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O conceito de liberdade e suas implicagoes para a clinica INE een teatort ASSUNTOS DO CAPITULO Ciéncia como busea de relagdes de determinacao. Definigio de comportamento, Explicagées causais em psicologis. A posigio determinista do Behaviorismo Radical ‘As vantagens de uma posigao determinista para o psicélogo. Veudey Alguns dos principais significados de “liberdade" e como o analista do compreende: como sentimento, como diminuigao ou eliminagao da coe portamento os ‘como autocontrole ¥ © analista do comportamento como profissional que busca @ “liberdadk incluindo os seus clientes. para @ sociedade, em tais discussées. Por ora, interessa-nos apenas que a cigncia é, entre > ANALISE DO COMPORTAMENTO: POR QUE AS PESSOAS FAZEM 0 QUE FAZEM? Comportamente é sempre einva- riavelmente um fendmenorelacional: comporta-se é interagir cons tantemente com um entarno que a anilise do compor- tamento denomina genericamente como “ambiente” reconhecer A ciéncia € um empreendimento que pode ser descrito e definido de muitas formas. Uma maneira comum de definir a ciéncia é afirmar que cla é uma busca por relagdes causas, ou relagées entre cat- sas e efeitos. Os ter maneira_ sistemética de tentar responder a questées causais: por que um certo con junto de fendmenos acontece desta ou daquela forma? A anilise do comportamento € uma ci- éncia que, como indica sua denominasio, toma o comportamento como objeto de estu- Aciéncia 6, entre utras cosa ‘manera sistem! de tentar responder ‘a questées causais, mos “causa” ¢ “efei- to” tém suas limita- ges, © podem ser discutides do ponto de vista da filosofia da ciéncia (Laurenti, 2004; Skinner, 1953/1965). Por mais importantes que sejam, porém, no nos deteremos aqui do. Tornou-se comum entre os analistas do comportamento definir este objeto através de expressées mais amplas, como “interagées organismo-ambiente” (Todorov, 1989) ou BB borges, Cassas & Cols. “relagGes _comporta- mentais’ (Tourinho, 2006). Essas defini- ‘ges apontam para 0 fato de que 0 com: portamento € sempre e invariavelmente um fenémeno relacional: Una dstingdo entre “que uma pessoa fac" eo ambiente ro qual ela faz" 8 importante para objtvestebricos o ptios, mas sntende-se que no hi come solar fendmeno “cempor tamento" dofendme- comportar-se é inte- pies ragir constantemente com um entorno que a anilise do comportamento denomina gene- ricamente como “ambiente”. Uma distingio entre “o que uma pessoa faz” e “o ambiente no qual ela o faz” ¢ importante para objetivos tedricos e priticos, mas entende-se que nao hi como isolar o fenémeno “comportamen- 0" do fenémeno “ambiente”. Os analistas do comportamento estudam, portanto, relagées comportamentais: relagées comportamento- -ambiente. © objerivo primordial do analista do comportamento & descobrir por que uma pessoa, ou grupo de pessoas, faz.0 que faz, da maneira como 0 faz ‘Ainda hoje algumas. pessoas antendem *comportamento” como sendo apenas aquilo que uma pes- ‘0a fax publicamen. te:0s movimentos do Para o analista do comportamento, esse “fazer” tem um am- plo alcance: quere- mos saber por que as compoextememente pessoas falam 0 que petceptvis.Aandi- fala, pensam o que sedocomporamen- —pensam, sentem 0 toh muito superou essa concepséo. Uma pessoa pode comportarse de rmuitas maneias, visiveis ou néo para utra pessoa. que sentem. Ainda hoje algumas pessoas entendem “compor- do apenas aquilo que uma pessoa fiz pu- blicamente: os movimentos do corpo exter- namente perceptiveis. A andlise do compor tamento hé muito superou essa concepsio. Uma pessoa pode comportar-se de muitas maneiras, visiveis ou no para outra pessoa. © comportamento, no obstante, interessa- -nos como objeto de estudo mesmo quando algumas de suas dimensées nio sio publica- mente observéveis. Relagées comportamentais si0, na and- lise do comportamento, relagées causais — isto €, relagGes nas quais buscamos identifi- car no ambiente de uma pessoa as causas para aquilo que ela faz. Essa é uma opsio talvez ébvia: se nosso “efeito” é o comporta- mento humano, tudo 