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CHARLOT, Bernard.(org) A nogdo de relacdo com o Saber: bases de apoio tebrico e fundamentos antropolégicos. In: CHARLOT, Bernard.(org). Os jovens e o saber: Perspectivas mundiais. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001. p. 15a 31 A Nogao de Relagaéo ‘com 0 Saber: Bases de Apoio Teérico e Fundamentos Antropolégicos Bernard Charlot Construfda em varios campos disciplinares, a fim de tratar de questdes apa- rentemente diferentes, a nocao de relacio com o saber parece, na atualidade, bastante pulverizada, Este texto tem como objetivo evidenciar as bases de apoio tedrico que, & parte essa diversidade, definem a nogio e sustentam esas bases de apoio em uma perspectiva antropolégica. | AS QUESTOES ABORDADAS POR MEIO DA NOGAO ‘ DE RELAGAO COM 0 SABER Por que colocar a questio da relagao com o saber? Ela pode ser colocada quando se constata que certos individuos, jo- vens ou adultos, tém desejo de aprender, enquanto outros néo manifestam ‘esse mesmo desejo. Uns parecem sempre dispostos a aprender algo novo, sio apaixonados por este ou por aquele tipo de saber, ou, pelo menos, ‘mostram uma certa disponibilidade para aprender. Os outros parecem pouco ‘motivados para aprender, ou para aprender isso ou aquilo, e, as vezes, recusam-se explicitamente a fazé-lo. Por que essa diferenca de comporta. ‘mento diante do(s) saber(es)? Costuma-se invocar caracteri imputadas ao prdprio individuo: ele é preguicoso, ele nao e etc, Mas trata-se, na verdade, das relacdes entre esse individuo e aquilo 16 _ Bernard Charlot ‘que se tenta ensinar-Ihe; assim, “no estar motivado” ¢ estar em uma cerca relagio com a aprendizagem proposta. O que esta em questio aqui, por tanto, é uma certa relagdo com o saber ~ com o saber em geral ou com este ou com aquele saber. Assim colocada, a questéo da relacdo com o saber parece importan- te, seja sob um ponto de vista pratico seja sob o aspecto tedrico. Os professores e os formadores deparam-se com ela permanentemente em suas praticas, sob diversas formas: por que este aluno “ndo gosta” de matematica, como “motivé-lo”, o que é um curso “interessante”, etc.? Do ponto de vista tedrico, o problema aqui colocado ¢ o da relagdo entre 0 desejo e 0 saber, Foi trabalhando esse problema, alias, que alguns psica- nalistas, notadamente Lacan, foram levados a formular a nogao de rela- sao com o saber: como o desejo, que visa ao goz0, pode um dia tornar-se desejo de aprender este ou aquele saber, esta ou aquela disciplina, isto é, desejo de outra coisa que nao 0 go20? Ainda hoje essa questao ¢ traba. Ihada a luz de um ponto de vista psicanalitico por J. Beillerot e sua equi- pe da Universidade Paris X.! Pode-se também propor a questo da relacéo com o saber em uma perspectiva mais sociolégica. Os socidlogos mostraram que os alunos das camadas populares tém mais dificuldades na escola; portanto, hé mais reprovages entre eles do que entre os alunos oriundos dos meios favorecidos. Os debates que vi- sam dar conta dessa diferenca so complexos, e no é meu propésito retomé-los aqui (cf. Charlot, 1997 e Charlot, Bautier e Rochex, 1992). Contudo, uma coisa € certa: a relacdo dos alunos com o(s) saber(es) € coma escola nao ¢ a mesma nas diferentes classes sociais.* Porém, cons- tatam-se também “Exitos paradoxais’: alguns alunos de familia pobre tém éxito na escola, apesar de tudo — inversamente, alguns alunos de famflia favorecida, mesmo assim, fracassam na escola. Em outras pala- vras, trata-se de compreender como se constrdi uma relagao com o saber que, ao mesmo tempo, tenha a marca da origem social e nao seja deter- minada por essa origem. E indtil insistit no interesse prético e tedrico dessa abordagem da relagdo com o saber: a luta contra o fracasso escolar, particularmente nas ‘camadas populares, continua sendo um dos principais desafios das p «cas educacionais em intimeros paises, e o problema da desigualdade social em face da escola foi o mais explorado pela sociologia da educagéo até o momento, Esse problema esté no centro das pesquisas sobre a relacéo com o saber que a equipe ESCOL ¢ eu desenvolvemos hd 12 anos. ~ No entanto, ha uma outra maneira, complementar & anterior, de colo- car a questo da relagao com o saber em uma perspectiva sociolégica: a partir de comportamentos diferentes, no interior de uma mesma classe OsdJovens eo Saber_17 social, em face de diferentes tipos de saberes ou de aprendizagens. Cons- tata-se que os jovens das camadas populares, resistentes ou passivos fren- te aos saberes escolares, fora da escola podem adotar comportamentos que apresentam uma certa complexidade e que supdem aprendizagens aprofundadas. A perplexidade € ainda maior quando se constata que tais jovens, muitas vezes com poucos recursos para as tarefas escolares que envolvem a linguagem, revelam-se bem falantes nas interagées grupais ou na produgio de textos de rap. Essas constatagées incitam a indagacdo sobre as relagées com o apren- der que sao requeridas e mobilizadas em situagées distintas. Aprender matemética e aprender a consertar