases nas quais são
construídas as suas concepções.
Segundo Barbosa Filho (2003, p. 235-236), podemos pensar que o conceito
tarskiano formaliza, com os recursos da lógica de Frege, a noção aristotélica de verdade a
partir de duas etapas: (1) Se a sentença que diz que está chovendo é verdadeira, então está
chovendo (passamos do lógico para o real); (2) Se está chovendo, então a proposição que diz

82
Os grifos são nossos.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 116

que está chovendo é verdadeira (passamos do real para o lógico). Das duas transições, segue-
se a equivalência do ser e da verdade afirmada na convenção T: a sentença “p” é verdadeira
se, e somente se, p. Mas, diz Barbosa Filho, isso é um erro, pois, em Aristóteles, há a
prioridade do ser sobre o verdadeiro, o que podemos evidenciar na passagem do texto das
Categorias:

Se, com efeito, o homem existe, a proposição pela qual nós dizemos que o homem
existe é verdadeira; e, reciprocamente, se a proposição pela qual nós dizemos que o
homem existe é verdadeira, o homem existe. Contudo, a proposição verdadeira não é
de modo algum causa da existência da coisa; ao contrário, é a coisa que parece ser,
de algum modo, a causa da verdade da proposição, pois é da existência da coisa ou
da sua não existência que dependem a verdade ou a falsidade da proposição.
(Categorias, 14b16-23 apud BARBOSA FILHO, 2003, p. 234).

Desse modo, não há em Aristóteles uma equivalência entre o ser e a verdade do


enunciado; pelo contrário, é a realidade que é a causa da verdade do enunciado. Contudo,
podemos levantar a dúvida se realmente a convenção T expressa uma equivalência entre o ser
e a verdade. Neste ponto, já podemos mencionar uma breve interpretação carnapiana da
convenção T expressada na seguinte passagem do seu livro “Introdução à Semântica”:

Nós usamos o termo [verdadeiro] aqui em tal sentido que afirmar que uma sentença
é verdadeira significa o mesmo que afirmar a própria sentença; por exemplo, as duas
declarações “a sentença ‘A lua é redonda’ é verdadeira” e “A lua é redonda” são
meramente duas formulações diferentes da mesma afirmação. (CARNAP, 1942, p.
26).

Ou seja, na interpretação carnapiana, segue da convenção T uma equivalência


entre sentenças, isto é, ocorre no nível linguístico, trata-se de uma equivalência entre duas
expressões linguísticas (sentenças). Encontramos outra passagem carnapiana que esclarece
esse raciocínio no artigo de 1946, Remarks on Induction and Truth:

(1) “A substância neste recipiente é álcool”.


(2) “A sentença ‘a substância neste recipiente é álcool’ é verdadeira”.
(...) as sentenças (1) e (2) são logicamente equivalentes; em outras palavras, elas
implicam uma a outra; elas são meramente formulações diferentes para o mesmo
conteúdo factual; ninguém pode aceitar uma e rejeitar a outra; se forem usadas para
comunicação, as duas sentenças transmitem a mesma informação, embora de formas
diferentes. De fato, a diferença na forma é importante; as duas sentenças pertencem
a partes da linguagem totalmente diferentes. (Em minha terminologia, (1) pertence à
parte objeto da linguagem [linguagem-objeto], (2) pertence à meta-parte da
linguagem [metalinguagem] e, mais especificamente, a sua parte semântica). (...)
Certamente, a equivalência se mantém se ‘verdadeiro’ é entendido no sentido da
concepção semântica da verdade. Eu acredito com Tarski que este também é o
sentido em que a palavra ‘verdadeiro’ é mais usada no dia-a-dia e na ciência. No
entanto, esta é uma questão psicológica e histórica, que nós não precisamos
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 117

examinar aqui. Nesta discussão, de qualquer maneira, eu uso a palavra ‘verdadeiro’


no sentido semântico. (CARNAP, 1946, p. 598-600).83

Assim, podemos destacar, da interpretação carnapiana, que há uma


equivalência lógica entre as duas sentenças da sentença T (definiendum e definiens), e que
elas pertencem a linguagens diferentes. Ao contrário do que Barbosa Filho apresenta, de que
há uma passagem do lógico para o real e do real para o lógico, na convenção T, Carnap
defende que há apenas uma relação lógica entre elas.
Quanto a isso, Barbosa Filho (2003, p. 235), também assinala, em nota de
rodapé, que as sentenças T são uma consequência da definição de verdade, isto é, que elas são
definições parciais de verdade e que não há um critério de verdade na convenção T e sim um
critério de adequação material84.
Em outras palavras, se há uma relação extralógica na concepção de verdade de
Tarski, esta deve figurar no lado direito das instâncias da sentença-T (o definiens). Entretanto,
se a sentença que ocupa o lado direito da bicondicional, e que pertence à metalinguagem,
corresponde ao mundo (ou à realidade, ou aos fatos, ou estados-de-coisas, etc.), expressando
uma condição necessária e suficiente para a verdade da sentença mencionada no lado
esquerdo (o definiendum), o expressa de modo trivial e não informativo. Não fica claro o que
seja “correspondência”, ou seja, a convenção T não ameniza a perplexidade desse termo
semântico. A única informação que temos é que o critério de adequação material, que
configura na convenção T, é uma relação extensional (TARSKI, 1944, p. 346), isto é, a
extensão do predicado “X é verdadeiro”, é o objeto linguístico na metalinguagem, ou a
sequência de objetos linguísticos referidos, apontados ou indicados na metalinguagem pelo
predicado; e não um equivalência entre um ser extralinguístico no mundo e a verdade.
Tentarmos revelar algo mais dessa bicondicional é tirarmos conclusões que não estão
expressas nos textos de Tarski.
Barbosa Filho (2003, p. 243), ainda acrescenta que o ponto de partida de
Aristóteles são os enunciados essencialmente temporais. Estes são compostos de nome e
verbo que expressam o tempo: “todo enunciado veritativo depende, necessariamente, de um
verbo e da flexão deste; com efeito, mesmo a definição de homem ainda não é um enunciado
veritativo, a menos que se acrescente ‘é’, ‘será’ ou ‘foi’ ou algo desse tipo” (Da
Interpretação, V, 17a 10-12 apud BARBOSA FILHO, 2003, p. 243). Enquanto a concepção

83
Grifos do autor e colchetes nossos.
84
Cf. Tópico 2.2 Definição Materialmente Adequada da Verdade.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 118

tarskiana da verdade tem como ponto de partida os enunciados matemáticos, os quais são
indiferentes ao tempo: “uma proposição matemática, se é verdadeira, o é omnitemporalmente”
(BARBOSA FILHO, 2003, p. 243).
Ainda neste contexto, Tarski também deixa claro que nenhuma das
formulações da concepção da verdade-como-correspondência é satisfatória, nem mesmo a
aristotélica.

O conteúdo intuitivo da formulação aristotélica parece ser bastante claro. Contudo, a


formulação deixa muito a desejar do ponto de vista da precisão e da correção formal.
(TARSKI, 1969, p. 102)

Segundo Tarski, todas as formulações da verdade-como-correspondência


sofrem, em maior ou menor grau, de falta de clareza, ambiguidade das expressões usadas ou
incorreção formal (TARSKI, 1933, p. 155; TARSKI, 1944, p. 13; TARSKI, 1969, p. 102-
103). O autor afirma que sua concepção de verdade é neutra em relação a qualquer teoria
realista, idealista, empirista ou metafísica (TARSKI, 1944, p. 55).
Tarski parece esclarecer se sua concepção de verdade é uma concepção
correspondentista, quando as compara, pelo método do inquérito estatístico, aos usuários da
língua natural. Porém termina o trecho trazendo a dúvida novamente.

(...) nada me surpreenderia (...) inteirar-me que em um grupo de pessoas


entrevistadas, apenas 15% concordasse que “verdadeiro” significa para eles
‘concordância com a realidade’ e 90% conviesse que uma sentença tal como ‘está
nevando’ é verdadeira se, e somente se, está nevando. De modo que uma grande
maioria dessas pessoas parece rechaçar a concepção clássica da verdade em sua
formulação “filosófica”, aceitando a mesma concepção quando formulada em
palavras simples (havendo por um lado a questão se é possível justificar neste lugar
o uso da frase “a mesma concepção”). (TARSKI, 1944, p. 53).85

Enfim, podemos destacar duas questões sobre o que estamos discutindo:

(1) Tarski pretendia escrever uma concepção da verdade como uma concepção
da verdade-como-correspondência?
(2) Independentemente de suas intenções, a concepção da verdade de Tarski é
uma concepção da verdade-como-correspondência?

Essas duas perguntas dividem filósofos, que discutem e discordam sobre as


respostas dadas em relação a (1), a (2) e inclusive a ambas.

85
Os grifos em itálico são nossos.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 119

O comentador Richard Kirkham cita alguns exemplos de filósofos que se


pronunciaram diante dessas questões:

J. L. Mackie, Susan Haack e Herbert Keuth defendem respostas negativas a essas


questões, enquanto Donald Davidson, Karl Popper, Wilfred Sellars e Mark Platts as
respondem afirmativamente. Gerald Vision dá uma resposta negativa a (2), enquanto
Hartry Field e A. J. Ayer a respondem com um sim. (KIRKHAM, 1992, 242).

Alguns filósofos, que respondem afirmativamente à questão (2) discutem


também se a teoria de Tarski é uma teoria da correspondência como congruência86 ou uma
teoria da correspondência como correlação87. O comentador Raatikainen, em seu artigo Truth,
correspondence, models, and Tarski, cita alguns filósofos como exemplo:

Jan Woleński e Peter Simons (1989) propõe que a teoria de Tarski é uma teoria de
correspondência apenas no sentido fraco (ou correlação). Sher (1998), por outro
lado, argumenta que ela é uma teoria de correspondência até mesmo no sentido forte
[ou congruência] (ou isso é pelo menos como Patterson (2003) o interpreta).
Niiniluoto (1999; 2004) argumenta que no caso de sentenças atômicas, a teoria de
Tarski é uma teoria da correspondência forte, mas com respeito a sentenças
compostas e sentenças quantificadas, ela é apenas uma teoria da correspondência
fraca. (RAATIKAINEN, 2007, p. 116).88

86
A correspondência como congruência pode ser entendida em termos de “encaixar” ou “ajustar”, como quando
nós dizemos que extremidades reunidas de um pedaço de papel rasgado se encaixam ou se ajustam. Tais teorias
da verdade alegam que há um isomorfismo estrutural entre os portadores-de-valor-de-verdade e os fatos aos
quais eles correspondem quando o portador-de-valor-de-verdade é verdadeiro. Segundo Bertrand Russell, em
seus artigos “Da Natureza da Verdade e da Falsidade” de 1910 e “Verdade e Falsidade” de 1912, a
correspondência consiste em um isomorfismo estrutural entre as partes de uma crença e as partes de um fato; é a
correspondência daquilo que se acredita ser verdadeiro ou falso com os fatos que tornam as crenças verdadeiras
ou falsas. Para Russell (1910, p. 155-157 e 1912, p. 21), acreditar consiste em uma relação do crente a vários
objetos unidos por outra relação. Por exemplo, a crença “A acredita que B ama C”, consiste no A (o sujeito)
relacionado a B (um termo-objeto), C (outro termo-objeto) e na relação amar (a relação-objeto). O sujeito A
anuncia uma crença que “B ama C” e esse enunciado será verdadeiro “quando uma pessoa que acredita nele
acredita de modo verdadeiro e, falso, quando uma pessoa que acredita nele acredita de modo falso” (RUSSELL,
1910, p. 152).
87
A correspondência como correlação pode ser entendida como o emparelhamento de itens, ou membros de dois
ou mais grupos de coisas, um-para-um, de acordo com algumas regras ou princípios. Podemos considerar, por
exemplo, o sentido de correspondência um-para-um dos matemáticos. Suponhamos que coloquemos a série de
números naturais com uma correspondência um-para-um com a série dos números naturais pares. Podemos dizer
que, da série dos naturais, o número 1 corresponde para o número 2 da série dos naturais pares, 4 da série dos
naturais corresponde para o 8 da série dos naturais pares, e assim por diante. Isso segue do seguinte raciocínio:
dado um número xi de um grupo, no caso o conjunto dos números naturais, e a regra y = 2x, há um único
membro yi do outro grupo, no caso o conjunto dos números naturais pares. E tudo isso significa dizer que xi
corresponde para yi, ou seja, xi do conjunto dos números naturais e yi do conjunto dos números naturais pares
estão correlacionados ou emparelhados um com o outro em concordância com a regra estipulada. Claramente,
nós temos especificado uma regra ou princípio para a correspondência, dado que na ausência de um contexto, ou
na ausência da indicação de um grupo, ou na ausência da explicitação de uma regra, dizer “5 corresponde para
10” não fica compreensivo.
88
Colchetes nossos.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 120

Por outro lado, alguns filósofos que respondem negativamente à questão (2),
discutem se a teoria de Tarski seria uma teoria deflacionista89. Por exemplo, o autor Devitt,
em seu artigo The metaphysics of truth, argumenta:

Embora Tarski considere sua teoria uma teoria de verdade-como-correspondência, a


teoria que ele realmente apresenta é deflacionária. (...) A definição de Tarski nos diz
muito sobre ‘verdadeiro-em-L’. Mas nada nos diz sobre verdade-em-L, porque ela
está implicitamente comprometida com a visão que não há nada para dizer.
(DEVITT, 2000, p. 597).

