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Andlise de uma situagéo social na Zululandia moderna’ Max Gluckman Introdugéo A Africa do Sul é um Estado nacional habitado por 2.003.512 brancos, 6.597.241 africanos e varios outros grupos raciais, , predominantemente, 1 Do original “An 1958). Tradugio de Roberto Yutaka Sagawa e Maura Miyoko Sagawa 2 Outros grupos raciais: 767.984 euro-aisticos/euro-afticanos (de cor) © 219.928 asiticos, Citas de acordo com o censode 1936, Relatio Preliminar 50, sis of secal situation in modern Zululand” (Gluckman, 1938.\Cerca de dois quintos dos afticanos da Africa do Sul moram em areas reservadas, distribuidas por todo pais. Apenas alguns europeus (administradores, técnicos do governo, missionérios, liticas, bem como outros tipos Ja comunidade africana branca do de pais. Por isso, quan o se explicitam os problemas estruturais em qualquer reserva, é preciso analisar amplamente como e em que profundidade a reserva est inserida no sistema social do pais, quais relagdes dentro da reserva envolvem africanos brancos como so afetadas e afetam a estrutura de cada grupo racial sei, no norte da Zululai na secdo territorial d ‘cial da Africa do Sul, istema como um todo. Acredito, entretanto, que provavelmen. ¢ 0 padrdo dominante da drea pesquisada se assemelhe ao de ntar qualquer outra reserva do pais.* Deve, além do mais, apre do Departamento de Educario da Unido (Fundo Carnegie), a0 qual ag sda pelo Ministerio Na sequer adecer adequadamen 4 Possoassnalar aqui que as pesquisas da senhora Hilda Kuper na Swaziland ram muitas dessas ma senhora sob protecio britinica, mo laridades. Reconheco com gratdo minha divida para c Kuper, com quer discuti em detalhes os nossos resultados. Nio posso in dlicar aqui o muito que devo a ela, © senhor Godfrey Wilson, A. W. Hoerlé (do ponto de v acial, politico e econdmicc re jonar grupos dominantes. Nao pretendo, aqui, dese Iver nenhum est nparativo; no entanto, vale a pena salientar o contexto mais amplo dos problemas sob Como forma de iniciar esta andlise, descrevo uma série de dia As situagdes sociais constituem uma grande parte da matéria -ventos conforme foram registrados por mim em um tin -prima do antropélogo, pois so os eventos que observal A part sociais, as instituig6es etc. daquela sociedade. Por meio dessas de novas situagdes, o antropélogo deve verificar a validade de neralizacées. Como o meu enfoque dos problemas sociolégicos da Africa moderna nao foi previamente utilizado no estudo do que se con. vencionou chamar “6 ira’, apr fento um material de Ah jalabordagem adotada.® Escolhi deliberadamente uisa detalhado. Dessa maneira, estes eventos particulares, retirados de meu didrio de campo Porque ilustram de forma admiravel o que estou tentando enfati zar neste ensaio. Poderia, entretanto, ter selecionado igualmente ntimeros outros eventos ou citado outras ocorréncias do coti diano da Zululandia moderna (Des os even ero que, dessa forma, a forca do met. ‘argumento possa ser mais bem apreciada, Antropologie des sociedodes conterporéneos As situagdes sociais Em 1938, estava morando no sitio (homestead) de Matolana Nawandweum conselheiro do regente e representante gove ‘ental, O sitio localiza-se a quase 21 quilémetros da magistratura europeia eda Vila de Nongoma, ea 3,2 quil6metros do armazém de Mapopoma. No dia 7 de janeito, acordei ao amanhecer e pre- parei-me para ir a Nongoma na companhia de Matolana ede meu criado Richard Nrombela, que vive em um sitio aproximadamente itocentos metros distante da casa do meu anfitrido. Naquele dia, meu plano era comparecer de manha a inauguracéo de uma ponte no distrito vizinho de Mahlabatini e logo apés, a tarde, a um encontro distrital na magistratura de Nongoma. Richard, um cristdo que morava com trés irmos pagios, veio vestido com suas melhores roupas europeias. Ele é um “filho” para Matolana, pois a mae de seu pai era itma do pai de Mato- lana, Richard preparou 0 vestuério de Matolana para ocasiées especiais: uniforme de jaqueta céqui, calcas de montaria, boras € polainas de couro, Estévamos a ponto de deixar a casa de Matolana quando fomos retardados pela chegada de um policial uniformizado do governo zulu, empurrando a sua bicicleta, e acompanhado por lum prisioneiro algemado, um estranho no nosso distrito, que estava sendo acusado de roubar ovelhas em algum outro lugar. © policial e o prisioneiro cumprimentaram Matolana e a mim. Respondemos ao cumprimento do policial, que € membro de um ramo colateral da familia real zulu, com as saudaces dignas Gem principe (wmtwana). Entéo, o policial relatou a Matola- 6 Ele orepresentance do rei zulu no subdistitode Kwadabsci (Mapopoma). 0 rei era, entio,egalmente, onic chefe da pequena tribo Usuthu. Aposicio| do representante € reconhecida pelo govern, j que ele pode julgar casos Civis.Suasdecis6es, depois de registradas na magistratura, sero reforgadas pela Corte Mensageira do Governo, se necessério, Ele é um dos conselheitos ‘mais importantes do tt 240 iii AAnéliso de uma stuagéo social na 2uuléndia modem nna como tinha capturado o prisioneiro com a ajuda de um de seus guardas particulares.” (MfafSlana|Fepreenceu 6 prisionel’s dizendo que nao admitiria escorias (izigebengu) no seu distrito Voltou-se, em seguida, para o policial criticou 0 governo por esperar que ele e sua guarda particular ajudassem a capturar pessoas perigosas, sem pagar nada por esse servico, nem levar em consideragao nenhuma recompensa aos seus dependentes, aso fossem mortos ‘Matolaia fisou aifida que trabalhava muitas horas administrando a lei,para.o.governo,-semureceber salario: disse também que era suficientemente inteligente para deixar de fazer esse trabalho e voltar as minas, onde costumava ganhar dez libras por més como capataz. © policial foi embora com seu prisioneiro. Em seguida, Partimos em meu carro para Nongoma. Paramos nolmeio do caminho para dar carona a um velho, lider de sua pequena seita fist, fundada por ele préprio e cuja paréquia foi construida ei seu sitio. Esse Velho lider atribut 2 $76 titulo de supremo na sua igreja/ mas as pessoas consideram a sua seita, que nao 6 reconhecida pelo governo, como parte dos zionistas, éma gran- Ge igreja Separatista nativa (encontrada em Zululandia, Natal, Swazilandia e outros lugares do pais). veiho lider estava st dirigindo a Nongoma para comparecer ao encontro da tarde como lum representante do distrito de Mapopoma. Ele sempre desem- penhou esse