uma moto ~ para tomar um exemplo classico -, mas também aprender tudo o que é preciso aprender para so- breviver nas camadas populares (e, algumas vezes, para tirar proveito das formas de tréfico que ali se desenvolvem), nao é aprender a mesma coisa, como também nao ¢ aprender da mesma maneira. Essas questdes, sobre as quais trabalhei mais particularmente nestes iimos anos (Charlot, 1999), conduzem a outras, fundamentais tanto do ponto de vista prético quanto do ponto de vista teérico. Aprender é fazer 0 que, é uma atividade de que natureza, é sempre o mesmo tipo de atividade? O que é um saber a props sito de qualquer atividade de aprendizagem? Pode-se considerar—e esta é minha posigao ~ que s6 ha saber em uma certa relagao com o saber, 36 h aprender em uma certa relagio com o aprender. Isso significa que néo se pode definir o saber, o aprender, sem definir, ao mesmo tempo, uma certa relacéo com o saber, com o aprender (e também com um tipo de saber ou de aprender). Significa ainda que nao se pode ter acesso a um saber ou, mais genericamente, aprender, se, a0 mesmo tempo, nao entrar nas rela ‘ges que supdem (¢ desenvolvem) este saber, este aprender. Pode-se colocar a questo da relagdo com o saber também sob uma perspectiva diddtica, isto é, indagando-se sobre as condicdes de trans- isso de um saber, mais exatamente deste ou daquele saber - ou sobre as condigées de aprendizagem desta ou daquela “pratica social de refe- réncia”. Classicamente, a didatica indaga-se sobre o contetido de saberes a transmitir (sobre a “transposigao didatica” do saber tedrico em saber escolar), sobre as situacdes de transmissao (sobre o “contrato pedagégi- co”), sobre os melhores meios a serem utilizados para que essa transmis- so Se opere. Mas mesmo quando as condigées diddticas dtimas so as- sim definidas e implementadas, nada impede que certos alunos fracas- sem, Isso levou os didatas a ficarem atentos a0 conceito bachelardiano de obstéculo epistemolégico e, posteriormente, ampliando a andlise, a0 conceito de relacio com o saber. Nessa perspectiva, podem-se colocar questées com referéncia a um conceito preciso ou a uma teoria: 0 que, na relagdo de um aluno com o(5) saber(es), ajuda-o ou impede-o de compre 18 Bernard Charlot ender 0 que é um vulcio, 0 que & 0 raio, ou, ainda, a teoria da evolucio (de compreender de maneira correspondente aquela que a ciéncia cons- truiu)? Também pode-se apresentar questdes com referéncia a esse con- junto organizado de saberes que constitui uma disciplina ou o conjunto de préticas que define uma atividade social: o que significa para uma crianga aprender histéria ou estudar enfermagem? Quando a didética abre-se assim & questo da relagéo com o saber, ela deixa de pressupor 0 “Eu epistémico” (0 sujeito do conhecimento ra. cional) como ja constituido e & espera, de algum modo, de condigdes didé- ticas que Ihe permitiréo nutrir-se do saber de forma exemplar. Ela se inda- ga sobre a propria constituicio do Eu epistémico; portanto, sobre suas relagGes com o “Eu empirico” (com um sujeito portador de experiéncias que, inevitavelmente, ele jé buscou interpretat). Para tratar das questio evocadas, a diddtica ainda hoje apéia-se em pesquisas sobre a relacio com o saber realizadas em outros campos. Con- tudo, ela participou do esforco de elucidacao e de construgao da nogéo de relagdo com o saber propondo, com Y. Chevallard, a idéia da relagao inst tucional com o saber. Os objetos de saber existem para os individuos, mas também para as instituigdes (entendendo por instituigao no sé a escola, como também a familia, uma profissdo, etc.). Quando um individuo aprende no seio de uma instituicdo, ele s6 podera ser bom aluno” caso se adapte relagéo com o saber definida pela instituicao (pelo papel que ela atribui a esse saber, pela organizagéo do curriculo e das praticas de ensino, ete.) Entretanto, um individuo pertence a varias instituigdes (por exe mifliae & escola), cujas relagdes com o saber, com este ou com at podem ser diferentes (Chevallard, 1992). Existe ai uma perspe sante ~ desde que, naturalmente, nao se perca de vista que jamais um puro ol itucional, mas sempre é, simul resultado de uma certa atividade, respondendo a normas caso do saber normas epistemolégicas espectficas do campo em questo). A questo da relaco com o saber é também aquela das for- mas de existéncia do saber nas instituig6es e dos efeitos que essas formas 70 quer dizer, sobretudo, que a escola ndo é apenas um lugar lunos dotados destas ou daquelas relacdes com o(s) saber(es), ‘mas 6, também um lugar que induz. a relagées com o(s) saber(es) Portanto, a nocéo da relacéo com o saber permite abordar problemas diversos, de amplitude variével, presentes em campos disciplinares distin tos. Certos pesquisadores, especialmente os didatas, inguietaram-se com tal amplitude da noc&o, questionando-se se suas diferentes versdes Geillerot, Charlot, Chevallard) eram compativeis e qual delas melhor da- ria conta dos dados (Chabchoub, 2000). De minha parte, acho que nao se deve “escolher” entre essas versées. Com certeza, elas