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26 onto riniinie “nee 4 Do sistema da common aw, oditeito administrativo brasileiro herdow o prinef- pio da unidade de jurisdicdo, o mandado de seguranga e o mandado de injungio, ‘© principio do devido processo legal, inclusive, mais recentemente, em sua fei substantiva, e que praticamente se confunde com o principio da razoabilidade, hoje 4é aplicado no diteito brasileiro. Em fins do século XX, também herdou do sistema 4a common law o fendmeno da agencificagao e a prépria ideia de regulagao. ‘Até na doutrina social da Igreja foi-se procurar inspiragio para instituir 0 principio da fungao social da propriedade, que deu origem as desapropriagées sancionatérias; e também o prineipio da subsidiariedade, pelo qual o Estado s6 deve atuar quando o particular ndo tiver condligdes de atuar sozinho, hipstese em que deve estimulat, ajudar, subsidiar a iniciativa privada. ‘Também 0 diteito comunitério europeu vem exercendo alguma influéncia mais recente sobre 0 direito brasiteito, com o modelo das parcerias piiblico-privadas € a evolugio no conceito de servigo pico. ‘Talvez.em matéria de bens piblicos é que se encontra alguma coisa de peculiar 20 direito brasileiro, quer na classificagao tripartite dos bens, quer nos institutos ligados & regularizagéo das terras puiblicas, como os conceitos de terras devolutas, de legitimagao de posse eo processo de discriminacéo, quer nos conceitos de terras indfgenas, terrenos reservados, terrenos de marinha. ‘Também é inegdvel que a legislacdo portuguesa sobre terras piblicas, espe- Imente sobre sesmarias e concessio, influenciou grandemente o direito brasi Ieiro, Outra coisa que se fez.no Brasil e também em outros paises foi passar para © direito positivo grande parte dos institutos trazidos do diet francés, como a matéria dos contratos, com as teorias do fato do principe e da imprevisao; e, mais tecenitemente, a teoria dos atos administrativos, em parte positivada pela let que Aisciplina os processos administrativos na drbita federal. Por outtas palavras, en- quanto, no direito francés, o direito administrativo era de formacao pretoriana, jurisprudencial, adaptével de forma mais flexivel ao interesse puiblico sempre cambiante, pelo trabalho criativo da jurisdicéo administrativa, no Brasil essas ‘mesmias teorias e prinefpios foram incorporados ao direito positivo. ‘Além de passar para o direito positivo, as vezes para a prépria Constituigao, determinads institutos do diteito administrativo, ainda se fez legislago que, pelo cexcesso de formalismo, contribui para emperrar o funcionamento da Adminis: tracéo Piblica; tal ocorreu especialmente em matéria de licitagao e contrato, de regime juridico do servidor piiblico, de controle administrativo ¢ financeiro, de administragao indireta, pois a estas se atribuiu regime juridico praticamente igual ‘a0 das entidades piiblicas, tirando muito de sua flexibilidade e da sua prépria razao de exist: vie be ¢Cnetodo Do Administra 277 1.8 TENDENGIAS ATUAIS DO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO As principais inovagées no fmbito do diteito administrativo foram introduzidas apés a Constituigao de 1988, seja com a adogéo dos principios do Estado Demo- crdtico de Direito, seja sob a inspiragéo do neoliberalismo ¢ da globalizaglo, do sistema da common law e do direito comunitério europeu, que levaram & chamada Reforma do Estado, na qual se insere a Reforma da Administragio Pablica e, em consequencia, a introducéo de novidades no ambito do diteito administrativo. Nao se pode deixar de mencionar a influéneia de prinefpios da ciéneia econdmica ¢ da ciéncia da administracao no direito administrativo, com duas consequéncias: de tum lado, a formagio do chamado direito administrativo econdinico (em relagiio 20 qual o direito administrativo tradicional é chamado, pejorativamente, de conser- vador ou, mesmo, ultrapassado) e, de outro lado, a preocupacio com principios técnicos, mais préprios da ciéncia da administracéo, significando um retorno a uma fase anterior em que j houve a confuséo entre os institutos e prinepios jjuridicos, préprios do diteito, ¢ os aspectos puramente técnicos, mais ligados & ciéncia da administra As principais tendéncias do diteito administrative, no momento atual, sera a seguir analisadas. Muitas delas j4 constituem realidade, como o alargamento do principio da legalidade (para abranger, nao s6 a lei, mas também princ{pios e valores), a democracia participativa, o movimento de agencificagéo, a aplicagio do principio da subsidiariedade, a substituigao do quadro de servidores piblicas por mao de obra terceitizada; outras corresponclem a propostas de mudangas,inspi- radas no sistema da common law e no direito comunitério europeu, muitas vezes ficeis de serem aplicadas no direito brasileiro sem que haja maiores mudancas no ordenamento juridico, inclusive na Constituigio. f 0 caso do conceito de servigo ppblico (que, no diteito brasileiro, néo enfrenta a mesma crise que se verifica no dlireito comunitrio europeu, porque previsto na prépria Constituigéo), do prinefpio dda supremacia do interesse puiblico (que est4 na base de todos os ramos do direito piblico), do conceito de contrato administrative, com