papel, em parte por causa de su idade e, em parte, Por ser 0 lider de um dos grupos de parentesco local. (Embora qualquer um possa comparecer e falar nessas reunides, ha pes- soas que sfo reconhecidas como representantes pelos pequenos istrit65) Separamo-nos no hotel, em Nongoma. Enquanto os. ttés zulus foram a cozinha para tomar o café da manhi, resolvi tomar banho, antes do desjejum. AB olla para 6 Gafé da manka sentei-mea mesa com L. W. Rossiter, veterindrio do governo para 7 Nomeatos por Matolana com a aprovagio do magistrado edo rei zulu, Eles recebem uma pequena parte dos impostos da Corte a ;pologio dos sociedades contamporéneas $ Conversamos sobre as condigées das estradas e sobre as vendas de gado pelos nativos locais engenharia do Departamento de Assuntos Nativos, um grande ami e-velho colega de escola de ambos. havia estabelecido relagbes cordiais com Matolana e Richard¢Fui> juando saimos a0 ‘encontro do veterinario, todos trocaram cumprimentos, cada um indagando cerimoniosamente sobre o estado de satide do outro. (GMatlana nama sre develrage plas quai ea co nhecido entre os funcionérios qualificados do governo) de desenvolvimento nativo. A ponte foi inaugurada por H. C. Lugg, comissario-chefe dos nativos da Zululandia e de Naval.” le é funcionério do Departamento de Agricultura e ndo do de Assuntos [Nativos, e¢ independente dos funcionérios dos Assuntos Nativs, 9 Oveterinirio, ue representa o govern, nasceu na Swazilandia. Ele fal ura zulu répidoe melhor ainda a lingua franca, com forte tendéncia& prontincia ‘Swati 10 Em relacdo a0 seu stats, ver Rogers (1933). Na posigéo de chefe do De partamento de Assuntos Nativos na Zululandia e Natal, ele é subordinado 8 Secretaria de Assuntos Nativos para o pais. Abaixo dele, na hierarqua, 202 Andlise de uma stuacae social na Zululéndia moderna E construida sobre o Rio Umfolosi Negro na direcdo de Malun- gwana, no distrito magistratorial de Mahlabatini, numa estrada secundaria para o Hospital Ceza da Missao Sueca, alguns qui- lometros acima de onde a estrada principal Durban-Nongoma atravessa o rio num caminho de concreto. O Rio Umfolosi Negro poder dominante esta investido no governo dc grupo branco, sob o qual os chefes so, em um de seus pay s, funciondrios subordinados. O governo detém aautorida- de suprema da forca, da penalidade e do aprisionamento/ASsifi de paralisar os conflitos entre faccGes na tribo de Mandl muito embora 0 nagistrado, que representa o governo/ th ner (0 de funcionérios 2ulus que Ihe sao subor dos, Apesar de a efusivas boas-vindas dadas por Mandlakazi a Mshiyer indicarem que a superioridade social de Mshiyeni é .cida, foi o poder do governo que o habilitou a interferir suntos internos de uma tribo que se havia desligado da antos politicos. Embora enomeie seus indunas, havie comentarios de que um induna estava procurando lisonjear oma gistrado com finalidade de conseguir poder politico Oszulus que ocupam po: >vernamenta ituem uma parte mportante da m | eadministrativa ern, Térr como dever, &m a0 governo, manter a ordem, auxilia politica governamental, assumir causas juridicas, ajudar n¢ hos parasiticidas de gado e muitos outros assuntos de rotina Entretanto, nao tém direito algum de julgar causas criminais im- Portantes, jé que so: ferno pode perseguir malfeitores (como os ladrées de ovelhas)ié como resultado d listtito a outro. Contudo, divisdo entre os dois grupos raciais (Raum europeus zulus. Tanto o comissdrio-chefe dos nativos como o regente receberam a saudacao real dos guerreiros, mas, enquanto 0 comissério-chefe 1u trés vivas, apresenca do regente e do chefe local motivou a entoacdo de cangées tribais, zulus. O comissério-chefe dos nativos conversou com os zulus importantes que conhecia, Enviaram-Ihe cer feriu tomar cha com 0 sia zulu, mas pre- ‘upo branco. O regente sentou-s 098 zulus, tomou cerveja e conversou com eles, até muito de de os europeus terem se dispersado. O governo forneceu uma cabega de gado ao povo e o regente foi presenteado pelo povo com trés cabecas de gado e cerveja, que o proprio regente distribui entre os presentes, © governo nao tem somente fungées judiciais e adminis- trativas, desempenha também parte importante nas atividades ambientais. Nas informacGes precedentes, #imm0s que 6 Bovere genheiros; organiza os banhos parasiticidas e as vendas de gad str6i estradas. Mesmo quando chefes e indunas participam se tipo de empreendimento governamental, nao o fazem téo facilmente quanto na organizagao judicial e administrativa Embora os chefes pudessem ter simpatizado com a faccio em conflito dos Mandlakazi de uma forma que o magistrado compreenderia, concordavam com ¢ no aspecto de que a paz em uma tribo deve ser valorizada. Mas Matolana tinha uma série de reclamagées sem fundamento cientifico contra os banho: parasiticidas, os quais avaliava num idioma cultural diferente daquele do veterindrio do governo. Apesar de os zulus terem acolhido favoravelmente a construgdo da ponte e de Mshiyeni ter agradecido, em nome de seu povo, por tudo que o governo estava fazendo em prol dos zulus, ii mill ulga que seus chefes tém o dever de manter oposigao aos projet sovernamentais (Gluckman, 1940b). Ds zul curopeus esto igualmente interligados ni efere ao as; onémico mais amplo da vida da Z que se refere ao aspecto ec a lulandia. Eu havia salientado que os criados domésticos eram admitidos na barraca dos europeus e que a ponte foi plan por europeus, mas construida pelos zulus. O recrutador de tra- balhadores da Rand Gold Minas estava presente a inauguracéo Zululandia, bem c yenhar smo trabalhadores nao qualificados nas atividades econdmicas Africa do Sul, Também estavam presentes & inauguragao zulus que trabalham como policiais do governo e um escrivao zulusO8 do rabalho para pagar Seus impostos (que custearam a construcéo Jus dependem do dinheiro que recebem dos europeus pelo seu da ponte e 0s salarios de técnicos governamentais)@ para Compra jegociar gado com 05 europeus, por intermédio das vendas de gado promovidas 3 inauguracdo da ponte leiloeiro havia comparecido A integragio @conOmiled Ga ZulUlanaia 20 Sistema industrial agricola da Aftica do Sul domina a estrutura social. 