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LEITURA E EscRITA DE TextTos ARGUMENTATIVOS Marcus Sacrini Copyright © 2019 by Marcus Sarin Apoio da Préetoria de Graduagio da Universidade de Sio Paulo Secrini, Marcus Leturae Eset de Tex 1. edy 1. reimpr, ~ Sio Pal ISBN 9788591417975 Edusp-~Ealtora da Universidade de So Paul Run da Praca do Relio, 100-4, Cidade Universi ral: tl (11) S001-4008/ 3001-4150 vemcedusp.comn.br = email: edusp@usp.br ESTRATEGIAS PARA A ESCRITA ARGUM 8.1 APRESENTACAO. No capitulo anterior, apresentamos sugestoes para as etapas prévias & escrita de um texto argumentative em sua versio final. Destacamos aspectos ligados 3 contextualizacdo, dos quais devem decorrer decisdes inescapaveis para o autor aprendiz, acerca do género textual, do piiblico-alvo etc. Além disso, sugerimos um modelo de dissertacao titil para fixar ¢ desenvolver os posicionamentos teéricos. ‘A ideia central € que o autor deve acostumarse a fazer da escrita modo a enriquecer as habili- | como notado, muitas dissertacdes umentativa fi um exer (dades reflexivas de andlise de um tema) nao passam de resu valendo muito mais como treino de memoria acerca do que foi estudado, Con- cio consciente de tomada de posicio, 's Tepetitivos, que pouco amadurecem o pensar critico, quanto nao sejam em vio, esses exercicios exigem muito pouco de habilidades expressivas centrais em um processo formative, como a tomada de posigio, 0 ofergcimento de justficativas, a ordenacio do moyimento expositivo ete delo proposto permite exercitar essas habilidades, ja que Familiariza os autores ‘mo- com as principais etapas de uma pesquisa teérica, em sentido amplo. Em um curso universitario, é sem diivida importante resumir os contetidos das aulas, de forma a registrar acuradamente um material disponivel para consultas futuras. Porém, isso nao deve eximir os estudantes de tomarem posicio critica acerca de problemas especificos da rea de estudo, O treing de formular problemas espe- os a eles responder argumentadamehite € central para incorporar algumas 282 © Leitura e Eserita de Textos Argumentativas das principais dindmicas da construcao do conhecimento nas areas disciplinares. Saber resumir Contetidos nao € suficiente para tomar parte de modo relevanie nas discussdes da area; € preciso reconhecer problemas ¢ formular respostas conforme os parimetros de inteligibilidade af em vigor! Por mais proveitoso que seja ordenar o pensar por meio de modelos de exposicdo argumentativa, isso corresponde somente a etapa preparatoria da escrita, Resta passar da esquematizacio das ideias conforme o modelo para a escrita efet 50 Pars EEL admitir certa circularidade entre esquema ¢ exposicio. [Para escr Se esquemas dos passos expositivos conforme certo | not6rio que, tal como acentuado no capitulo anterior, devese uum texto } [ argumentative, montan | modelo de dissertacao; contudo, durante a escrita, dificuldades ou complexi- | linhas levam, frequentemente, a uma / jimo nao deve ser adotado de maneira dades conceituais surgidas no tracar di Leeconstrueao do proprio esquema Ewe ultrarrigida, mas como um guia maledvel para a construgdo do texto em sua versio final, guia que muitas vezes serd afetado pelo rumo entrevisto no préprio processo da escrita. Assim, quanto quer dida, muito da versao final s6 que se tenha esquematizado a argumen- 6 ganha forma quando da escrita da ie passar a etapa de realizacdo da dissertacdo, na alm qual 0 exercicio de producto. das sucessivas verses do texto se torna erucial x Neste ponto, devese considerar aspectos imprevisiveis, O fuxo das ideias, : (9'" [a qualidade das conexdes conceituais nao ¢ completamente antecipavel de fo RT oil eu6dica] Hi tragos da excrita que remetem a particularidades pessoais do ‘autor, a suas preferéncias na aplicacao de regras € aos modos de sedimentar os y resultados; ¢ ha também o que remete as circunsténcias concretas da escrita, as : situacdes psicossomaticas, a pressbes avaliativas etc. ~ nao cabe tratar de todos esses aspectos em um livro como este. Entretanto, a0 menos em parte a escrita argumentativa é aprimoravel pelo estudo sistematico de re [de qual o assunto tratado e Upressiva significa dispor de estratégias que direcionam 0 proceso concre m_no cumprimento da disserta¢io argumentativ de maneira que 0s padrdes normalmente empregados na avaliacio dos géneros argumentativos nao sejam meros marcos externos aos textos, mas operem como instrumentos de sua construcio. 1. Remetemos os interestados obra de Mario A. G. Porta, A Filaoia a partir de Sous Poemas, 2002, que sintematira um método de extudosfilosificos centrado na formulagio de problemas conceituais Estratigias para a Escrita Argumentativa © 8.2 UMA DEFESA DA CLAREZA EXPRE VA Antes de apresentar os recursos textuais marcantes da exposi¢ao argumen- lurecimento do estilo estoal de esczija. Vimos que os textos para circulacao publica se distinguem pot de comunicabilidade bem mais detalhadas que aquelas dos textos de registro de estudos. Direcionado para outros leitores, o texto deve, por exemplo, explicitar ado € a resposta almejada, Gostari- nicabilidade como um comprox Haveria, sem ial acerca de um tativa, sugerimos uma reflexdo sobre 0 am cuidadosamente 0 problema especifico t amos de reforcar essa exigéncia de com isso a ser assumido pelo autor € que se expr divida, muitas maneiras de circunscrever um problema conce todas centradas nesse compromisso res. Certos autores preferem dar des- ne na(larea expos ma e esbocar um posicionamento, né primeiro de fazerse entender pelos lei taque a outros aspectos da expressividade, como exibir erudicao sobre o t6pico em vista, recheando 0 texto de referéncias que mais borram a concatenacao na von- argumentativa que a fortalecem. Em termos gerais, notase, por vezes, v tade de desenvolver um estilo “dificil”, repleto de torgées linguisticas, remissoes veladas a outras obras, saltos expositivos, como se iss pendor a obscuridade nao necesariamente veicula ideias complexas; € possivel que apenas veicule ideias simples de uma forma confusa, que da entio uma aparéncia enganosa de profundidade a exposicio.¢ E dado para nao cultuar ingenuamente os estilos dificeis, 0 essivo, como se isso por si s6 implicasse riqueza de ideias. Esse isco parece ser maior para estudantes de humanidades que de outras areas. Nesse amplo campo disciplinar, muitas vezes os estudantes enfrentam textos que nao sio imediatamente comunicativos de estilo € que 86 se tornam acessiveis apés uma custosa iniciacéo D técnico € as particularidades expressivas ali empregadas. O estudo sto €, que envolvem dificuldades notave' a0 jal de textos assi por imitacio, padres de escrita que n compostos pode sugeris nio se pautam pela clareza ¢ nao assum a exigéncia de comunicabilidade como um preceito-guia. Todavia, adotar esses padrdes altamente complexos, com grande risco de obscuridade, nos anos iniciais de formacio parece: jos um, a i880, concedamos, de ado com simplicidade, Admitamos que certos temas (clo, que ni esmo evidente que } \ Fequeiram rec que justificaria a dificuldade inerente a obras importantes das humanidades. Sos expressivos muito sofisticados para serem descnvolvidos, o| Entretanto, mesmo admitindo esse ponto, tratase de algo referente a descoberta Loud formulaao original do tema pelo autor estudado, i possivel entéo que a dificuldade do estilo seja um Componente importante para tomnar determinado tema disponivel as discusses da area em questio. Isso nado quer dizer que ao 283 284 © Leitura e Esra de Textos Argumentativos estudar 0 assunto, inicialmente desvelado conforme certa expressividade her mética, estilo original em que esse desve rento ocorreu deva ser imitado. Se esse fosse 0 caso, entio a propria tarefa interpretativa, central para a formacio, perderia seu papel. Vimos que 0 nivel fundamental da formacao argumentativa, se exerce em andlises que buscam clarificar obras nao imediatamente 6bvia prenhes dos mais diversos obstaculos de compreensio. © que se expe al (nos no aprendizado desse tipo de andlise, no € repetir as dificuldades do estilo \ i, 58 Lestudado, mas tomar compreensives as teses defendidas pelo autor] Mesmo se yor a obra estudada nao tenha primado pela clareza comunicativa (quaisquer que sejam as razdes teéricas para tanto), © comentario interpretativo o deve fazer Isso exige nao reproduzir aqueles aspectos expressivos que justamente limitam 0 entendimento, mas buscar uma linguagem que o favore¢a. Nio se esta supondo que existe uma linguagem neutra, naturalmente de ficil compreensio, a qual duzidas todas as dificuldades de estilo encontradas nas grandes nos apenas que para bem execu ilise interpretativa cabe } -ar os posicionamentos estudados sem re- rar meios expressivos de cl Goins | Petr os falores que normalmente dificultam sua compreensio. Mesmo que nio got". | exista uma linguagem isenta de dificuldades estilisticas, a analise interpre deve tornar comunicavel aquilo que nao é imediatamente acessivel no estilo da ) po 0, \ obra comdadah Devers; Misa Foreman, agate rec textuais que auxiliam coe” “a tarefa de preencher as expectatvas gerais de comunicabilidade. Saber recons © Pe ttuir as teses de uma obra altamente comp! 1 um estilo imediatamente & impenetrével) conforme esses recursos hao € distorcer tal obra, e sim discutir por {os t6picos ali contides em um nivel de inteligibilidade acessivel mesmo eal o32 _ [Ieitores nao iniciados no jargio técnico empregado {Nao é preciso, logo, imitar €* go? 0 estilo “dfici™ de um autor estudado para entendéo. Na verdade, ao menos por" 9s em um nivel inicial de estudo, sugerese o contrério: buscar clarificar as teses oom formuladas em tal estilo conforme parametros muito gerais de clareza e conca- tenacio légica. Que 0 tépico estudado tenha sido originariamente formulado em umes ilo expositivo hermético nao significa que nao possa ser reposto em uma linguagem guiada por parametros de clareza comunicativa. Repetimos: 0 que se espera da formagao basica em certa area de estudos nao é a habilidade de mimetizar estilos que mal se compreendem, mas reconstruir