caracteristicas proprias, que © diferenciam dos contratos privados (conforme esta expresso no direito positivo brasileiro, em relagio a todas as modalidades de contratos administratives, como obras, servigos, compras, alienagdes, concessdes, parcerias piblico-privadas, e cuja cextingdo exigitia a alteragio de parcela considerdvel da legislagio hoje vigente, inclusive de leis esparsas que tratam de contratos especificos, nas dreas de teleco- municagbes, energia elétrica, portos, saneamento e tantas outras) ‘Muitas das tendéncias vém sendo apontadas por parte da doutrina brasileira que se empolga com inovagées impostas pela Comunidade Europeia aos paises ‘membros, sem grandes preocupagées em avaliar se essas inovacbes se amoldam 20 direito brasileiro, Sao mais propostas de inovagdes (de lege ferenda) do que inovagies efetivamente concretizadas. 28 ick Adar * Dee Aala inovadora compée o chamado direito administrativo econdmico (mais: econdmico do que administrativo), que, na realidade, no substitui o direito ad- ministrativo; é apenas uma parte dele e, por isso mesmo, a ele deve amoldar-se. ‘Trata-se de capitulo do diteito administrativo mais voltado para os prinefpios da ordem econémica e muito mais preocupado com o interesse individual da érea ‘econdmica do que com os interesses da coletividade. FE posstvel dizer que se trata apenas ce um capitulo do direito administrativo, porque este ramo do diteito piblico é um dos principais instrumentos de aplicagao da Constituigao. E a Constituigo néo quer apenas a protegao do interesse econd- nico. A Constituigio quer uma sociedacte fratema, pluralista e sem preconceitos. Pluralista & uma sociedade em que todos os interesses, dos variados setores da sociedade, sao protegidos. A douttina pretensamente inovadora 6, em verdade, retrégrada, porque pre-~ gaa volta de prinefpios préprios do liberalismo, quando se protegia apenas uma classe social ~a burguesia-, inexistindo a preocupagiio com o bem-comum, com 0 interesse piblico. Ela esté voltando a ideologia de fins do século XVIIL, sem atentar para os maleficios que dela resultaram. portante realgar também que muitas das inovagies que se busea trazer para o diteito brasileito j4 comegam a reverte 8) a Unio Europetajé retrocedeu no que diz respeito 20 conceito de servigo piiblico, porque admite agora as chamadas obrigagdes de servo piiblico impostas a empresas que pretensamente prestam atividade privada; b)_ aautonomia das agéncias reguladoras ja corre sériosriscos,seja porque no respeitada pelo Poder Executivo, seja porque jé se cogita de sua restrigao por meio de alteracdo legislativa; © allegalidade, a0 mesmo tempo em que sofre ataques, é reforgada pela ampliagao do controle judicial sobre os atos administrativos, com a re- duo da discricionariedade administrativa e do conceito de mérito; 4) 0 prinefpio do interesse piiblico, que vem sendo téo combatido, se re- forca quando a todo momento a sua apreciagio & submetida ao Poder Judicidrio; . ©) a tendéncia a terceirizagio em detrimento dos quadros de servidores também est revertendo, naesfera federal, em decorréncia de aggo civil ptiblica promovida pelo Ministério Piblico, que levou o Governo Federal a firmar termo de ajustamento de conduta para criagao de cargos nos préximos anos. Feitas essas ressalvas, serio a seguir analisadas algumas das principais ten: déncias do direito administrative (algumas reais, outras ndio concretizadas), a saber ‘orgen, bao Conc do Disks Alaa, 29 1. Alargamento do prineipio da legalidade, pela adogao dos prine/pios do Estado Demoerético de Diteito, trazendo como consequéncia a maior limitagéo & discricionariedade administrativa (em decorréncia da submisséo da Administragao Piiblica a prinefpios ¢ valores) e a ampliagéo do controle judicial. Com efeito, desde que formulado, o principio da legalidade passou por toda ‘uma evolugéo, acompanhada de perto pelo direito brasileiro. Com a Constituigo de 1891, instaurou-se 0 Estado Liberal de Direito preocu- pado com as liberdades do cidado. Em decorréncia dessa preocupagao, 0 principio da legalidade tinha sentido restrito: a Administragio pode fazer tudo 0 que a lei no proibe (era o principio da vinculacao negativa, que praticamente se identifica com o principio da autonomia da vontade), A partir da Constituigio de 1934 pdde-se falarem Estado Social de Direito, um Estado prestador de servigos, que foi ampliando a sua atuagao para abranger as reas econémica e social, com o consequente fortalecimento do Poder Executivo. principio da legalidade ampliou-se para abranger os atos normativos baixados pelo Poder Executivo, com forga de lei, ¢ estendew-se a todo 0 ambito de atuagio administrativa. O prinefpio da legalidade passou a significar que a Administragao 36 pode fazer o que a lei permite (principio da vinculacio positiva). Com a Constituigéo de 1988, optou-se pelos princfpios préprios do Estado Democrético de Direito, Duas ideias sto inerentes a esse tipo de Estado: uma con- cepscio mais ampla do principio da legatidade e a ideia de participagdo do cidadaéo na gesto e no controle da Administragio Publica, No que diz. respeito ao primeiro aspecto, 0 Estado Democrético de Direito pretende vincular a lei aos ideais de justiga, ou seja, submeter