Desse modo, há uma grande divergência em relação à questão (1) e (2) e


dificilmente se encontra um consenso sobre o assunto.
Vejamos como exemplo a interpretação do pensador britânico de origem
austríaca, Karl Popper. Ele teve a oportunidade de conhecer Tarski pessoalmente,
primeiramente, em 1934, numa conferência em Praga, organizada pelo Círculo de Viena e,
mais tarde, nos princípios de 1935, em um Colóquio de Karl Mengers em Viena, onde Popper
foi apresentado à concepção da verdade de Tarski (POPPER, 1973, p. 294-297).
Popper se interessava pelo aspecto realista da teoria da verdade de Tarski, a
qual ele acreditava existir. O autor afirmava que a teoria tarskiana da verdade era uma
reabilitação e uma elaboração da teoria clássica de que a verdade é a correspondência com os
fatos (POPPER, 1972, p. 249 e POPPER, 1973, p. 297-302).
O ponto mais enfatizado por Popper não é tanto que Tarski tenha,
efetivamente, explicado a relação de correspondência, mas sim que ele estabeleceu os
requisitos necessários para uma teoria de correspondência. Ou seja, a convenção T,

(T) X é verdadeira se, e somente se, p,

provê um sentido preciso para o termo “correspondência com os fatos”.


Desse modo, a interpretação de Popper (1973, p. 298), em relação à teoria da
verdade de Tarski, sugere-nos que abandonemos completamente a palavra “verdade” e, em

89
As teorias deflacionárias consideram que não há uma propriedade compartilhada por todas as proposições que
nós aceitamos como verdadeiras. Logo, o conceito de verdade não deveria ser entendido como expressando tal
propriedade, mas ser visto como exercendo uma outra função, por exemplo, segundo Strawson (KIRKHAM,
1992, p. 424), atribuições de verdade são, em realidade, gestos, ou seja, aparentemente atribuir verdade é
sinalizar (como inclinar a cabeça para cima e para baixo) que se está concordando com alguma coisa sem que se
diga ou se afirme nada. Assim, “verdade” funciona como “concordar”. Algumas visões deflacionistas chamam a
atenção para a transparência do sentido da verdade. Se considerarmos que é verdadeiro que “rosas são
vermelhas”, parece que podemos ver através de sua veracidade e considerar simplesmente que rosas são
vermelhas, como um simples tirar as aspas. Inferimos que é verdadeiro que rosas são vermelhas a partir da
proposição “rosas são vermelhas”, e vice-versa.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 121

vez dela, usemos a expressão “correspondência das sentenças com os fatos que descrevem”. E
ele introduz o seguinte esquema:

(A) F corresponde com os fatos se, e somente se, f,

sendo que “F” deve ser substituído por nomes, da metalinguagem, das sentenças descritivas
de fatos da linguagem-objeto e “f” deve ser substituído por sentenças da metalinguagem,
descrevendo os fatos da linguagem-objeto.

A chave para a reabilitação da teoria da correspondência é uma observação muito


simples e óbvia feita por Tarski. Isto é, se eu quiser falar sobre a correspondência
entre uma sentença S e um fato F, então eu tenho que fazer isso em uma linguagem
em que eu posso falar sobre ambos: sentenças tais como S, e fatos tais como F. Isto
parece ser espantosamente trivial, mas é decisivo. Isso significa que a linguagem em
que falamos sobre correspondência deve possuir os meios necessários para se referir
a sentenças e descrever fatos. Se eu tiver uma linguagem que tem estes dois meios à
sua disposição, de modo que pode se referir a sentenças e descrever fatos, então
nesta linguagem - a metalinguagem - eu posso falar sobre a correspondência entre as
sentenças e fatos sem qualquer dificuldade. (POPPER, 1972, p. 314).

Assim, a metalinguagem precisa dispor, além dos usuais aparatos lógicos, de


três tipos de expressões:

• Nomes das sentenças que descrevem os fatos da linguagem-objeto.


• Sentenças que descrevem os fatos (inclusive os não-fatos), sob discussão da
linguagem-objeto.
• Termos que denotam predicados desses dois tipos fundamentais de expressões e as
relações entre ambos. Por exemplo, predicados tais como “Y correspondem aos
fatos” ou relações tais como “Y corresponde aos fatos se, e somente se, y”.

Popper exige, tanto das sentenças que podem ser substituídas em “F”, quanto
das sentenças que podem ser substituídas em “f”, que estejam dentro da metalinguagem,
porque, por exemplo,

“The snow is white”, corresponde ao fato se, e somente se, a neve é branca,

tanto a sentença ““the snow is white””, quanto a sentença “a neve é branca”, dentro da
metalinguagem, dizem o fato que a neve é branca. Por isso, quando queremos falar sobre a
correspondência da sentença para o fato, a metalinguagem permite-nos dizer o fato, ou o
suposto fato, sobre o qual a sentença em questão fala. E, ainda, a metalinguagem contém o
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 122

nome ““the snow is white””, da sentença “a neve é branca”, por isso, a metalinguagem
permite-nos falar sobre a sentença e afirmar que ela corresponde ao fato (KEUTH, 1978, p.
426).
E Popper (1973, p. 53), conclui que, uma vez que possamos asseverar do modo
descrito, as condições sob as quais cada sentença da linguagem corresponde aos fatos,
poderemos definir:

(B) F é verdadeira se, e somente se, F corresponde aos fatos.

Portanto, Popper, além de acreditar que Tarski elaborou, conscientemente, uma


teoria da verdade segundo os intentos da verdade-como-correspondência, acredita que o
mesmo também construiu uma teoria que dá um sentido preciso ao termo “correspondência
com os fatos”.
No entanto, essa crença de que a convenção T reabilita de maneira precisa o
sentido do termo “correspondência com os fatos”, conduziu Popper a substituir verdade pelo
termo “correspondência com os fatos” e a criar uma tautologia. O esquema (A) se assemelha
bastante com a convenção T e os seus definiens são iguais. Ou seja, “F corresponde aos fatos”
é extensionalmente equivalente a “f” e, como “f” é extensionalmente equivalente a “F é
verdadeira”, temos que “F corresponde aos fatos” também é extensionalmente equivalente a
“F é verdadeira”. Assim, Popper conclui que

(B) F é verdadeira se, e somente se, F corresponde aos fatos.

Porém, (B) nada mais diz que

(C) f se, e somente se, f,

pois, seguindo o mesmo raciocínio, os definiens de (T) e (A) também são extensionalmente
equivalentes, ou seja, o esquema (B) é equivalente ao esquema (C), que nada mais é que uma
tautologia (KEUTH, 1978, p. 427-428).
Notemos que, no argumento, assumimos que “f”, a sentença da linguagem-
objeto (que também pode ser encontrada na metalinguagem) requerida pela convenção T,
coincide com a sentença descritiva do fato, requerida pelo esquema (A). O argumento só tem
valor nesse caso. Nessa possibilidade de interpretação, a teoria de Popper não diz nada mais
que a teoria de Tarski, desde que assumimos que a definição de Tarski seja verdade-como-
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 123

correspondência. Essa parece ser a interpretação de Popper, pois ele considera o termo
“correspondência com os fatos” como sendo um sinônimo de “verdade”:

O caráter altamente intuitivo das ideias de Tarski parece tornar-se mais evidente
(como descobri ao ensiná-la) se primeiramente decidimos considerar “verdade”, de
forma explícita, um sinônimo de “correspondência com os fatos”, para então
(deixando “verdade” de lado) procedermos à explicação da ideia de
“correspondência com os fatos”. (POPPER, 1972, p. 249).90

Ensinando a teoria da verdade de Tarski, verifiquei que as coisas ficavam mais


fáceis para mim e, pelo menos, para alguns de meus alunos se eu falasse deste modo
[faz referência ao esquema (A)] a respeito de correspondência com os fatos e não a
respeito da verdade. (POPPER, 1973, p. 300).91

Por outro lado, se “F é verdadeira”, simplesmente afirma o que diz f, conforme


assume Tarski em (T), enquanto no definiendum de (A), “F corresponde aos fatos”, afirma
uma relação peculiar de correspondência entre F e os fatos, então, a definição (B) de Popper
afirma um significado diferente para “F é verdadeira” do que afirma a convenção T de Tarski.
Logo, as definições são incompatíveis (KEUTH, 1978, p. 428).
Em 1976, Susan Haack escreveu um artigo – Is it True What They Say About
Tarski? (É verdade o que dizem sobre Tarski?) – criticando os comentadores das obras de
Tarski sobre verdade, principalmente os comentários de Popper92.
Haack não acredita que Tarski tenha apresentado sua teoria como uma teoria da
correspondência e argumenta baseando-se no trecho:

Contudo, todas estas formulações podem conduzir a diversos equívocos, pois


nenhuma delas é suficientemente precisa e clara (...); em todo caso, nenhuma delas
pode ser considerada uma definição satisfatória da verdade. (TARSKI, 1944, p.
334).

E sua posição é que “De fato, Tarski, explicitamente, comenta que a teoria da
correspondência não pode ser considerada uma definição satisfatória da verdade” (HAACK,
1976, p. 324). Porém, o autor não diz que a teoria da correspondência não pode ser
considerada uma definição satisfatória da verdade. Ele diz que nenhuma das formulações
dadas pode ser considerada uma definição satisfatória da verdade e que, então, devemos
construir uma expressão que seja conforme as suas intuições e desejos (JENNINGS, 1987, p.
239).

90
Grifos do autor.
91
Grifos do autor e colchetes nossos.
92
Popper também replica os argumentos de Haack no artigo: Is it True What She Says About Tarski? de 1979.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 124

Ao contrário de Popper, Haack acreditava que a convenção T é apenas uma


condição de adequação material que discrimina uma definição adequada de uma inadequada,
sendo que uma definição é adequada se todas as instâncias de (T) seguem-na (e inadequada,
caso contrário). Assim, a condição de adequação material não permite apenas a própria teoria
de Tarski, mas também as definições rivais que são compatíveis com a condição de implicar
todas as instâncias da convenção T. Aqui, novamente, podemos voltar para Carnap que
defendia esse raciocínio de Haack, evidenciado, no seguinte trecho do livro “Introdução à
Semântica”: “A sentença na metalinguagem “ i é verdadeira em S” significa o mesmo que a
própria sentença i. Esta característica constitui a condição para adequação da definição de
verdade” (1942, p. 22)93. Ou seja, para Carnap também a convenção T serve como uma forma
de adequação para o conceito de verdade.
Para Haack, a definição da verdade tarskiana está exclusivamente na definição
desta através do conceito de satisfação (HAACK, 1976, p. 324-325). Inclusive, para ela, como
a satisfação é uma relação entre certas expressões (sentenças abertas) e sequências de objetos,
isso pode ser visto como sendo uma razão para considerarmos a definição como um tipo de
correspondência.

Embora a teoria dele não seja apresentada como uma teoria da correspondência, e
embora a condição de adequação material não esteja a favor da teoria da
correspondência e (de algumas) das suas rivais, a definição de satisfação de Tarski é
bastante análoga às tradicionais teorias da correspondência. (HAACK, 1976, p.
325).