0 que possa afeti-lo de alguma forma deve ser tratado como “causa” — € 0 que nos resta é 0 ambiente. Essa concepgio pode dar a alguns a impres- so de que o ser humano esté sendo tratado de forma excessivamente passiva: 0 ser hu- mano nio age sobre 0 mundo, nao o trans- forma? Obviamente que sim! B. F. Skinner, © precursor da andlise do comportamento, afirma isso textualmente (1957, p. 1), € 0 fato de que o homem age sobre o mundo e 0 transforma constitui o cerne do que os ana- listas do comportamento chamam de com- portamento operante.' Sob esse ponto de vista, 0 comportamento humano 6, sem di vida, causa para varios efeitos em sew am- biente, e isso é parte importante da descri G40 que o analista do comportamento faz das relagées comportamentais. Ainda assim, nossa pergunta causal primordial continua sendo sobre o comportamento, por mais ati vo e transformador que seja: 0 que 0 causa? E importante perceber que a resposta a essa pergunta s6 pode estar nas relagdes do comportamento com 0 ambiente, ¢ no no préprio comportamento.” Se nos pergunta- mos sobre as causas do fazer de alguém, no podemos tomar esse proprio fazer como ex- plicagio ~ ele é justamente © que queremos explicar. Se algum comportamento € invoca- do como varidvel importante para explicar outro comportamento, é natural que pergun- temos, por sua vez, por que 0 comportamen- to inicial ocorreu. Em algum momento, ine- vitavelmente, veremo-nos novamente investi- gando relagdes comportamentais. Appsicologia, com sua ampla variabilida- de te6rica, oferece outros caminhos. Explica- ses causais em psicologia frequentemente se- guem o modelo “a mente causa 0 comporta- mento”. Mesmo que algum psieslogo adote ssa postura, ainda Ihe restard a tarefa de Expicagses cau- beweatr explicar causalmente sais em psicoogia frequentemente aocorréncia dos even- sovemomedle top chamados “men Pa tais’, Fatalmente, esse ‘Mesmo que algum sicdlogo, em algum_ Belgrade ese Somento, devs te posers he . meterse as relagoes da pessoa com seu ambiente. Se insistir que nio deve ou nio precisa fazé-lo, pode- se desafié-lo a muda qualquer aspecto da vida mental de uma pessoa sem alterar nada em seu ambiente (e devemos lembrar aqui que 0 comportamento verbal de um psicélogo faz parte do ambiente das pessoas com as quais cle interage). Outro desafio que poderia le- gitimamente ser langado a este psicélogo se ria demonstrar que algo foi mudado na mi te de uma pessoa, sem que o comportamen- to dela (verbal ou nao verbal) pudesse ser tomado como indicio de tal mudanca ‘Tendemos a utilizar verbos pata desig- nar o que a mente faz: pensar, imaginar, sen- Gi, decidir. dencia que estamos tratando de comporta- mesmo que algumas de suas dimenses nao sejam publicamente observé- veis. (Troquemos “mente” por “pessoa”, na primeira frase, e teremos uma definigio per- feitamente aceitivel para qualquer analista do comportamento,) “Decidir” talvez seja aqui um verbo importante. Para a andlise do com- portamento, decidir € comportar-se: ¢ fazer algo ¢, com isso, produzir certas consequén. cias (Skinner, 1953/1965, p. 242-244). O iniimero de situagdes em nosso dia a dia nas aquais efetivamente nos engajamos no com- rastaréatarefa de 5 eausalmen dos Isso & importante, porque evi- ica analitico-comportamental 89 portamento de decidir antes de fazer alguma tra coisa provavelmente € muito menor do que gostariamos de pensar. Talvez nossa vida fosse impossivel seas coisas nfo fossem assim. Fazemos muitas coisas “sem pensat”, porque nossa experiéncia em situagdes semelhantes nos dé alguma seguranga de que os resultados do que faremos sio previsiveis. Quando nio © sio, porém, podemos preliminarmente “de- cidie” ~ isto é buscar subsidios que nos permitam tomar um certo curso de agio € no outros. Se decidir comportar-se, porém, 6 fato de que decidi mos também deve ser causalmente explica- do. Ninguém nasce sabendo como deci- dir, e presumivelmen- te algumas pessoas decidem melhor, ou com mais frequéncia, do que outras. Isso quer dizer que © comportamento de decidir também deve ser aprendido, no sentido de ser