a problematica estudada em um nivel que mesmo um nao especialista possa entend@la. Nossa sugestio para a pratica da escrita argumentativa € nao se deixar fascinar com estilos expositivos dificcis; ao contrario, cabe elucidar os tépicos estudados sem pressu ‘or uma espécie de “iniciacao” sectarista a alguns modos supostamente especiais de expressio. Se hd tpicos que em si mesmos exigem uma expressividade hermética, € algo que nao nos cabe decidit. Importa so- mente enfatizar que os estudantes, principalmente nos anos iniciais de sua for macio, se s dio mais seguros e disporao de recursos empregaveis de forma ep * 06 jauldade de woo | pe Estratégias para a Escrita Argumentativa * met6dica ao priorizarem parametros expressivos centrados na cxigéncia de clareza comunicativa, 8.3 RECURSOS EXPRESSIVOS PARA A ESCRITA ARGUMENTATIVA Temos insistido em que estudantes e autodidatas se comprometa ver compreensivelmente e, assim, tornem a comunicabilidade 0 preceito medular da escrita argumentativa. Mencionamos antes pardmetros de inteligibilidade que nao pressupdem uma especializacio altamente técnica e sob os quais t6picos expostos originalmente em estilos herméticos se fariam entender amplamente. Cumpre esclarecer de que pardmetros se trata. De nada adia niio se € claro acerca do que isso significa na pratica conc ta exigir clareza se ta da escrita. Vamos, entio, expor ao menos alguns(@ecursds expressvd)centras na produgi de textos somprometidos com a comunicabilidade. E38és recursos valem como estratégias de organizacao da escrita, no sentido em que demarcam, de modo bem con- recursos favorece, dessa maneira, a realizacio da escrita conforme alguns dos Em grande medida, esses recursos expressivos auxiliam na producdo fanigapoada pardgralo €um conjuno de seutengs oxdenadas, «toda di. rever bem textos argumentativos parece estar ligada a proficiéncia ssa or modos de r unir as frases que facilitam enorme! as ideias e permitem avancar com seguranga no cumprimento mos dis- paulatino dos objetivos da dissertacio. Os recursos expressivos que cutir facilitardo a escrita de pardgrafos densos ¢ bem articulados entre si, Esses recursos sio os seguintes: * A construcio do pardgrafo em torno de uma sentencat6pico € de uma ideia-controle } Coesio € egeréncia como critérios para a ordenagio interna dos pars grafos. c | * Marcadores metadiscursivos. © O emprego de citagdes e parifrases. Como insinuado ha pouco, esses recursos esto longe de esgotar as com- plexidades ine es A escrita argumentativa. Contudo, o treino e o progressive dominio desses aspectos textuais permitem talhar do interior 0 ato da escrita, para que se realize guiado por parametros que priorizam a clareza comunicativa. As indicagdes que aqui sero dadas nao pretendem originalidade, mas principal- mente sistematizam de um modo especifico sugestdes para a escrita argumentativa \ \ 286 © Leiturae Esrita de Texts Argumentativos veiculadas hé décadas por diferentes estudiosos do assunto. Muito mais do qu inventar procedimentos mirabolantes, nossa preocupacdo € tornar operaciona- lizaveis recursos expressivos reconhecidos amplamente como estruturantes do discurso argumentativo que visa & comunicacio clara 8.3.1 Sentenca-tépico e ldeia-controle Dissemos que a unidade basica de construcio dos movimentos expositivos nos textos argumentativos é o pardgrafo. Isso quer dizer que as principais dec soes acerca das etapas da exposicao (a correta divisio das tarefas para a defesa do posicionamento em pauta) ndo se resolve no nivel das sentencas isoladas, € sim no nivel das sentengas ordenadas em um conjunto, no(paragral@p\E a reu- [igo das Sentencas, sob certos critérios, em blocos expositivos que vai cumprindo | progressivamente as tarefas dissertativas (exposicdo do problema, resolucao por tapas das dificuldades encontradas etc.). Na verdade, € com base no pardgrafo, | em sua unidade global, que as sentencas sio desensolvidas em textos argumen- } Ltativos complexos, ¢ nao 0 contrariofIsso quer dizer que nao se constroem bons pardgrafos partindo de frases isoladas para serem depois reunidas. Assim como para formular frases significativas nao se parte de quaisquer palavras, mas essas \ 2, Sao articuladas a luz de uma unidade de sentido mais ampla, analogamente, a Jo22" | construcio de pardgrafos eficazes ordena as sentengas em torno de um sentido Wy? | global que nia exté contido em nenhuma delas isoladamente. Para escrever bem NBA | textos argumentativos, cabe eno um juste de foo: Elie exe nie ye 5 So to €, 0 parigrafo, E certo que os parigrafos sio reunides de sentencas (assim e ase ‘como essas sao reunides de palavras), mas o sentido global sulado: reduz a mera somatoria de frases quaisquer; isfuena wuidade significativa super | para que o autor passe a ordenar as ideas em pardgrafoscomplexos, oro muitas sentencas devem ser reunidas. \ 7 f Como esses recursos auxiliam na construcao de paragrafos? Sugere-se que __7 _ cada paragrafo tenha seu sentido global unificador, ao menos em linhas gerais, oe exprimido explicitamente em uma sentenga especifica, denominada }?, <2 1 (6pico) Nela, o assunto ou tema do pardgrafo é del catpico a Gircunscreve, por assim dizer, o escopo do pardgrafol € nio o faz vagamente, e sim por meio de certa abordagem precisa, explicitada pela ideiscontmdyinerente a sentenca-tépico. Teme, desse modo, um excelente guia nko 6 para organizar © paragrafo, como também para projetar sua extensio: 0 pardgrafo deve ser Estratégias para a Kscrita Argumentativa © 287 mais ou menos longo na medida do esclarecimento do t6pico anunciado em sua sentenca principal j ‘Vejamos alguns exemplos de pardgrafos ordenados em torno de sentencas- +6pico: + “Estudos 1¢m mostrado uma significativa consisténcia na relacio entre problemas de satide mental e exposicio a fatores estressores no trabalho. e incluindo Por exemplo, Stansfeld ¢ Candy realizaram uma metandli cerca de 7; mil funciondrios de diversas ocupacées de virios paises eu- Topeus e no Canada. Os dados expressaram que a tensio no trabalho, 0 desequilibrio esforco-recompensa, a baixa capacidade de decisio, o baixo apoio social, as altas demandas psicol6gicas, bem como a inseguranga no emprego, foram preditivos de doenca mental ao longo de um perfodo. Ja no que diz respeito aos diagndsticos psiquidtricos especificos, varios estudos longitudinais tem demonstrado uma associacao significativa entre exposicio ao estresse no trabalho ¢ depressio, pi ncipalmente.”? + “importante, com efeito, compenetrarmo-nos desde o inicio desta verda- de: a antropologia nao se distingue das outras ciéncias humanas e sociais or um objeto de estudos que Ihe seria préprio. A histéria quis que ela co- ‘mecasse por se interessar pelas sociedades ditas ‘selvagens’ ou ‘primitivas’, € teremos mais adiante que pesquisar as razdes disto. Mas este interesse €, de modo crescente, partilhado por outras disciplinas, notadamente a demografia, a psicologia social, a ciéncia politica e 0 direito. Por outro ' lado, assiste-e a este curioso fendmeno de que a antropologia se desen- i volve 20 mesmo tempo em que estas sociedades tendem a desaparecer, ou pelo menos a perder seus caracteres distintivos. Isto significa, pois, q antropologia nao é absolutamente solidéria com os machados de pedra, © totemismo e a poligat Ela o demonstrou bem, alias, no curso destes Uiltimos anos, que viram antropélogos se voltar para o estudo das socieda- des ditas ‘civilizadas’. © que é entio a antropologia? Limitemo-nos, por enquanto, a dizer que ela procede de uma certa concepcio do mundo ou de uma maneira original de colocar os problemas, uma ¢ outra descober- tas por ocasido do estudo de fendmenos sociais nao necessariamente ma simples (como se esté muitas vezes inclinado a acreditar) do que aqueles de que é palco a sociedade do observador, mas que~em raziio das grandes diferencas que oferecem com relacao a estes tiltimos - tornam manifestas certas propriedades gerais da vida social, que a antropologia toma por objeto.” 2D. L Romero eal, “Transtornos Mentais Comuns em Ed 8. C.LéviSirauss, ‘Lugar da Antropologia nas Ciencias Soci [1958), pp. 386987 Ipp. 385-424) dores Social, 2016, . 325 [pp. $2220] roblemas Colocados por Se Ensino”, 1975 288 © LeituraeBerita de Telos Argumentatoos *°O que mais chama a atengao quando tentamos visualizar 0 passado da mulher trabalhadora nao € o discurso de vitimizacio, tio enfitico € Fecorrente na imprensa operaria ~ que procurava, em geral, ‘formar’ © trabalhador, conscientizando-o e chamando-o para a luta revolucio- ndria, O que salta aos olhos ¢ a associacio ficquente entre a mulher no trabalho ¢ a questio da moralidade social. No discurso de diversos setores sociais, destacase a ameaca a honra feminina representada pelo mundo do trabalho. Nas dentincias dos operarios militantes, dos médi- cos higienistas, dos juristas, dos jornalistas, das feministas, a fabrica é€ descrita como ‘antro de perdicdo’, ‘bordel’ ou ‘lupanar’, enquanto a ia figura totalmente passiva e indefesa. Essa Visio esta associada, direta ou indiretamente, a vontade de direcionar a mulher a esfera da vida privada. O jornal operario A Razdo, em 29 de julho de 1919, por exemplo repetia argumentos tipicos do discurso médico: ‘o papel de uma mie nao consiste em abandonar seus filhos pois tal abandono origina muitas trabalhadora é vista como u em casa e ir para a fibrica trabalha vezes consequéncias lamentaveis, quando melhor seria que somente 0 homem procurasse produzir de forma a prover as necessidades do lar'."