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ees Ama eS % Como falar sobre} PSICOLOGIA E SETEMBRO AMARELO: Um guia pratico de como elencar discuss6es sobre o suicidio de maneira técnica, ética, cuidadosa e efetiva | POR RAYSA LIMA Aqui, 0 suicidio nao é um tabu... Mas, ao redor de todo o mundo, ele ainda costuma ser. Nao o discutimos abertamente, nado estudamos o suficiente. Sequer temos acesso a informacao sobre o tema de maneira responsavel. A grande maioria das faculdades nao tém nenhuma disciplina de prevencao ao suicidio - inclusive os cursos de graduagdéo em Psicologia. Ha muitos mitos, muito estigma - e poucas possibilidades de acesso a contetidos que falem da Prevengao com o devido rigor técnico, a empatia necessaria e os aspectos éticos fundamentais. Setembro é o més dedicado a prevengao do suicidio. Mas, diante de todas as dificuldades mencionadas, fica a pergunta: como explicar sobre suicidio? Como agir no Setembro Amarelo? O que falar no Setembro Amarelo? Como montar uma apresentacdo para falar sobre suicidio de maneira responsavel? Quais so os pontos a serem abordados - e como aborda-los? Pensando nisso, nessa caréncia e nas lacunas deixadas em nossa formacao no que se refere ao suicidio enquanto tematica, busquei responder a essas questées a partir das minhas proprias experiéncias com o Setembro Amarelo. Trata-se de um momento importante, em que temos a oportunidade de levar © tema do suicidio a uma maior quantidade de pessoas e, também por isso, no podemos negligenciar essa oportunidade. Nos ultimos anos, eu venho desenvolvendo palestras, rodas de conversa e uma série de outros eventos durante o més de Setembro - e vou compartilhar algo disso com vocé. 0 intuito é que, ao final desse e-book, vocé se sinta mais segurola) e genuinamente preparadola) para atuar no Setembro Amarelo e contribuir para com a Prevencao do suicidio. Vem comigo? Sobre o Espaco Amarelo © Espaco Amarelo se dedica a capacitacdo de profissionais de satide, educacdo e afins em relagdo 4 Prevencdo e Posvencao do Suicidio. O propésito € 0 de possibilitar que pessoas em profundo sofrimento possam ter um tratamento adequado, por meio do exercicio de uma Psicologia mais humanizada e tecnicamente preparada para atender casos graves. Trata-se de um espago concebido pela psicologa Raysa Lima (CRP 03/23646), idealizadora do Espago Amarelo e do GES, Membro Fundadora e Conselheira Técnica da Associacao Baiana de Prevencao e Posvengaio do Suicidio (ABAPS) da Associacao Brasileira de Estudos e Prevengao do Suicidio (ABEPS). Raysa também @ membro da International Association for Suicide Prevention (IASP- ECG), contando com vasta experiéncia na area e paixdo pelo exercicio de sua profissdo Introducao Sobre o Espago Amarelo Publico alvo: para quem estamos falando? Estrutura: montando uma apresentacao Cuidados: tecnicos e éticos Orientacao e suporte: efeitos possiveis 02 04 06 1 23 @eooo y iS ~ Publico-alvo a zz, QUEM VAMOS wi wa Precisamos pensar qual é 0 foco da apresentagao. Para tanto, devemos pensar qual é a faixa etaria desse ptiblico, pois cada grupo - criancas. adolescentes, adultos ou idosos - exigira uma linguagem especifica. Entao, sempre que vocé for convidado(a) a falar no Setembro Amarelo, procure saber qual é a faixa etaria do puiblico que the ouvir e, se for mista, vocé devera trazer uma linguagem diferenciada; uma que seja conhecida e possa ser compreendida por um pubblico ou pelo outro. Por exemplo, se forem adolescentes, ¢ importante que vocé cite séries, filmes, musicas; traga exemplos do cotidiano. Se o pubblico se tratar de pessoas mais velhas, ¢ interessante que vocé também traga referencias, mas relacionando com a vivéncia e experiéncia daquele puiblico. Isso ndo é uma lei, mas € algo que, com certeza, vai facilitar 0 entendimento - e, considerando que o suicidio €um tema muito dificil, quanto mais vocé conseguir aproximar seu discurso da vivéncia do publico, melhor. Alem disso, vocé deve se perguntar: qual 6 a demanda desse publico? Geralmente, quando somos chamados para falar sobre suicidio em algum espaco, ja tem algo acontecendo alli; algo que fez com que a necessidade de se falar sobre suicidio emergisse. Dessa forma, é importante que vocé saiba: algo aconteceu? Nao hesite em perguntar! Vocé precisa conhecer 0 pilblico para quem estara falando ©, para isso, precisa coletar dados e informacdes, Quando eu sou chamada para falar de suicidio em alguma escola, por exemplo, eu sempre pergunio: “como 6 a escola?”, “como é 0 pilblico?’, “como € que a tematica de suicidio aparece”, “como os professores véem essa tematica””, “vou falar com 0s professores ou com os estudantes?’, ‘val ser mais de um publico?’