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tw Aaddgio 24[22 Coliquro Dulemacio mal Mertott Brecht CDE, yun ag] tan 44 aS Rae alae Hoare eS ou ‘Quando se fala de Brecht em Portugal (outros exemplos se poderiam inevitavel: mente citar jé quea fungio cens6ria se cum: pre em muitos lugares), recomego: quando s¢ fala de Brecht em Portugal, comeca-se acaba-se por falar da censura e da relagio entre 0 criador e essa realidade, ou seja, en- ‘re 0 autor (dramaturgo, encenador, produ- tor) € todos nés, espectaddores e/ou leitores. Falar dessas relagdes € pOr em equagioo que nelas participa da presenca ¢ da auséncia, presenca como imposicdo de um poder, auséncia como invisibilidade da criagio, por razBes que nao so contempladas por cla Pergunto-me, no entanto (e pergunto) se nao sera tempo de dirigit as nossas reflexdes sobre Brecht tendo como ponto de partida, que pode ser também, e espera-se que sefa, uma proposta para debate, nfo exclusivamente a censura mas o que em Brecht era, em tempo de censura, uma forca a auséncia, a0 mesmo tempo, de crag de empenhamento politico, de proposicio Ideol6gica. Isto é, pergunto, limito-me a interrogat,ainterrogar-me, se no sera tempo de verifca 10S 0 quena censura fol para nés lugar no qual Brecht se transformou numa determinada realidade, sem deixar de ser uma determinada auséncia, ou de comoesta auséncia contribuiu para o esvaziamento do nosso pasicionamento criativo ¢ politic, como criadores ¢ come espectadores passivos para quem a presenga da censura (ou da policia politica, ete.) constitufa urna ameaga de todos 0s dias. Quando Brecht surgiu pela primeira vez nos 108805 palcos (ndo me refiro ao autor literério), apotou 0 nosso entendimento do texto e da sua transformagio em objecto cénico, ¢ ap mesmo tempo, dos parimetsos ampliados em que comegévamos a situé-lo, ‘como uma personalidade fortemente pol tizada (nao obstante as contradigbes de que tem sido ultimamente acusado). © espec: 121 taculo brasileiro que no-Lo revelou como autor teatral onnou-se desse modo um marco hist6rico. Ora, no contexto da época, contaria muito, seria duma extrema importancia, a recepgto que © teatro de Brecht teria mereeido ¢ a influéncia que teria exereido como eriagio, como combate politico, sendoao mesmo tempo uma forma de resistencia a uma prética censGria que constituia ‘uma constante definidora do regime, forma de resistencia que se consagrava como uma pratica anti-cens6ria 0 teatio de Brecht tornava-se para ngs, ndo s6 uma arma politica cuja utlizagio, quando possivel,ndo podia deixar de ser limitada, como um espago exclusivo para essa luta, Isto se tivermos em consideragio que as propostas tesricas brechtianas podiam ser utilizadas, ¢ eram- no, com outros textos, ndo brechtianos. Naturalmente que 0 nosso conhecimento da criagio brechtiana anterior & revolusio cra ‘muito restrto, mas foi também nisso que Brecht se tornou importante para os espectadores de entio: nenhum outro autor, nem Peter Weiss apesar do Gdio que o fascismo Ihe dedicava, conseguia como Brecht dar visibilidade a uma pritica censbria como aguela de que cle eta vitima, embora também fossemos vitimas diarias através de outras formas que eram também ‘outros contedidos. ‘Como se disse, embora 0s textos teatrais de Brecht estivessem proibidos, as suas propostas tedricas eram muitas vezes aplicadas sem que a censura, na sua ignoréncta, interviesse. Esse facto talver tivesse contribuido para que o espectador teatral atento se sentisse a compartilhar determinadas teorlas (que tinham a ver, por exemplo, com feito de distanciacéo ou estranheza), tentando fazer a leitura dos respectivos eédigos que, no entanto, talvez thes escapassem, a0 ‘menos em parte, por essa inevitavel separacao entte a teoria¢ a realidade criativa. O que se quer ttizer € que o espectador, para o caso portugues, se via obrigado a compartilhar a razao de ser do texto dramatico e da sua criagéo cénica com o que the