* AK Como se vé, a sentenca-tépico deli rafo) tor- nando explicito certo aspecto do tema a ser tatado, De mancisa mais dia, a sentencat6pico ¢ formulada como js nicial do pargrafa assim cons- pentenup tinien € fa MOA: ial do pardgrat Enecessirio. Nem mesmo € necessario que haja somente uma sentencapico, Porquanto a delimitacdo tematica que unifica o paragrafo pode ser exposta em mais de uma sentenca. A medida que se domina a captura do sentido global do pardgrafo em uma formulacdo explicita, é sem duivida possivel servirse de recursos estilisticos mais sofisticados. Em todo caso, escrever os pargrafos nao riamente, mas centrados em wm sentido unificador explicito, facilita enor memente o entendimento da progressio expositiva. Se levarmos em conta 0 a seco introdutoria se deixa modelo de dissertacao fornecido no capitulo facilmente construir em torno de sentencas-t6pico. A explicitagao de cada tarefa introdutéria (contextualizar, problematizar, expor a posicio ¢ 0 caminho para defendéla) sugere jd sentencast6pico ea correspondente divisio dos pardgrafos, conforme visto nos trés exemplos citados (quadros 7.1, 7.2 € 7.3). Por sua vez, na parte intermediéria da dissertacdo, nao hé um modelo fixo a ser seguido, € cabe avancar na resolugio da problematica conforme o planejamento exposto na introducio, O emprego de sentencas-t6pico em cada pardgrafo ampara 4. M, Rago, Trabalho Feminino e Sexualidade”, 2012 (1996), p. 585 [pp. 578-605] Estratégias para a Escrita Argumentation * 289 significativamente a organizagio do movimento expositivo. Em cada parigrafo, | Cb» _asrespectivas sentencast6pico anu pequeno passo no estabelecimento | da posi¢ao, progressivamente montada. Dessa forma, seria possivel, idealmente, compreender todos os passos expositivos do desenvolvimento da dissertacao ao retomar as sentencas-6pico de cada parigrafo, as quais entao se encadeiam sem cortes ou saltos bruscos, pois avangam no cumprimento paulatino dos objetivos anunciades na introducao. Para que as sentencas-tépico exercam satisf as de forma Gece Pata noc de Gdiacon abordar 0 tema emrvsta, Tratase, ao redigira sentenca-topico, com clareza qual o aspecto a ser explorado nos limites daquele pardgrafo. Para tanto, deve-se evitar expresses excessivamente vagas, conforme indicado nos iamente sua funcio, cabe to €, 0 modo especi exemplos a seguir Quadro 8.1 Exemplo 1 Bxeny Andlise Esse movimento argumentativo é muito inns. Formulagio vaga, que nio circunscreve uma sate abordagem tematica precisa Esse movimento argumentative meonstri tris Delimita detalhadamente a abordagem temitica: esperase que os tés problemas problemas ligados ao conceit x ’ ie sejam discutidos logo a seguir Quadro 8.2 Exemplo 2 Exomplo Anatise Vamos desenvotoer esse ponto aqui Ideiacontrole excessivamente vaga. anos aguanalier prinsramente a remiss 14 note pecan empregedas pel entor cineisaaebiad ues Os exemplos dos quadros 8.1 ¢ 8.2 contrastam formulacdes @gad)e rec) S43 da abordagem tematica a ser desenvolvida por um parigrafo. Em seu papel ar uma tarefa analitica a ser cumprida ordenador, a ideia-controle deve delim pelo restante do pardgrafo, e nao simplesmente veicular propostas genéricas. Além disso, ideias-controle minuciosas preparam transigées bem articuladas entre os parigrafos. No quadro 8.2, a sentenga-t6pico anuncia algo a ser trata- rigrafo construido em torno do “primeiramente”. Isso sugere um proximo pi do que viria “em segundo lugar’, ¢ assim por diante. Destarte, a delineacio de pico esboca certa sequéncia de pardgrafos tarefas complexas em sentencas- necessérios para cumpri-las. 90 © Leitura e Escrita de Textas Argumentativos 83.1.1 TRANSIGAO ENTRE PARAGRAFOS o bem construida, os parfigrafos se sucedem em un pomliioe eae continuidade visivel, sem cortes bruscos, sem a inclusio inesperada de temas nao { predelineados. Em grande m esse encadeamento deriva do bom uso de/ entencas-t6pico| Conforme ja mencionamos, algumas sentencast6pico prede- to complexa que mais de um parigrafo é terminam uma abordagem temati exigido para realizéla; isso suger esquema a seguir tora visivel esse ponto por sis6, certa transicao entre paragrafos. Quadro 83 An ise da transicio entre pardgrafos § 1 O emprego do conceito x na obra Y nao se esgota em uma anilise simples, Cabe explo- rar este tema em ao menos trés etapas. Em primeiro lugar, devemos atentar para a escolha dios termos empregados [..] :m segundo lugar, vamos distinguir os principais aspectos intensionais do conceito em. / vista [od] § 3 Em terceiro lugar, devemos averiguar 0 escopo de aplicacio do conceito na referida | obra, Para tanto, vamos nos centrar inicialmente nos eapitulos iniciais (..] §4 Devese notar que, nos capitulos finais da obra, o autor propde um emprego normative do conceito [..] Vé-se aqui uma sucessio de sentencas Spico encabecando os respectivos parigrafos. A transicdo entre esses pargrafos se da pelo cumprimento paulatino de tarefas circunscritas na ideia-controle do primeiro deles. Intitulamos esse tipo es transi¢ao entre parigrafos de desenvolvimento progressivo de uma ideia-controle principal. Nesse modelo, os paragrafos se conectam porque realizam tarefas su= A) "fordinatasa formulaio de uma idela-controle complexa. For mals que se poses P is que se p 10s parigrafos dessa forma, seria irrealista supor que se escreveria conectar com o pargrafo seguinte de outras maneiras. Em get outros tipos de transicdo entre paragrafos se subsomem ao que denominamos Nesse modelg, o.inicio de um novo par &xibir alguma conexaio com o tBimino do paragrafo anteriog, alguma co que, ite, por sua vez, aponte para ou jd seja a formullagao explicita de uma nova sentenca-t6pico. Eis @lgtimas maneira) de encadear 0 novo parégrafo ao final encadeamenta por retomada. do paragrafo anterior |] usar um pronome que se refere a algo mencionado no final do pard- ee grafo anterior Estratégias para a Escrita Angumentativa © 291 tigias p Exemplo: [...] E essas questées s6 encontrariam resposta em textos tardios do autor, Fee § Cabe mesmo conjecturar se por conta delas o autor néo assumiu uma nova direcdo teérica. [..] oe ‘b)Repetir uma palavra ou expressio-chave empregada no término do | paragrafo anterior. Exemplo: [...] Por fim, 0 autor renunciow a posicao inicialmente apresentada. § Essa remiincia gerou consequéncias inesperadas quanto a recepcio tardia de sua obra. [...] t ©u sar um sindnimo ou-um-termo sintético que capture o sentido de ceria palavra ou expressio do parigrafo anterior | Exemplo: [...] E nessa época, 0 autor chegou a publicar irés obras em um ano. | § Toda essa produtividade se deve em grande medida a aplicacao dos pre- ceitos metédicos desenvolvidos anteriormente. [...] @Esabeleceralguma relaco Iigia entre 0s pardgrafos. Exemplo: [a E desta forma o Coa inédito por décadas. recusow o artigo, que permaneceu § Uma consequéncia desse evento pode ser notada na mudanca de rumo im- primida pelo autor as suas pesquisas. [..] Sem divi encadeamento. Ja, cabem variagdes ou smo combinacdes dessas formas de icdo entre os porta ao autor aprendiz nao descuidar da tr: Panigrafos, que devem se suceder sem lacunas € sem a interpplag descongciados No geral, 6 térmi or wb] S que garante a rowed io de temas m parigrafo prepara o inicio do outro, ua das tarefas necessarias para defender a to algum tipo de conexio com o tema tratado ng. — anterior. Esse efeito pode ser obtido com a retomada sintética do que foi tratado e © antincio explicito das novas tarefas, em formula “Tratamos ainda somente do tema X; veremos agora de que maneira o tema complexifica a andlise jes do tipo ¥ 8.3.2 Coesdo, Coeréncia ¢ a Construcito de Sentencas Discutimos até agora a armadura geral do paragrafo, exprimida pela sentenca-t6pico, e sugerimos, com base nela, padres de transicao entre os pardgrafos. Ainda quase nada foi considerado acerca da rganizacio interna) Q6 parsigrato) tema que tratan emos nesta seco. Como dito muitas vezes, uit” paragrafo € um conjunto de sen sentido as articuladas em torno de 292 © Leitura ¢ Escrita de Textos Argumentativos unificador, Apenas raram m uma dissertacao argumentativa uma sentenca paragrafo; normalmente varias sentencas devem ser unidas constitui por si s6 para explo satisfatoriamente 0 t6pico em questo. Se nao for assim, caso se em tornar cada sentenga um pardgrafo, entio se constréi um texto super- do hd, entio, escapatéria em dissertacdes argumentativas feciso aprender a escrever pardgrafos densos, compostos de varias senten- as. Surge natural onto, as nodes di ficial ¢ monétono. } rente a questio: como essas sentencas se ordenam entre si ‘oerencia) oferecem um suporte bastante fo. Sem drivida, essas ico inteira, Em Guereto para a organizacao das nogoes também sao aplic Certo sentido, a sucessio dos paragrafos encad ios em conformidade com suas sente cas-t6pico garante a coesio € a coeréncia globais da exposicio. Contudo, para que essas sentencas atuem de modo substantivo € nao somente como uma armadura formal, ¢ preciso, por sua vez, que cada parigrafo se desenvolva inter namente de maneira coesa e coerente, 0 que envolve dificuldades particulares, como vei mos a seguir, De inicio, cabe delimitar mais precisamente o sentido das nocoes de \cia. Entre os estudiosos dos fer coe cos ¢ discursivos omenos linguis nao ha definicées univocas desses t6picos. De nossa parte, nao temos a mi pretensio de resolver as diver nos cont éncias te6ricas em torno dessas nocdes, € vamos scircunscricio es termos na medida em que contsibuem como erramentas) (praticas)para a construcio de pargrafos, sem nos preocupar em definir exaus mente funcional delas. Inter pormenorizar es UvAMENte os aspectos te6ricos a eles entrelacados. Desse ponto de vista, a nocao de @oesao\nos remete afenidade temética no interior do pat grata] as sentengas intromissao de Outros temas, Por sua vez, Go Iogicas pelas quais o tema d6 paragrafo claborado, quer dizerqhos remete aos (Gaia reread ent anizacdo das sentencas no parigrafo] Como se verd, ambas as nogoes nao sio independentes, ja que se sustentam de modo miituo. nos remete As operacdes Tratemos da nocio de coesdo textual, Um paragrafo é coeso se mantém, em sua progressio, a unidade ten a qual, como vimos, deve ser expressamente delimitada pela sentencat6pico. Esta tiltima formula, desde entio, 0 dmbito de cvesito do paraigrafo. As demais sentencas devem explorar aspectos tematicos sem romper os limites nela esbocados. Aqui surgem as dificuldades de manutencio final, espe complementares a sentenca-t6pico na, avancem na exibigao de seus aspectos parti da coesio. explorem o de detalhamentos ¢0 tema eu fE frei, assim, eoancar no dtalhamento