Mas como já havíamos observado anteriormente, a noção de satisfação,


apresentada por Tarski, não pode ser entendida da seguinte maneira: cada variável livre em
uma função sentencial deve ser substituída por um nome de um objeto, fazendo dela uma
sentença verdadeira. A definição de verdade, a partir de satisfação, não está relacionada
diretamente com funções sentenciais compostas de sentenças abertas, se estivesse, nem
haveria necessidade do desvio, através do conceito de satisfação, pois a verdade das funções
sentenciais poderia ser definida diretamente em termos de verdade das suas instâncias
substitutivas. Desse modo, se existe uma relação de correspondência na definição de
satisfação, ela o é no “sentido matemático”, ou seja, toda função sentencial, composta de
sentenças abertas, que for satisfeita por pelo menos uma arbitrária sequência infinita de
objetos, transforma em uma sentença fechada (sem variáveis livres), sendo que tal

93
Grifos do autor.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 125

procedimento não serve como um critério de verdade. E mais, o conjunto do domínio dessas
funções sentenciais é o conjunto de objetos linguísticos da metalinguagem, isto é, não é
formado de objetos extralinguísticos no mundo. Se há alguma relação de correspondência
com o mundo, isso deve ocorrer entre a metalinguagem e este (ou a realidade, ou os fatos, ou
estados-de-coisas, etc.) 94. Mas, não há nenhum esclarecimento disso nos textos de Tarski.
Essas discussões nos levam a concluir que Tarski tinha um motivo para não
expressar claramente sua posição sobre a questão se a concepção semântica da verdade é uma
concepção da verdade-como-correspondência (verdade extralógica), ou verdade lógica, ou
ambas. Talvez ele não estivesse preocupado em “reabilitar” a teoria da correspondência, mas
apenas interessado em buscar um sentido preciso que alcançasse o significado comum do
termo “verdade” e, para tanto, partiu da teoria clássica, mas não, necessariamente, preocupado
em permanecer nos moldes de uma teoria filosófica específica e, por isso, apresenta sua
afirmação de neutralidade, como podemos observar no trecho abaixo:

Tem-se sustentado que – a causa de que uma sentença tal como ‘a neve é branca’ é
considerada semanticamente verdadeira se a neve é de fato branca (em itálico pelo
crítico) – a lógica se encontra envolta de um realismo extremadamente acrítico.
Se eu tivesse a oportunidade de discutir essa objeção com o autor, (...) pedir-lhe-ia
que eliminasse as palavras ‘de fato’, que não figuram na formulação original e são
equivocadas, ainda quando não afetam o conteúdo. Pois estas palavras produzem a
impressão de que a concepção semântica da verdade tem por finalidade estabelecer
as condições em que teremos a garantia de poder afirmar qualquer sentença e, em
particular, qualquer sentença empírica. Contudo, uma breve reflexão mostra que essa
impressão é apenas ilusão; e penso que o autor da objeção se torna vítima da ilusão
que ele mesmo criou.
De fato, a definição semântica da verdade nada implica em respeito às condições em
que pode afirmar uma sentença tal como (1):
(1) A neve é branca
Apenas implica que, sempre que afirmamos ou rejeitamos essa sentença, devemos
estar atentos para afirmar ou rejeitar a sentença correlacionada
(2) A sentença “a neve é branca” é verdadeira.
Assim, podemos aceitar a concepção semântica da verdade sem abandonar qualquer
atitude gnosiológica que possamos ter tido; podemos permanecer sendo realistas
ingênuos, realistas críticos ou idealistas, empiristas ou metafísicos – o que tenhamos
sido antes. A concepção semântica é completamente neutra em relação a todas essas
posições. (TARSKI, 1944, p. 355-356).

Desse modo, o trabalho deste autor não esclarece a noção de correspondência e


a ausência de um tal esclarecimento é precisamente uma posição filosófica por ele assumida
(RODRIGUES FILHO, 2006, p. 26). Isso nos deixa margem para acreditar que, para Tarski, a
concepção semântica da verdade é uma verdade extralógica e, ao mesmo tempo, uma verdade

94
Nós entenderemos o mundo, ou a realidade, ou os fatos, ou estados-de-coisas, etc., como algo extralinguístico,
ou seja, como algo que não pertence à linguagem.
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 126

lógica, além disso, a distinção deve ocorrer dependendo da linguagem em investigação. Com
efeito, a definição de verdade de Tarski para uma dada linguagem formalizada não se trata de
um critério de verdade, apenas estabelece um método formalmente correto e materialmente
adequado, que indica as condições de verdade tanto lógicas, quanto extralógicas das sentenças
dessa linguagem. Mas se quisermos determinar o valor-de-verdade das sentenças envolvidas
precisaremos ir além da definição e observar o mundo (ou a realidade, ou os fatos, ou estados-
de-coisas, etc.), que é o papel da ciência e não de uma definição de verdade. Devemos frisar
isso, a definição em si não é um critério prático para decidir se uma sentença particular em
uma dada linguagem é verdadeira ou falsa, isso é uma tarefa da própria ciência e não da
lógica ou de uma teoria da verdade. Tarski exemplifica esse fato a partir da seguinte sentença:
“as três bissetrizes de todo triângulo se encontram em um único ponto”. Se estamos
interessados em saber se essa sentença é verdadeira, e se queremos uma resposta a partir da
definição da verdade, a única informação que encontraremos é que a sentença é verdadeira se
as três bissetrizes de um triângulo sempre se encontram em um ponto, e é falsa se elas não se
encontram. Apenas uma investigação geométrica nos permitirá decidir qual é realmente o
caso (TARSKI, 1969, p. 116).
Neste contexto, defendem Chateaubriand (2001, p. 230), e Rodrigues Filho
(2006, p. 52-53), que a concepção de verdade de Tarski, por não esclarecer a relação entre a
linguagem e o mundo, não pode ser considerada uma concepção semântica da verdade, mas
apenas sintática.

(...) creio que a teoria de Tarski não pode ser considerada genuinamente semântica
porque não expressa as relações entre a linguagem e o mundo em virtude das quais
sentenças são verdadeiras ou falsas. A rigor, Tarski não construiu uma teoria
semântica, mas, antes, encontrou um dispositivo técnico (...) que lhe permitiu
eliminar as noções semânticas. (RODRIGUES FILHO, 2006, p. 54).

Analisando por esse ângulo, a construção da verdade de Tarski obtém


praticamente a mesma realização teórica que o conceito de analiticidade de Carnap, na
“Sintaxe Lógica da Linguagem”: ambas correspondem a uma análise sintática do sentido em
que certas sentenças são tidas por verdadeiras (TRANJAN, 2010, p. 249). Então qual é a
novidade apresentada por Tarski que atrai consideravelmente Carnap? O grande diferencial do
trabalho deste autor é o critério de adequação material contida na convenção T (CARNAP,
1942, p. 22 e 27-28) e o estabelecimento da metalinguagem semântica (CARNAP, 1963, p.
68).
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 127

Mesmo que não haja um consenso quanto à afirmação da concepção semântica


da verdade de Tarski ser considerada uma verdade lógica, uma verdade extralógica, ou ambas,
fica claro que não há, nos textos de Tarski, um esclarecimento da parte extralógica da
definição de verdade, isto é, da relação das sentenças-T e o mundo (ou a realidade, ou os
fatos, ou estados-de-coisas, etc.); no entanto, há uma clareza na exposição da parte lógica da
definição. E é este ponto que revolucionará o pensamento carnapiano: o esclarecimento do
critério de adequação material e o estabelecimento da metalinguagem semântica.
Contudo, apesar de tais esclarecimentos parecerem estar no nível sintático, o
próprio Carnap os chamará de semântico, inclusive, usará a expressão “semântica pura”,
referindo-se a conceitos inteiramente analíticos e sem conteúdo factual, como por exemplo, os
conceitos de “designação” e “verdadeiro” em linguagens formalizadas. O uso do termo
semântico se justifica pela utilização da metalinguagem e pela determinação das condições de
verdade das sentenças da linguagem-objeto que, segundo Carnap (1942, p. 22), constituem o
sistema semântico da linguagem.
Carnap (1942, p. 22), entende por sistema semântico ou sistema interpretado,
um sistema de regras formulado na metalinguagem e que se referem à linguagem-objeto, de
tal modo que as regras determinam as condições de verdade para todas as sentenças da
linguagem-objeto. Desse modo, as sentenças são interpretadas pelas regras, isto é, são feitas
inteligíveis, pois entender uma sentença, isto é, conhecer o que é afirmado por ela, é o mesmo
que conhecer em quais condições ela é verdadeira. Em outras palavras, as regras determinam
o significado ou o sentido dessas sentenças.
Assim, a concepção de verdade de Tarski, sendo uma definição de verdade
lógica, ou extralógica, ou ambas, define, na metalinguagem, as regras que determinam as
condições de verdade para todas as sentenças da linguagem-objeto e, nesse sentido, segundo
Carnap, ela pode ser chamada de semântica. Inclusive, neste caso, o conceito de analiticidade
deste autor na “Sintaxe Lógica da Linguagem”, também é semântico, desde que faça a devida
correção de trocar a metalinguagem sintática pela metalinguagem semântica. Em suas
próprias palavras na sua autobiografia: “Fiz a primeira definição de verdade lógica em meu
livro sobre sintaxe; mas agora eu percebo que a verdade lógica, em seu sentido usual, é um
conceito semântico” (1963, p. 116).
Assim, alguns dos objetivos de Carnap, nas obras posteriores a “Sintaxe Lógica
da Linguagem”, serão demarcar as distinções entre a parte semântica e a parte sintática da
linguagem e distinguir verdade lógica de verdade extralógica, assuntos que trataremos no
CAPÍTULO 3. A ANÁLISE SEMÂNTICA DA LINGUAGEM SEGUNDO ALFRED TARSKI 128

próximo capítulo, quando, voltaremos nosso olhar para as obras posteriores à sintaxe lógica
de Carnap, procurando estabelecer as influências da concepção semântica da verdade de
Tarski nos seus textos.
Capítulo IV

A integração da sintaxe com a semântica segundo Carnap


CAPÍTULO 4. A INTEGRAÇÃO DA SINTAXE COM A SEMÂNTICA SEGUNDO CARNAP 130

4. Introdução

Como apresenta Carnap, em sua autobiografia, não foi fácil para Tarski
convencer os filósofos da época a aceitar a teoria semântica. Por exemplo, as palestras
proferidas por este autor, no Congresso de Filosofia Científica, acontecido em Paris em 1935,
foram recebidas com indiferença e hostilidade (CARNAP, 1963, p. 111-114).
Em particular, ao contrário do que podia se esperar, Carnap foi um dos grandes
defensores no Congresso de Filosofia Científica da importância da discussão sobre a
semântica, a ponto de organizar uma sessão adicional, à parte do programa oficial, para
discutir as controvérsias. Assim, aos poucos, a teoria semântica de Tarski foi ganhando
adeptos.
Na autobiografia, Carnap se apresenta entusiasmado com as inovações de
Tarski, que, mesmo antes ainda da publicação do ensaio de Tarski, tinha se dado conta,
principalmente em discussões com o próprio estudioso e com Gödel, de que devia existir
outro modo, para além do sintático, de falar da linguagem. Dado que era obviamente possível
falar a cerca dos objetos extralinguísticos, bem como acerca das expressões linguísticas, nada
impedia de fazer ambas as coisas numa única metalinguagem, subsistindo assim a
possibilidade de falar sobre o significado e a designação das expressões de uma linguagem.
Nas discussões filosóficas, ocorridas no Círculo de Viena, já haviam se tratado
desses assuntos, mas não se dispunha de uma rigorosa metalinguagem sistematizada. Segundo
Carnap, os maus entendimentos dessas discussões se deviam à inexatidão da metalinguagem
(1963, p. 68). O novo aparelho metalinguístico da semântica permitia formular enunciados
sobre o nexo designativo e sobre a verdade. Isso atraiu em sumo grau o interesse de Carnap,
na medida em que parecia constituir, afinal, o meio requerido para explicar, com precisão,
muitos conceitos ocorrentes nas disputas filosóficas (1963, p. 110-111).
Para o filósofo (1963, 113), a utilidade da semântica na filosofia era tão
evidente que não havia necessidade de outros argumentos além daqueles que Tarski havia
proferido no Congresso de Filosofia Científica. Nas investigações filosóficas, sempre se havia
utilizado de conceitos semânticos, bastava, então, que se fizesse uma extensa sistematização
desses conceitos para torná-los adequados ao uso. De maneira especial, a análise da
CAPÍTULO 4. A INTEGRAÇÃO DA SINTAXE COM A SEMÂNTICA SEGUNDO CARNAP 131

linguagem estava incompleta, sem referência ao significado e à designação das expressões de


uma dada linguagem, faltava a análise semântica da linguagem.