podem entrar em interes- saber nio & OsJovenseo Saber 19 debate, ou mesmo em contradicio, sobre um ou outro ponto. Evidente- mente, 0 fato de recorrer & nogio para trabalhar este ou aquele problema leva a privilegiar esta ou aquela entrada, ¢ a apresentar e construir a no- io a partir deste ou daquele ponto de apoio. Mas, no fundo, os questiona- mentos, os modos de entrada, os conceitos e os métodos se cruzam mais do que se chocam, De fato, a nogio de relagdo com o saber remete, antes de tudo, a um tipo de abordagem, a uma certa forma de colocar ¢ de tratar as questdes. Ainda nao estou seguro de que se possa chegar a esse ponto, mas talvez se trate de um paradigma, isto é, de um conjunto de questées, de conceitos, de modos de interpretagdo, de métodos... que adquirem sen- tido em diversas disciplinas. Sobre este aspecto, gostaria agora de avancar neste texto em dois momentos. No primeiro, especificarei quais sio, a meu ver, os pontos de apoio fundamentais de uma abordagem em termos de relacio com 0 sa- ber. Em um segundo momento, eu tentaria, em uma perspectiva antropo- égica, esbocar os fundamentos desta abordagem. Reafirmo que meu obj tivo nao é optar entre esta ou aquela verso da nogéo, mas contribuir para uma ordenagdo do campo problemético ~ ordenagao a partir da qual a compatibilidade e os pontos de convergéncia entre as diferentes versoes tornar-se-do mais visiveis (pelo menos assim espero...). Bases de apoio teérico da nocéo 1) Qualquer que seja a entrada disciplinar, a questao da mobilizagio da sua entrada na a patece central na pro- da relagio como saber: para que (fim, resul- tado) o sujeito se mobiliza? Que desejo sustenta esta atividade? Por que ela ndo se produz com a mesma freqiiéncia, nem sobre os mesmos objetos, nas diferentes classes sociais? Que postura (relagao com o mundo, com os outros e consigo mesmo) assume o sujeito que aprende: a(s) do Eu empirico ou a do Eu epistémico? E A questo ¢ sempre compreender como se opera a conexo entre um ‘0 € um saber ou, mais genericamente, como se desenc: de aprendizagem, uma entrada no aprender. Se o su atividade, a questo é compreender o que sustenta sua mol uma certa forma, pode-se dizer que toda problematica da relagio com 0 saber, assim como todo estudo empirico inserido no quadro desta proble- 2) Aquele que assim se mobiliza é um sujeito, isto 6, um ser humano portador de desejos (e levado pelo desejo) e envolvido em relagdes so- 20 Bernard Charlot ciais, H4 uma segunda base de apoio também fundamental: uma aborda- gem em termos de relacdo com o saber recusa-se a separar o sujeito-desejo social, a construcao do sujeito e sua socializacao. Ela se recusa 3 No tempo: o sujeito se construiria como realidade psiquica, e 86 depois disso socializar-se-ia. Ela se recusa, de igual modo, a separé-los como realidade e ilusdo, necessidade e contingéncia: as disposigées psi- quicas do sujeito seriam socialmente construidas (como habitus) e a vida psiquica do sujeito singular seria apenas a modulagio desse habitus a0 longo dos acontecimentos contingentes de sua histéria singular. Em outras palavras, uma abordagem em termos de relaco com 0 saber tem conseqiiéncias quanto as posigdes adotadas nos diferentes cam- pos de referencia da nog. Na psicanillse, ela implica uma teorizacao em termos de desejo (que introduz imediatamente “o outro”) mais do que ‘uma versio biologizante da pulsao (Lacan mais do que o primeiro, Freud). Na sociologia, ela implica uma defini¢ao do social em termos de ativida- des (0 que introduz 0 sujeito e seus mébeis’; portanto, seu desejo) e nao apenas como um conjunto de posigées." Na implica que ndo }) como imediata- mente dado, mas 0 envolvido tanto em relagées de des institucionais. buem para construir a problematica da relagao com o saber. Ou seja, nao é inares desta problemstic a), no interior de cada uma dessas di as teéricas. A ia deve retrabalhar, em sua especificidade prépria, aquilo que foi importado de uma outra. 3) A problemética da relago com o saber estabelece uma d entre interioridade ¢ exterioridade, entre sentido e Aptender é apropriar-se do que foi aprendido, ca, de uma forma de relago com os outros e consigo mes. antes que eu a aprenda, exterior 2 mim. A problemética "N.de RT 0 terma ‘autor pretende dar p OsJovens eo Saber 21 da relagdo com o saber recusa-se a definir a aprendizagem partindo ape- nas do movimento daquele que aprende ou das caracteristicas daquilo que é aprendido. O que importa, como jé se explicou, é a conexio entre 0 Pode-se formular o mesmo prin cada relagéo com o saber estabelece uma dialética entre sentido e eficdcia da aprendizagem. O que é aprendido sé pode set apropriado pelo sujeito se despertar nele certos ecos: se fizer sentido para ele. Porém, 0 pode aprender se entrar em certas atividades normatizadas, aquelas que permite apropriar-se deste saber ou deste “aprender” esp no so as mesmas quando a questéo € aprender matemdti oficio de policial ou a solidariedade...). Trata-se propriamente de uma dialética e nao de uma simples complementaridade: 0 sentido atribuido a tum saber leva a envolver-se em certas atividades, a atividade posta em prética para se apropriar de um saber contribui para produzir o sentido desse saber. A problemitica da relacdo com o saber implica a recusa de colocar a questio da eficicia sem colocar a do sentido (isto é, a recusa de tomar o saber e a atividade em sua coeréncia e sua especificidade sem se indagar sobre aquele que ¢ chamado a apropriar-se deste saber por meio desta atividade). Ao mesmo temp: ica a recusa de colocar a questo 0 &, a recusa de tomar o sujeito confrontado). 