selecio- nado por suas consequéncias: Ninguém nasce sa- bendo coma decidir, « presumivelmente ‘algumas pessoas do que outras. sso ‘quer dizer que o ‘comportamento de ‘decidir também deve lecionado por suas consequén Um homem pode gartar muito tempo plane- jando sua propria vida ~ ele pode escolher as circunstincias nas quaisviverd com muito cui dado, ¢ pode manipular seu ambiente cotidia- no em larga escala. Tais atividades parecem cexemplificar um alto grau de autodetermina ‘gio, Mas elas também sio compos 1nés as explicamos através de out ambientais e da histéria do individuo, Sio es sae vatliveis que proveem 0 co (Skinner, 1953/1965, p. 240). le final E importante notar também que, se um comportamento é aprendido, ele pode ser en: sinado, Se tratamos o decidir como um acon- tecimento mental inalcangivel ¢ inexplicével, essa perspectiva se fecha. Se 0 tratamos, po- rém, como uma relagio comportamental, po- demos interferir sobre ele. Esse € 0 lado positi- 90 Borges, Cassas & Cols. yo da insisténcia dos analistas do compor- tamento em buscar Ao sharmes para camportamento amo um endmeno deterninado por sua elagao com s° _amb Pamrritecs4 pata “efeitos” com. mosmaispertode —_portamentais: se po- encontarmes mes de mada-los. demos mudar 0 am- biente que afeta uma pessoa, podemos mudar seu comportamento. ambientais > 0 COMPORTAMENTO HUMANO E LIVRE? Analisamos 0 comportamento de decidir porque ele costuma ser apontado como um exemplo claro de que cada ser humano go- verna sua prépria vida de forma auténoma, mesmo que se admita que o ambiente in- fiuencie seu comportamento em alguma me- dida. Mas se mesmo 0 comportamento de decidir pode ser causalmente explicado, 0 que resta de autonomia, de liberdade para 0 ser humano? A conttovérsia entre determinismo livre-arbitrio tem uma histéria praticamente Go longa quando a da prépria filosofia. E um tema complexo, que desperta discussbes apai- xonadas. Pata a psicologia, esta € uma discus- sio inevitavel: nao importando os conccitos ¢ teorias utilizados por diferentes psicélogos, é razo4vel afirmar que todos estio interessa- dos em saber por que as pessoas fazem 0 que fazem, dizem 0 que dizem, pensam 0 que pensam, sentem 6 que sentem. Como qualquer ciéncia, a psicologia esté ince- ressada em relagées causa: ela busca idencificar causas para certos efeitos. Esses efeitos podem ser chamados de ‘Ao apontar variéveis tas atuais ov pelo que um psic6- logo esta provendo ‘suporte emplrico A plausibilidade ‘dewma posigao determiista sea ‘qual fora teoria que fundamenta seu trabalho. comportamentais e/ou mentais, a depender da tcoria utilizada — mas suas causas devem ser obrigacoriamente procuradas entre fendmenos ue nio sejam “comportamento” ou “mente”. E plausivel imaginar que algum psicélogo se satisfaga com explicagdes causais nas quais a mente é causa, ¢ 0 comportamento, efeito. Mas também é plausivel imaginar que, em al- gum momento, esse psicélogo precisars expli car a prépria origem do que chama de “men- tc", Nesse caso, repetimos, ¢inevitavel que re corta a relagées com o ambiente, Enquanto pesquisador, a0 apontar variéveis ambientais atuais ou passadas como responsiveis pelo que as pessoas fazem, falam, pensam ou sentem, tum psicdlogo esté provendo suporte empirico 4 plausibilidade de uma posigéo determinista, seja qual for a teoria que fundamenta seu tra- balho. Skinner apresenta uma posigio marca damente determinista ao longo de sua obra. Esse parece ser um resultado natural de sua fi losofia, dadas as relagées causais que a analise do comportamento busca estudar. Vejamos alguns crechos de sua obra nos quais ele trata do assunto: Para ter uma cigncia da psicologia, precisamos adotar 0 postulado (itdlico nosso] fundamental cde que 0 comportamento humano é um dado ‘ordenado, que nio é perturbado por atos ca- prichosos de um agente livre— em outras pala vas, que é completamente determinado (Skin- ner, 1947/1972, p. 299). Se vamos usar os métodos da ciéncia no campo dos assuntos humanos, devemos pressupor [itélico nosso] que © comporta- mento ¢ ordenado e determinado (Skinner, 