. Certa vez, fui chamada para falar para o ensino médio de uma escola publica, ¢ os estudantes dessa escola ficavam la em periodo semi-interno - manha e tarde sem poder sair. Questées relacionadas ao suicidio ja existiam ali; j4 havia tido tentativas e alguns estudantes praticavam autolesao. Eu buscava mais informagdes quando a coordenadora, que havia entrado em contato comigo, me falou: “Olha, eu queria que vocé viesse e convencesse esses meninos de que devem ser fortes, que devem parar com essas coisas. Porque - tem até um estudo que fala - essa geracdo é uma geragao “floco de neve", Eles devem parar com isso - a gente néo aguenta mais. Tem uma menina aqui que, as vezes quando acontece algo, ela tenta suicidio na escola; ai nés mandamos para a emergéncia do hospital e, no outro dia, ela ja esta rindo e brincando com os colegas. Entao, como que ela quer morrer se ela esta rindo e brincando?” Sim. Foi isso que ela disse - sem tirar nem por. E eu respondi: “Obrigada por compartilhar 0 que esta acontecendo. E eu queria ter a possibilidade de falar com os professores primeiro e sO depois com os estudantes." Eu fiz isso porque percebi que os profissionais daquela escola, incluindo a gestdo, tinham varios pensamentos carregados de preconceito em relacao ao suicidio e a praticas autolesivas. Falar com os dois pUblicos juntos, provavelmente, iia ser problematico - entéo eu tentel adotar a estratégia de trazer os professores para o meu lado. S6 que nao deu para fazer isso. Eu tive que falar com os dois puiblicos ao mesmo tempo. Tratava-se de 50 adolescentes num patio sem estrutura - mas, pelo menos, eu consegui usar slides - 0 calor, decerto, estava de matar. Dois puiblicos diferentes, um ambiente pouco confortavel, questées envolvidas - mas eu sabia onde estava e o que estava acontecendo ali Nesse sentido, comecei tentando me conectar com os adolescentes. Falei sobre como eu sabia que adolescéncia era um periodo dificil, falei sobre algumas dificuldades que eu imaginava que eles poderiam estar tendo. Um dos estudantes disse que tinha uma pergunta para mim: "Teve um estudo, sobre o qual os professores falaram pra gente, que diz que somos a “geracao floco de neve", que a gente se quebra por tudo. E eu quero saber o que vocés da psicologia acham sobre essa forma que estao chamando a gente.” Assim que ele fez essa pergunta, os estudantes e professores se entreolharam e olharam para mim, esperando pela resposta, E eu respondi: "Olha, eu acho que, antes de rotular vocés, de rotular a geracéo de vocés, por estarem *quebrando facilmente’, a gente precisa entender o motivo dessa fragilidade. Quando a gente chama vocés de ‘geracao isso ou aquilo’, soa como se essa fosse uma responsabilidade de vocés. Mas, veja: a geragdio de vocés foi criada pela nossa geracdo. Nés ndo somos culpados, mas somos responsavels por vocés. Entdo, eu acho que a psicologia tem que achar uma maneira de ajudar vocés, de cuidar das feridas, da historia de vocés. Culdar daquilo que pode estar fazendo com que vocés se quebrem. E a gente deve, também, orientar os professores e os pais sobre como auxiliar vocés, pois eles querem ajudar, mas nao sabem como. O dever da psicologia, portanto, ndo é, necessariamente, dar um nome a geracdo de vocés, mas ver como podemos melhorar e transformar a vida de vocés’. Essa foi a minha resposta; uma resposta que agradou a gregos e troianos - os professores se sentiram acolhidos, porque, de fato, eles nao tinham treinamento e estavam desesperados