0 fluxo de 0 mesmo modo, nem todos os fazendeiros curopeus valorizam as neces: ‘Aniropologia dos sociedodies contemporéneas trabalhadores inclui praticamente todos os zulus fisicamente capacitados. Em qualquer época, aproximadamente um terco dos homens do distrito de Nongoma esta ausente, trabalhando Jonge da reserva. $0 6rgahizados, por seus empregador ‘grupos de trabalho similares aos que existem em todos os paises industriais. Parentes e membros de uma mesma tribo tendem a trabalhar e morar juntos nos acampamentos ou nas locagoes ‘municipais (Philips, 1938). Alguns empregadores, como no caso da Rand Gold Minas, gttipam deliberadamenté seus tra: Balhadores|de acordo com 4 identicade eribal.-Entretanto, nos locais de trabalho, os zulus encontram-se, lado a lado, com os bantus de toda a Africa do Sul. Apesar de sua nacionalidade zulu éenvolvé-los em conflito com membros de outras tribos, chegam 4 participar de agrupamentos cuja base € mais ampla que a nacao zulu. Raramente estio soba autoridade dos seus chefes, embora @ Rand Gold Minas e os acampamentos Durban empreguem simultaneamente principes zulus como induna e policiais. Os chefes visitam seu séquito de clientes na cidade para coletar di nheiro e conversar. Signficativamente, mesmo as demonstraces de lealdade ao rei zulu em reuniées urbanas tém sido marcadas Por alguns indicios de hostilidade. Apesarde os chefes 2ulus se imporem como tais em suas visitas, nao tém, nos locais de tra balho, qualquer status legal sobre os individuos:,as autoridades legais sdo os magistrados brancos, os supervisores de locacéo, 4 policia, os administradores e empregadores. Apenas os adi nistradores brancos mantém a ordem e controlam as condicdes de trabalho, implementando contratos, promulgando leis etc, 0 chefe zulu pode protestar oralmente, no mais que isso. Mesmo has reservas, onde zulus vivem de agricultura de subsisténcia, e embora o grupo branco governe por meio de organizagées zulus, os que trabalham para europeus acabam subordinando-se, nessa relagao particular, diretamente aos administradores brancos.(O) chefe zulu ndo tema palavra em assuntos que envolvam membros de sua tribo e europeus. O governo e a Corporagao de Recruta- 262 Anélse de uma sitvagdo socal ne Zulléndia moderne iMIGREO WE NatIVOS das Rand Gold Minas(@gent/porAteeneaO OS cchefes a fim de que as reivindicacées dos zulus sejam expressas ¢, ocasionalmente, parecam ser atendidas por seu intermédio. Os chefes constantemente reivindicam melhor tratamento e salérios mais altos para os trabalhadores zulus; ao mesmo tempo, esto sempre (Mshiyeni, em particular) incitando que os homens de sua tribo saiam para trabalhar. Uma tarefa importante do governo é manter e controlar 0 fluxo de mao de obra para satisfazer, se possivel, as necessidades de mao de obra dos brancos. Além disso, tenta evitar a fixagdo de grande ntimero de africanos nas cidades. O trabalhador mi- grante zulu deixa sua familia nas reservas, para as quais depois Fetorna. Isso inevitavelmente envolve o governo em uma série de contradigdes, das quais luta para escapar.(Nas Feselvas)a tarela basica do governo é manter a lei ea ordem, tendo, secundaria- mente’ (desde 1931-1932) ,comegado a desenvolver as reserva: governo foi forgado a implementar as reservas por causa do estado precario em que se encontravam, em consequéncia da ma agricultura e da excessiva alocacZo em terras inadequadas. Isso s¢ deve, em parte, ao fluxo de mao de obra que proporciona dinheiro aos zulus para compensar as deficiéncias técnicas existentes nas reservas, sendo possivel que essa demanda, em iiltima instancia, tome sem efeito o plano desenvolvimentista ‘Nao posso analisar aqui mais detalhadamente essas impor- tantes questdes. Com evidéncia de que 0 desenvolvimento € secundario ao fluxo de mao de obra ¢ as demandas nacionais cito o caso da Rand Gold Minas , que deseja tomar a iniciativa de desenvolver 0 Transkei (um de seus maiores reservatérios de mao de obra), onde o empobrecimento das reservas tem debilitado a satide da populacao. Além disso, o magistrado de Nongoma deu inicio aos leil6es, por meio dos quais os zulus podiam vender suas cabecas de gado nas feiras livres. As vendas fizeram muito sucesso, e em um ano, aproximadamente, dez mil cabecas de gado foram vendidas por 27 mil ras. Em 1937, houve escassez 269 Aniropologia des sociededes conternpovdneos (GERRRGUREHAiricana na AMEAGOSY, c, como 0s empreen- dimentos agricolas europeus foram afetados, uma comissio governamental foi nomeada para investigar a situacao. Cartas Publicadas nos jornais de Natal atribuiram a escassez de mao de obra ao fato de os zulus terem permanecido em suas casas vendendo gado, em vez de sairem para trabalhar (na realidade, as vendas de gado eram realizadas somente em trés distritos).”* © magistrado, orgulhoso com o sucesso de suas vendas, aparentemente julgou que elas estavam ameacadas, pois em seu depoimento a 4 (Gi para trabalhar?. Em razio da falta de espaco, deixarei de examinar as outras contradi¢ées da estrutura da Africa do Sul com base na forma como emergem na Zululandia. Nivestdo pr sentes para controlar a vida comunitaria nos locais de trabalho, onde proliferam dormitérios para trabalhadores, grupos sociais ¢ sindicatos que possibilitam a associagao dos zulus com bantus de outras tribos e nacdes, e até mesmo de outros Estados brancos. Nao examinarei essas situagSes em detalhe, pois coletei poucos dados a respeito. Quanto aos sindicatos, hé em Durban 750 africanos que Pertencem a quatro diferentes sindicatos, ¢ estima-se que apro- ximadamente 75% tenham seus lares nas reservas. Em Johan- nesburgo, hé 16.400 africanos sindicalizados, 50% dos quais 29, Embora servigos de sade, veteriniiae alguns outros tenham comecs muito cedo, Entretanto, um velho zulu, reclamando para mim dos saldrios sdo das reservas,® segundo estimativas da Secretaria do Comité Conjunto dos Sindicatos Africanos. Os indices so irrisérios em relagao ao niimero total de trabalhadores africanos. Em um encontro que contou com a presenca de aproximadamente seis mil zulus em Durban, além do regente, principes, chefes, missio- érios e professores, um organizador industrial aricano também discursou em um palanque como um dos lideres da nacio e foi bastante aplaudio, Of sit ffieanos ent eoclnds Ha, no entanto, pouca cooperacdo entre sindicalizados africanos e brancos (Philips, 1938). Essa forma de agrupamentos nos locais de trabalho tem uma base completamente diferente da dos grupos tribais, lealdade aos chefes. jue confere As duas formas provavel- mente entrarao em confito e o resultado dependeré da reagéo dos chefes as organizac6es sindicalistas. Atualmente,essas duas formas de agrupamento desenvolvem-se sob condigdes diferentes." 