A análise da linguagem, ao nosso entender a ferramenta mais importante da


filosofia, eu sistematizei primeiramente na forma de sintaxe lógica; porém, esse
método apenas estudava a forma das expressões, não seu significado. Um passo
importante no desenvolvimento da análise da linguagem consiste na integração da
sintaxe com a semântica, isto é, a teoria dos conceitos de significado e verdade. Nas
investigações filosóficas sempre se utilizava de conceitos desse tipo. A escola de
Varsóvia foi a primeira a proporcionar uma análise exata desses tipos de conceitos,
especialmente Lesniewski e Kotarbinski. Mais adiante foi Tarski que em seu
esplendido tratado sobre o conceito de verdade desenvolveu um método mediante o
qual, pela primeira vez, foi possível definir adequadamente o conceito de verdade e
de outros conceitos semânticos e com o qual obteve importantes resultados.
(CARNAP, 1963, p. 110).

Uma primeira divisão, na lógica da ciência em análise sintática da linguagem e


análise semântica da linguagem, é apresentada por Carnap em “Fundamentos Lógicos da
Unidade da Ciência” de 1938. Nessa primeira obra do filósofo, sua distinção entre sintaxe e
semântica fica condicionada à investigação de uma dada linguagem fazendo referência ou não
a objetos extralinguísticos (1938, p. 393-394), mas o seu percurso sobre semântica é longo,
outras definições de sistema semântico e sintático serão dadas e vão se tornando mais técnicas
e mais claras. Ele resume a sua trajetória semântica na sua autobiografia:

Eu comecei a trabalhar intensamente neste campo que acabara de se abrir [a


semântica]. Na monografia Foundations of Logic and Mathematics [Fundamentos
da Lógica e da Matemática] (1939), publicada na Enciclopédia, explico de maneira
mais elementar e não técnica a diferença entre sintaxe e semântica e o papel da
semântica na metodologia da ciência, especialmente, como teoria interpretativa de
sistemas formais, por exemplo, os sistemas axiomáticos na física. Alguns anos
depois publiquei Introduction to Semantics [Introdução à Semântica] (1942), onde
explico a teoria da verdade e a teoria da dedução lógica, utilizando conceitos como
implicação lógica, verdade lógica e outros. A minha concepção da semântica estava
baseada na obra de Tarski, porém se diferenciava pela distinção que eu estabelecia
entre constantes lógicas e não lógicas, entre verdade lógica e verdade fática. (...)
Alguns anos mais tarde publiquei dois novos livros sobre semântica: Formalization
of Logic [Formalização da Lógica] (1943) e Meaning and Necessity [Significado e
Necessidade] (1947). (CARNAP, 1963, p. 113).95

O livro que mais se aproxima do nosso objetivo, de discutir as influências de


Tarski nos textos de Carnap, é a obra “Introdução à Semântica” de 1942, que é considerado,
pelo próprio autor, o primeiro volume da série “Estudos em Semântica” (1947, p. v); outros
livros da série seriam “Formalização da Lógica” (Formalization of Logic) de 1943 e
“Significado e Necessidade” (Meaning and Necessity) de 1947. Em particular, a obra

95
Colchetes nossos.
CAPÍTULO 4. A INTEGRAÇÃO DA SINTAXE COM A SEMÂNTICA SEGUNDO CARNAP 132

“Significado e Necessidade” (1947), diferencia-se das duas anteriores com novas teorias
semânticas e a inserção de assuntos relativos à lógica modal.
Com a finalidade de apresentar o sistema semântico e sintático de Carnap e a
influência de Tarski em suas teorias, faremos, neste tópico, um percurso pelas obras citadas na
passagem, tendo em vista à relação entre a análise sintática e a análise semântica da
linguagem.

4.1 Sistema Sintático e Semântico de uma Linguagem

Em “Fundamentos da Lógica e da Matemática” (1939), Carnap apresenta a


distinção de três componentes de uma linguagem:

(...) no uso da linguagem, é preciso distinguir três componentes, os quais podemos


ilustrar no seguinte exemplo: (1) a ação, o estado e o ambiente que um indivíduo
pronuncie ou ouça a palavra alemã ‘blau’; (2) a palavra ‘blau’ como um elemento da
língua alemã (...); (3) uma certa propriedade de coisas, por exemplo, a cor azul, para
qual o indivíduo considerado, como qualquer outro que fale a língua alemã, queira
referir-se (...). (CARNAP, 1939, p. 4).96

Segundo ele, uma teoria completa da linguagem precisa estudar os três


componentes distinguidos na citação: o (1) é chamado de pragmático e se refere ao campo de
investigação do comportamento humano em relação às expressões de uma linguagem; o (3) é
chamado de semântico e se refere às expressões e suas relações com suas designações em
abstração do comportamento humano; e o (2) é chamado de sintaxe lógica (ou sintático) e se
refere ao campo de investigação das expressões e relações entre elas em abstração de suas
designações e do comportamento humano.
Ainda em “Fundamentos da Lógica e da Matemática”, para explicar, de
maneira menos técnica, a construção de um sistema pragmático, semântico e sintático de uma
linguagem, Carnap se utiliza de uma linguagem fictícia e de estrutura simples, que ele chama
de B, como linguagem-objeto e da língua natural como a metalinguagem. Segundo ele, essa
linguagem B pertence ao mundo dos fatos, do qual muitas das propriedades nós conhecemos,
mas que possui outras desconhecidas por nós.

96
Grifos do autor.
CAPÍTULO 4. A INTEGRAÇÃO DA SINTAXE COM A SEMÂNTICA SEGUNDO CARNAP 133

O sistema pragmático da linguagem B consiste na investigação das


preferências de um certo grupo social na escolha das palavras, expressões e sentenças dessa
linguagem (1939, p. 5-6).
O sistema sintático relativo à linguagem B, que ele chama de B-C, é um
sistema de regras sintáticas, também chamado de regras formais, que determinam certas
propriedades e relações sintáticas de sentenças, principalmente, visando a deduções sintáticas.
A construção desse sistema consiste em estabelecer algumas sentenças primitivas (postulados
ou axiomas), e algumas regras de inferência para a construção de provas e de derivações
(1939, p. 17), exatamente como apresentado no Capítulo II.
Por sua vez, o sistema semântico correspondente a essa linguagem B, que ele
chama de B-S, é construído por nós através do estudo das relações entre as expressões de B e
suas designações, sendo que todas as propriedades desse sistema são estabelecidas através de
regras convencionadas por nós.
Os elementos básicos do sistema semântico são chamados de sinais. Os sinais
do sistema B-S são palavras da linguagem B que convencionamos serem corretas. Uma
sequência consistindo de um ou mais sinais é chamada uma expressão. Os sinais de B-S são
divididos em duas classes: sinais descritivos e sinais lógicos. Os sinais descritivos são aqueles
que designam coisas ou propriedade de coisas; os outros sinais são lógicos, que não designam
coisas, nem propriedade de coisas, e servem, principalmente, para conectar sinais descritivos
na construção de sentenças, como por exemplo: e, ou, não, se, algum, todos, etc. O passo
preliminar na construção do sistema B-S é classificar os sinais e estabelecer as regras de
formação de sentenças. O sistema semântico B-S consiste em determinar as condições de
verdade dessas sentenças, isto é, dar uma interpretação das mesmas (1939, p. 6-7). Desde que
saibamos as condições de verdade de uma sentença, saberemos o que esta afirma, desse modo,
o sistema semântico B-S determina, para todas as sentenças de B o que elas afirmam, em
termos usuais, os seus significados (1939, p. 10).

Portanto, nós diremos que entendemos uma linguagem, ou um sinal, ou uma


expressão, ou uma sentença de uma linguagem, se nós soubermos as regras
semânticas dessa linguagem. Nós também diremos que as regras semânticas dão
uma interpretação da linguagem (CARNAP, 1939, p. 10-11).97

Carnap explorará, com mais riqueza técnica e clareza, a distinção dos sistemas
sintático e semântico de uma linguagem no seu livro “Introdução à Semântica” de 1942.

97
Grifos do autor.
CAPÍTULO 4. A INTEGRAÇÃO DA SINTAXE COM A SEMÂNTICA SEGUNDO CARNAP 134

Porém, o autor considera que essa obra é ainda uma primeira tentativa de esclarecer o
estabelecimento de um sistema sintático e semântico, não necessariamente a mais apropriada,
além de ser a que contém mais questões em aberto do que respostas (1942, p. xii e p. 57). O
filósofo considerava, na fase desse livro, que o desenvolvimento da semântica ainda estava no
começo, mas que o uso do método de construção da teoria de verdade por Tarski, e o uso da
teoria de dedução lógica e teoria de interpretações de um sistema formal, desenvolvidas nesse
livro, pareciam justificar a expectativa de que a semântica não era apenas uma ajuda acidental
para a lógica, mas que proveria a base para esta (1942, p. xii).
Nesse sentido, a visão defendida no livro “Introdução à Semântica” (1942), é
que a lógica é um braço especial da semântica e que a verdade lógica é um conceito semântico
(1942, p. 56). Para esclarecer essa defesa, Carnap inicia distinguindo semântica pura de
semântica descritiva e restringindo a intenção do livro:

A semântica descritiva é uma investigação empírica das características semânticas


de uma historicamente dada linguagem. A semântica pura é a análise de um sistema
semântico, isto é, um sistema de regras semânticas. O sistema sintático é dividido
analogamente. O presente livro está relacionado com os sistemas semântico e
sintático e suas relações, por isso apenas com a semântica e a sintaxe pura.
(CARNAP, 1942, p. 11).98

Desse modo, não é intenção do autor tratar da semântica e da sintaxe


descritiva, que analisa e descreve as línguas naturais como o português, mas, principalmente,
traçar as linhas de separação entre semântica pura e sintaxe pura. A semântica pura deve ser
entendida como um sistema de regras que definem certos conceitos semânticos, como
designação e verdadeiro em uma dada linguagem formalizada. Diferentemente da semântica
descritiva, a semântica pura é inteiramente analítica e sem conteúdo factual. A utilização do
termo “semântica pura”, justifica-se pela mesma argumentação tarskiana de que os conceitos
semânticos de uma dada linguagem formalizada devem ser definidos em uma metalinguagem
mais rica que a linguagem-objeto em investigação e que faz referência às sentenças da
linguagem-objeto.
Analogamente, Carnap também divide a sintaxe em pura e descritiva como
feito anteriormente no livro a “Sintaxe Lógica da Linguagem”99. Como nessa obra, o autor
apresenta como exemplo análogo desta distinção entre pura e descritiva, agora tanto para a

98
Grifos do autor.
99
Cf. tópico 1.1 Linguagem I, Linguagem II e Sintaxe Geral.
CAPÍTULO 4. A INTEGRAÇÃO DA SINTAXE COM A SEMÂNTICA SEGUNDO CARNAP 135

sintaxe quanto para a semântica, a relação entre a geometria matemática, que é uma parte da
matemática e por isso analítica, e a geometria física, que é parte da linguagem da física.
A fim de esclarecer melhor a distinção entre um sistema semântico e um
sistema sintático, voltemos inicialmente à definição de um sistema semântico e à utilização da
teoria de Tarski e, posteriormente, à descrição de um sistema sintático:

Um sistema semântico é um sistema de regras que indicam as condições de verdade


para as sentenças de uma linguagem objeto e, portanto, determinam o significado
dessas sentenças. Um sistema semântico S pode consistir de regras de formação,
definindo ‘sentenças em S’, regras de designação, definindo ‘designação em S’, e
regras de verdade, definindo ‘verdadeiro em S’. A sentença na metalinguagem ‘ é
verdadeira em S’ significa o mesmo que a própria sentença . Esta característica
constitui uma condição para a adequação da definição de verdade. (CARNAP, 1942,
p. 22).100