sem saber 0 que fazer; € os estudantes, porque sentiram a completa suspengao do julgamento e viram que estavamos ali para culdar deles - e nao para culpabiliza-los. Perceba que essa minha fala demandou, antes, uma preparacao; saber onde eu estava pisando, saber 0 que tinha acontecido e saber que, naquele momento, nao era hora de eu discordar da coordenadora e/ou dizer a ela que eu nao iria convencé-los a serem fortes; isso exigia uma fala mais preparada mais contextualizada, Eu busquei, na minha fala, trazer elementos que eram importantes para os professores e outros para os alunos, Foi ai que, aos poucos, consegui construir a possibilidade de sensibilizar tais professores, desconstruir alguns preconceitos, explicar metaforicamente e, também, acolher os estudantes que estavam em sofrimento - abrindo, inclusive, a necessidade de que esses professores fossem treinados Percebe-se, entéo, que uma determinada intervencdo deve ser pensada e cuidadosa, pois se eu houvesse trazido ali alguma fala que estigmatizasse esses estudantes ainda mais, que realmente os rotulasse como floco de neve, que os culpabilizasse ou, ainda, se eu trouxesse algo que fizesse com que esses professores se sentissem culpados, eu teria perdido toda a mensagem que eu gostaria de passar. a | a @ee0oo Estrutura MONTANDO UMA APRESENTACAO y VA Essa deve ser a estrutura ideal de uma apresentagao de cerca de, em média, 1 (uma) hora de duragao. Primeiramente, se apresente, fale quem 6 vocé, de onde vocé vem, qual a sua historia, como foi seu contato com a tematica do suicidio. Traga essa explicagao de modo a preparar o terreno para gerar conexdo com as pessoas que vao te ouvir. My, Aqui é o momento em que vocé fala com o seu grupo. Vocé precisa entender o que esse grupo esta passando, quais sao as dificuldades. Comece introduzindo sentimentos e situacées que eles, provavelmente, passam, para justificar a importancia desse momento, e o porqué de vocé estar ali. Essa introdugao é muito importante e ela s6 acontece quando a gente sabe quem é o grupo para © qual vamos falar. Nao se trata de fazer, somente, uma apresentacao padrao sobre suicidio, mas buscar essa conexao com o ptiblico que te escuta, Por exemplo, se forem estudantes, vocé pode falar "Nossa, a adolescéncia é um momento confuso. né gente? A gente era crianga um dia desses e agora a gente quer ser adulto; a gente tem mais dever do que liberdade - as vezes temos 0 dever de um adulto, mas a liberdade de uma crianca e isso 6 tudo muito confuso. A gente tem que descobrir o que a gente gosta, o que a gente 6. A gente tem que lidar com diferencas em relacdo a nossa familia.” Perceba, entdo, que eu trouxe o contexto do adolescente - isso geta conexdo com o pUblico e demonstra que vocé se importa e que vocé conhece a realidade dele. VA Eon {S Antes de falar de suicidio, fale de satide mental. Fale sobre como temos a tendéncia de ignorar a nossa satide mental: quando estamos com dor de dente, a gente procura um dentista, quando estamos doentes, procuramos um médico, mas quando estamos com algum sofrimento psicolégico, falam pra gente ser forte, porque vai passar. E é por isso que vemos tanta gente sofrendo, por isso que os indices de suicidio sao tao altos. Muita gente ainda acha que terapia e psiquiatra sao "coisa de louco’. Ainda ha muitos preconceitos que permeiam a tematica da satide mental. Nesse sentido, vocé pode falar que vocé faz terapia, que seus professores fazem terapia, que na psicologia isso ¢ uma coisa que a gente precisa fazer para se cuidar - isso ajuda a naturalizar a questao da satide mental. surctoro e rasu XX Quando ha tempo, eu gosto de falar sobre suicidio e tabu, sobre a historia do suicidio, para tentar explicar de onde vem esses preconceitos. Além disso, uma coisa que eu foco aqui é no Efeito Werther (clique para saber mais); cu gosto de falar sobre isso explicando a pergunta “por que as pessoas acham que, se eu falar de suicidio, eu vou dar ideia?" VA E interessante explicar 0 efeito, 0 que acontece, o motivo de as pessoas acharem que suicidio é contagioso - e explico que, sim, dependendo