30 Nimerosforneidos gentilmente por Lynn Saffery, secretirio do Instituto de Rela ‘oxganizadores dos sindicatos rabalhistasafricanos, Nao posso die 8 Racial de Johannesburgo, que os recebeu, por sua vez, dos ‘io zulus, mas provavelmentea maior parte dos homens de Durban 6 fila essa nagio, 31 0 mesmo argumento aplica-se a outros agrupamentos urbanos. Acerca dessa questio das relagdes entre a reserva eas organizagdes urbanas, devo ‘muito auma cara estimulance do Dr Jack Simons, cujas pesquisas em teas urbanas parecem té-lo levado a um ponto de vista similar ao que cheguc! a0 Pesquisaro final do faxo de mao de obra 265 Aniropologio dos sociodode Mais adiante examinarei como a oposicio zulu ao dominio europeu estd expressa em organizacées religiosas. TSdaIeSS@ ope: jas e sindicatos de trabalha: dores -nio éefetiva e, no momento, redunda principalmente em satisfagao psicol6gica, pois a severidade da dominacio europeia std aumentanido (Marais, 1937). Por isso, a oposicio ocasional- mente irrompe em revoltas e ataques a policia e funcionarios,” (05 quais sfo energicamente reprimidog reacao violenta do grupo branco, e, sem fundamento aparente, 10 ~ por meio de chefes, ig ais eventos provocam mas & semelhanga do pensamento moderno de feitigaria base em q juer inv tigacdo, a acusa io imediata das partes envolvidas é atribuida & propaganda comuni ‘A ascendéncia politica e econdmica dos europeus sobre os zulus, como capitalistas ¢ trabalhadores qualificados, de um lado, ¢ camponeses ¢ trabalhadores nao qualificados, de outro, pode ser em alguns aspectos comparada com outros paises. Em todos esses paises, a estrutura pode ser analisada em termos similares de diferenciacdo e cooperacao entre grupos econémi- cos e politicos. Na Zululandia, a estrutura tem adicionalmente caracteristicas distintivas que, no todo, acentuam a separa¢io dos ipos e dificultam sua cooperago. A diferenciacao entre os dois grupos em relacdo a atividades politicas e ecologicas, feita agrantemente com base em critérios de raca e cor, coincide ‘com outras dferencas ja detalhadas. Ao descrever a situacio, nao esbocei essas diferencas com particular atencao e nao pretendo aprofundar-me aqui nesses detalhes 32 Porexemplo,em Vereening ardas cvs foram 1g,em 1937, quando viiosg mortos. Zulus amotinaram-se em Durban em 1930, 33. £ quase desnecessirio notar que oterma “raga” éusado num sentido total -mente nfo cientifco na Africa do Sul. Hi muito escrtosepronunciamentos pseudocientiicos sobre raga (cf. Heaton-Nichals, 4; Huey eta, 1935), {Uso terme para indica a base de agrupamentos sociais,ndoa demarcagio clemtifica das ragas Anise de ume sitvagéo social na Zlulandie moderna Podemos notar que os dois grupos falam linguas diferentes. © conhecimento da lingua de cada grupo pelos membros do outro possibilita a comunicagao entre ambos, sendo @]posigaa do intérprete uma instituigao social que ultrapa lingua. Na inauguracao da ponte, ambos os recursos possibilita ram a cooperacio dos dois grupos. Dentro de sua esfera isolada, cada grupo usa sua prépria lingua, embora palavras da outra lingua sejam comumente usadas. O pidgin zulu-inglés-afrikaans” desenvolveu-se como modo alternativo de comunicacao, Os dois grupos tém, no geral, crengas diferentes. Todos 0s europeus das reservas tém at dades especializad. jesar de também trabalharem para 0s europeus, séo camponeses nao especializadosicom permissdo de praticar agricultura somente nas areas que lhes 40 reservadlas, L4, vivem sob um tipo de organizacio social e por valores e costumes diferentes daqueles do grupo europeu, embora sejam afetados em todos os aspectos pela sua presenca. Entretanto, mesmo onde as diferencas entre zulus e europeus sio marcantes, eles adaptam seus comportamentos em modos socialmente determinados, Assim, funciondrios europeus frequentemente fazem um esforco deliberado para satisfazer os grupos zulus, como se viu no uso de guerreiros zulus e no derramamento de bilis na inauguracio da ponte. Além do mais, em situacées de associacao, hd um modo aa barreira da odos de vida, costumes e tuando se associam uns aos outros. regular de reagio de cada grupo em relaglo a certas priticas costumeiras do outro, mesmo quando os dois avaliam essas priticas diferentemente, Zulus pagdos permaneceram de pé e ‘iraram o chapéu durante a entoagdo dos hinos em ingles, tendo também aplaudido os discursos adotando costumes europeus. O comissério-chefe dos nativos aceitou a cerveja que lhe foi presen- teada como um chefe zulu aceitaria, mas permaneceu separado do 34 Uma linguagem que, ima explicario breve, usa prineipalmente palavrs € raizes zulus com sintaxe e gramiticaingleses. 267 grupo zulu como um chefe zulu nao poderia ter agido. Entretanto, lus que muito ainda subsiste um campo amplo de costumes z raramente aparecem nas suas relagdes com os europeus, exceto © fato de que todas as relagdes entre os zulus transparecem para © governo, em termos de leis e administraco..* O grupo europeu também tem sua cultura distinta, aliada as culturas dos pais: europeus ocidentais, porém completamente marcada por suas relagdes com os africanos. aojentre Zulus © europeus. Na situardo descrita/a cooperaga std na ponte € no ri¢ ruzado, sendo geralment determinada pela mitua exploragao, mesmo que diferenciada e 9s recursos naturals, Os bens materiais dos individuos que pertencem aos grupos diferem amplamente tanto em quanti- dade como em qualidade e técnicas de uso. Alguns poucos zulus também possuem alguns bens que sfo comuns entre os europeus, casas,Nas re: ‘que os europeus que lé residem, mas, por toda como carros, rifles e bos zulus possuem a nago, a distribuicdo diferenciada de terra entre africanos ropeus tem um efeito importante nas suas relagdes, Nao tenho espaco para discutir a riqueza relativa de zulus e europeus, ¢ € dificil computé-la; os salérios nos centros de mao de obra, onde praticamente cada zulu é um trabalhador assalariado, so bem mais baixos para africanos do que para brancos. NaSeSenaS a ZillaniaWeNOAe (mas nao em algumas reservas do sul ouem propriedades agricolas europe joria dos 2ulus tem terra do suficientes para suas necessidades imediatas, e alguns deles tem grandes rebanhos. Seu padrio de vida é notadamente ‘mais baixo do que o dos europeus nas reservas. Nos dois grupos, 3 zulus como existem hoje so muito diferentes aqueles de cem anos ets, em razio do 10 com 08 europeus e dos sucessivos desenvolvimentos internos. Estamos aqui negligenciando os processes de mudanga que produziram os costumes atuai individuos. O fato de a separacéo em grupos racias representa, para o grupo branco, padrdes de vida ideais e muitos brancos estarem abaixo enquanto africanos esto ascendendo tem efeitos importantes nas relagdes entre afticanos e brancos.