do tema Sen romper o its gerai\ (emarcatos na ideia-contole da senencapica'Sem sempre € aE varios recursos expressivos colaboram para a manutencao da unidade tematica. Rrapaka § ovomean ranma Ligo es e que as sentenc: seja por meio cituais, de exemplos, de relagdes entre componentes do Obvia, € Estratégias para a Escrita Angumentativa © infe Primeiramente, podese contar com a: naticas) que mobilizam © horizonte ticito de sentido em que o tema esta inserido, para garantir tal unidade. Consideremos 0 seguinte exemplo: * Os carros se chocaram no cruzamento. O policial teve de conter os Animos dos condutores. A segunda sentenga nio se liga a prime por nenhum elemento seman- ic de transito tico explicito. Todavia, esperase que o leitor infira que 0 acide descrito na primeira sentenca motivou um desentendimento ntre os motoris- tas envolvidos, 0 que, por sua ver, s6 foi resolvido com a intervencao de um agente oficial. A segunda sentenca per rém, a unificagdo das duas supde a ativa "em pacts Em grand anece unida ao tema da primeira; po- 10 de saberes técitos sobre o assunto medida, a coesio textual depende dessas inferéncias dle mlevin de modo que @ alteracio dos referentes mas frases que Se sucedem cia tematic uma ruptura na unidade do assunto tratado. Os aut do tema partilhado pelos leitores, © que permite economizar varias mengoes a aspectos dbvios do tema € construir, por conse- guinte, uma narrativa dindmica. Consideremos mais um exemplo: © Chegaram tarde ao restaurante. Uma cadeira disponivel estava manca Entende-se que a segunda sentenca descreve um aspecto da situacio circunscrita pela primeira. Espera-se que o leitor saiba que em restaurantes ha mesas e cadeiras e, mais precisamente, que ao chegar tarde em um deles provavelmente as pessoas encontraram o lugar quase lotado, s6 sobrando uma cadeira defeituos: descritivos dessa situa ara sentarse. Nao é preciso explicitar todos os passos elo para tornar compreensivel a mudanca de referéncia entre as sentencas: * Chegaram tarde ao restaurante. Em restaurantes hé uérias mesas ¢ cadeiras. Como chegaram tarde, a maior parte delas jé estava sendo usada, Uma cadeira disponivel estava manca. A partilha de um horizonte de sentido comum dispensa detalhamentos Sbvios'€ garante a coesio textual, dado que o leitor é capaz de cumprir por si as inferéncias técitas que conectam os referentes das sentencas em um campo tematico comum. Enfretanto, em textos argumentativos o autor nio deve abusar dessa habilidade espon' ‘Spicos argumentativos sio altamente técnicos, dle man discursivas. Muitos dos neamente em agao nas atividades ‘que a mudanga de re- feréncia na progressio das sentencas pode gerar duividas razodveis dos leitores quanto 4 manutencio da unidade tematica. Vejamos o seguinte exemplo: 293 y o/ ) 294 © Leitura¢ Escita de Textos Argumentations | ¢ Para Husserl, a consciéncia transcendental absoluta € autotempora- lizadora. As retencdes se entrelacam de modo a alargar o ambito do presente vivo. evidente aquele de “retengao scrita argumentativa, nao pressupor como Sbvio o sentido de conceitos téenicos, os ¢ repostos para garantir a progressio cocsa da exposi¢ao. Talvez em contextos jai que se recot ais devem ser académicos ultraespecializados, os textos ndo sejam cobrados pela reposicao do Imejamos em nosso modelo de a um ptiblico amplo inte- sentido dos conceitos empregados. Nao é o que dissertacdo, voltado, conforme 0 capitulo anterior, p: ado ¢ capacitado. A escrita de textos argumentativos coesos, voltada para ur piiblico interessado geral, supée a explicitacao pacien a fim de evitar que mudan¢as do foco tematico nas sentencas sejam lidas como des conceituais, ‘matica. Reescrito com cuidado, o exemplo anterior deveria * Para Husserl, a consciéncia transcendental absoluta é autote! zadora. Essa autotemporalizacdo se deixa descrever por meio de trés fendmenos fundamentais: a impressio ou experiéncia do agora, a protensio ow expectativa Predelineada no agora dos momentos que se seguirio, e a rtencdo ou a permanén- ia dos momentos presentes recém-sidos na experiéncia atual. Husserl denomina “presente vivo" a experiéncia temporal moldada sobre esses trés fendmenos. AS retengdes se entrelacam de modo a alargar o ambito do presente vivo. Além dessa perspectiva de explicitar a riqueza conceitual do tépico sob anillise, 0 es¢ or também conta com varios recursos sintatico-semanticos para manter a coesio textual. Em particular, destacamos o uso de pronomes e outras expressdes lexicais como garantia da estabilidade referencial global mediante 0 acréscimo de novas sentencas a exposicio, Vejamos, sem pretensio de exausti- vidade, exemplos desses recursos® a. Substituicdo de termo ou expressio por pronome: * O autor x escreveu a obra ¥ no sécul6 pasado. Ele a escreveu sob condigdes severas [...] * Aconclusio do argumento era esta: a liberdade humana nao pode ser recusada, 5. Para uma andlise bem mais detalhada destes recursos coesvos, ver LL. Fivero, Casi ¢ Cooéncia Textual, 2009, texto em que mos baseames, a0 menos em parte, para exporicio » seguir Estratégias para a Escrita Argumentativa ® Quando o pronome retoma um termo expresso anteriormente, conforme © primeiro exemplo, tratase de uma anéfora. Mais raramente, quando antecipa © termo ou expressio em pauta, tratase de uma catdfora, b. Substituicdo de termo ou expressio por forma numeral: * A autonomia e a soberania ndo sio conceitos idénticos. Ambos re- metem a Ambitos distintos de aplicacao. ¢. Substituigdo de expresso ou sentenga por verbos (ser ou fazer) * Jodo abandonou o forum de discussio. Assim também o fez José. 4. Substituicao de termo on expressio por advérbio: * No segundo capitulo, algumas respostas sdio dadas, Ali, 0 autor ela- bora a nogio de [...]. €. Retomada de termo ou expressio por sinonim hiperonimia (relacao entre um termo mais abrangente ¢ um termo a esse subordinado) ¢ hiponimia (relacdo entre um termo subordinado € um termo mais abrangente) * O livro foi escrito nas primeiras décadas do século xx. O texto teve ] uma importéncia marcante nos circulos académicos. [sinonimi * Descrever a percepgao nao é tarefa ficil. Essa vivéncia porta um cardter subjetivo que parece escapar as categorizacdes cientificas. [hi- ponimia: percepeio > vivéncia] * Seré que os mamiferos partilham as fungSes da consciéncia? Um gorila é capaz de formular um pensamento conceitual? (hiperonimia: ces da conscié mamifero > gorila; fu ia pensamento conceitual] (0: retomada de um dado novo, inicialmente apresentado por meio de artigo indefinido, por artigo definido ou pronome demons- trativo, de maneira a marcar o cariter entio conhecido dese dado: © © autor pensou entao e, Cabe notar que essa hi- potese nao era simples. © Um argumento se fazia necessirio para sustentar a posicio. O a mento entio proposto foi o seguinte: [..] g. Muitas vezes, nao € prec enhum recurso substitutivo, ¢ a dlipse do termo ou expresso referencial r unidade te > empregar 1 nso da io abala a compre : 4 + Um argumento foi proposto. Pretensamente dedutivo, mas que pouco convenceu. 295 296 © Leitura e Escrita de Textos Argumentativos Nesse exemplo nao € preciso explicitar que “o argumento era preten- samente dedutivo”. A proximidade das sentencas ¢ a manutengio do foco referencial permite! bem empregadas, tornam 0 texto gil, evitando repeticées desnece sempre avaliar se a elipse se entende de modo inequivoco. Havendo risco de ambiguidades, € melhor repetir 0 termo ou substituilo de forma a evitar pos- economizar 0 termo sem perder conexio. As elipses, varias. Cabe siveis confusées. Esses so alguns dos principais recursos estilisticos para a manutengdo da coesio textual. Deve-se notar que alguns deles, como a hiperonimia e a hiponimia, apontam para novos aspectos do tema tratado, Isso atesta algo Sbvio mas impor- tante de ser formulado explicitamente: em um parigrafo, as sentencas devem tratar do mesmo tema, mas nao todas da mesma forma, o que significaria uma repeticao insuportavel do mesmo foco tematico. Em um pardgrafo, as sentencas devem manter a unidade tematic. dese tema (nao de modo aleat6rio, mas coordenado pela sentenca-6pico). Ora, &ssa progressio inerente a qualquer abordagem ica jd nos leva para a pro- rogredir na exposicao de aspectos va to coerente brio perigoso [..] entre continuidade \ to deve manter aun por conseguinte, a coesio; porém, sem que isso exclua algum tipo de exploracio <9 expositiva, A coeréncia marca a progressio expositiva que nao rompe com acoesig os ecoeteng temética. Dessa mancira, um texto co iquele que consegue equilibrar idade tematico-conceitual acréscimg informativo na sucessio das s Vale notar que sio variados os padroes de progressio. o.expositiva: exempli- ralizaca0, comparacao, contras futagao etc. Além disso, com- as vezes cabiveis, o que dificulta ses modos expositivos 83 uma andlise exaustiva dos parimetros de coeréncia textual. Retomamos aqui a importancia de formular precisamente a ideia-controle de cada paragrafo. Afinal, em sua formulacéo, é antecipada uma maneira privilegiada de organizar o pa- grafo (por exemplificacdo, detalhamento conceitual, contraste de dados etc.) As demais sentencas do pargrafo formario um todo coerente se cumprirem satisfatoriamente a abordagem sugerida pela ideia-controle. Em todo caso, uma condicao geral da coeréncia deve ser observada nio importa qual o padrio de \ "_organizacao privilegiado, Como ja discutido,(Sempre deve haver alguna progressao ) ‘expositiva. X sequéncia das sentencas deve implicar um avango na exposi¢ao das | ideias acerca do tema. Para haver coeréncia, supde-se que as sente ncas vao acres- \centando aspectos novos sobre o tema; se s6 houvesse repeticoes interminaveis 5M. Charolles, “Introduction aux problémes de la cohérence des texte”, 1978, p. 21 (pp. 741} Estratégias para a Escrita Argumentativa © \_progressao semantica entre as sentencas’. [Essa condicao elementar resulta em restric6es bastante concretas para a escrita argumentativa: em um pardgrafo, espera-se que cada sentenca acrescente algum dado informativo em relacdo as sentencas