1953/1965, p. 6) A hipdtee[itlico nosso] de que © homem rio € livre éessencial para a aplicagio do mé- todo cientifco a0 estudo do comportamento hhumano (Skinner, 1953/1965, p. 447) Embora Skinner apresente uma posigio firme sobre o assunto, chama a atengo nessas passagens © uso de palavras como “postula- do”, "pressupor” ¢ “hipétese”. Skinner nio esté afitmando, como verdade absoluta, que ‘© comportamento humano é determinado, mas sim que o cientista do comportamento deve pressupor que o seja. Mas por qué? Isso faz alguma diferenga? ‘A anilise do comportamento tem entre seus objetivos prever e controlar 0 comporta- mento. E para isso, afinal, que ela busca in- vestigar relagdes causais: para intervir sobre causas ambientais ¢ produzir efeitos compor- camentais. Pressupor a determinagio do com- portamento é benéfi- co para uma cigncia do comportamento que busca investigar quais as varidveis que © decerminam. Um cientista que supée a existéncia de varid- veis que controlam © comportamento ten- de a procuré-las; um cientista que supée {que elas talvez nao existam possivelmente nso teré bons motivos para aprofundar suas in- vestigagdes. Assim, enquanto pressuposto, 0 determinismo impulsiona a pesquisa: mesmo ‘que nio consiga, em um primeiro momento, identificar as variéveis relevantes para a previ- sio e controle de certas classes de comporta- -mentos, 0 analista do comportamento insisti- 4 em procuré-las. Eis uma passagem na qual Skinner se manifesta explicitamente nesse sentido: ‘existam possivel ‘mente nao teré bons mativos aprofundar st investigacées. Determinismo é um pressuposto stil, por- que encoraja a busca por causas.(..] O pro: fessor que acredita que um cstudante cria ‘uma obra de arte exercitando alguma facal- dade interna ¢ eaptichosa no buseard as condigbes sob as quais ele de fato trabalh criativamente, Ele também seri menos a- paz de explicar tal trabalho quando ele ocor- te, € menos inclinado a indusir estudantes & ica analitico-comportamental 91. se comportar criativamente (Skinner, 1968. p. 171) Esse exemplo aplicado & educagio pode ser facilmente cransferido para outras modali dades de aplicagio da andlise do comporta- mento ~ como a clinica. O elinico analitico- -comportamental estd interessado em mudar aspectos do comportamento de seu cliente, ineluindo © que ele fala, pensa ou sente. | ge Se 0 elinico pressu- pie que 0 comporta- mento de seu cliente, por mais complexo que seja, € determi- nado por suas rela ges com 0 ambien- te, ele deve intervir sobre tais relagses € verificar se isso surte 6 efeito esperado no repertério comporta- mental do cliente. Caso isso nio acontesa, 0 clinico continuaré tentando produzir ais efeitos, langando méo de outras estracégias de intervengio sobre as relagdes comportamen- ‘ais; em outras palavras, cle continuard bus: cando as causas do comportamento de seu cliente. © teste final sobre © sucesso dessa empreitada € empitico: se 0 comportamento do cliente muda, o clinico conseguiu intervie sobre pelo menos parte de suas causas. Um clinico analitico-comportamental jamais de- sistird de mudar 0 comportamento de um cliente por julgar que ele nao tem causas. Essa € a.utilidade do determinismo enquanto pres- suposto no trabalho do clinico. inico pressupde que o ‘comportamento de seu cliente, por ‘mais complexo que por suas relagses ‘como ambiente, ‘le deve intervie sobre tais relapses ‘verticar se isso surte o efeito espe: rado no repartrio ‘comportamental do cliente. > EXISTEM OUTROS SIGNIFICADOS PARA “LIBERDADE"? A palavra “liberdade”, como qualquer outra palavra, pode ser utilizada de diversas formas, 92 borges, Cassas & Cols. em diferentes situagdes. Um analista do com- portamento pode, eventualmente, defender certos tipos de liber dade, mesmo adotan- do 0 determinismo como pressupost. Nio hé nisso qual- quer tipo de contra- dicio, como veremos Um anaista do comportamento pode, eventualmen- te, defender certos tipos deliberdade, ‘mesmo adatando 0 determinisme coma pressuposto. Nao hé nisso qualquer tipo ao analisar alguns de contracigao sentidos possiveis do