devia ser marginal, aliés inexistente, a que a aplicagio dla censura implicava o esvazlamento do cardcter polémico da obra em «causa, oque em Brecht era particularmente significativo. f este um outro aspecto ater em conta rho que se refete a leitura do contexto em que a ctiagio brechtiana se inseria, Bsse contexto era especialmente importante no sentido de nos permitir aproximar de Brecht como uma realidade entdo inacessivel e por isso insatisfaréria. Peco desculpa, era de Brecht que queria falar, ndo de censura, Que the hei-te fazer? * Comunlcagio envads pelo autor lida pola Mess, eet =) sy 9 ‘A maior parte dos comentadotes da obra te6rica de Brecht s6 tangencialmente falam «da sua concepsio do actor: evocam-na, evi dentemente, no quadro da oposicade capital entr iffeasdo ¢ distanciagdo: mas 0 actor rio é mais do que um agente entre outros uma revolucéo em que &0 pablico que esta em jogo. A sua importancia, porisso, é multas veres minimizada, Também acontece que nas andlises a funglo especifica do actor seja cenglobada no conjunto da tealizagao cénica do teatro épico: quer dizer, que haja amal {gama entre os problemas da representagio © 1 da encenacdo (0 proprio Brecht, nos seus escritos, alimenta por vezes essa confusio) © actor aparece como o parente pobre dos estudos brechtianos. Nao & mais bem tratado no discurso dos encenadores contemporaneos. Alguns dos ‘maiores parecem considerar que a questo a ‘um falso problema. Assim Peter Stein, em c0s textos de Brecht sobre ‘© actor nio passavam de escritos polémicos datados e que a realidade da praxis teatral de Brecht nao nha nada a ver com as suas da repres épica nao se coloca, que é 1977, declarava qh formulacées teéricas'. Giorgio trebles, por seu lado, a volta de 1971, definia de forma elegante e vaga a distanciagio como «a operacio fundamental da poesiax?, e€ um pouco mais tarde (em 1978) dizia-se per suadido de que todos os grandes actores praticavam a distanciagéo sem saber, como Monsieur Jourdain a prosa (citava Laurence Olivier representando Shakespeare). Falava duma sespécie de desprendimento (que néo 6] nem frieza nem desinteresse mas dorainio absoluto do offic» Bafirmava que a enica do Verremdung € euma categoria nao estética mas socials. 19 [A fazer f& nos crticos ¢ nos priticos, 0 lugar da actor no edificio brechtiano nao teria, pois, grande importancia e seria, a0 fim e ao cabo, banal. No entanto, o modo de representagio cénica ddo teatro de Brecht fot sempre problema, Enquant0 foi vivo, Brecht condenou as realizagies que descuidavam a investigagao artstica original exigida pelo teatro épico: so conhecidas as stas reacgbes A encenagio de A Mae no Teatro Gull de Nova forque em 1935.* Actualmente, a maior parte das produces de pecas dle Brecht cedem as pressies da ideologia dominante que separa radicalmente 0 autor de pegas do filSsofo a fim de proceder a uma cecuperagio humanista ‘ecuménica da sua obra teatral. Os espectéculos que se nos deparam nos nossos teatros mostram Basta ‘om 0 mesmo golpe ‘que é absolutamente possivel, e até facil, representar Brecht de mane! ‘nora, voluatarlamente ou nfo, ua reflex brie, para o normal tatwoo perverter. A pergunta: Como representar Brecht? € absolutamente actual certo que € preciso pro problema dos objectivos e dos meios da encenagio, mas € preciso também pr 0 Problema sorereto do trabalho do actor: porque se esse problema no for resovide, neahuma tncenacio, por melhores que sejam as Suasintengées, poe funciona ‘Uma releltuta do conjunto dos Feri sure tht e do Journal de tava val pcmitr-nos res- ponder 2 incrrogacio seguinte: se & verdade que Brecht elaborou uma Leora do actor ft isso safeiente para ee indir dat, no plano pritico, um método derepresentag espifcawsivel paraa intrpeetagio do seu teato? Nesta investigagio no deveremos esquceraue opensamento, brechtang esteve sempre em movimento, que este pensamento nunca considera os resultados leangados como defintvos(ernad