anteriores e nao seja uma mera reformulacao estilistica que no fundo 6 repde 0 mesmo dado tematico inicial. Um pardgrafo composto por sentencas que pouco ou nada avancam, repetindo um contetido inicial que nao é elaborado no decorrer das sentencas, rompe com as expectativas mais bisicas de coeréncia textual. Consideremos 0 seguinte exemplo: * Neste texto, vamos aproximar a obra de Sartre daquela de Husserl, quan- to as suas concepcdes de intencionalidade. Com isso, almejamos mostrar que a concepcao de intencionalidade de Sartre é retomada daquela de odo a nocio Husserl. Importa tornar conceitualmente claro de que de intencionalidade proposta por Husserl € reapropriada 1 Sartre. Dessa mancira, tornarseé patente que as questoes formuladas por Sartre devem muito & concepcio de intencionalidade de origem obra de husserliana, Em outras palavras, pretendemos esclarecer de modo bem detalhado alguns aspectos conceituais da “intencionalidade”, de manei- ra a explicitar a origem de algumas das teses defendidas por Sartre na obra de Husserl, Por meio de formulagies variadas, veicula-se, no pardgrafo anterior, em ter- s6 informacao: que Sartre retomou a nocao de intencionalidade lusserl. As sucessivas frases se limitam a reproduzir esse contetido se- mos gerais, v da obra de mantico, sem avancar na exploracio de aspectos particulares que entio marcariam algum tipo de progressio expositiva, Simplesmente se reformula, com mudancas expressivas minimas, um tinico niicleo informativo. O pardgrafo nem cumpre, ima para a organizacio coerente. Contra isso, desse ponto de vista, a condicao 1 devese cuidar forma a compor alguma progressio temética. Consideremos 0 exemplo reformulado: a que cada sentenca em uum parigrafo contribua com novos dados, de * Neste texto, vamos aproximar a obra de Sartre daquela de Husserl, quan- to as suas concepcées de intencionalidade. Sabese que Husserl desenvolve de modo detido essa nocdo em sua obra Investigacées Légicas, publicada em : 1900-1901, texto estudado por Sartre na década de 1930. Almejamos mostrar CCharolles formula essa condicio como uma metaregra de ordenacio dos textos “Para que um texto scja microestratralmente ou macroestruturalmente cocrente, € precio que seu desenvolvimento soja acompantado de um aporte semantico constantemente renovado” (idem. p. 20), Sio famonas st quatre metarregras de Charolles acerca da coeréncia:repeticio, progresio, nio contradig ¢ relagio Julgernon (quea segunda, hd pouco mencionads, ea terceira (que ducutireme da coeréncia,enquanto as outras dizem respeito Aquila que definimos come coesio texte 2 seguir) capturam axpectos central 297 298 © Leitura e Berita de Textos Argumentativos que a concepgao de intencionalidade de Sartre é retomada daquela de Husserl. Em um texto escrito no inicio dessa década (Uma Ideia Fundamé \d tal da Fenomenologia de Husserl: A Intencionalidade), Sartre dé grande 1 destaque d nocio de intencionalidade como chave para dissolver a oposigdo entre he co ideatismo e realismo. Esse conceito, herdado da fenomenologia hussertiana, permi: uy | tira desenvolver uma nova concepcdo acerca das relacies entre sujeito e mundo. ye oP of Vg Ao analisar de forma rigonsa esse texto de Sartre tornar-se-d patente que as east questées formuladas por ele devem muito a concepeao de intencionali- ag’ er | dade Ge osigen Irumertina, ssa nova versio, a ideia de que Sartre retomou a nogdo husserliana de intencionalidade é detalhada por meio de referencia ‘as fra como um gancho para a escrita de um novo pardgrafo do que como outra re- peticdo do mesmo contetido semantico. Haver progressio expositiva € uma condic&o tdo basica que sem ela o texto carece dos componentes sintiticosemanticos fundamentais para ser ava- liado em termos de coeréncia. E uma ver que haja essa progressio, cabe entio nte. Sem dhivida, o tipo de progressio julgar 0 texto como coerente ou incoer privilegiada possui critérios internos para essa avaliacdo. Contudo, vigora certa regra geral para os mais diferentes tipos de progressio expositiva. Servimo-nos da clara formulacao de Charolles: “Para que um texto seja microestruturalmen- 1 desenvolvimento nao te ou macroestruturalmente coerente, é preciso que introduza nenhum elemento semantico contradizendo um contetido posto ou cia”, pressuposto por uma ocorréncia anterior ou dedutivel deste por infer Em outras palavras, a coeréncia supde auséncia de contradicées na progrssiio expositiva, Por conseguinte, exibir contradicdes entre as sentencas ou entre uma sentenca ias de outra é suficiente para atestar a incoeréncia € pressupostos ou consequél de um texto, Por que é assim? Se as sentencas sio contraditérias entre si, entio, caso se assuma a verdade de uma delas, deve-se admi Um parigrafo composto por sentencas contraditérias (ou que impliquem con- es entre uma sentenga e pressupostos ou consequéncias de outra) no a falsidade da outra. tradi¢ o, composto somente de elementos verdadeiros. Dessa maneira, parte da progr incoeréncia textual. Eis alguns exemplos de contradicé outra parte da mesma progressio, o que denota a o expositiva anu 8 on, p. 22 Estratégias para a Escvita Argumentativa © + © autor assume o principio em questio como base de sua anilise. A aplicagio a casos variados traz resultados mistos. A recusa do prinefpio abre caminho para a continuidade da pesquisa. (coniradicio entre assumir «@ recusar o principio] ‘+ O autor passa a discutir 0 tema da responsabilidade civil nos textos pu- blicados em 1908, Os dados empiricos oriundos dos governos auxiliam sua reflexio. Somente no final da década de 1930 0 autor julga ter reunido dados suficientes para tratar o tema da responsabilidade civil. [contradicdo entre datas) © O autor n rn gumento a respeito desse t6pico. io dispunha de nenhum As discusses em sua drea de estudo continuavam acirradas. Sua tese foi entio desenvolvida de forma convincente. [contradi¢do entre a auséncia de argumento ¢ a defesa convincente da test Vale notar que muitas das contradicdes cometidas no correr de uma disser tacio argumentativa decorrem de descuidos expressivos, advindos de pressa ou distragio. Supondo que 0 autor estudou o assunto e se prepa rou para a esc contradicGes mais grosseiras, oriundas de um desconhecimento de implicagdes as (algo do tipo “Joao e excl ou pressuposicdes semanticas, esto pratica (0 tinha carro, Ele vendeu seu carro no outro dia”). Todavia, a articulacio de aspectos conceituais sutis nem sempre é facil, e expresses mal formuladas ou a elipse de aspectos tematicos relevantes redundam, as vezes, em formulages incoerentes. Por sorte, varios s40 os recursos expressivos que permitem corrigir as incoeréncias. Modulacées temporais de verbos, uso de conectivos, explicitacao de pressupostos, tudo isso combate o efeito contraditério e assegura a coeréncia global da exposicdo. A luz disso, os exemplos anteriores se deicam ree * O autor assume o princfpio em questo como base de sua andlise. A apli- t08, 0 que leva 0 autor, finalmente, de cacao a casos variados traz resultados 2 @abandoné-lo, A recusa do principio abre camino para a continu da pesquisa. * O autor passa a discutir o tema da responsabilidade civil, de maneira ain- da muito inicial, nos textos publicados em 1908, Posteriormente, os dados empiricos oriundos dos governos auxiliam sua reflexio. Somente no final da década de 1930 o autor julga ter reun do dados suficientes para tratar, de modo mais seguro, © tema da responsabilidade civil. hum arg * O autor nao dispunha de nei mento a respeito desse t6pico. As discusses em sua drea de estudo continuavam acirradas. Ele se serviu de alguns dos resultados dessas discussies para propor sua argumentagéo. Sua tese foi entdo desenvolvida de forma convincente 299 300 © Leitura e Escrita de Texts Angumentativos Além do evitamento de contradig6es, ha outras recomendacées para manter ncia textual. Uma sugestio valiosa diz respeito a como ordenar as informa- acoel 6cs novas supostamente contidas em cada sentenca de um pardgrafo. Ganha-se em legibilidade, ¢ evita-se a impressio de repeticdes desarticuladas de w 10 QeySitg contetido, quando as novas informacies so formuladas na parte final das sentencas, oN (QA. ear a.qual é retomada no inicio da sentenca seguinte®, Dessa forma, as sentengas se oe ordenam do dado conhecido para o dado novo €, em geral, o paragrafo avanca ¥ |.” sem vaivéns capazes de borrar a coeréncia expositiva. Ve mos alguns exemplos * A nogio de mundo envolve problemas filoséficos consideraveis. O i mediivel carter subjetivo é um desses problemas. A experiéncia sempre =| envolve um cari ssim que o mundo aparece. O mundo € objetivo. Conciliar com a experiéncia essa objetividade € dificil el esse ponto. De partida, um paragrafo problematico: er pessoal irredutivel, € ‘Tentemos reescrever esse pardigrafo de modo a manter um fluxo expositivo las para-informacies novas: pT parta de informacies * A nocio de mundo envolve problemas filos6ficos consideraveis. Um | desses problemas € 0 irremediavel cardter subjetivo por meio do qual 0 \ | mundo aparece em intimeras experiéncias. Toda experiéncia porta um carter pessoal, ¢ nao é diferente quando o mundo se tora “tema” da + experiéncia. A esse tema comumente se atribui objetividade, ¢ nao é facil, ao menos de inicio, entender como o carter objetive do mundo € compativel com a inescapavel subjetividade da experiéncia. Nessa nova versio, as informacdes de cada sentenca servem ¢ partid pa dads das sentencas seguintes. Os aspectos tema apresentados conforme um entrelacamento intrinseco, que facilita a progressio expositiva. Seguramente, para obter esse efeito nao é preciso que cada nova sentenca repita literalmente os termos ou expresses finais da sentenca anterior. Amitide, cabe retomar a inform cio por meio de Snimos € outros recursos expressivos ja vistos. Além disso, por vezes, a introducao de uma nova informagio deriva de inferéncias sobre informacées anteriores, sem que 0 contetido inferido jf tenha sido expli do horizonte de sentido que torne compreensivel a inferéncia, Por exemplo: mente formulado. Nesse caso, supde-se que o leitor partilhe * O argumento ndo estabelece a conclusio de modo necessério. O cariter indutivo do laco légico nao impacta, contudo, na aceitabilidade das premissas. [..] rentirio detalhado dessetpico, ver J. M. Williams e J. Bizup, Syl. Lesions in larity and Grace, Estratégias para a Bscrita Argumentativ Em termos gerais, sugere-se que o autor retina as sentencas no pariigrafo tendo em vista que as informagées dadas inicialmente sirvam de “gancho” para as novas informacées. Esse tipo de progressio torna o texto mais facilmente compreensivel. 