termo. Liberdade como sentimento A classe de relagées comportamentais deno- minada reforgamento positivo parece favore- cer 0 relato de certos sentimentos, que po- dem receber varios nomes: amor, felicidade, confianga, £8, seguranga, interesse, perseve- ranga, entusiasmo, dedicagio, felicidade ¢ prazer so apenas alguns deles (Cunha e Bor- loti, 2005). © sentimento de liberdade tam- bém pode ser relatado nesse contexto. Quan- do nosso comportamento ¢ positivamente re- forcado, sentimos que fazemos 0 que quetemos, gostamos ou escolhemos. Nao hi sentimento de coer- 40 ow obrigatorie- dade ~ hé sentimen- to de liberdade. Até que ponto € possivel ou desejé- vel abrir mio da uti- lizagio deliberada de relagées comporta- mentais coercivas (de punigio e reforgamento negative) na aplica- cio da anslise do comportamento € assunto discutivel, € os subsidios mais importantes ppara essa discussio devem, sem diivida, desi var de dados empfricos. Ainda assim, é razos- vel afirmar que os analistas do comportamen- to tendem a favorecer a utilizagao de relagdes “Quando nosso comportamento 8 positvamente reforgado,sentimos ‘que fazemes 0 ue ‘queremas, gostamos ‘ou escolhemas. Nao ha sentimento de co redo ou obrigatorie dade - ha sentimen tode iberdad comportamentais de reforgamento positi- yo. Com isso, podem favorecer também 0 Os analistas do a utiizaggo de rel. 58s comportamen- de reforgamento positive relato de sentimen: tos de liberdade. Esse éum resultado previ sivele desejavel da pritica do clinico analitico- -comportamental. Nao ha nisso nenhuma contradigao com a adogio do determinismo enquanto pressuposto por parte do clinico. Liberdade como diminui¢ao ou eliminagao da coergao Seo reforgamento positive pode gerar relatos de sentimentos de liberdade, relagées com- portamentais coercivas (de punigio ou refor- samenco negativo) podem gerat, além do re- lato de outros sentimentos (ansiedade, raiva, tristeza, entte muitos outros) uma “luta pela liberdade” = que, neste caso, nada mais é do que uma uta contra esse tipo de relagio. Social mente, a huta contra as relagdes compor tamentais coercivas pode receber diversos no- mes: busca-se promover a liberdade politica, econémica, religiosa, sexual, ete. Em cada um. desses campos, quando pessoas so proibidas de emitir certos comportamentos ou obriga- das a emitir outros, surge a possibilidade de que se revoltem contra esse tipo coercivo de ‘Quando pessoas so ‘ra esse tipo coerci vo de contrale controle. Skinner (1971) analisou profundamen- tealuta por esse tipo de liberdade, ¢ reconhe- ceu sua importincia: “A literatura da liberda- de tem feito uma contribuigio essencial para a eliminacéo de muiras préticas aversivas no governo, na religio, na educagao, na vida fa- miliar e na producio de bens” (p. 31). Analis: tas do comportamento, portanto, podem igualmente defender certos tipos de liberda- des sociais, sem que haja nisso qualquer con- radigio com a adogio do determinismo en- ‘quanto pressuposto. ‘Um dos problemas apontados por Skin- rer na mesma obra é que as pessoas tendem a identificar a auséncia de coersio com liber- dade absoluta, igno- rando 0 tipo mais po- deroso de controle — isto é, aquele exercido através de reforea- mento positivo. Ele é poderoso, entre ou- {ros motivos, porque, via de regra, no nos revoltamos contra ele = allés, sequer costumamos reconhecé-lo ‘como um tipo de controle, O controle por re forgamento positive, como qualquer tipo de controle, pode ser utilizado com objetivos es- piitios, cm beneficio dos controladores, mas com graves prejutzos de longo prazo para os controlados. Empregados que enfrentam jor- nadas exaustivas ou insalubres de trabalho, aliciadores que levam adolescentes ase prosti- tit, criangas ¢ adolescentes atrafdos para 0 trifico de drogas ou pessoas levadas a consu- mir produtos prejudiciais & sua satide so al- guns exemplos. Diante disso, é compreensf- vel a afirmagio de Skinner de que “um siste- ma de escravidéo tio bem planejado que néo gete revolta é a verdadeira ameaca’ (Skinners, 1971, p. 40). A “tevolta” contra um sistema desse