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168 A. 1, Pérez Gomez Isolamento do docente ¢ autonomia profissional Oisolamento do docente, vinculado ao sentido patrimonialista de sua sala de aula @ seu trabalho, pode ser considerado uma das caracteristicas mais difundidas perniciosas da cultura escolar. Por miltiplas razdes hist6ricas, a cultura do docen- te parece vincular a defesa de sua autonomia e independéncia profissional (0 famoso prinefpio da liberdade de cétedra) com a tendéncia ao isolamento, & sepa- Tagiio, & auséncia de contraste e cooperagdo. Mal-entendida assim, a autonomia profissional induz & multiplicago de pequenas e fragmentadas facgdes, nas quais cada professor, dentro de sua sala de aula, seu espago, se sente dono e senhor - soberano, respira, se sente livre das presses e dos controles externos e com a autoridade para governar, inclusive arbitréria e caprichosamente. Como susten- tam Fullan e Hargreaves (1992), 0 isolamento profissional dos docentes li acesso a novas idéias e melhores solucdes, provoca que 0 estresse se int acumule ¢ infecte, impede o reconhecimento e 0 elogio do éxito, ¢ permite que os incompetentes permanegam em prejuzo dos alunos, e dos préprios colegas docentes, Flinders (1988) distingue trés classes de isolamento: o isolamento como es- tado psicolégico, no qual a inseguranga pessoal ou o medo a critica recolhe 0 docente as margens de sua sala de aula, de sua incompeténcia e de sua previsivel arbitrariedade e autoritarismo, De modo curioso, esta estratégia pessoal conduz, precisamente ao incremento da inseguranga e reforga, portanto, 0 cfrculo vicioso do isolamento progressivo. Somente no contato e na colaborago com os colegas num clima de atengao ¢ solidariedade, ele pode procurar 0 apoio que necessita ara a safda da inseguranga profissional. Em segundo lugar, o isolamento ecolé- gico, determinado pelas condigdes fisicas e administrativas que definem seu tra- ~balho, Neste sentido, pode-se afirmar que tanto as condigoes fisicas'e arquitet6ni- cas do lugar de trabalho, com a separagiio tdo radical entre aulas, com aauséneia de espagos polivalentes, abertos e multifuncionais, como a estrutura dos horiirios © a fragmentaco disciplinar do curriculo induziram, na escola tradicional, um modo de fazer docente que reforga 0 isolamento e dificulta tanto a comunicagio como a colaboracao. F facil comprovar que a maioria das experiéncias histéricas de renovacdo pedagégica foi proposta como condigao inicial romper o isolamen- to € modificar a estrutura espacial, temporal e curricular para favorecer 0 contato © a cooperagiio. Em terceiro lugar, distingue 0 isolamento adaptati ncebido: como uma estratégia pessoal para, ativa e voluniariamente, encontrar o préprio espago de intervengiio e preservé-lo de influéncias prejudiciais do’ contexto. Em. condigées administrativas, escolares ou sociais, sensfveis e favordveis & diversi- dade e ao respeito aos diferentes modos ‘de conceber a tarefa profissional, os docentes conscientes e criativos se refugiam no isolamento de sua aula, como uma estratégia adaptativa para desenvolver, com certa liberdade, seus modos di- vergentes ¢ singulares de intervencao pedag6gica, Como se manifesta em diferentes investigagdes (Fullan e Hargreaves, 1992; Lortie, 1975; Rosenholtz, 1989; Hargreaves, 1994), 0 isolamento dos docentes concebido como refiigio, mecanismo de defesa ou patriménio incontestavel tem A CuLtura Escotar na Soctepape Neouperat. 169 *N.do. importantes conseqUencias prejudiciais tanto para o desenvolvimento profissio- nal do proprio docente como para a pritica educativa de qualidade e de desenvol. ‘vimento satisfatério de projetos de mudanga e inovagao. Drisolamento é 0 am- biente adequado para 0 cultivo do pragmatismo, da passividade, da.teproducio conservadora ou da aceitagdo actitica da cultura social dominante. A auséncia de contraste, de comunicaca de experiéncias, possibilidades, idéias, recursos didé- ticos, assim como de apoios afetivos proximos, reforga o pensamento pritico e critico que o docente adquiriu ao longo de sua prolongada vida na cultura esco- lar dominante. Uma vez mais, voltamos a comprovar a malversagio de idéias potencial- mente formativas, Confunde-se a identidade pessoal com o isolamentore a defes: numantina” do préprio territério, mesmo quando fechada a porta da sala de aula a maioria dos docentes, vazia de originalidade e identidade criativa, répita e repro- duza modelos alheios, assumidos e interpretados de maneira unfvoca e homog nea, Este isolamento mal-entendido e passionalmente defendido nao conduz & afirmagio das diferengas, & estimulacao da criatividade, & busca de alternativas originais e esta impedindo, pelo contrétio, a colaboragio e o enriquecimento miituo dos docentes. A autonomia profissional do docente ¢ a busca de sua identidade singular supdem, evidentemente, 0 respeito as diferengas e a estimulagao da diversidade as concepeées tedricas ¢ nas préticas profissionais, como condigdo ineludivel do desenvolvimento criativo dos individuos e dos grupos de docentes, que preci- samente se propdem como objetivo de seu trabalho promover nos estudantes 0 desenvolvimento de sua autonomia e ctiatividade pessoal. Na consecucao deste propésito, é evidente que o docente precisa de solidiio tanto como de colabora- cio, de reflexao individual tanto como de comunicagao e contraste, de modo que seus processos de pensamento e de atuagio possam refletir a autonomia intelec- tual de suas intuigdes, andlises e propésitos, bem como 0 acordo com seus com- panheiros para elaborar e desenvolver um projeto comum, flexivel 0 suficiente e convergente para acolher a diversidade criativa ¢ a busca compartilhada, Este conceito de autonomia pouco tem a ver com a reivindicagao do isolamento como patrim6nio profissional e garantia de controle inquestiondvel. Curiosamente, 0 isolamento é acompanhado com demasiada frequléncia de adaptagio irrefletida as exigéncias da cultura social homogénea e rotineira da vida escolar, ¢ € precisa- ‘mente a colaboragiio que respeita a independéncia o que permite enfrentar as resistén- cias institucionais para melhorar a pratica (Bullough, 1987, Grimmett, 1992). ‘A competitividgde ¢ a, balcanizagao \Fullan e Hargreaves, 1992) sio outra manifestagio a mais da’éultura escolar individualista e sem solidariedade. Como lima genérico que enquadra as relagdes sociais entre professores, ¢ especialmen- te entre alunos, € uma conseqiiéncia inevitével da mercantilizagéo do rendimento académico nas escolas. O clima de relagies sociais, a elaboragio ¢ a aplicagio das normas de convivéncia, a demarcagio de papéis ¢ 0 estabelecimento de este- Referéncia & Numancia, antiga cidade da Hispania Citerior 170 A.1. Pénez Gomez Te6tipos, os modos de participagio e as estratégias de aprendizagem se encon- tram nitidamente mediatizados na escola por esta caracteristica de sua cultura que, de maneira as vezes explicita e as vezes oculta, estende a rivalidade a todos, 0s Ambitos dos intercdmbios. De modo algum, pode-se presumir que as atitudes ¢ ‘0 comportamentos, tanto sociais como académicos, sejam gerados na escola como conseqiiéncia de um desejo natural de aprender ou comunicar. O carter avalia~ dor do contexto escolar ¢ seu potencial poder de classificagiio e Certificagéo me} jocrétic saturam e podem distorcer a maioria dos intercdmbios © attiagoes, im- pedem s colaboragio studavel e reforgam um modo de conduta,assentado nas insti tuigdes burocraticas e na sociedade mercantil, de compra e venda generalizada. Do mesmo modo, a fragmentacio disciplinar do currfculo gerou na universi- dade e no ensino médio ¢, inclusive, embora de forma mais lenta, no ensino pri- mirio, o fendmeno denominad«(baleanizagio. Supde a configuragio de espagos sociais fechados, os departamentos por dreas de conhecimento, nas quais se per- de a visio do conjunto do projeto educativo do centro escolar em favor dos inte- resses ¢ da restritiva interpretacdo do reduzido grupo disciplinar ao qual pertence. Abalcanizago ou a fragmentagdo isciplinar manifesta as seguintes caracteristi- cas (Hargreaves, 1994): escassa permeabilidade entre os subgrupos, que se en- contram fortemente isolados; elevada permanéncia de modo que a estabilidade dos subgrupos provoca a identicade coletiva e a identificagao dos individuos como componentes desses subgrupos; € orientagio e compromisso politico como estra- tégia para defesa de seus interesses. A defesa do proprio beneficio, assimilado & promogio do grupo préximo, leva 2 intensificag#o da competitividade entre de- partamentos em prejuizo do desenvolvimento cooperativo do projeto comum. Além disso, a fragmentagdo da escola em subgrupos isolados e em concorréncia pode ter importantes e graves conseqlléncias, nao apenas para o desenvolvimento de um projeto comum e para a necesséria orientagio interdisciplinar do curriculo, como também para a continuidade no acompanhamento do progresso dos alunos ¢ para-a comunicagio fluente que requer a coordenagdo horizontal e vertical. A promogaio social dos valores relacionados com o individualismo se con- ‘retiza na escola em torno da concepgdo da apréndizagem como um fendmeno individual, A maioria dos estudantes e das escolas aceita que a aprendizagem & ‘uma experiencia essencialmente individual, de modo que a preocupacio funda- mental da atividade docente € orientar ¢ estimular 0 progresso individual. Neste sentido, a aprendizagem individual e isolada apéia e reflete ao mesmo tempo uma ‘concepcio competitiva da aprendizagem, criando na sala de aula e na escola um ambiente de competitividade e falta de solidariedade. O desenvolvimento das tarefas académicas na escola, dentro desta perspectiva, cria um clima pouco pro- picio a colaboragiio ¢ ao descobrimento cooperativo. Pelo contrério, e como bom reflexo das tendéncia sociais, 0 éxito académico de cada um parece exigir o fra- casso dos demais colegas, impondo paulatina, mas progressivamente a idéia de que 0 mais importante na vida académica, e por extenstio na vida social, so as, préprias aquisigdes, os resultados € os éxitos. De modo paradoxal, tal endeusa mento do individualismo competitive nao se vé acompanhado, nem