* O-d ej Jos ulus por bens materiais dos europeu europeus do trabalho zulu, bem como a riqu trabalho, estabelecem interesses fortes e interd osiloisigrupos, E também uma fonte latente de seus conflitos. No grup ‘com grandes rebanhos de gado, homens que de: tea riqueza europeia, e outros, constituem diferentes grupos de interesse. Por isso, a posse de bens materiais dife dois grupos dificulta a diferenciagao baseada em critério racial. Iu, 0s poligamos que precisam de muita terra, homens jam ardentemen- sntes entre os Deve-se acrescentar que as r europeus variam de intimeros modos em termos de norma ‘ocial geral, apesar de serem sempre por ela afetadas. Existen relag6es impessoais e pessoais entre zulus e europeus. A relacao do comissario-chefe dos nativos com seus milhares de stiditos zulus é impessoal, mas com Mshiyeni e Matolana ¢ pessoal. Onde quer que zulus e europeus se agrupem, acabam desenvolvendo relacSes pessoais de diferentes tipos, ainda que sempre afetadas pelo padrio tipico de comportamentog/Etij/eOM6/antropslogo, estava em condicées d un iriam. E fiz 1a forma que 0s outros europeus nao cons agas. Mesmo assim, nunca pude ultrapassar completamente a distancia social entre nés existente 36. Aesposa de um abastado europeu, comentando sobre um europeu que an dow 112,65 km para obter um trabalho temporirio no dstrito de Nongoma, disse-me: “Quando eu penso em todos estes zulus com seu gado,terras ¢ cerveja..”, Ela no pode terminar sua frase (cf. Report ofthe arnegie Co dentro de ambientes socials esp cus e zulus ter lacbes amigaveis, como acontece em missbes, centros detrei namento de p etc, Nesse caso, cordiali ores, conferénci juntas bantu-europeias afetadas pela norma mais ampla de separagio social. Em outras relages sociais - entre administradores governamentais e seus stiditos, empregadores brancos e empregados africanos, cos gor desenvolvem-se de modo a sernamentais ¢ seus assistentes ~, as relagGes pessoais jlitar ou exacerbar as relagoes exemplo do primeiro tipo 40), cito a maneira como entre os dois grupos raciais. Com de relagies (cordialidade e cope! © veterir rio do governo se preocupou em ajudar seu auxiliar africano, pedindo esclarecimentos sobre @ lei zulu referente a0 adultério. O veterinario informou-se sobre 0 assunto com Matolana porque tinha estabelecido, por meu intermédio, re- lagdes mais préximas e mais cordiai om meus amigos zulus 1m outros zulus. AlgunSenipReeadores bianicos trata ados zulus, respeitando-os como seres humans praguejam pancam constantemente (0 que é legalmente permitido pela Lei do Patronato e Servidao). Embora seja ilegal rica do Sul e socialmente desaprovado pelos dois grupos, \cdes pessoais, que dependem em parte de ambiente individluais, constituem as vezes grupos diferentes na estrutura social. Séo, frequentemente, variagdes de normas sociais e tém efeitos importantes sobre essas mesmas normas que, por si sempre afetam essas relacdes.(POS80)ObSerar que cada Bri scolhe prestar atengo exatamente as ages do outro grupo que sao totalmente fora de proprio, por serem as que melhor se ajustam aos seus valores. Por exemplo, os fazendeiros europeus que residem nas proximidades das reservas tém a pregados zulus. Independentemente de essa reputacao ser justifi de citar casos individuais de maus-tratos para reafirmar ac social. Se apenas um dos fazendeiros tratar bem seus empregados , sua atitude no afetaré a imagem que os outros zulus tém bert dele ou a imagem que seus empregados zulus tém di fazendeiros. Mesmo se a maioria dos fazendeiros tratas: seus empregados zulus, os 2ulus nao poderiam general base cm suas proprias experiéncias. E como o bom tratamentoé rapidamente esquecido e a opressao é sempre lembrada, a crenga social permaneceré, mesmo que intimeros fazendeiros tratem bem seus empregados. Similarmente, uma mera Suugest4o de ‘um zulu ter feito investidas sexuais sobre uma garota europela car violenta animosida foi o suficiente para pro je entre muitos brancos em relago aos zulus, na base de que todos os africanos brancas.” Na realidade, du tinham desejos sexuais por mulher rante muitos anos nada parecido havia ocorrido na Zululandia. Passo agora a considerar uma relacao particular entre os zulu 10s europeus, que também constitui uma divisao social de jo grupo africano: a sjentrelpagéosiejeristdos, Durante 0 canto dos hinos, sob a direco do missionario, tal cisdo era mar cante, apesar de os pagios se juntarem aos cristéos e vice-versa. fodos os crist@os usam somente rou ropeias, enqua Joucos pagios o fazem, com excesao das autoridades politicas importantes. Mas os pagios traram seus chapéus durante © hino europeu ¢ os cristéos cantaram 0 ihubo. Ambos comeram € beberam con N do mais, que, enquant inte, Ambos estavam presentes a reuniao de ma, Isso porque a cisio ndo é absoluta. Observei, alén eu criado Richard é cristao, Matolana 6 pagdo; Richard e seus irmaos pagios com quem vive deve tratar Matolana como um pai. Gfist208]e\pagaos|saudaram regente, O regente, cristo, tomou providéncias para que 1 ser acusado de crimen injuria, fol absolvido pela Corte ser dassc em certas situagGes e sob certos critério: pod opondlo-seaogrup Entretanto como um todo, em oposi¢ao a0 grupo europeu como um todc © europeus até que se dispersassem, Somente abandonou sua Filiagao ao grupo branco e juntou-se 20 grupo zulu para organiza: ‘canto dos hinos, cristalizando, dessa forma, a divisao social dos ulus em cristdos e pagdos. Afiliagac lus crist a, uma dentre muitas putras, aceita alguns dogmas e crencas do cristianismo com bas em crengas deb uxaria, porém protesta contrao controle europeu sobre as igrejas zulus e, por isso, ndo esta ligada aos europeus, como as outras igrejas por eles controladas. Qutras relagdes ent ‘ 1 r Jem também ser con cial feito da diferenciacao da riqu ‘amos classificar 0s 2ulu: entre os que trabalham e os que nao trabalham para os europeu: ‘mas, como quase todos os zulus fisicamente capacitados o fazer uma parte dono, tomariam parte, em diferent dos, de grupos diferentes. Entretanto, se ocritério da classificacac estabelecer que devemos sep: 0s zulus que so