0 que fa: questo do sentido a da eficdcia, & mundo ~ um mundo que ele partilha com outros suj 4) O sujeito que aprende apropria-se de uma parte do patriménio humano que se apresenta sob formas milltiplas e heterogeneas: palavras, -orias, mas também técnicas do corpo, praticas cotidianas, gestos , formas de interagées, dispositivos relacionais... As relagdes com ‘o mundo, com os outros e consigo que a apropriagao de uma ou de outra forma do patriménio pressupée ¢ desenvolve nio so as mesmas; nao € entrar na mesma figura do aprender, ndo é assumir a mesma postura.* ‘uma quarta base de apoio teérico. Entrar em um saber é entrar em certas formas de relaco com o saber, em certas formas de relagéo com 0 mundo, com os outros ¢ consigo mesmo. $6 existe saber em uma certa relacdo com o saber. Isto quer dizer que se interrogar sobre a transmisséo de um saber jerrogar-se também sobre a postura que a apropriagio deste saber supe, sobre o acesso a certas formas de relacao com 0 mundo, com (8 outros e consigo mesmo. O que leva, com freqtiéneia, a indagar-se tam- 22_Bernard Charlot bém sobre as relagSes entre essa postura e outras que o sujeito assume em outras circunstancias (em face de outras formas de aprender, em ot igbes...). De fato, entre as diversas figuras do aprender podem exi lagées de apoio, mas também de tensdo, de contradicao, de concor- réncia ~ nao so os mesmos “aprender” nem as mesmas posturas que per- mitem ser um bom aluno e ser um lider em um bairro de subiirbio. 5) Assim definida, a problematica da relagdo com o saber implica uma certa metodologia: a pesquisa visa identificar processos e, em se da, construir constelagdes (configuragées, tipos ideais), e néo categorizar individuos. ‘As pesquisas sobre a relagio com o saber devem estar atentas para Go cair na armadilha da categorizacio. As questées abordadas em ter- mos de relacdo com o saber freqitentemente sao formuladas, a principio, em termos de diferengas: por que alguns manifestam o desejo de apren- der e outros néo? Por que tal mobilizagao ndo é a mesma nas classes sociais, etc.? A constatagao dessas diferencas oferece 0 risco de induzir respostas em termos de categorias: os comportamentos dos ind viduos sio traduzidos em “categorias de relacées com o saber" classifi cam-se os individuos nessas categorias. Por outro lado, estas cate; sao, em ger: mento que per que a aprendizagem se operasse: depois de definir a categoria pedagogi- camente desejével, elabora-se a lista com todas as falhas e com todos os desvios que conduzem ao fracasso e transforma-os em cate; apenas s¢ faz uma classificaco, mas ela se constré Esse tratamento da questao da relagao com o saber ainda passa a margem do essencial. Ele supée, de fato, que os i ‘uma rela¢o com o saber, que esta é uma de suas caracteristicas e que, Portanto, pode-se categorizé-los conforme esta caracteristica. Ora, o inte esse da nogio de relacéo com o saber é colocar o problema em termos de relagdes, e nao de tracos, de caracteristicas individuais, Dizer que os indi- ‘viduos tém uma relagiio com o saber € ou cometer um erro ou utilizer uma férmula féeil, mas perigosa. De fato, a relacao com o saber ¢ constituida de um conjunto de relacées, do conjunto de relagées que um individuo mantém com o fato de aprender, com o saber, com tal ou tal saber ou “aprender”. Essas relagées variam de acordo com o tipo de saber, com as. cireunstdncias (inclusive as institucionais), nao apresentando uma perfei- {a estabilidade no tempo. Em outras palavras, um individuo ésté envolvi- do em uma pluralidade de relagées com o(s) saberes). Assim, como caracterizé-lo em funcéo do tipo de relacio com o saber? Com certeza, pode-se reter uma dominante (ou a dominante do ponto de vista da ques. Seinnrenienenetoa OsJovens eo Saber 23 to que se coloca), pois, na medida em que o sujeito preserva uma forma de unidade por meio de sua diversidade ¢ de suas contradigdes, esta pluralidade de relagdes com o(s) saber(es) é organizada, hierarquizada e, portanto, apresenta dominantes. Todavia, praticar uma tal categorizacao, sempre possivel, é permanecer em um nivel sumério de andlise e privar-se de uma grande parte da forca heuristica da nogao de relacao com 0 saber, pois, o que permite compreender os comportamentos do individuo so as relacées instauradas entre os diversos tipos de relagdes com 0(s) saber(es) (e com os “aprender”) em que esta envolvido ~ o que é confirmado pelos resultados da pesquisa, Uma metodologia coerente com a problemitica deve se centrar no problema da mobilizacéo’do