na escola a A CuvTura Escotar na Soctepae NeouimeraL 171 nem na sociedade, pela tendéncia a respeitar as diferengas individuais, de cultura, de raga nem de sexo, nem a favorecer e a potenciar o desenvolvimento da criati- vidade e a formagao de identidades singulares. Pelo contrério, se impdem, atra- vés do isolamento e do trabalho individual, os padrdes de uma cultura uniforme que implica um modo de pensar e atuar nitidamente obtuso e homogéneo. Os estudantes das mais diferentes escolas das sociedades desenvolvidas contempo- rneas esto aprendendo, individual e isoladamente, os mesmos contetidos, as, mesmas formas, semelhantes procedimentos e métodos de trabalho; desenvol- ‘yer similares atitudes; incorporam os mesmos valores e abrigam as mesmas ex- pectativas, de modo que se impde uma cultura uniforme e, as vezes, intolerante que ignora e deprecia o diferente, que penaliza a discrepancia e a dissidéncia, que renuncia as alternativas criticas Colegialidade burocratica e cultura de colaboracao | A colaboragio entre os docentes e a colegialidade, como componente de sua com- : peténcia profissional, adquiriu rapidamente o significado de uma nova ortodoxia - nos processos de mudanga e inovagio na escola (Hargreaves, e Fullan, 1992a, 1992b; Campbell e outros, 1992; Fullan e Hargreaves, 1992), Considera-se que a colaboragio transporta o desenvolvimento profissional dos doceintes mais além & dos reduzidos e locais horizontes do individualismo e isolamento, da dependén- a cia dos especialistas externos, para um cenério em que os docentes podem aprender uns dos outros ao compartilhar suas experiéncias, temores, prop6sitos e pensamen- ” tos, Ao se converter num novo Componente da ortodoxia da politica de inovagao a escolar, é conveniente suspeitar a0 menos de,que pode apresentar rhuitas formas | ° distintas e responder a interesses e a prop6sitos pedagégicos inclusive contfaditérios. 2, Na esteira de Hargreaves, muitos autores comecaram a exp6r as contradi- 28 ‘gOes que apresenta na realidade escolar 0 conceito de colegialidade. Ao menos, ; cabe entender que nao é uma categoria fechada, mas um amplo intervalo ern que a se situam diferentes comportamentos que vo desde a cultura da colabora 10 i espontdnea a colegialidade burocratica e artificial, . é Podémos entender a c6légialidade artificial cdmio um conjunto de procedi- a éntos burocriticos, orientados para incrémentar'a atengo que se presta na e8-.~- ste cola para a necessidade de trabalhar juntos, ao menos no momento do esboco e-.~ na planejamento dos'projetos educativos e curriculares da escola. Conceitos ¢ expe- om { rigncias como o planejamento conjunto, o treinamento miituo, ensino tutorizado, las Hl grupos de trabalho, etc. sfo outras tantas tentativas de promover a colaboragae da O- a Administrago escolar, local, regional ou nacional. Enfim, a colegialidade buro- om crética supde uma tentativa de controlar artificialmente 0 risco, a aventura € a rae incerteza que implicam os processos naturais de colaboragao espontinea, nos de quais os docentes, como qualquer outro grupo social, comegam a debater e ques- } as tionar os aspectos, as normas, os rituais, os valores e os procedimentos que niio sas satisfazem suas proprias expectativas, iniciando a experimentagao de novos pa- ola drdes ¢ formas de atuagio cooperativa. FR 172. A.1, Pénez Gowez ‘A colaboracao burocrética iio surge e nem se desenvolve-espontaneamente pela iniciativa dos proprios docentes, mas € uniaimiposigdo adminis ot parle das autoridades que de fora considefam interessante 0 trabalho em comum. E, portanto, obrigatoria e vem habitual mente acompanhada de um plano de ago, no qual existe pouco espago de liberdade para a criatividade dos docentes. Orien- ta-se, desse modo, para a aplicagdo dos projetos de reforma e mudanga decididos de fora e, poucas vezes, permite a éxperimentagio diversificada de métodos, es- tratégias, recursos e meios originais ¢ especificos de cada contexto escolar. Tem lugar num espago e num tempo prefixados pelo projeto de reforma e deve condu- zit a alguns resultados que foram previamente fixados como objetivos desejéveis (Hargreaves, 1994). E paradoxal e muito significativo, por outro lado, que a cole- gialidade burocrética e artificial seja fomentada logo agora, quando as politicas, centralistas ou mercantis, desejam menos margem ao contetido da colaboracio, a0 furtar dos docentes as decisSes mais importantes sobre as finalidades ¢ as fungdes de sua intervengio profissional. ‘A necessidade atual de superar a configuragio individualista ou balcanizada da estrutura de relagdes de trabalho dos docentes, proprias da escola clissica, para ter acesso a uma estrutura de maior colaborago, exigida pelas transforma- ‘Gdes econdmicas e sociais da sociedade pés-modema, e em particular dos siste- mas atuais de organizacao eficiente, desencadeou a estratégia onipresente € com- pulsiva em todas as reformas educativas de fomentar e exigir a colaboraglio, a0 menos formal ou procedimental, dos docentes. Na melhor das hipéteses, a cole- gialidade burocrdtica pode ser considerada um passo prévio e, muitas vezes, im- prescindivel para provocar a desejada transigo para a colaborago, Em suas for- mas mais desdenhaveis, a colegialidade burocritica supde uma imposi¢zo sem sentido que se aceita somente como prescrigdo autoritéria, que acumula atuagdes attificiais com o tnico propésito de preencher papéis ou cumprir expedientes, sem a menor incidéncia na modificagdo prética, ou, pior ainda, provocando re- chago e queimando possibilidades de construir processos espontineos de coope- ago desejada, Pode, inclusive, se converter num instrumento de dominagao controle das minorias divergentes e contestat6rias, impondo como correto um pensamento homogéneo que impede a discrepancia, a contestagio e a originali- dade, A obsessio por alcancar um pensamento grupal que acompanha muitas experiéncias de colegialidade forgada e artificial pode facilmente provocar a im- posigdo autoritéria de uma Gnica ideologia que sufoca a diversidade e a criagao de alternativas imaginativas no confronto de problemas educativos. Nestes casos, ‘mais do que um passo deficiente e provis6rio, se converte num obstéculo & emer~ gncia de auténticas formas de inovagao cooperativa em educagio. Volta a apare- cer © pertinaz. dilema, o dificil equilfbrio entre potenciagao dos individuos como sujeitos de educacio e de atuagao social e as exigencias da coletividade institucional, Este cardter burocrético da vida na escola impregna de forma subterrfnea € explicita as tarefas, as atividades e, sobretudo, as interagBes. Como em toda insti- tuigao social, o estabelecimento na escola de procedimentos formais para ordenar a vida coletiva é, sem dévida, um estimavel avanco sobre a vigéncia arbitraria € amente iva por> ommum. eagio, Orien- ididos 08, e- Tem ondu- javeis cole- ‘ticas, agio, eas die ‘A Cuntura Escotar na Sociepape Neouperat. 173 caprichosa dos interesses ou das exigéncias dos mais poderosos, No entanto, quan- do na vida escolar comegam a se valorizar procedimentos independentes.de seu contetido e de sua virtualidade educativa, as tarefas dos professores e dos alunos perdem seu sentido vital e se convertem em meros instrumentos formais para cobrir as aparéncias. E necessério levar em conta que iniciativas e atividades que ‘manifestam riqueza antropol6gica, em seus respectivos contextos originais, fre- gliente e facilmente se convertem em meras rotinas formais quando se transferem para o cenério escolar. Parece como se a propria estrutura artificial e a finalidade académica da escola congelassem a vida de quanto se desenvolve nela, A vida se converte em simulacro a servigo do éxito académico na superagao das avaliagoes. Basta como amostra a recente elaboraciio burocrética, na maioria das escolas es- panholas, dos projetos curriculares, demandados pela Administragio. Acredito, sinceramente, que, neste aspecto, embora a realidade seja muito desigual, a obri- gacdo de realizar a prazo fixo e por imperativo legal o projeto curricular em todos 08 centros escolares provocou, em muitos casos, uma implicagdo apenas burocré- tica e ficticia do professorado, a qual se traduz numa simples movimentagdo que em nada afeta a melhora da qualidade da prética.’Em outros casos, estimulou um processo de discussio forgada, cujos resultados so realmente incertos; em ou- ros — em menor németo -, permitiu um marco legal para desenvolver um interes- sante trabalho de experimentagio coletiva, a partir do debate e da elaboragio conjunta de um projeto de intervengio, &s vezes jé iniciado anteriormente, que orienta a atividade de cada um, 0 contraste de idéias ¢ experiéncias, 0 apoio do grupo ante as dificuldades e resisténcias da realidade e a adequagao as caracteris- ticas de cada contexto, Quando as reformas educativas decididas, planejadas e desenvolvidas pela Administragdo se convertem em propostas ¢ exigéncias burocréticas, derivam em ‘meros simulacros formais que nada mudam a realidade dos intercambios da aula, embora se modifiquem a linguagem € o jargo profissional. Desta maneira, as reformas apenas formais provocam a saturagao de atividades burocriticas dos docentes sem modificar a qualidade da prética. Parece, entdo, evidente que as tentativas meramente formais e burocréticas de incrementar a cooperagao entre 08 docentes no conduzem senfio a uma colegialidade forgada e ficticia que incre- menta as obrigagGes, a saturagdo do trabalho e o fastio profissional. ‘A colaboragao espontéinea, pelo contrétio, supde uma cultura bem diferente que afeta tantoros modos de entender a escola ¢ os processos de ensino-aprendi- zagem como os papéis docentes e os procedimentos de interagao entre professo- res, com os estudantes € com a comunidade. A cultura da colaboraga0, embora condicionada evidentemente pelas restrigdes administrativas ¢ pela prOpria hist6- ria escolar, assim como pelas tradigdes da cultura docente, surge e se desenvolve ‘como um propésito decidido da prépria comunidade escolar, convencida de que as necessidades, os interesses, as complexidades e os propésitos.da tarefa edu- cativa requerem a cooperagio independente. Necessita um espago de liberdade de intervenedo, seja para elaborar seus préprios projetos e experiéncias, seja para responder com certo grau de autonomia as exigéncias dos projetos da ‘Adminis. 