Dor) 0 que Bret exprmla em 1953 2 server: «Os prinepiass6 permanecem vivo na medida em que so transgredidosn” ‘nosso corpus € de densidade dsigual alongo dos anos. As Ciiues damatiquesd Aagshous 1918-1922)" dio testemunho do interesse precoce de Brecht peo trabalho dos actores. As suas dlesergbes das interpetagBes so muitas vezes precsas, detalhadas,rcas em imagens, €05 seus Jutzos so agudos, De 1924 q 1927, no encontramos nenhum escrite sobre a arte do actor entre 1927 ¢ 1933, periodo de actividade teatal¢ de constitigSo da teria do teatro ple, gpenas uni texto importante: Dislgue sur Part dramatique (1929). Em contrapartda, 0 exitio scandinavo (1933-1941), pabre em pritica do paleo (excepto com amadores), fornece-nos vnaterial abundant, ico em esritos fundamentals que culminam com A Compra do ato, Esta producdo we6ricacessa completamente durante o exflo american e 36 é retomada em 1947, thas vésperas da sua patida, com um texto que descreve 0 trabalho de Charles Laughton em. Galil’, Depois do regresso 8 Buropa, se 0 Peuenoorganon par 0 tet (1948) reserva aos problemas da interpretaglo um lugar nfo negligenctvel, mas quantitauvamentereduzido, o filtimos anos «fo abundantes em escrtos diversficados, muitas vezes de crcunstancia (por scnigo de suas encenagies no Berliner Ensemble ou das JornadasStanslaski) que atm fone sempre de problemas concretos que se colocam ao ator: portano, una actividade tein ccettamente igada a praticatcatral: No conjunto, nfo existe obeasistematca, como as de Diderot on de Stanisavsk, mas apenas notasesparsas (por Vezes contratris), balangos provisos do estado da reftexdo, Destes mater resposta & noséa quedo. ante Wwekuerth ase-se persuadido de que Brecht desejva desenvolver as ates aute dy scot va do espectador" actor por quem transite a ientfcagio do espectador 29 trosonagem, 0 prineipal reir da recusadaidentiieasioe do estabelecimento dma relagio foe com pablo, w que The perma execer a sua responsabilidad politics, Brecht no is pouco organizados vamos tentar extrair a * escreveu 0 seu paradaxo sobre o actor, E no entanto, ao longo dos textos estruturados € dos 140 fragmentos, surge em fundo uma teoria do actor e surgem modelos (Mei-Lang-Fang, 0s actores “amadores, os actores da "cena de rua’, as criancase, sobretutlo, Hetene Weigel). Contrariamente 4 Stanislavski, Brecht néo parte do actor: «(..] Quando enceno sou essencialmente escritor de teatro. {...] Podlem ouvir.me dizer, também a mim, que tudo depende do actor, mas a verdade & que eu parto inteiramente da peca, das suas necessidades ¢ exigenclasr''. Mas, nas engrenagens delicadas do teatro épico, depois dialéctico, o actor é uma pega central, Porque é 10 nao teria, pois, resentagio cénice as realizagbes que onhecidas as suas valmente, a maior nnante que separa ragdo humanista smostram Basta golpe E certo que é so também por 0 alvido, nenbuma permitir-nos res. dto_actor fot isso ecifica utilizdvel ‘ue opensamento, era os resultados a eserever: #0 tiquesctAugsbourg actores. As suas ragens, eos seus arte do actor: ¢ do tzateo geo, partida, 0 € 2s), formece-nos ado lato, sta mada em 1947, 28 Laughton em “48) reserva aos rte reduzido, 05 cunstancia (por kl) que tratam stividade térica ica, como as de Srias),balangos tentar extra a cer duas artes: a 2 espectador a0 ‘oduma relagio lea, Brecht nao tuturados € dos Sang, os actores Zontrariamente emteescritorde masa verdade sol, Mas, nas tral. Porque é cle quem vai pér em actividade as duas téenicas apontadas com ea historicizagao. Ora, Brecht esta convencido de que os actores podem ser formados para esta nova prati indlament adistanciagio aplicagdo do efeito de distanciagdo é uma téenica que pode ser ensinada nos seus fundamentos», regista ele no Didro de ratutho", Quer dizer que elaborou um método de representagao para uso ddos actores? Quais sio os meios concretos que les prapde para aprenderem e desenvolverem a sua arte, a0 servigo do