Assim, um sistema semântico, ou sistema interpretado (como ele também


chama), é um conjunto de regras formulado na metalinguagem e que se refere à linguagem-
objeto, de tal modo que as regras determinam as condições necessárias e suficientes de
verdade para todas as sentenças da linguagem-objeto. Desse modo, as sentenças são
interpretadas pelas regras, isto é, são feitas inteligíveis, pois entendê-las, isto é, conhecer o
que é afirmado por elas, é o mesmo que conhecer em quais condições elas são verdadeiras.
Em outras palavras, as regras determinam o significado ou o sentido dessas sentenças (1942,
p. 22). Note que usamos “verdade” ou “verdadeiro”, no sentido tanto lógico como extralógico
(sem distinção), a esse tipo de termo ou conceito Carnap chama de termo ou conceito
semântico radical (mais adiante trataremos da distinção entre verdade lógica e extralógica).
Como o sistema semântico tem que ser construído em uma metalinguagem M
para evitar antinomias, M precisa ter riqueza suficiente para esse fim. Na obra “Introdução à
Semântica” (1942), Carnap emprega como metalinguagem a língua natural (inglês)

suplementada de símbolos lógicos como variáveis (x1, x2, x3, ..., xn, ...), quantificadores (∃ ,

∀), definições (se, e somente se,), entre outros; e, com relação a símbolos de classe ,
suplementada com símbolos da teoria de conjuntos como “x ∈ ”, que significa “x é um
elemento de ”, entre outros.
Assim, um sistema semântico S deve ser construído em uma metalinguagem M
da seguinte maneira: primeiro uma classificação dos sinais em S, depois as regras de
formação em S são estabelecidas, então as regras de designação em S e, finalmente, as regras

100
Grifos do autor.
CAPÍTULO 4. A INTEGRAÇÃO DA SINTAXE COM A SEMÂNTICA SEGUNDO CARNAP 136

de verdade em S. Pelas regras de formação do sistema semântico S o termo “sentença de S” é


definido; pelas regras de designação em S definimos “designação em S”; e pelas regras de
verdade em S definimos “verdadeiro em S”. O objetivo principal de um sistema semântico é
definir “verdadeiro em S”, enquanto as outras definições servem de passos preparatórios para
este; e outros conceitos semânticos podem ser definidos em S a partir dele (1942, p. 24),
como “falso em S”, “implicação em S”, “equivalência em S”, etc.
Na definição de “verdadeiro em S” é que encontramos a influência direta de
Alfred Tarski no texto de Carnap. Segundo Carnap (1942, p. 26), o uso do termo “uma
sentença G é verdadeira em S”, significa o mesmo que afirmar a própria sentença. Por
exemplo, as duas declarações “A sentença ‘A lua é redonda’ é verdadeira” e “A lua é
redonda” são meramente duas formulações diferentes para a mesma afirmação. O ponto de
vista de Carnap, aqui, análoga às ideias de Tarski, é a proposta de como devemos usar o termo
“verdadeiro”, e não a definição de “verdadeiro”. Se o uso de um predicado como “verdadeiro”
é proposta como definição de verdade, então nós a aceitaremos como uma definição adequada
de verdade, se, e somente se, na base dessa definição, o predicado satisfizer a condição: o uso
do predicado relativo a alguma sentença de uma dada linguagem, significa o mesmo que
afirmar a própria sentença, isto é, que ela produza sentenças no formato da convenção T de
Tarski. Nesse sentido, Carnap apresenta a definição de adequação segundo a formulação
padrão da convenção T:

D7-A. Um predicado pri é um predicado adequado (e sua definição uma definição


adequada) para o conceito de verdade dentro de uma certa classe de sentenças i se,
e somente se, toda sentença que é construída da função sentencial ‘x é F se, e
somente se, p’ substituindo pri por ‘F’, qualquer sentença k de i por ‘p’, e
qualquer nome (descrição sintática) de k por ‘x’, segue da definição de pri.
(CARNAP, 1942, p. 26-27).

D7-B. Um predicado pri em M [metalinguagem] é um predicado adequado (e sua


definição uma definição adequada) para o conceito de verdade com relação a uma
linguagem-objeto S se, e somente se, da definição de pri toda sentença em M segue
que é construída da função sentencial ‘x é F se, e somente se, p’ substituindo pri por
‘F’, uma tradução de qualquer sentença k de S em M por ‘p’ e qualquer nome
(descrição sintática) de k por ‘x’. (CARNAP, 1942, p. 27-28).

A primeira definição (D7-A)101, é uma forma mais simples de definição de


adequação, na qual as sentenças e o predicado para o conceito de verdade pertencem a mesma
linguagem, isto é, em que a linguagem-objeto e a metalinguagem são a mesma linguagem.

101
A definição D7-A foi escrita primeiramente por S. Lesniewski e definições similares são encontradas em
livros poloneses (CARNAP, 1942, p. 29).
CAPÍTULO 4. A INTEGRAÇÃO DA SINTAXE COM A SEMÂNTICA SEGUNDO CARNAP 137

Porém, como apresentado por Tarski102, essa formulação de adequação conduz a antinomias,
em particular, à Antinomia do Mentiroso. Para superar essa dificuldade, Tarski desenvolveu a
segunda (D7-B), que tem um caráter mais geral e vantagem em relação à definição D7-A, por
utilizar da metalinguagem para evitar as antinomias. Foi a partir de D7-B, que Tarski pode
construir “a primeira definição exata de verdade com relação a certas linguagens
formalizadas” (CARNAP, 1942, p. 29): a Concepção Semântica da Verdade.
Com a definição D7-B, já temos condições de apresentar exemplos de sistemas
semânticos para linguagens com um número finito de sentenças e com um número infinito
delas. Comecemos pela construção de um sistema semântico S1 na metalinguagem M para
uma linguagem-objeto com um número finito de sentenças (1942, p. 23-24).

Sinais de S1:
Constantes: a1, a2, a3
Predicados: P, Q.
Parênteses: ( , )
Regras de formação de S1:
1. Sentenças de S1 são expressões com a forma Pai.
2. Sentenças de S1 são expressões com a forma Qai.

Nesse caso, em que há um número finito de sentença na linguagem-objeto, é


possível construir a definição de “verdadeiro em S”, através de duas maneiras: listar as
condições de verdade separadamente para cada sentença da linguagem-objeto, chamada por
Carnap de sistema de códigos; ou fornecer uma regra geral de tal modo que as condições de
verdade para toda sentença sejam determinadas por essa regra, chamada por Carnap de
sistema de linguagem. Através de um sistema de código ficaria:

Regras de verdade de S1:


1. Pa1 é verdadeiro se, e somente se, Chicago é grande.
2. Pa2 é verdadeiro se, e somente se, Nova York é grande.
3. Pa3 é verdadeiro se, e somente se, Carmel é grande.
4. Qa1 é verdadeiro se, e somente se, Chicago tem um porto.
5. Qa2 é verdadeiro se, e somente se, Nova York tem um porto.
6. Qa1 é verdadeiro se, e somente se, Carmel tem um porto.

102
Cf. tópico 3.4 Linguagem-objeto e Metalinguagem.
CAPÍTULO 4. A INTEGRAÇÃO DA SINTAXE COM A SEMÂNTICA SEGUNDO CARNAP 138

Podemos notar, neste ponto, como Carnap segue a mesma construção proposta
por Tarski. Inclusive, o exemplo é igual ao apresentado no Capítulo II, quando definimos a
verdade para a linguagem L1103.
E através de um sistema de linguagem ficaria:

Regras de designação de S1:


1. a1 designa Chicago.
2. a2 designa Nova York.
3. a3 designa Carmel.
4. P designa a propriedade de ser grande.
5. Q designa a propriedade de ter um porto.

Regras de verdade de S1:


1. A sentença Pai é verdadeira se, e somente se, o objeto designado por ai tem a propriedade
designado por P.
2. A sentença Qai é verdadeira se, e somente se, o objeto designado por ai tem a propriedade
designado por Q.

Essa maneira de construir o sistema semântico, através do sistema de


linguagem, também segue o proposto por Tarski para linguagens-objetos com um número
infinito de sentenças. Inclusive, apenas essa maneira é possível para linguagens-objetos com
um número infinito de sentenças em oposição ao sistema de códigos. E quando desejamos
incluir variáveis na linguagem-objeto, Carnap também recorre ao conceito de “satisfação”.

Se um sistema S contém variáveis, então, na base das regras de designação e na base


das regras de verdade, primeiro, nós estabelecemos as regras de valores e depois as
regras de determinação ou regras de satisfação. As regras de valores especificam
que entidades são os valores das variáveis que ocorrem em S; as regras de
determinação especificam que atributos são determinados pelas funções sentenciais
em S; as regras de satisfação especificam que entidades satisfazem as funções
sentenciais em S. (CARNAP, 1942, p. 44).104

Porém, diferentemente de Tarski, o filósofo apresenta uma alternativa na


construção do sistema semântico que não utiliza das regras de “satisfação”, através das regras
de “valores”, que especificam o domínio de valores que as variáveis de uma função sentencial
pode receber, e das regras de “determinação”, que especificam que atributos são determinados

103
Cf. tópico 2.3 Definição de Verdade.
104
Grifos do autor.
CAPÍTULO 4. A INTEGRAÇÃO DA SINTAXE COM A SEMÂNTICA SEGUNDO CARNAP 139

por uma função sentencial, por exemplo, uma função sentencial com a forma “Ax Λ Bx”,
determina a propriedade de ter a propriedade A e, ao mesmo tempo, a propriedade B.
Vejamos um exemplo desse sistema semântico que chamaremos de S2 (1942, p. 45):

Sinais de S2:
Constantes: a1, a2, a3
Predicados: P, Q.
Variáveis: x1, x2, x3, ..., xn, ...
Conectivos sentenciais: ¬ , V

Quantificadores: ∃ , ∀
Parênteses: ( , )

Regras de formação de S2:


1. Px1x2...xn é uma função sentencial.
2. Qx1x2...xn é uma função sentencial.
2. Se Px1x2...xn é uma função sentencial, ¬Px1x2...xn é uma função sentencial.
3. Se Px1x2...xn e Qx1x2...xn são funções sentenciais, (Px1x2...xn V Qx1x2...xn) é uma função
sentencial.
4. Sentenças de S2 são expressões com a forma Pai.
5. Sentenças de S2 são expressões com a forma Qai.
6. Se Pai é uma sentenças, ¬Pai é uma sentença.
7. Se Pai e Qai são sentenças, (Pai V Qai) é uma sentença.

8. Se Px é uma função sentencial, (∃x)Px é uma sentença.

9. Se Px é uma função sentencial, (∀x)Px é uma sentença.

Regras de designação de S2:


1. a1 designa Chicago.
2. a2 designa Nova York.
3. a3 designa Carmel.
4. P designa a propriedade de ser grande.
5. Q designa a propriedade de ter um porto.

Regras de determinação de S2:


As funções sentenciais determinam em S2 a propriedade F se uma das seguintes condições for
satisfeita:
CAPÍTULO 4. A INTEGRAÇÃO DA SINTAXE COM A SEMÂNTICA SEGUNDO CARNAP 140

1. A função sentencial tem a forma Px1x2...xn e P designa F.


2. A função sentencial tem a forma ¬Px1x2...xn e F é a propriedade de não ter a propriedade
determinada por P.
3. A função sentencial tem a forma (Px1x2...xn V Qx1x2...xn) e F é a propriedade de ter a
propriedade determinado por P, ou determinada por Q, ou por ambas.

Regras de valores de S2:


Os valores das variáveis xi em S2 são as cidades dos Estados Unidos.

Regras de verdade de S2:


1. A sentença Pai é verdadeira se, e somente se, o objeto designado por ai tem a propriedade
designado por P.
2. A sentença Qai é verdadeira se, e somente se, o objeto designado por ai tem a propriedade
designado por Q.

3. A sentença ¬Pai é verdadeira se, e somente se, Pai não é verdadeira.


4. A sentença (Pai V Qai) é verdadeira se, e somente se, pelo menos uma das sentenças Pai e
Qai são verdadeiras.

5. A sentença (∀x)Px é verdadeira se, e somente se, todo valor de x (isto é, todas as cidades
dos Estados Unidos) tem a propriedade determinado por P.