83.2.1 NOMINALIZAGOES Gostariamos de encerrar esta se¢o com um t6pico geral acerca da cons trugio de sentencas. A coesio e a coeréncia, temas até aqui estudados, so relativas a um conjunto de sentencas. Entretanto, nao é indiferente a(forma> on as) para o carter coesivo ou coerente do pardgrafo em questio Em geral, sugere-se que as sentencas sejam variadas quanto a extensio ¢ a cs trutura sintética, a fim de evitar um efeito de monotonia que pode mesmo ser confundido com auséncia de progressio semantica. Além disso, hé pelo menos uum tipo de construcio sentencial que complica notavelmente 0 entendimento da progressio expositiva e que, por conseguinte, deve ser evitada, Tratase de fou Bg de _ SemUeNCAS que se server excessivamente de nominalizacies na construgao do sujeito on* 4, BFamatical ou das partes nominais do predicado. “Nominalizar” significa atribuir oN” jp» Bramatical ou das partes n pred Nomjnalizar” significa atribuir eM] uma,forma de substantivo a verbos ¢ adjetivos; essa operacao ¢ importante em gorse) [wma forma de substantive a verbos ¢ adjetiv andlises de t6picos abstratos comumente tematizados em textos argumentativos. Desse modo, em ver de reiterar sucessivamente o que um autor “discutiu” com outro sobre tal assunto, possivel remeter-se a “discussio” em vista; em ver de repetir 0 que um autor “considerou” sobre um argumento, basta ret ‘consideracdes” por ele propostas, Todavia, nprego de vérias nominalizaces reunidas em um grupo semantico alimenta varias dificuldades de compreensio, Vejamos 0 seguinte exemplo: * A consider acdo do autor sobre a hipétese em discussio pelos seus ad | _versdrios aponta sua inadequacao. Nessa sentenca, 0 agente do processo em vista (0 autor) deixa de ser nti cleo do sujeito e se torna adjunto adnominal do termo abstrato “consideracio", que, por sua vez, parece agir autonomamente. Esse ocultamento do agente sob alguma de suas atividades, apresentadas de modo reificado, € uma consequéncia indesejada do mau emprego de nominalizacées. Essa sentenca pode ser reescrita ancira a evitar esse efeito: | * Oautor considera inadequada a hipétese discutida por seus adversérios, 10, Virios manuais de estilo exploram em detalhe esse ps op it, 2014, pp. 286 ema. Ver, por exemplo, JM. Wiliams J. Bizup, 302 © Leitura e Escrita de Texts Argumentativos Em vez do substantivo nominalizado “consideracao", empregase direta- nente o verbo af condensado ("co 1°), © que permite repor com clat © agente do processo descrito, Além disso, explicitar a acio inicialmente minalizada torna bem mais preciso o significado das relagdes condensadas nas frases nominais. Vejamos o seguinte exemplo: | * A execucdo da decisio baseada na justificativa exposta pelo autor tem pouca contribuicao na discussio do tema, Normalmente, 0 excesso de nominalizagées vem acompanhado de verbos de ligacdo ou verbos de sentido muito amplo (como fazer, ter etc.). Isso ocorre porque as aces mais precisas ligadas ao contetido da sentenga for sso verbal opcdes vagas. nalizadas, 0 que deixa como alternativa para a exp! Para construir progressdes expositivas que marquem precisamente o sentido das tarefas cumpridas de suas verses nominalizadas. Eis 0 exemplo reformulado sob essa perspectiva: ugere-se cntao dar preferéncia aos verbos de agdo em vex * O autor decidiu com base na justificativa exposta anteriormente e, assim, pouco contribuiu para o tema aqui discutido. Nessa nova formulacio, explicitam-se com clareza as aces em causa, as quais so remetidas a seu agente e no expostas como processos reificados que se realizariam sozinhos. Além disso, o emprego de verbos de acao elimina certa proliferacao de instancias nominalizadas, tornadas dispensaveis diante da evidén- cia da acdo cumprida. Na primeira versio da sentenca menciona-se “a execucio para dei da decisio”; j4 na segunda, basta mencionar que “o autor decidi patente o que ele executa. Além da proliferacio de: nominalizacdes embaralha a ordem dos processos descritos, conforme mostra cessdria de instancias abstratas, 0 excesso de © exemplo a seguir * A ordenacio da categorializacio descoberta pelo autor nao foi tio de- cisiva para a area em questio. Nessa sentenga, “o autor” apar matical; contudo, obviamente é ele quem dé revela a seguinte reformulacio: € como quarto elemento do sujeito gra- inicio ao processo em vista, tal qual * O autor descobriu certa ordenacao categorial, de menor impacto para em questio. Esse embaralhamento dos componentes de um processo ocorre ainda mais gravemente quando as nominalizacdes povoam o predicado das senten- cas. Normalmente, nesses casos, operagdes Idgicas determinadas perdem sua Estratégias para a Escvita Argumentativa © especificidade ao serem yeiculadas como entes abstratos encadeados de modo iase, diante disso, reescrever as nominalizacdes em mais de uma vago. Recom sentenca e explicitar por remos os seguintes exemplos: 10 de conjungoes as relacées ali em vigor. Conside * A ampliacio da andlise do autor /oi decorréncia da consideracio de resul- tados dos dados pesquisados em seguida. * Oautorampliousua analise porqueconsiderou dados obtidos posteriormente O papel articulador da expressio “foi decorréncia de”, na primeira senten- ca, € capturado de maneira direta € evidente pela conjungao causal “porque”, na segunda, Obtém-se, por conseguinte, duas oragées concisas e articuladas por uma relacao légica claramente exibida. Vejamos um exemplo similar oA suas pi +o reeserita, eitacdo do argumento foi feita sob a concessao da revisio de uma das rgumento foi aceito, embora uma de suas premissas tenha sido Aqui, a pomposa e confusa expressio “foi feita sob a concessiio de” se deixa substituir por uma simples conjuncio conces ender de modo praticamente imediato 0 tipo de relagio légica vigente entre a, © que permite compre- as oracdes. Note-se também nesse iiltimo exemplo o uso da voz passiva. Trata- se de um recurso expressivo titil quando 0 agente do processo em quest desconhecido ou mesmo redundante. Seu bom uso deixa claro que ocultar 0 agente nao necessariamente condena os trechos a nominalizagdes complicadas. Esses exemplos bastam para caracterizar os problemas do uso excessive de nominalizagdes na \cas. Nesses casos, em vez de empregar os verbos ativos, en -ados rel com signifi relacionados por verbos de sentido vago. Esse uso de nominalizagdes torna arduo lativamente precisos, opta-se por nomeacdes de entes abstratos entender a progressio expositiva, © que, por conseguinte, dificulta reconhecer a coesio e a coeréncia textuais, C amente, conforme ja notado, as nominalizacdes sio recursos expressivos recomendados para agilizar tos, principalmente quando ja mencion feréncia a processos abstra- dos em sentengas anteriores. Porém, scu uuso descuidado dificulta a compreensio das acées ligadas ao t6pico em pauta, bem como tende a reificé-las artificialmente, sob o risco de eludir os agentes efetivos dos processos descritos. Sugerese, no geral, evitar 0 encadeamento excessivo de nominalizagoes. Pa a tanto, recomenda-se que os nomes abstratos sejam transfor _mados em verbos e que os agentes efetivos das aces assumam exp mente set posto. Ganhasse, assim, em concisio expressiva e, prineipalmente, em precisio acerca dos t6picos descritos, 0 que contribui enormemente para construir paré- grafos coesos ¢ com uma progressio expositiva coere 303 3 14 * Leica e Everita de Tents Argumentatvos 8.3.3 Marcadores Metadiscursivos Nao devemos perder de vista 0 alvo deste e do capitulo anterior: a produgio de dissertacGes argumentativas para circulacio publica, Isso quer dizer que o piiblico leitor deve ser levado em conta jé na composicao do texto, que nao se resumird a lum conjunto de notas para uso privado, mas deverd se ordenar tendo em vista a comunicacio efetiva de certo contetido significativo. Tal como acentuado anterior mente, considerar 0 puiblico-alvo na escrita do texto nao significa tentar satistazer as idiossincrasias de determin das pessoas, e sim respeitar certas expectativas de inteligibidade marcantes do género exercido ou do campo disciplinar em que o texto se insere{O que chamamos, em sentido amplo, de marcadores retadscursivs) S20 Fecursos expressivos por meio dos quais 0 autor indica explicitamente as d andas globais de inteligibilidade a que se submete e guia leitorna compreensio | paulatina dos objetivos de seu textoEm nosso modelo de dissertacao, exposto no capitulo anterior, vimos em detalhe de que maneira a introducdo do texto ordena metadiscursivamente a exposi¢io a ser cumprida. Nesse trecho inicial da disser- m de delimitar o tema, os autores deve anunciar qual € seu posiciona-\ mento e de que modo ele sera exposto, servindose, para tanto, de expresses do Em expressdes desse tipo, enfatizase como o texto se organiza a fim de abordar © assunto em vista. Ess mendes 0 ‘0 do proprio texto, ou comentarios laridades do tema, compoem, em sentido ainda a ser detalhado, a dimensao metadiscursiva da exposicao textual. E importante esclarecer que essas indicaces metadiscu variados do autor em relagao a partic a sivas nio sto algo ®" ede periférico ou acidental na expresso escrita, Nao se deve supor que hé um ep Contetido temético a se desenvolver de modo plenamente autbnomo ao qual, de forma secundaria, sio acrescentados marcadores metadiscursivos quaisquer: maduros nao 1101 -separam esses Ambitos da expresso escrita, mas os elaboram con- Juntamente: o direcionamento da discussio, a escolha da abordagem adequada, a | divisdo dos assuntos estudados ¢ o grau de detalhamento