sujeito no campo do saber (do aprender) ou no confronto com este ou com aguele saber ~ mais precisamente ainda, deve se centrar nas fontes dessa mobilizagao e nas formas que ela assume. ‘A questio € captar um proceso que se pode designar, conforme a dimen- sao privilegiada pela andlise, por diversos nomes: 0 processo Aprender (considerando 0 sujeito em confronto com o patriménio humano), a srando a entrada e a manutengio do sujeito na ativi- iderando o desenrolar da atividade). Para reciso identificar os alimentos que nutrem, loqueiam este processo. Emprego prt "De fato, a andlise aqui ut sustentam, contrariam, d positalmente o termo vago eis de origem (s0 sabendo, o que é fundamental, que estas varidveis, que estes acontecimen- tos e que estas relagdes agem pela interpretagao que o sujeito produz, Além disso, destes elementos sio, eles préprios, processos de dife- rentes ordens (processos de identificagdo, de interacao, cognitivos lingifsticos, que permitem colocar o mundo em ordem, processos institu- cionais e sociais...) — processos estes que interagem (que se conjugam, que se contrariam, etc.). E esse trabalho de identificagao, de exploracao, de construgao de ele- mentos e de processos que constitui a pesquisa sobre a relacéo com 0 saber ~ que, em_ smite compreender as formas (even- tualmente contraditérias) de mobilizaco no campo do saber e do apren- der. Esse trabalho supe uma “leitura em positivo” da realidade analisada, isto é, uma leitura que procure dar conta da realidade a partir dos proces- sos que a constroem, e néo em termos de falhas (isto é, a partir daquilo que lhe falta para ser outra que no ela).* Isto quer dizer que a resposta a uma questo colocada em termos de relagio com o saber deve ser uma resposta em termos de processo e no em termos de categorias de relagio como saber ~ menos ainda uma resposta em termos de categorias que néo 24 Berard Charlot buscam outra coisa senfo denominar, de out (como € o caso de quando “se explicam” as dificuldades escolares de uma crianga, geralmente das camadas populares, dizendo que “isto se deve & sua relagao com o saber” - é uma simples adaptacao atualizada do discur- so sobre as “carénci sultur 0s elementos (variaveis, acontecimentos, relagbes, processos) que per- item dar conta de uma forma de mobilizago em face do saber (ou de um saber, de um aprender) ndo sao justapostos em uma pluralidade operatéria, sendo possivel estabelecer certas relacées entre eles. O pesquisador também pode construir constelagdes, configuragées (construcSes tebricas abrangen- do coeréncias constatadas entre dados empiricos)’ e apresenté-las sob a forma de tipos ideais (apresentagdo dessas configuragées “incarnadas” em rduo singular construido). 0 tipo ideal no é uma categoria: ele é construldo a partir de um conjunto de elementos postos em relacio, en- quanto a categoria ¢ definida a partir de critérios de pertinéncia ou de nao- pertinéncia a esta categoria. Contudo, é sempre possivel perguntar se os individuos de uma dada categoria (por exemplo, os alunos das camadas Populares) esto mais ou menos préximas deste ou daquele tipo ideal. Iss0 costuma ser feito quando se tem de gerir populagées definidas em termos de categorias ~ 0 que nao é ilegitimo, desde que nao se confunda a catego- tia (ou 0 proprio individuo) ¢ o tipo ideal. Além disso, pode ocorrer que a ‘majoria de individuos de uma categoria esteja préxima de um t pesquisador tende, entio, a dar o nome da categoria 20 préprio que, ao mesmo tempo que parece mais claro ao leitor, é ambiguo, por isso, perigoso (Schnapper, 1999). Eu mesmo me expus a esta ambi dade ao falar de “relacao com o saber dos jovens das camadas populares”; trata-se, na verdade, de uma forma de tipo ideal de relagdo com o saber (de uma constelacéo de eler ma mais ou menos pura e 195 estavel) nos individuos classifica- dos na categoria “jovens das camadas populares forma, uma varidvel social FUNDAMENTOS ANTROPOLOGICOS DA NOGAO Uma perspectiva antropol6gica permite fundar, e situar umas em re- lagio as outras, as bases de apoio teérico que acabam de ser apresentadas de forma justaposta, Portanto, ela também permite organizar 0 campo problemético da nogéo. Para desenvoh uum espaco isso, restringir-me-ei a uma apre- sentacdo rapida de algumas proposicées, a um esboco dessa perspectiva.* 1) O homem nasce inacabado, em um mundo humano que preexiste a ele e que jé estd estruturado. Inacabado, portanto, aberto as transforma. OsJovenseo Saber 25 8s, ofilhote do homem encontra o humano sob forma de outros homens e de tudo o que a espécie humana construiu anteriormente. Ele se trans- forma em sujeito humano por apropriagao do humano jé presente no mundo aonde ele chega. Esta transformacao exige uma mediagéo de outros seres humanos (a mée, os parentes, outros adultos, as i s) ‘A educacio é esse triplo movimento de humanizacao, de subjetivagao- singularizagio e de socializacao? (indissocidveis). Ela supe um processo de apropriagéo do mundo que eu chamo Aprender (ou o processo Aprender). 