empregados permanentemente pelo governo (funcionarios burocraticos, té "08 assistentes afticanos, policiais e mesmo hefes do governo, enquanto os dos out entemente nac acio se aplica aos zulus que desejam ender seu gado, que esto ansiosos para melhorar sua agricul: ‘ura ou ir para escolas e hospitais. Pode-se também notar que na-se flagrante nas reuniGes magistratoriais em que os cris i que os cristad io mais dispostos que os pagaos a apoiar 0 magistrado, o que constitui fonte de conflitos entre eles 5 bora afetadas pel 3 ano-bran m tradi ocupagio britanica. O} dividiam-se em tribos que m © politica, ha uma hierarquia definida de do cla real zulu e gente e chefe indw na da nacéo, chefe Mandlakazi, além de outros chefes indy P Du fe ai8) Ainda assim, embora sejam ps nbora sejam par amental, pos com base tra ional, o que atualmente thes confere uma importancia que nae somente administrativa em relacdo aos zulus, s facia E parcialmente por meio de sua organizacac pois as au- toridades politicas 2ulus recebem lealdade de seus siiditos nao somente como burocratas do governo ou por sentimentalismo e conservadorismo, mas também porque parte da tensio politica contra o governo é expressa nessa lealdade (Gluckman, 1940b) ja. Além do mais, as casas dos chefes ¢ indunas séo tanto (Gane. A vist em bos ce ume Tne de issensio dentro do grupo zulu, pos as tribos so hosts entre si Além disso, sentem sua comunidade como uma naglo, tanto em relacio a outras nagSes bantu quanto em relagdo 20s europeus. distrito, um administrador governamental, que ¢ popular, pode chefe zulu ao governo, e, em parte, porque expressa seus fortes See eno sitio de Matolana comportava, nna época, o proprio Matolana, trés esposas, um filho de 21 anos de idade que ficou noivo quando trabalhava em Johannesburgo (depois se casou e passou a morar Id com a esposa eo filho), quatro outros filhos cujas idades variavam entre 10 e 20 ano: dos quais os dois mais jovens sao cristaos, e mais trés filhas. Uma inma classificatéria de Matolana também lé pousava frequente- 24 Andlise de umo siwoc6o social na Zluléndia moderna mente, tendo ali se casado, apesar de sua propria residéncia ser em outro lugar. Um de seus filhos, de 12 anos, arrebanhava 0 gado para 0 marido de uma das outras irmas de Matolana, em um sftio que distava aproximadamente 1,6 km. Perto do sitio de Matolana, localizavam-se os sitios de dois de seus irmaos: um por parte da mae eo outro por parte de um av6 comum. O meio- irmao deste iltimo (por parte de pai) era considerado parte do ‘mesmo umdeni (grupo de parentesco local), embora residisse em territério vizinho pertencente a tribo Amateni. O sitio de Richard ficava préximo ao de Matolana. Richard e sua esposa eram os tinicos cristéos que li Tesidiam, e o lider do sitio era seu irmao mais velho, abaixo do qual estava outro irmao, depois Richard e, entao, 0 mao mais novo. Todos eram filhos da mesma mie, que também morava com eles. Todos os irmaos eram casados, cada um dos dois mais velhos tinha duas mulheres todos tinham filhos. O sitio foi recentemente mudado, e Richard construiu sua moradia um pouco distante das de seus irmaos, porque queria ‘uma cabana mais permanente. Perto desse sitio Ntombela havia quatro outros (Ntombela é o sobrenome de um cla), além do sitio de um homem cuja mae era uma Ntombela. Ela havia se casado longe dali, mas deixou seu marido para morar no distrito de seu pai (Os grupos de sitios agnaticamente relacionados, de muitos clas diferentes, distribuern-se por todo o pais ¢ estio relacionados ‘a grupos similares de seu proprio cla, por meio de lacos agnaticos, ea outros grupos, por meio de lagos de matriménio ¢ afinidade. Mesmo onde nao existem lagos de parentesco entre vizinhos, as relagdes so geralmente baseadas em termos amigaveis de cooperacao. Grande parte da vida de um 2ulu é despendida nesses agrupa- mentos de parentes ¢ vizinhos. Se possivel, um zulu associa-se as mesmas pessoas nas cidades como nas reservas. Os agrupa- mentos de parentes constituem unidades cooperativas parti cularmente fortes, seus membros ajudando-se mutuamente € Aniropologia dos sociedodes confem dependendo uns dos outros. Pi em terras em proximidade umas das outras, arrebanham seu gado conjuntamente, dividem as atividades agricolas, frequentemente trabalham juntos em reas europeias e ajudam-se em conflitos e em outras ativida- des. Estdo sujeitos as suas préprias tens6es, as quais explodem em as € culminam em processos judiciais e acusagdes de bruxaria, resultando, as vezes, na divisao dos sitios e de seus grupos de residéncia. Entretanto, nos grupos em que existem es ligages sentimentais, as tens6es causadas por conilitos de filiagao a outras divisdes no grupo zulu sao parcialm resolvidas. Embora muitos pagaos se oponham e sejam hostis ao cris- tianismo, afirmando que essa religido esté abalando a cultura e a integridade zulu, nao discriminam entre seus parentes cristaos € pagaos. Hé fortes lagos na vida familiar, capazes de superar a clivagem entre cristdos e pagios, entre homens progressistas que adotam costumes europeus e aqueles que nfo os adotam. Entre- tanto, o efeito dos novos costumes esta se fazendo sentir cada vez mais, especialmente nesses grupos, ¢ os lacos de parentesco estao se enfraquecendo. Por isso, quando tratarmos dos proble- ‘mas referentes a mudanga social, veremos que o grupo europeu influencia marcadamente o comportamento desses grupos 2ulus, por meio dos cristaos que moram com seus parentes pagios eos jovens que moram com seus parentes mais velhos. Podem-se, igualmente, delinear divisdes sociais dentro do xgrupo branco ¢ examinar sua relacdo coma principal organizacao emdois grupos raciais. Tal estudo nao faz, a prior, parte doescopo de minha investigacdo, mas esse tipo de informacao é levado em consideracdo desde que seja relevante as relagées zulu-brancas ou estrutura interna do grupo zulu. J4 me referi as relagdes entre funcionarios do governo, missionérios, comerciantes, empregadores, técnicos especializados, de um lado, e zulus, de outro. Aqui, quero indicar alguns problemas que surgem quan do consideramos as relagdes entre esses europeus. Uma anilise .es e motivos que influenciam em diferente: dos valores, interes veriodos os europeus como individuos mostraria que, de acordo -xatamente comoos zulus, coma situacéo, poderiam fazer parte, de agrupamentos diferentes na estrutura social da Zululandia \Vimos que o missiondrio até se uniu temporariamente