atribuido a cada um nao sdo t6picos que, por assim dizer, brotam espontaneamente do campo tematico. Ha | agui decisées tedricas que enformam certo estilo expositivo, com vistas a0 preen: chimento de exigencias de compreensio partilhadas pelo piblicoal, Empregar | bem os marcadores metadiscursivos na escrita nao é sendo tornar visivel como. as demandas de comunicabilidade moldam desde o inicio o processo da escrita. Devesse notar, nesse ponto, que nao ha uma classificagao exaustiva dos mareadores metadiscursivos. HA muitas maneiras de propor indicagde ladiscursivas nos textos, desde o emprego de marcas tipogrificas (0 uso de iilico ou negrito para destacar termos e expresses) e sinais de pontuacdo (pontos de exclamacao para distinguir a atitude do autor diante do assunto descrito), 0 uso de palavras ou expresses, até o emprego de sentencas ou Estratégias para a Escvita Argumentativa © conjuntos de sentencas. Importa atentar mais para a(f Pressivos do que para sua forma linguistica. Afinal, niuitas expressbes que ncio)d0s recursos ex > elementos servem de marcas metadiscursivas também sio empregaveis con descritivos do tema abordado. Por exemplo, as expresses “em primeiro lu gar’, “em segundo lugar” etc. tanto indicam metadiscursivamente a ordena- cdo das partes discursivas quanto enumeram etapas de um evento objetivo. Jém disso” ora indica a enumeracio de elementos Igualmente, a expressio *: adicionais de um t6pico, ora distingue uma etapa suplementar em uma ope racdo proposta pelo autor. Nao sio exclufdos casos em que determinadas escriga expresses concomitantemente avance algum asp fixas, 0 que distingue a metadiscursividade é a referencia & ordenacio do texto ou a vei o tematica e alertem para to metadiscursivo\Em si ma, mais do que certas calegorias gramaticais culagio de comentarios pessoais acerca do tema exposto. Cabe, assi grandes tipos de expresses metadiscursivas, um centrado nas relacées do autor com distinguir dois 2 priprio texto ¢ outro nas relagdes do autor com o leitor\Por vezes, essas funcdes se "~“Sobrepéem, © que complica a distincao. Entretanto, parece razoavel, para fins didaticos, distribuir os recursos metadiscursivos no interior desses dois amplos campos. Vamos propor a seguir uma exposicao detalhada dos principais mar- cadores metadiscursivos 4 luz dessa distingao geral!” 83.3.1 MARCADORES METADISCURSIVOS ORDENATIVOS (Quid. Sao os que explicitam as decisdes do autor acerca da organizacio do texto. Marcadores estruturais. trata-se de expressbes que indicam como 0 texto, no geral. se ordena, ¢ que anuncia 1 a execucao paulatina dos objetivos almejados. Dessa maneira, esclarece-se para 0 leitor 0 tipo de tarefa o sobre mudangas de cumprida no trecho em pauta, além de alerté abordagem temética. Eis alguns exemplos * Nesta seco, vamos analisar 0 conceito x. + Primeiramente, discutem-se as premissas empregadas, Em seguida, 0 laco inferencial sera avaliado. * A exposigao a seguir sera dividida em quatro partes. * Vamos retornar agora ao t6pico inicial dessa discussio, * Meu propésito com 0 exemplo acima é o seguinte: [..1] Os marcadores estruturais sao talvez os recursos metadiscursives que mais auxiliam na progressio expositiva de textos argumentatives. Por vezes, a mera incluso de expressdes desse tipo clarifica o encadeamento de trechos dificeis, 11. Seguimos de perto a excelente andlse de Ken Hyland em Aetadisours Exploring Interaction | 7 } 305 306 * Leitura eEscrita de Textos Argumentativos © que amplia significativamente a inteligibilidade geral do texto. Seu emprego correto faz da dissertacao nao uma repeticao gratuita do que se estudou de outros autores, mas uma proposta de anlise construida sobre decisées claras acerca da edagem exercida, do escopo almejado ¢ da progressio cumprida. Conforme explorado Ho capitulo anterior, sugerimos que a introducao da dissertacdo seja ordenada justamente por meio de tais marcadores estruturais, no que tange a formulagio do problema, da te € do caminho expositivo a seguir. Vale notar que 0 em- prego desses marcadores também deve ser observado nas secdes intermedisrias € na conclusio. Espera-se que as principais etapas expositivas sejam claramente nomeadas ¢ que as principais operacdes logico-conceituais sejam corretamente punciadas ¢ cumpridas, Assim, os marcadores estruturais tornam visivel a pr6- ria estrutura expositiva do texto, jd que oferecem como guia explicito para os leitores as decisdes ordenadoras do movimento expositivo, ©) Conectores: trata-se de expresses (principalmente advérbios € conju ces) qué marcam com evidéncia o tipo de progressio légica exercida em determinado trecho. Ha progresses de diferentes tipos, ¢ expri- midas pelos seguintes recursos: i) Adicdo: além disso, alias, ¢ mais etc ii) Comparacao e contraste: do mesmo modo, igualme em contrapartida, por um lado, por outro lado, mas, contudo etc te, em contraste, Consequéncia: assim, por conseguinte, entio, devese concluir que etc iv) Finalidade: com 0 intuito de, a fim de, tendo por meta ete. ¥) Causa: sob 0 pretexto de, haja vista que, devido a, gracas a, na falta de etc. | Vejamos alguns exemplos: * E mais, a discussio incorpora novos temas. * Em contraste, essa tese nao tem uma aplicacio tio ampla. * Por conseguinte, 0s limites da exposicao nio estio bem definidos. * Esse aspecto deve ser agora acentuado, com 0 intuito de marcar bem a posigao em vista * Na falta de novas evidéncias, os resultados no poderio ser aperfeicoados. Cabe notar que essas expresses sio empregiveis para qualificar relacdes no inte do t6pico estudado. Em fungio metadescritiva, clas se prestam a sinalizar o tipo de progressio expositiva proposta no trecho em questio, (©) Marcadores de preciséo: permitem detalhar a exposicéo em pauta, seja definindo 0 tema, seja qualificando-o, scja, ainda, relacionando-o a outras informacées. Eis alguns exemplos: Estratégias para a Escrita Argumentativa ncionalidade, isto é a caracteristica segundo a qual a conscié é sempre consciéncia de algo, é 0 tema central da fenomenologia, * Esse problema gera sérias consequéncias. Por exemplo, [...] PI a ett * Em outras palavras, 0 que 0 se propée nesta obra 6 0 segu * Os recursos dessa corporacio (financeiros ¢ humanos) sio altamente limitados Note-se no tiltimo exemplo 0 uso de parénteses pa qualificar 0 tpico em anilise. (@,) Marcadores endoféricos: remetem ao que ja foi ou sera me 0 recuperamse informacoes € proprio texto. Por meio desses marcadores, anuncia o desenvolvimento de resultados importantes ja fixados, ou s aspectos tematicos pertinentes para a discussio. Eis alguns exemplos: * Conforme visto no capitulo anterior, 0 conceito x (...] * Na préxima secéo, sera discutido o argumento Y * Fica clara, na tabela abaixo, a desproporcao da renda dos servidores. © O que foi visto até aqui se refere somente ao primeiro nivel do problema. Referéncias. expresses que tornam explicitas as fontes das quais certos dados ou mesmo trechos inteiros foram retirados, Essa mengao das fontes atesta 0 compromisso do autor de inserir seriamente seu texto na drea de estudos em foco. Além disso, 0 uso correto das referencias previne o plagio, ou seja, a apropriacao indevida de ideias e trechos oriundos de outros autores!?, Kis alguns exemplos: * Gaobrax [..] * De acordo com ¥, a nogao p deve ser abandonada. * 0 autor X afirma que [..] © O conceito x, exposto em detalhes no segundo capitulo da obra Y, também se aplica ao caso em questio, 8.3.8.2 MARCADORES METADISCURSIVOS INTERACIONAIS sta do autor.em relagao Sao 0s qu ao que € discutido, seja para chamar a atencao qui para guiar a interpretacio do que é lido. explicitam para os leitores 0 ponto « nto @ pontos especificos, seja 12, Tratremos de modo detido dese tema na préxima seg 307 308 * Leitwra e Excrita de Toxtos Argumentativos a.) Autom a) ngées: todo texto é escrito com base nas decisbes de seu autor. toral de estruturacao do texto se deixa tudo, quanto © papel a revelar na exposicao depende de mengoes explicitas do autor a si mesmo. O emprego de tais men¢des normalmente nao esta ligado somente ao exercicio do livre-arbitrio, mas deve respeitar as expec- tativas de expressividade comumente associadas ao género praticado. Em artigos de ciéncias exatas e biol gicas, por exemplo, € comum que se adote um foco narrativo impessoal, de maneira a salientar a objetividade dos dados discutidos. Jé em humanidades, a explicitacio eze: da montagem pessoal da exposicio € tolerada e, p gem pe P PO recomendada, Em particular, em textos interpretativos, voltados a clarificag facilita a distingio entre as teses que remetem ao autor estudado € ‘do de obras consagradas, adotar um foco narrativo pessoal aquelas que 0 autor da dissertacdo (ou artigo ou mesmo livro, se for far as primeiras, Usar a pri meira pessoa gramatical (do singular ou do plural) é um recurso simples P iodo evidente quais si0 0s passos légicos planejados na dissertacdo com vistas a interpre mais autores discutidos, O que suger serfagdo, é que ¢ smupre de €-quals operacdes logico-conceituais deve perfazer para estabelecé-ta Torna-se patente, agora, que tim recurso essencial para delinear essas © caso) propée para interpretar ou come! parcar de r os posicionamentos de um out nos, em nosso modelo de dis- autor sempre deixe evidente qual posicao defend tarefas e sinalizar sua paulatina realizacio é 0 emprego de um foco narrativo pessoal explicito. O leitor deve ser capaz de reconhecer sem dificuldades 0 que 0 autor estudado afirma sobre o t6pico em vista € © que 0 autor da dissertagdo analisa ou discute sobre essas afirmacoes. Esper ve que as principais articulacdes logicas da dissertacio, a divisio das etapas argumentativas, 0 cumprimento das andlises exigidas para a elucidagao do tema nao sejam meros decalques da obra estudada como se ela simplesmente se repetisse por magica na dissertagio. Na verdade, esperase que esses t6picos sejam refletidamente elaborados pelo autor da diss taco, que pode entio tornar visivel tal trabalho elaborativo por automencdes em momentos cruciais da exposicao. Os principais recursos expressivos