o Estado nao apenas lei em sentido puramente formal, mas ao Direito, abrangendo todos os valores inseridos expressa ou implicitamente na Constituigao. Nesse sentido, 0 artigo 20, § 3°, da Lei Fundamental da Alemanha, de 8-5-49, estabelece que “o poder legislativo esta vinculado & ordem constitucional; os po- deres executivo e judicial obedecem & lei e ao direito”. Ideias semelhantes foram inseridas nas Constituigées espanhola e portuguesa, ‘No Brasil, embora nao se repita norma com o mesmo contetido, niio ha diivida de que se adotou igtal concepgéo, jé a partir do predmbulo da Constituigao, rico na mengio a valores como seguranca, bem-estar, desenvolvimento, igualdade € justiga. Além disso, 0s artigos 1? a 4* e outros dispositivos esparsos contemplam intimeros prinefpios ¢ valores, como os da dignidade da pessoa humana, 03 va- lores sociais do trabalho e da livre iniciativa, 0 da erradicagio da pobreza, 0 da prevaléncia dos direitos humanos, o da moralidade, publicidade, impessoalidade, ‘economicidade, dentre outros. Todos esses principios e valores so dirigidos aos trés Poderes do Estado: a lei que os contrarie serd inconstiticional; a discrici riedacie administrativa est limitada pelos mesmos, o que significa a ampliag do controle judicial, que deverd abranger a validade dos atos administrativos nao 6 diante da lei, mas também perante o Direito, no sentido assinalado, 80 Dis Admit » DiPewo Vale dizer que, hoje, o principio da legalidade tem uma abrangéncia muito ‘maior porque exige submissa0 ao Direto, 2, Fortalecimento da demoeracia participativa, com a previsio de intime- 10s instrumentos de participagao do cidado no controle e na gestio de atividades da Administragao Pablica, o que nem sempre se efetiva na pratica. Finerente a0 conceito de Estado Democrético de Direito a ideia de participa- go do eidadao na gestio e no controle da Administragao Publica, no processo politico, econdmico, social e cultural; essa ideia est incorporada na Constituigéo nfo s6 pela introdugo da Formula do Estado Democratico de Direito ~ permitindo falar em democracia participativa -, como também pela previstio de varios instr mentos de participagao, podenclo-se mencionat, exemplificativamente, o direito a informagao (art, 5°, XXXIID, o direito de denunciar irregularidades perante 0 ‘Tribunal de Contas (art. 74, § 28), a gestao democratica da seguridade social (art. 194, VID, da satide (art. 198, 11D, do ensino piiblico (art. 206, VD, sem falar em iniimeras normas contidas na legislagao ordindria prevendo também essa parti- cipagio, como ocorre na Lei Geral de Telecomunicagdes, na Lei de Licitagées e Contratos, na Lei de Proceso Administrativo. Aideia & reforgada com a introduggio do § 3° no artigo 37 da Constituigio pela Emenda Constitucional 19/98, que prevé lei que discipline as formas de partici- pacdo do usuério na administragao direta e indireta. 3. Intimamente relacionada com a ideia de participagio ocorreu a proces- sualizagao do direito administrativo, especialmente com a exigencia const: tucional do devido processo legal, que exige, entre outras coisas, a observancia de” formalidades essenciais proteco dos direitos individuais, como a ampla defesa, ‘o contraditério, o diteito de recorrer, a publicidade. 4. Pressio no sentido da ampliagao da disericionariedade adminis- trativa, fazendo renascer, inclusive, a ideia de discricionariedade técnica, para reduzir 0 controle judicial sobre atos da Administracio. A discricionariedade costuma ser definida como a faculdade que a lei confere a Administragao para apreciar o caso concreto, segundo critérios de oportunida de e conveniéncia, e escother uma dentre duas ou mais solugbes, todas validas perante o Direito O conceito de discricionariedade néo permanecew estatico no tempo. Sta evo- lugao acompanhow a evolugao do principio da legalidade. Quanto mais se amplia oconceito de legalidade, mais se reduz a discricionariedade administrativa No perfodo do Estado Liberal de Direito, a legalidade somente se aplicava a ‘uma esfera restrita de atuagio administrativa, naquilo que dissesse respeito as restrigées aos direitos individuais; em tido o mais, a Administragao Publica era livre para agir; ela dispunha de ampla margem de discricionaridade. Nesse perio do, alegalidade significava a sujeigdo 4 lei editada pelo Parlamento, que era visto ‘como 0 tinico ente que representa a vontade geral do povo. ign, oboe cane do Duco Asia 31 Com o Estado Social de Direito, houve um fortalecimento do Poder Executivo, de novas fungdes na area social e econdmica e, paralelamente, normativa, envolvendo a possibilidade de editar normas com forga de lei (medidas provisérias, regulamentos auténomos, decre- tos-leis, leis delegadas ou outras modalidades). Conforme visto no item anterior © principio da legalidade ampliou-se para abranger as leis ¢ os atos normativos baixados no Ambito do Poder Executive, Além disso, passou a abranger toda a esfera de atuacio da Administracio Publica, dando origem ao postulado segundo © qual a Administragéo Publica s6 pode fazer 0 que a let permite. Gom o Estado Democratico de Direito, conforme assinalado, a legalidade passou a significar a sujei¢ao ao Direito (lei valores, princfpios) Além disso, verifica-se