6. A sentença (∃x)Px é verdadeira se, e somente se, pelo menos um valor de x tem a
propriedade determinado por P.

Contudo, Carnap (1942, p. 48), reconhece que essa estratégia é menos


vantajosa que a de Tarski, este evita tal divisão de regras, definindo apenas “satisfação”, por
meio de uma hierarquia das funções sentencias, começando pelas sentenças que são uma
função sentencial que é satisfeita por uma sequência vazia, isto é, pela sequência que não
contém nenhum elemento, depois, aumentando o número de elementos da sequência,
conforme for aumentando o número de variáveis na função sentencial e especificando, através
do método recursivo, as funções sentenciais mais simples e as funções compostas a partir das
daquelas105. Carnap não apresenta um exemplo com o conceito de satisfação, mas deixa a
entender que concorda com as ideias de Tarski.
Ele também não explora muito a noção de verdade lógica e verdade
extralógica, mas diferentemente de Tarski, demarca a diferença entre elas a partir da
105
Cf. tópico 2.5 Definição da Verdade a partir da Definição de Satisfação.
CAPÍTULO 4. A INTEGRAÇÃO DA SINTAXE COM A SEMÂNTICA SEGUNDO CARNAP 141

capacidade, ou não, das regras de um sistema semântico determinar o valor-de-verdade de


uma sentença. Nas palavras de Carnap:

Se uma sentença não é L-verdadeira [verdadeira logicamente] e nem L-falsa [falsa


logicamente], então nós não podemos determinar seu valor de verdade apenas por
meio das regras semânticas, mas nós necessitamos de algum conhecimento de fatos
relevantes. Portanto, as sentenças desse tipo são chamadas factuais (‘sintéticas’, na
terminologia tradicional). (CARNAP, 1942, p. 140).106

Desse modo, se a verdade em relação a um sistema semântico é definida de


modo que o requerimento de adequação é satisfeito, então o valor-de-verdade das sentenças
L-determinadas, isto é, aquelas que são verdadeiras logicamente ou falsas logicamente,
podem ser determinadas apenas através das regras do sistema semântico sem o uso de
qualquer referência a fatos107 (1942, p. 81). Por outro lado, as outras sentenças, cujas regras
do sistema semântico não são suficientes para determinar seu valor-de-verdade, dependem de
algo extralinguístico, que, para Carnap, significa que estas possuem conteúdo factual, ou seja,
que afirmam alguma coisa sobre fatos.
Assim, uma importante característica das sentenças verdadeiras logicamente
em um sistema semântico S é que a verdade delas depende apenas das regras de S. Em outras
palavras, podemos usar o termo “verdadeiro logicamente” se, e somente se, o correspondente
termo radical “verdadeiro” puder ser definido somente através das regras semânticas de S,
sem referência a fatos. Quanto a isso, Carnap adota a seguinte convenção: nós aplicaremos o
conceito de verdade lógica para uma sentença em um sistema semântico S se, e somente se,
é verdadeira em S, de tal modo que sua verdade segue somente das regras semânticas de S,
sem o uso de qualquer conhecimento factual (1942, p. 81 e 1947, p. 10).
No entanto, observa Carnap (1942, p. 83-84), que essa condição não pode ser
tomada como uma definição para “verdadeiro logicamente em S”, pois a frase “ é
verdadeira em S de tal modo que sua verdade segue somente das regras semânticas de S” não
pode pertencer à metalinguagem M, na qual a definição de “verdadeiro logicamente em S”,
precisa ser formulada, mas em uma metametalinguagem MM, ou seja, na linguagem em que
as regras de M são formuladas. Em outras palavras, podemos reescrever a convenção da
seguinte maneira: “A sentença ‘ é verdadeira em S’ é verdadeira logicamente em M”, que
fala sobre M e, por isso, precisa pertencer a MM para evitar antinomias.

106
Grifos do autor e colchetes nossos.
107
Nós entenderemos “fatos” como algo extralinguístico, ou seja, como algo que não pertence à linguagem.
CAPÍTULO 4. A INTEGRAÇÃO DA SINTAXE COM A SEMÂNTICA SEGUNDO CARNAP 142

Desse modo, Carnap formula a definição de adequação para verdade lógica da


seguinte maneira:

D16-1. Um predicado prj na metalinguagem M de um sistema semântico S é um


predicado adequado para L-verdade [verdade lógica] em S se e somente prj é um
predicado adequado para a verdade em S (§7) [D7-B] e k é um nome (ou descrição
sintática) em M de uma sentença k de S, então pri( k) é verdadeiro em M se, e
somente se, prj( k) é L-verdadeiro em M. (CARNAP, 1942, p. 84).108

Com efeito, se o predicado “verdadeiro logicamente” satisfaz a condição D16-


1, nós chamaremos sua definição de adequada para a verdade lógica em S e chamaremos a
propriedade designada por esse predicado como um conceito adequado de verdade lógica em
S. A definição usa o termo “verdadeiro logicamente em M”, que precisa ser dada na
metametalinguagem MM, e, assim, pressupõe que a metalinguagem M também tenha sido
construída como um sistema semântico.
Agora, as sentenças que não são L-determinadas possuem, segundo Carnap
(1942, p. 141), conteúdo factual, e são chamadas F-determinadas (determinadas
factualmente). Se uma sentença factual é verdadeira, ela o é dependendo de fatos, ao contrário
das sentenças L-determinadas, que dependem apenas das regras do sistema semântico. No
entanto, Carnap não esclarece nada sobre a relação entre as sentenças e os fatos, e, muito
menos, como é que a definição de verdade extralógica determina o valor-de-verdade dessas
sentenças.
O autor continua a discussão em sua obra “Significado e Necessidade” de
1947, e apresenta uma definição de verdadeiro extralogicamente em função do termo radical
verdadeiro e do termo verdadeiro logicamente: i é verdadeiro extralogicamente em S se, e
somente se, i é verdadeiro, mas não verdadeiro logicamente (1947, p. 12).
Para esclarecer, Carnap (1947, p. 12-13), apresenta um exemplo de verdade
extralógica. Consideremos a sentença Pa1 do sistema semântico S2 (anteriormente descrito).
Nós determinamos através das regras de verdade e regras de designação de S2 que “Pa1 é
verdadeiro se, e somente se, Chicago é grande”. Este resultado não nos diz se Pa1 é verdadeiro
logicamente ou não, mas indica as condições necessárias e suficientes para a verdade da
sentença Pa1, ou seja, dá-nos uma interpretação dessa sentença. Isso é tudo o que nós
podemos aprender sobre Pa1 através das regras semânticas. Nessa situação, para Carnap, se
queremos determinar o valor-de-verdade de Pa1, temos que ir além da análise semântica e

108
Grifos do autor e colchetes nossos.
CAPÍTULO 4. A INTEGRAÇÃO DA SINTAXE COM A SEMÂNTICA SEGUNDO CARNAP 143

observar fatos. A partir da regra “Pa1 é verdadeiro se, e somente se, Chicago é grande” temos
um fato relevante: nós devemos olhar para a cidade Chicago e ver se a mesma é grande.
Como a observação mostra que esse é o caso, então Pa1 é verdadeira. Desde que a regras
semânticas não sejam suficientes para estabelecer o valor-de-verdade dessa sentença, Pa1 não
é verdadeira logicamente. E, por isso, Pa1 é verdadeira extralogicamente.
Assim, a ideia de verdade extralógica fica condicionada ao que excede a
verdade lógica, o foco é justamente a distinção entre elas e não encontrar um método que
relacione as sentenças de uma linguagem e os fatos.
Continuando um dos objetivos principais da obra “Introdução à Semântica”
(1942), que era demarcar as diferenças entre a semântica pura e a sintaxe pura, voltemos,
agora, nosso olhar para o sistema sintático:

Um sistema sintático ou cálculo K é um sistema de regras formais. Ele consiste da


classificação dos sinais, as regras de formação (definindo, ‘sentença em K’), e as
regras de dedução [ou regras de transformação]. Usualmente, as regras de dedução
consistem das sentenças primitivas e as regras de inferência (definindo ‘diretamente
derivável em K’). Às vezes, K contém também regras de refutação (definindo
‘diretamente refutável em K’). Se K contém definições, elas podem ser consideradas
como regras adicionais de regras de dedução. (CARNAP, 1942, p. 155).109

Desse modo, o sistema sintático, construído no livro “Introdução à Semântica”,


segue os mesmos passos do livro “A Sintaxe Lógica da Linguagem” e são similares aos do
sistema semântico.
O primeiro deles para a construção de um sistema sintático K é classificar os
sinais em K, especificando as classes de sinais que são necessárias para a formulação das
regras sintáticas em K, que na “A Sintaxe Lógica da Linguagem”, chamava-se símbolo.
Depois, o segundo passo é estabelecer as regras de formação em K, isto é, a
definição de “sentença de K”, que frequentemente é construída pelo método recursivo. Tais
regras, do sistema sintático, diferenciam-se do sistema semântico por descrever as sentenças
essencialmente pelo tipo e ordem dos sinais, enquanto no semântico as regras podem referir-
se à designação dos sinais.
E, por fim, o último passo, e a parte essencial e exclusiva do sistema sintático,
é estabelecer as regras de transformação em K, as quais descrevem como provas e derivações
podem ser construídas em K (1942, p. 156-157). Em geral, o procedimento é estabelecer as

109
Grifos do autor e colchetes nossos.
CAPÍTULO 4. A INTEGRAÇÃO DA SINTAXE COM A SEMÂNTICA SEGUNDO CARNAP 144

sentenças primitivas em K, as regras de inferência em K e, depois, definir “demonstrável em


K”, “derivável em K”, “diretamente derivável em K”, “refutável em K”, etc.
Vejamos um exemplo de sistema sintático que chamaremos de K1 (1942, p.
159-165):

Sinais de K1:
Constantes: a1, a2, a3
Predicados: P, Q.
Conectivos sentenciais: ¬ , V
Parênteses: ( , )

Regras de formação de K1:


1. Sentenças de K1 são expressões com a forma Pai.
2. Sentenças de K1 são expressões com a forma Qai.
3. Se Pai é uma função sentencial, ¬Pa1 é uma função sentencial.
4. Se Pai e Qai são funções sentenciais, (Pai V Qai) é uma função sentencial.

Regras de transformação de K1:


1. Uma sentença em K1 é uma sentença primitiva em K1 se, e somente se, ela tem uma das
seguintes formas:
1a. ¬ (Pai V Pai) V Pai.
1b. ¬ Pai V (Pai) V Qai).
1c. ¬ (Pai V Qai) V (Qai V Pai).
1d. ¬ (¬Pai V Qai) V (¬ (Paj V Pai) V (Paj V Qai)).
2. Regra de inferência: (modus ponens) Q(ai) é diretamente derivável de uma classe de
sentenças i em K1 se e somente há uma sentença Pai tal que a classe de sentença i={¬Pai V

Qai, Pai}.
3. Definição de:
3a. Prova em K1: uma sequência R de sentenças em K1 é uma prova em K1 se, e somente se,
toda sentença Pai é uma sentença primitiva, ou diretamente derivável em K1 da classe de
sentenças que precede Pai em R.
3b. Demonstrável em K1: Pai é demonstrável em K1 se, e somente se, Pai é a última sentença
de uma prova em K1.
3c. Derivação em K1: uma sequência R de sentenças em K1 é uma derivação com a classe de
premissas i em K1 se, e somente se, toda sentenças Pai de R é um elemento de i, ou uma
CAPÍTULO 4. A INTEGRAÇÃO DA SINTAXE COM A SEMÂNTICA SEGUNDO CARNAP 145

sentença primitiva em K1, ou diretamente derivável em K1 de uma classe de sentenças que


precedem Pai em R.
3d. Derivável em K1: Pai é derivável de i em K1 se, e somente se, Pai é a última sentença de
uma derivação com a classe de premissas i em K1.

Enfim, dessa forma foi possível apresentar tecnicamente algumas maneiras de


construir um sistema semântico e sintático para uma dada linguagem formalizada, segundo
Carnap. Mas ainda resta saber: qual a relação entre esses sistemas? Ele responde da seguinte
maneira:

As sentenças de um cálculo K podem ser interpretados pelas condições de verdade


indicadas em um sistema de regras semânticas S, desde que S contenha todas as
sentenças de K. Por isso, se esta condição é satisfeita, S é chamado uma
interpretação para K. (CARNAP, 1942, p. 202).