2) Anal questionar al la pelo termo “sujeito”, essa condigdo antropolégica leva a imas proposigdes de base. = Na medida em que ele é “incompleto”,* e o continuard sempre, 0 homem é ausente de si mesmo. Ele traz em sia auséncia sob forma de desejo (que, fundamentalmente, é desejo de si mesmo, de ple~ nitude “de gozo, ou, em uma forma mais elaborada, dessa unida- de consigo mesmo que se chama ~ Esse movimento de construgao de si mesmo como sujeito ede apro- priagao do mundo desenvolve-se no tempo (e engendra o tempo como dimensio da existéncia humana) ~ Esse movimento supée uma atividade do ividade de apropriagao do mundo) atividade de adultos mediadores entre 6 mundo ¢ o suje ~ 0 sujeito se constréi a partir de uma situagéo in com 0 mundo e com os outros (ef. Wallon, tanto, no préprio movimento em que se constrdi, ele constréi o outro como distinto de si mesmo (especialmente * tudo em diversos luga toria) lo (ap: preexiste). No préprio movimento em que se constré constréi um mundo ~ partilliado com outros sujeitos ~_ Esse movimento de construcdo de si mesmo, do outro e do mundo um universo nao-natural, 0 da Lei iguagem); 0 do nredado na trama e nas formas do mundo humano. termo “mundo preexistente” também permite colo- car algumas proposigoes que esclarecem a questdo da relagio com o saber, ~ © mundo nao foi construfdo pela espécie humana para ser apren- dido. Ele nao ¢ (imediatamente) organizado a fim de ser oferecido a0s jovens e apropriado por eles. 26 Bernard Charlot — 0 mundo foi construido por atividades humanas visando assegu- rar a sobrevivéncia daqueles que se engajam nestas atividades (e, em um nivel mais elaborado, para lhes proporcionar prazer, para satisfazer seus desejos, para aplacar suas angiistias) ~ Aatividade humana produz “obras” de natureza variada:"* obje- tos, téenicas, instituigGes, formas de dispositivos relacionais, as, conceitos e teorias. O que é assim produzido, em sua diversida- de e em sua heterogeneidade, é o que pode ser “oferecido” ao s Jjeito no processo Aprender ~ em uma formulagdo inversa: ac ‘de que o sujeito pode apoderar-se por meio do processo Aprender — Aatividade humana nao é desenvolvida por individuos isolad uma atividade social, de individuos pertencentes a grupos, a col tividades humanas estruturadas por relacdes sociais (isto é, por determinadas formas de divisdo do trabalho, por instituigées, por organizacoes). — A atividade humana produz, assim, simultaneamente, “obras” ¢ relagGes sociais, Nao se tratam de dois tipos de producao: a ati dade humana produz obras nas relagdes sociais; o modo de produ- ‘gio e de circulacdo da obras indwz relacées sociais. Contudo, esses dois produtos da atividade (obras ¢ relagdes sociais) obedecem a lgicas diferentes e néo so redutiveis um ao outro: nas mesmas \gdes sociais podem-se produzir obras diferentes (uma ponte solida ou uma ponte que desmorona) e uma mesma obra pode ser produzida em relagdes sociais diferentes (uma ponte construida por escravos ou pela coletividade que dela necessita). Portant no se deve nem esquecer que as obras remetem a relagdes 50 nem acreditar que essas obras sejam deduzidas de relacé Em outros termos: nao se pode confundir a normativi vidades (certas operagbes sdo exigidas para atingir o fi sua normalizagdo (elas se conformam a certas normas sociais). 4) A pattir do que foi dito, pode-se formular um certo nimero de pro- pposigdes que esclaregam a questo do aprender e a da relacdo com o saber:!? 44.1) Aprender é um movimento interior que no pode existir sem 0 exterior — reciprocamente, ensinar (ou formar) € uma ago que tem ori- gem fora do sujeito, mas s6 pode ter éxito se encontrar (ou produzir) um. movimento interior do sujeito. Essa proposigéo decorre diretamente da situagdo antropolégica, com seus dois pélos (o filhote human to”, o mundo humano que Ihe ¢ preexistente). Formulada com plicidade, ela significa que ninguém pode aprender no lugar da crianca, ‘mas que a crianga s6 aprenderd se houver solicitacdes externas. 4.2) Aprender é uma construgao de si que s6 & possivel pela interven- 0 do outro — reciprocamente, ensinar (ou formar) & uma aco do outro OsJovens eo Saber_27 que s6 tem éxito se encontrar o sujeito em construgio. Essa proposigéo decorre, de modo direto, da situagdo antropolégica. Pode-se la apenas como segue. If a crianga que se educa, ¢ 0 adulto que a educa: cada uma dessas afirmacées é verdadeira se as duas forem enuncia- das; falsa se apenas uma for enunciada, 4.3) Toda relagao com o saber & também relagéo consigo. Apfender envolve uma relacdo, ao mesmo tempo, daquele que aprende, e, indisso- ciavelmente, com'o que ele aprende e com ele mesmo. Tal proposicao decorre do fato de que aprender é construir-se, apropriando-se de algo do ‘mundo humano. Isso significa que a questo do narcisismo e da imagem de si mesmo (a questao ¢ igual em universos teéricos distintos) est sem- quando se aprende (qualquer que seja a figura do aprender) que 0 “sentido” eo “valor do que ¢ aprendido esta indisso- ciavelmente ligado ao sentido ¢ ao valor que o sujeito atribui a ele mesmo enquanto aprende (ow fracassa em sua tentativa de aprender). 