ao grupo zulu, abandonando o grupo branco. O encontro harmonioso na inaugura¢ao da ponte é uma caracteristica das relacdes entre ritério das reservas. Entretanto, isso nao zulus e brancos no t ccorrera facilmente nas fazendias europeias ou nas cidades, onde 60s conflitos entre os grupos so maiores. Enfatizei que os funelormarios governamentais fazem um esforco deliberado para satisfazer 05 zulus e devo salientar que juncionérios isso também é mais comum nas reservas. Embora sejam obrigados a implementar as decis6es do governo branco, muitos se tornam pessoalmente ligados ao povo zulu durante a rotina da administragao. Como prezam seu trabalho, desejam que seus distritos progridam e estado interessados no bem-estar dos habitantes, tomam ocasionalmente 0 partido dos zulus contra © grupo branco, cuja dominacdo representam, Controlam, em nome do governo, as relacées dos comerciantes, recrutadores ¢ empregadores com os zulus, frequentemente a favor dos interesses destes. Assim, as vezes, quando afetados em seus interesses, outros grupos de europeus se opGem ao trabalho da administracao. Mais frequentemente, seus interesses vis-i-vis entram em conflito, tanto quanto entre os grupos constituidos de acordo com cada tipo de empreendimento europeu. Contudo, uunem-se contra o grupo africano quando agem como membros {grupo branco em oposigdo ao afticano. Com frequéncia, alguns missionérios tomam o partido dos zulus contra a exploracao dos brancos, mas deve-se acrescentar que esto, ao mesmo tempo, exercendo sua influéncia para que os zulus se tornem mais dispostos a aceitar os valores europeus e, consequentemente, sua dominagao, muito embora a barreira racial possa provocar a hostilidade de muitos, ‘Antropologio dos sociedades contemporénee ‘Tentei delinear o funcionamento da estrutura social da Zu: lulandia, em termos das relagdes entre grupos, tendo indicado algumas das complexidades que permeiam essas relag6es, jé que "uma pessoa poe pertencer a intimeros grupos que estio as vezes ‘em oposigao entre si ou unidos contra outro grupo. Como muitas relagdes e interesses podem interseccionar-se em uma pessoa, exemplificarei brevemente 0 que ocorre no comportamento dos individuos. Jé fiz algumas sugestdes a respeito, ao analisar © grupo cristéo: vimos que 0 missionério branco juntou-se por algum tempo aos zulus apés 0s outros brancos terem se disper- sado.e que Richard era influenciado por seus lagos de parentesco ‘com pagaos e por modos de comportamento comuns a cristios € pagios. Ha outros exemplos. Matolana saudou um policial do Boverno como um principe zulu e, logo apés, passou a fazer re- clamagées sobre o mau tratamento que o governo Ihe dispensava, ‘muito embora ele proprio fosse um representante governamen- tal. Matolana ajudou a prender um ladréo para o governo; em rol de seu povo, protestou ao veterindrio do governo sobre 0 banho parasiticida; ficou exultado com a possibilidade de ajudar € trabalhar para 0 regente; ponderou que seria mais lucrativo abandonar sua posigao politica junto ao governo e ao regente Para trabalhar para si préprio. Na reuniao de Nongoma, um po- licial do governo, que também é principe Mandlakazi, reclamou contra a ajuda dos Usuthu do distrito de Matolana & faccdo em conflito com sua acco tribal, embora ele préprio tenha agido como policial do governo em uma briga entre essas faccoes. Na inauguracdo da ponte, funcionérios auxiliares e policiais zulus do governo uniram-se ao grupo dos zulus, permanecendo isolados dos brancos, a quem tém o dever de ajudar a governar o pais. Os grupos principais de brancos e zulus esto divididos em sTupos subsididrios, formalizados e nao formalizados, ¢, de acordo com os interesses, valores e motivos que determinam seu comportamento em situagées diferentes, 0 individuo modifica sua participacdo nesses grupos. Apesar de eu ter realizado a Anilce de uma sitvagdo social ne Zululéndie moderna minha anélise em termos de agrupamentos, outra anilise, sobre como valores e crengas determinam o comportamento dos indi viduos, chegaria a conclusdes similares. Como socidlogo, estou interessado em estudar as relagdes dos grupos formados por esses interesses e valores, bem como os conflitos causados pela participacéo de um individuo em diferentes grupos. Para resumir a situa¢ao na inauguracéo da ponte, pode-se di zer que o comportamento dos grupos e dos individuos presentes expressava o fato de a ponte, que era o centro de seus interesses, “omo resultado de seu interesse comum, -sar de os grupos raciais estarem divididos Seaman acordo com o padrao da estrutura social. Igualmente, a cele- bragdo uniu os participantes de cada grupo racial, apesar de eles terem se separado de acordo com as relagdes sociais existentes no interior do grupo. uipos menores separam-se com base em interesses comuns e, se isso for apenas por causa da localizacio espacial (por exemplo, cristéos e pagios), nao entram em conflto um com outro.” Nessa situagao, todas as reunibes grupais sao har- ‘moniosas, incluindo a concentragao geral na ponte, por esta ser © fator central, constituindo uma fonte de satisfagao para todas as pessoas presentes, Por meio da comparagao dessa situa¢ocom iniimeras outras, seremos capazes de delinear o equilibrio da estrutura social da Zululndia em certo periodo Rox euilibioy ented as FelaGeS) 39 Devo, porém, notar aqui que, durante a entoagdo do hino, 0 missionério reclamou do barulho vindo dos homens que cortavamas reses eda conversa tum tanto quanto alta entre ovetrinitio representando o governo, Lentzner, 0 fancionério agricola e ew 219 ‘Aniropologio dos sociedades contemporéneo evo acrescentar, como de fundamental importancia para a andlise, que a hege- monia do grupo branco (que ndo apareceu na minha andlise) é © fator social principal na manutengao do equilibro. Tentei mostrar que, no periodo atual, a estrutura social da Zululandia pode ser analisada como unidad. equilibrio temporirio. ferenciados por grande niimero de caracteristicas, o que provoca 2 oposicio e a hostilidades entre eles. O grupo branco dominao ‘grupo zulu em todas as atividades nas quais cooperam, e, embora essa dominasdo afete todas as instituicdes sociais, somente se expressa em algumas delas. #4 uma concordancia entre alguns desses grupos que trans- passa.as fronteiras de cor, interligando os grupos raciais por meio da associacao de ‘alguns de seus membros er articipagao nos grupos ‘em situacSes diferentes revelam o