tipo s6 é possivel, em primeio lugar, se ‘0 escravo percebe que ¢ um escravo. Por isso, de acordo com Skinner, “o primeiro passo na defesa contra a tirania € a exposigio mais completa possivel das técnicas de controle” (Skinner, 1955-1956/1972, p. 11). Considerado esse sentido da palavra li- berdade, podemos inclusive classificar a edu- cagéo para a liberdade como uma tatefa im- portante para os analistas do comportamen- Um dos problemas pessoas tendem a tifiear a ausén- cia de coergao com liverdade absolute, ignorando o tipo mais poderoso de controle —isto é, aquele exerci através de reforga ‘mento positivo. ica analitico-comportamental 93 to, Uma educagio para a liberdade estimula a formagio de cidadios criticos, bem informa dos ¢ ativos, e pode cumprit um papel impor- tante para o futuro de nossas culturas Liberdade como autocontrole © elinico analitico-comportamental, via de regra, deseja que seu cliente “tome as rédeas de sua vida’, seja au- ténomo e indepen- dente, governe sew cotidiano ~ entre ou- tros motives, para que nio seja depen- dente do préprio elf- nico. Ora, tudo isso nao parece funda mentalmente contra ditério com 0 pres- suposto de que o comportamento humano é determinado? Como pode um clinico analf- tico-comportamental fomentar autonomia em seus clientes se adota tal pressuposto? © dlinicoanalitico-comportamental, enquanto parte importante do ambiente de seus clientes, trans- forma parte de sew repertério comporta- mental. Ele pode en- sinar seus clientes a analisar seu proprio comportamento ¢ as Delince analitico- -comportamental via deregra deseja que seu cliente “tome ‘as rédeas de sua vide" sea autdnomo do préprio clinic. Oelinico analtica- -comportamental transforma parte de seu repertirio. ‘comportamenta. Pode ensinar seus clientes a analisar ‘seu préprio com varidveis que 0 con- portamento eas trolam. Ao fazer isso, _Varidveis que o con- ‘rolam. Ao fazer isso, cle estaré gerando em seus clientes 0 que Skinner (1953/1965, cap. 15) chamou de cautocontrole — isto é, estara proporcionando a cles a oportunidade de identificar ¢ controlar algumas das varidveis que controlam seu pré: prio comportamento. Como o autocontrole também é comportamento, cle também 6 por si s6, efeito de causas ambientais — ¢ 0 ‘lo estaré gerando ‘em seus clientes autocontrale 94 borges, Cassas & Cols. comportamento do clinico responde, neste caso, pela maior parte de tis causas. O uso da expresso “autocon- trole”, portanto, nao significa que 0 com: portamento da. pes- soa que 0 exerce no esteja sujeito a deter minagio ambiental Como afirma Skin- ner, “o ambiente de- Pessoas que exer- teem um ato grau de autocontrale sie ‘mats autdnomas, independentes © “livres” do que as ‘que nde o fazer, Declinice analitica- termina 0 individuo mesmo quando ele altera 0 ambiente” (Skin- net, 1953/1965, p. 448). Em certo sentido, porém, € possivel afirmar que pessoas que exercem um alto grau de autocontrole si0 mais auténomas, independentes ¢ “livres” do que as que nio 0 fazem. O elinico analiti- co-comportamental, nesse sentido, busca en- sinar e promover a liberdade. Se compreendermos a palavra “liber- dade’ em qualquer um desses «rds sentidos, podemos concluir que os analistas do com- portamento — entre eles os elfnicos analf tico-comportamentais — promover a liber- dade com frequéncia. Ainda assim, como behavioristas radicais, os clfnicos analiti- co-comportamentais tendem a adorar o de- terminismo enquanto pressuposto, sem que haja nisso qualquer contradicio implicada. A adogio desse pressuposto, como vimos, justifica-se por sua utilidade para os pré prios objetivos do trabalho terapéutico. Por mais paradoxal que isso possa parecer, pres supor o determinismo ajuda os clinicos analftico-comportamentais a tornarem os seus clientes mais livres! > NOTAS 1, Sobre comportamento operante, sugete-se lero Ca pile 2 2. Para uma maior compreensio do modelo causal da andlse do comportamento, et Capseulo 7. > REFERENCIAS Cunha, L. S, 8 Borla, E. B, (2005). Ski mento € 0 sentido. In E. B. 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