de como se fala sobre suicidio, isso pode ser um gatilho; pode ser a gota d'agua (metéfora, inclusive, interessante para se falar sobre isso), Busco, de maneira geral, deixar claro que, hoje em dia, sabemos que falar sobre suicidio nao "da ideia’, Podemos, sim, falar sobre. Na verdade, pelo contratio, uma pessoa em situagao de sofrimento intenso, ou ela vai falar ou vai guardar para si - € isso faz com que piore a ponto de chegar no risco de suicidio, entéo temos que falar sobre isso. eripewsorocis SG, Aqui, é importante trazer os dados, contextualizd-los e comentar sobre eles com 0 intuito de conscientizar. v— [MITOS EVERDADES y Uma forma interessante de ilustra-los é trazer falas das redes sociais (sem indeitificago dos perfis que postaram, é claro), a fim de explicar 0 que é mito e © que é verdade. Use metaforas e traga exemplos. Contextualizar 6 a chave! ewan Traga os sinais de que uma pessoas esta em risco de suicidio, Aqui também é interessante colocar os fatores de risco e os de protecdo (clique para saber mais). Uma coisa importante: quando falarmos sobre os sinais: muitas vezes, na plateia, pode ter uma pessoa que perdeu alguém para o suicidio. Vocé precisa deixar claro que nem todo mundo deixa sinais. VA Ha casos em que a pessoa deixa sinais, mas so vemos depois, porque somos proximos ou estamos conectados a essa pessoa e a vemos de um jeito diferente - ou porque néo queremos, inconscientemente, enxergar aquela possibilidade, Mas, depois que essa pessoa morre, vocé percebe os sinais; e vocé se culpa. E como um gol perdido: depois de perdido, ¢ mais ‘facil’ dizer que conseguiria fazé-lo - que teria visto os sinais. E a pessoa se culpa, O Setembro Amarelo 6 um periodo em que as pessoas sofrem, em que sobrevivente 6 quem fica. Ha sobrevivente de si e sobrevivente do outro: 0 sobrevivente do outro é aquele familiar, amigo, todo mundo que foi de alguma forma impactado pelo suicidio. Ele ¢ chamado de sobrevivente porque entende-se que a morte por suicidio de alguém préximo ou a visdo da cena em si é um trauma to grande que viver apés ele 6 sobreviver a ele. A pessoa torna um sobrevivente. Isso, inclusive, 6 um fator de risco para o suicidio: ser sobrevivente do suicidio de outro. Quando falar dos sinais, deixe claro que prevenir nao é prever; que muitos dos sinais a gente nao vai conseguir enxergar, so depois. Isso contribui para evitar a estigmatizacdo do sujeito sobrevivente, porque depois de um suicidio, ha toda uma pressao social em cima da familia, por exemplo. Hd uma tendéncia culpa- los; entao, temos que tomar cuidado com isso. Em uma palestra dada por mim, ao final dela, uma senhora veio falar comigo, dizendo que estava muito nervosa para assistir a palestra, relatando que até chegou a tomar um calmante. Ela estava com medo de se sentir muito mal, porque ela havia perdido a irma. Ela disse que, quando me escutou compartilhando uma histéria pessoal com a conclusdo de que as pessoas néo devem se culpar por nao terem visto os sinais, eu tirei um peso das costas dela. Um peso de anos - “pela primeira vez, alguma coisa conseguiu tirar a culpa que eu estava sentindo”, Perceba o impacto dessa fala, Por isso que devemos tomar muito cuidado e, também, nos atentarmos a alguns pontos que no podem deixar de ser ditos, pois nao temos nem noco do efeito em cadeia que pode ser causado quando trabalhado um tema to sensivel. VA como sioner E sempre importante trazer na apresentacao como ajudar, pois as pessoas perguntam bastante. E importante estudar e pesquisar em fontes confidveis acerca de qual seria 0 modo mais apropriado de se proceder. Tenho uma live am que falo sobre como ajudar pessoas préximas; eu conto. inclusive, um caso sobre isso, Clique aqui para assistir e sinta-se a vontade para utilizar o contetido na sua apresentacao. ‘Aqui, vocé deve falar sobre quais so os caminhos que a pessoa pode ter. Fale sobre 0 CW como possibilidade, mas deixe claro que s&o voluntatios, que trata-se de um atendimento anénimo e de um acolhimento pontual, para que no gere a fantasia de que CVV é terapia. Também ha o Mapa da