funcionamento da estrutura, pois « particlpacdo de um individuo em um grupo particular em uma situacao especifica é determinada pelos motivos e valores ue o influenciam nessa situa¢io. Os individuos podem, assim, assumir vidas coerentes por meio da selecao situacional de uma miscelinea de valores contraditérios, crengas desencontradas, interesses e técnicas variadas (Evans-Pritchard, 1937). As contradigSes transformam-se em conflitos medida que a frequéncia e importincia relativas das diferentes situagSes au- mentam no funcionamento das organizacées. As situacées que 280 ‘Anélse de uma sivagdo social na Zululéndia moderna envolvem relacdes entre afticanos e brancos estdo rapidamente se tornando as dominantes, jé que um ntimero cada vez menor de zulus esté se comportando como membro do grupo africano em oposi¢ao a0 grupo branco. Tais situagbes, por sua vez, afetam as relagées entre 0s afticanos. Assim, as influéncias de valores e grupos diferentes produ- zem fortes conflitos na personalidade do individuo zulu e na estructura social da Zululandia. Esses conflitos fazem parte da estrutura social, cujo equilfbrio atual esta marcado por aquilo que costumamos normalmente chamar de desajustamentos: Os proprios conflitos, as contradig6es e as diferencas entre e dentre grupos zulus e brancos, além dos fatores que ultrapassam tais diferencas, constituem a estrutura da comunidade zulu-branca da Zululandia.®” Sao exatamente os conflitos imanentes no interior da estru- tura da Zululandia que desencadeardo seu futuro desenvolvi- ‘mento. Por meio da definicao precisa desses conflitos em minha anilise do equilibrio temporério, espero poder relacionar meu estudo seccional comparativo ao meu estudo de mudanca social Portanto, sugiro que, para estudar a mudanca social na Africa do Sul, 0 sociélogo deve analisar 0 equilfbrio da comunidade branco-africana em diferentes periodos de tempo e mostrar como sucessivos equilibrios estdo relacionados entre si. Na segunda parte do ensaio, espero examinar mais profundamente esse processo de desenvolvimento na Zululéndia. Analisarei a alteraco e 0 ajustamento da estabilidade dos grupos (a mudan- 40. Acredito que “conflito” e “superacio do confit” (ssioefusio) devam ser ois aspectos do mesmo processo socal e que estejam presentes em todas as relagSes sociis. Conferir as teorias do materialismo historico ea teoria de Freud sobre a ambivaléncia nas elagdes estudadas pel Psicologia, Que eu sab, Evans-Pritchard (1940) fo o primeiro antropélogo a desenvolver ‘esse tema, Ver também Evans-Pritchad e Fortes (1940). Sobre abordagem ‘40 mal-ajustamento em uma comunidade aticana moderna, ver Malinowski (1938, p3-5) 281 ‘Antropologie das sociedades confer ¢a no equilibrio) envolvidos, durante os iltimos 120 anos, na constituigao da comunidade da Zululandia em grupos raciais de culturas relativamente diferentes. Il Mudanga social na Zululéndia O desenvolvimento da nagdo zulu Na primeira parte deste ensaio, analisei o equilibrio (ou seja, as relagGes interdependentes entre as partes) da estrutura social da Zululndia no momento atual. Pretendo agora examinar alguns dos processos histéricos que produziram esse equilibrio. Infelizmente, pela impossibilidade de se obterem alguns dados hist6ricos necessérios, me passado nio pde ser to completo quanto 0 apresentado para a anilise do equilibrio atual. No entanto, os documentos existentes sobre a Zululandia sao suficientes para indicar certos aspectos importantes. Na Zululandia, relativa estabilidade foram gradualmente substicuidos por periodos de ripida mudanga. Os primeiros foram marcados por certos conflitos flagrantes que, no decorrer dos anos, s¢ tornaram parte de certo equilibrio, nao mudando seu padrao (Fortes; Evans: Pritchard, 1940, p.11). Entretanto, em altima andlise, foram esses conflitos que determinaram as direcdes por meio das quais as mudangas se operaram. Por isso, analisarei o equilfbrio na Zululandia em cada um desses periodos de estabilidade relativa, indicando como os conffitos que alteraram o padrao de equilibrio material sobre a mudanga social no Jomo em qualquer outro lugar, os periodos de ocasionaram certos desenvolvimentos necessarios." 11 0 primeiro periodo de estbilidade acabou pouco antes da chegada dos brancos& Zululandia, Sua documentagioe alguns registros feitos por ma > o precederam sio suficientemente fis is tradigbes nativas para ‘Andlse de ume stwosée social ne Zululdndic moderna Os povos de lingua bantu, que tm uma cultura comum (conhecidos como Nguni) e que mais tarde formaram a nacio zulu, sairam do norte e do oeste, antes do século XV, em varias migrag6es, instalando-se nas provincias de Natal, Zululandia e Transvaal Sudeste. Perambularam pelos séculos seguintes em migrages maiores e menores até se fixarem esparsamente por toda. regido fértil (Os Nguni viviar em pequenas propriedades rurais delim tadas por um circulo de cabanas em volta de um cercado para o gado, Cada propriedade rural era habitada por um grupo de homens relacionados agnaticamente, juntamente com esposas; filhos e outros dependentes. Todos os moradores de uma pro- priedade rural estavam sob a autoridade do seu chefe, que era ge- nealogicamente o homem mais velho. A propriedade rural era ‘uma unidade econémica, onde seus membros trabalhavam em conjunto na criagao de gado e nas hortas. Cada esposa tinha sua prépria horta e poderia ser responsdvel por uma parte do gado, ‘em adigio ao rebanho principal que era mantido pelo patriarca ‘Os homens arrebanhavam o gado, cagavam e faziam algum tra- balho relativo a construcéo das cabanas, e as mulheres colhiam cana, milho e tubérculos. ‘As propriedades rurais vizinhas estavam relacionadas umasas coutras agnaticamente, embora pudessem também ser encontrados parentes matrilineares ou por afinidade, ou mesmo algum estranho. ‘Um chefe de linhagem estava na lideranca de cada grupo de proprie- dadesruraise, juntamente com outros chefes de linhagem similares, subordinava-se ao chefe da tribo, oherdeiro em linha direta docla patrilinear eponimico, que era o centro do grupo tribal Toaferralguma validade’ minha reconstrucio, que consisteprincipalmente na interpretacao da obra brilhante de Bryant (1929). Ha uma quantidade de documentagio ede tradgbes nativas que remonta ao desenvolvimento ninha andlise do primeizoe do segundo perfodos. O tempo abrangido p smentagso disponive foi determinado pela dc

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