174 AI. Pérez Gomez | tragdo ow as recomendagdes dos especialistas. Nao é uma estratégia conjuntural para um espago € um tempo determinados, é uma forma de entender € viver a educagao na instituig“io escolar que vai se modificando e aperfeigoando dentro de um projeto ilimitado, B imprevisfvel em seus resultados precisamente por com- preender um projeto aberto as contribuigdes individuais debatidas e reflexio- nadas, por entender a'natureza inacabada, provisGria e criativa de toda em- presa educativa. A cultura da colaboragio néo € apenas um requisito de uma organizagao institucional que pretende a relevancia e a eficdcia: é uma condi- Ho reflexiva. ‘A cultura da colaboragio tem dois aspectos fundamentais que se implicam mutuamente em todo processo educativo: por um lado, o contraste cognitivo, 0 debate intéJectual que provoca a descentralizacdo e a abertura & diversidade; por ouito, o-clima afetivo de confianga que permite a abertura do individuo a experi- Encias alternativas, & adogao de riscos e ao desprendimento pessoal, sem a amea- ado ridiculo, da exploragao, da desvalorizagio da propria imagem ou da discri- minagdo.'5/A confianga afetiva § fundamental em todo processo de inovacao & melhora institucional, pois a transformagao da cultura escolar requet a modifica- ‘¢do no apenas das idéia, mas fundamentalmente dos sentimentos e dos compor- tamentos adquiridos na hist6ria individual, mediante experiéncias vitais que con- figuram o esqueleto da personalidade, contréria ¢ resistente a toda mudanga fun- damental. A cultura da colaboragao € 0 substrato basico intelectual ¢ afetivo para enfrentar a incerteza e 0 risco do fracasso.A-incérteza, 0 fracasso ¢ 0 conflito niio so consequiéncias indesejaveis de um processo de mudangae aprendizagem,mas seus companheiros inevitveis, sempre que 0 processo de aprendizagem indivi- dual ou social seja suficientemente rico ¢ relevante para afetar parcelas funda- mentais da vida individual e coletiva. Na‘culturada colaboragio, hi espago para 0 Conflito e a discrepancia sempre que existam mecanismos de comunicagiio e entendimento que permitam a tefle- xo e o contraste construtivo, precisamente porque se parte de uma compreensio comum da educagio e da comunicago humana como um processo aberto para a diversidade e para a criag3o, um compromisso ético com a pluralidade de formas de entendimento da realidade individual e social quando se compartilha uma es- trutura democratica e solidétia, A cultura da colaboracao € tao complexa e dificil como 0 préprio proceso educativo, nao apenas porque é dificil de praticar dentro da cultura tradicional dos docentes, escassamente familiarizada com a cooperagao (Bird e Little, 1986; Bullough, 1988; Campbell, 1996; Gitlin, 1987; Campbell e Southworth, 1990; Nias, 1987), senfio apenas porque sua natureza ética implica a inevitével diversi- ficagdo de suas interpretagdes, em virtude dos interesses dos diferentes grupos de poder que se debrugam sobre a vida da escola. Como mostrou com maior clareza ; a anélise micropolitica (Ball, 1989; Hoyle, 1986; Woods, 1987), a cultura da co- ' laboragiio manifesta miltiplos flancos débeis tanto para o exterior como no inte- ; rior da instituigdo. No flanco exterior, quando se aprofunda nas estreitas margens de liberdade e de independéncia que a escola tem, tanto no sistema centralizado ‘A Cuvtura Esco.ar na Sociepape Neouiserat, 175 como no sistema aberto do livre mercado; pois, em ambos os casos, se desperta a conjuntural * imediatamente a interrogagio da utilidade de uma cultura de colaboragao num \der e viver a Sisineee contexto jé determinado, ¢ quando o propésito que Ihe é atribuido é a melhor snte por com- execugdo de objetivos jé decididos de fora. No flanco interior, ao tornar manifes- as e reflexio- to que x€sCola nto’ € um marco de consenso ¢ acordo voluntério, mas um cendirio asidsten® ial ndio-escolhido pelos individuos, no qual se apresentam os interesses € as Tutas de poder to complexas e intensas como a propria sociedade, desde que 0 ‘contetido da tarefa docente seja claramente ético, politico ¢ ideolégico. ‘A cultura da colaboragao pode ser simplesmente um simulacro superficial de consenso que esconde as profundas e inevitéveis divergéncias nas concepedes | éticas e politicas da sociedade que se refletem, com certeza, na educagao. As discrepancias entre os grupos no contexto escolar so to importantes ¢ intensas como as convergéncias e os acordos. Por isso, ser conveniente nao esquecer | ‘componente politico da atividade educativa, inclusive nas cult ras em que se i parta da aceitagao da democra pisito de uma uma condi- e se implicam e cognitivo, © versidade; por éduo a experi- |, sem a amea- n ow da discri- de inovagio € er a modifica- \* e dos compor- a como marco genérico de atuacio, O que signi- fica € comiose comicreétiza a participacdio democratica ¢ a igualdade de oportunida- des numa sociedade dividida pela desigualdade seré sempre objeto de debate confronto. Os problemas de definigdo dos contornos democraticos da vida em | ‘comum, assim como de suas implicagdes no desenvolvimento auténomo dos in- ‘itais que con- in 3 muganga fun- dividuos, através da intervengdo edueativa, se colocam como desafios permanen- le kiN para tes para a cultura da colaborago, a qual busca a convergéncia respeitando a di 16 0 conflito nao | versidade. ndizagem, mas: { izagem indivi- Saturagdo de tarefas e responsabilidade profissional arcelas funda- | 7 | ‘Um dos sentimentos mais constantes do professorado na atualidade € sua sensa- ;pancia sempre | io de sufocagdo, de saturagdio de tarefas e responsabilidades; para fazer frente &s rmitam a refle- ) ‘noVas exigéncias curriculares e sociais que pressionam a vida diéria da escola. A a compreensio integragaio de criangas com necessidades educativas especiais no desenvolvimen- o aberto para a | to normal da aula; a introdugdo de novas éreas ¢ orientacées curriculares; educa- dade de form: | ‘gdo sexual, novas tecnologias, educagdo moral, que atravessam horizontalmente artilha uma es- | ‘estrutura disciplinar do curriculo; os continuos projetos de reforma e mudanga | impostos pela Administragio, nos quais se modificam ndo apenas os contetidos prio processo | do curriculo, como também os métodos didaticos e os papéis profissionais dos {ura tradicional | docentes, que agora siio pressionados a assumir a responsabilidade de uma certa je Little, 1986; autonomia na configuragao de seu trabalho; as exigéncias sociais de eficiéncia thworth, 1990; | observavel e a curto prazo para satisfazer as exigéncias do mercado; os projetos de avaliagao do rendimento das escolas e dos docentes para facilitar o controle social do servigo educativo e fa _ Tias ete. Sao todas modificagées recentes que supem uma transformagio radical do contetido laboral do docente desde a sua cliéssica definigao como transmissao dentro da sala de aula, controle disciplinar e avaliacao objetiva, & complexa defi- nigio atual como planejador,facilitador, avaliador, comunicador, Ider pedagégico, tutor de futuros docentes e, inclusive, competidor no mercado da oferta escolar: A vel diversi- entes grupos de n maior clareza a cultura da co- como no inte reitas margens ma centralizado litara livre escolha de escola por parte das fami- 176 A. 1. Perez Gomez Gace aula, escola, acomunidade ¢0 mercado 0 os endrios em que se desenvol- em vorrptexa vida laboral do docente nas sociedades pés-modemas dehnitivemente; podemos afirmar que, ante a necessidade de responder wo incremento de complexidade da sociedade atual, a escola e, em conseqiiéncia, 0 docente se vem forgados a complicar sua estrutura e funcionamento, A transmis” so de conhecimentos disciplinares nao pode ser ‘considerada, na atualidade, como 6 objetivo nem exclusivo nem primordial da escola, nfo 36 porque jé nao respon- de as exigéncias de um ‘cendrio econdmico e social tao flexivel, diversificado & mativel que demanda mais desenvolvimento de capacidades atitudes que de rutmulaedo, sendo porque o progresso vertiginoso da ciéncia e da tecnologia yorna efémeros e obsoletos os contetidos curriculares recentes & facilita outros sorts emevanismos de comunicagdo dos avangos cientifics, muito mais Ages, imediatos e sedutores do que a Jenta e tediosa maquinaria escolar. A escola tem due repenser sua fungaoinstrtiva e educative, desde sua elisiea fungio.ranss— veiceora de informagdes para outra mais complexa como facilitadora do pensa- te autOnomac eritico e das atitudes e capacidades de intervencio reflexiv Trartogdo eas, € indubitvel que a fungio docente se complica e intensifia,além de set roais difusa e incerta, quer se fagam as mudangas requéridas de forma purocrdtica e artificial, quer se promova um processo espontaneo de reconstrugiio da cultura escolar. ® 'No perfodo atual de transiglo, de busca incerta e confusa de novos procedi- mentos ¢ novos papéis, € dbvio que o docente se sente angustiado pela intensifi- rego de suas tarefas profssionais para fazer frente, de manera incertae fuss S complexa e urgente diversidade da demanda. Além do mais, em que recompor « reconstruir seu papel profissional ao mesmo tempo em que se incrementarh XS stiseneiasextriores que se tornam mais urgentes. Ineremento de responsi dades e mudanca de papéis e fungdes se mesclam numa preocupante convergén- cia para aumentar a confusiio e o estresse, Entre as multiplas conseqiiéncias prejudiciais da intensificagao laboral do docente (Hargreaves, 1994), podemos ressaltar a caréncia de tempo & de tranquli- Tidade para se concentrar na tarefa de atengio aos estudantes dentro e fora da aula, refletir sobre o sentido de sua atividade e se formar nos aspectos cientificos | culturais que compdem o substrato de seu pensamento © sensibilidade. As ur- géncias angustiantes de curto prazo impedem 0 desenvolvimento sossegado das Gqualidades pessoais e profissionais do docente que se manifestam a longo prazo. ‘Assim, entio, a complexidade da tarefa educativa; a tensio de suas pretensdes. apesar das tendéncias