Satide, criado pelo Instituto Vita Alere, e tem uma lista de profissionais do Brasil que estéo atendendo online e gratuitamente, Vocé pode indicar também as clinicas-escolas das Universidades da cidade de vocés. conrare Uy Por fim, deixe sempre possibilidades de meios de ajuda e, também, deixe o seu proprio contato, pois a partir do momento em que vocé fala sobre essa tematica em determinado lugar, vocé se torna responsavel. de certa forma, por tal lugar. Nao que vocé va ser culpado se algo acontecer, mas vocé é responsavel pelas consequéncias da sua prépria fala. Normalmente, sempre tem alguém que vai te procurar. E como se vocé virasse referéncia sobre o assunto para aquelas pessoas, entéo sempre que eles precisarem de orientacao, tirar divvidas, eles vao procurar vocé. Cuidados TECNICOS E ETICOS aig Oe Li © QUE NAO FAZER Nao dar respostas diagnosticas aos casos trazidos. E muito comum, nessas palestras, que as pessoas tragam casos de algum conhecido, perguntando se tal pessoa esta em risco de suicidio, se ela se matou por causa disso ou por causa daquilo, Elas estado atras de um diagnéstico, Nao dé esse diagnéstico! Nao dé resposta aos casos trazidos. E importante deixar claro que, para falar sobre um caso, vocé precisaria estar atendendo a pessoa, ter 0 um contato mais proximo, para dar qualquer orientagao. Diga, tambem, que vocé néo pode fazer esse tipo de coisa num lugar aberto como esse por uma questdo ética; vocé pode deixar a possibilidade da pessoa te procurar no final da palestra para vocés conversarem melhor, mas deixe claro que vocé nao pode dar uma resposta direta sobre um caso com o qual vocé nao teve contato. E importante que seja feito um acordo com o ptiblico de que o que for compartilhado pelas pessoas ali precisa ser tratado com sigilo e respeito. Isso ¢ importante, porque sempre vai ter alguém que vai trazer uma histéria pessoal. Alguns profissionais ‘cortam* esses relatos para que a pessoa nado se exponha, como uma maneira de protegé-la; mas penso que, talvez, essa pessoa sé teve coragem e se sentiu a vontade pra falar sobre aquilo ali, Quando vocé a silencia, pode ser que ela nunca mais volte a falar daquilo. Talvez, inclusive, vocé reedite outros silenciamentos anteriores. Se a gente diz que nao se pode silenciar a dor, por que fazer isso com essas falas? E mais importante deixar claro para plateia acerca da questo do respeito e do sigilo. Nao atribuir causas ao suicidio. A gente nao pode ficar falando de causas, como, por exemplo, depressdo e violéncia sexual. A partir do momento em que vocé atribui uma causa Unica, as pessoas tenderdo a associar que, se alguém passou por isso, ela vai se suicidar. Suicidio néo tem causa unica! Nao é "porque", Existe o gatilho, a gota d’agua mas nao uma sé causa, Nao divulgar cartas. Nao se deve mostrar cartas para o puiblico geral, para nao gerar identificagao. Nao generalizar/rotular. Nao trazer, por exemplo, discursos que reforcem que todas as familias que passaram por isso fossem familias desestruturadas. Nao existe "todos"; no suicidio, cada caso é um caso. Outro exemplo: nao traga que "toda pessoa que tenta suicidio néo quer acabar com a vida, quer acabar com a dor’ tem pacientes que dizem “no, eu quero é acabar com a vida, nao é com a dor’. E fato que, na maioria dos casos, ha um sofrimento, uma angustia - mas devemos tomar cuidado para nao generalizar. Eu sempre digo que cada caso é inédito. Nao afirmar o que nao sabe. Nao ha problema em dizer “gente, eu nao tenho acesso a essa informacdo, mas é uma boa pergunta. Irei pesquisar e, depois, e envio a resposta". E muito mais ético e evita a disseminacao de informagées que podem ser prejudiciais. Nao utilizar perspectivas culpabilizantes. Tente nao culpar ninguém - nem o sujeito, nem a familia, nem ninguém! Nao dar injegdes de animo. Nao-Nunca-Jamais faca injecdes de animo. Injecdo de animo é aquela coisa de “a vida é bela’, "o lado bom da vida’, Nada de frases motivacionais no Setembro Amarelo. Injegdes de dnimo so funcionam com pessoas que nao estéo em profundo sofrimento psiquico. E como se ela fosse um