Assim, uma linguagem-objeto formalizada é construída e analisada em um


sistema sintático K. Nesse sistema, não podemos responder a nenhuma questão sobre o
significado das sentenças de K, isto é, sobre a designação e as condições de verdade dessas
sentenças. Mas, no sistema semântico S podemos indicar a designação dos sinais de K e as
condições de verdade das sentenças de K. Logo, as sentenças de K tornam-se interpretadas, ou
seja, são feitas inteligíveis, pois entender uma sentença, isto é, conhecer o que é afirmado por
ela, é o mesmo que conhecer em quais condições ela é verdadeira (1942, p. 22). E, se o
sistema semântico S contém todas as sentenças de K, então todas essas sentenças tornam-se
interpretadas e S é chamado de uma interpretação para K. Entre os exemplos que
apresentamos anteriormente, S2 é uma interpretação para K1.
Finalmente, a teoria semântica tarskiana revolucionou o pensamento
carnapiano e Carnap passou a acreditar fielmente que ela mudaria o ruma da lógica. Nas
palavras deste autor, em seu livro “Formalização da Lógica” (1943):

Eu estou convencido que muitos outros lógicos, em breve, reconhecerão o valor da


semântica como um instrumento da análise lógica, que ela ajudará a desenvolver e
aperfeiçoar esse instrumento, e, então, aplicá-la para a clarificação e solução de
vários problemas especiais em vários campos. (CARNAP, 1943, p. xiv).

No próximo tópico, discutiremos algumas considerações feitas por Carnap


sobre a “Sintaxe Lógica da Linguagem”.
CAPÍTULO 4. A INTEGRAÇÃO DA SINTAXE COM A SEMÂNTICA SEGUNDO CARNAP 146

4.2 Considerações sobre a “Sintaxe Lógica da Linguagem”

Diante da inovação que a teoria semântica trouxe à análise da linguagem,


Carnap fez algumas observações sobre a sua teoria estritamente sintática apresentada na
“Sintaxe Lógica da Linguagem” e propõe algumas modificações (1942, p. 246-250).

Tenho que submeter modificações nos ponto de vistas apresentados no meu livro
anterior [Sintaxe Lógica da Linguagem], especialmente em relação à semântica.
Muito dos seus resultados permanecem válidos. Mas certos conceitos, especialmente
os L-conceitos [conceitos lógicos], são agora considerados semânticos e não
sintáticos; por isso, a tentativa de dar definições sintáticas a eles são abandonadas.
Muitas das discussões e análises anteriores são agora vistas como incompletas,
embora corretas. Elas precisam ser suplementadas pela correspondente análise
semântica. O campo teórico da filosofia não é restrito a sintaxe, mas compreende
toda a análise da linguagem, incluindo sintaxe e semântica e talvez também a
pragmática. (CARNAP, 1942, p. 246).

Uma das modificações propostas é em relação à divisão das regras de


transformação em dois métodos dedutivos: o de derivação, que admite apenas regras definidas
e o de consequência, que admite regras definidas e indefinidas110. Ele propõe uma mudança
na terminologia, a qual passaria a usar um único termo para os dois tipos de transformação:
“derivável em K”. Assim, a diferença entre os dois métodos dependeria se as regras de K
fossem finitas ou infinitas e a definição de “derivável em K” teria a mesmo procedimento para
os dois métodos, através da construção de uma sequência de sentenças que poderia ser finita
ou infinita:

Derivação em K: uma sequência R de sentenças em K é uma derivação com a classe de


premissas i em K se, e somente se, toda sentenças Gj de R é um elemento de i, ou uma
sentença primitiva em K, ou diretamente derivável em K de uma classe de sentenças que
precedem Gj em R.111

Outra mudança proposta é em relação ao conceito de analiticidade da


Linguagem I e II. Novamente, ele propõe uma mudança na terminologia bastante
significativa. Em relação à Linguagem I, ao invés de “analítico em I”, o autor propõe mudar

110
Cf. tópico 2.1.1 Sentenças Lógicas.
111
Cf. o sistema sintático K1 apresentado no tópico anterior.
CAPÍTULO 4. A INTEGRAÇÃO DA SINTAXE COM A SEMÂNTICA SEGUNDO CARNAP 147

para “demonstrável em I”112. Considerando que não há mais a divisão das regras de
transformação, então, os dois conceitos coincidem, lembrando que “demonstrável em I”,
depende do conceito de derivação e “analítico em I”, depende do conceito de consequência.
Inclusive, os conceitos e regras da Linguagem I não são indefinidos, isto é, não cabe nessa
linguagem à definição de “analítico em I”.
Analogamente, as regras de redução, valoração e avaliação da Linguagem II,
para a definição de “analítico em II”113, devem ser mudadas para a terminologia
“demonstrável em II”. Neste ponto, como a definição apresenta apenas características de um
sistema sintático, então, ela não indica as condições de verdade das sentenças de II. Logo, as
sentenças de II não se tornam interpretadas.
Apesar disso, poucas mudanças são necessárias para transformar essas regras
sintáticas em regras semânticas, sugere Carnap (1942, p. 247), que basta inserir o método de
Tarski, empregado na definição da “Concepção Semântica da Verdade”, ou seja, definir o
predicado “analítico em II”, na metalinguagem semântica, e que esse predicado satisfaça a
seguinte condição: o uso do predicado relativo às sentenças da Linguagem II, significa o
mesmo que afirmar a própria sentença, isto é, que ela produza sentenças no formato da
convenção T de Tarski.
Quanto ao Princípio de Tolerância, segundo Carnap, deve ser mantido. Em
relação ao sistema sintático isoladamente, as escolhas de suas características e de sua
construção devem ser um assunto de convenção. Por outro lado, para o sistema semântico, os
conceitos definidos nele estão condicionados à definição de adequação (D7-B) e, assim, às
escolhas de suas características estão limitadas. E, se um sistema semântico for dado, a
construção do sistema sintático também fica condicionada ao sistema semântico e às suas
características passam a não ser puramente convencionais.
Também permanece válida a afirmação do perigo no uso do “modo material do
114
discurso” , ou seja, nas frequentes obscuridades que ocorrem quando expressamos as
declarações filosóficas usando a língua natural. Quanto às sentenças quase-sintáticas115 do
modo material do discurso, que incluem sentenças da filosofia e da semântica, Carnap
mantém as regras de tradução, mas afirma que estas devem ser complementadas com regras
semânticas. Em outras palavras, que essas sentenças devem ser, primeiramente, traduzidas
112
Carnap usa “demonstrable” e “provable” com a mesma definição: a última sentença de uma prova. No nosso
texto traduziremos somente como “demonstrável”. Cf. CARNAP, 1937, p. 29 e CARNAP, 1942, p. 160 e 251.
113
Cf. tópico 2.1.1 Sentenças Lógicas.
114
Cf. tópico 2.2 Modo Formal do Discurso.
115
Cf. tópico 2.2.3 Sentenças Quase-Sintáticas.
CAPÍTULO 4. A INTEGRAÇÃO DA SINTAXE COM A SEMÂNTICA SEGUNDO CARNAP 148

para sentenças semânticas e, então, se possível, sob certas condições adequadas, serem
traduzidas em sentenças sintáticas. Por exemplo, uma sentença como “A estrela-do-dia
designa o sol” é mais natural que seja traduzida para uma sentença semântica.
Enfim, uma última avaliação deve ser submetida às teses principais dessa obra:

(a) A filosofia é a lógica da ciência (1937, p. xiii).


(b) A lógica da ciência é a sintaxe da linguagem da ciência (1937, p. xiii).

Segundo Carnap, a tese (a) permanece válida, desde que a tese (b) seja
modificada, isto é, que em (b) a lógica da ciência inclua também a semântica e a pragmática.
Desse modo, (a) e (b) podem ser reescrito como uma única tese da seguinte maneira:

(c) “A tarefa da filosofia é a análise da semiótica” (1942, p. 250).

Ou seja, os problemas da filosofia dizem respeito à estrutura semiótica116 da


linguagem da ciência, que podemos distinguir entre os problemas que lidam (1) com as
atividades de aquisição e transmissão de conhecimentos e (2) com os problemas de análise
lógica. O primeiro tipo corresponde à análise pragmática da linguagem; o segundo à análise
semântica e sintática da linguagem – no caso da semântica, estamos considerando a
designação e o significado; no caso da sintática, apenas uma manipulação puramente
simbólica.

116
O filósofo norte-americano Charles Morris foi o primeiro a empregar o termo “semiótica” no sentido que aqui
lhe atribuímos.
Considerações Finais

Ocupar-nos do pensamento de Rudolf Carnap será sempre um grande desafio


filosófico, principalmente, pela sua aridez de estilo, alto grau de formalização, abundante
quantidade de tecnicismo e um caráter provocativo de apresentação de suas teses. Seu
trabalho forneceu, de maneira minuciosa e consistente, um material relevante para compor o
pensamento teórico dos lógicos, de influência permanente e de resultados vantajosos para
quase toda a pesquisa que se seguiu na área.
É importante salientar que o filósofo sempre se utilizou das ferramentas mais
modernas da lógica simbólica, pois esteve constantemente em busca de conhecê-las, buscando
nas mais diversas fontes, e colocou-as a serviço da análise, determinando o alcance filosófico
das novas teorias lógicas e sistematizando-as conforme seu ponto de vista.
Esse ponto de vista é marcado, principalmente, pela influência das ideias
advindas do Círculo de Viena. Quando se transferiu para Viena e começou a fazer parte do
cenáculo vienense, Carnap já havia adquirido sua formação de base, a ponto de surgir como
um pensador relativamente independente e maduro. Com sua bagagem de conhecimento,
rapidamente o estudioso se inseriu como um dos maiores protagonistas do Círculo de Viena,
não só assegurando o seu contributo para a doutrina do grupo, mas também, de acordo com a
dinâmica francamente cooperadora, dele retirando mais de um motivo para importantes
desenvolvimentos das suas próprias ideias. Mesmo com o fim do grupo, Carnap continuou a
produzir muitas obras revisando e completando as teses defendidas pelos pensadores do
Círculo (1963, p.73-74) e, hoje, seu legado constitui uma grande fonte de pesquisa que
demonstra a constante evolução do pensamento no campo da lógica.
Todo o seu trabalho perpassa sobre um tema em particular que é a análise da
linguagem, o qual é discutido em suas obras sob pontos de vistas completamente distintos,
sugerindo uma divisão de fases do pensamento de Carnap. Uma divisão é dada pelo autor
Alberto Pasquinelli em seu livro: “Carnap e o Positivismo Lógico” de 1983. Este autor
apresenta uma divisão em função da estadia de Carnap na Europa e nos Estados Unidos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS 150

1936, ano de publicação da primeira parte de Testability and Meaning, foi também o
ano em que Carnap iniciou o seu magistério nos Estados Unidos, como professor de
filosofia na Universidade de Chicago, após haver deixado a Europa em dezembro de
1935 por causa do acentuar do poder nazista. Na sua obra, teve então início a
chamada ‘fase americana’ caracterizada pelo desenvolvimento de temas mais
“semânticos”, para além dos interesses preponderantemente ‘sintáticos’ da ‘fase
europeia’. (PASQUINELLI, 1983, p. 75).117

Porém, a divisão de Pasquinelli não contempla a fase da construção da


linguagem fenomenológica de Carnap, considerando apenas a análise sintática do autor
quando o mesmo vivera na Europa.
Uma melhor divisão é apresentada pela autora Sofia Inês Albornoz Stein, em
sua tese de doutorado (2002), intitulada “A Construção da Linguagem e do mundo:
aproximações entre as obras de Carnap e Quine”. Segundo ela,

(...) dividi a obra de Carnap em três períodos: 1) o período fenomenalista; 2) o


período sintaticista; 3) o período semanticista. As três importantes obras
representativas de cada um desses períodos respectivamente são: Der Logische
Aufbau der Welt (Aufbau, 1928) [Construção Lógica do Mundo], Logische Syntax
der Sprache (LSS, 1934) [Sintaxe Lógica da Linguagem], Meaning and Necessity
(MN, 1947) [Significado e Necessidade]”. (STEIN, 2002, p. 12).118