socializadoras do entorno; © tédio e a desatenc&o que os 1 seer manifestam, freqientemente desconectados como pessoas do artifcio sccadémico em que se transforma a escola, a sensago © a percepgso das lacunas aeagen processo de formagio como profissionais cOmpetentes ara ratar a com plexidade e a diversidade; as exigéncias esmagadoras © continuas da Administra- | fo para introduzir reformas complexas (a aceitagto da diversidade, a necessida- | de de elaborar os projetos curriculares, as demandas da diversidade, a neces: de de elaborar os projetos curticulares, as demandas de adaptagées curriculares, A CULTURA EScOLAR NA SocieDADE NeouneRAL 177 ese desenvol- ete.) so fatores que desarmam a débil competéncia profissional do docente, mergu- thando-a, muitas vezes, numa sensacio de impoténcia, inseguranga e estresse que responder 20 conduzem, por conseguinte, a uma atitude de dependéncia, carente de iniciativa, & nseqtiéncia, 0 espera das determinagbes e recomendag6es oficiais de fora, da Administracdo. . A transmis Parece evidente que a intensificagdo e a confustio comespondentes & etapa dade, como | de transigdo que vive a escola e a cultura docente sao inevitaveis em certo grau, 4 nfo respon- | ‘No entanto, quando nao se considera a responsabilidade das respostas is deman- versificado das sociais uma exigéncia estritamente individual ¢ imediata, os efeitos da inten- tudes que de sificagdo podem ser modulados e aliviados em parte pela cobertura do grupo de Ja tecnologi companheiros e pela legitimago do processo reflexivo. Nem todas as demandas cilita outros + dasociedade provocaram a resposta mecénica da escola. A especificidade dé sua 10 mais dgeis, fungao educativa Tegitima a autonomia ielativa de suas iniciativas e atuag A escola tem Favor do desenvolvimento autonomi6 € critico das formas de pensar, sentir e atuar fungo.trans=_ dos sujeitos. O sossego € a parciménia nas respostas podem ser uma estratégia de ora do pensa- \ incalculével valor educativo para os estudantes, que comegam a compreender a cio reflexiva. diferenga entre o seguimento servil as exigéncias do mercado ¢ a reserva de certa ensifica, além autonomia para configurar 0 pr6prio critério nas iniciativas individuais ou coleti- das de forma vas, Correr para n‘io chegar a satisfacdio.e perder a beleza dos lugares do camninho reconstrugao & em minha opinido, uma atitude esttipida, embora, &s vezes, pareca inevit Por outro lado, a diversidade de exigéncias que requer a complexidade social ovos procedi- | atual no pode ser respondida de forma isolada na escola, requer-se a comple- pela intensifi- mentariedade de capacidades e especializagbes que a equipe de docentes pode certa e difusa, oferecer, dentro de um projeto educative compartithado. A concepgao da fungio que recompor docente como uma tarefa de grupo pode ser a melhor resposta ante a intensifica- creméntam as do eo estresse. Complementariedade, apoio afetivo e intelectual e estimulagao responsabi da reflexo ¢ experimentagao criticas so os recursos fundamentais que a cultura te convergén- de colaboragio dos centros escolares pode oferecer para aliviar a angiistia e in- crementar a qualidade educativa da pritica, io taboral do ' > e de trangili- , . ntro ¢ fora da | Ansiedade profissional e cardter flexfvel e criative da fungio docente tos cientfficos lidade. As ur- A perda da legitimacao tradicional da tarefa docente, a incerteza dos novos hori- zontes, acompanhadas pela pressio e pela urgéncia de responder ds exigéncias do meicado, assim como a escassa consideragao social de seu trabalho esto provo- sossegado das a longo prazo. 1as pretensdes cando no docente um alto grau de ansiedade e insatisfagdo profissional. A cultura tengo que os 4 docente de final de século se nutre, em grande medida, de frustragao, ansiedade, as do artificio desorientagao e cinico pragmatismo (Esteve Zarazaga, 1987; Banks, 1993), iio das lacunas ‘A exigéncia de renovacdo permanente para fazer frente as necessidades a tratar acom- mutaveis da sociedade, ao ineremento vertiginoso do conhecimento cienttfico € la Administra cultural, as caracteristicas peculiares e desconhecidas de cada nova geragao de e, a necessida- e, anecessida- s curriculares, estudantes, as solicitagdes de renovagiio metodol6gica derivada do desenvolvi- mento do conhecimento pedagdgico, as demandas da Administragao (que impoe modificacGes politicas e técnicas em cada mudanga de governo, legitimadas em 178A. 1. Perez Gomez maior ou menor grau pela expresso majoritéria da populagdo nos processos elei- torais) provoca tanto a tendéncia positiva & mudanga criadora como a freqilente perda do sentido, o desconcerto e a frustragao. Os docentes encontram dificulda- des para responder profissionalmente as demandas insistentes de mudanga e re- novacao. Quando o profissional docente se sente incapaz de enfrentar as exigén- cias da mudanga, a renovacio se converte em crise ¢-frustracao, ‘A Compreensio do tempo e a urgéncia dos resultados\stio alguns dos aspec~ 108 mais significativos deste incontrolavel incremento da ansiedade docente. O tempo é pereebido pelos professores como 0 inimigo da liberdade (Banks, 1993).!” Induzida pelas exigéncias da sociedade de mercado, penetra na escola a obsessio pela eficiéncia aparente e a curto prazo. Pouco importa a evidéncia de que os processos realmente educativos que conduzem ao desenvolvimento criativo da personalidade individual requerem tempo e condig&es para a sossegada reflexio, fa experimentagio rigorosa e sem precipitagio, a anélise ¢ avaliagao detida. A escola se encontra esmagada pelo ritmo vertiginoso da sociedade do éxito e da aparéncia, e, embora seja contradit6rio com sua finalidade educativa, se preocupa obsessivamente pela obtencao de resultados a curto prazo, pela exibicgdo de rendi- mento académico, pelas manifestagdes observaveis do éxito, embora sejam me- ras e efémeras aparéncias formais. Nao importa que todos, docentes e cidadios, estejamos convencidos de que uma aprendizagem meramente académica, centra- da nos resultados a curto prazo; 6 cara, tediosa e efémera, Aprende-se para apro- var e esquecer. Na sociedade de mercado, 0s resultados académicos se convertem em mercadorias, os quais se valorizam aqui e agora, embora sejam s6 aparéncias eescondam um enorme vazio e auséncia de aprendizagem relevante. Em conse- {qlncia disso, se reforcam estratégias individuais e coletivas que se encaminham na priorizagio da rentabilidade sobre a produtividade, Na escola, como no mun- do da economia, tudo vale com 0 objetivo de conseguir os resultados esperados ‘ou socialmente valorizados. © propésito de superar com éxito os exames ¢ as avaliag6es e exibir a curto prazo o rendimento académico esperado justifica qual- quer procedimento ou estratégia, incluindo o engano ea cépia. Nao importa se com tal finalidade haja um curto circuito nos processos de aprendizagem ¢ orga- nizagao do pensamento mais poderosos e com mais virtualidade educativa a lon- go prazo. O éxito presente legitima tudo. Pois bem, esta ideologia da rentabilidade escolar, tio difundida ¢ querida pelas politicas neoliberais dos govemos conservadores, provoca nitidamente a desvalorizacio da tarefa educativa, situa o docente & mercé dos ventos revoltos do mercado e provoca sua insatisfacdo e ansiedade profissional, pois 0 aproxima do desvirtuamento de sua fungio educativa: a formagiio do individuo na recriagao da cultura, em favor de um simulacro entendido como a primazia do rendimento académico sobre os contetides disciplinares. Mesmo no sendo consciente das implicagdes que comporta a aceitagdo desta perspectiva tecnicista e pragmética, a maioria das escolas e dos docentes vive dentro de uma cultura que priariza 0 valor e 0 culto 2 eficécia simplista e imediata, pelo que a pritica educativa se converte exclusivamente numa atividade técnica de determinagao de objetivos, A Cuvura Escotar na Sociepape Neouserat. 179 ‘ocessos elei- o a freqitente am dificulda- rudanga € re- ar as exigen- ns dos aspec- fe docente. anks, 1993).!7 1a a obsessio sia de que os 0 criativo da ada reflexio, vo detida. A do éxito e da 1, Se preocupa igdo de rendi- ra sejam me- +s € cidadios, smica, centra- “se para apro- seconvertem 36 aparéncias te, Em conse- -encaminham omo no mun- dos esperados S exames € as justifica qual- Jo importa se zagem e orga- lucativa a lon- fida e querida nitidamente a entos revoltos jis 0 aproxima 1o na recriagio - pragm: que priotiza 0 a educativa se » de objetivos, escolha de meios ¢ avaliaco de resultados. A dificuldade para provocar motiva- io intrinseca em relagio a aprendizagens que, muitas vezes, néo tém sentido para a vida cotidiana dos alunos nem para seus interesses intelectuais, e que, outras vezes, se encontram acima de suas possibilidades de entendimento e compreensio, desemboca na insatisfago profissional, ansiedade pessoal e desilustio geral A cultura da escola pressiona para objetivos puramente instrumentais ou de racionalida- de instrumental, para a eficécia na imposigo de uma estrutura hierarquica e de uma aprendizagem de fragmentos de informac30. No entanto, os proprios desejos e proposi- .gdes do professor nunca se submetem definitivamente a tais pressdes. Se escutamos a ‘yor dos professores, sempre encontramos queixas que falam de sonhos iealizados e de realidades insatisfat6rias. (Bullough, 1987, p. 86) Seis exigéncias perversas do mercado no ambito educativo somamos acons- ciéncia atual da incerteza moral e cientifica, em relagio as finalidades e aos pro- cedimentos da pritica social em geral e da escolar em particular, podemos com- preender a importincia deste aspecto da cultura docente que provoca a descon! ‘anga nos principios e nos métodos tradicionais, sem vislumbrar substituigdes al- ternativas com certa garantia e credibilidade. A situagdo de perplexidade que se observa entre professores na atualidade € o fiel reflexo desta complexae plistica situagao de transigao. F facil comprovar que, para muitos, a fuga da perplexidade, da ansiedade do sentimento de culpa concomitante se resolve na aceitacdo servil das exigénci- as exteriores, embora se mostrem incompativeis com a natureza educativa da pratica escolar. Neste