nova ampliagéo da fungéo normativa, agora niéo do Poder Executivo, encarnado pelo Presidente da Reptiblica, mas da Administragiio Piiblica, com a chamada funao reguladora exercida pelas agéncias. Hoje, pode-se dizer que existem duas tendéncias opostas, revelando mais um paradoxo do direito administrativo: a) de um lado, os neoliberais, sob inspiragéo do diteito estrangeito, pro- pugnam pela ampliagio da discricionariedade: a ideia de substituir a ‘Administracio burocrética pela Administragao gerencial depende, em grande parte, do reconhecimento de maior liberdade decisbria 20s di rigentes; por isso se diz.que o direito administrativo attapalha as refor ‘mas, porque ele se apoia no principio da legalidade, que exige lei para dar fundamento a decisées administrativas; principio da legalidade também “atrapalha” a funcio normativa das agéncias reguladoras; b) de outro lado, ha a tendéncia também bastante forte dos chamados “conservadores’, ealeada no direito positivo e na Constituigae, que defende maiores limites a discricionariedade administrativa, exata- mente pelo fato de que a sua atuago tem que ter fundamento na lei, mas também tem que observar os limites impostos pelos principios e valores adotados explicita ou implicitamente pela Constituicao. Hoje a lisericionariedade é limitada por prinelpios como os da razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, interesse piiblico, impessoalidade, seguranga juridica, sem mencionar os valores inseridos nos artigos 1* ‘4° da Constituiglo. A tal ponto vai a importncia dos principios que ‘sua inobservncia caracteriza ato de improbidade definido no artigo 11 da Lei n° 8.429, de 2-6-92. Sao principios e valores que devem ser observacios pelo legislador e pela autoridade administrativa e que, em consequéncia, podem ser apreciados pelo Poder Judicidtio, seja para decretar a inconstitucionalidade de leis, seja para declarar a nulidade de atos administrativos 32 Diet Adina © DsMeto Essa mesma dualidade de tendéncias verifica-se com relago & chamada discricionariedade téenica: 05 da primeira corrente defendem a impossibilidade dde apreciagao judicial, exatamente por envolver aspecto técnico que compete & ‘Administragéio Publica definir; os da segunda corrente defendem, com razfo, a iilidade de apreciagao judicial, ja que nao se trata de verdadeira discricio natiedade; se ¢ téenica, pode levar a uma solugio tinica com o auxilio de peritos. Onde nio existe possibilidade de opgéo para a Administragéo Publica entre dues ‘ou mais solugées vilidas perante o diteito ndo se pode falar em discricionariedade. Em consequéncia, a apreciacio judicial é sempre possfvel. 5, A pretensa “erlse na nagio de servigo puiblico”, pela tendéncia de transformar servigos pliblicos exclusivos do Estado em atividades privadas abertas A livre iniciativa e a livre concorrénecia. ‘Segundo boa parte da doutrina, estariamos passando por uma crise na nogio de servigo piblico. Na realidade, o conceito nao esté sendo alterado; 0 que existe 6 uma pressio no sentido de diminuir o rol de servigos ptiblicas ou mesmo aca- bar com esse tipo de atividade, especialmente quanto as de natureza econ6mica. Softe-se, no caso, influéncia do direito comunitério europeu, No seio da Unio Euiropeia (como também no diteito brasileiro, conforme ar- ‘igo 170, caput e inciso IV, da Constituico) adotam-se como postulados da ordem econdmica a liberdade de iniciativa e a live concorréncia. Em decorténcia disso, a Corte de Justiga da Unido Europeia entende que a ideia de que existam servigos piiblicos exclusivos do Estado é contraria a ideia de livre inicativa; e a idein de ‘que servicos piiblicos possam ser prestados por empresas estatais contraria a livre - concorréncia, Dat terse adotado ¢ imposto aos pafses-membros a substituigio do conceito de servigo pUblico por servigo de interesse econdmico geral. A consequéncia foi a priva- tizagéo de empresas estatais, a privatizagao de servigos piblicos (niio da forma de ‘gestdo, mas das atividades, que passaram a ser consideradas de natureza privada), com a devolucio das mesmas & livre iniciativa, a liberagao de pregos etc. No direito francés, onde nasceu ¢ se desenvoiveu o conceito de servigo piblico, houve sétia oposisao a essa muddanga; porém, adotou-se o conceito de servigo de in. {eresse econdmico geral para as atividades econdmicas exercidas pelo Estado, mas Imanteve-se 0 conceito de servico ptiblico para as atividades sociais do Estado, A consequéncia de privatizar uma atividade, colocando-a na livre initativa, & ‘que o particular nao tem o dever de presté-la; quand o direito frances elaborou! 