toque/um carinho: um toque pode ser muito bom, mas quando vocé esta queimado de sol, arde. Entdo a injecao de animo ¢ como um toque, se a pessoa esta machucada, ndo vai ser legal Nao usar linguagem desconhecida para o publico alvo. Vocé deve sempre utilizar uma linguagem adequada ao seu pliblico. Se vocé for usar algum termo técnico, busque explica-lo. Lembre-se: é importante que as pessoas entendam o que esta sendo dito - do contrario, toda a apresentagao perde o propésito Nao usar termos como “cometer”, “suicidio bem ida” O verbo “cometer* remete a nogdo de crime, entao nds falamos “efetuou suicidi morreu de suicidio", dentre outros. “Suicidio bem sucedido" também nao deve ser usado, pois ndo se associa suicicio a sucesso ou fracasso. Por fim, *O suicida” nao deve ser usado em prol de nao estigmatizar o sujeito O QUE FAZER Usar linguagem acessivel. Usar uma linguagem que aquele pliblico entenda, falar com calma pausadamente - e nao utilizar exemplos que fujam da experiéncia daquele publico. Utilizar fontes confiaveis e atualizadas. Vocé nao deve pegar, por exemplo, informagées em blogs. Na minha capacitacao, trago intimeros textos que podem ser utilizados. Dé uma conferida, Desmitificar o tema. Sempre trazer como algo natural. Fale que ¢ normal pensar nisso, que pode acontecer com qualquer um, que todos tem o direito de serem ajudados e ouvidos; que nao é problema algum falar sobre suic Dar exemplos ilustrativos. Tente usar metaforas e elementos do cotidiano - como musicas, livros, filmes. Coisas que falem com a vivéncia daquele puiblico e que facilite a compreensao. Conscientizar o publico. Relativamente autoexplicativo, mas é bom lembrar. Vocé deve conscientiza-los sobre o tema e sobre a necessidade/possibilidade de pedir ajuda quando necessario. Fornecer materiais. E muito importante fazer isso; eu, por exemplo, sempre mando meus slides depois da palestra Se atentar aos sobreviventes. Sempre tomar muito cuidado ao falar para nao parecer que é possivel previnir todo suicidio, pois isso pode gerar um monte dee se..’. "E se eu tivesse feito ital ou tal coisa?”, Muito culdado aos sobreviventes; se coloque no lugar de quem esta te ouvindo: como vocé ficaria ao ouvir o que esta falando? Disponibilizar meios de suporte profissional. > ” Orientacgao e suporte EFEITOS POSSIiVEIS en Alguns efeitos possiveis que podem surgir em decorréncia da sua fala Y CATARSE E DESESTRUTURAGAO Pode acontecer de alguém, ao ouvir o que vocé esta falando, se desestruturar, comecar a chorar profundamente - e vocé precisa estar preparado(a) para lidar com isso, Vocé deve acolher e acalmar o publico, naturalizando, inclusive, o momento. Toda intervencéo deve ser no sentido de mostrar que aquela situagao 6 natural; de que nao ha o que esconder. Por vezes, ¢ recomendado que vocé chame a pessoa para um local reservado para conversar. Por isso que eu recomendo que vocé nao va sozinho, mas va com outra pessoa da area da satide mental que também estude sobre a tematica para que, se necessario, possa amparat a quem precisa IMPACTO E IDENTIFICAGAO Exemplos trazidos podem fazer com que algumas pessoas se identifiquem e se sintam impactadas por eles; e isso também pode gerar uma necessidade de acothimento QUESTIONAMENTOS CRITICOS Pode ser que alguém se revolte com 0 que vocé esta falando e te questione criticamente. Pode ser que pessoas em risco de suicidio estejam ali e se sintam revoltadas com a sua fala - e a questione Ento, vocé precisa estar advertido(a) e escutar essas pessoas; e nao tentar rebater. Se ela traz, por exemplo, que “é s6 tentativa de chamar atencao mesmo’, vocé pode dizer “€? me conta mais 0 que vocé acha sobre isso, compartilha com a gente o que te faz pensar assim’. E entdo, depois de ouvir a pessoa, vocé vai poder ir pontuando e trazendo exemplos - ndo para tentar convencé-la do contrario, mas para ilustrar, para que ela possa entender melhor do que aquilo, de fato, se trata. Saiba que as criticas, questionamentos e ataques que vocé pode receber no so direcionados a vocé, mas a toda uma representagao associada ao estigma, aos