sentido, pode-se interpretar em parte 0 caréter conservador da escola, que parece se tornar agudo nos momentos de crise ¢ incerteza. Como instituigao social, a escola defende o equilfbrio conseguido por seus membros, alimenta as tradigGes e estimula o corporativismo como condigio de sobrevivén- cia. Sio estabelecidas hierarquias por critérios frequlentemente esptrios de anti- gidade ou distingo corporativa, independentemente do valor intelectual ou da qualidade do servigo piiblico que oferecem seus agentes, ¢ se levantam poderosas barreiras e resisténcias A mudanga. Perde-se de vista o objetivo que define a fun {¢@o educativa e se propde como norte dos intercambios e fundamento das normas de.convivéncia a adaptagao inquestiondvel cultura da escola e das exigéncias da sociedade mercantil. Sufoca-se, muitas vezes, toda tentativa e iniciativa de inova- ‘go pela iticerteza que provoca ao ameacar os costumes e as rotinas que susten- tam 0 equilibrio do starus quo, e para os alunos e para os docentes 0 cenério da escola se transforma no em uma oportunidade de educago, mas num contexto peculiar de socializagao. Como afirmam Fullan ¢ Hargreaves (1992) a incerteza, oisolamento, a satu- ragio de tarefas burocriticas, «hierarquizagao sem sentido e © individualismo compdem uma potente combinagtio que conduz, inevitavelmente, ao conservado- rismo. Para um amplo espectro de docentes, pode-se afirmar que a cultura esco- lar, buroerética, conservadora e pragmitica se assenta com forga em rituais ¢ inércias que constituem um cendrio peculiar e artificial de intercmbio, condicio- 180 A. 1. Perez Gomez nado de atuagdes por qualificagdes. Tal cultura impde sobre os individuos, que Nw vivem nela perfodos tio prolongados como estudantes ¢ docentes, uma ma- neita de pensar, sentir e atuar, em especial sobre educago e escola, fortemen- te arraigada, que perdura no tempo ¢ sufoca tanto as tentativas individuais de inovagiio como as possibilidades de critica te6rica (Pérez Gémez e Gimeno Sacristén, 1993). Para outro grupo de docentes, claramente minoritirio, a safda da incerteza indo esté no reforco de estruturas ¢ fungdes jé obsoletas nem na acomodagdo acti tica ts pressdes ou exigéncias exteriores do mercado, mas no aprofundamento do carter educativo da tarefa docente e na reconstrugo compartithada da cultura escolar e do papel do professorado. Como veremos no trecho seguinte, serd a estimulagio decidida do desenvolvimento profissional do docente que permite tomar a iniciativa neste periodo de crise e perplexidade. Coneeber a pritica do- cente como um processo permanente de aprendizagem, expel imentagao, comuni- cagio-e-seflexao comparilhada nfo apenas permite enfrentar as incertezas de nossa época com menor ansiedade ‘como facilita a elaboragiio de projetos e inicia- de estudantes e docentes a0 gozaF da aventura do ilidades ttivas que provocam a satisfago conffecimento, ao desfrutar da beleza da cultura e ao comprovar as possil de autodesenvolvimento criador. DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DO DOCENTE | | E dificil promover a transformacdo qualitativa da cultura docente para priticas inais inovadoras e criativas quando se deteriora em marchas forgadas seu stars Social e sua consideracdo social, A deterioragio da imagem ¢ do starus social que ‘esta sofrendo a profissdo docente se estende tanto a difusa, mas sign ciéncia social como as determinagbes reais da politica educativa das Administra- i «gées pitblicas ou dos gestores privados, assim como no préprio sentimento dos { ocentes. Nos iltimos anos, a preocupagao pelo desenvolvimento profissiow nal do docente, tanto em seus aspectos de formagao como de exercicio de sua pratica, condiges de trabalho, consideracio social, controle ¢ avaliagto, se ponverteu nao apenas num problema politico, administrativo ¢ técnico, como também num importante objeto de estudo tedrico, investigagao, debate pabli- co e desenvolvimento legislativo (Carnegie Task Force on Teaching, 1986; | Holmes Group, 1986; Holmes Group III, 1996).!® Na maioria dos estudos teGricos e nas propostas ou projetos de reforma, a necesséria transformagio j da escola e o incremento de qual ’ com a modificagdo da funcao docente e o necessé Aeseiivolvimento profissional. ———Tmbora no seja dificil apoiar decididamente tais propostas, implicados possuem um calado mais profundo do que manifestam em prinetpio, ¢ convém questionar com maior atengao. O primeiro aspecto que requer esclare- cimento é 0 proprio conceito de “profissao” e suas implicagbes. Jidade do ensino se vinculam habitualmente enriquecimento de su os problemas be a he de 20 ue tte ras io, ‘A Cutura Escotar na Sociepane Neouperat 181 A tortuosa evolugio do conceito de profissiio docente No conceito classico de/profissionais liberais {Lortie, 1975; Goodson e Hargrea- ves, 1996; Arenas, 1993);norestilo das Consideradas por seu status ¢ dignidade social — Medicina e Direito —, se distinguem@uatro ¢ cieristicas que identifi- cam as condig&es ou tragos fundamentais que as definem: — ~~ — um corpo de conhecimento especializado e padres comuns de intervengo pratica; — um importante componente ético, a deontologia profissional, dirigida para satisfazer as necessidades dos clientes; — uma forte identidade pessoal, sentido de pertencenga a tal mbito ocupacional, e = um controle colegial sobre'a selegao, a habilitacao, a avaliagdo e a permanén- cia de seus componentes. Eevidente que a tarefa educativa niio pode ser considerada uma profissio no sentido de cumprir os requisitos anteriores. Em especial, o controle colegiado da selecdo, da habilitago e da avaliagdo de seus membros, assim como 0 controle sobre a dignidade a prética docente nunca se situaram nos préprios professores, como nas diferentes Administragdes ou patrocinadores. Por outro lado, os docen- tes exercem um papel muito reduzido no momento de tomar decisdes no sistema educativo; trabalham, em geral, num clima de isolamento, quando néo de distan- ciamento e rivalidade, como vimos no capftulo anterior; néo tém demasiadas opor- tunidades para comunicar e contribuir para a criagdo de um corpo de conheci- mentos e experiéncias; e comegam a sofrer as consequléncias de desvalorizagao social e econdmica que se derivam das politicas neoliberais. Onde se encontram 0s signos de sua identidade profissional? (Os docentes, no mundo em geral ¢ na Espanha em particular, so, em sua maioria, funcionérios selecionados e avaliados sob o controle da Administragdo do Estado e nunca constitufram um colégio profissional com forga e competén- cias sobre a qualidade ou o desenvolvimento pessoal ou social da profisséo. Como ‘mostram as investigagGes recentes de Rosenholtz (1989), nem sequer os prépri- os docentes tém uma idéia te6rico e prat ico de ‘sua a le como estudantes ou como docentes, no longo me 10 de socializa¢ao pro- fissional na cuTtura da escola), do que com conhecimento especializado deri yado da investigagao. Por isso, grande parte das tentativas cléssicas de reinventar ¢ fortalecer 0 espirito profissional dos docentes"® foi encaminhada para encontrar e definir 0 corpo de conhecimentos fundamentais para 0 ensino, que Shulman (1989) sinte- tiza como uma codificada agregagdo de conhecimentos, habilidades, interpreta- 182 A.1. Pérez Gomez gies e tecnologia, de disposigdes éticas e responsabilidades coletivas, assim como de meios para sua representacio. Podemos dizer que esta forma elissica de conceber a profissio docente como adaptagdo peculiar do modelo das profissdes liberais respondeu as exigéncias de ‘uma organizagao econémica e social tpica da época moderna, dominada pelas economias industriais de escala, pela divisdo do trabalho e pela especializagao de tarefas, proprias do modelo fordista. Os docentes foram considerados como tra- balhadores burocréticos no desenvolvimento de um servigo de relevancia para 0 funcionamento econdmico, politico e social da comunidade. Neste esquema e dentro de um periodo de bonanga da economia, orientada para a consecugio do bem-estar social, tanto o sistema educativo, enquanto servigo piiblico, como 0 ‘ docente foram conquistando parcelas de autonomia e condigées de maior qualida- de. Independentemente das criticas justificadas ~ e que a seguir debateremos ~, 0 movimento de desenvolvimento profissional do docente, durante grande parte da segunda metade do século XX, deve ser considerado um movimento positivo para a dignificacio da prética docente. Ampliou-se a concepgao de sua responsa- bilidade profissional, desde a mera fungio de instrugdo e controle na sala de aula para a atengdo & diversidade de pesSas e contextos para favorecer a aprendiza- gem ¢ o desenvolvimento real de cada aluno, A profissio docente, ao menos : teoricamente, j4 nao pode ser reduzida ao conhecimento da disciplina e ao on- : irole dos resultados. Aceita-se como uma evidéncia que 0 conhecimento profis- sional do docente € precisamente o dominio do método de ensino e da regulagtio dos intere”imbios entre os individuos, e destes com 0 conhecimento, para provo- car a aprendizagem significativa. Assim, pois, progressivamente, foi se fortale- cendo a cobertura institucional da profiss4o docente, Os processosde formacio e de aperfeigoamento adquiriram 0 status universitévio-e,-na._maioria dos paises desenvolvidos, até o nivel de li A jomada de trabalho do docente e sua remuneragdo também experimentaram nestes paises uma importante revaloriza- io, eos movimentos reivindicativos da coletividade dos docentes se orientaram para a consecugao de algumas condigdes dignas de trabalho ¢ um mfnimo respei- {o:para sua autonomia profissional, no dificil equilibrio entre as exigencias so- ciais e as determinagdes da Administragio. 