4.4) Toda relacao com o saber é também relaco com 0 outro. Este outro esté presente no proceso Aprender sob trés formas. E 0 outro como mediador do processo (os pais ou o professor fisicamente presentes; 0 autor do livto didtieo quando se drige ao aluno, et); essa mediagio & também a que se pr outro como “fantasma do outro que cada um ttaz em si” (pa n), este outro que é psiquicamente co sujeito. #0 outro que existe como humanidade nas obras produzidas pelo ser humano ao longo de sua histéria. De modo evidente, essas trés formas de manifestacio do outro coexistem e apéiam-se ~ nenhuma existiria sem as outras duas. Que toda relacdo com o saber seja também relagao com 0 outro significa que aprender € entrar na comunidade virtual (c, as vezes, presente) daqueles que aprenderam o que eu aprendo (e que nao sao os mesmos quando eu aprendo matemética ¢ quando eu aprendo a consertar ‘um motor ou a sobreviver em minha comunidade), 4.5) Toda relacéo com o saber é também relagéo com 0 mundo. jé foi assinalado, ndo pode apropriar-se de tudo o que a espécie humana produziu ao longo de sua historia. Ele nasce em um mo- ‘mento da histéria humana, em uma sociedade e em uma cultura, em um ‘certo lugar nesta sociedade. O que Ihe é potencialmente oferecido é uma forma do mundo, que evidentemente pode ser ampliada, mas no corres- ponderd jamais ao Mundo em sua totalidade. Além disso, o mundo em ‘que 0 sujeito vive e aprende é aquele no qual ele tem uma atividade, no qual se produzem acontecimentos ligados a sua histéria pessoal. Por outro lado, 0 sujeito néo interioriza passivamente o mundo que Ihe é oferecido, 28 Bernard Charlot ele 0 constréi (ele 0 organiza, categoriza, pde em ordem, relacéo com o mundo constitui-se nessa co-construgao (seletiva) do sujei- to e de seu mundo. Existem, para 0 sujeito, objetos, situagdes, pessoas, formas de atividade, formas relacionais (relagdes com os outros, mas tam- bém consigo mesmo) que, para ele, s0 mais importantes, so mais inte- ressantes, tém mais valor que outras, correspondem melhor aquilo que ele 6, aquilo que ele € e pode ser - e que, portanto, valem mais a pena ser aprendidos. essa relacio (seletiva ¢ hierarquizada) de sentido e de valor ,situagées, etc. (inclusive consigo mesmo) que constitui a rela- gio com 0 mundo do sujeito. O sentido € 0 valor de um saber (de um aprender), e portanto, também, a mobilizagio do sujeito neste aprender, 0 indissoeidveis dessa relacéo com 0 mundo."* 4.6) Aprender é uma relagdo entre duas atividades: a atividade hu- ‘mana que produziu aquilo que se deve aprender e a atividade na qual 0 sujeito que aprende se engaja ~ sendo a mediagao entre ambas assegurada pela atividade daquele que ensina ou forma. Em termos simples: para apro- priar-se de um saber, é preciso introduzir-se nas relagdes que permitiram produzi-lo. O essencial nao ¢ repetir a propria atividade humana, tal como ela ocorre ou ocorreu, mas adotar, durante a atividade de aprendizagem, a postura (relacéo com 0 mundo, com o outro e consigo) que corresponde a jidade humana. Esta é uma condigao necesséria, mas nao é sufi- : é preciso, a partir dessa postura, dominar as operagdes especificas idade ~ aquelas que constituiem sua normatividede. Por outro de tal lado, 0 processo pode ser invertido: 0 dominio progressivo das operacdes permite, pouco @ pouco, assumir a postura. 4,7) Toda relacao com o saber é in Aprender & um processo sing com o aprender é sempre a relagZo singular de um sujeito. No entanto, esse sujeito 6, por sua constituicéo, um sujeito social, e aquilo de que ele foi produzido por uma atividade estruturada por relagies s0- Ciais; a relagao com o aprender é sempre uma relagdo social com apren- der. Isso significa que nao hd igualdade social dos sujeitos para se ter aces- so aos saberes (e aos “aprender” e para se estabelecer relagies com 0 saber que eles implicam. Mas isto significa igualmente que também nao ismo social ~ porque o sujeito social é singular e porque a normatividade da atividade nao se confunde com sua normalizacéo. Outros pontos poderiam ser abordados a partir deste fundamento antropol6gico. Seria interessante falar das questées do tempo e da lingua- gem, ambas fundamentais. Poderfamos, do mesmo modo, tentar “dedu: Zit” desses fundamentos certos conceitos da didética (transposigéo didati- a, praticas sociais de referencia, contrato didatico, conflito sociocognitivo).. Os Jovens eo Saber_29 ‘Ademais, poderfamos desenvolver outras conseqiiéncias do modelo te6ri- : aprender & mudar; aprender & ar’. Poderfamos, sobre 0 que esse modelo implica do ponto de vista das me- diagdes (pelo adulto, pelas instituigSes) necessérias para que o proceso Aprender se desencadeie e tenha éxito ~ também e prineipalmente ~ do ponto de vista da formacao dos professores. Entretanto, meu objetivo aqui nao era dizer tudo, mas, sim, apresentar os fundamentos essenciais ¢ es- bocar uma ordena¢ao do campo problematico da nogo de relagéio com 0 saber. Espero ter alcancado esse objetivo. NoTAS 1. Sobre o histérico da nogio de'relacdo com o