0 conceito de servigo piblico foi exatamente pela ideia de que somente o Estado tem o dever de assumir atividadles essenciais, ainda que com prejufzo ou inteiramente as custas do dinheiro puiblico, Além disso, sendo o servigo prestado pelo particu lar, como atividade privada, nao se aplicam prineipios como os da continuidade, universalidade, isonomia e outros inerentes & prestagio de servigos piblicos. Dat Corte Furopeia ter retrocedico um pouco e passado a permitir, em determinadas atividades econémicas consideradas essenciais (como telecomunicagies, energia osigen objet ees do Deo Mniseanvo 33 létrica e outras), a imposigio de obrigagées de servigo piblico, especialmente a universalidade e continuidade. No diteito brasileiro, a doutrina adepta do neoliberalismo forga a adogéo das mesmas inovagées, mas a dificuldade & grande porque & a prépria Constitui¢éo ‘que prevé expressamente a competéncia exclusiva do Hstado para a execucio de vvrias atividades, como ocorre no artigo 21, XI e XII. E continta a fazer referéncia ‘a servigos piiblicos, especialmente no artigo 175. (0 que vem ocorrendo ¢ uma privatizagéo parcial, feita pela legislagio ordind- ria, a0 artepio da Constituigéo, como na legislagio de telecomunicagées, energia clétrica, corteios, portos. 6. Movimento de ageneificagio, com a outorga de fungao regulatéria ae agéneias reguladoras instituldas como autarquias de regime especial Paralelamente & privatizagio de empresas estatais, surgit 0 movimento ja chamado de agencificacio, com a criacao de agéncias reguladoras com a natureza ‘de autarquias de regime especial, a que a let atribui fungi de regulacéo. Segundo alguns, como Margal Justen Filho, trata-se de mais uma fungéo administrativa, ao lado das quatro tradicionais: servigo ptilico, policia administrativa, fomento e intervengio. ‘Aqui se nota a influéncia do sistema da common lav. Nos Estados Unidos, a Administragao Piblica & composta por agéncias com Fangio, quase legislaiva e quase judicial. E 0 direito administrativo € 0 conjunto dde normas postas pelas agéncias. A fungéo é quase legislativa porque as agéncias recebem, por lei, quando ctiadas, 0 poder de baixar normas com forga obrigatSria. Mas a fungiio & quase legislativa porque as normas das agéncias estao colocadas abaixo das leis na escala hierérquica, podendo ser invalidadas por decisio judicial, quando contrariem as leis, seja por infringéncia dos standards, principios, dretrizes contids na le (prin- eipio do devido processo legal substantivo), seja por inobservancia do processo de elaboragio das normas, em que a participagao do cidadéo constitui obrigatéria em varias fases, ‘A fungio & quase judicial porque as agéncias resolve conflitos entre pres- tadores de servigo ou destes com os usudrios. F suas decisées sio passiveis de apreciagao judicial. ‘A justificativa para a delegagao de fungo normativa as agéncias baseou-se em verdadeiro tripé construido pela Corte Suprema: a) alleidelega essa fungdo a agéncia, mas o faz limitadamente, na medi ‘em que os regulamentos por elas baixados devem obediéncia aos conc tos indeterminados contidos na lei; quer dizer que se aclototo sistema da chamada lei-quadro; os regulamentos baixados pelas agéncias sio obtigatérios, tém forga de lei e podem inovar na ordem juridica; mas 84 Dect Adnan + Deke tém que sujeitar-se aos standards contidos na lei; da falar-se em fungao quase legislativa; para dar legitimidade a essa fungao, instituiu-se um procedimento a ser obrigatoriamente observado, seja nas decisdes dos casos concre tos, seja na elaboragio dos regulamentos; ¢ esse procedimento exige obrigatoriamente a partieipagio dos interessados, em maior ott menor scala, nas varias fases de elaboragio da norma, com obrigatoriedade de divulgagao dos projetos, realizagdo de audiéncias piiblicas, recebimento de sugestes, obrigatoriedade de motivagio quanto a aceitagao ot no dessas sugestées pela agéncia; vale dizer, impés-se 0 devido proceso legal, em sua feigao adjetiva, para elaboracio dos regulamentos pelas agéncias; © para aperfeigoar o controle judicial, construiu-se a doutrina do devido processo legal substantivo, que permite ao Judicidtio examinar, além da observancia do procedimento pela agéncia, também a razoabilidade de suas dlecisies diante dos conceitos jurfdicos indeterminados contidos na lei; quer dizer que a evolugao do prinefpio do devido processo legal deu-se no sentido de tornar cada vez mais rigoroso o formalismo do procedimento, com exigéncias feitas pela Corte Suprema quanto & mo tivacio, & racionalidade das decisdes diante das daclos colhides pelas agéncias, & relagio custo-beneffcio das medidas e normas adotadas. Mesmo no direito europeu, onde se adota o nome de autoridades adminis- trativas independentes, ao invés de agéncias (Franga, Itélia, Portugal, Espanha), também se fala de um direito negociado como nova forma de regulagio juridica, Ao lado do direito posto pelo Estado (que continua como principal fonte de pro- dugio do diteito), surge outta forma de regulagéo, que resulta do consenso dos interessados. B esse direito negociado passa a integrar 0 orcenamento juridico, dentro da hierarquia das normas, No direito brasileiro, 0 modelo norte-americano enfrenta algumas dificulda- des. A delegacio legislativa néo encontra fundamento na Constituisio, a no ser has hip6teses expressamente previstas. A participagao ou nio é prevista para o processo de elaboracio de normas pelas agéncias ou & prevista sem cardter de Obrigatoriedade, o que retira grande parte da legitimidade democrética da atuaciio das agencias. E 0 principio do devido processo legal em sua feigio substantiva 6 de aplicagio recente e muito restrita no dircito brasileiro, sem falar nas testrigées impostas pelo Supremo Tribunal Federal ao cabimento das agées diretas de in- constitucionalidade contra atos normativos da