discursos que falam sobre suicidio de maneira agressiva ou simplista - que machuca, Vocé esta ali representando uma série de coisas que vieram antes de vocé, inclusive possiveis profissionais (e 0 atendimento pode no ter sido dos methores). Entao, tente lidar com naturalidade (para Isso, vocé vai ter que estar bem trabalhado(a) terapeuticamente). DEMANDAS DE AJUDA Podem aparecer pessoas desesperadas querendo ajuda; vocé deve acolher, deixar seu contato, tentar encaminhar para um servico de suporte profissional.. Vocé vé quantos possiveis descobramentos uma palestra pode ter? Decerto, no é uma coisa to simples que apenas uma cartilha resolveria. 'E necessatio que estejamos advertidos e bem estudados para evitar que, em vez de levar ajuda, levemos 0 caos, No é deixar de falar sobre suicidio, mas falar com cuidado! Até porque, quando introduzimos o assunto, estamos nos implicando em uma quebra de tabu. E as pessoas nao vao ter ideia so porque te ouviram falar sobre suicidio. Traga de uma forma natural. Para a Psicandlise, se nao falamos, agimos; ento, ao permitir que isso seja dito, que essa palavra tenha uma significacdo, ateng&o e cuidado sao necessarios a esse momento. Resolvi trazer, também, um artigo da Soraya Carvalho - © Setembro Amarelo e as repercussGes na satide publica. Nele, a autora traz o Setembro Amarelo em paralelo a lei de oferta e demanda, Ela traz a Lei de Say, aqui, aplicada a logica das campanhas do Setembro Amarelo, nos levando a refletir: se quando aumentamos a oferta, aumentamos a demanda,, pode-se entender que falar sobre suicidio faz com que a orferta de conhecimento aumente e, por conseguinte, a demanda por cuidado aumente, também Fica a reflexdo de que estamos transformando 0 Setembro Amarelo num espaco em que as pessoas podem criar a expectativa de serem ajudadas. Temos responsabilidade sobre isso. A questao 6: estamos abrindo portas - mas permitimos que elas sejam adentradas? Quando falamos de suicidio no Setembro Amarelo, também temos dado a possibilidade de que as pessoas encontrem servigos pelos quais elas possam ser cuidadas? O nosso sistema publico tem possibilidade de acolher essas pessoas? Porque se a gente cria a expectativa de cuidado mas nao a suprimos, estamos reeditando o sofrimento dessas pessoas. A gente esta ctiando uma esperanca e desiludindo essas pessoas Quando eu comeceia falar de suicidio, cheguei a parar meu instagram, porque eu nao tinha um psicélogo para quem indicar, eu nao tinha uma rede, eu nao conhecia muitos psicdlogos que atendiam a essa demanda, Eu parei - e s6 voltei quando eu tinha essa rede mais estruturada. Temos que saber o que estamos fazendo. Do contrario, estaremos fazendo uma falsa politica de prevencio do suicidio. \ -- 66 -------- S Apressa-te a viver bem e pensa que cada dia é, por si so, uma vida. (= = so 99 SENECA, FILOSOFO Cada dia por si sé é uma vida - nao significa que a gente tenha que, entao, colocar pro sujeito uma angtistia pessoal de que ele tem que viver; de que ele deve buscar protongar a vida. O nosso objetivo deve ser o classico "um dia de cada vez". Vivemos um dia de cada vez - e podemos nos esforcar para fazer com que essa vida/esse dia seja bem vivido. Saiba que cada pequeno dia é uma conquista; ndo vamos colocar uma pressao, nas pessoas, maior do que aquela que elas podem suportar. Se essa pessoa suporta mais um dia, vamos trabalhar para que esse dia seja o methor possivel - com menos sofrimento, com menos angustia e com mais possibilidades. Respeite o sofrimento de cada um! E se responsabilize por cada pequena fala: cuide para que essa fala tenha o efeito que vocé, de fato, gostaria que ela tivesse. | os SOs 7 Muito obrigada. Tease a eee SCM EOC acca acetal ly See RON OMRON MS eQie eee sna CMe ecco ce Ronse Me Res eee outed toss oRr ciated Fee eh RN al ec Meare cee eR Reece Maury [rors tela ell ce ESS Quer aprender mais? Faga o curso de Capacitagao pratica em Prevengao do Suicidio. Um curso de introducao a suicidologia, avaliagao e manejo. Clique para se inscrever. EDA © Ama refo

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