saber, cf. J. Beillerot, 1989, ¢ B. Charlot, in A. Chabchoub, 2000, 2. Pode-se pensar também nas diferencas entre sexos, nas diferencas de ori- gem cultural e em qualquer outra diferenca social, 3. Quando digo tefiro-me a todas as atividades, qualquer que seja sua natureza, que consistem em aprender, e aos seus resultados, wer que seja a natureza desse resultado. Adoto o substantivo “sa 6s resultados de um tipo particular de “aprender” que s6 exis- tem pel 4s vezes, os didatas) -, enquanto aprender a nadar, por exemplo, tem um resultado que se insereve no corpo daquele que aprende a nda Intro dduzi esta distingdo, embora ela torne o discurso pesado, para “dar conta da heterogeneidade de todas essas atividades que chamamos de“ der” e de seus resultados. Contudo, visto que esta distinga sdria & andlise em curso, continuo a falar de “relagéo com o saber" no sentido geral de “relagio com 0 aprender”, pois a expressio “relacio com o saber” tornou-se hoje de uso corrente nas ciéncia humanas. (So: bre essas questdes, cf 997.) 4. Isso quer dizer que as atividades nao sio independentes das posigGes s0- ciais ~ mas ndo se reduzem a elas. endo por “postura” uma forma de relaco com © mundo, com 0s ou- 5 € consigo (essas trés relagdes estando indissociavelmente ligadas), colocando-me do ponto de vista do sujeito. Quando me coloco do ponto lade a ser desenvolvida para aprender, chamo “figura do aprender” essa forma de relagao com o mut: do, com os outros e consigo. Quanto a expressiio “forma de ‘0 saber" (ao mesmo tempo mais vaga e mais simples), a utilizo quando me importa apenas assinalar a diversidade de figuras do aprender e de ras. Introduzindo o trabalho de interpretago produzido por uma tituigdo encarregada de um saber (ou de um “aprender”), trabalho 30 Bernard Charlot 6. assinalado por ¥. Chevallard, poderfamos falar de “representagoes inst tucionais do aprender”. Apesar de todas as minhas precaugdes de redacéo, \égica) é freqiientementt Tégica e metodolégica. Cont ragdo o sujeito e suas logicas especificas —0 4 10 que nada tenha a ‘ver com 0 otimismo, é uma forma de respeito ao sujeito e, mais generica- ‘mente, uma forma de relacio com o mundo que tem implicagbes ideol6gi ‘eas. Sem diivida, € por isso que a traduglo em termos de otimismo é to persistente, nlo obstante todos os meus desmentidos. Nota-se que um mesmo elemento pode encontrar-se em constelagies dife- seu efeito depende da interpretagao que o sujeito Ihe dae lard, que também util lise que segue apéia-se implicitamente em varios trabalhos, o que me pa- rece desnecessério citar de forma detalhada em um esbogo. Pode-se reco- nhecer de passagem Vygotsky, Leontiey, Wallon, Marx, L. Séve e alguns outros. A introdugio aqui do termo “socializago” exigiria que se desenvolvesse 0 que precede. A idéia de base é que o mundo sempre se apresenta ao sujei- to em relagées sociais dadas e, portanto, que o sujeito se constr6i como um exemplar socioculturalmente demarcado do b jo que a espécie humana construiu 20 longo de sua histéria) |. Também me parece preferivel, no caso do homem, falar de “mundo” e ndo de “meio” (termo que oferece 0 risco de aprisionar a andlise nas perspecti- vvas da biologia ou de uma de uma sociologia determini ‘Tomo emprestada esta interessante nogdo da obra de Mayerson (que ain- da no livro de E, Bautler e J-¥. Rochex, 1999. nressio “relago com o saber" para facilitar aleitura do texto, mas trata-se aqui da “relacéo com o aprender”. Por outro lado, um desen- volvimento do modelo exigiria que se mostrasse que cada uma das propo- sigdes a seguir pode ser engen partir de outras. Para uma tentativa de definicéo do “sentido” e do “valor” (cf. B. Charlot, 1997). Os Jovenseo Saber 31. 15, A diferentes “aprender” correspondem diferentes relagies com 0 mundo. [esse sentido, o individuo que se insere em diferentes figuras do aprender vive em vérias mundos ~ e, desse modo, coloca-se a questo das relagies pois, por mais heterogéneo e contraditério que seja 0 sujeito, ele continua sendo um (unidade constitufda de diversidade e permeada de contradicdes). REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS BAUTIER Flisabeth e ROCHEX Jean-Yves, 1998, Lexpérience scolaire des “nouveauce ‘yoéens". Démocratisation ou massification? Paris: Armand Colin, ——. 1999, Henri Wallon. Lenfant et ses miliewx. Paris: Hachette. CHARLOT Bernard, 1997, Du rappore au savoir Eléments pour une théorie, Paris, Anthropos. ——. 1999, Le rapport au savoir en milieu populaire. Une recherche dans les lyedes rofessionnels de banicue, Paris, Anthropos. —. 2000, “La problématique du rapport au savoir, in CHABCHOUB Ahmed tapports aux savoirs et apprentissage des sciences. Tunis: Publications de "Association Tunisienne des Recherches Didactiques, CHEVALLARD Yves, 1992, ‘Concepts fondamei a didactique: perspectives apportées par une approche anthropologique”, in Recherches en Didactiques des Mathématiques,n. 12,1. SCHINAPPER Dominique, 1999, La compréhension sociologique. Démarche de analyse tpologique. Paris: PUR

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