Administragio Publica De qualquer forma, as agéncias vém sendo instituidas em grande quantidade e vem exercendo funcio reguladora, o que abrange competéncia normativa (limi- ‘ada pelo principio da legalidade), policia administrativa, resalucio de conflitos, embora sem forga de coisa julgada. orgen, coe Cnctn do Disko adnate 95 Essa fungio normativa das agéncias reguladoras nao constitui propriamente novidade no direito brasileiro, porque desde longa data existem autarquias de regime especial no dreito brasileiro, como existem 6rgaos eentidades autarquicas com esse tipo de funcio, 7. Aplicagéo do principio da subsidiariedade, com as seguintes con: sequéncias: privatizagio de empresas estatas, privatizagao de atividades antes consideraclas servigos puiblicos, ampliagao da atividade de fomento, ampliacio das formas de parceria do setor piiblico com o setor privado, crescimento do terceiro setor, © principio da subsidiariedade, embora bem anterior & nova concepgio de Estado de Direito Democratico, assume agora importdncia fundamental na defi nig do Bstado. Ele se desenvolveu em fins do século XIX ¢ comego do século XX, dentro da Doutrina Social ca Igreja, prineipalmente pelas Enefclicas Rerum Novarum (1891), ce Leao XII, Quadragesimo Anno (1931), do Papa Pio XI, Ma- ter et Magistra (1961), de Jodo XXIII, e, mais recentemente, Centesimus Annus (4990), de Jodo Paulo I Duas ideias fundamentais séo inerentes ao principio: de um lado, a de respei- to aos direitos individuais, pelo reconhecimento de que a iniciativa privada, seja através dos individuos, seja através das associagées, tem primazia sobre a iniciativa estatal; em consonancia com essa ideia, o Estado deve abster-se de exercer ativi- dades que o particular tem condigées de exercer por sua pr6pria iniciativa e com seus pr6prios recursos; em consequéncia, sob esse aspect, o prine(pio implica uma limitagao intervengao estatal. De outro lado, o Estaco deve fomentar, coordenar, fiscalizarainiciativa privada, de tal modo a permitir aos particulates, sempre que possivel, 0 sucesso na condugdo de seus empreendimientos. Esse principio foi adotado na Constituigdo de 1967, com a regra de que 0 Estado somente deve exercer atividade econdmica para subsidiat a iniciativa pri- vada quando ela seja deficiente, Na Constituicio atual, contém-se, em termes um pouco diversos, no artigo 173, caput, em que esté determinado que a atividade econ6mica s6 deve ser exercida pelo Estaco por motivo de seguranga ou interesse coletivo relevante, conforme definido em lei. Embora previsto apenas com relagso as atividades econémicas, o prinefpio vem sendo aplicado com relagao aos servicos sociais ndo exclusivos do Estado. Da aplicagio desse princfpio resultam algumas consequéncias: (a) a privat zagio de empresas estatais, para que as atividades assumidas pelo Estado sejam devolvidas & iniciativa privada; (b) a ampliagéo da atividade de fomento,seja na rea econdmica, seja na dea social, com o tessurgimento de formulas néo tio novas, como a concessio de servigos puiblicos (agora sob nova verso ~ concessio ppatrocinada, como uma das formas de parceria piiblico-privada instituida na Lei n? 11.079/2004), o surgimento de novas formas de parcetia com a iniciativa privada, ‘0s contratos de gestiio com as organizagbes socias, os termos de parcetia com as, “organizagies da sociedade civil de interesse piiblico (OSCIP); como consequéncia, 36. Dice Admiatio + Divito hd um crescimento considerdvel do chamado terceiro setor, que abrange entidades ‘que ficam a meio caminho entre o piiblico eo privado, por desempenharem ativi- ddades de interesse pico, muitas delas com incentivos do Estado; nova concepcio do interesse piblico, jd que a sua tutela deixa de ser vista como de ttularidade do Estado, ara ser: assumida também pelo particular; diminuicao do aparelhamento administrativo do Estado, como consequéncia da diminuigao de suas atividades. 8. Tentativa (em grande parte frustrada) de nistragdo Péblica Gerencial, que envolve: maior discricionariedade para as autoridades administrativas, substituigio do controle formal pelo controle de resultados, autonomia administrativa, financeira e orcamentaria; 0 pr ipal ins trumento seria o contrato de gestiio, que nio tem tido 0 alcance pretendido pelos idealizadores da reforma administrativa, pela falta de promulgagao da lei revista no artigo 37, § 8, da Constituigdo, _ 9. Reacéo contra 0 principio da supremacia do interesse priblico,! seja para banilo do mundo do diteito, seja para reconstru-lo, O que se alega é a inviabilidade de falar em supremacia do interesse puiblico sobre o particular, diante da existéncia dos direitos fundamentaisconstitucionalmente garantidos. False em indeterminagag do conceito, Fala-se em ponderagiio de interesses para substituit a ideia de supremacia do interesse ptiblico, Defende-se a aplicagéo do prinefpio da razoabilidade também em substituigao ao da supremacia do interesse puiblico. Em verdade, os que se opiem a aplicagio do principio da supremacia do inte- ree idlen Partem de uma errénea interpretacao de seu significado. Dio a ele uma generalizagdo que jamais exist, pois & evidente a impossibil aatquer taco decolto en o poe o puvad, fae prevaleet op. ‘eito; se assim