5 ‘No entanto, nos tiltimos 10 anos, a profissao docente pode estar perdendo o que foi conquistado no iltimo meio século. As politicas neoliberais, pés-fordis- 5 tas, postas em andamento de forma mais clara e radical pelos governos eocon- servadores, mas seguidas em certa medida pela maioria dos governos, indepen- ‘dentemente de sua linha politica, em busca da eficiéncia, da redugao de custos, da flexibilidade organizativa, da plasticidade de tarefas, ambitos e postos de trab: ho, est4o conduzindo a uma clara redefinigdo do trabalho docente. O eixo funda- mental da fungaio docente neste novo marco é seu cémponente de gestio.. Uma vvez que a educagio se considera uma mercadoria & mercé das Teis Ga oferta e da procura no mundo do livre mercado mundial, odocente-setransformanum gestor de politicas, estratégias ¢ téticas orientadas ndo apenas no ss sntido de acomodar os 1 processos de ensinoe de aprendizagem as exigéncias mutaveis do ‘mercado, como 10 10 de as de 10 ve do 10 10 da vo sa ala wos ses A CucTura Escotar Na Sociepabe NEoLIperal 183 também no sentido de organizar a oferta de seu produto da maneira mais adequa- da para sua venda rentdvel. Entre as-exigéncias imediata’ desta nova fungao ge- Tencial, €std a redugdo de custos sem prejudicar a qualidade aparente, reque pela demanda. Sendo assim, o incremento do tamanho das turmas, a utilizagao de Jnovas tecnologias, a proliferagdo do ensino a distancia, a privatizagao de servi- os, a segmentago dos docentes ¢ 0 recurso da mio-de-obra mais barata para determinadas tarefas so medidas que, em maior ou menor grau, esto comegan- do a configurar 0 marco profissional do docente no cenério do livre mercado. Neste marco neoliberal, devem se situar politicas iniciadas por alguns go- vernos (Inglaterra, Gales) de re-situar a formagdo de docentes fora da universida- de, nas escolas, de modo que a formacdo se transforme num mero proceso de socializagao profissional na cultura da escola ¢ nas tradig6es empiricas dos do- centes. Alguém entenderia que os médicos se formem sem nenhum tipo de prepa- rago tedrica universitéria, somente no contato com a pratica em consultas ou hospitais urbanos ou rurais? S6 se pode entender em educagio pela debilidade do grupo como profissio e a deterioragdo de seu status social. No mesmo sentido, cabe interpretar a recente politica australiana no ambito educativo (Roberston, 1996), fa qual se propde reduzir num tergo o niimero de docentes atuais ¢ substi- tui-los por trabalhadores paraprofissionais (pais, estudantes em formagio, jovens desempregados, especialistas intermediérios) com contratos tempordrios ¢ em tempo parcial, que podem desenvolver certas tarefas burocréticas ou culturais na escola e que supdem uma grande poupanga econdmica. Um discurso contradit6rio e paradoxal, ao menos verbalmente, percorre a profissdo docente na época pés-moderna do livre mercado mundial. Como afir- mam Goodson e Hargreaves (1996), enquanto a tendéncia para aproximar a ges- to aos clientes esta envolvendo os professores em tarefas novas de esbogo, pla- nejamento e desenvolvimento dos projetos educativos e curriculares de cada es- cola, isso se produz numa época € num contexto politico e econdmico em que se reduz o financiamento (se a Administragdo ou 0 mercado reduzem o financia- mento, os docentes e as escolas tém a liberdade de distribuir a miséria); quando as principais decisdes sobre os resultados esperados do curriculo e as formas de sua avaliagao sfio subtrafdas das escolas e dos docentes (a Administragio ou-o merca- do estabelece os fins ¢ os objetivos, os docentes manejam ¢ dividem os meios); € ‘quando se requer dos docentes que manejem procedimentos administrativos ou atividades técnicas, nao decisdes politicas (a Administragio ou o mercado con- trola, os docentes gestionam). Enfim, os docentes se encontram préximos, em princfpio, de um exercicio simulado, de umisimulacro de autonomia, no qual © espago de liberdade ou sensatez é simplesmente“administrativo € nao-politico (Contreras, 1997), dentro de um marco genérico de desvalorizagio social e pol tica da atividade educativa, O desenvolvimento profissional dos docentes na atualidade deve ser anali- sado na complexidade de suas manifestagées divergentes ¢, inclusive, contradité- tias. Ecerto-que alguns aspectos e espagos relacionados com a gestdo administra- tiva dentro dos centros escolares, assim como do esbogo e desenvolvimento do 184A. 1. Perez Gonez curriculo do centro & aula, estiio requerendo um ineremento da particip: docentes em tarefas coletivas de maior complexidade e duragdio, enquanto que ‘outros aspectos se encontram nitidamente na pendente desprofissionalizagdo, como a orientagio técnica e mecdnica que se dé para sua intervengao, a redugao de | oportunidades na hora de decidir ou participar na decisdo sobre as finalidades ¢ (08 objetivos, assim como a maior dependéncia dos processos de ensino-aprendi- zagem em relago aos resultados do rendimento académico, decididos de fora, ou, em suma, a diminui¢ao das margens de manobra pela redugo de custos e a l| ameaga de substituigdo pela mio-de-obra mais barata.. | Diante de todas estas contradigdes e perplexidades que acompanham o pro- cesso de profissionalizacdo do docente na atualidade, se requer um esforgo supe- rior, ou seja, de repensar o sentido e a natureza do que consideramos o que cons- titui sua profissionalidade, Como veremos a seguir, existe pouca margem, em minha opiniao, para a configurago de uma pratica profissional de qualidade, a ‘menos que 0 docente recupere o terreno perdido na definigao politica de sua ati- vidade, Isto 6, 0 conhecimento e a pratica profissional do docente devem abarcar todos os aspectos que definem a complexa rede de intercdimbios, 1 quais se move sua aluaclo; Réduzir-se A dimensio téenica ou de gesto administrativa converte num fantoche ingénuo ou cfnico, a servigo de forgas externas (Adminis- trago, politicos, clientes ou capital) que sufocam sua iniciativa em demandas contraditérias. Repensar a futi¢aio docente e seu desenvolvimento profissional Sobre esta base, e apesar das criticas 4 concepgao classica da profissao docente, a maioria dos autores (Hargreaves, 1996; Labarree, 1992; Zeichner, 1990; Good- son, 1997; Elliott, 1991) considera que existem, no entanto, dois elementos que> podem Configurar sua identidade profissional: um corpo de conhecimentos tedri cos sobre 0 objeto de estudo e intervengdo, ém permanente evolugo, considera- do como conjunto provisério e parcial de hipéteses de trabalho e uma relativa autonomia no trabalho. Ambos os aspectos, imprescindiveis na identidade préti- ca profissional, se encontram estreitamente relacionados e mutuamente exigidos. O profissional reclama autonomia para o desenvolvimento de sua atividade, porque se. considera depositirio privilegiado, nilo-exclusivo, de um conhecimento especializa- do e especifico que legitima a melhor racionalidade de seus diagnésticos e suas pré- ticas. Por outro lado, a contrapartida da responsabilidade exclusiva que assume dian- te da sociedade, pela qualidade de seu trabalho, com o grupo de estudantes.a ele recomendados niio pode ser outra seniio 0 exercicio auténomo de sua pritica. Entretanto, ndo existe uma tinica forma de entender a relagdo entre estes dois | termos, nem o contetido de cada um deles. No ambito educativo, so conceitos controversos, cujo contetido e relagdes dependem, obviamente, das diferentes posigdes que se mantenham em relagdo aos processos de produgo do conheci- ‘mento valido, ao fendmeno de elaboragao e transicdo da cultura da comunidade, a A Cutura Escotar Na Sociepape Neouiserat 185 pacaio dos ‘a0 conceito de aprendizagem significativa e relevante, as relagdes teoria-pratica, uanto que € A justificagio racional e ética da intervencdo educativa, em virtude da fungao gio, como social que desempenha. Das diferentes proposigdes que se defendam em relagao sdugio de a estes aspectos depende que o conceito de profissionalidade seja ou um mero alidades € reftigio para escapar ao controle democritico da sociedade sobre uma prética, >-aprendi- com evidentes repercussdes éticas e politicas, ou um instrumento para potenciar a \s de fora, reflexo compartilhada, a experimentagio informada e refletida ea avaliagio aberta custos ea ‘a0 debate e escrutinio piblico (Bullough, 1987; Elliott, 1993; Nias, 1987; Con- treras, 1997). am © pro- O primeiro aspecto que devemos considerar, portanto, se refere A natureza >rg0 supe do conhecimento especializado que proporciona aos priticos o sentimento pr6- que cons- prio e o reconhecimento alheio de pertencer a um grupo profissional, legitimado wgem, em social e epistemologicamente pata intervir com certa autonomia ¢ responsabili- alidade, a dade neste campo especifico. O estudo do conhecimento pedagégico deve-se re~ de sua ati- lacionar aqui com as suas formas de aquisigio, desenvolvimento e experimenta- m abarcar gio na pritica escolar, no meramente como um discurso te6rico e especulativo, pois 0 que nos interessa é agnatureza do conhecimento profissional, aquele que orienta realmente a pratica dos docentes. f indubitvel que a virtualidade pratica deste conhecimento vem também condicionada pelas préprias caracteristicas da profissionalizagio, ou seja, pelas condigdes materiais, sociais ¢ escolares do tra- balho docente. ‘A determinago do conhecimento pedagégico especializado se encontra ni- | tidamente vinculada As diferentes concepgGes sobre a fungo docente (Kirk, 1986; Van Mannen, 1977; Elliott, 1993; Zeichner, 1990a; Feiman-Nemser, 1990; Goo- dson-e Hargreaves, 1996). vente, a . ‘Sem nimo de ser exaustivo nas categorias de classificagao” e eom o propé- ; Good- sito de compreender melhor a natureza ¢ a génese do conhecimento profissional | ‘tos que> do docente, em suas relagdes com as condigdes de trabalho, distinguirei trés enfo-) | stedrt> {ques que derivam daquelas propostas; a sidera- —Bnfoque prético artesanal. elativa — Enfoque técnico-academicista, ~ Enfoque reflexivo: a investigagio na aga, Enfoque pratico artesanal Dentro deste enfoque, se concebe 0 ensino como uma atividade artesanal. © co- nhecimento acefca do mesmo foi Se acumulando lentamente, a Tongo dos sécu- Jos, por um processo de tentativa e erro, dando lugar a uma sabedoria profissional que se transmite de geracio para geraco, mediante 0 contado direto ¢ prolonga- do com a pritica especializada do mestre experiente, ¢ se aprende num extenso proceso de indugiio e socializagiio profissional do aprendiz. O profissional do- cente é um especialista no contetido do ensino e um artesiio nos modos de trans- missio, dé controle da vida da sala de aula e das formas de