No mesmo sentido, nossa tese foi dividida procurando contemplar as três fases
do pensamento carnapiano sobre a análise da linguagem. O primeiro capítulo corresponde à
fase fenomenalista; o segundo à fase sintaticista; e o quarto capítulo à fase semanticista. O
terceiro capítulo, por outro lado, trata das obras de Alfred Tarski, que provocaram a mudança
carnapiana da fase sintaticista para a semanticista. Justamente, essa mudança que foi o foco de
nossa pesquisa e da construção desta tese.
Assim, o Capítulo 1, que descreve a fase fenomenalista, procurou tratar da
primeira tentativa de Carnap em identificar a filosofia com a análise da linguagem, que
acabou por ser apenas um projeto inacabado. Apesar de inicialmente o autor acreditar que a
linguagem fenomenológica era potencialmente capaz de descrever todas as sentenças com
sentido e eliminar o discurso metafísico, mais tarde, ele mesmo reconhece que a ambição de
reduzir todos os conceitos da ciência a uma linguagem sobre dados dos sentidos não era
inteiramente adequada. Como vimos, anteriormente, ele conclui que não é logicamente
possível reduzir sentenças da ciência às sentenças condicionais sobre a possibilidade de
percepção de um determinado objeto extralinguístico (físico). E passa a admitir que a

117
Destaques do autor.
118
Colchetes nossos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS 151

linguagem fenomenológica não era a mais adequada para uma análise filosófica do
conhecimento.
Sob forte influência de Otto Neurath, Carnap inicia a sua segunda fase, a fase
sintaticista, descrita no Capítulo 2. Paralelamente, surgem os textos de Alfred Tarski sobre a
análise semântica da linguagem, em particular, sobre a Concepção Semântica da Verdade,
descrita no Capítulo 3. Como os resultados apresentados por Tarski eram inovadores e
provocativos, vários autores, influenciados pelas ideias advindas do Círculo de Viena,
apresentaram-se contra os trabalhos tarskianos. Em particular, Carnap em sua fase sintaticista,
apresentada em sua obra a “Sintaxe Lógica da Linguagem” de 1934, rejeitou os termos
“verdadeiro” e “falso” no sentido extralinguístico e procurou demonstrar, com numerosos
exemplos, como é que afirmações de caráter aparentemente semântico poderiam ser
traduzidas em afirmações aceitáveis que se referiam apenas à forma ou estrutura lógica das
expressões de uma certa linguagem.
Como tratamos, anteriormente, o interesse de Carnap era defender as seguintes
teses: “a filosofia deve ser substituída pela lógica da ciência” (1937, p. xiii, 279)119 e “a
lógica da ciência é nada mais que a sintaxe da linguagem da ciência” (1937, p. 282, 315 e
332). Ou seja, essa fase carnapiana caracteriza-se pela identificação da filosofia com a análise
sintática da linguagem. Em outras palavras, seu empreendimento foi defender que os
problemas filosóficos são questões que dizem apenas respeito à forma, ao modo de
composição e às relações estruturais entre as expressões e sentenças da linguagem da ciência.
Para ele, uma teoria, uma regra, uma definição, uma sentença ou qualquer manipulação
simbólica só pode ser chamada de legítima quando nela nenhuma referência é feita, quer ao
significado dos símbolos (por exemplo, as palavras), quer ao sentido das expressões (por
exemplo, as sentenças), mas apenas aos tipos e à ordem dos símbolos dos quais as expressões
são construídas. Segundo ele, a linguagem deveria ser tratada de maneira estritamente
sintática e o autor via com suspeição a possibilidade de falar da linguagem de outro modo,
como o semântico.
No entanto, essa identificação da filosofia com a análise sintática da linguagem
era demasiadamente restritiva, faltava a análise semântica da linguagem. Ou seja, o sistema
sintático não provia meios suficientes para definir conceitos fundamentais como a verdade
lógica, pois estava sempre limitada apenas à linguagem em investigação. Mesmo quando se
estabelecia uma metalinguagem na análise sintática, ela precisava continuar pertencendo à

119
Destaque do autor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS 152

linguagem-objeto. Com efeito, o conceito de analiticidade de Carnap não servia como uma
definição de verdade lógica, porque precisava ser definida em uma metalinguagem mais rica
que a linguagem-objeto em investigação, isto é, ela precisava ser definida fora da linguagem
em investigação e fazer referências extralinguísticas à linguagem em investigação.
Como apresentamos no Capítulo 3, Tarski provê meios lógicos para superar
esse problema através da semântica. Ele procurou estabelecer os fundamentos da semântica
teórica e superar a suspeição em relação a mesma. Ele apresentou a construção de um sistema
semântico através dos seguintes passos:

(1) Devemos começar pela descrição da linguagem cuja semântica desejamos


construir (correção formal).
(2) Devemos construir uma outra linguagem na base da qual a semântica da linguagem
em investigação deverá ser desenvolvida (metalinguagem).
(3) Devemos determinar as condições, sob as quais podemos utilizar os conceitos
semânticos, que preservem o real e intuitivo significado deles (adequação
material).

Para exemplificar esse sistema, Tarski desenvolveu a definição do conceito


semântico de verdade: a “Concepção Semântica da Verdade”. Para ele, uma definição
satisfatória da verdade precisa ser materialmente adequada e formalmente correta, isto é, deve
seguir a especificação da estrutura de uma linguagem e tem de implicar todas as sentenças no
padrão da convenção T (X é verdadeira se, e somente se, p, em que a letra “p” deve ser
substituída por qualquer sentença da linguagem e “X” por um nome dessa sentença), ou seja, a
definição tem de capturar o real e intuitivo significado da noção de verdade.
Destacamos que Tarski não distingui, na definição semântica da verdade, a
verdade lógica da verdade extralógica, distinção que para Carnap era essencial. Uma questão
de que tratamos era se a “Concepção Semântica da Verdade” seria realmente uma definição
semântica ou apenas sintática. Tal questão foi fundamental para entendermos a interpretação
de Carnap à teoria tarskiana. Tarski não procurou esclarecer a parte extralógica de sua
definição de verdade, isto é, da relação das sentenças-T e o mundo (ou a realidade, ou os
fatos, ou estados-de-coisas, etc.), mas esclareceu com clareza a parte lógica da definição, ou
seja, esclareceu o critério de adequação material e o estabelecimento da metalinguagem, que
podem ser expressos com a seguinte regra geral: devemos distinguir as duas linguagens que
estão envolvidas em cada definição parcial de verdade – X é verdadeira se, e somente se, p –,
CONSIDERAÇÕES FINAIS 153

por um lado, a linguagem na qual a definição é expressa (metalinguagem) e, por outro, a


linguagem a que pertence a sentença cuja verdade estamos a definir (linguagem-objeto). Na
convenção T, o símbolo “X” deve ser substituído por um nome de qualquer sentença da
linguagem-objeto e do símbolo “p” pela expressão que forma a tradução dessa sentença na
metalinguagem (TARSKI, 1933, p. 188).
É justamente por essa relação entre a linguagem-objeto e a metalinguagem,
presente no critério de adequação material, que essa definição de verdade não pode ser dita
apenas como sintática. É essa característica que Tarski convencionou chamar de semântica de
linguagens formalizadas (ou semântica teórica) (TARSKI, 1944 apud MORTARI & DUTRA,
2006, p. 195) e que Carnap chamou de semântica pura (CARNAP, 1942, p. 11).
Tal compreensão da hierarquia de linguagens foi fundamental para o
desenvolvimento da análise semântica, pois evitava antinomias, como a Antinomia do
Mentiroso, e proporcionava a definição adequada de vários outros conceitos semânticos como
designação, satisfação, definição, entre outros. Diante de tão evidente utilidade da semântica
na filosofia, Carnap se apresentou entusiasmado com as novidades de Tarski.
Apesar das dificuldades em defender a teoria semântica em congressos
científicos, Tarski, aos poucos, mudou o contexto de suspeição sobre a semântica. Karl
Popper, por exemplo, declarou: “Em consequência dos ensinamentos de Tarski, não hesito
mais em falar de “verdade” e “falsidade”” (1959, p. 301).
Assim, em pouco tempo, Carnap veio a mudar seu modo de analisar uma
linguagem. E, em 1935, por ocasião do Congresso Internacional de Filosofia da Ciência em
Paris, o filósofo toma abertamente partido pela “Concepção Semântica da Verdade” defendida
por Tarski, contra Neurath e outros (CARNAP, 1963, p. 111-112; PASQUINELLI, 1983, p.
79 e SANTOS, 2003, p. 117).
Desse modo, a terceira fase de Carnap, a qual é chamada por Stein de “fase
semanticista” e por Pasquinelli (1983, p. 75) de “fase americana” e que foi descrita no
Capítulo 4, é marcada pela aceitação da análise da linguagem como sintática e semântica,
fortemente influenciado por Alfred Tarski. Nessa fase, Carnap abandona a abordagem
puramente sintática para a lógica e passa a adotar também uma abordagem semântica,
sistematizada nas obras “Fundamentos da Lógica e da Matemática” (1939), “Introdução à
Semântica” (1942), “Formalização da Lógica” (1943) e “Significado e Necessidade” (1947).
O sistema semântico desenvolvido por Carnap, nessa fase, segue as ideias de
Tarski, principalmente, quanto à utilização da metalinguagem e quanto ao critério de
CONSIDERAÇÕES FINAIS 154

adequação material. Segundo Carnap, o sistema semântico é um sistema de regras formulado


na metalinguagem e que se refere à linguagem-objeto, de tal modo que as regras determinam
as condições de verdade para todas as sentenças da linguagem-objeto. Assim, as regras
determinam o significado ou o sentido dessas sentenças (1942, p. 22). Por sua vez, o sistema
sintático é apresentado analogamente ao sistema desenvolvido na Sintaxe Lógica da
Linguagem. Apresentamos alguns exemplos de sistemas semânticos e sintático e discutimos a
relação entre eles. Neste ponto da relação entre eles, chamamos um sistema semântico S como
uma interpretação de um sistema sintático K quando as sentenças do sistema sintático K
podem ser interpretados pelas condições de verdade indicadas no sistema de regras
semânticas S, desde que S contenha todas as sentenças de K. Em outras palavras, as sentenças
de K são feitas inteligíveis através das regras de S, pois conhecer o que é afirmado por elas, é
o mesmo que conhecer quais condições elas são verdadeiras.
Carnap não explora muito a noção de verdade lógica e verdade extralógica,
mas diferentemente de Tarski, demarca a diferença entre elas, a partir das regras do sistema
semântico, isto é, uma importante característica das sentenças verdadeiras logicamente em um
sistema semântico S é que a verdade delas depende apenas das regras de S, enquanto as
sentenças verdadeiras extralogicamente dependeriam de fatos. A ideia de Carnap é que a
verdade extralógica fique condicionada ao que excede à verdade lógica, o foco é justamente a
distinção entre elas e não encontrar um método que relacione as sentenças de uma linguagem
e os fatos.
Por fim, diante das mudanças de posicionamento em relação às teorias lógicas,
Carnap sempre se utiliza de suas obras anteriores para uma possível revisão. Isso ocorre em
relação a sua análise puramente sintática da obra “Sintaxe Lógica da Linguagem”. A revisão
tornara necessária, principalmente, em comparação com a obra a “Introdução à Semântica”
(1942). Destacamos aqui a revisão das teses principais da obra:

(a) A filosofia é a lógica da ciência (CARNAP, 1937, p. xiii);


(b) A lógica da ciência é a sintaxe da linguagem da ciência (CARNAP, 1937, p. xiii),

que devem ser reescrito como uma única tese da seguinte maneira:

(c) “A tarefa da filosofia é a análise da semiótica” (CARNAP, 1942, p. 250).

Essa revisão enfatiza o novo rumo da lógica: a análise semiótica da linguagem,


que integra as análises sintática, semântica e pragmática.. Todo o percurso carnapiano serve
CONSIDERAÇÕES FINAIS 155

principalmente como uma referência bibliográfica que apresenta o desenvolvimento da


análise da linguagem e que culmina com a análise semiótica. A genialidade de Carnap é
memorável, principalmente, pela sua capacidade de analisar e expressar as teorias lógicas que
estavam mais em foco. Suas obras serviram de base para muitos outros pensadores e
continuarão servindo, pois o estudo da análise continua.
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