foss, realmente nfo haveria como garantit os direitos individuais Mas também niio se pode esquecer que nfo existe diretto i ‘ha Constituigéo sofrem limitagées que sio impostas pelo ordenamento juridico, precisamente para definr os seus contornos e impedir que o sen exerccio se face em prejuizo dos direitos dos demais cidadaos e da coletividade. © prinefpio da suptemacia do interesse ptblico esté na base de praticamente tvlas fangs do Estado ede ods os ramos do dro plc, Ed presente ‘nos quatro tipos de funsdes administrativas: servigo piiblico, fomento, polfcia ad. ministrativa e intervengio, Pode-se dizer que ele é inerente ao pr6y il é oD inerente ao préprio conceito de servigo piblico; este & pico porque € de tiulardade do Estado, & de ttulaidade do stad pore atende a necessidades coletivas. Daf apontar-se como caracteristicas do servigo pit blico © elemento subjetivo (titularidade cio Estado), 0 elemento objetivo (prestagao Sobre 0 assunto,v.Supremacia do interese pila e outros temas elevontes do dveito administra. {vo (Coord. Marin Sylvia Zanela DiPietro e Carls Vinicius Alves Ribeiro). So Palo: Alas, 2010, orien, Ore Coco Deo Minato 37 de atividades que atendem ao interesse coletivo) ¢ 0 elemento formal (submissio total ou parcial ao regime jurfdico de direito pitblico). © principio da supremacia do interesse ptiblico esté também na base da ativi- dade de fomento, pela qual o Estado subsidia, incentiva, ajuda a iniciativa privada, exatamente quando considera que o particular metece essa ajuda porque esté atuando em beneficio do interesse piblico, paralelamente a0 Estado. (0 interesse piiblico constitui 0 préprio fundamento do poder de policia do Estado e também da atividade de intervengéo no dominio econdmico; por me! dleles, 0 Estado impée restrigées ao exercicio de direitos individuais para beneficiar ‘ interesse da coletividade, E 0 que ocorre também em relacéo ao principio da fungéo social da propriedade, que justifica a imposigdo de restrig6es ao exercicio do direito de propriedade em beneficio do interesse public, Trata-se de restrigdes, iuitas delas previstas na propria Constituigao, e que sempre conviveram com os direitos fundamentais, Note-se que o direito administrativo nasceu exatamente no perfodo do Estado liberal em que a grande preocupagéo era a de proteger os direitos individuais frente aos excessos do poder. Por isso mesmo se diz que o direito administrativo se caracteriza pelo bindmio: liberdade e autoridade. (0 principio da razoabilidade (com as caractertsticas da necessidade, proporcio: nalidadle e eficdcia) sempre foi invocado pela doutrina como necessério para que © poder de polfcia seja exercido sem eliminar os direitos individuais (¥ item 5.7 deste livro). No livro Discricionariedade administrativa na Constituigdo de 1988 (2001, Capitulo 5), apontamos doutrina e jurisprudéncia (bem antiga, por sinal) defendendo a ideia de que a restricio aos direitos individuais tem que ser razodvel em relagio aos fins a atingit. ‘A defesa do intetesse ptiblico corresponde ao préprio fim do Estado. O Esta- do tem que defender os interesses da coletividade. Tem que atuar no sentido de favorecer o bem-estar social. Negar a existéncia desse principio é negar 0 préprio papel do Estado. 0 principio da supremacta do interesse piiblico nfo coloca em risco os direitos individuais, porque tem que ser aplicado em consondncia com os prineipios todos que informam 0 direito administrativo, como os da legalidade, impessoalidade, razoabilidade, seguranga juridica ¢ tantos outros consagrados no ordenamento juridico, Ele protege os direitos individuais. Veja-se que 0 direito administrativo hasceu justamente no perfodo do Estado liberal, cuja preocupagao maior era a de proteger os direitos individuais frente aos abusos do poder. Protegeu tanto a liberdade, que acabou por gerar profunda desigualdade social, porque, afinal, os homens néio nascem tio livres e iguais como pretendia Rousseau e como foi afi mado no artigo 1° da Declaragao Universal dos Direitos do Homem. ‘A preocupagiio com a protegio do interesse piblico nasceu com o Estado Socal Endo nasceu para proteger um interesse piiblico tinico, indeterminado, dificil ou vel de definir-se. Fle nasceu para proteger 0s varios interesses dlas varias 1 sociais. Ele nao afetou os direitos individuais, mas passou a conviver com 38. Deets adnate + bP les. Tanto assim é que, paralelamente ao prinefpio do interesse pili * te a interesse pab 0 direitos sociais e econdmicos ects eee Por isso mesmo, odireito administrativo se caracter: i © direito vo se caracteriza pelo bindmio autorid. de/liberdade, A Administragéo Pablica tem que ter prerrogativas que lhe garantam { aoridade necessva para a consecuedo do interese pico Ao mesmo tempo, © cldaddo tem que ter garantias de observancia de seus di ndamentais contra os abusos do poder. Gee eer Esse bindmio autoridade/liberdade esta presente em todos os instt : ndmmio au resente em nstitutos do iret adminstrativo, Na evolugéo desseramo do drei, pode o pnd do relégio pender mais para um lado do que para o outro. O haja u sil pe que p ideal € que haja um Porisso se fala em principio da razoabilidade. Isto nao impli i ‘ . Ito nao implica negar o principio da supremacia do