steatra da era cientificax? As propostas de Brecht, convenhamos, sao por vezes pouco claras ou distantes da realidade do trabalho cénico. Quando fornece um exemplo preciso, alimenta multas vezes a confusdo entre o que € do dominio do trabalho do actor e 0 que tem a ver com o trabalho de encenacio, {sto particularmente verdacle quando se trata dos meios de praticara historicizagio dos processos, Qs exemplos a que recorre - 0 gesto de Lear quando rasga 0 mapa do reino, ou o de Bruto que ‘maltrata um escravo ao mesmo tempo que acusa César de trania, ow o de Maria Stuart quando se serve do crucifix como leque'”- séo escolas de encenacdo (mesmo que esses gestos tenham sido descobertos por um actor), A desctigdo do trabalho de Charles Laughton" nao nos ensina rnada sobre 0 método utilizado por este vartista realist dos nossos tempos» para construir 0 papel de Galileu, Nesse texto trata-se s6 da tradugiio eda montagem do texto, da documentacéo, do guarda-roupa, da distribuigdo dos papéis, nunca do modo de representar de Laughton. ‘ese reunirem todos os textos que Brecht consagrou aos proble-mas da identificagéo, constata- -se que ele nem sempre evita uma certa indefinigio do pensamento que torna dificil a tradugio conereta das suas directivas. Depots de, no inicio, rer liminarmente rejeitado o acto de identificacto, fala em rejeitara identificacdo stotalv ou sintegral»'; de ando.excluirsotabmenc a identificacaos! dade do actor para seidentficar completamente» necesséria mas ndo suficiente". A nogdo de idemtificagio encontra- se acrescentada de cpitetos quantitativos; a identficago parece qualquer coisa de mensursvel, de quantticavel, extensivel ou passivel de ser encolhida dle que o actor poderia encher mais ou 'menos 0 corpo (ou a pela}. Por meio de que golpe de magia se pode traduzir em método artistico esta surpreendente alquimia? Muitas vezes, dante das directivas de Brecht, 0 actor pode, com todo o direito, far perplexo: como vergar-se & pritica do «Néo-Mas» definida assim: 40 actor tem que, ao lado do que faz, descobrit,formular e deixar entrever algo que ndo faz.{...] O que ele representa é apenas uma variante e deixa pressentir todas as outras. de a tolerar se for «muito, muito leves”; para finalmente considerar «a capa +] 0 que ele ndo faz deve estar contido e subsistir naquilo que faz»". Como fazer para dizer 0 texto scomo tuma citagéov e ao mesmo tempo «dar nessa citagéo todos os matizes, toda a plasticidade conereta, humana do discurso»?? Como. «arepresentar os processos da peca como processos histéricosi*"? Como, para «adoptar a atitude de espanto», falar como se estivesse a contradizer-se? Como conseguir uma «representacio simultanea do passado e do presenter conferindo a0 modo de representar saquele uma coisa depois-da-outra-e-até-ao-fim, aquele comportamento / Do homem que executa 9 que empreendeu” Estas perguntas permanecem sem uma verdadeira resposta. 0 actor que quisesse seguir letra adova brechtiana achar-se-ia bem desamparado, E quando Brecht indica provedimtentas para uso dos actores, estes sio muitas vezes de dif supostos ajudarem o actor a edistanciar as palavras e as acces a representar: 1. a transposigdo para a terceira pessoa; 2. a tansposicio para o passado; 3. oenunciado das indicagbes cénicas e dos comentitios.»* il aplicagao, Assim, os tés procedimentos Parece uma utopia imaginar, por exemplo, que ao utilizar a transposigo para o passado 0 actor afique em posigéo de langar sobre a frase que diz um othar para tréss;e sobretud trata se de procedimentos de tipo literdrio a aplicar de forma m: curioso desconhecimento do trabalho do actor, Nao s6 € possivel duvidar da sua eficdcia como também estéo na base de muitos mal entendidos. A sua utilizacio servil, sem reflexdo critica, €em certos teatros franceses dos anos 60 contribuiu provavelmente para produzir um modo de ica que parccem revelar um 14

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