para marcar 0 ponto de vista autoral no desenvolvimento do texto sio os pronomes pessoais ¢ as correspon dentes flexes verbais. Eis alguns exemplos: * Neste texto, pretendo defender a seguinte posicio: * Nossa abordagem se dividiré em duas etapas. * Para resolver essa questio, proponho interpretar © conceito x segundo © autor y Estratégias para a Escrita Argumentatioa © * Segundo nossa andlise, a posicao do autor x se divide em tés pontos © Iniciar as agora o segundo passo légico da exposicao. Deve-se notar que comumente as automencdes atuam com outras fungies metadiscursivas. Por exemplo, quando um autor assevera “dividirei a préxima seca em trés momentos expositivos", explicita, por meio de uma automencao, uma marcacéo estrutural ordenativa do texto. Quando afirma “eu me refiro aqui a0 que foi tratado na seco anterior”, emprega a automencio associada a um marcador endofrico. Varias combinacées sao possiveis. por meio das quais 0 autor torna explicito o nivel de certeza que atribui ao contetido tematico em foco (se duvid julamente certo etc), ¢ também de que maneira se compro al contetido (se © assume, se o critica, se o defende etc.). Em relacdo a explicitacdo do grau de certeza atribuido ao contetido sob anilise, os recursos expres. sivos se dividem ao menos em dois grandes blocos: i) Atenuadores: em parte, possivelmente, é possivel que, pode ser que, a0 menos no que concerne a, talvez, sem pretensio de esgotar o as- sunto etc Intensificadores: certamente, sem diivida, definitivamente, é certo que, absolutamente ete. Eis alguns exemplos de seu uso: * Essa tese deve s aceita ao menos em parte * O resultado pode levar a consequéncias indesejadas, Essa questao certamente é importante © Nao hi diivida de que essa definicao € mais adequada. Como se vé © contetido tematico em estudo é compreendido pelo autor, Este tltimo as expresses atenuadoras ou intensificadoras revelam de que pode acentuar o cariter certo daquilo que € veiculado ou pode relativizélo e qualificé-lo de maneira a esclarecer sua vigéncia parcial. Em particular, o emprego atento de expresses atenuadoras atesta a maturidade da escrita argument Por meio delas, 0 autor evita afirmagées categéricas que, no fundo, veiculam grandes simplificacdes das questOes em pauta. Muitas vezes, enfraquecer 0 grau de certeza das afi nacdes e mesmo limitar seu escopo de aplicacao significa re- conhecer a complexidade do tema em vista e respeitar a importincia de outras abordagens nao exploradas detidamente na disserta¢io. Asseverar de forma ab- solutamente certa o contetide proposicional em pauta tide supde ignot alternativas relevantes abordagem adotada, o que tinge a exposicao com um 309 310 © Leitura eEscrita de Textos Argumentativos Viés unilateral funesto: 0 autor nao se mostra capaz de reconstruir em sua efetiva alisada, e se complexidade os posicionam: ada questio limita a tomar uma abordagem particular como certa. Em linhas gerais, a maior parte das questdes cientificas e filoséficas comporta posicionamentos diversos, ¢ Vogue |posicdo, mas, antes, que saiba inserir suas opiniées em um horizonte denso de discussies, Jo queexige, na maior parte dos casos, saber reconhecer os limites do que édefenlido luz da. complexidade dos tipicos sob anélise’. — Em relagao ao grau de comprometimento, tratase de expresses que mar cam a atitude epistémica do ator em relagao a certo contetido proposicional ntos divergentes ace! sperardarescrita argumentativa ndo é que o autor defenda a qualquer custo sua Eis alguns exemplos: * Duvidamos que 0 conceito x baste para resolver 0 caso. * Esto certo de que esse ponto foi ignorado pelos comentadores. * Eu assumo a seguinte hipotese explicativa: [..] © Nao aceitamos esse resultado, Normalmente o comprometimento se serve de automencées; mas € possivel exibir de forma impessoal a atitude adotada diante de determinado contetido proposicional: © Sabe-se que 0 autor x escreveu a obra ¥. * Pamce certo que 1 M metimento epistémico principalmente quando mantém uma atitude constante (por exemplo, “assumir” ou “tomar por certo que”) no decorrer de um longo techo. E assim, por exemplo, quando se expde uma anilise interpretativa ou um argumento ao longo de varias sentengas. Porém, quando ha mudancas na S veres, os autores abrem mao de mengdes explicitas ao compro- atitude relativa ao contetido proposicional, recomendasse a formulacio explicita do tipo de comprometimento em vigor. Por exemplo: analisa-se longamente um trecho de uma obra classica; no decurso dessa analise nao é preciso repetir en- fadonhamente “eu defendo que”, “eu assumo que”. Contudo, apés essa andlise, extraise uma conclusio que ser posta em dtivida. E entio pertinente modular © comprometimento com expresses do tipo “nao concordo com [...]" ou “nao ha concorda relac: cia 0 a esse resultado”, “nao é ponto pacifico a extracio dessa conclusio” etc © Expressées valorativas. explicitam de que maneira o autor julga a im- Portincia € 0 alcance do assunto discutido, bem como marcam suas 13, Sobre ewe ponto, Ver M. Sacrini, oct, pp. 2992 Estratégias para a Escrita Argumentativa © 311 reagdes amplas ao andamento da exposicdo. Nesses casos, 0 autor veicula tomadas de posicdo que nao se limitam 4 adogao de uma ou outra ati ide epistémica referente a certo contetido proposicional, mas que exprimem um sentido geral de concordancia ou discordancia, de relevancia, de obr entre outras manif facdo, de surpresa, respeito, desapontamento, stages de cunho afetivo-valorativo. Essa valoracao do contetido exposto se deixa marcar textualmente de muitos modos: pontuacao (pontos de exclamacio, reticéncias ete.), advérbios (“infeliz- mente”, “felizmente” etc.), verbos (“preferir", “lamentar”, “discordar”, “dever” etc.) e mesmo adjetivos (“notavel”, “impressionant etc.). Eis alguns exemplos: lastimavel” ressante que 0 autor tenha considerado essa questo. mente nao haverd resposta exata para o problema. * E algo desse tipo foi realmente defendido no terceiro capitulo! ‘+ E muito importante levar em conta os novos dados obtidos As opinides dos professores devem ser levadas em conta na formulacéo de politicas educacionais, © tng autor se dirige direta ijamento direto com o leitor trata-se de expresses por meio das quais 0 jente a quem lé seu texto. Com seu uso, 0 autor deixa claro que reconhece as expectativas de inteligibilidade partilhadas pelo piiblico € que se esforca por segui-las em momentos cruciais da exposicao. Isso ocorre mediante a nomeagao do “leitor” no texto ou pelo emprego de pronomes que a ele se refiram. Além disso, por vezes, © autor almeja chamar a atencao do leitor para pontos especificos ou guid-lo de ma Nor questoes ret6ricas (que sin ira univoca na assimilagdo de certo trecho expositivo. Imente, essas tarefas so cumpridas pelo uso de imperativos ou tizam a problematica em vista e apontam para as proximas ctapas da exposicio). Eis alguns exemplos * O leitor notard que esse tema nao foi completamente clarificado. Nao é preciso que os letores se preocupem com essa contradicao. Considerem agora 0 seguinte exemplo {...] Note que o autor enquadra mal problematica. Qual a melhor solucto a adotar aqui? Na sequéncia do texto, ficara patente que [ Por vezes, o emprego de alguns verbos na primeira pessoa do plural tem © sentido de implicar o leitor na tarefa anunciada. T tase de um recurso para ; de modo a envolvé-lo na progressio expositiva. E como se 0 cativar © leita 312 © Leitura eEserita de Textos Angumentativos autor suge simples desse en c: “Agora, leitor, eur ¢ vocé faremos isso juntos”. Eis um exemplo fajamento | © por Mlexio mimero-pessoal do verbo: * Na préxima seco, veremgs a resolugio dessa questio, Notemos que soaria estranha a fle na primeira pessoa do singular (“na Proxima seco, vereia resolucao dessa questio”), pois daria a impressio de que o inda nao sabe qual sera a resolucdo, pois ela ainda sera vista. No entanto, 0 se dard a ver conjuntamente, ceremos” tem o sentido de que a resolu Ao leitor a resolucio sera mostrada, e ele poderd vé-la conforme 0 ponto de vista do autor, Eis um exemplo similar * Ao final do percurso, saberemos a resposta ao enigma da racionalidade. Também soaria estranha a flexio na primeira pessoa do singular (“ao final do proceso, sabereia resposta [...]"), como se 0 autor nao tivesse nocio prévia do que defende. Ora, é claro que o autor jé sabe, a0 menos na versio final de seu texto, qual resposta dard ao enigma. Contudo, ao formular que “saberemos” dela ao final do percurso, engaja o leito te 08 aut Tos empregam por vezes essas flexdes plurais dos verbos mesmo se adotam como foco narrativo central de seus textos a primeira pessoa do singular. Fica indicado chamamento do leitor como coparticipe do movimento exposicao. Vale notar que os autores madu- por meio delas um sut expositivo. Essa € uma estratégia ret6rica que marca o respeito as capacidades interpretativas do leitor (chamando-as a aco em momentos nucleares da expo- sicao), ao mesmo tempo que tenta garantir certa credibilidade ao autor, uma vez que este se assume apto a tornar inteligivel para o leitor o movimento expositivo. Emprega-se a mesma estratégia com verbos no passado, quando entio 0 autor sugere que o leitor prestou a devida atencao na exposigao. Nesse caso, lancase um respeitoso alerta ao leitor acerca do que se espera que jé tenha sido compreendido: * Na seco passada, aprendemos a avaliar as premissas de um argumento. ‘+ Vimos que essa hipétese nao se sustenta. 3.3 AJUSTA MEDIDA DA METADISCURSIVIDADE Por meio dos recursos metadiscursivos, fica muito mais facil para o leitor entender qual o posicionamento defendido pelo autor ¢ de que maneira preten- de justificd-lo no correr da exposicdo. Tornam-se manifestas as principais decisoes te6ricas de que a progressio expositiva se compée, 0 que atesta 0 compromisso do autor em expressarse de forma compreensivel para o leitor. Deve-te insistir em que 05 recursos metadiscursivos nao sio acréscimos inessenciais a uma suposta articulacdo auténoma de contetidos proposicionais,

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