interessepiblico. Na realidad, a razoalidade ou proporca nalidade (como preferem alguns), pressupée a existéncia de um interesse pibico ser protegido. A razoabilidade exige relagio, proporcéo, adequacio entre meios fe fins. Quais fins? Os que dizem respeito ao interesse pibico. Isto que esté sendo dito por alguns pretensos inovadores sempre esteve pre- sent, espcilmente no que diz espeito ao pode de poi to nio €novidade isto é velho ese conserva novo, atual, porque ¢indispensdvel A busca do equilforio, entre o direito individual eo interesse piblico, 10, Tentativa de fuga do direito administrativo, tendéncia que nao tem como concretizar-se com a extensfo que se possa pretender, tendo em vista que o lito privado, quando utilzado pea AdministagioPiblca,é sempre dro gado parcialmente por normas de diteito publico, muitas 1m Fan sad pari Pi delas com fundamento Com efeito, uma das tendéncias que se nota atualmente, com relagio a int- ti ais do direto administrativo, éa de caminhar para uma privatizacio do préprio regime juridico a que se submete a Administragao Publica, para escapar as normas sobre lcitago, contrato administrativo, concurs pifblico ¢ ‘outras normas constitucionais sobre servidores piblicos, controles formals, regras sobre orgamento e contabilidade publica : Em parte da doutrina brasileira sente-se uma presso no sentido de acabar com a existéncia de um regime juridico de diteito puiblico para os contratos ad ministrativos. Especialmente, quer-se acabar com as chamadas eldusulas exor- bitantes, que asseguram a Administracao Publica determinadas prerrogativas que a colocam em posigio de desigualdade perante o contratado. Certamente os doutrinadores adeptos dessa ideia esto mal informados sobre os contratos cele- brados pela Administragio Pablica no sistema da common law. Iludem-se ao supor que em ais contratos o Poder Piblico se coloca em posicao de igualdade com os Particulares. Embora se afirme que todos os contratosfirmados pelo Poder Piiblico tém a natureza de contratos privados, na realidade, neles aparece prerrogati- vas muito semelhantes as dos contratos administrativos submetidos, no direito oven, oboe Cnc da Dice Adeiavo 99 brasileiro, a regime jurfdico de direito piblico (cf. Di Pietro, 1989, p. 59 ¢ 62). 0 caso do poder sancionatério e dos poderes de alteragio e rescisio unilateral ‘Nem poderia ser diferente. Como se pode conceber que a Administracio fique impedida de alterar ou rescindir um contrato que se revele contrério ao interesse do meio ambiente, do patriménio piiblico, da qualidade do servigo, do avango tecnolégico ou qualquer outro interesse da coletividade? A tese € insustentavel e Evidentemente, a fuga do direito administrativo nao pode e nfo serd total. Em. primeiro lugar, porque os préprios instrumentos utilizacos pela Administragao Pi blica para transferir a gestdo de servigos piiblicos aos particulares sto regidos pelo direito administrativo, como ocorre com os contratos de concessio, os contratos de gestdo, os convénios, os termos de parceria, tendo de sujeitar-se aos controles da Administragéo Publica, inclusive do Tribunal de Contas. Em segundo lugar, porque o regime juridico a que se submete o particular que exerce atividade estatal E hibrido: se é verdade que a entidade atua sob o regime do direito privado, nio 6 menos verdade que sio de direito piilico as normas sobre os bens utilizados na prestaciio dos servigos, sobre responsabilidade civil perante os usuarios, sobre 0s prinefpios aplicdveis A prestagio do servico, sobre os poderes exercidos pelo poder piblico, sobre as prerrogativas piblicas outorgadas ao particular. No caso das atividades sujeitas a regulacio por agéncias reguladoras, as normas postas pelas mesmas compéem um direito administrativo de natureza talvez um pouco dliversa (pela origem do érgio de que emanam) e que imprimem menos seguranga Juridica (porque nfo sujeitas a qualquer processo de elaboracéio normativa, seja para sua formulagdo, seja para sua alteragao e revogacio) ¢ com a desvantagem de ‘serem baixadlas sem a observancia do princfpio democrético presente no processo previsto constitucionalmente para o Poder Legislativo. Na realidade, a Administragio Pablica nunca deixou de aplicar 0 direito pri vvado em intimeras hipéteses. No diteito brasileiro, por exemplo, ela celebra con- tratos de direito privado, cria empresas sujeitas ao regime das empresas privadas, contrata servidores sob regime da CLT. Por isso mesmo, muitos autores, desde longa data, falam na existéncia de um direito administrative em sentido amplo, que abrange o regime juridico de direito piblico e o direito privado a que se submete a Administracao Pablica; € em direito administrativo em sentido estrito, correspondente a um regime juridico de direito piblico, derrogatério e exorbitante do direito comum, com restrig6es € prerrogativas destinadas a, de um lado, garantir a autoridade do poder piblico e, de outro, respeitar os direitos dos cidadéos. Por mais que se idealize a fuga do direito administrativo, ela nunca poder ser integral, porque, mesmo quando se socorre de institutes do direito privado, tais normas so parcialmente derrogadas pelo direito pubblico.

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