avaliagao. Nao existe 186 ALL. Perez Gomez conhecimento te6rico profissional nem é vélido crié-lo, é um produto acumulado da experiéncia artesanal do docente. Pere consideram Stones ¢ Mortis (1972), Kirk (1986), Zeichner (19908) © Biiott (1989), ainda que suas colocagses te6ricas paregam obsoletas, conti vido um enfogue vivo que exerce notavel influéncia no pensar comum da soele- erty das instituigbes superiores de formagio de docentes eno pensar e fazer dos proptios professores. A este respeito, cabe lembrar a importancia real e simbélica Ga politica conservadora inglesa dos anos 90, que reserva cence de 70% da forma- <0 do futuro docente & pura interagdo nos centros escolares (Based School Tea- cher Education Program), Nesta perspectiva, gera-se o conhecimento especializado nos intercambios espontaneos ou sisteméticos que constituem a cultura escola, sob a pressdo evi ‘lente da tradigao hist6rica, das inércias da instituigo e dos habitos adquiridos produzidos pelos docentes, alunos ¢ comunidade social. O conhecimento profs, Fronal 6, portanto, o produto de um longo processo de adaptagao da escola e sua Fangio educativa ao contexto social e sua fungi de socializagio. ‘A aprendiza- ¢gem do conhecimento profissional supe um processo de jmersio na cultura da serail mediante o qual 0 futuro docente se socializa dentro da instituiglo, acei- tando a cultura profissional herdada e os papéis profissionals correspondentes (Fullan e Hargreaves, 1992). avando em conta o cardter inevitavelmente ideot6gico, ético e politica de toda intervengzo educativa, € necessério destacar a orientago conservadora imn~ plicita em tal enfoque, j4 que supde @ reprodugio de habitos, idéias, valores € Comportamentos pessoais € soviais consolidados legitimados pela forma pecu- tar da estratura social ea configuragio ideol6gica e cultural dominante- Aqui, na pritica profissional, sobra pouco espago para a inovagio © @ mudanga, limitadas bs resisténcias marginais ¢ subversivas que desestabilizam a “Jegftima” ordem sc eoisas, O conhecimento, assim concebido, perde, enfim, seu valor de busca, criagio ¢ contrasteeritico, € 0 profissional, sua margem de autonomia para pro- por uma atividade realmente edueativa, distanciada ¢ critica das meras exigéncias, vecializadoras da cultura escolar institucionalizada, que, como vimos 10 ponto terior, se encontra profundamente condicionada pelas exigéncias econdmicase politicas da sociedade, "Apesar de seus protestos contra as pretensées de colonizacio intelectual & profissional dos teGricos universitérios e de suas reivindicagdes de independén- tia corporativa, os docentes desfrutam de escassa economia real dentro deste tenfoque, reduzidos a meros reprodutores das pressOes socializadoras do contexto cocial em gerale do escolar em particular. Como comenta Bullough (1987, p. 83), reste styagio a atividade docente tern mais a ver coma sobrevivencia do que Ort profissionalidade. “A cultura da escola, isto é, a forma em que ® trabalho é organiza- ae avaliado, pressiona permanentemente para a conformidade.. ‘Aculturada escola pode ser caracterizada como conjuntural, conservadora individualista.” ‘A concepgtio das prticas nas escolas de formagio de professores © 05 Pt cessos de iniciagio profissional dos novatos nas escolas ¢ nos centros de ensino "A Curtura Escouar Na Soctpape Neouserst, 187 pumulado | primério e secundério, abandonados téo prematuramente as pressdes da cultura profissional organizada de modo institucional, so claros exemplos da vigéncia e (1990a) € do predominio, na prética, desta perspectiva ‘conservadora sobre 0 desenvolvi- continua mento profissional do docente, © problema se agrava se considersmos dt esta (da soci estratégia reforga 0 pensamento pedagégico vulgar ¢ experiencial que o futuro fazer dos | docente j4 teve como aluno, durante 15 ou 20 anos de sua vida estudantil. A simbélica formagdo nao supée uma oportunidade para {questionar critica mente a validade dda forma- educativa de tais rotinas, intuigdes, estruturas organizativas ¢ de tais comporta- thool Tea- mentos, mas a incorporacdo delas desde a outra margem, @ do docente (Pérez Gomene Gimeno, 1993, Barquin, 1992). Dentro desta perspectiva, a formasio Se rcAmbios converte facilmente num simples processo de socializagio. vessiio evi- ; ~ Iquiridos . | nto profis 4 Enfoque técnico-academicista sprendiza [Apesar das diferengas que, tanto na concepeao do ensino com do professor e eas | ddos processos de sta formaglo, existem entre a perspectiva téenica ¢ perspecti ao va academicista apresento-as formando um mesmo enfogue, porgue sua explica- pains {do sobre 0 desenvolvimento do conhecimento especializado © Sit consequién- . sie, no desenvolvimento profissional do docente sio, posteriormente, conver” gentes; ¢ porque tia tradiga0 de nosso contexto espanhol se desenvolveram sem. eae etugao de continidade, formando uma améigama difieiimente dissocidvel. Em ee sinbas se estabelece uma evidente diferenca entre © conhecimento te6rico eo re conhecimento pritico, impondo-se uma ébvia subordinagio deste Aquele. 'e. Aqui, na De uma perspectiva técnica, denominada por Schin (1983)tacionalidade) Sins nica por Haerinas (1971) ao instrumental pies social, a interven ee Gao idea deve-se redui ecole € Ftivago dos meios noses para a bees Consecugio de objetivos determinados de fora € a priori (Os problemas que se ee 4 Colocam ao professor sfo instrumentais, ¢, portanto, téenicos, como aplicar os. eae Tec eas sain ncesria para cOnsecso {dos objetivos, que Ihe sao ee indicados no curriculum oficial. © eonhecimento especializado se restringe #0 smo ome ane camo atuar¢ se desenvolve como desvasio relativamente dre 08 “atante do conhecimento cientiico elaborado por especialistas externos, ¢ 80M mesmo € indiferente & qualidade de sua aplicaglo pratica, Das teorias organiza- ntelectual © i 25 das em forma de leis, s quais explicam as relagGes entre fatores ale determinam ie se cendmenos didaticos, podem-se derivarlogicamente normas de atuagio ade- do-contexto quadas para 0 governo e controle racional destes fenémenos. Estas explicagSes 1987, p.83), oneretas, apticadas,e suas derivagbes normativas constitens neste enfoque, 0 loquecoma conhnecimento profisional especializado, em. conjunte cont a habilidades © a é organiza. ‘competéncias condutivas correspondentes. O conhecimento especializado no eraaeecclat surge, pois, da pritica do docente, mas se deriva de forae se ‘aplica na intervengio ” Zonica, de tuma maneira que, quanto mais previsfvel e mecdnica, melhor. O pré- yes ¢ 08 pro- | tico, o docente, nao necessita do conhecimento especializado, mas transformado (os de ensino \ fem zompeténcias comportamentais, ow em rotinas organizativas, aquelas que ne- essita para a execucio correta do roteiro planejado de fora Como afirma Wide- 188 A. I. Perez Gomez en (1993), esta perspectiva supde uma versdo pedagégica do modelo fordista de divisio do trabalho entre produtores e usuarios: os primeiros elaboram o conheci- ‘mento que os segundos aplicam da maneira mais fiel que Ihes permitam as cir- cunstancias. A autonomia profissional do docente aqui nao é maior, em princfpio, que a de qualquer operério numa esteira mecanizada, Mais: a autonomia profi sional, no sentido de independéncia de jutzo e decisfo, ¢ interpretada como uma fonte geradora de rufdos e distorgdes subjetivas que subtraem clareza, racionali- dade ¢ eficdcia ao processo. © Assim, no enfoque técnico, o auténtico conhecimento especializado nao tem por que residir no agente pratico, docente, mas no sistema em seu conjunto. De maneira que quanto mais competéncias, decisdes e elementos possamos subtrair a subjetividade imprevisfvel do pratico, situando-os em especialistas externos ou em materiais elaborados antes da intervengao ou em instrumentos mecdinicos pro- gramados, mais garantia obtemos de eficécia e rigor. Berliner, Roshenshine, Gage slo claros representantes desta perspectiva que defende 0 controle remoto da pratica docente como garantia de objetividade ¢ eficécia. Este enfoque é academicista no sentido de que a aprendizagem académica | das técnicas pedagégicas € essencial para o desenvolvimento posterior de inter- vengGes eficazes € figis ao modelo cientifico técnico planejado. O componente prético de formagiio docente ridio pode ser concebido como a socializagio numa cultura escolar e profissional ndo-cientffica, mas como a aplicagao prética dos conhecimentos téenicos para que se traduzam em competéncias eficazes. im todo caso, pelo que se refere &s conseqiiéncias ¢ as implicagdes na con- cepgiio do conhecimento especializado e da autonomia profissional, tanto 0 enfo- | que artesanal como o técnico-academicista conduzem a proposigdes compativeis e convergentes. Em ambos se produz’ uma profunda dissociagio entre teoria € pratica e uma clara dissolugo do,componente autonomo da pratica profissional do docente. Nas sociedades industriais avancadas, nas quais se respira e se difun- | de uma concep¢fio mercantilista da vida e dos intercambios sociais, uma imagem do éxito € do progresso como resultado da intervengio técnica e eficaz a curto prazo e uma idéia positivista da produgao, da legitimagao ¢ da utilizagao do co- nhecimento, que ignora 0 cardter ético, politico, inacabado e contingente das for- mages humanas, a aprendizagem artesanal da profissfio docente supde a assimi- ago dos postulados tecnol6gicos que dominam a cultura social. Por razdes dis- tintas, ambos os enfoques, 0 técnico e o pratico-artesanal, nfo superam o estégio de socializagao do docente e reforgam a dependéncia de sua pritica seja em rela- io A Administragio ou ao mercado, seja em telagdo as rotinas da cultura escolar, ‘Mas, além disso, como acredito que € evidente no contexto espanhol, tanto nos tedricos como nos préticos, nos formadores, nos politicos ¢ na sociedade em geral, no final do século se impés, com suas virtudes e seus defeitos, com suas grandezas e suas misérias, uma vis40 tecnol6gica da vida em geral e da pritica ‘educativa em particular. Enfim, como afirma Labaree (1992, p. 148): “O proble- ma com esta perspectiva que promove a racionalizacao no ensino € que tende a ocultar 0 contetido politico dos problemas instrutivos, sob uma mascara de deci- ‘A CULTURA EscoLar Na SocieoapE NeouseraL 189) Enfoque reflexive ses técnicas acerca dos meios mais efetivos para promover determinados objeti- vos e finalidades”. Quando se pretende reduzir os problemas humanos a proble- mas técnicos, ou quando se relega a consideragiio dos seus aspectos politicos ¢ éticos, a atividade profissional se reduz. a uma mera intervengio técnica, mecani- ca, governada por peritos externas, cuja linguagem e competéncias siio cada vez, ‘mais especializadas, ménos compreensfveis e, portanto, menos acessiveis ao con- trole democritico da sociedade em geral. Nao apenas o professor perde, assim, sua capacidade de autonomia profissional, subordinando ao conhecimento espe- cializado de outros agentes que ditam e prescrevem com mais justificagio ciemti- fica os roteiros de sua intervengao, como os préprios clientes, a sociedade em geral, perdem, por ignorincia, por incompreensao do cédigo, a legitimidade de seu poder de controle.2t investigacdo na agdo Desde 0 surgimento, em 1968, da obra de Jackson, A vida nas salas de aulas, ¢ sua critica & concepgio linear e mecanica dos processos de ensino-aprendizagem, assim como sua énfase no cardter vivo, conflitante, incerto, mutavel e singular da vida nas salas de aula e nas escolas, se impOe como ébvia a idéia de que a atuagio do professor se encontra, em grande medida e condicionada por seu pensamento ede que este nao é um simples reflexo objetivo ¢ automético da complexidade real, nem um compéndio asséptico dos resultados da investigagao cientifica. Pelo contrério, comega a se aceitar que 0 conhecimento pedagdgico do professor & uma construgo subjetiva ¢ idiossinordtica, elaborada ao longo de sua histéria pessoal, num processo dialético de acoriiodagdo € assimilagao, nos sucessivos intercambios com 0 meio, ‘Ao longo desta fecunda época de inovacdes ¢ investigagoes sobre os proces sos do pensamento do professor, aparece gradualmente com mais clareza 0 fato de que 0s juizos, as decisdes ¢ as propostas que o professor faz. se derivam de seu peculiar modo de interpretar sua experiéncia. E dbvio, portanto, que, para entender seu pensamento e sua atuagao, no basta identificar os processos formais eas estraté- ias de processamento de informacdo ou tomada de decisdes, ¢ seré necessério pene- trar na rede ideolégica de teorias ¢ crencas, que determina o modo como o professor dé sentido a seu mundo em geral e a sua pritica docente em particular. O enfoque hermenéutico-reflexivo2 parte do pressuposto de que 0 ensino é ‘uma atividade complexa, a qual se desenvolve em cendirios singulares, claramen- te determinada pelo contexto, com resultados sempre em grande parte imprevi veis ¢ carregada de conflitos de valor que requerem pronunciamentos éticos € politicos, Por isso, deve-se conceber o docente como um artista, clinico ¢ intelec- tual, que tem que desenvolver sua sabedoria experiencial ¢ sua criatividade para enfrentar as situag&es tinicas, ambfguas, incertas e conflitantes que configuram a vida da sala de aula. Na realidade, 0 docente intervém num meio ecolégico complexo (Doyle, 1977, 1990), a escola e a sala de aula; um cendrio psicossocial vivo ¢ mutavel, =e&7V“—._& °°” — 190 A. I. Perez Gomez definido pela interagiio simulténea de miltiplos fatores e condigdes. Dentro desse ecossistema complexo e mutavel, se defronta com problemas de natureza priori- tariamente prética, problemas de definigdo ¢ evolucio incerta e, em grande medi- da, imprevisfveis, que nfo podem se resolver mediante a aplicagao de uma regra técnica ou de um procedimento, nem mediante receitas preestabelecidas. Portanto, 0 conhecimento especializado sobre_situagoes-enr parte sempre- singulares ¢ dependentes do contexto concret g-Espacial, temporal €psicossocial nas quais se desenvolvem, deve ser, entio, um conhecimento err parie também sempre emergente, elaborado no proprio cenério, incorporando os fatores co- uns e especificos que constituem a situagéo fluida ¢ mutavel da pritica. Nao cabe esperar a pertinéncia ou a adequagiio exata de formulagées explicativas & predicativas elaboradas de fora de tal contexto, nem tampouco seria leito, a partir {de uma perspectiva epistemoldgica, sucumbir a inércia das explicagdes e das pro postas transmitidas e mantidas pela pressto dos interesses dominantes na cultura Social ou escolar, j4 que esta mesma cultura é um fator de influéncia que requer ser objeto de andlise e consideragdo para se compreender a natureza dos proces- sos educativos. ‘O conhecimento titil e relevante, adequado a esta concepgao da prética edu- cativa, vincula necessariamente os dois termos do dilema: a sensibilidade e com- peténcia experiencia ea indagacdo te6rica. O conhecimento emergente €0 resul- tado da investigacdo fluida ¢ cotidiana sobre as peculiaridades singulares das tuagtio concreta, utilizando como instrumentos e ferramentas conceituais, sempre provisérias, toda a bagagem intelectual que a experiéncia prOpria e alheia ¢ © aber piblico da ciéncia, da cultura e das artes, poe & disposi¢do da comunidade ‘em cada época hist6rica. ‘O conhecimento profissional do docente emerge na e a partir da pratica ¢ se Jegitima em projetos de experimentagiio reflexiva e democratica no proprio pro- cosso de construgio e reconstrucéo da prética educativa. Em outras palavras, 0 flemento fundamental na pratica do docente, o componente bisico do conheci- mento especializado itil e relevante, € 0 desenvolvimento da reflexdo (Zeichner, 1990a e 1990b), compreensdo situacional nas palavras de Elliott(1993), como uum processo de reconstrugao da prépria experiencia e do proprio pensamento 20 indagar as condiges materiais, sociais, politicas e pessoais que configuram © desenvolvimento da concreta situagzo educativa da qual participa o docente. A compreensiio situacional incorpora o conhecimento piblico ¢ as experiéncias ¢ cconstrugées prévias individuais ou coletivas, ndio como critérios inquestiondveis de autoridade nem como prescrigdes normativas externas, mas como ferramentas simbélicas proviséria, titeis para esclarecer a implicagio dos diferentes influxos: ‘A compreensio situacional nfo se deriva diretamente da teoria, nem se forma de modo espontineo nos interc&mbios cotidianos ~ requer um processo de contraste feflexivo das prOprias interpretagdes que se geram na cultura da sala de aula, da escola e da sociedade. Esta capacidade de compreender as situagdes globalmente ¢ sem seu contex co do comportamento profissional do docente, nao é melhorada eliminando seamen UI se. tie tie ra tir bua rooo | A CULTURA EscoLak Na Sociepape Neouiwerat 191. 7 05 ngulos subjetivos, mas analisando-os, comparando-os e transformando-os, ‘ou seja, elaborando uma cultura profissional critica que se desenvolve, nao medi- ante a aprendizagem mecanica e a reprodugao rotineira, mas mediante o contraste reflexivo e a geracdo aberta de inovadoras experiéncias alternativas. ( conhecimento profissional assim concebido sofre, portanto, uma génese dialética. Os docentes constroem de forma permanente seu proprio conhecimento quando se submergem numa conversagdo reflexiva (Schin, 1983, 1987), tanto ‘com a situago como com os pressupostos subjetivos que orientam seu pensa- mento e sua aco nesse cenério concreto. O conhecimento que se oferece de fora no pode set aceito mais do que com valor metaférico, como apoio conceitual, tendo sempre presente que foi gerado espago e em outro tempo, por outras pesso- as, em condigGes peculiares e dentro de uma situagéo problematica sempre em certa medida singular. O docente se defronta, necessariamente, com a tarefa de gerar novo conhecimento para interpretar e compreender a espectfica situago ‘em que se move. Assim, dentro deste enfoque de reflexdio em e sobre a ago, de ini@stigagdo-agdo, 6 conhecimento, ao incluir e ao gerar uma forma pessoal de entender a'situagéo pritica, transforma a prética, Para ilustrar os pressupostos ¢ as implicagdes deste modo de conceber 0 conhecimento ¢ a pratica profissional, ‘me parece interessante nos deter nesta longa citagio de Elliott (1993, p. 66): A pritica profissional inteligente implica o exercicio da sabedoria prética, ou seja, a hhabitidade para discernir uma resposta apropriada para uma situago que contém incer teza e diivida... 0 jutzo profissionalizado e as decisbes coerentes descansam na qualida~ de da compreenstio situacional que manifestam... A compreensio situacional implica discerir e sintetizar os elementos significativos da prtica de qualquer situagio num desenho coerente e unificado da situaco concreta.. compreensdo situacional esté con- divionada pelos interesses praticos na realizagdo de valores profissionais dentro de uma situagdo... Nao hé uma compreensio livre de valores das situagGes préticas coneretas € complexas com as quais se defrontam os professores... O conhecimento profissional se compe de repert6rios de casos experienciais que se armazenam a longo prazo na me- éria dos préticos e que representam seu stock de compreensio situacional, Neste sentido, podemos afirmar que o conhecimento profissional do docen- te é, evidentemente, um conhecimento especializado sempre provis6rio, parcial e emergente-Se se apéia na reflexdo compartilhada e na compreensao situaciomat,—~ pode ser considerado o melhor conhecimento disponfvel para essa pritica con- creta, porque foi gerado nao apenas sobre a anélise da situagio concreta, utilizan- do o conhecimento piblico dispontvel, como porque também é 0 resultado da interagdo entre a compreensio e a ago que mutuamente se potenciam, Ao expe- rimentar, conhecemos tanto os limites da proposta de intervengao como as possi bilidades e as resisténcias da prépria realidade, cujo conhecimento abre novos horizontes para a elaborago de enriquecidas propostas alternativas. No entanto, e mesmo reconhecendo que é este o melhor conhecimento profissional, no po- demos esquecer a fragilidade de sua génese, os influxos contextuais que 0 condi- cionam, 0s interesses, os valores e os conflitos que acompanham seu desenvolvi- mento, Em conseqlléncia disso, n”lo devemos esquecer que é sempre um conheci-

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